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§ 3.

Teoria Geral da Lei Penal: fontes, interpretação e aplicação da lei penal (I)

Sumário: 7. O princípio da legalidade e seus corolários: as especialidades quanto às


fontes, interpretação e aplicação da lei penal. 7.1. O princípio nullum crimem, nulla poena sine
lege. 7.1.1. Âmbito de aplicação ou da extensão. 7.1.2. Princípio da reserva de lei. a. Âmbito da
reserva de lei. b. Exclusão do direito consuetudinário como fonte de definição de crimes ou de
punição penal. 7.1.3. Princípio da tipicidade. a. Princípio da determinação das normas penais
incriminadoras. b. A proibição da analogia. c. Princípio da conexão. 7.1.4. Princípio da não
retroactividade da lei penal. 7.1.5. Princípio da jurisdicionalidade. 7.2. Interpretação e
integração da lei penal. 7.2.1. Proibição da analogia e da interpretação extensiva em Direito
Penal. a. Âmbito da proibição. 7.2.3. Conclusões.
Bibliografia:

7. O princípio da legalidade e seus corolários: as especialidades quanto às fontes,


interpretação e aplicação da lei penal

Vimos, em aulas anteriores, que à luz de um conceito material de crime, o


Direito Penal tem como função exclusiva, a protecção subsidiária (ou de ultima ratio)
de bens jurídicos, dotados de dignidade penal. Ou seja, não de quaisquer bens
jurídicos, mas tão só de bens jurídico-penais.
Protecção essa que, no entanto, se traduz em diversos custos para os cidadãos.
Custos que, por sua vez, se traduzem na restrição de direitos fundamentais, uma
intervenção restritiva tripartida. A primeira restrição consiste na proibição, ou na
obrigação de uma determinada conduta; a segunda, na submissão ao processo penal
daqueles que forem suspeitos da prática dessa conduta; e a terceira, na punição
daqueles que forem considerados culpados de uma dessas violações1.
O princípio do Estado de Direito (aqui aplicado ao problema do Direito Penal)
conduz a que a protecção dos direitos, liberdades e garantias seja levado a cabo, não
apenas através do Direito Penal (quando se criminalizam condutas para proteger
determinados bens jurídicos carecidos de tutela), mas também perante o Direito
1
É esta a abordagem de LUIGI FERRAJOLI: Derecho y razón, p. 209, louvando-se em FRANCESCO CARRARA:
Programa. PG, 1, p. 3; e em FRANCESCO CARNELUTTI: Teoria generale del reato, pp. 16-17. No mesmo
sentido, embora com uma formulação diferente, “ameaça”, “imposição”, e “execução” da pena, cfr.
CLAUS ROXIN: “Sentido e limites da pena estatal”, p. 26.

1
Penal, no sentido de reduzir esses custos para a liberdade ao mínimo necessário
(intervenção mínima), sem perder de vista a sua necessária eficácia (adequação) e
eficiência (razoabilidade), em homenagem ao princípio da proporcionalidade, ou da
proibição do excesso. Dito de outra forma, “uma eficaz prevenção do crime, que o
Direito Penal visa em último termo atingir, só pode pretender ter êxito se à
intervenção estadual forem levantados limites estritos – em nome da defesa dos
direitos, liberdades e garantias das pessoas – perante a possibilidade de uma
intervenção estadual arbitrária ou excessiva” (Figueiredo Dias).
Esta possibilidade de arbítrio ou excesso limita-se, em primeiro lugar,
submetendo a intervenção penal a um rigoroso princípio da legalidade, cujo conteúdo
essencial se traduz em que não pode haver crime, nem pena que não resultem de
uma lei prévia, escrita, estrita e certa. Por outras palavras, nenhum comportamento
humano pode ser considerado criminoso se não corresponder a um tipo legal de
crime, descrito com precisão por um preceito legal: nullum crimen sine lege, nulla
poena sine lege, nulla pena sine judicio (Feuerbach).
Para além da sua natureza de garantia, esta ideia aparece-nos
conceptualmente ligada à ideia de prevenção geral. A ameaça de pena deve funcionar
para constranger o cidadão a não cometer crimes. Para tanto, é necessário que os
destinatários conheçam quais são os factos cuja prática comporta a aplicação de uma
pena criminal.

7.1. O princípio nullum crimem, nulla poena sine lege

O princípio da legalidade tem como fundamento a garantia dos direitos


individuais. Enquanto submissão do poder de punir o Estado à lei, o princípio da
legalidade tem esse fundamento: garantir os direitos individuais do cidadão. Nestes
termos, estabelece a Constituição que “Ninguém pode ser sentenciado criminalmente
senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer
medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior” (art.º
60.º/1 da CRM, e art.º 1 do CP).
Este princípio tem depois como corolários: (1) Princípio da reserva de lei
(nullum crimen, nulla poena sine lege scripta); (2) Princípio da tipicidade (nullum

2
crimen, nulla poena sine lege certa); (3) Proibição da analogia (nullum crimen, nulla
poena sine lege stricta); (4) Princípio da conexão (nulla poena sine crimen); (5)
Princípio da não retroactividade da lei penal (nullum crimen, nulla poena sine lege
praevia); (6) Princípio da jurisdicionalidade (nulla poena sine judicio).

7.1.1. Âmbito de aplicação ou da extensão

Tendo em conta a sua natureza jurídica – um limite à restrição de direitos,


liberdades e garantias, neste caso, à intervenção punitiva – o princípio da legalidade
não cobre, do ponto de vista da sua função e o do seu sentido, toda a matéria penal,
mas apenas aquela que se traduza em fundamentar ou agravar a responsabilidade
do agente. Por isso, o princípio cobre toda a matéria relativa à tipicidade, mas já não a
que respeita às causas de justificação ou às causas de exclusão ou de diminuição da
culpa.

7.1.2. Princípio da reserva de lei: nullum crimen, nulla poena sine lege stricta

No plano da fonte, o princípio da legalidade traduz-se na máxima: nullum


crimen, nulla poena sine lege stricta. Significa, reserva de lei em matéria de crimes,
penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos (normas penais positivas),
bem como no processo penal. Ou seja, as normas penais que criem, ou ampliem a
incriminação (ao afectarem a segurança e as liberdades individuais), só podem ser
aprovadas pela Assembleia da República ou, pelo menos, pelo Governo, mediante
Decreto-Lei, devidamente autorizado pela Assembleia da República (v. art.ºs 178.º/3
da CRM), nos termos dos art.ºs 179/1 e 180/1da CRM.
Por conseguinte, o Governo só pode legislar sobre essas matérias mediante
delegação de competência da Assembleia da República (v. art.º 178/3 da CRM). O que
significa, a proibição de intervenção normativa de regulamentos, não podendo a lei
cometer-lhes tal competência.

3
Só assim se cumpre a exigência de lei formal, ou de acto legislativo (cfr. art.º
142/1 da CRM, e a distinção entre actos legislativos e actos normativos) 2.

a. Âmbito da reserva de lei

A este propósito, ao abrigo de uma particular interpretação do princípio da


separação de poderes, e de uma interpretação meramente objectivista da reserva de
lei, pode suscitar-se um problema: saber se a reserva de lei cobre apenas a actividade
de criminalização ou de agravação (normas penais positivas), ou se também abrange a
actividade de descriminalização ou atenuação da responsabilidade criminal.
A reserva de lei incide apenas sobre as normas penais positivas? Ou incide
também sobre as chamadas normas penais negativas – eximentes ou atenuantes da
responsabilidade criminal?
Uma posição consiste em dizer que se aplica a ambas as situações. Em primeiro
lugar, em homenagem a uma visão mecanicista do princípio da separação de poderes;
em segundo lugar, por uma questão, aparentemente, lógica: porque por idêntica razão
é também da competência da Assembleia da República conceder amnistias e perdões
genéricos (G. MARQUES DA SILVA), cfr. art.º 178/2, alínea v) da CRM).
Penso que não é de acolher esta posição. É fundamental ter em conta que a
razão de ser, tanto do princípio da separação de poderes, como do princípio da
reserva de lei, é garantistica. Em ambos os casos, a sua natureza jurídica traduz-se no
plano penal, num limite à intervenção punitiva. Por conseguinte, a posição que me
parece ser de seguir é a de que a reserva de lei não opera relativamente às normas
penais negativas – i.e, aquelas que delimitando negativamente as normas positivas,
garantem ou protegem os direitos individuais3.

b. Exclusão do direito consuetudinário como fonte de definição de crimes ou de


punição penal

2
Análise de casos: o art.º 9 do Decreto 15-2006, de 22 de Junho, um crime criado por um
regulamento!!!; Verificar se ainda está em vigor.
3
A atipicidade das atenuantes gerais resulta da forma genérica do art.º 45/23.ª do CP, e tais
circunstâncias, influindo apenas na determinação da pena, não são susceptíveis de promover uma
restrição indirecta dos direitos das vítimas dos crimes (Fernanda Palma).

4
Como fonte de incriminação, o costume não é admissível em Direito Penal.
Caso contrário violaria o disposto nos art.ºs 60/1 e 178/1 e 3 da CRM, e art.º 1 do CP 4.
No entanto, o costume já pode ser fonte de Direito Penal, quando o que está
em causa uma especial permissão (ou adequação social da conduta) que possa resultar
benéfica para o agente: ou seja, quando o costume se venha traduzir no âmbito de
uma norma favorável, isto é, quando o costume de alguma forma venha atenuar ou
mesmo excluir a responsabilidade criminal do agente5.

7.1.3. Princípio da tipicidade: nullum crimen, nulla poena sine lege certa

No plano da determinabilidade do tipo legal, o princípio da legalidade traduz-se


numa outra máxima: nullum crimen, nulla poena sine lege certa (v. art.º 60 da CRM).
O respeito pelo princípio da legalidade e por um dos seus corolários, o princípio
da reserva de lei concretiza-se, ainda, pela subtracção das normas penais às técnicas
legislativas que conduzam à pura criação jurisprudencial do Direito no momento da
sua aplicação. A reserva de lei penal origina, deste modo, uma especial conformação
da técnica legislativa e da interpretação, de modo a permitir que as normas penais se
apliquem estritamente de acordo com a sua definição legislativa.
Para que isso se possa concretizar, a lei deve especificar suficientemente os
factos que constituem o tipo legal de crime (ou que constituem os pressupostos das
medidas de segurança), bem como tipificar as penas (ou as medidas de segurança).
Abrange os seguintes requisitos (concepção de crime em sentido formal): (a)
suficiente especificação do tipo de crime, ou dos pressupostos das medidas de

4
Ressalva-se a possibilidade de punição de indivíduos que praticaram crimes contra o Direito
Internacional [delicta juris gentium]. Estes crimes [de guerra; contra a humanidade; e, de acordo com o
Tribunal de Nuremberg, contra a paz], originam a responsabilidade individual imediata em face do
Direito Internacional. Como se trata de direito internacional comum, ele faz parte integrante do direito
interno [regime de recepção do art.º 18 da CRM]. Não há, portanto, aqui qualquer excepção ao princípio
da legalidade penal e de não retroactividade da lei penal (GOMES CANOTILHO). De resto, a punição só pode
ter lugar “nos limites da lei interna”, o que quer dizer, entre outras coisas: de acordo com os limites
penais e as regras processuais do direito interno [cfr. … CP]; e as penas concretas serão determinadas,
necessariamente, por raciocínios de analogia com crimes identicamente graves previstos na lei, tendo
sempre presente a exigência de proporcionalidade entre o crime e a pena (FERNANDA PALMA).
5
Análise do problema, à luz do art.º 4 da CRM: o alcance da cláusula de “valores e princípios
fundamentais da Constituição”.

5
segurança; (b) a proibição da analogia e da interpretação extensiva na definição de
crimes (ou dos pressupostos das medidas de segurança); e (c) a exigência de
determinação de qual o tipo de pena que cabe a cada crime, sendo necessário que
essa conexão decorra directamente da lei.
Vejamos cada um destes aspectos.

a. Princípio da determinação das normas penais incriminadoras

A primeira decorrência destas proposições é o chamado princípio da


determinação das normas penais incriminadoras. Exige-se uma lei certa ou precisa.
Significa, em primeiro lugar, a proibição do uso de “cláusulas gerais” (tipos
abertos?) com a mera indicação dos fins visados pela lei (v.g., a prática de actos contra
a propriedade…, contra a economia…, etc.)6.
Exige-se, por isso, uma suficiente especificação do tipo de crime (ou dos
pressupostos das medidas de segurança). Neste sentido, o princípio da tipicidade
exclui tanto as fórmulas vagas na definição dos tipos legais de crime, como as penas
indefinidas ou de moldura tão ampla, que em tal redunde, tornando ilegítimas as
definições vagas, incertas, insusceptíveis de delimitação7.
Significa, em segundo lugar, que todos os pressupostos da incriminação e da
responsabilidade penal têm que estar descritos na lei, não sendo, por isso, admitidas,
as chamadas normas penais em branco (cfr. princípio da conexão).
Explicando, uma norma penal em branco é uma norma que contem uma
sanção para um pressuposto ou um conjunto de pressupostos de possibilidade ou de
punição que não se encontram expressos nessa norma, mas sim noutras normas de
categoria hierárquica igual (conceito amplo) ou inferior (conceito estrito) à norma
penal em branco.

6
Análise de caso: nos termos do art.º 41.º/1, b Lei 10/99, de 12 de Junho (Lei de Florestas e Fauna
Bravia), pune-se “a prática de quaisquer actos que perturbem ou prejudiquem a fauna em zonas de
protecção”. No limite, acordar um leão que está a dormir, “perturba” o sono da fera! Se assim, for, por
exemplo, buzinar na selva, sairia muito mais caro que buzinar na cidade à meia-noite, à porta do
Hospital Central!
7
Discutível, por exemplo, no âmbito da Lei 1/79, de 11 de Janeiro, em que as penas vão de 0 a 24 anos,
consoante o valor “desviado”.

6
Levantam-se problemas quanto à constitucionalidade de tais normas,
precisamente porque no entender de determinada doutrina, estas normas consistirem
numa violação de uma decorrência do princípio da legalidade que é a existência de lei
penal expressa, mais concretamente a existência de lei penal certa – “nullum crimen
nulla poena sine lege certa”, e do princípio da conexão.
Tenderia a dizer que, quando essa norma remete para uma outra norma penal
ou, com algumas dúvidas, para uma outra norma legal, ainda que criticável a técnica
legislativa, não estaríamos, necessariamente, perante uma inconstitucionalidade.
Exemplo disso, em momentos recentes. A declaração do estado de emergência,
aprovado por imperativo de saúde pública como medida de combate à pandemia de
Covid-19 (Decreto Presidencial n.º 11/2020, de 30 de Março), devidamente ratificado
através da Lei da Assembleia da República n.º 1/2020, de 31 Março, deu depois origem
à sua regulamentação, pelo do Decreto do Conselho de Ministros n.º 12/2020, de 2 de
Abril, que as concretiza. O incumprimento dessas medidas pode preencher, consoante
os casos, os actuais crimes de desobediência (art.º 412/1 do Código Penal ainda em
vigor, Lei n.º 35/2014), ou de recusa de prestação de serviço público (art.º 496 do
Código Penal). Não se coloca aqui qualquer problema de constitucionalidade. Veja-se o
que escrevi em António Leão: O Direito Penal em Estado de Emergência, na página
ESTADO DE EMERGÊNCIA: CIDADANIA EM TEMPOS DE CRISE, disponível em:
https://www.facebook.com/search/str/estado+de+emerg%C3%AAncia%3A+cidadania+em+tempos+de+crise/keywords_blended_
posts?f=AbodnYb8K8GZIu2iciWPvrAqr96svdu8uT95Rgh-
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Já quando a norma penal remete para uma norma de fonte hierarquicamente


inferior, estaríamos perante uma inconstitucionalidade, face aos princípios da reserva
de lei, da separação de poderes, e do princípio da tipicidade, na vertente de
determinabilidade das normas penais incriminadoras8.

8
Ver no caso português, v.g., os arts. 278º, 213º/1-b, 150º/1 CP. A doutrina maioritária defende a
constitucionalidade e validade das normas penais em branco, dentro de certos limites ou desde que
sejam respeitados determinados limites. Desde que as normas penais em branco contenham os
pressupostos mínimos de punibilidade e de punição, ou seja, que digam quem são os destinatários e em
que posição é que eles se encontram e que contenham a respectiva sanção; desde que correspondam a
uma verdadeira necessidade que o legislador tem de tutelar bens jurídicos fundamentais através desta

7
Vejam-se alguns exemplos, do Código Penal9:

ARTIGO 353 (Desobediência) 1. Quem faltar à obediência devida às ordens ou


mandados legítimos da autoridade pública ou agentes dela, é punido com pena de prisão até 6
meses e multa correspondente, se por lei ou disposição de igual força não estiver estabelecida
pena diversa. 2. Compreendem-se nesta disposição aqueles que infringirem as determinações
de editais da autoridade competente, que tiverem sido devidamente publicados.

ARTIGO 223 (Venda ou exposição de substâncias venenosas ou abortivas) Quem


expuser à venda, vender ou subministrar substâncias venenosas ou abortivas, sem legítima
autorização e sem as formalidades exigidas pelas respectivas leis e regulamentos, é punido
com pena de prisão até 6 meses e multa correspondente.

ARTIGO 226 (Armas proibidas) () 2. Se o fabrico, importação, aquisição, cedência, alienação,


disposição, transporte, guarda, detenção ou uso de armas, meios e instrumentos referidos no
presente artigo simplesmente contrariar os regulamentos e prescrições das autoridades
competentes e não tiver como finalidade servir de meio à realização de qualquer crime, a pena
é de prisão até 2 anos e multa até 6 meses.

ARTIGO 312 (Dano involuntário) Se, pela violação ou falta de observância das providências
policiais e administrativas, contidas nas leis e regulamentos, e sem intenção maléfica, alguém
causar incêndio ou qualquer dano em propriedade alheia, móvel ou imóvel, é punido com
pena de multa até 3 meses, sem prejuízo das penas decretadas nas mesmas leis ou
regulamentos, pela contravenção.

b. Proibição da analogia

Em segundo lugar, a proibição da analogia (nullum crimen, nulla poena sine


lege stricta) na definição de crimes (ou dos pressupostos das medidas de segurança).
Remissão para aulas seguintes.

técnica, sob pena de não o fazendo, a alternativa resultaria da sua desprotecção, estas normas não
serão inconstitucionais. Por outras palavras “importa que a descrição da matéria proibida e de todos os
outros requisitos de que dependa em concreto uma punição seja levada a um ponto que se tornem
objectivamente determináveis os comportamento proibidos e sancionados e, consequentemente, se
torne objectivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos” (FD:I, 174).
9
Tópico de discussão: análise do problema à luz das finalidades de prevenção geral…

8
c. Princípio da conexão

Em terceiro lugar, a exigência de determinação de qual o tipo de pena que cabe


a cada crime, sendo necessário que essa conexão decorra directamente da lei
(princípio da conexão).
Só a lei é competente para definir crimes (bem como os pressupostos das
medidas de segurança) e respectivas penas (bem como as medidas de segurança).
Segundo o princípio da legalidade, os tribunais estão vinculados a não aplicar sanções
penais sem que lei anterior as preveja (nulla poena sine lege) e a não aplicar as
sanções penais previstas sem que se realizem determinados pressupostos, igualmente
descritos na lei (nullum crimen sine lege, art.º 60/1 da CRM).
O princípio da legalidade traduz-se ainda na articulação das duas anteriores
máximas com uma outra, nulla poena sine crimen, ou seja, o princípio da conexão
entre o crime e a pena, que exige a conexão formal entre os pressupostos das penas e
das medidas de segurança e as respectivas penas e medidas de segurança aplicáveis.
Ou seja, a previsão do facto punível e a respectiva punição devem constar da mesma
norma. Relativizando esta exigência, pelo menos, que seja ainda uma lei formal a
estabelecer a conexão (G. MARQUES DA SILVA).

7.1.4. Princípio da não retroactividade da lei penal: nullum crimen, nulla poena sine
lege praevia

Remissão para aulas seguintes sobre aplicação da lei no tempo.

7.1.5. Princípio da jurisdicionalidade: nulla poena sine juditio

As sanções jurídico-penais, sejam elas penas ou medidas de segurança, têm de


ser sempre aplicadas por um órgão de soberania independente, com a finalidade de
aplicar a justiça, que entre nós são os tribunais (cfr. art.º 211 e ss da CRM).

9
7.2. Interpretação e integração da lei penal

Uma outra concretização do princípio da legalidade (em geral), e da reserva de


lei (em particular) verifica-se na própria interpretação da lei penal.
Diz-se, por vezes, que uma lei clara não precisa de interpretação (in claris non
fit interpretatio). Nada mais errado! Para se interpretar uma lei é sempre necessário
entendê-la, compreendê-la, ou, utilizando a fórmula do legislador é sempre necessário
fixar o sentido e o alcance da lei [art.º 9/3 do Código Civil (CC)]. Portanto, está hoje
definitivamente afastada a convicção iluminista de que o princípio da separação de
poderes conduziria desde logo, à proibição de qualquer processo de interpretação
jurídica10.
Aceita-se, pelo contrário, que praticamente todos os conceitos utilizados na lei
são susceptíveis e carentes de interpretação: não apenas os conceitos normativos
(v.g., “tortura ou acto de crueldade”, cfr. art.º 160 alínea f) do CP), mas mesmo
aqueles que á primeira vista se diriam claramente descritivos (ou seja, sensorialmente
perceptíveis, v.g., animal, carteira, habitação). Significa, em síntese, que todas as
fontes necessitam de ser interpretadas11. Cabe à lei determinar qual o método a
adoptar em definitivo (v. art.º 9 do CC)12.
Por outro lado, “há mais coisas no céu e na terra, do que na cabeça do
legislador…”. É impossível que o legislador possa prever todas as hipóteses de
ocorrências. Assim, a cada momento, surgem novas situações, imperfeitamente
reguladas ou, pura e simplesmente, não reguladas.
O que é que faz então o aplicador da lei?

10
Segundo Montesquieu: os juízes são a boca que pronuncia a lei; segundo Beccaria: para qualquer
delito deve o juiz construir um silogismo perfeito. Ou seja, quando as leis são claras e precisas, a tarefa
do juiz não consiste em outra coisa se não constatar um facto.
11
O verbo "interpretar", na generalidade dos dicionários, significa ajuizar a intenção, o sentido de;
explicar ou aclarar o sentido de; traduzir; decifrar; esclarecer, etc.
12
Assim, o art.º 9/1 do C. Civil determina que na interpretação devem ter-se em conta as circunstâncias
em que a lei foi elaborada; mas poderia ter tomado orientação oposta, e então seria esta a vinculativa
para o intérprete.

10
Os senhores terão aprendido o ano passado em Introdução ao Estudo do
Direito, que o ponto de partida da interpretação está no texto13. Passando (por agora)
por cima da problemática do entendimento do pensamento legislativo, interessa-nos
recordar alguns aspectos que os senhores estudaram já, relativamente aos resultados
da interpretação. E aí terão distinguido: (1) interpretação declarativa, em que o
sentido literal se identifica com o sentido real14; (2) interpretação extensiva, em que o
sentido literal é mais estreito do que o sentido real15; e (3) interpretação restritiva,
quando o sentido literal é mais amplo do que o sentido real.
Da análise da relação entre o elemento lógico e o literal, apura-se nestes dois
últimos casos, que existe uma desarmonia entre a letra e o espírito da lei, isto porque
o legislador não foi feliz nas expressões que usou. Nestes casos, o intérprete poderá
fazer uma retificação do sentido literal, por consideração do elemento lógico.
Falaram também – penso eu – em interpretação enunciativa (ou inferência
lógica de regras implícitas, segundo Marcelo Rebelo de Sousa), que consiste em, com
base em uma ou mais regras existentes, e através de processos lógicos, inferir outras
regras que não se encontravam expressamente formuladas. O resultado aqui, é uma
nova regra, e não mera especificação da regra anterior16.

13
O art.º 9/1 refere-se à letra quando diz que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas
reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (...)”. Letra e espírito podem não coincidir;
impõem-se então o sacrifício da letra. Mas há um elemento favorável à letra: “não pode, porém, ser
considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal (...)”, art.º 9.º/2; ou também em “na fixação do sentido e alcance da lei, o
intérprete presumirá que o legislador (...) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”,
art.º 9.º/3.
14
Neste caso, o espírito da lei, determinado pelos elementos lógicos, coincide inteiramente com o
significado das suas palavras, havendo harmonia entre o espírito e a letra da lei. Ainda assim, pode ser
lata, restrita ou, eventualmente, média, consoante o sentido real corresponda à acepção mais lata, mais
restrita ou intermédia da mesma expressão gramatical.
15
A letra da lei deve ser estendida ou alargada em função da ponderação dos elementos extra-literais
da interpretação. A interpretação extensiva pressupõe que dada hipótese, não estando compreendida
na letra da lei, o está todavia no seu espírito; há ainda regra, visto que o espírito é o que é decisivo.
Quando há lacuna, porém, a hipótese não está compreendida nem na letra nem no espírito de nenhum
dos preceitos vigentes.
16
O argumento a minori ad maius. Funciona o princípio lógico de “quem não pode o menos, não pode o
mais” (se uma lei proibe a menores de 21 anos a administração de bens imóveis, é possível inferir que
também a venda dos mesmos bens lhe esteja vedada). O argumento a maiori ad minus. É o princípio de
“quem pode o mais, pode o menos”. Perante uma lei que permita a venda de um certo bem, é possível
inferir a possibilidade de empréstimo desse mesmo bem. O princípio de que “sendo legítimos os fins,
são-no os meios”. Perante uma lei que permita a caça grossa em coutadas demarcadas a certas
categorias de cidadãos, é possível inferir a legalidade da venda de espingardas e caçadeiras a essas

11
Esgotados todos os meios interpretativos, cabe então ao aplicador suprir a
lacuna (a tal ausência de regulamentação) da lei, uma vez que não lhe é possível
escusar-se a sentenciar sob pretexto de ausência de norma (art.º 8 do Código Civil).
Terão visto que, nessa circunstância, os processos comuns de integração intra
sistemáticos de lacunas no Direito moçambicano são: a analogia legis (analogia da lei,
art.º 10/1 e 2 do CC); e a analogia juris (do direito, “a norma que o interprete criaria,
se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”, art.º 10/3 do CC).
Impõem-se ainda recordar uma distinção: a categoria da interpretação
extensiva baseia-se, no plano teórico, na possibilidade de referir um certo caso não
expressamente considerado pela letra da lei ao seu pensamento. Diferencia-se da
analogia, na medida em que o caso real é meramente semelhante aos casos
considerados pela lei, sem, no entanto, ter sido pensado por ela.
Depois, os senhores aprenderam também o ano passado, em Direito
Constitucional, que um dos problemas que se coloca, por vezes, é o da necessária
compatibilidade das normas ordinárias com a Constituição. E vimos, no âmbito daquilo
a que chamámos de interpretação conforme à Constituição, que o intérprete deve,
sempre que possível, interpretar a norma no sentido de salvar a sua
constitucionalidade17.
É, portanto, a partir deste quadro geral (que eu espero tenha ficado
suficientemente consolidado), que vamos prosseguir o estudo do nosso tema: a
interpretação e integração da lei penal.

categorias de potenciais caçadores. (REBELO DE SOUSA) O argumento a contrario sensu. Assenta numa
prévia determinação do carácter excepcional da regra de que se parte. Perante uma lei que, a título
excepcional, obrigue os proprietários de veículos automóveis com registo anterior a 1990 a procederem
a uma inspecção semestral dos mesmos, é possível inferir que os proprietários de veículo automóvel,
com registo posterior àquela data, não estão sujeitos a uma tal obrigação. Só se pode fazer
interpretação enunciativa, com base no argumento a contrario, quando a disposição em causa
explicitamente consagrar o seu carácter excepcional.
16
Ou seja, a aplicação de uma regra jurídica a um caso concreto não regulado pela lei através de um
argumento de semelhança substancial com os casos regulados.
17
Trata-se, antes de mais, de conceder todo o relevo, dentro do elemento sistemático de interpretação,
ao contexto da ordem constitucional, e à esfera de acção desta como centro de energias dinamizadoras
das demais normas do ordenamento jurídico positivo.

12
7.2.1. Proibição da analogia e da interpretação extensiva em Direito Penal

Depois do que ficou dito (sobre o princípio da legalidade e sobre a reserva de


lei) torna-se evidente que o recurso à analogia, largamente admitido na generalidade
dos ramos de Direito como procedimento adequado à aplicação da lei, tem de ser
rigorosamente proibido em Direito Penal, por força do conteúdo de sentido do
princípio da legalidade (e da reserva de lei), “sempre que ele funcione contra o agente
e vise servir a fundamentação ou a agravação da sua responsabilidade”.
Esta conclusão já resultaria evidente do texto da Constituição (art.º 60 /1 da
CRM e do art.º 1 do Código Penal), porque nestas circunstâncias se não pode afirmar
que a lei “qualifique como crime” ou “declare punível” o acto ou a omissão.
Para que se possa/deva recorrer à analogia é necessário, desde logo, que haja
uma lacuna de lei. A conclusão é a de que de acordo com o princípio da legalidade, no
que respeita às normas incriminadoras, o Direito Penal não tem lacunas. Valem os
princípios da tipicidade e da fragmentaridade. O carácter fragmentário do Direito
Penal impede que comportamentos análogos aos expressamente previstos, na
perspectiva da lesão do bem jurídico violado, tenham o mesmo merecimento penal. A
selecção da conduta incriminada é uma decisão legislativa inimitável pelo julgador
através do recurso à analogia18.
Por outro lado, uma questão lógica, o princípio constitucional da legalidade em
matéria de lei penal, há-de proibir a integração por analogia das normas sujeitas ao
princípio da reserva de lei da Assembleia da República.

7.2.2. Âmbito da proibição (v. art.º 60.º/1 da CRM e art.º 7 do CP)

Vimos que a proibição da analogia e da interpretação extensiva é um corolário


do princípio da tipicidade. Em conformidade com isso, o art.º 7 do Código Penal
proíbe, expressamente, a analogia, quanto às normas de que resulta a qualificação de
um facto como crime (a definição de um estado de perigosidade?); quanto às normas
que definem os respectivos pressupostos (“os elementos essencialmente constitutivos

18
A proibição de analogia não deve, porém, ser confundida com a proibição de raciocínios analógicos na
aplicação da lei penal.

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do facto criminoso”) e, consequentemente, quanto às normas que determinam as
penas (ou as medidas de segurança) correspondentes.
Por isso, a proibição da analogia vale apenas nos limites do art.º 7 do CP: “Não
é admissível a interpretação extensiva ou o recurso à analogia ou indução por paridade
ou maioria de razão para qualificar qualquer facto como crime, definir um estado de
perigosidade ou determinar a pena ou medida de segurança que lhes corresponde.”.
No que respeita a outras normas, que não qualifiquem os factos como crimes,
pese embora o art.º 35/1, alínea i) do CP19, a analogia como forma de integração de
lacunas é possível, nos termos do art.º 10 do CC20.
Por outro lado, atenta a ratio garantística da proibição da analogia (normas
penais positivas), a proibição não é aplicável in bonam partem, à criação de normas
permissivas inexistentes na lei, nomeadamente às normas sobre circunstâncias
dirimentes ou atenuantes da responsabilidade criminal (att. v.g., às causas de não
punibilidade, que são normas excepcionais; diferente é o caso das causas de
justificação e de exclusão de culpabilidade, emanações de princípios gerais do sistema
jurídico)21.
Da mesma forma, também a interpretação extensiva é inconstitucional, já que
entre o sentido possível das palavras e o mínimo de correspondência verbal há ainda
um espaço a ser percorrido (para que se considere “qualificado” como crime),
incompatível com o fundamento de segurança jurídica do princípio da legalidade
(Sousa Brito: Estudos).
Só é possível, no âmbito de normas incriminadoras uma interpretação
declarativa lata. Tudo aquilo que a exceda e que vise harmonizar a letra da lei à sua

19
“Não dirime da responsabilidade penal: (…) – em geral, quaisquer factos ou circunstâncias, quando a
lei expressamente não declare que eles dirimem de responsabilidade penal”.
20
Atenção, contudo, às normas excepcionais: as que interrompem a projecção lógica de uma norma de
carácter geral.
21
Não se pretende, contudo, uma aplicação meramente subsuntiva [cfr. a execução literal das leis
penais em BECCARIA, como a única forma de obstar à tirania dos juízes], já que entre o caso e a lei pode
não haver mais do que uma semelhança ou analogia. O condicionamento da decisão limita-se a exigir
que se considere essa possível analogia e que se demonstre uma certa similitude entre o caso da lei e o
real (cit. KAUFMANN) a vinculação do acto de aplicação da pena a uma demonstração ou justificação de
que a lei “queria” aplicar-se ao caso concreto.
A proibição da analogia, corolário lógico do princípio da legalidade, deve, assim, ser entendida num
sentido mais profundo do que a proibição de raciocínios analógicos contra reo na operação de decidir
(FERNANDA PALMA, cfr. p. 60 ss; 98 ss).

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razão de ser, à sua “ratio”, se ultrapassar este sentido literal máximo possível já se está
a fazer interpretação extensiva. Esta não deve ser admitida em Direito Penal, porque
se entende que por força do princípio da legalidade, na sua vertente garantia, se exige
que a lei penal seja uma lei penal expressa. Assim a norma deve dizer expressamente
quais são as condutas, activas ou omissivas que, a serem ou não adoptadas,
constituem objecto de incriminação em sede de Direito Penal.
Mas, para além disso, a lei penal consagra – e bem – um reforço desta
proibição: “Não é admissível a […] indução por paridade, ou maioria de razão, para
qualificar qualquer facto como crime”. Ao proscrever todos os argumentos de
“paridade, ou maioria de razão”, proíbe-se expressamente não só a interpretação
enunciativa, como ainda a interpretação extensiva, sempre que esteja em causa a
“qualificação de um facto como crime; ou a definição dos seus pressupostos” (v. EC: I,
142-143).
Nada impede, contudo, que se faça uma interpretação restritiva.

Concluindo:
1. Face ao fundamento, à função e ao sentido do princípio da legalidade a
proibição de analogia, de interpretação enunciativa, e de interpretação extensiva, vale
relativamente a todos os elementos, qualquer que seja a sua natureza, que sirvam
para fundamentar a responsabilidade ou para a agravar. A proibição vale, pois, contra
reum ou in malem partem, não favore reum ou in bonam partem. Ou seja:
2. Em relação às normas penais positivas, proíbe-se a interpretação extensiva
das normas penais incriminadoras; mas já é admissível a interpretação restritiva;
proíbe-se a aplicação analógica no âmbito das normas penais incriminadoras, quer por
analogia legis, quer por analogia iuris.
3. A proibição abrange antes de tudo os elementos constitutivos dos tipos
legais de crime descritos na Parte Especial do Código ou em legislação penal
extravagante22.

22
Como vale relativamente às leis penais em branco não só no que toca à parte sancionatória
(especificamente penal) da norma, mas ainda mesmo na parte em que esta remete para
regulamentação externa.

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4. Diferentemente, não abrange os conceitos extra-penais utilizados pelo
legislador penal (coisa móvel, casamento, descendente…), que são aqui usados de
forma puramente acessória, e, por conseguinte, com o sentido que elas possuem no
ramo de direito a que pertencem; caso em que se compreende que se devam aceitar
os resultados a que legitimamente se chegue pelos métodos de interpretação
permitidos nesses ramo de direito23.
5. Também relativamente à matéria das consequências jurídicas do crime vale a
proibição de analogia (de interpretação enunciativa e de interpretação extensiva) em
tudo quanto possa revelar-se desfavorável ao agente, i.e., no fundo, em tudo o que
signifique restrição (acrescida) da sua liberdade no sentido mais compressivo.
Por isso, não tem razão de ser uma doutrina outrora dominante, segundo a
qual a matéria valeria em matéria de penas, mas já não em medidas de segurança, por
estarem aqui finalidades estritas de prevenção especial positiva24. Em coerência com o
que defendi quanto aos fins do Direito Penal, os fins não justificam todos os meios,
mas apenas aqueles que encontrem na Constituição a sua razão última de ser.
6. A proibição de analogia (de interpretação enunciativa e de interpretação
extensiva) vale ainda para certas normas da Parte Geral do Código (os pressupostos ou
as regras de imputação da responsabilidade criminal), para aquelas que constituem
alargamentos da punibilidade de comportamentos previstos como crimes na PE,
nomeadamente em matéria de tentativa (v.g., não é admissível o recurso à analogia
para qualificar um certo acto como de execução); de comparticipação (v.g., não é
admissível o recurso à analogia para qualificar como doloso o auxílio), etc.
7. Em relação às normas penais negativas (causas de justificação e pelas causas
de exclusão (ou atenuação) da culpa e da punibilidade), proíbe-se a interpretação
restritiva de normas penais favoráveis; mas admite-se a interpretação extensiva.
8. Relativamente ao problema da analogia, há quem entenda que a analogia
está de todo proibida em Direito Penal (Cavaleiro Ferreira, Frederico da Costa Pinto,
…). Tratando-se nestes casos de situações que não fundamentam nem agravam a
responsabilidade do agente, mas pelo contrário a excluem ou atenuam (favore reum
ou in bonam partem), o recurso à analogia é legítimo sempre que o resultado seja o

23
EC:I, 145
24
O mesmo se diga para a parte sancionatória das leis penais em branco.

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alargamento do seu campo de incidência. A posição que deixo defendida, coincide com
a posição de Eduardo Correia e de Teresa Beleza: a analogia é admissível quando estão
em causa normas penais negativas25.

25
Outra posição é a de que se admite por princípio a integração de lacunas por analogia no âmbito de
normas penais favoráveis, desde que essa analogia não se venha a traduzir num agravamento da
posição de terceiros, por ele ter de suportar na sua esfera jurídica, efeitos lesivos ou por ter auto-
limitado o seu direito de defesa.

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