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FACULDADE DE ÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS

Prof. Msc. Biscay Kassoma1

SUMÁRIOS DESENVOLVIDOS DE DIREITO PENAL I PARA OS ALUNOS


DO 2.º ANO DO CURSO DE DIREITO.

1
Cfr: Mestre em Ciências Jurídico-Forenses, Licenciado em Direito, ambas feitas pela Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Juiz de Direito e nomeado a exercer as Funções de Juiz de Garantias; foi assessor da 1.ª Secção da Câmara Criminal
do Tribunal Supremo;

1
DIREITO PENAL I
Capitulo I- INTRODUÇÃO

1. Noção de Direito Penal. Direito Penal ou Direito Criminal2.


O que é o Direito Penal? Desde logo, importa referir que a expressão direito
penal pode surgir: ou por referência a um ramo do direito (ao lado de tantos outros,
como o direito civil, o direito administrativo, o direito fiscal – e, nesse caso, pode ser
definido como conjunto de normas que regulam o comportamento humano) ou
por referência à ciência que estuda esse ramo do direito. Aí, direito penal coincide
com a dogmática que estuda este ramo do direito. Para já, o que nos interessa saber é
o que é o Direito Penal enquanto Ramo do Direito.

Direito penal, é um sisitema das normas jurídicas que ligam a certos


comportamentos humanos, os crimes, determinadas consequências jurídicas
privativas (art.39.º CP) deste ramo de direito. A mais importante destas
consequências é a pena, a qual só pode ser aplicada ao agente do crime que tenha
actuado com culpa. Ao lado da pena prevê porém o direito penal, consequências
jurídicas de outro tipo: são as medidas de segurança, as quais não supõem a culpa do
agente, mas a sua perigosidade.

Todo o direito penal e a sua ciência devem ser perspectivados a partir das
valorações político-criminais imanentes ao sistema; as quais, por seu turno, se
exprimem por excelência nas consequências jurídicas próprias deste ramo de direito.
Deve, nesta acepção, afirmar-se que o direito penal e a sua ciência se orientam “para o
resultado” e devem, a partir dele, ser definitivamente adquiridos e fixados.
2. Direito penal e “ius puniendi.”
O que deixámos formalmente definido, constitui o direito penal em sentido
objectivo (ius poenale). Deste, costuma distinguir-se o direito penal em sentido
subjectivo (ius puniendi), como poder punitivo do Estado resultante da sua soberana
competência para considerar como crimes certos comportamentos humanos e ligar-

2
Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, pp. 53-82; 83-89; Figueiredo Dias, Direito Penal I, pp. 43-
105; Taipa de Carvalho, Direito Penal, pp. 54-96.

2
lhes sanções específicas (39.º CP). Assim, podemos afirmar-se que o direito penal
objectivo é expressão ou emanação do poder punitivo do estado.

II. O ÂMBITO DO DIREITO PENAL.

1. Direito Penal Substantivo, Direito Penal Executivo e Direito Processual


Penal.
Quando se fala em direito penal é, em regra, tão-só o Direito Penal
Substantivo (material) que se quer abranger. O direito penal em sentido amplo
abrange, para além do direito penal substantivo, o direito processual penal,
adjectivo ou formal e o direito de execução das penas e medidas de segurança ou
direito penal executivo:
O Direito Penal Substantivo, visa a definição dos pressupostos do crime das
suas concretas formas de aparecimento; e a determinação tanto em geral, como em
espécie das consequências ou efeitos que à verificação de tais pressupostos se ligam
bem como das formas de conexão entre aqueles pressupostos e estas consequências;
Ao Direito Processual Penal, cabe a regulamentação jurídica dos modos de
realização prática do poder punitivo estadual, nomeadamente através da
investigação e da valoração judicial do crime indiciado ou acusado;
Ao Direito Penal Executivo, pertence a regulamentação jurídica da efectiva
execução da pena e/ou da medida de segurança decretadas na condenação proferida
no processo penal.

2. A PARTE GERAL DO DIREITO PENAL E SUAS COMPONENTES.


O Direito Penal Em Sentido Estrito, compõem-se de uma parte geral, na
qual se definem os pressupostos de aplicação da lei penal, os elementos constitutivos
do conceito de crime, as consequências gerais que da realização de um crime, total
ou parcial, derivam: as penas e as medidas de segurança; e de uma parte especial,
na qual se estabelecem os crimes singulares e as consequências jurídicas que à prática
de cada um deles concretamente se ligam.
A doutrina da parte geral do direito penal, divide-se por sua vez, em dois
tratamentos fundamentais:

3
O primeiro, começa por abarcar os fundamentos gerais de todo o direito
penal. E, estuda em seguida a construção dogmática do conceito do facto punível, ou
doutrina geral do crime:

a). “o que é a “Norma Penal”?: Quando é que determinada norma jurídica


pode ser considerada uma norma penal? Esta questão tem relevância prática. Apartir
do momento em que uma norma juridical é considerada uma norma de direito penal,
ela estará sujeita a um regime próprio. É que há determinadas regras que só se
aplicam às normas penais. Uma forma de esclarecer o conceito de Direito Penal, é a
partir dos casos que cabem sem dúvida no conceito para os casos periféricos. Que
normas é que são, sem dúvida alguma, normas penais? Aquelas que prescrevem uma
certa consequência sempre que se realize determinado facto. Vejam-se os artigos
147.º e 392.º do C. Penal:

Art. 147.º Homicídio: “quem matar voluntariamente outra pessoa (previsão) é punido com pena de
prisao de 14 a 20 anos (estatuição)”.
Art. 391.º: Definições:
Para efeitos do disposto no presente titulo, considera-se:
a) “Valor consideravelmente elevado”, o que exceder 500 vezes o salário mínimo mensal da funçãoo
pública, no momento em que o facto for praticado (+ de 16 milhoes de kwanzas);
b) “Valor elevado”, o que exceder 100 vezes o salário mínimo mensal da função pública, no momento em
que o facto for praticado (acima de 3 milhoes de Kwanzas);
c) “Valor diminuto”, o que nao exceder metade do salário mínimo mensal da função publica, no momento
em que o facto for praticado (até 17.225 mil kwanzas).
art. 392.º Furto: “quem, com intenção de se apropriar para si ou para outrem , de coisa móvel ou semovente
alheia, a subtrair é punido com penas de:
• Prisão até 3 anos ou multa até 360 dias, se o valor da coisa subtraída não for elevado;
• Prisão de 1 a 5 anos, se o valor da coisa subtraída for elevado;
• Prisão de 2 a 8 anos, se o valor da coisa subtraída for consideravelmente elevado.
Obs: consultar o Decreto Presidencial n.º 54/22, de 17 de Fevereiro-prevê o salário mínimo mensal da função
pública (Kz.32.181,15) x 100.

Sempre que houver uma norma com estas estruturas, com uma previsão em
que está previsto o crime e uma estatuição onde está definida a consequência jurídica
desse crime (em princípio, uma pena de prisão), não há dúvida de que estamos
perante uma norma penal. Por um lado, temos o crime; por outro, temos a pena.
Nota: quando se fala em Direito Criminal, está a pensar-se no elemento
identificador crime; e quando se fala em Direito Penal, está a pensar-se no

4
elemento identificador pena-mas, em qualquer caso, falamos da mesma coisa
(é uma questão sem relevância prática).
Na norma penal, temos sempre um agente :“quem”.
Temos também uma acção- e falamos de acção em sentido amplo, que abarca
quer a acção em sentido estrito, que a omissão (inatividade). Por último, é o elemento
subjacente, isto é, o sujeito incumbido de punir: o Estado. Assim, a norma penal
pressupõe: agente, acção e o sujeito incumbido de punir-Estado.
Desde logo, numa norma penal, temos duas acções: o crime e a acção de
punir, que cabe ao Estado. Também, podemos retirar que, numa norma tipicamente
penal, temos obrigatoriamente dois sujeitos: por um lado, o agente (não há crime sem
alguém que o pratique); por outro lado, o Estado, que vai aplicar a pena.
Nota: não falamos sempre no ofendido como um terceiro agente obrigatório,
porque no Direito Penal, também se pune a tentativa.
Ao estabelecer uma pena para quem pratica um crime, a norma penal está a
descrever uma das relações possíveis entre o individuo e a sociedade corporizada no
Estado. Por isso mesmo, podemos concluir que a norma penal, é uma norma que
descreve um dos momentos da relação do individuo com o Estado, provado pela
prática de um crime e visando a realização de um determinado fim por parte do
Estado. O que podemos retirar destas conclusões?
Para conseguirmos perceber o conceito de norma penal, temos de ter em conta
varias teorias do Estado. Quando é que o Estado sente necessidade de actuar?
A relação entre o individuo e o Estado, foi variando ao longo do tempo. Para
conhecermos a essência do direito criminal, temos de tratar essa essência como um
problema filosófico, que vai para além do direito positivo. Só conseguimos entender
uma norma de direito penal se tivermos em conta conceitos prévios a essa norma.
Para avaliarmos se uma norma é uma norma penal, não nos interessa apenas
a existência daquela norma como norma penal; é preciso averiguar se aquele
comportamento merece ser considerado crime, com aquela consequência. Ora, esse é
um conceito pré-jurídico. As nossas próximas aulas vão ser sobre isso mesmo.
Interessa-nos saber quando é que o legislador deve considerar um comportamento
como crime.
Só conhecendo o conceito matéria de crime, é que conseguimos perceber se
a norma deve ou não ser considerada penal. O mesmo se passa com as penas. Mais do

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que tentar perceber se as consequências correspondem àquilo que deveria ser o direito
penal.
As normas penais, estão previstas na parte especial do Código Penal. O CP,
está dividido em parte geral e parte especial. Na parte especial, há crimes
específicos: contra a vida, a integridade física, a honra, a liberdade sexual, etc... mas
há outro tipo de normas. Veja-se o art.8.º que faz parte da parte geral:
ARTIGO 8.º
(Acção e omissão)
1. Quando um tipo legal compreender um certo resultado, o facto abrange tanto a acção adequada a produzi-lo
como a omissão da acção adequada a evitá-lo.
2. Porém, a verificação de um resultado por omissão só é punível quando, segundo o sentido do texto da Lei, a
produção por omissão equivaler à produção por acção e sobre o omitente recair um dever jurídico que
pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado.
3. O dever jurídico de actuar referido no número anterior, existe sempre que se verifique uma obrigação legal ou
contratual de actuar, ou quando o omitente tiver criado uma situação de perigo para o bem jurídico por força de
uma acção ou omissão precedente.
4. No caso do crime ter sido cometido por omissão, a pena pode ser especialmente atenuada.

2.1. A perspectiva positivista-legalista: do conceito “formal” ao


conceito “material” de crime 3 . À pergunta sobre o que seja
materialmente o crime, pode antes de tudo responder-se que ele será
tudo e só aquilo que o legislador considerar como tal. Uma tal
concepção é inaceitável e inútil.
Quando se pergunta pelo conceito material de crime, procura-se uma
resposta, antes de tudo, à questão da legitimação material do direito penal, isto é, à
questão de saber qual a fonte de onde promana a legitimidade para considerar certos
comportamentos humanos como crimes e aplicar aos infractores sanções de espécie
particular. Pressuposta a plena capacidade do legislador para dizer o que é e o que não
é crime, nada fica a saber-se sobre quais as qualidades que o comportamento deve
assumir para que o legislador se encontre legitimado a submeter a sua realização a
sanções criminais.
O conceito material de crime é, neste sentido, previamente dado ao legislador
e constitui-se em padrão crítico tanto do direito vigente, como do direito a constituir,

3
Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, pp. 93-114; Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal I,
pp. 54-61; Figueiredo Dias, Direito Penal I, pp. 106-131;

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indicando ao legislador aquilo que ele pode e deve criminalizar e aquilo que ele pode
e deve deixar fora do âmbito do direito penal.

2.2. A perspectiva positivista-sociológica.: O que importaria seria divisar,


atrás da multiplicidade das manifestações legais do crime, aquilo que
em termos de objectividade e universalidade pudesse, à luz da
realidade social, ser como tal considerado.
Para além da imprecisão, estas concepções se revelam demasiado largas para
por elas se alcançarem os limites da criminalização. Mesmo que possa concordar-se
que todo o crime se traduz num comportamento determinante de uma danosidade ou
ofensividade social, a verdade é que nem toda aquela danosidade deve legitimamente
constituir um crime.
O apelo à danosidade social é pois um elemento constitutivo do conceito
material de crime, mas não pode sem mais fazer-se valer por aquele conceito. Isto
mesmo terá compreendido o legislador angolano ao descrever à pena e à medida de
segurança criminais a função de tutela de bens jurídicos e não de protecção perante
uma qualquer ofensividade ou danosidade social.
2.3. A perspectiva moral (ético)-social: À passagem do estado de direito
formal, ao estado de direito material, correspondeu a introdução no
conceito material de crime de um ponto de vista moral (ético)-social
que leva a ver na “essência” daquele a violação de deveres ético-
sociais elementares ou fundamentais.

Mas, nem por isso, pode uma tal concepção merecer, no plano da ordem jurídica
estatal e, em particular, da ordem jurídico-penal, aceitação. Não é função primária do
direito penal, nem secundária, tutelar a virtude ou a moral: quer se trate da moral
estadualmente imposta, da moral dominante, ou da moral específica de um qualquer
grupo social.

2.4. A perspectiva racional: a função de tutela subsidiária de bens


jurídicos dotados de dignidade penal (bens jurídicos-penais): Esta
perspectiva pode-se qualificar de teleológico-funcional e racional. De
teleológico-funcional, na medida em que se reconheceu
definitivamente que o conceito material de crime, não podia ser
deduzido das ideias vigentes a se em qualquer ordem extrajurídica e

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extra-penal, mas tinha de ser encontrado no horizonte de compreensão
imposto ou permitido pela própria função que ao direito penal se
adscrevesse no sistema jurídico-social.
De racional, na medida em que o conceito material de crime, vem assim a
resultar da função atribuída ao direito penal de tutela subsidiária de bens jurídicos
dotados de dignidade penal; ou, o que é dizer o mesmo, de bens jurídicos cuja lesão
se revela digna e necessária de pena.
Poderá definir-se Bem Jurídico, como a expressão de um interesse, da pessoa
ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem
em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como
valioso. O autor que pela primeira vez apelou para esta noção, foi Johann Michael
Franz Birnbaum, visava com ela abranger um conjunto de substratos, de conteúdo
eminentemente liberal, que oferecessem base suficiente à punibilidade dos
comportamentos que os ofendessem. Assim, se compreendendo que a noção tenha
primeiramente assumido um conteúdo individualista, identificador do bem jurídico
com os interesses primordiais do indivíduo.
Uma viragem decidida na compreensão do conceito, teve lugar a partir da
segunda década do nosso século (XX), com o aparecimento do chamado conceito
metodológico do Bem Jurídico. Esta concepção, faz dos bens jurídicos meras
fórmulas interpretativas dos tipos legais de crime. Uma tal compreensão do bem
jurídico deve ser hoje liminarmente rejeitada. Com ela, o conceito deixa de poder de
ser visto como padrão crítico de aferição da legitimação da criminalização.
Uma concepção teleológico-funcional e racional do bem jurídico exige dele
que obedeça a uma série mínima, mas irrenunciável de condições. O conceito deve
traduzir, em primeira linha, um qualquer conteúdo material, uma certa corporização
para que possa arvorar-se em indicador útil do conceito material de crime. Ele deve
servir, em segundo lugar, como padrão crítico de normas constituídas ou a constituir,
porque só assim pode ter a pretensão de se arvorar em critério legitimador do
processo de criminalização e de descriminalização. Ele deve, finalmente ser político-
criminalmente orientado e nesta medida, intra-sistemático relativamente ao sistema
social e, mais concretamente, ao sistema jurídico constitucional.
A crítica que, em suma, deve dirigir-se a este conjunto de concepções que não
é tanto, em todo o caso, a da sua inexactidão, quanto a da sua irremediável
insuficiência para os efeitos práticos da aplicação do direito. É exacto ser no sistema

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social como um todo que deve ver-se em último termo a fonte legitimadora e
produtora da ordem legal dos bens jurídicos. Mas, com apelo directo a um tal sistema
é absolutamente impossível emprestar ao conceito de bem jurídico a indispensável
concretização.
Com uma via para a alcançar só se depara quando se toma em conta que os
bens do sistema social se transformam e se concretizam em bens jurídicos dignos de
tutela penal através da ordenação axiológica jurídico-constitucional. Como, aliás,
desde os anos 70 do séc. XX vem reconhecendo uma parte altamente significativa da
doutrina italiana. Entre a ordem axiológica jurídico-constitucional e a ordem legal
(jurídico-penal) dos bens jurídicos tem por força de verificar-se uma qualquer
relação de mútua referência.
Relação que não será de identidade, ou mesmo só de recíproca cobertura,
mas de analogia material, fundada numa essencial correspondência de sentido e de
fins. É nesta acepção que os bens jurídicos protegidos pelo direito penal devem
considerar-se concretizados dos valores constitucionais expressos ou implicitamente
ligados aos direitos e deveres fundamentais e à ordenação social, política e
económica. É por esta via que os bens jurídicos se transformam em bens jurídicos
dignos de tutela penal ou com dignidade jurídico-penal, numa palavra, em bens
jurídico-penais.
Enquanto os crimes do direito penal da justiça se relaciona em último termo,
directa ou indirectamente com a ordenação jurídico-constitucional relativa aos
direitos, liberdades e garantias das pessoas, já os do direito penal secundário se
relacional essencialmente, com a ordenação jurídico-constitucional relativa aos
direitos sociais e à organização económica. Diferença que radica, por sua vez, na
existência de duas zonas relativamente autónomas na actividade tutelar do Estado:
uma que visa proteger a esfera de actuação especificadamente pessoal do homem: do
homem como este homem; a outra que visa proteger a sua esfera de actuação social:
do homem como membro da comunidade.
Estamos convictos de que também no futuro a tarefa exclusiva do direito penal
como preservação das condições fundamentais da mais livre realização possível da
personalidade de cada homem na comunidade poderá continuar a ser sufragada no
essencial. A esta conclusão conduz, por um lado, uma correcta solução da questão da
legitimação do direito de punir estatal: este provém muito simplesmente da exigência
de que o estado só deve tomar de cada pessoa o mínimo dos seus direitos e liberdades

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que se revele indispensável ao funcionamento sem entraves da comunidade. A ela
conduz, por outro lado, a regra do Estado de Direito Democrático, segundo a qual o
estado só deve intervir nos direitos e liberdades fundamentais na medida em que isso
se torne imprescindível ao asseguramento dos direitos e liberdades fundamentais dos
outros ou da comunidade enquanto tal.

2.5. Consequências da orientação defendida.


Desde logo, puras violações morais não conformam como tais a lesão de um
autêntico bem jurídico e não podem, por isso, integrar o conceito material de crime.
Do mesmo modo não conformam autênticos bens jurídicos proposições
meramente ideológicas (pôr em causa a pureza da raça). Objecto de criminalização
não deve ainda constituir, por igual motivo, a violação de valores de mera ordenação,
subordinados a uma certa política estatal e por isso de entono claramente jurídico-
administrativo. Toda a norma incriminatória na base da qual não seja susceptível de
se divisar um bem jurídico-penal claramente definido é nula, por materialmente
inconstitucional, e como tal deve ser declarada pelos tribunais para tanto competentes.

3. O critério da necessidade (ou da carência) da tutela penal.


3.1.Necessidade de tutela penal e princípio jurídico-constitucional da
proporcionalidade em sentido amplo.
Se, na concepção teleológico-funcional e racional que vimos ensaiando, não
pode haver criminalização onde se não divise o propósito de tutela de um bem
jurídico-penal, já a asserção inversa se não revela exacta: asserção, isto é, segundo a
qual sempre que exista um bem jurídico digno de tutela penal aí deve ter lugar a
intervenção correspondente. O conceito material de crime é essencialmente
constituído pela noção de bem jurídico dotado de dignidade penal; mas que a esta
noção de bem jurídico dotado de dignidade penal; mas que a esta noção tem de
acrescer ainda um qualquer outro critério que torne a criminalização legítima. Este
critério adicional é o da necessidade (carência) de tutela penal. Nesta precisa
acepção o direito penal constitui, na verdade, a última ratio da política social e a sua
intervenção é de natureza definitivamente subsidiária.
A limitação da intervenção penal acabada de referir derivaria sempre, de
resto, do princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade em sentido amplo.
Uma vez que o direito penal utiliza com o arsenal das suas sanções específicas, os

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meios mais onerosos para os direitos e as liberdades das pessoas, ele só pode intervir
nos casos em que todos os outros meios da política-social, em particular da política
jurídica não-penal, se revelam insuficientes ou inadequados.
Neste sentido se pode e deve afirmar, em definitivo, que a função precípua do
direito penal reside na tutela subsidiária de bens jurídico-penais.

3.2. A questão das imposições constitucionais implícitas de criminalização.


Disse-se ter de existir entre as duas ordens uma relação de implicação, no
sentido de que todo o bem jurídico penalmente relevante tem de encontrar uma
referência, expressa ou implícita, na ordem constitucional dos direitos e deveres
fundamentais. Mas, justamente em nome do critério da necessidade e da consequente
subsidiariedade da tutela jurídico-penal, a inversa não é verdadeira: no preciso sentido
de que não existem imposições jurídico-constitucionais implícitas de criminalização.
Precisamente porque não pode ser ultrapassado o inevitável entreposto
constituído pelo critério da necessidade ou da carência de pena. Critério que, em
princípio, caberá ao legislador ordinário utilizar e que só em casos gritantes poderá
ser jurídico-constitucionalmente sindicado, nomeadamente, por violação eventual do
princípio da proporcionalidade em sentido estrito.

3.3. O princípio da não-intervenção moderada e o movimento da


descriminalização.
A restrição da função do direito penal à tutela de bens jurídico-penais, por um
lado, e o carácter subsidiário desta tutela em sintonia com o princípio da necessidade,
por outro, conduzem à justificação de uma proposição político-criminal fundamental:
a de que, para um eficaz domínio do fenómeno da criminalidade dentro de cotas
socialmente suportáveis, o estado e o seu aparelho formalizado de controlo do crime
devem intervir o menos possível; e devem intervir só na precisa medida requerida
pelo asseguramento das condições essenciais de funcionamento da sociedade. A esta
proposição se dá o nome de princípio da não-intervenção moderada – corrigindo em
parte o princípio da não intervenção radical avançado pró Schur – que, assim se
arvora em trave-mestra de todo um programa político-criminal.

I. A DEFINIÇÃO SOCIAL DE CRIME.

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A realidade do crime, porém, não resulta apenas do seu conceito, ainda que
material, mas depende também da construção social daquela realidade: ele é em parte
produto da sua definição social, operada em último termo pelas instâncias formais e
mesmo informais.
A verdade definitiva é que o comportamento criminal tem duas componentes
irrenunciáveis – a do comportamento em si e a da sua definição como criminal -, pelo
que qualquer doutrina que a ele se dirija não pode esquecer nenhuma deles. Na síntese
tem de entrar o comportamento e a sua definição social.

II. A CRISE ACTUAL DO DIREITO PENAL E DO BEM JURIDICO.


1. O paradigma penal das sociedades democráticas contemporâneas, o
direito penal do bem jurídico e os desafios da sociedade do risco.
O paradigma penal das sociedades democráticas do nosso tempo
consubstancia-se na função exclusiva do direito penal de tutela subsidiária de bens
jurídico-penais. No momento presente, porém, começa a perguntar-se com insistência
crescente se um tal paradigma terá capacidade para persistir no século que iniciámos.
A pergunta formulada põe hoje o estudioso perante o topos que, na esteira do
sociólogo Ulrich Beck, se tornou conhecido como o da sociedade do risco, ligado às
problemáticas da pós-modernidade e da globalização. Anuncia o fim desta sociedade
e a sua substituição por uma sociedade exasperadamente tecnológica, massificada e
global, onde a acção humana, as mais das vezes anónima, se revela susceptível de
produzir riscos globais susceptíveis de serem produzidos em tempo e em lugar
largamente distanciados da acção que os originou ou para eles contribuiu e de
poderem ter como consequência, pura e simplesmente, a extinção da vida.
A adequação do direito penal à sociedade do risco implica por isso uma nova
política criminal, que abandone a função minimalista de tutela de bens jurídicos e
aceite uma função promocional e propulsora de valores orientadores da acção humana
na vida comunitária.
Reconhecendo que não pode ficar à espera que se verifiquem resultados
lesivos das condições de vida da humanidade para só então fazer intervir o arsenal
punitivo: este deverá ser chamado, se quiser ser minimamente eficaz, logo
relativamente a qualquer contributo significativo para o potencial de perigo.
Problema que se agrava extraordinariamente quando as condutas perigosas
têm lugar no seio de empresas, de grupos ou de equipas com complexa divisão de

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tarefas e a suspeita da sua prática recai sobre um grande e indeterminável número de
pessoas. Particularmente aqui, perante aquilo que se vai chamando já o fenómeno
actual da irresponsabilidade organizada, o modelo tradicional da imputação jurídico-
penal parece falhar rotundamente, como também quando se persista em manter um
modelo puramente individual de responsabilidade penal. Por isso a ciência do direito
penal começa a perguntar-se por possíveis soluções.

2. Tentativas de resolução do problema.


2.1.A concepção antropocêntrica do Bem Jurídico-Penal.
Há quem sustente que o direito penal não deve nem pode arvorar-se em
instrumento de tutela dos novos e grandes riscos próprios da sociedade presente e,
ainda mais, da sociedade do futuro. Há, pelo contrário que guardar o património
ideológico do Iluminismo Penal, reservando ao direito penal o seu âmbito clássico de
tutela e os seus critérios experimentados de aplicação; e inclusivamente que reforçar a
ideia de que se está perante um autêntico bem jurídico-penal somente quando ele se
possa conceber como expressão de um interesse do indivíduo.
Para protecção perante os mega-riscos da sociedade pós-industrial só pode ser
pedido auxílio a outros ramos de direito (não penal).

2.2. A funcionalização intensificada da tutela penal: O abandono do


direito penal do bem jurídico em favor de um direito penal do risco.
No outro extremo se perfilam aqueles que preconizam a criação de um direito
penal pró inteiro funcionalizado às exigências próprias da sociedade do risco.

2.3.Posições intermédias.
Uma delas pretende responder ao problema através de uma política e de uma
dogmática criminais duais ou dualistas. Deve manter-se a existência de um cerne do
direito penal, relativamente ao qual valham, imodificados, os princípios do direito
penal clássico, dirigido à protecção subsidiária de bens jurídicos individuais. Mas
deve existir também uma periferia jurídico-penal, especificadamente dirigida à
protecção contra os grandes e novos riscos.

3. A subsistência do modelo do direito penal do bem jurídico na sociedade


de risco.

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É nossa convicção que à questão básica suscitada, de saber se na sociedade de
risco pode ainda manter-se o modelo do direito penal do bem jurídico, deverá em
definitivo responder-se que sim, na medida em que possa e deva afirmar-se que ao
lado dos jurídicos individuais ou dotados de referente individual e ao mesmo nível de
exigência tutelar autónoma, existem autênticos bens jurídicos sociais, comunitários,
universais, colectivos, ou como quer que prefiramos exprimir-nos a propósito.
Os bens jurídicos colectivos devem por conseguinte ser aceites como
autênticos bens jurídicos. O carácter colectivo do bem jurídico não exclui a existência
de interesses individuais que com ele convergem; se todos os membros da
comunidade se vêem prejudicados por condutas pesadamente poluidoras, cada um
deles não deixa, individualmente, de sê-lo também e de ter um interesse legítimo na
preservação das condições vitais.
A verdadeira característica do bem jurídico colectivo ou universal reside pois
em que ele deve poder ser gozado por todos e por cada um, sem que ninguém deva
poder ficar excluído desse gozo: nesta possibilidade de gozo reside o interesse
individual legítimo na integridade do bem jurídico colectivo.
A inteira legitimação do legislador para, nomeadamente face à necessidade
colectiva de contenção de mega-riscos globais, criar, se indispensável, incriminações
acumulativas, protectoras de bens jurídicos colectivos. Se, p. ex., o legislador,
baseado nos conhecimentos científicos disponíveis, conclui que a utilização maciça de
produtos sob a forma de sprays pode aumentar os danos da camada de ozono, está
absolutamente legitimado para criminalizar o fabrico, a venda, a utilização, etc., de
quaisquer produtos sob aquela forma.

4. Conclusão.

Nesta medida acabamos por nos aproximar de certo modo, é verdade, da ideia de
Günter Stratenwerth, segundo a qual a tutela dos grandes riscos e das gerações
futuras pode em certos casos passar pela assunção de um direito penal do
comportamento em que são penalizadas e punidas puras relações da vida como tais.
Não se trata com isto, porém, de uma alternativa ao direito penal do bem jurídico:
ainda aqui a punição imediata de certas espécies de comportamentos é feita em nome
da tutela de bens jurídicos colectivos e só nesta medida se encontra legitimada.

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5. OS PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL4
5.1. O Princípio da legalidade5-“nullum crimen”, “nulla poena sine
lege”.
O princípio do estado de direito conduz a que a protecção dos direitos,
liberdades e garantias seja levada a cabo não apenas através do direito penal, mas
também perante o direito penal. Até porque uma eficaz prevenção do crime, que o
direito penal visa em último termo atingir, só pode pretender êxito se à intervenção
estadual forem levantados limites estritos perante a possibilidade de uma intervenção
estadual arbitrária ou excessiva.
A esta possibilidade de arbítrio ou de excesso se ocorre submetendo a
intervenção penal a um rigoroso princípio de legalidade, cujo conteúdo essencial se
traduz em que não pode haver crime, nem pena que não resultem de uma lei prévia,
escrita, estrita e certa.
A norma contida no art. 26º/3 CRA confere jurisdição aos tribunais angolanos
para conhecerem de certos crimes contra o direito internacional, mesmo que as
condutas visadas não sejam puníveis à luz da lei positiva interna. Necessário é porém
que se trate de crimes à luz dos princípios gerais de direito internacional comummente
reconhecidos (art. 13º CRA e n.º2 do 26.º) e a punição só pode ter lugar nos limites da
lei interna, que define os termos do processo e as sanções aplicáveis.
Hoje é seguro que o princípio nullum crimen sine lege, constitui um princípio
geral de direito internacional, embora o seu modo seja diverso, uma vez que no termo
lege se inclui também o direito costumeiro. De toda a maneira, a importância do
problema tem vindo a reduzir-se progressivamente desde o fim da II guerra mundial
por força da cristalização positiva do direito costumeiro em várias convenções
internacionais, cujas normas os estados vão incorporando no seu direito interno.
O princípio da legalidade da intervenção penal, possui uma pluralidade de
fundamentos, uns externos (ligados à concepção fundamental do Estado), outros
internos (de natureza especificadamente Jurídico-Penal). Entre os primeiros, avultam
o Princípio Liberal, o Princípio Democrático e o Princípio da Separação De
Poderes.

4
Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, pp. 93-114; Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal I,
pp. 54-61; Figueiredo Dias, Direito Penal I, pp. 106-131;
5
Idem, Direito Penal Português I, pp. 255-290; Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal I, pp. 54-55; Figueiredo
Dias, Direito Penal I, pp. 177-192; Taipa de Carvalho, Direito Penal, pp. 152-169.

15
De acordo com o princípio liberal, toda a actividade intervencionista do
Estado na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas tem de ligar-se à
existência de uma lei e mesmo, entre nós, de uma lei geral, abstracta e anterior
(art.57º CRA).
Entre os fundamentos internos, costumam apontar-se a ideia da prevenção
geral e o princípio da culpa. Não pode, esperar-se que a norma cumpra a sua função
motivadora do comportamento da generalidade dos cidadãos se aqueles não puderem
saber, através de lei anterior, estrita e certa, por onde passa a fronteira que separa os
comportamentos criminalmente puníveis dos não puníveis:
1. Nullum crimen sine lege: Princípio segundo o qual não há crime sem lei
anterior que como tal preveja uma certa conduta significa que, por mais
socialmente nocivo e reprovável que se afigure um comportamento, tem o
legislador de o considerar como crime para que ele possa como tal ser punido.
2. Nulla poena sine lege: A fórmula não há crime sem lei é complementada pela
fórmula não há pena (rectior, não há sanção criminal, pena ou medida de
segurança) sem lei. Entre nós também este segmento do princípio tem
expressa consagração jurídico-constitucional e legal (1.º CP; art. 2.º, 65º,
2,4,5, 66.º, 2; 161.º al.b) e 164.º al.e) CRA. No que toca às penas, esta
exigência de lex prévia corresponde à doutrina internacional dominante.
Não assim já, porém, no que toca às medias de segurança, relativamente às quais se
pensava que o seu fundamento de estrita prevenção especial deveria conduzir a que
pudesse aplicar-se a medida de segurança vigente ao tempo da aplicação.
Em detrimento, desta ideia veio a legislação constitucional e ordinária angolana dar
prevalência a uma consistente protecção dos direitos, liberdades e garantias das
pessoas, também face à aplicação de medidas de segurança, conferindo assim o facto
uma função de co-fundamento da respectiva aplicação. E, por esta via, veio assegurar
a extensão do princípio da legalidade às medidas de segurança com âmbito análogo
àquele que ele tradicionalmente assume para as penas.

I. O PLANO DO ÂMBITO DA APLICAÇÃO.


O princípio da legalidade não cobre, segundo a sua função e o seu sentido,
toda a matéria penal, mas apenas a que se traduza em fundamentar ou agravar a

16
responsabilidade do agente. Por isso, para se avançar apenas com um exemplo, o
princípio cobre toda a matéria relativa ao tipo de ilícito ou ao tipo de culpa, mas já
não a que respeita às causas de justificação ou às causas de exclusão da culpa.

II. O plano da fonte: O princípio conduz à existência de lei formal: só uma lei da AN
ou por ela competentemente autorizada pode definir o regime dos crimes, das penas e
das medidas de segurança e seus pressupostos (art.164.º al. e)- competência absoluta
da AN-reserva material de lei).
Um problema: é o de saber se a exigência de legalidade no plano da fonte,
deverá abranger só a lei penal stricto sensu ou ainda também a lei extra-penal, na
medida em que esta venha a ser chamada pela lei penal à fundamentação ou à
agravação da responsabilidade.
O que acaba por fazer crise nas chamadas normas penais em branco,
sobretudo abundantes no âmbito do direito penal secundário, que cominam uma pena
para comportamentos que não descrevem, mas se alcançam através de uma remissão
da norma penal para leis, decretos, regulamentos ou inclusivamente actos
administrativos autonomamente promulgados em outro tempo ou lugar. Pressuposto
porém, evidentemente, que a norma penal em branco consta de lei formal, não se
vêem razões teleológico-funcionais decisivas para considerar em causa, no plano da
fonte, o respeito pelo princípio da legalidade.

III. A determinabilidade do tipo legal: No plano da determinabilidade do tipo legal


ou tipo de garantia – precisamente, o tipo formado pelo conjunto de elementos, cuja
fixação se torna necessária para uma correcta observância do princípio da legalidade –
importa que a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos de que
dependa em concreto uma punição, seja levada até a um ponto em que se tornem
objectivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e,
consequentemente, se torne objectivamente motivável e dirigível a conduta dos
cidadãos.
Nesta acepção se afirma, com razão que a lei penal fundamentadora ou
agravadora da responsabilidade tem de ser uma lei certa e determinada; e se chama
muito acertadamente a atenção, nos novos tempos, para que é mais aqui até do que no
plano da proibição da analogia ou da retroactividade que reside o grande perigo para a

17
consistência do princípio nullum crimen que é neste ponto que reside o verdadeiro
cerne do princípio da legalidade.

IV. A proibição da analogia: Toma-se neste contexto o conceito de analogia como


aplicação de uma regra jurídica a um caso concreto não regulado pela lei através de
um argumento de semelhança substancial com os casos regulados; a chamada
analogia legis, não a analogia iuris. Torna-se evidente que o argumento de analogia
tem em direito penal de ser proibido, por força do conteúdo de sentido do princípio da
legalidade, sempre que ele funcione contra o agente e vise servir a fundamentação ou
a agravação da sua responsabilidade (art. 65.º CRA, 1º/3 CP).

1. INTERPRETAÇÃO E ANALOGIA EM DIREITO PENAL.


A proibição de analogia, pressupõe a resolução do problema dos limites da
interpretação admissível em direito penal. Deste modo, se torna inarredável a questão
de saber o que pertence ainda à interpretação permitida e o que pertence já a analogia
proibida em direito penal pelo princípio da legalidade.
Critério de distinção: o legislador penal, é obrigado a exprimir-se através de
palavras; as quais todavia nem sempre possuem um único sentido, mas pelo contrário
se apresentam quase sempre polissémicas. Por isso, o texto legal se torna carente de
interpretação, oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum
e literal, um quadro de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e
pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora deste quadro,
sob não importa que argumento, o aplicador encontra-se inserido já no domínio de
analogia proibida. Um tal quadro não constitui por isso critério ou elemento, mas
limite da interpretação admissível em direito penal.
A doutrina, aqui defendida é a posição teleológica e funcionalmente imposta
pelo conteúdo de sentido próprio do princípio da legalidade. Fundar ou agravar a
responsabilidade do agente em uma qualquer base que caia fora do quadro de
significações possíveis das palavras da lei não limita o poder do Estado e não
defende os direitos, liberdades e garantias das pessoas.

2. Âmbito da proibição de analogia.


A proibição de analogia vale relativamente a todos os elementos, qualquer que
seja a natureza, que sirvam para fundamentar a responsabilidade ou para agravar; a

18
proibição vale pois contra reum ou in malem partem, não favorece reum ou in bonam
partem. Concretamente, a proibição abrange: os elementos constitutivos dos tipos
legais de crime; as leis penais em branco; as consequências jurídicas do crime;
certas normas da PG do CP.

V. A PROIBIÇÃO DE RETROACTIVIDADE. O âmbito de validade temporal


da lei penal ou problema da aplicação da lei penal no tempo.
1. Aplicação da lei penal no tempo e princípio da irretroactividade6.
Pode suceder, na verdade, que após a prática de um facto, que ao tempo não
constituía crime, uma lei nova venha criminalizá-lo; ou, sendo o facto já crime ao
tempo da sua prática, uma lei nova venha prever para ele uma pena mais grave, ou
qualitativamente ou quantitativamente.
O problema da aplicação da lei no tempo é resolvido através das normas
chamadas de direito inter-temporal. Estes direito como que se reduz, no âmbito
penal, ao princípio que traduz uma das consequências mais fundamentais do princípio
da legalidade: o da proibição da retroactividade em tudo quanto funcione contra
reum ou in male partem. Através dele se satisfaz a exigência constitucional e legal de
que só seja punido o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao
momento da prática do facto.

2. Determinação do tempus delicti.


O tempu delicti, é aquele que deve considerar-se o momento da prática do
facto. Dispõe o art. 3º CP que o facto considera-se praticado no momento em que o
agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do
momento em que o resultado típico se tenha produzido. Decisivo para determinação
do momento da prática do facto é a conduta, não o resultado. É no momento em que
o agente actua que releva a função tutelar dos direitos, liberdades e garantias da
pessoa que constitui a razão de ser daquele princípio.
Ela vale para todos os comparticipantes no facto criminoso, venha a sua
responsabilização a ter lugar a título de autores ou apenas de cúmplices (art. 24.º e
25.º). Nos crimes duradouros e nos crimes continuados qualquer agravação da lei

6
Germano Marques da Silva, Direito Penal Português I, pp. 291-317; Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal
I, pp. 65-70; Figueiredo Dias, Direito Penal I, pp. 193-206; Taipa de Carvalho, Direito Penal, pp. 170-207.

19
ocorrida antes do término da consumação, só pode valer para aqueles elementos
típicos do comportamento verificados após o momento da modificação legislativa.

3. Âmbito da aplicação da proibição.


A proibição da retroactividade, funciona apenas a favor do agente, não contra
ele. Por isso, a proibição vale relativamente a todos os elementos da punibilidade, à
limitação de causas de justificação, de exclusão ou de diminuição da culpa e das
consequências jurídicas do crime, qualquer que seja a sua espécie. Em muitas ordens
jurídicas, vigora ainda hoje a ideia de que a proibição não vale relativamente às
medidas de segurança. Hoje, porém, existem injunções legais, constitucionais e
ordinárias que terminantemente afastam uma tal doutrina.
De considerar é agora, todavia a doutrina diferenciadora proposta pela
professora Maria João Antunes: “se no tocante ao pressuposto prática de facto
ilícito vale a lei vigente no momento da prática do facto, já quanto ao pressuposto
fundado receio de que o agente venha a cometer outros factos ilícitos típicos, poderá
valer a lei vigente no momento da formulação deste juízo de perigosidade”.
Por isso, a medida de segurança só é aplicável se o facto for descrito e
declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática; a medida de
segurança não é aplicável se o facto punível segundo a lei vigente no momento da sua
prática deixar de o ser, por uma lei nova o eliminar do número das infracções, ainda
que haja decisão transitada em julgado; a medida de segurança a aplicar, em concreto,
determina-se pela lei vigente no momento da decisão, excluindo-se portanto a lei
vigente no momento da execução.
Questão interessante é a de saber se submetida à proibição de retroactividade
está só a lei ou também a jurisprudência. Deverá admitir-se que uma corrente de
aplicação jurisprudencial definida e estabilizada possa ser alterada contra o agente?
Não constitui propriamente uma violação do princípio da legalidade, mas não deixa
de pôr em causa valores que lhe estão associados, pela frustração das expectativas
quanto à irrelevância penal da conduta, formadas com base numa interpretação
judicia. O que se alterou, foi o conhecimento da teleologia e da funcionalidade de
uma certa norma jurídica.
4. O princípio da aplicação da lei mais favorável.
A consequência teórica e praticamente mais importante do princípio segundo
o qual a proibição de retroactividade só vale contra o agente, não a favor dele,

20
consubstancia-se no princípio da aplicação da lei mais favorável (art. 2º/2, do C.Penal
e 65º/4, in fine da CRA).

4.1. As hipóteses de descriminalização.


A primeira situação será aquela em que uma lei posterior à prática do facto
deixe de considerar este como crime. O art. 2.º traduz a ideia de a eficácia do
princípio de aplicação da lex mellior ser tão forte que, quando se analise em uma
descriminalização directa do facto, ela se impõe, no que toca à execução e aos seus
efeitos penais, ainda no caso de a sentença condenatória ter já transitado em julgado.

4.2. As hipóteses de atenuação da consequência jurídica.

O mesmo que se expôs para as hipóteses de descriminalização deve defender-


se para o caso em que a nova lei atenua as consequências jurídicas que ao facto se
legal, nomeadamente, a pena, a medida de segurança ou os efeitos penais do facto.
Também neste caso a lei mellior deve ser retroactivamente aplicada, todavia, de
acordo com o disposto no art. 2.º/2, com ressalvada dos casos julgados. Tem-se
pretendido que a diferença aqui existente relativamente à lei descriminalizadora seria
inconstitucional por a restrição não consta do art. 65.º/4 CRA. Mas esta posição não
parece de aceitar.
A conformidade com o art. 65.º/4 CRA, da ressalva de casos julgados prevista
no art. 2.º/2 CP, não significa, como é evidente, que a mesma não possa ser eliminado
ou restringida, fruto de uma nova opção legislativa. Nesse sentido vai a alteração ao
regime do art. 2.º/4 proposta no anteprojecto da lei aprovada em 2020.
Nesse anteprojecto a actual ressalva dos casos julgados é substituída por uma
outra, menos restritiva, do seguinte teor: se tiver havido condenação, ainda que
transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da
pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei
posterior. Da nova redacção proposta para o art. 2.º/2 resulta que a ressalva dos casos
julgados só é afastada em caso de execução de uma pena principal e já não de uma
pena de substituição, uma vez que só é possível avaliar se o tempo de execução
corresponde à pena máxima aplicável pela lei posterior se ambas forem da mesma
espécie.
4.3. As leis intermédias.

21
São as leis que entraram em vigor posteriormente à prática do facto, mas já
não vigoravam ao tempo da apreciação judicial deste.
4.4. Leis temporárias.
Uma excepção ao princípio da aplicação da lei mais favorável está
consagrada, no art. 2º/3 para as chamadas leis temporárias: quando a lei valer para
um determinado período de tempo, continua a ser punível o facto praticado durante
esse período. Leis temporárias devem, pois considerar-se apenas aquelas que, a
priori, são editadas pelo legislador para um tempo determinado.
A circunstância de a lei cessar automaticamente a sua vigência uma vez
decorrido o período de tempo para o qual foi editada. Não existem por isso aqui
expectativas que mereçam ser tutelas, enquanto, por outro lado, razões de prevenção
geral positiva persistem.

5. O Princípio da intervenção mínima-art.57.º


Em relevante estudo sobre o tema, cuja nomenclatura, acertadamente, sustenta
ser equívoca e por isso propõe seja chamado de princípio da intervenção mínima (e
não da subsidiariedade), Muñoz Conde, na linha de vários autores, afirma que este
princípio reitor do Direito penal determina que somente as mais graves perturbações
da ordem jurídica, o ataque mais violento a bens jurídicos deve merecer sua
intervenção, significando dizer que o Direito penal, dada, sobretudo, a natureza de
suas sanções, é subsidiário dos demais ramos do Direito nessa tarefa de proteção a
bens jurídicos:

“Dentro do ordenamento jurídico, ao Direito penal corresponde a tarefa mais


ingrata e temível: a de sancionar com as sanções mais graves os ataques mais
intoleráveis aos bens jurídicos mais importantes, e, neste sentido, se pode dizer que o
Direito penal deve ser subsidiário do resto das normas do Ordenamento jurídico,
porquanto nele se expressa seu caráter de ‘última ratio’; quer dizer, quando o ataque
não seja muito grave ou o bem jurídico não seja tão importante, ou quando o conflito
possa ser solucionado com soluções menos radicais que as sanções penais
propriamente ditas, devem ser aquelas aplicadas.”

Deste modo, deveriam estar alijadas do direito penal a criminalização de


condutas reputadas como meras imoralidades, assim como a difusão de pornografia

22
entre adultos, alcovitaria e condutas similares, desde que não se molestem outras
pessoas. Deveriam ser igualmente excluídas grande parte das contravenções penais,
condutas que passariam a ser objeto de proibição por parte do direito administrativo
sancionador. Disso se segue, agora com Maurach, que “a natureza secundária do
Direito penal é uma exigência político-jurídica dirigida ao legislador”, de modo que a
norma penal se constitua na ultima ratio no seu instrumental, posto que “segundo o
princípio da proporcionalidade, que rege todo o direito público, incluindo o direito
constitucional, aquele deve fazer um uso prudente e mesurado deste meio.”

Alerta Muñoz Conde que a “questão se complica quando a sanção penal e a


extrapenal não só coincidem no mesmo fato, senão que cumprem funções muito
parecidas” ou quando a de natureza administrativa está dotada de mais gravidade do
que a penal. Sobressai este aspecto quando se trata de sanções aplicadas a
funcionários públicos, ou em hipóteses de determinadas sanções aplicadas por
agências reguladoras, que implicam em inabilitação para o exercício profissional. É
necessário atenção em tais hipóteses, a fim de evitar-se o bis in idem, isso porque,
segundo este autor, “a distinção entre o ‘poder sancionador administrativo’ e o
propriamente penal é puramente conjuntural e, desde logo, não se baseia em critérios
qualitativos ou de diferenças essenciais entre os ilícitos administrativos e penais que
estão em sua origem”.

A distinção entre estes dois ramos, continua, “é fundamentalmente


quantitativa. Restando, claro que o Direito Penal deve se ocupar de proteger com a
sanção penal bens jurídicos importantes e gravemente atingidos há, primeiramente,
que se identifica-los. Já se mencionou neste trabalho o conceito de bens jurídicos: são
aquelas “circunstâncias dadas ou finalidades que são úteis para o indivíduo e seu
desenvolvimento no marco de um sistema global estruturado sobre a base dessa
concepção dos fins para o funcionamento do próprio sistema” ou seja, “aquelas
propriedades de seres humanos, coisas e instituições que servem ao livre
desenvolvimento individual e que resultam merecedoras de proteção sob o princípio
da coexistência de liberdade vantajosa para todos.” Há de se ter conta, porém, que
diante desta conceituação o que hoje pode ser considerado como bem jurídico
relevante para o Direito penal pode não o ser mais num futuro próximo, haja vista que
este conceito é mutável, tal como já anotou Jeschek, para quem “o inventário de bens

23
protegidos juridicamente varia”. Obtempera este autor que no Direito recente tanto
podem ocorrer novas criminalizações, como a descriminalização de outras condutas
antes penalmente relevantes, destacando, ademais, que “as alterações na valorização
dos bens jurídicos se expressam assim mesmo através de mudanças na aplicação de
sanções.” Diante da vacuidade do conceito mesmo de bem jurídico e da sua possível
manipulação para a obtenção de consensos na actividade legiferante, “com o princípio
da intervenção mínima se quer dizer que os bens jurídicos não só devem ser
protegidos pelo Direito penal, senão também ante o Direito penal”, mesmo porque,
da concepção do Direito penal como instrumento de proteção de bens jurídicos, “não
de deduz automaticamente que o legislador esteja obrigado a sancionar penalmente
todos os comportamentos que lesionem bens jurídicos, quando a proteção aos
mesmos se pode conseguir inclusive mais eficazmente através de outros instrumentos
não penais.”

Por fim, adverte Muñoz Conde acerca de uma “tendência a ampliar o âmbito
de intervenção do Direito penal a proteção de bens jurídicos universais cada vez
mais inapreensíveis e, por isso mesmo, difíceis de delimitar”, como, por exemplo, o
meio ambiente ou o mercado de capitais. Se o conceito de bem jurídico vem sendo
desenvolvido pela doutrina precisamente para limitar o poder punitivo do Estado, não
pode se convertê-lo em fonte de legitimação para uma hipertrofia do direito penal,
expandindo-o à prevenção de riscos de identificação obscura, difusa, visando à
proteção de sistemas ou subsistemas de forma a garantir-lhes funcionalidade.

Cogita ainda, Muñoz Conde que outros princípios derivam do postulado da


intervenção mínima, em virtude das consequências de sua aplicação no que se refere,
por um lado, à gravidade das penas, resultando no princípio da humanidade; e na
ideia de Justiça imanente a todo o Direito, constituindo este no princípio da
proporcionalidade.

6. O Princípio da humanidade das penas


Este princípio se relaciona com a incondicional obrigação reconhecer- se que
o delinquente, “qualquer que tenha sido o delito que tenha cometido, é um
semelhante, uma pessoa humana que tem direito de ser tratada como tal e a
reintegrar-se na comunidade como um membro de pleno direito”. Para Zaffaroni,
“o princípio da humanidade é o que dita a inconstitucionalidade de qualquer pena

24
ou consequência do delito que crie um impedimento físico permanente (Morte,
Amputação, Castração, Esterilização, Intervenção Neurológica etc.), como também
qualquer consequência jurídica indelével do delito”.

Conforme Luis Luisi, a consagração do princípio da humanidade no Direito


penal moderno se deu no Iluminismo, quando “o elenco dos direitos humanos passou
a integrar o instrumento jurídico do pacto social, ou seja, as Constituições”. Os
reflexos deste princípio na esfera criminal se dão sob diversas ópticas, seja “no
processo penal, na abolição de determinados tipos de pena e na execução das penas
privativas de liberdade.”

a) Proibição da tortura- art.60.º da CRA

No âmbito do processo penal, o princípio da humanidade exige que se proíba


a tortura ou qualquer outro meio que prive a pessoa de sua livre determinação, como
método de obtenção da verdade (p. ex. a lavagem cerebral ou a detecção eletrônica
de mentiras). Este princípio se expressa constitucionalmente através das cláusulas do
devido processo legal, valendo digressionar sobre o assunto.

Na Idade Média, adstritos ao sistema conhecido como “provas legais”, em


que o legislador e os jurisconsultos indicavam o valor exato de cada prova, os juízes
criminais, mesmo quando convencidos da inocência, se viam na contingência de
condenar dado o iníquo automatismo na apreciação das provas.

No dizer de João Bernardino Gonzaga, “este sistema gerou como


consequência inexorável o interesse em conseguir a confissão do arguido, considerada
a rainha das provas, a probatio probatissima, visto que a sua presença bastava para
condenar”. Só que para alcançar esta imaginada segurança processual relativamente à
verdade dos factos, recorria-se à tortura. Segundo este autor, “se a confissão se
tornara fruto tão cobiçado, tornava-se difícil resistir à tentação de sacudir a árvore a
fim de obtê-la”. Deste modo, prossegue Gonzaga, “a nota judiciária mais
característica deste período foi o indiscriminado e tranquilo emprego da tortura,
também chamada de ”questão’”. De se notar, por outro lado, que a tortura não possuía
natureza de pena, consistindo exclusivamente num meio processual para apuração da

25
verdade, através da confissão, expressa na máxima Quaestio est veritatis indagatio
per tormento7.

Era a tortura, então, um meio perfeitamente lícito e legítimo de obtenção do


que hoje chamamos de “verdade real”, tudo para assegurar a certeza necessária à
emissão de um veredicto judicial, fosse ele condenatório ou absolutório. Para conferir
e ilustrar as afirmativas feitas acima veja-se a seguinte passagem do Malles
Maleficarum, manual de conduta elaborado pelos inquisidores Heinrich Kramer e
James Sprenger em 1484, quando descrevem o método que se deve empregar para
“sentenciar a acusada ao interrogatório8.” “Enquanto os oficiais se preparam para o
interrogatório, que a acusada seja despida; se for, que primeiro seja levada a uma das
células penais e que seja lá despida por mulher honesta de boa reputação” (...).

“Enquanto estiver sendo interrogada a respeito de cada um dos pontos, que


seja submetida à tortura com a devida frequência, começando-se com os meios mais
brandos: o Juiz não deve se apressar em usar dos meios mais violentos. “E enquanto
isso é feito, que o Notário a tudo anote: de que modo é torturada, quais as perguntas
feitas e as repostas obtidas. E notar que, se confessar sob tortura, deverá ser levada
para outro local e interrogada novamente, para que não confesse tão-somente sob a
pressão da tortura.

“Se após a devida sessão de tortura a acusada se recusar a confessar a verdade,


caberá ao Juiz colocar diante dela outros aparelhos de tortura e dizer-lhe que terá de
suportá-los se não confessar. Se então for induzida pelo terror a confessar, a tortura
deverá prosseguir no segundo ou no terceiro dia, mas não naquele mesmo momento,
salvo de houver boas indicações do seu provável êxito”.

Sobressai claramente desse trecho que, ao comporem suas obras doutrinárias


os juristas daquela época mencionavam a coação da tortura para obtenção da
confissão com a mesma naturalidade com que os de hoje abordam, por exemplo, o
7
MUÑOZ CONDE & GARCÍA ARÁN. Derecho Penal... cit. p. 92.
8
KRAMER, Heinrich e SPRENGER, James. “Malles Maleficarum” – O Martelo das Feiticeiras. 3a ed. Trad. P. Fróes.
Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos Ltda, 1991, p. 431- 433).
LANGBEIN, John H. Torture and Plea Bargaining. The University of Chicago Law Review, Vol. 46, no. 1 (outono,
1978), pp. 3-22, Publicado pela: The University of Chicago Law Review (tradução livre). In:
http://judicialstudies.unr.edu/JS_Summer09/JSP_Week_4/JS710Wk4.LangbeinTorandPleaBargtxt .pdf, acesso em
17/03/2012. Este autor compara o instituto norte-americano do Plea bargaining, que consiste num acordo entre o
Promotor e o acusado, no qual este admite a culpa ou não a contesta, sob certos termos e condições, com a Lei de
Tortura, que passou a vigorar a partir de 1215, quando as Ordálias foram abolidas pela Igreja Romana.

26
oferecimento da delação premiada ao arguido preso cautelarmente, a fim de que se
livre solto, mas desde que confesse a prática criminosa e indique seus partícipes.
Traçando inevitável paralelo, tem-se que, presentemente, ao invés de se obter como
prêmio pela confissão sair vivo da inquisa, os benefícios objeto dessa negociação que
envolve o corpo do suspeito (ficar preso ou ser solto; ser torturado ou não) podem
implicar na redução da pena (também corporal) e até à sua extinção, através
concessão do perdão judicial. A Administração da Justiça recebe em troca da
confissão do suspeito, cuja espontaneidade é questão controversa (o trocadilho é
proposital), a tão almejada “segurança jurídica”, tudo visando chegar à “verdade real”
e desvendar outros crimes. Impressiona o pesquisador hodierno a semelhança entre os
dois institutos – da antiga tortura (ainda hoje utilizada) e da pós-moderna delação
premiada – pois ambos visam à busca da verdade e a segurança do julgador para
decidir a causa, à custa do corpo do suspeito.

O mesmo tipo de coação se faz ao investigado relativamente à aplicação do


instituto da transação penal estudado linhas atrás. Nesse caso, o Ministério Público
propõe uma pena alternativa ao acusado, que pode aceitar essa sanção antecipada,
sem o julgamento da causa por um juiz, precisamente para não arriscar-se a uma
condenação. Nessas hipóteses, diferentemente da suspensão condicional do processo
(igualmente estudada linhas atrás), não há sequer acusação formal admitida pelo
Juízo.

No século XVIII, Cesar Beccaria 9 e Voltaire 10 , entre outros, lutaram


tenazmente para a abolição da tortura como método de investigação e obtenção de
prova no processo penal, assim como pela extinção de penas como a de suplícios,
sendo este um dos estandartes dos ideais Iluministas. Não foi coincidência que nesse
período de grande efervescência da História tenha sido proclamada nos Estados
Unidos da América, em 12 de Julho de 1776, a Declaração da Virgínia, cuja Seção 9

9
São palavras de Beccaria: “Este é o meio seguro de absolver os celerados fortes e condenar os inocentes fracos”.
Dos Delitos... cit. p. 56.
10
São palavras de Voltaire, no mesmo sentido das de Beccaria: “Como é vasto o império da pressuposição,
ilustríssimo chefe da magistratura! Quer dizer que V. Exa. pune durante duas horas um infeliz por meio de mil tipos
de morte, para depois ter o direito de dar-lhe uma que dura um só momento! Sabe V. Exa. muito bem que esse é o
segredo de arrancar todas as confissões desejadas de um inocente de músculos delicados e salvar a vida de um
culpado robusto. Já se falou tanto disso! Há tantos exemplos! Será possível que ordenar tormentos horrendos lhe
pareça o mesmo que pedir a juntada de mais informações? Que espantosa e ridícula alternativa!”. VOLTAIRE. O
preço da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 96 (publicado originalmente na Gazette de Berne, no XIV, 15
de fevereiro de 1777).

27
estabelece que “não se deve exigir uma fiança exorbitante, nem impor multas
excessivas, nem infligir castigos exorbitantes” e, mais adiante, em 1789, na França,
ter entrado em vigor a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, logo após
a Revolução Francesa, que estabelecia uma série de garantias para o suspeito.

Também não foi simples coincidência histórica que, em 1948, ainda sob o
impacto dos horrores dos campos de concentração conhecidos no curso da II Guerra
Mundial, tenha a ONU proclamado a Declaração Universal dos Direitos do
Homem, que prevê, em seu artigo 5.º, que “ninguém será submetido a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante”. Passadas três décadas, a proibição da
tortura foi mais uma vez proclamada pelas Nações Unidas, desta vez no Pacto de
Direito Civis e Políticos, datado de 16/12/1966, quando se reafirmou esse ideário.
Dispõe o artigo 10.º dessa normativa que “toda pessoa será tratada humanamente e
com o respeito devido à dignidade do ser humano”. No mesmo sentido, o Pacto de
São José da Costa Rica, firmado em âmbito pan-americano, que expressamente
assegura que “ninguém deve ser submetido à tortura, nem a penas ou tratos cruéis,
desumanos ou degradantes”. Acrescente-se, ademais, que a ONU adoptou em Nova
York 10/12/1984 a Convenção das Nações Unidas Contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, promulgada no Brasil
através do Decreto n.º. 40 de 15/02/1991, onde se designa tortura como: “qualquer
acto pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos
intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa,
informações ou confissões; de castigá-la por ato cometido; de intimidar ou coagir
esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de
qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimento são infligidos por um
funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua
instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como
tortura as dores ou sofrimentos consequência unicamente de sanções legítimas, ou
que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram”.

Por exemplo; no direito interno brasileiro, a Constituição de 1988


expressamente considera a tortura crime inafiançável e imprescritível (CF, art. 5.º,
XLII), sendo que a Lei nº. 9.455, de 07/04/1997, em atendimento às diretrizes do
Tratado acima referido e do teor da Carta, passou a criminalizar, no seu artigo

28
primeiro, a conduta de “constranger alguém com o emprego de violência ou grave
ameaça, causando-lhe sofrimento físico e mental”. Por influência desses tratados e
convenções internacionais, a Constiuição angolana preve nos seus artigos 59.º a
proibição da pena de morte e no art.60.º a proibi a tortura e o tratamento degradantes
dos arguidos.

Nesse cenário global de abolição da tortura como técnica investigativa,


malgrado o inequívoco espírito da normativa internacional e de todo movimento
mundial no sentido de erradicar o uso da tortura, em 2002, embalados numa
desatinada campanha antiterrorista haurida sob o trauma dos atentados de 11/09/01, o
Governo estadunidense, através de Memorandum enviado pelo Advogado-Geral
Adjunto, Jay Bybee ao então Conselheiro da Casa Branca Alberto R. Gonzales
(posteriormente nomeado Advogado-Geral pelo Presidente George W. Bush),
conferiu peculiar interpretação à referida Convenção da ONU contra a Tortura.
Considerou este advogado que a dor e o sofrimento têm gradações, sendo possível,
deste modo, impor aos investigados interrogatórios violentos, desde que estes
recursos não causem “significativo dano psicológico de longa duração”. Verbis: “(...)
para um acto constituir tortura (...) deve infligir dor que é difícil de suportar.

A dor física correspondente à tortura deve ser equivalente em intensidade à


dor acompanhada de sérias lesões físicas, como falha dos órgãos, prejuízos a funções
corporais ou até mesmo a morte. Para sofrimento ou dor puramente mental
corresponder à tortura (...), deve resultar em significativo dano psicológico de longa
duração, e.g. durando por meses ou até mesmo anos.11”

Significa dizer que, para as autoridades policiais e militares daquele país o


emprego de afogamentos, o envolvimento da cabeça do suspeito em sacos plásticos
ou obrigar o interrogando a permanecer em pé sobre baldes de braços abertos, além de
outras técnicas semelhantes, não se enquadrariam na classificação de tortura, sendo,
portanto, perfeitamente legítimo o emprego destes eufemísticos “métodos severos” no
âmbito da actividade persecutória estatal.

11
Office of the Assistant Attorney-General. Memorandum for Alberto R. Gonzales, Counsel for the President:
Standards of Conduct for Interrogation under 18 U.S.C. 2340-2340A (tradução livre) In:
http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB127/020801.pdf . Sobre o tema, veja-se: ANDRADE, Fernanda
Rodrigues Guimarães. Flexibilização da norma de proibição dos maus-tratos nas políticas norte-americanas de
combate ao terrorismo. In: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/artigos/Fernanda%20DH.pdf , acesso em
21/03/2012

29
Com o “nihil obstat” do governo norte-americano relativamente ao emprego
da tortura, esta técnica foi largamente utilizada em centros de detenção (não se exclui,
aliás, que continue sendo) como Guantánamo, em Cuba, e Abu Ghraib, no Iraque, o
que constitui, em si, enorme contradição, já que os Estados Unidos se
autoproclamam defensores dos direitos humanos no seu território. Ignoram, contudo,
os mesmos princípios em bases militares situadas além de suas fronteiras, sob a pífia
justificativa de que não se trata de solo americano.

A comprovação desse facto está em relatório elaborado pela organização não


governamental Médicos pelos Direitos Humanos, baseada no Estado de
Massachusetts, que veiculou, em 18/06/2008, minuciosas informações sobre essa
situação. Segundo este documento, foram encontradas “evidências de violações de
leis criminais que proíbem a tortura e o cometimento de crimes de guerra por
soldados americanos” e verificada a ocorrência de “espancamentos, isolamentos por
grandes períodos de tempo, longos períodos sem possibilidade de dormir, ameaças de
violência contra o detento e seus parentes, humilhação e abuso sexual.12”

Assim, longe de abolida, a tortura permanece sendo empregada por nações


desenvolvidas política e economicamente, nomeadamente os Estados Unidos da
América, sobretudo em casos de suspeita de actos terroristas, ao argumento
utilitarist13a de que seria “moralmente justificável infligir dor imensa a uma pessoa
para evitar morte e sofrimento em grande escala14.”

12
O Globo, edição de 19/06/2008, p. 36.
13
O “utilitarismo” é uma corrente do pensamento ético, político e econômico desenvolvida na Inglaterra, nos séculos
XVIII e XIX, por Jeremy BENTHAN. As ideias deste filósofo podem ser resumidas na primeira frase de sua
Introdução dos Princípios da Moral e da Legislação: “A Natureza colocou a humanidade sob o governo de dois
senhores soberanos: o prazer e a dor. Cabe a eles, e só a eles indicar-nos o que devemos fazer e determinar o que
vamos fazer. Ao trono deles estão presas, de um lado, as norma do bem e do mal e, do outro, a cadeia de causas e
efeitos”. Segundo seus biógrafos, “isso só poderia ser bem entendido à luz do princípio da utilidade, que permite
julgar qualquer ação segundo ela aumente ou diminua a felicidade, promova ou impeça o prazer. A utilidade não é
mais que o objeto visto em sua perspectiva humana, com sua propriedade de produzir benefício, alegria, prazer,
felicidade (variações de um mesmo tema) ou, inversamente, perda, mal, sofrimento, dor. (...). Assim, em todos os
planos, do mais material ao mais espiritual, a busca do prazer e a evitação da dor conferem valor a nossas ações e
são as causas necessárias e suficientes de nossa conduta. Bentham sustenta que a moralidade de uma ação não é
medida pelas intenções do agente, mas pelo que dela resulta concretamente. (...). A moralidade do indivíduo deve
visar à maior felicidade da maioria. O legislador não deve hesitar em infligir dor a um indivíduo se isso aumentar o
bem-estar dos outros. (...). Assim, o mal causado a um indivíduo pode ser finalmente menos importante que a perda
de estabilidade em toda uma sociedade. A lei deve, pois, desencorajar o mal no segundo nível, mesmo que isso
pareça injusto no primeiro nível. Isso é complicado pelo fato de que toda punição que provoque dor de uma maneira
ou de outra é, per se, um mal, e uma injustiça que fosse simplesmente retributiva seria condenável. No seu Book of
Fallacies há eloquente exemplo do seu pensamento. Da expressão os fins justificam os meios, Bentham considera
que “sim, mas com três condições, e se uma delas não for atendida, não existirá justificação: 1. Que o fim seja bom;
2. Que os meios escolhidos sejam puramente bons, ou, se forem maus, que o mal seja ao final menor que o bem
postulado pelo fim; 3. Que os meios tenham em si mais bem ou, conforme o caso, menos mal que qualquer outro
meio que possa ser utilizado para se chegar ao mesmo fim” GINESTER, Gerárd. Dicionário dos Filósofos.
HUISMAN, Denis (org.). 1a ed. 2a tiragem. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pp. 132-136.
14
SANDEL, Michel J. Justiça – o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 52.

30
b). Proibição da pena de morte15

No tocante à gravidade das penas, o princípio da humanidade deve orientar o


legislador e os aplicadores da lei pelo caminho da supressão daquelas em se subtraia
do condenado o tanto de dignidade a que faz jus toda pessoa humana, ordenando-se,
nas palavras de Jescheck, “sobre a base da solidariedade recíproca, da
responsabilidade social para com os reincidentes, da livre disposição à ajuda e à
assistência sociais, e da decidida vontade de recuperar os delinquentes condenados”

Nessa linha, o princípio da humanidade impõe a total abolição da pena de morte,


posto não ser mais eficaz do que outras sob a óptica da prevenção geral, negativa ou
positiva, e muito menos da prevenção especial, seja porque não inibe necessariamente
o cometimento de outros crimes nem reforça a confiança que se possa ter no poder de
execução do ordenamento jurídico de modo a promover a “pacificação” da sociedade:
não será matando condenados que se atingirá esse desiderato; tampouco, por motivos
óbvios, atua como meio de ressocialização; ademais, na hipótese de erro judiciário a
pena capital se constitui, no dizer de Jeschek, numa “desgraça irreparável”,
promovida pelo Estado.

Heleno Fragoso faz completíssimo estudo sobre a pena de morte16, reproduzindo o


debate histórico que sobre ela os estudiosos da ciência política e do direito vêm

15
Constituição da República de Angola. Não é útil a pena de morte, pelo exemplo de crueldade que dá aos
homens. Se as paixões ou a necessidade da guerra ensinaram a espalhar o sangue humano, as leis moderadas da
conduta dos homens não deveriam aumentar o cruel exemplo, tanto mais funesto quanto a morte legal e dada com
propósito e aparato. Parece-me absurdo que as lei, que são a expressão da vontade pública, que abominam e
punem o homicídio, cometam elas mesmas homicídio, e para afastar os cidadãos do assassínio ordenem um,
publicamente (BECCARIA, Cesare Bonesana, machesi di. Dos delitos e das Penas. Cit. p. 71-72).
A pena de morte, imposta aos criminosos, pode ser considerada, pouco mais ou menos sob o mesmo ponto de vista
[a vida é somente um benefício da natureza, senão um dom condicional do Estado]. Para não ser vítima de um
assassino, consente-se na morte daquele que nisso se torna. Neste contrato, longe de dispor da própria vida, não se
pensa senão em garanti-la, e não é de presumir que um dos contratantes premedite a sua perda” (ROUSSEAU,
Jean-Jacques. O Contrato Social. Trad. A. de P. Machado. Estudo crítico de A. Bertagnoli. Rio de Janeiro: Edições
de Ouro, s/data, p. 68).
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis. Apresentação R. J. Ribeiro. Trad. C.
Muracho. 3a ed. São Paulo: Martins fontes, 2005, p. 201.
16
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito Penal e Direitos Humanos, p. 169.

31
travando ao longo dos tempos, perpassando desde os primeiros abolicionistas como
Beccaria (tido como percussor da ideia de excluí-la do rol das sanções penais), até
Rousseau, que percebia o malfeitor como alguém que atacava o direito e o pacto
social, tornando-se um traidor passível de execução e Montesquieu, que reputava a
“pena de morte como o remédio para a sociedade doente”, mas também Hegel e
Kant, que defenderam a pena capital sob o fundamento da Justiça absoluta.

Ao final, colocando o debate em termos político-criminais, Fragoso sustenta que “a


disputa em torno da legitimidade da pena de morte não tem sentido no plano jurídico
e não pode ser resolvida neste terreno”. Sustenta o autor que, em tese, a “eliminação
da vida humana, como perda de um bem, pode constituir perfeitamente uma pena”,
para adiante concluir que a “questão da pena de morte é política e é, sobretudo,
cultural”. A confirmar estas conclusões, o Tribunal Constitucional Alemão, em 1964,
ao ser questionado sobre a possibilidade de extraditar cidadão estrangeiro para um
país que o condenara à morte, reafirmando a expressão contida no artigo 102.º da
Constituição (“fica abolida a pena de morte”), decidiu que esta foi uma “decisão de
grande importância de política estatal de jurídica”, na medida em que contém o
“reconhecimento do valor por princípio da vida humana e de uma concepção estatal
que se contrapõe, enfaticamente, às ideologias de um regime político para o qual a
vida individual pouco significava e que, por isso, abusava da vida e morte do
cidadão17”.

Daí porque, segue Fragoso, a abolição da pena de morte “constitui uma exigência
irresistível da cultura da nossa época”, mostrando-se “irrelevantes os argumentos a
favor de sua legitimidade”. Com efeito, a pena de morte não intimida, não actua
psicologicamente sobre o delinquente, nomeadamente nos casos de crimes de
impulso; não traz qualquer vantagem econômica (a par da crueldade intrínseca da
ideia de matar pessoas para economizar nas despesas prisionais, ressalvando-se, por
outro lado, que a indústria do encarceramento é extremamente próspera na época em
que vivemos); é selectiva, uma vez que atingirá preferencialmente os estamentos
sociais que compõem o estereótipo do criminoso, onde se inserem aqueles excluídos
dos meios formais de produção e consumo; é incoerente com a função especial da
pena, de cunho ressocializador, dado seu caráter permanente e absoluto; não legitima

17
BVerfGE 18, 112. In: Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão. Cit. p. 907-910.

32
a dor da vítima, mas, sim, estimula nesta um sentimento de vingança inaceitável
desde o pressuposto da publicidade das penas; por fim, não se inscreve como forma
de legítima defesa da sociedade, posto que, nas palavras de Belisário dos Santos
Junior, “na expropriação pelo Estado do mais personalíssimo direito do homem, da
sua essência, da sua vida, a reacção não é moderada, o acto que a provocou pertence
ao passado, e o agente que a sofre já não é mais o que praticou o crime18”.

Apesar das críticas universais que se faz à aplicação da pena de morte, segundo
dados da Anistia Internacional nada menos do que 2.390 execuções ocorreram em
2008 no mundo todo (72% na China), sendo que em 25 países pelo menos 8.864
pessoas foram condenadas à morte em 52 Estados. De acordo com o relatório
divulgado por esta ONG, “vários países aprovaram sentenças de morte após
julgamentos injustos, como o Afeganistão, Irã, Iraque, Nigéria, Arábia Saudita,
Sudão e Iêmen”, chamando atenção para a maneira discriminatória com a qual a pena
de morte foi frequentemente aplicada em 2008, dado o número desproporcional de
sentenças dirigidas contra os pobres, minorias e membros de comunidades raciais,
étnicas e religiosas, em países como Irã, Sudão, Arábia Saudita e Estados Unidos.
Alerta, ademais, esta organização não-governamental, que “o risco de execução de
inocentes continua, como evidenciado pela libertação de quatro prisioneiros que
estavam no corredor da morte nos Estados Unidos e que foram considerados
inocentes 19”. Assim, apesar dos ingentes esforços que se faz para excluir esta
modalidade de sanção do Direito Penal em âmbito universal, a pena de morte segue
sendo aplicada e não raro por países que se autoproclamam democráticos e que se
orgulham de exportar seu modelo para outras nações, ainda que por meio de
intervenção militar, como é o caso, mais uma vez, dos Estados Unidos da América do
Norte.

7. O Princípio da culpa e da responsabilidade subjectiva.


18
SANTOS JÚNIOR, Belisário. Pena de Morte. Princípios de Justiça e Paz. São Paulo: Comissão de Justiça e Paz,
ano 1, no. 2, setembro de 1985, p. 7-10.
19
In: http://br.amnesty.org/?q=node/222 , acesso em 28/03/2012. O relatório traz as seguintes informações
suplementares: O relatório constatou que, entre janeiro e dezembro de 2008: pelo menos 2.390 pessoas foram
executadas em 25 países; em média, sete pessoas foram executadas por dia no mundo; pelo menos 8.864 pessoas
foram condenadas à morte em 52 países; cinco países foram responsáveis por 93% de todas as execuções (China,
Irã, Arábia Saudita, Paquistão e Estados Unidos); os métodos utilizados incluem: decapitação, apedrejamento,
enforcamento, injeção letal, fuzilamento e eletrocussão; 59 países mantêm a pena de morte; dois terços dos países
do mundo aboliram a pena de morte na lei ou na prática; um país na Europa continua a executar pessoas –
Bielorrússia; o Irã executou oito prisioneiros que tinham menos de 18 anos na época do crime – uma flagrante
violação da lei internacional. Sobre o tema, ver também Jornal O Globo de 30/07/2009, p. 29.

33
Enquanto princípio de política criminal integrado no quadro de valores
fundamentais da ordem jurídica, atribui-se um duplo sentido ao princípio da culpa.
Por um lado, dele deriva que ninguém pode ser penalmente condenado com
fundamento em responsabilidade objectiva, ao contrário do que sucede, v.g., no
direito civil, exigindo-se a imputação subjectiva da sua conduta a título de dolo ou
negligência. Em consonância com este sentido do princípio da culpa prevêem os (art.
13.º e 18.º do C. Penal Português de 1982), e art.11.º e 16.º do CPA e do art. 21.º nºs
1 e 2 e 3 do C. Penal Guineense, que apenas será punível o facto praticado com dolo
ou com negligência nos casos em que a lei expressamente o preveja, e que a
agravação da pena nos chamados crimes preterintencionais depende sempre da
imputação do resultado mais gravoso ao agente, pelo menos a título de negligência,
tal como igualmente se comina no art. 44.º n.º7 do C. Penal de 1886 (revogado).

Um segundo sentido, mais restrito, do princípio da culpa é o de que não pode ser
criminalmente sancionado com uma pena quem não tiver liberdade de entendimento e
de decisão, ou seja, quem não for penalmente imputável. Quanto ao seu fundamento,
pode dizer-se com o Prof. Sousa Brito que o princípio da culpa se funda na
dignidade da pessoa humana e no direito à liberdade, que parte das constituições
lusófonas expressamente refere como um dos fundamentos de Estado (cfr,,
respectivamente, arts 1.º e 27.º da CRP, 1.º e 5.º da Constituição da República
Federativa do Brasil (CRFB), 1.º 36.º, 57.ºe 65.º, n.º1 da CRA, 1.º e 28.º, da CRCV).
O Prof. F. Dias reporta ainda o princípio à inviolabilidade moral e física dos cidadãos
constitucionalmente acolhida. O princípio da responsabilidade subjectiva implica:

1) Extinção da responsabilidade penal e da pena, com a morte do agente;


2) Proibição da transmissão da pena para familiares, parentes ou terceiros, quer
“mortis causa” quer por acto “inter vivos”.
3) Proibição de sub-rogação no cumprimento da pena.

A intransmissibilidade da responsabilidade criminal e, portanto, das penas e medidas


de segurança, tem assento nas constituições dos Palop: art. 65.º n.º1 da CRA, 38.º da
CRSTP, 31.º n.º1 da CRCV, 61.º n.º1 da CRM e 37.º da CRGB, sendo igualmente
acolhida no art. 30.º n.º3 da CRP.

8. O Direito Penal e os outros Ramos do Direito.

34
Relativamente ao direito constitucional o direito penal assume um carácter
de dependência análogo ao de qualquer outro ramo do direito ordinário. Mas
questionado, tem sido, todavia o posicionamento do direito penal face a outros ramos
do direito ordinário, nomeadamente o direito cível, o direito administrativo e o
direito processual. Uma tese vai no sentido de pôr em evidência o carácter
dependente, secundário de todo o direito penal face a estes outros ramos do direito.
Estes seriam criadores de verdadeira ilicitude, ao contrário do direito penal, a quem
pertenceria uma função puramente sancionatória.
Nesta teoria das normas escorou Belling a afirmação da unidade da ilicitude:
não há uma ilicitude especificadamente penal, civil ou administrativa antes, de uma
acção viola um imperativo jurídico qualquer, ela constitui-se, por força do princípio
da unidade da ordem jurídica de que mais tarde falaria Thon, em ilícito para todos
os ramos do direito.
A Tese Apontada – e que persistiu até à actualidade, sobretudo através da
ideia da unidade da ordem jurídica e da consequente unidade de todo o ilícito – não
parece correcto. Justamente, porque a função do direito penal radica na protecção
das condições indispensáveis da vida comunitária, cumpre-lhe seleccionar, dentre os
comportamentos em geral ilícitos, aqueles que, de uma perspectiva teleológica,
representa um ilícito geral digno de uma sanção de natureza criminal. Nesta acepção
o direito penal é autónomo e criador de uma específica ilicitude penal, correspondente
à especificidade e á qualificação das consequências jurídicas que a um tal ilícito se
ligam.

9. A TEORIA DOS FINS DAS PENAS.


Quais são os objectivos do direito penal? O que nós, enquanto
comunidade jurídica, pretendemos do direito penal?
O direito penal tem um conjunto de normas que protegem a vida das pessoas.
A finalidade da pena é para dizer a todos que quando alguém lese aquele bem
fundamental que é a vida de uma pessoa está a quebrar a norma, mas apesar disso a
norma mantem-se e tanto se mantem que a pessoa é punida por ter violado a norma.
O direito tem sempre alguma esperança (influência do cristianismo) que a
pessoa possa mudar. Há duas teorias quanto às finalidades das penas:

35
A). Teorias Absolutas (teorias ético-retributivas): viram a pena como um fim
em si mesmo. A pena não tinha outra finalidade que não fosse punir o delinquente
com o fim do castigar do mal do crime que ele cometeu. Era a retribuição do mal que
ele provocou.
Pena fixa: à partida no Código Penal para cada tipo de crime estava
determinado qual era o quantitativo da pena, mas havia atenuantes ou agravantes
consoante a culpa do agente. Pela primeira vez se diz que não há pena sem culpa nem
culpa sem pena (P. da bilateralidade da culpa). A pena tinha de corresponder
exactamente à culpa. Quando havia pena o agente era sempre punido. Dr. Eduardo
Correio articulada a exigência retributiva com a ideia de socialização do delinquente.
Outro problema é que as penas não conseguem punir os delinquentes mais
perigosos, porque se um delinquente é muito perigoso e se o que interessa é a culpa.
Para Eduardo Correia, havia a culpa pela construção de personalidade e a culpa
pelo facto, em que o agente é punido também pela sua perigosidade. Culpa –
fundamento; pressuposto; limite e medida.
Actualmente dizemos que a culpa é pressuposto e limite (finalidade são
determinadas pelas exigências de prevenção). Foram abandonadas as teorias
absolutas.

B). Teorias Relativas (teorias da prevenção): a pena não se esgota em si


mesmo, mas tem uma certa finalidade. Esse objectivo é distinto consoante estejamos a
falar das teorias da prevenção geral (informação é para todos nós-comunidade) ou
das teorias da prevenção especial (dirigimo-nos a uma pessoa só, ao próprio
delinquente).
Dentro das teorias da prevenção geral, vamos ter a teoria da prevenção geral
de intimidação ou negativa – estamos a dizer à comunidade que não deve praticar
crimes, criando o medo de praticar crimes. O objectivo era incutir na comunidade
medo de praticar crimes, esquecendo-se completa/ da culpa.
Criticas - Mas nunca se sabe muito bem qual é o medo da comunidade, é uma
espiral pois nunca se sabe até onde se pode ir para que efectivamente a comunidade
tenha medo de praticar crimes. O momento da ameaça é o mais importante porque é
esse que vai tornar ou não eficaz a pena. Instrumentaliza-se completamente o agente
criminoso violando a dignidade dele. Não sabemos qual a pena necessária para que as
pessoas tenham medo; e as teorias da prevenção geral de integração (ou positiva) –

36
integração não do delinquente, mas da norma. Sempre que cometo um crime e violo a
norma, mas apesar da violação ela mantem-se no ordenamento jurídico. Reposição
contra-fáctica da norma violada – para que o direito continue a proteger bens jurídicos
da comunidade. Não se acredita em uma pena muito grande, o objectivo já não é
vingança ou ódio, o ordenamento jurídico tem de agir racionalmente. Isto pressupõe
que estamos a dizer que o valor continua em vigor e portanto todos nós devemos
preservar aquele valor o que não significa que obriguemos uma pessoa a interiorizar
aqueles valores, apenas tem de os respeitar exteriormente.

C). Teorias Da Prevenção Especial (contraposição com as anteriores


teorias): negativa de segregação ou neutralização – temos de eliminar o delinquente
porque ele é um criminoso, o que interessa é segrega-lo ou neutraliza-lo enquanto ele
for perigoso. O fundamento é a perigosidade. Esta teoria não conseguia punir os
delinquentes ocasionais; ou positiva ou de socialização do delinquente – vamos dizer
uma coisa ao delinquente. Esta ideia de socialização é muito clara do instituto da
liberdade condicional (ela é concedida ao agente se ele quiser) 59º/1 CP.
No 40º/1 CP, temos as finalidades que estão por detrás da aplicação da pena.
Defendemos o P. da unilateralidade 42º/2 – “não há pena sem culpa”
Art.75ºCP – dispensa de pena (quando á culpa).
Art.70.º, n.º1CP – a determinação da pena é feita em função da culpa.
Art.42º/2 CP – a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
Conclusão: actualmente as finalidade são de prevenção positiva ou de
reintegração e vemos isso no 40º/1 e 70.º/1. Há situações em q apesar de haver culpa
não há pena – 75.º CP.
Há quem defenda também um modelo misto em q dizque há tb uma finalidade
retributiva de antena, ou seja, castigar o agente pelo crime q cometeu.

10. FUNDAMENTO, SENTIDO E FINALIDADES DA MEDIDA DE


SEGURANÇA CRIMINAL.
I – As medidas de segurança criminais no sistema sancionatório.
O sistema das sanções jurídico-criminais do direito penal português assenta,
como sabemos já, em dois pólos: o das penas e o das medidas de segurança. Enquanto
as primeiras têm a culpa por pressuposto e por limite, as segundas têm na base a
perigosidade (individual) do delinquente. Logo neste sentido o nosso sentido é pois

37
um sistema dualista, diversamente do que sucedeu nas ordens jurídicas do passado e
continua ainda hoje, se bem que raramente, a suceder.
Quem comete um facto ilícito-típico mas é imputável não pode ser sancionado
com uma pena; e todavia, se o facto praticado e a personalidade do agente revelarem a
existência de uma grave perigosidade o sistema sancionatório criminal não pode
deixar de intervir, sob pena de ficarem por cumprir tarefas essenciais de defesa social
que a uma política criminal racional e eficaz sem dúvida incumbem.
Um segundo nível ao qual se faz sentir a indispensabilidade da medida de
segurança é o seguinte: mesmo que o facto ilícito-típico tenha sido praticado por um
imputável, bem pode suceder que os princípios que presidem á culpa e, por via desta,
ao limite máximo de pena, se revelem insuficientes para ocorrer a uma especial
perigosidade resultante das particulares circunstâncias do facto e da personalidade do
agente.
A existência desta segunda fonte de necessidade da medida de segurança no
sistema jurídico-penal arrasta consigo aquela que continua ainda hoje a ser a questão
mais complexa de toda a problemática: a de saber se, de acordo com a regra do estado
de direito, o sistema jurídico-penal sancionatório deve assumir, relativamente a
agentes imputáveis, natureza monista ou antes dualista.

II – FINALIDADES E LEGITIMAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA.


1. O problema das finalidades.
1.1 Finalidade prevalente: A Prevenção especial em função de um facto
ilícito-típico.
As medidas de segurança visam obstar, no interesse da segurança da vida
comunitária, à prática de factos ilícitos-típicos futuros através de uma actuação
especial-preventiva sobre o agente perigoso. A finalidade de prevenção especial
ganha assim, também neste enquadramento, uma dupla função: por um lado, uma
função de segurança, por outro lado, uma função de socialização. Mas já é questão
complexa e discutida saber qual destas duas funções deve assumir a primazia.
Exacto é que o propósito socializador deve, sempre que possível, prevalecer
sobre a finalidade de segurança, como é imposto pelos princípios da socialidade e da
humanidade que dominam a constituição político-criminal do estado de direito
contemporâneo.

38
Também nas medidas de segurança, porém, como nas penas, a primazia
concedida à função socializadora sobre a de segurança não deve induzir a pensar que
é aquela função como tal que justifica, por si mesma, a aplicação de uma medida. O
que a justifica é sempre e só a necessidade de prevenção da prática futura de factos
ilícitos-tipicos.
Fundamento de aplicação de qualquer medida de segurança criminal não é em
exclusivo a perigosidade do agente, como se pensava e ainda hoje prevalentemente se
pensa. É sim aquela perigosidade apenas se e quando revelada através da prática pelo
agente de um facto ilícito-típico: facto que, deste modo, vem a assumir valor
constitutivo da aplicação da medida de segurança e a conformar, ao lado da
perigosidade, um dos dois fundamentos da sua aplicação.

1.2 Finalidade secundária: A Prevenção Geral.


A exigência da prática pelo agente de um facto ilícito-típico como pressuposto
da aplicação de uma medida de segurança vem, deste modo, suscitar uma outra
questão importante: o papel que a finalidade de prevenção geral deve jogar aqui. A
resposta largamente dominante é a de que uma tal finalidade não possui qualquer
autonomia no âmbito da medida de segurança: ela só pode ser conseguida de uma
forma reflexa e dependente, na medida em que a privação ou restrição de direitos em
que a aplicação e execução da medida de segurança se traduz possa servir para afastar
a generalidade das pessoas da prática de factos ilícitos-típicos.
Se a aplicação da medida de segurança se liga não apenas à perigosidade, mas
sempre também à prática de um facto ilícito-típico, então isso só pode acontecer
porque ela participa ainda da função de protecção de bens jurídicos e de consequente
tutela das expectativas comunitárias. Importa considerar que pressuposto da aplicação
de uma medida de segurança não deve ser a prática de um qualquer facto ilícito-
típico, mas só de um facto ilícito-típico grave.
Segundo o art. 101º/2 CP, o facto cometido pelo inimputável corresponde a
crime contra as pessoas ou a crime de perigo comum puníveis com pena de prisão
superior a 5 anos, o internamento tem a duração mínima de 3 anos, salvo se a
libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
Antes da reforma do CP de 1886 não faltava quem pretendesse estar perante
uma mera presunção legal de duração da perigosidade. A conclusão não pode deixar
de ser a de que também no âmbito das medidas de segurança a finalidade de

39
prevenção geral positiva cumpre a sua função e, na verdade, uma função autónoma, se
bem que no momento da aplicação se exija incondicionalmente a sua associação à
perigosidade.

2. O problema da legitimação.
A CRA exige que a aplicação das medidas de segurança seja monopólio do
poder judicial (art. 177º CRA), por um lado; e de que por outro, a sua aplicação fique
na dependência dos princípios da necessidade, da subsidiariedade e da
proporcionalidade ou proibição de excesso (art. 57º/1 CRA).
Importa eticizar o fundamento da medida de segurança, à semelhança do que
se faz com a pena ao conexionar indissoluvelmente a sua aplicação com o pensamento
da culpa jurídico-penal. Porque a conexão culpa/medida de segurança se torna
impossível logo à partida, procurou Hans Welzel estabelecê-la através do pensamento
seguinte: “toda a liberdade externo-social se legitima só, em último termo, perante a
posse da liberdade moral interior, a qual não pertence nem aos doentes mentais, nem
tão-pouco àqueles que, em virtude de más inclinações, herdadas ou adquiridas, se
não encontram em condições de uma libré decisão a favor da norma”. Por isso, não
podem estes ter direito à plena liberdade externo-social, legitimando-se quanto a eles,
a aplicação de medidas de segurança privativas de liberdade.
Esta concepção é de todo o ponto inaceitável. Uma concepção tal levaria, no
extremo, a furtar a liberdade externo-social às pessoas não em nome dos factos
ilícitos-típicos que houvessem cometido mas pura e simplesmente em nome da
doença que os atingiu, da carga hereditária ou adquirida que sobre eles pesa e da
consequente incapacidade de se deixarem motivar pelas normas.

III. O RELACIONAMENTO DA PENA COM A MEDIDA DE SEGURANÇA:


a questão do “Monismo” ou “Dualismo” do sistema.
1. Medida de segurança e pena.
A conclusão a retirar de quanto fica exposto é a de que, em matéria de
finalidades das reacções criminais, não existem diferenças fundamentais entre penas e
medidas se segurança. Diferente é apenas a forma de relacionamento entre as
finalidades de prevenção geral e especial.
Na pena, a finalidade de prevenção geral positiva assume o primeiro e
indisputável lugar, enquanto finalidades de prevenção especial de qualquer espécie

40
actuam só no interior da moldura de prevenção especial construída dentro do limite da
culpa.
Na medida de segurança, diferentemente, as finalidades de prevenção especial
assumem lugar dominante, não ficando todavia excluídas considerações de prevenção
geral de integração sob uma forma que, a muitos títulos, se aproxima das exigências
mínimas de tutela do ordenamento jurídico.
A diferença essencial entre elas reside na circunstância de ser pressuposto
irrenunciável da aplicação de qualquer pena a rigorosa observância do princípio da
culpa, princípio que não exerce papel de nenhuma espécie no âmbito das medidas de
segurança e de esta ser determinada, na sua gravidade e na sua duração, não pela
medida da culpa, mas pela exigência da perigosidade. Daqui resulta uma certa
aproximação ao sistema monista das sanções criminais; no sentido de as duas espécies
de sanções todavia existentes, penas e medidas de segurança, seriam estabelecidas,
segundo as suas finalidades, num sentido único e só na sua delimitação correriam vias
distintas.

2. O Dualismo do sistema.
Pode um sistema ser considerado como dualista tão-só porque conhece, no seu
arsenal sancionatório criminal, não somente penas, mas também medidas de
segurança. Não é este, porém, o entendimento que deve estar em causa quando se
afronta a questão do monismo versus dualismo do sistema. Se este conhece a
existência de medidas de segurança, mas as aplica apenas a inimputáveis, bem pode
afirmar-se que nem por isso o sistema perde a sua característica monista, para assumir
cariz dualista.
A verdadeira alternativa monismo/dualismo só surge quando se pergunta se o
sistema é um tal que permite a aplicação cumulativa ao mesmo agente, pelo mesmo
facto, de uma pena e de uma medida de segurança. Neste sentido se pode falar, para
além de sistema dualista de sistema de dupla via ou de duplo binário.

41
3. Monismo e dualismo: estado actual da controvérsia e perspectivas
futuras.
Qualquer sistema dualista está hoje sujeito a uma crítica pesada, centrada
sobretudo na consideração de que, por esta forma, se põem irremediavelmente em
causa o princípio da culpa e os fundamentos político-constitucionais em que este
repousa. Não tem sentido, argumenta-se, aplicar uma pena estritamente sujeita ao
princípio da culpa, para depois a complementar com uma medida de segurança que,
por definição, não está limitada pela culpa e se funda numa qualidade naturalística da
personalidade do agente como é da sua perigosidade social.
O problema do dualismo não está pois tanto aqui, quanto em lograr uma
correcta articulação entre a pena e a medida de segurança sempre que
cumulativamente aplicáveis ao mesmo delinquente.
Essa articulação é alcançável através de um equilibrado sistema de vicariato
na execução: a medida de segurança deve ser executada antes da pena de prisão e nela
descontada, por ser esta a solução em principio mais favorável à socialização do
delinquente; na segunda sanção a cumprir devem ser imputados todos os efeitos úteis
que com a execução da primeira tenham sido alcançados; à execução no seu todo
devem ser aplicadas as medidas de substituição e os incidentes de execução que
possam favorecer a socialização, nomeadamente a suspensão da execução e a
libertação condicional.
Deste modo pode dizer-se que abrem vias de realização aos sistemas dualistas
que, de outra forma, ficariam fechadas. Ao mesmo tempo que abre a possibilidade de
consagração de um sistema monista prático, que rege contra a criminalidade
especialmente perigosa com instrumentos formalmente considerados especialmente
perigosa com instrumentos formalmente considerados como penas mas que
constituem, de um ponto de vista substancial, verdadeiras medidas de segurança.
É o que sucede com o CP angolano, ao punir a categoria dos delinquentes
especialmente perigosos com uma pena relativamente indeterminada: uma pena que
tem um mínimo correspondente a 2/3 da pena que concretamente caberia ao crime
cometido e um máximo correspondente a esta pena acrescida de 6, de 4 ou de 2 anos;
e cuja duração concreta só durante a execução será determinada (art. 90º CPP, 509º).
Esta pena relativamente indeterminada, não pode conceber-se na sua inteireza como
uma pena de culpa. É antes um misto de pena e de medida de segurança: de pena até
ao limite da sanção que concretamente caberia ao facto, eventualmente agravada já

42
em função da culpa da personalidade; de medida de segurança na parte restante,
comandada pela persistência da perigosidade do delinquente. Aquele monismo
prático que a doutrina de Beleza dos Santos propunha e que justifica que o sistema
português das sanções criminais possa ser considerado, com inteira propriedade, um
sistema tendencialmente monista.

11. ÂMBITO DE VALIDADE ESPACIAL DA LEI PENAL.


I. O sistema de aplicação da lei penal no espaço e os seus princípios
constitutivos.
Todos os códigos penais contêm disposições sobre o âmbito de validade
espacial das suas normas. O conjunto dessas disposições é vulgarmente chamado
direito penal internacional, analisando-se o seu conteúdo em regras ou critérios de
aplicação da lei penal no espaço. Diferença entre direito penal internacional e direito
internacional penal: o critério que subjazia à distinção era essencialmente o da fonte
de onde promanavam tais normas – interna no primeiro, internacional no segundo.
Pode dizer-se que o direito penal internacional tem um objecto muito mais
específico do que o direito internacional penal, dado que abarca apenas as regras de
aplicação espacial da lei penal interna, enquanto este último abrange virtual e
indistintamente todas as normas de direito internacional que versam sobre matéria
penal. A distinção praticamente perdeu o sentido indicativo que lhe presidia.
O princípio-base do nosso sistema é o princípio da territorialidade, segundo o
qual o estado aplica o seu direito penal a todos os factos penalmente relevantes que
tenham ocorrido no seu território, com indiferença por quem ou contra quem foram
tais factos cometidos. Um princípio acessório é o princípio da nacionalidade, segundo
o qual o estado pune todos os factos penalmente relevantes praticados pelos seus
nacionais, com indiferença pelo lugar onde eles foram praticados e por aquelas
pessoas contra quem o foram.
Outro princípio complementar é o princípio da defesa dos interesses nacionais,
segundo o qual o estado exerce o seu poder punitivo relativamente a factos dirigidos
contra os seus interesses nacionais específicos, sem consideração do autor que os
cometeu ou do lugar em que foram cometidos.
Depois, o princípio complementar da aplicação universal ou da universalidade
manda o estado punir todos os factos contra os quais se deva lutar a nível mundial ou

43
que internacionalmente ele tenha assumido a obrigação de punir, com indiferença
pelo lugar da comissão, pela nacionalidade do agente ou pela pessoa da vítima.
No direito comparado, isto é, em Portugal a revisão do CP de 1988 introduziu
no art. 5º/1 e) o princípio da administração supletiva da justiça penal, ponto termo a
uma lacuna para a qual havíamos alertado. Assim, de acordo com aquela norma, a lei
portuguesa passa a ter competência para conhecer dos factos que, não se encontrando
sujeito às regras anteriores, foram praticados no estrangeiro por estrangeiros que se
encontram em Angola e cuja extradição, tendo sido requerida, não pode ser concedida
(em virtude da pena aplicável ao crime pela lei do estado requerente).

II. Conteúdo e sistema de combinação dos princípios aplicáveis.


1. O princípio básico da territorialidade.
1.1. Justificação e conteúdo.
A generalidade dos sistemas legislativos penais dos nossos dias assume como
princípio basilar de aplicação da sua lei penal no espaço o princípio da
territorialidade, não o da nacionalidade.
As razões jurídico-internacionais e de política estadual – deve conceder-se
facilmente que a assunção do princípio da territorialidade como base do sistema de
aplicação da lei penal no espaço é a via que facilitará em maior medida a harmonia
internacional, o respeito pela não ingerência em assuntos de um estado estrangeiro.
Quanto às razões jurídico-penais e de política criminal que aqui desempenham
o seu papel, deve antes de tudo dar-se ênfase à circunstância de ser na sede do delito
que mais vivamente se fazem sentir as necessidades de punição e de cumprimento das
suas finalidades, nomeadamente, de prevenção geral positiva. É a comunidade onde o
facto teve lugar que viu a sua paz jurídica por ele perturbada e que exige por isso a
sua confiança no ordenamento jurídico e as suas expectativas na vigência da norma
sejam estabilizadas através da punição. A estas razões acresce que o lugar do facto é
também aquele onde melhor se pode investigá-lo e fazer a sua prova e onde, por
conseguinte, existem mais fundadas expectativas de que possa obter-se uma decisão
judicial justa. O princípio geral da territorialidade encontra-se consagrado no art.4º/a).

44
1.2. O problema da “sede do delito.”
Para determinar do locus ou sedes delicti rege o art. 7º, nos termos do qual o
facto considera-se praticado tanto n lugar em que, total ou parcialmente, e sob
qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou no caso de omissão, devia ter
actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no
tipo de crime se tiver produzido: dispondo ainda que no caso de tentativa, o facto
considera-se igualmente praticado no lugar em que, de acordo com a representação do
agente, o resultado se deveria ter produzido.
A revisão do CP de 1988 veio aditar ao art. 7º duas conexões.
A primeira conexão – local onde se produziu o resultado não compreendido no
tipo de crime – diz respeito, desde logo, aos chamados crimes tipicamente formais
mas substancialmente material que atingem a consumação típica sem que todavia se
tenha verificado ainda a lesão que, em última análise, a lei quer evitar,
proporcionando assim uma tutela antecipada do bem jurídico. Em segundo lugar, ela
abrange os chamados crimes de atentado, ou de empreendimento que, embora
pressuponham um resultado que transcende a factualidade típica, se consumam no
estádio da tentativa. Aquela conexão vale também para os resultados ou eventos
agravantes nos denominados crimes agravados pelo resultado.
A ocorrência em território português do resultado não compreendido no tipo
de crime fundamenta a competência da lei portuguesa. Parece de acolher a formulação
segundo a qual é necessário para tanto que tais condições tenham sido causadas pela
conduta e sirvam para fixar o sentido antijurídico do facto.
A simples circunstância de um tribunal português reconhecer judicialmente a
insolvência do agente não torna a lei portuguesa competente para conhecer de um
eventual crime de insolvência dolosa (art. 227º) cometido no estrangeiro, porque não
pode ver-se na decisão judicial, sequer num sentido lato, um resultado não
compreendido no tipo de crime; mas a lei portuguesa já será competente para
conhecer do crime de embriaguez e intoxicação (art. 295º) se a autocolação em estado
de inimputabilidade se der no estrangeiro e a condição objectiva de punibilidade
ocorrer em Portugal.
A segunda conexão – o local do facto é também, em caso de tentativa, o local
onde o resultado deveria ocorrer segundo a representação do agente. Deste jeito, cai
sob a alçada da lei portuguesa o envio por agente estrangeiro, a partir de país
estrangeiro, de uma carta armadilhada destinadas a explodir em Portugal e a matar um

45
cidadão aqui residente, que é todavia desactivadas pelas autoridades do estado
estrangeiro.

1.3. Problemas particulares.


O problema dos crimes continuados em que uma pluralidade real de factos é
juridicamente considerada uma unidade normativa. Na linha de teleologia é da
funcionalidade da solução plurilateral está a solução de que deve nestes casos
considerar-se bastante que um dos factos se encontre abrangido pelo princípio da
territorialidade.
Expressamente coberto pelas razões apontadas encontra-se o caso da
comparticipação num facto praticado no estrangeiro; bem como a hipótese inversa de
o facto se verificar em Portugal, mas a comparticipação ter lugar no estrangeiro. A
qualquer destas hipóteses é aplicável a lei penal portuguesa em nome do princípio da
territorialidade. Duvidosa é a solução que por vezes se aponta para o caso dos
chamados delitos itinerantes ou de trânsito; factos que, pelo seu modo específico de
execução, se põem em contacto com diversas ordens jurídicas nacionais.

1.4. O chamado “critério do pavilhão.”


O princípio da territorialidade sofre um alargamento que se contém no art.
4º/b) e parifica com os factos cometidos em território português os que tenham lugar a
bordo de navios ou aeronaves portugueses. Fala-se a este propósito de um critério do
pavilhão, justificado pela consideração tradicional de que aquelas aeronaves e navios
são ainda, se não facticamente ao menos para efeitos normativos território português.

1.5. Uma nova extensão da competência da lei penal angolana: certos


factos praticados a bordo de aeronaves civis.
O DL 254/2003, de 18-10, prevê nos seus art. 3º e º uma extensão da
competência da lei penal portuguesa, que passa a poder aplicar-se aos crimes contra a
vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual,
a honra ou a propriedade que sejam praticados a bordo de aeronave alugada a um
operador que tenha a sua sede em território português; ou, tratando-se de uma
aeronave estrangeira que se não encontre nessas condições, se o local de aterragem
seguinte à prática do facto dor em território português.

46
2. O princípio complementar da nacionalidade.
2.1.Justificação e conteúdo.
A complementaridade do princípio da nacionalidade relativamente ao
princípio da territorialidade logo significa que se não pretende, por meio dele, obviar
a todo e qualquer crime que possa ser cometido por um português fora do seu país.
Existe uma máxima, aceite pelo direito internacional comummente seguida, atinente
de forma imediata a toda a matéria da aplicação da lei penal de um país a factos
cometidos por um seu nacional no estrangeiro: a máxima da não-extradição de
cidadãos nacionais. Se os não extradita, então os princípios da convivência
internacional devem conduzir a que, uma vez que eles se encontrem de novo no país
da nacionalidade, o estado nacional os puna: o estado ou extradita ou quando não
extradita pune.
O que fica dito corresponde ao conteúdo tradicional do princípio da
nacionalidade que, de acordo com o fundamento e a teleologia que lhe foram
apontados, surge como princípio da personalidade activa: o agente é um português.
Fala-se todavia hoje também, a justo título, de um princípio da personalidade passiva,
para efeito de aplicação da lei penal portuguesa a factos cometidos no estrangeiro por
estrangeiros contra portugueses. O princípio da personalidade passiva possui por isso
um fundamento e uma teleologia que o identificam com o princípio da defesa de
interesses nacionais concretamente sob a forma de protecção pessoal daqueles
interesses.
O princípio da nacionalidade encontra-se consagrado, na forma normal do seu
aparecimento. De acordo com ele a lei penal portuguesa é aplicável a factos
cometidos fora do território nacional, por portugueses ou por estrangeiros contra
portugueses, sob uma tríplice condição: a de os agentes serem encontrados em
Portugal; a de tais factos serem puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido
praticados, salvo quando nesse lugar se não exercer poder punitivo; e a de
constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida. Português
para os efeitos em causa é todo aquele que como tal deva ser considerado, no
momento do facto e segundo as normas da lei da nacionalidade.

2.2.Condições de aplicação.
2.2.1. Que o agente seja encontrado em Angola – esta condição explica-
se quanto ao princípio da personalidade activa, por ser nela que se

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concretiza a razão que lhe dá fundamento: a não extradição de
nacionais; e quanto ao princípio da personalidade passiva por nele
se tratar de uma extensão do princípio da nacionalidade justificada
por razões de índole muito especial.
2.2.2. Que o facto seja também punível pela legislação do lugar em que
tiver sido praticado – não é em regra razoável estar a submeter ao
poder punitivo alguém que praticou o facto num lugar onde ele não
é considerado penalmente relevante e onde, por isso, não se fazem
sentir quaisquer exigências preventivas quer sob a forma de tutela
das expectativas comunitárias na manutenção da validade da norma
violada quer sob a forma de uma socialização de que, segundo a lei
do lugar o agente não carece.
2.2.3. Que o facto constitua crime que admita extradição e esta não possa
ser concedida – trata-se aqui claramente de uma reafirmação da
concepção do legislador segundo a qual o princípio da
territorialdiade deve não apenas no conspecto nacional, mas
internacional constituir o princípio-base, e o princípio da
nacionalidade o complemento.
Se estiver em causa o princípio da nacionalidade activa a extradição só é
possível nos apertados limites do regime previsto no art. 33º/3 CRP e no art. 32/2 L
144/99. O actual do art. 33º/3 CRP, permite a extradição de nacionais desde que se
verifiquem os seguintes requisitos (cumulativos): a existência de reciprocidade de
tratamento por parte do estado requerente; consagração dessa reciprocidade em
convenção internacional; tratar-se de casos de terrorismo ou de criminalidade
internacional organizacional; consagração de garantias de um processo justo e
equitativo pela ordem jurídica do estado requerente.
Crime que admita extradição é qualquer um excepção da infracção de natureza
política ou infracção conexa a infracção política segundo as concepções do direito
português e do crime militar que não seja simultaneamente previsto na lei comum. Há
que ter em conta, nas relações com os restantes Estados-Membros da UC, que o art. 5º
da Convenção de Extradição de 1966, exclui expressamente a natureza política do
crime como fundamento da recusa de extradição.
Se o crime é, pela sua natureza, passível de extradição, pode todavia esta não
ser concedida, seja porque, pura e simplesmente, não foi requerida seja por efeito das

48
normas, substantivas e adjectivas, em matéria de extradição (art. 33º/5 CRP, 6º/2 b) L
144/99). A prevalência da extradição sobre a competência da lei portuguesa em razão
da nacionalidade vale também, muatis mutandis, para a entrega efectuada ao abrigo
da L 65/2003, de 23-8, relativa ao mandado de detenção europeu.

2.3. Extensão do princípio da nacionalidade.


Com uma extensão do princípio da nacionalidade depara-se no art. 5º/1 d),
segundo o qual a lei penal angolana é ainda aplicável a factos cometidos fora do
território nacional contra angolanos, por angolanos que viverem habitualmente em
Angola ao tempo da sua prática e aqui forem encontrados.
Uma tal extensão foi justificada com a consideração de que importaria impedir
a impunidade nos casos em que um português se dirige ao estrangeiro para aí cometer
um facto que, se bem que lícito segundo a lex loci, constitui todavia um crime
segundo a lex patriae, com a agravante de um tal crime ser cometido contra um
português; e em que, uma vez o crime cometido, o agente volta a Angola
provavelmente para aqui continuar a viver tranquilamente.
A sua justificação só pode ser vista na fidelidade do agente e da vítima aos
princípios fundamentais de uma comunidade a que pertencem e onde o agente
habitualmente vive.

3. O princípio complementar da defesa (da protecção) dos interesses


nacionais.
Trata-se da específica protecção que deve ser concedida a bens jurídicos
portugueses, independentemente, por conseguinte, da nacionalidade do agente, de os
crimes terem sido cometidos no estrangeiro e mesmo do que a seu respeito disponha a
lei do lugar. O bom fundamento de uma tal extensão do ius puniendi nacional reside
em que o próprio agente estabeleceu a relação com a ordem jurídico-penal portuguesa
ao dirigir o seu facto contra interesses especificadamente portugueses. Além disso, o
estado em cujo território o crime foi praticado pode não se encontrar em condições de
perseguir os infractores, ou pode mesmo não ter vontade de o fazer pelo que o estado
português deve munir-se dos instrumentos necessários à defesa própria dos seus
interesses essenciais.
As hipóteses tradicionalmente integrantes deste princípio têm a ver com a
defesa de bens jurídicos que podem dizer-se nacionais segundo a sua específica

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natureza. Aqui é pois a substância do bem jurídico que o torna em interesse nacional,
por isso se falando hoje de um princípio de protecção real.
A lei tem, deste modo, de fazer uma enumeração taxativa dos tipos de factos
relativamente aos quais vale o princípio em exame. A ela procede o art. 5º/a).
Assinale-se que, em certo sentido, o princípio de protecção real prefere ao princípio
da personalidade activa quando ambos sejam convocados no caso concreto, isto é,
sempre que um dos crimes a que o princípio real se refere tenha sido praticado por um
português: no sentido de que, em casos tais, não se torna necessária à aplicação da lei
penal portuguesa a verificação dos requisitos de que o art. 5º/c) e d) faz depender a
entrada em função do princípio da nacionalidade.

4. O princípio complementar da universalidade.


O princípio da universalidade ou da aplicação universal visa permitir a
aplicação da lei penal portuguesa a factos cometidos no estrangeiro que atentam
contra bens jurídicos carecidos de protecção internacional ou que, de todo o modo, o
estado português se obrigou intencionalmente a proteger. Por isso o princípio deve
valer independentemente da sedes delicti e da nacionalidade do agente.
Do que se trata é só do reconhecimento do carácter supranacional de certos
bens jurídicos e que por conseguinte apelam para a sua protecção a nível mundial. O
art. 5º/b) submete todavia a aplicação da lei penal portuguesa nestas hipóteses a uma
dupla condição: que o agente seja encontrado em Portugal e que não possa ser
extraditado.

5. O princípio complementar da administração supletiva da justiça penal.


Podia suceder que um cidadão estrangeiro, tendo praticado um crime,
normalmente grave, no estrangeiro, viesse buscar refúgio em Portugal, onde, por um
lado não podia ser julgado, dada a ausência de uma conexão relevante com a lei
portuguesa, e de onde, por outro lado, não podia ser extraditado, dadas as proibições
de extraditar em função da gravidade da consequência jurídica impostas pelo sistema
nacional.
Ao princípio, contido em vários códigos estrangeiros que colmata uma tal
lacuna, chama-se em rega, princípio da administração supletiva da justiça penal. Do
que verdadeiramente se trata é de actuação do juiz nacional em ver ou em lugar do

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juiz estrangeiro mas nem por isso deixando de aplicar a ordem jurídico-penal
nacional.
As condições são:
1. O agente seja encontrado em Angola;
2. A sua extradição haja sido requerida;
3. O facto constitua crime que admita a extradição e esta não posa ser
concedida.

III. Condições gerais de aplicação da lei penal angolana a factos cometidos no


estrangeiro.
O carácter meramente complementar ou subsidiária dos princípios de
aplicação extraterritorial da lei penal portuguesa revela-se exemplarmente na
circunstância de em todos estes casos a aplicação só ter lugar quando o agente não
tiver sido julgado no país da prática do facto ou se houver subtraído ao cumprimento
total ou parcial da condenação (art. 6º/1).trata-se aqui, antes de mais, de respeitar o
princípio jurídico-constitucional ne bis in idem, segundo o qual ninguém pode ser
julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Mas trata-se também de
traduzir a ideia segundo a qual o critério da territorialidade deve, segundo a nossa
constituição político-criminal, constituir efectivamente o princípio prioritário e todos
os outros assumirem a veste de princípios meramente complementares. Trata-se em
suma de prevenir a impunidade que poderia resultar de conflitos negativos de
jurisdição.
Prova definitiva do carácter subsidiário dos princípios de extraterritorialidade
é que, nos termos do art. 6º/2 o facto deva ser julgado pelos tribunais portugueses
segundo a lei do país em que tiver sido praticado sempre que esta seja concretamente
mais favorável ao delinquente. Trata-se por isso verdadeiramente de aplicação da lei
penal estrangeira pelo tribunal português.

51
PARTE II
TEORIA DO FACTO PUNÍVEL OU TEORIA DA INFRACÇÃO.

1. Introdução.
É a teoria que tem por objecto o estudo do crime. O conjunto dos pressupostos
de punibilidade e de punição que são comuns a todos os crimes, a todos os factos
tipificados na lei como crime.
Os requisitos comuns é que um facto deve ter para ser considerado criminoso e
para que dele decorra uma responsabilidade jurídico-penal para o seu autor, para o
agente daquela infracção. Pode-se formalmente (art.1.º do CP) definir crime como um
comportamento humano que consiste numa acção penalmente relevante, acção essa
que é típica, ilícita, culposa e punível.
Esta teoria permite, desde logo, uma aplicação certa, segura e racional da lei
penal. Passa-se de um casuísmo, de verificar caso a caso o que é crime para através da
teoria da infracção, ter-se uma vocação generalizadora de factos penalmente
relevantes, de factos criminosos. E através do estudo destas categorias analíticas que
pode-se determinar a responsabilidade jurídico-penal duma pessoa, pode-se firmá-la
ou excluía, através duma análise de subsunção progressiva.

2. Acção penalmente relevante.


É todo o comportamento humano dominado ou dominável pela vontade.
Através deste conceito, já se está a excluir a responsabilidade jurídico-penal de
comportamentos que provêm não de pessoas mas de animais. Ter-se-á depois de
verificar o seguinte: se está em presença de um comportamento humano dominado
pela vontade, tem-se de ver se esse comportamento humano preenche ou não um tipo
legal de crime.
Temos de ver se essa acção preenche a tipicidade de um dos tipos previstos
na parte especial do Código Penal, ou então em legislação penal lateral. Para isso é
preciso verificar se essa acção é típica, isto é, é necessário verificar se estão
preenchidos os elementos objectivos [21] e subjectivos [22] de um tipo legal. Como
se verifica se a acção é típica?
Tem-se efectivamente de analisar esta categoria que é a tipicidade, tem-se de
verificar se aquela actuação humana se subsume ao tipo normativo na previsão dos

52
seus elementos objectivos e subjectivos. Depois, tem-se de ver se o elemento
objectivo do tipo está preenchido.
O elemento subjectivo geral do tipo é o dolo. Tem-se de se ver então, o que é
o dolo: consiste na consciência e vontade de realizar os elementos objectivos de um
tipo legal. Estando preenchida a tipicidade, vai-se verificar que esta categoria
analítica que é composta por elementos subjectivos e objectivos, estando
integralmente preenchida indicia a ilicitude.

3. Ilicitude.
A ilicitude num sentido formal, é a contrariedade à ordem jurídica na sua
globalidade, de um facto ilícito é um facto contrário à ordem jurídica, contrário ao
direito. Mas, numa óptica material, o facto ilícito consiste numa danosidade social,
numa ofensa material a bens jurídicos.
Em princípio a lei penal só tipifica factos que são contrários ao direito. Mas, a
ilicitude indiciada pelo facto típico ou pela tipicidade pode ser excluída. Pode estar
excluída pela intervenção de normas remissivas, que vêm apagar o juízo de ilicitude
do facto típico, são as designadas causas de justificação que, a estarem presentes,
justificam o facto típico, excluindo a ilicitude indiciada pela própria tipicidade.
Mas pode acontecer, que preenchido um tipo mediante uma acção penalmente
relevante e a ilicitude indiciada pelo tipo, pode ser que não se verifique nenhuma
causa de justificação ou de exclusão da ilicitude. Na maior parte dos casos em que as
pessoas cometem crimes não estão a actuar ao abrigo de nenhuma causa de exclusão
da ilicitude.

4. Culpa.
É a categoria analítica do facto punível. Sabendo-se que só se pode formular
um juízo de censura de culpa sobre um imputável, porque as penas só se aplicam a
quem seja susceptível de um juízo de censura de culpa; àquelas pessoas a quem não
for susceptível formular um juízo de censura de culpa aplicam-se medidas de
segurança, é nomeadamente o caso dos inimputáveis e dos menores de 16 anos.
Logo, para que o juízo de culpa possa ser formulado é preciso que o agente
tenha capacidade de culpa. O agente não tem capacidade de culpa se tiver menos de
16 anos, ou se for portador de uma anomalia psíquica ou de um estado patológico
equiparado.

53
Mas para além de ter capacidade de culpa, o agente também tem de ter
consciência da ilicitude do facto que pratica; e para além da capacidade de culpa e da
consciência da ilicitude é preciso, para se formular sobre o agente um juízo de censura
de culpa, que o agente não tenha actuado em circunstâncias tão extraordinárias que o
desculpem.

5. Punibilidade.
Para além de o facto ter consistido numa acção típica, ilícita e culposa, é
ainda preciso que seja punível. Então, chega-se à conclusão que por vezes existem
determinados factos praticados no seio de acções penalmente relevantes, típicas,
ilícitas culposas, mas contudo os agentes não são punidos. E porque é que não há
punibilidade em sentido estrito?
- Ou porque, não se verificam condições objectivas de punibilidade;
- Ou então, porque se trata de uma isenção material, no caso de desistência;
- Ou porque se trata de uma causa pessoal de isenção de pena.
Porque é que se fala numa subsunção progressiva?
Porque quando se analisa a responsabilidade jurídico-penal de alguém, tem-se
de analisar detalhadamente todas estas categorias. Ainda que intuitivamente se possa
dar automaticamente a resposta, tem-se de percorrer estas etapas porque, por hipótese,
se chegar à conclusão que aquele comportamento não foi dominado nem tão pouco
era dominável pela vontade humana, imediatamente se nega a responsabilidade
criminal do agente.
Os tipos, a não ser quando a lei expressamente o diga, são sempre dolosos. O
estudo analítico do crime, da teoria da infracção, vai permitir:
- Por um lado, fazer uma aplicação certa, segura e uniforme da lei
penal;
- Por outro lado, vai ter uma vocação de subsunção progressiva.
Mas se hoje, entende-se que o crime é uma acção típica, ilícita, culposa e
punível, esta tripartição entre tipicidade, ilicitude e culpa é uma conquista dogmática
da Escola Clássica. E à Escola Clássica segue-se cronologicamente a Escola Neo-
clássica, e a esta segue-se a Escola Finalista.
Todas estas escolas teorizam o crime tripartindo-o, dizendo que era uma acção
típica, ilícita e culposa. Agora, o que cada uma destas escolas considerava como
integrante de cada uma destas categorias analíticas é que diverge.

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1. Escola Clássica: Ernst Ludwig Von Beling/Van Listz;
ü Acção – naturalista (acção natural);
ü Tipicidade – correspondência meramente externa, sem consideração por
quaisquer juízos de valor; só elementos objectivos e descritivos;
ü Ilicitude – formal;
ü Culpa – psicológica (inserção de todos os elementos subjectivos – dolo e
negligência).
Criticas – os factos penalmente relevantes com negligência e os comportamentos
omissos.

2. Escola Neo-clássica: Prof. Figueiredo Dias;


ü Acção – negação de valores;
ü Tipicidade – o tipo tem também elementos normativos e determinados crimes
têm também na sua tipicidade elementos subjectivos;
ü Ilicitude – material;
a) Permite graduar-se o conceito de ilicitude;
b) Permite a descoberta ou a formação de causas de justificação.
ü Culpa – censurabilidade: pressupostos da culpa – capacidade de culpa,
consciência da ilicitude, exigibilidade;
Os conceitos de acção social e a posição de Figueiredo Dias, renúncia a um particular
conceito de acção e os conceitos de:
a) Tipo indiciador;
b) Tipo justificador ou tipo do dolo negativo;
- A teoria dos elementos negativos do tipo.

3. Escola finalista: Horst Ludwig Georg Erich Wessel;


ü Acção – final;
ü Tipicidade – o dolo é um elemento subjectivo geral dos tipos;
ü Ilicitude – conceito de ilicitude pessoal – o desvalor da acção e do resultado;
ü Culpa – normativa; elementos da culpa.
Todos estes sistemas partem duma análise quadripartida do crime, como acção típica,
ilícita e culposa.

55
A. O sistema clássico
Parte de uma concepção positiva, mecânica, mesmo naturalista, lógica da
teoria da infracção. O conceito de acção para os clássicos é visto como um conceito
naturalista da acção, como um movimento corpóreo, um esforço muscular ou nervoso
que produz uma alteração objectiva do mundo real.
O tipo ou tipicidade é a correspondência externa de um comportamento
considerado acção uma disposição legal, à discrição legal de um tipo legal de crime.
Mas, a tipicidade era vista do ponto de vista meramente externo ou objectivo sem
nenhuma consideração de valor.
A ilicitude é uma categoria separada. Para os Clássicos a ilicitude é vista
numa óptica meramente formal, ou seja, como contrariedade à ordem jurídica na sua
globalidade. Um facto ilícito é um facto contrário à lei.
Não vem permitir uma graduação do conceito de ilicitude, porque se em
sentido formal, a ilicitude significa contrariedade à ordem jurídica, se o facto ilícito é
o facto que contraria a ordem jurídica, donde contraria a lei, e o facto lícito é o facto
que não contraria a lei, então só se pode afirmar que um comportamento é ou não é
ilícito, é ou não é contrário à ordem jurídica.
Quanto à culpa, para os Clássicos, era nessa categoria dogmática do facto
punível que se incluíam todos os elementos subjectivos. Portanto, a ilicitude e a
tipicidade eram meramente objectivas. Tudo quanto fossem elementos subjectivos
estaria na culpa.
A culpa era vista de uma óptica psicológica, porque a culpa corresponde à
ligação psicológica entre uma pessoa e o seu comportamento, e essa ligação poderia
ser uma ligação dolosa ou uma ligação negligente. Logo, o dolo e a negligência são
meras formas de culpa.
A tipicidade é meramente objectiva. É depois em sede de culpa que se terá de
verificar que relação existe entre o agente e o seu facto, para se poder afirmar uma
culpa meramente psicológica.

B. Criticas ao Sistema Clássico.


A primeira crítica, diz respeito ao conceito de acção. Este conceito de acção
como movimento corpóreo que produz a alteração objectiva no mundo exterior é um
conceito criticável por várias razões. Mas, talvez a crítica mais forte que se pode
tecer ao conceito de acção dos clássicos é precisamente a omissão porque a

56
responsabilidade penal é afirmada por factos cometidos por acção, mas também por
omissões penalmente relevantes.
O conceito de acção dos clássicos deixa de fora as omissões, ou os crimes
omissivos. Daí que os clássicos tenham reformulado um pouco esta noção, dizendo
então que a acção homicida é a acção que se esperava que o agente tivesse.
Em relação à ilicitude, sendo uma ilicitude meramente formal, só nos permite
afirmar se um comportamento, se um facto, se uma acção, é ou não ilícita, não nos
permitindo graduar o conceito de ilicitude.
Em relação à culpa, sendo a culpa vista numa óptica meramente psicológica,
pergunta-se como é que os Clássicos explicam a culpa negligente, mormente os casos
de negligência inconsciente. Nos comportamentos dolosos, o agente conhece e quer
empreendida com determinado resultado típico, ou assumir uma determinada conduta
consubstanciada num tipo legal de crime.

C. Sistema Neo-clássico.
É desenvolvido na Alemanha a partir dos anos 20, procurando “limar” alguns
defeitos ou arestas do sistema clássico.
A acção para os Neo-clássicos:
Vêm dizer que não é importante verificar se ouve ou não um movimento
corpóreo que produziu uma alteração objectiva no mundo exterior, porque as
actuações humanas são pautadas por determinadas valorações.
O que interessa é efectivamente o valor que está subjacente a um
determinado comportamento. Assim, os Neo-clássicos passam a ver a acção (o
crime) como a negação de valores através de um comportamento. Portanto, o crime é
todo aquele comportamento que nega valores.
Claus Roxing, entende que o que é importante em sede de Direito Penal, em
sede comportamental são tão só os factos ou as acções voluntárias, isto é, aqueles
comportamentos dominados ou domináveis pela vontade. Dentro da vertente Neo-
clássica, surge outro conceito de acção, que é a acção social, desenvolvida por
Smith. Este autor, defende que mais importante que tudo para afirmar a existência
duma acção penalmente relevante é verificar se aquele comportamento, se aquela
actuação deve ser tido como uma acção em termos sociais. Isto é, se socialmente
aquele comportamento merece a qualificação de acção.

57
E isto porque, desde logo, há acções que à prática, podem parecer negar
valores, mas que não devem ser acções penalmente relevantes de harmonia com a
própria concepção social de acção.
A tipicidade, os Neo-clássicos vêm dizer que a tipicidade é composta por uma
série de elementos, e o tipo não é valorativamente neutro, implica já um juízo de valor
para quem preenche a tipicidade. Referem que o tipo tem também elementos
normativos, elementos que, descrevendo entidades do mundo real, carecem duma
interpretação complementar pelo recurso a normas.
Para estes autores, o tipo é composto por elementos positivos e por elementos
negativos:
ü Elementos positivos: aqueles que fundam positivamente a responsabilidade
penal do agente;
ü Elementos negativos: são as causas de justificação que, quando relevantes,
justificam o facto típico.
A culpa, para os Neo-clássicos, não é uma culpa psicológica, como
pretendiam os Clássicos, mas é antes um conceito que é integrado já por um critério
de censurabilidade assente na existência de determinados pressupostos,
nomeadamente a capacidade de culpa e a consciência da ilicitude. A culpa é já uma
culpa com ingredientes normativos e implica um juízo de censurabilidade pela prática
de um facto.
I. Criticas ao Sistema Neo-clássico.
O conceito de acção: um comportamento humano que nega valores. Ora, na
negação de valores cabe não só o comportamento activo, como existem também
omissões que podem de igual modo lesar valores. Portanto, aqui neste conceito de
crime como comportamento socialmente relevante que lesa valores, já se pode
enquadrar de alguma forma o comportamento omissivo ou a omissão, coisa que ficava
de fora do conceito meramente causal e naturalístico de acção dos Clássicos.
Há determinados comportamentos cuja apreensão da negação ou de valores só
pode ser dada pela finalidade do comportamento, ou da acção. Os Neo-clássicos não
incluíam o dolo em sede de tipo ou de tipicidade.
O dolo é um elemento da culpa, ou uma forma de culpa, porque só
excepcionalmente a tipicidade é integrada por elementos subjetivos, chamados
elementos subjetivos específicos, com a intenção de apropriação no crime de furto,

58
etc. Também os Neo-clássicos não resolvem correctamente problema da negligência e
dos comportamentos negligentes.

4. Sistema Finalista.
Os finalistas propõem um conceito de acção que é um conceito de acção
final. Chagam à conclusão que o direito, a realidade normativa, não pode aparecer
totalmente divorciada e desligada da realidade ôntica, da realidade do ser que é
anterior à realidade normativa.
Se o direito visa regular comportamentos humanos, estabelecer regras de
conduta, então o direito, sob pena de ser uma falácia, tem de respeitar a natureza
ôntica, a natureza do ser, e o que é próprio do ser humano para os finalistas, dentro
de um conceito de acção, é o agir com vista à obtenção de um fim servindo-se de
conhecimentos objectivos e causais que permitem essa obtenção, este conceito de
acção deve ser respeitado em sede de tipicidade.
Portanto, a intenção que preside a uma determinada acção, que é a sua
finalidade, deve ser espelhada no tipo. Logo, o dolo que é a intenção, o fim da
actuação, deve ser um elemento subjectivo do tipo.
Quanto ao conceito de ilicitude: começa a falar-se de um conceito de
ilicitude pessoal. Actuar ilicitamente, já não é tanto actuar contrariamente à ordem
jurídica na sua globalidade, como pretendiam os Clássicos (ilicitude formal). Já não
interessará tanto actuar lesando bens jurídicos fundamentais, como pretendiam os
Neo-clássicos (ilicitude material).
Interessará mais, verificar se aquela pessoa que actua de determinada
forma actua ilicitamente, se lhe pode atacar um juízo de desvalor na acção ou no
facto que pratica. Existe aqui uma certa concepção ética do direito.
Dentro deste conceito de ilicitude pessoal de se poder reprovar uma pessoa por
adoptar um determinado comportamento, podem-se distinguir dois desvalores:
1) O desvalor da acção, da conduta empreendida pelo agente;
2) O desvalor do resultado, em que se traduz o comportamento ou a conduta
do agente.
A acção, embora no âmbito dos crimes negligentes seja também desvaliosa
[23], por comparação dos crimes dolosos em que o agente actua querendo e
conhecendo um determinado resultado, o desvalor da acção nos crimes dolosos é
muito superior.

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Quanto à culpa; os finalistas têm um conceito de culpa puramente normativo.
A consciência da ilicitude, a capacidade de culpa e a exigibilidade dos
comportamentos passam a ser elementos da culpa. Faltando um destes elementos da
culpa, já não é possível formular sobre uma pessoa um juízo de culpa.
A capacidade de culpa consiste no fundo em a pessoa ter capacidade para
avaliar as exigências. São incapazes de culpa:
ü Os inimputáveis em razão da idade (menores de 16 anos);
ü Os portadores de anomalias psíquicas, que são inimputáveis em razão da
anomalia psíquica.
A consciência da ilicitude é um elemento autónomo da culpa.

II. Criticas ao Sistema Finalista.


O conceito de acção, é um conceito de acção final e os finalistas nunca
conseguiram com este conceito justificar muito bem os crimes de negligentes. Sendo
assim também para as omissões. Daí que quem segue a sistemática finalista opte por
uma quadripartição do facto punível, em que se distingue:
ü Crime doloso por acção;
ü Crime doloso por omissão;
ü Crime por acção negligente;
ü Crime por omissão negligente.

1) Acção: Acção penalmente relevante é todo o comportamento humano, com


relevância no mundo exterior, que é dominado ou dominável pela vontade.
Fica logo excluído os comportamentos ou as acções das coisas, das forças da
natureza e dos animais irracionais.
Dentro do ponto de vista dos fins das penais, quer numa óptica retributiva,
quer numa óptica preventiva, não faz sentido criminalizar comportamentos que não
sejam dominados pela vontade. Uma acção penalmente relevante pode consistir:
ü Num comportamento positivo – num “facere”;
ü Num comportamento negativo – num “non facere”.
A acção tem relevância quer consista num comportamento positivo, quer numa
omissão. A nossa lei equipara a omissão à acção; essa equiparação é dada pelo art. 8.º
CP. Há duas formas de comportamento omissivo penalmente relevante, que se
diferenciam:

60
ü são designadas omissões puras (ou impróprias)
ü e as omissões impuras (ou impróprias).
Quando o legislador descreve as incriminações, através de normas proibitivas
e de normas que pressupõem um determinado resultado típico do tipo, para estar
preenchido, para ser consumado exige uma conduta e um resultado.
No caso das omissões impuras nem toda a gente pode incorrer em
responsabilidade jurídico-penal por omissão impura, porque o legislador só
responsabiliza pelas omissões impuras aqueles sobre quem recaía ou impendia um
dever jurídico que pessoalmente o obrigasse a evitar a produção do resultado típico.
Os clássicos consideravam por acção penalmente relevante todo o movimento
corpóreo, esforço nervoso ou muscular, que produz uma alteração objectiva no mundo
real. O conceito de acção causal é criticável, isto porque:
ü Torna-se mais difícil de explicar como é que nestes casos das omissões
impuras pode haver a acção omissiva;
ü Crime de injúria: este crime só é concebível a partir de uma certa ponderação
social daquele comportamento como negação de um determinado valor, só é
crime porque socialmente se convenciona que aquele comportamento é uma
acção relevante;
ü Este conceito de acção causal não afasta, de per si, comportamentos
dominados pela vontade.
Só através de um critério exterior ao próprio conceito de acção causal é que se
consegue delimitar os comportamentos com relevância penal e os comportamentos
que não têm essa relevância.
Para os Neo-clássicos, o conceito de acção é todo o comportamento que nega
valores – é uma negação de valores. Smith vem com um conceito social de acção,
dizendo que acção penalmente relevante é aquilo que é socialmente adequado a ser
acção.
Mas este conceito não explica de per si porque é que algumas omissões negam
valores não é dada tanto pela acção, mas pela ordem jurídica.
Muitas vezes também, a relevância social da acção não pode estar desligada daquilo
que o agente quis.
Por outro lado, não há dúvida que o mesmo comportamento pode ter vária e
diferente relevância social, consoante a intenção do agente.
Finalmente o conceito de acção final para os finalistas.

61
É todo o comportamento em que a pessoa se serve dos conhecimentos objectivos e
causais para atingir uma determinada finalidade.
O processo causal nos crimes omissivos representa especialidades face aos
crimes activos. Essas especialidades fazem com que os próprios finalistas tivessem de
chegar a uma análise quadripartida do facto punível (ou da infracção):
ü Crimes dolosos por acção;
ü Crimes dolosos por omissão;
ü Crimes negligentes por acção;
ü Crimes negligentes por omissão.
Este conceito de acção final não é compreensível para abarcar todas as
realidades e comportamentos que podem dar origem à responsabilidade jurídico-
penal.
Há autores que, em relação ao conceito de acção penalmente relevante, como
categoria autónoma da punibilidade, porque não é um conceito isento de críticas em
qualquer formulação, dizem que nós devemos renunciar a um particular conceito de
acção e é própria tipicidade que englobamos os comportamentos por acção e por
omissão (Prof. Figueiredo Dias).
Há outros autores que discordam e que dizem que o conceito de acção
penalmente relevante e efectivamente uma categoria que não se deve descurar, porque
o conceito de acção tem um determinado rendimento em sede de dogmática jurídico-
penal.

2) Tipo ou tipicidade.
Por detrás de cada tipo incriminador, o legislador há-de pretender sempre a
tutela de um ou mais bens jurídicos, porque o direito penal encontra a sua justificação
na tutela de bens jurídicos fundamentais. O bem jurídico é algo distinto do chamado
objecto do facto ou objecto da acção.
Enquanto que o bem é aquela realidade que não é uma realidade palpável, é
um valor, um interesse. O objecto do facto ou da acção é o “quid” concreto sobre o
qual incide a actividade criminosa do agente.

62
3) Estrutura do tipo.
Por detrás de cada tipo legal encontra-se sempre a tutela de um ou mais bens
jurídicos. Os tipos têm na sua descrição elementos descritivos, predominantemente,
mas também é concebível que nalguns tipos apareçam elementos normativos. Aliás
foram os Neo-clássicos que chamaram à atenção para a existência destes elementos
normativos do tipo.
Os elementos descritivos são aqueles elementos que expressam entidades do
mundo real, quer no foro exterior quer interior, quer para a sua cabal compreensão,
não necessitam de nenhuma valoração suplementar feita pelo recurso a uma norma.
Os elementos normativos são aqueles que, expressando também entidades do
mundo real, para seu cabal entendimento carecem do recurso a uma valoração
suplementar, do recurso por exemplo a outra norma.
Há quem diga, como Hering, que não existem elementos puramente
descritivos: todos eles são mais ou menos normativos; postulam sempre, para seu
cabal entendimento e compreensão, uma valoração suplementar, seja ética, seja de
ordem jurídica. O tipo é integrado sobretudo a partir duma abordagem finalista, por
uma estrutura mista: é composto por elementos objectivos e por elementos
subjectivos.
Referindo, agora, tão só ao crime comissivo por acção, ou crime doloso por
acção, pode-se encontrar os seguintes elementos objectivos do tipo:
a) O agente;
b) A conduta ou descrição da acção típica;
c) O resultado; [24]
d) O nexo de imputação, também designado de causalidade[25];
e) Algumas circunstâncias que rodeiam a conduta ou descrição da
acção típica.
Estes elementos objectivos do tipo referenciam entidades ônticas que existem
independentemente de qualquer representação entre a mente do agente e o facto por
ele praticado, por isso se dizem elementos objectivos.
Os elementos subjectivos, são aqueles que pressupõem já uma relação com o
foro íntimo do agente, ou seja, entre a representação da mente do agente daquilo que
ele pensa e quer aquilo que objectivamente se verifica, por isso se designam
elementos subjectivos.

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Como elementos subjectivos e no âmbito do crime doloso, encontram-se os
chamados elementos subjectivos específicos, que são elementos que têm de existir
para que os tipos legais de crime se considerem efectivamente preenchidos. São as
especiais tendências, as especiais intenções.
O elemento subjectivo geral será o dolo, no âmbito dos crimes dolosos. O dolo
consiste no conhecimento e vontade de empreender um determinado tipo legal de
crime. O dolo consiste no conhecer e querer os elementos objectivos de um tipo legal
de crime.
O dolo apresenta pois, uma estrutura bipartida, integrada por um elemento a
negligencia. e, o elemento geral sirva determinada natureza volitiva, o que crime. o ao
intelectual que é o conhecimento – o conhecimento de uma determinada realidade
objectiva; e um elemento de natureza volitiva, o querer efectivamente essa realidade
objectiva de determinada forma.
Nos crimes negligentes, o elemento geral será a negligência.

III. Elementos objectivos do tipo especial.


ü Agente: O agente é aquela (s) pessoa (s) que adopta uma conduta típica
descrita num determinado tipo legal de um crime e que empreende a
realização típica – o agente do tipo legal de crime.
ü Acção típica ou conduta:
A conduta típica, também dita descrição da acção típica, ou tão só a acção
típica, aparece como um elemento objectivo do tipo legal de crime e encontra-se
efectivamente descrita no tipo.
Resultado: É também um elemento objectivo do tipo, nos chamados crimes
materiais ou de resultado: é o próprio resultado típico. Há crimes em que, para além
da descrição da conduta típica, se exige que espaço-temporalmente se desprenda ou se
destaque da conduta típica algo diferenciado que é o resultado – o resultado típico –
para que o facto possa estar efectivamente consumado. Nestes crimes materiais ou de
resultado, que para além da conduta pressupõe, ainda, para a sua consumação, a
verificação do resultado típico.

ü Nexo de causalidade; Isto traduz-se, em saber se um determinado resultado


pode ser imputado a uma conduta do agente; se aquilo que se verifica pode ser
efectivamente considerado como obra daquela actuação típica do agente. É um

64
elemento não escrito do tipo, isto porque, nos crimes materiais ou de
resultado, naqueles crimes que se designam normalmente por crimes de forma
livre. Ou seja, são crimes cuja obtenção do resultado típico previsto pela
norma pode ser obtido, por referência à conduta do resultado típica que é
matar, pelas mais diferentes formas.
Por vezes, muito raramente, o legislador pode pretender dar cobertura literal a
esse elemento, ou a este nexo de nexo de causalidade ou de imputação objectiva, e
descrevê-lo. É o que acontece nos chamados crimes de realização vinculada.
Aqui o crime é de realização vinculada, pela descrição do elemento, por uma
certa descrição do nexo de causalidade. Um outro elemento não escrito no tipo e que
existe apenas nalgumas classificações, ou nalguns tipos de crime – os crimes de
omissão impura ou imprópria – é o chamado dever de garante. Muitas vezes a lei
descreve comportamento que considera proibidos e que as pessoas não devem
adoptar, porque ao adoptá-los isso importa a obtenção de um determinado resultado
lesivo, o qual pode ser obtido quer por via de um comportamento activo ou de uma
acção, quer por via de um comportamento omissivo ou de uma omissão.
Para que uma pessoa seja responsabilizada por ter dado origem à produção de
um resultado típico proibido pela lei em virtude de uma inactividade, ou em virtude
da sua passividade ou omissão, é preciso que sobre essa pessoa impenda um dever
jurídico que pessoalmente a obrigue a evitar a produção desse resultado lesivo.
Este dever de garante pode resultar fundamentalmente de três pontos: ou directamente
da lei, ou de contrato, ou de uma situação de imergência.
ü Circunstâncias que rodeiam a conduta; As circunstâncias podem ser, para a
nossa lei, ou crimes autónomos, ou então elementos que integram
qualificações ou priviligiamentos de tipos legais de crimes.

IV. Acepções em que se utiliza a palavra tipo.


ü Tipo de garantia, total, ou em sentido amplo.
Pretende abranger todos os elementos que concorrem para fundamentar uma
responsabilidade criminal, abrangendo simultaneamente não só a categoria analítica
da tipicidade mas também as outras categorias dogmáticas como a ilicitude a culpa e a
própria punibilidade.
O tipo garantia corresponde ao conjunto de pressupostos de punibilidade e de punição
de um tipo legal, de um crime.

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ü Tipo iniciador ou tipo em sentido restrito.
O tipo abrange tão só a categoria da tipicidade, com a estrutura somente de
elementos objectivos e subjectivos. Podendo-se dizer assim que, tipo indiciador ou
tipo em sentido restrito é a correspondência objectiva e subjectiva à definição de um
tipo legal de crime. Ou, por outras palavras, com a expressão tipo indiciador, tipo em
sentido restrito ou tipo de injusto, visa-se a delimitação de um comportamento
proibido ou exigido, ao qual se comina uma sanção penal geral e abstractamente
estabelecida.

ü Tipo em sentido restrito, porquê? Porque o facto de preencher um tipo neste


sentido restrito não significa de per si que a pessoa vá ser punida, porque a
pessoa pode ter actuado tipicamente, todos os elementos objectivos e
subjectivos do tipo podem estar preenchidos mas a pessoa não ter
responsabilidade jurídico-criminal porque, por hipótese, naquele caso actuou
em legítima defesa.
E designa-se também tipo indiciador porquê? Porque uma vez preenchida
integralmente a tipicidade, preenchidos integralmente os elementos constitutivo do
tipo de crime, formula-se um juízo de valor sobre essa pessoa no sentido de que a
tipicidade indicia a ilicitude, a qual pode ser excluída pela intervenção das causas de
justificação.

ü Tipo intermédio.
Pretende-se significar que a um comportamento típico acresce
simultaneamente um juízo de equidade. Significa pois, a situação de que alguém
cometeu um facto típico em sentido estrito, que é simultaneamente ilícito, ou seja,
uma pessoa cometeu um facto que corresponde à descrição objectiva e subjectiva de
uma norma legal, não actuando ao abrigo de nenhuma causa de exclusão da ilicitude,
ou não actuando ao abrigo de nenhuma causa de justificação.

[21] Agente, conduta, resultado, nexo de causalidade.


[22] Dolo, especiais intenções.
[23] Pela inobservância de um dever de cuidado.
[24] Nos casos dos crimes materiais ou de resultado.
[25] Também nos crimes materiais ou de resultado.

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CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE CRIME.
D. Quanto ao agente.
Pode-se classificar a tipicidade em crimes gerais ou comuns, e crimes
específicos ou próprios, podendo estes ainda ser: crimes específicos em sentido
próprio e em sentido impróprio.
Os crimes gerais ou comuns são aqueles que podem ser praticados por
qualquer pessoa, ou seja, qualquer pessoa pode ser agente ou autor do crime
tipificado. São portanto crimes que não postulam de determinadas qualidades,
naturalísticas ou não, na pessoa do agente.
Os crimes específicos ou próprios são aqueles em que os agentes são
qualificados por um qualquer dever jurídicos, ou por uma qualquer situação
juridicamente definida. São aqueles que pressupõem como autores dos crimes apenas
as pessoas que têm uma qualidade exigida pelo próprio tipo. Dizem-se crimes
específicos em sentido próprio quando para além de só poder ser agente ou autor da
incriminação aquela pessoa que tenha as características exigidas pelo próprio tipo,
não existe na lei penal nenhuma tipificação correspondente para o comum das
pessoas.
É um crime que só pode ser praticado por aquelas pessoas e mais nenhumas.
Não existe responsabilidade jurídico-penal paralela para quem não tenha essas
qualidades pressupostas pelo tipo na pessoa do seu agente.
Os crimes específicos em sentido impróprio são aqueles que exigindo embora
essas qualidades específicas do agente, têm paralelo para o comum das pessoas em
termos de responsabilização jurídico-penal. Ainda quanto ao agente, há uma outra
classificação que distingue entre: crimes plurisubjectivos, também chamados de
participação necessária e, crimes unisubjectivos ou unisingulares.
Os crimes plurisubjectivos ou de participação necessária são aqueles em que
o tipo incriminador exige o envolvimento, exige mais do que um agente para integrar
o tipo. Estes tipos, para estarem preenchidos quanto à pessoa do agente, pressupõem
um envolvimento plural.
Os crimes unisubjectivos ou unisingulares que podem ser praticados por um
único agente. São a maior parte deles: o crime de furto, roubo, homicídio etc., podem

67
ser praticados única e exclusivamente com a colaboração, ou o consenso de uma só
pessoa, de um só autor.
Klaus Roxing fala nos chamados crimes de violação de dever. São crimes que são
definidos através de um dever jurídico, não tanto pelo desenvolvimento de qualquer
actividade, mas essencialmente pela titularidade de um dever jurídico. Klaus Roxing
propõe uma sistemática bipartida da teoria do facto punível. Essa teoria bipartida
devia assentar:
ü Por um lado, nos crimes que consistem em levar a cabo uma determinada
actividade;
ü Por outro lado, os crimes que violam deveres jurídicos, normalmente deveres
jurídicos de natureza profissional ou deveres jurídicos funcionais a que uma
determinada pessoa está adstrita.

V. Princípio da responsabilidade singular ou princípio da responsabilidade


individual.
Salvo quando a lei expressamente o disser, apenas as pessoas singulares são
susceptíveis de responsabilidade jurídico-criminal (art. 65.º, n.º 1 CRA e art. 11.º do
Cód.P).
Portanto, só existe responsabilidade jurídico-penal das pessoas colectivas quando a lei
expressamente o determinar. É o que preceitua o art. 75º CRA e 9.º CP.
Fundamentalmente tem-se acentuado o carácter pessoal da responsabilidade criminal
com base em duas ideias:
Por um lado, Füerbach vem dizer que as pessoas colectivas são incapazes de
agir. E isto porque as pessoas colectivas estão dominadas e só têm capacidade de para
agir de harmonia com a especificidade do fim.
Neste sentido, as pessoas colectivas não podem agir como as pessoas singulares. Se o
fim das pessoas colectivas tem de ser um fim legítimo, então elas só têm capacidade
de agir legitimamente, porque senão eram nulas por contrariedade à lei, à ordem
pública e aos bons costumes.
Por outro lado, Savigny tem afirmado também a ideia de que não existe
responsabilidade penal das pessoas colectivas, acentuando já não a ideia de
incapacidade de agir, mas acentuando a ideia da incapacidade de culpa.
A culpa é um juízo individualizado de censura feita pela ordem jurídica e que
se dirige a uma pessoa pela prática de um facto ilícito. E naquilo que no juízo de

68
censura se reprova ao agente é precisamente o facto dessa pessoa, tendo capacidade e
possibilidade de se decidir de forma diferente, de se decidir pelo direito, ter-se
decidido pelo torto, ter-se decidido pelo ilícito.
Neste sentido, uma vez que as pessoas colectivas não têm uma vontade própria real,
têm só uma vontade fictícia. Daí a insusceptibilidade de culpabilizar as pessoas
colectivas.

VI. Crimes em função do resultado.


Os crimes formais ou de mera actividade, não são só crimes de mera
actividade. Crimes formais são também omissões puras; enquanto crimes de resultado
ou crimes materiais são também omissões impuras.
Os crimes por acção em cuja tipicidade e cuja conduta típica está descrita
efectivamente em termos de acção. Acção que, a ser efectuada pelo agente, viola uma
proibição ou um comando legal. Existe responsabilidade por acção quando o agente
pratica actos que são subsumíveis às condutas descritas nos tipos legais em termos de
acção.
Mas também existe responsabilidade por omissão.
As omissões podem ser de duas ordens. Pode-se classificar ou distinguir as
chamadas omissões puras das omissões impuras, também designadas por alguns
autores de omissões próprias e omissões impróprias, respectivamente. Dentro das
omissões puras, tem-se a responsabilidade jurídico-penal do agente, na porque ele
tenha actuado, mas precisamente porque omitiu uma conduta que lhe era exigível por
lei.
Nos caos de omissões puras o agente incorre em responsabilidade jurídico-
penal por ter violado uma norma preceptiva, uma norma que impõe a adopção de uma
determinada conduta que é omitida, ou não tem lugar. No âmbito das omissões
impuras tem-se uma situação diferente. Aqui o agente é responsabilizado por um
determinado resultado que tem lugar não por sua acção, não porque ele tenha
directamente adoptado uma conduta típica descrita na lei, mas precisamente porque
dá origem a um resultado por uma inactividade sua, violando desta forma uma norma
ou um preceito de natureza proibitiva.
Na omissão imprópria o agente é responsabilizado por um crime, porque sobre
ele impendia um dever jurídico que pessoalmente o obrigava a evitar a produção do
resultado. E este dever jurídico que impende sobre o agente e que pessoalmente o

69
obriga a evitar a produção do resultado lesivo, ou típico, pode resultar principalmente
de três fontes:
ü Directamente da lei;
ü Indirectamente da lei ou do contrato;
ü De situações de ingerência.
Nas omissões impuras o agente dá origem a um determinado resultado através
da sua passividade; portanto, existe aqui assim a violação de uma norma proibitiva
mediante um comportamento omissivo.
Mas por força do art. 8º CP, que equipara a acção à omissão, e onde se
encontra a base legal da construção das omissões impuras é necessário, para
responsabilizar alguém por uma omissão impura, que sobre essa pessoa recaísse o
dever jurídico, oriundo de qualquer destas fontes que pessoalmente o obrigasse a
evitar a produção do resultado lesivo. Portanto, pode-se dizer que:
- Os crimes de omissão pura são os que consistem directamente, pelo próprio
tipo legal, na violação de um comando; enquanto que os crimes de omissão impura
não consistem já na violação directa de um comando legal, mas sim no levar a cabo,
por remissão, um resultado previsto num tipo que está desenhado em termos de acção.
Pode-se ver então que os crimes materiais ou crimes de resultado são também
as omissões impuras, mas crimes formais ou de mera actividade são também omissões
puras.
Os crimes de resultado são aqueles em que espaço-temporalmente se podem
destacar ou distinguir algo de diferenciado da conduta, que é o resultado típico. Os
crimes de resultado, ou materiais (omissões impuras), são aqueles que, segundo o tipo
desenhado na lei, pressupõe a verificação de um certo resultado para se poder dizer
que se consumou esse crime. Os crimes de mera actividade também ditos formais
(omissões puras) são aqueles em que a mera conduta típica consuma imediatamente o
crime.

VII. Importância dogmática e prática da distinção crimes de resultado e


crimes de mera actividade.
Tem importância prática desde logo para efeitos de início da prescrição do
procedimento criminal. Os arts. 128.º e 129.º CP dizem a partir de que momento é que
se começa a contar o praz de prescrição do procedimento criminal, e não maior parte
dos casos é a partir da consumação.

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ü Enquanto o crime de mera actividade está consumado no momento em que o
agente actua;
ü Nos crimes de resultado o facto só está consumado quando o resultado típico
se verifica; e entre o momento em que o agente actuou e o momento em que o
resultado típico se produziu, pode decorrer um espaço de tempo mais ou
menos longo.
Por outro lado, esta distinção é também importante para efeitos de
possibilidade ou não possibilidade de responsabilidade criminal por facto tentado. A
tentativa, tal como está tipificada no art. 20º CP, consiste na prática de actos de
execução de um crime que o agente decidiu cometer, sem que o resultado típico se
chegue a verificar.
Portanto, está construída para os chamados crimes materiais ou de resultado. A
tentativa só se distingue da consumação precisamente pela não verificação de um
elemento que é o resultado típico. A tentativa tem três elementos:
1) A prática de actos de execução, elemento positivo e objectivo;
2) A decisão do cometimento de um crime, elemento positivo e
subjectivo;
3) A não verificação do resultado típico, elemento negativo e objectivo.
É concebível nos crimes de resultado, falar em tentativa, porque são concebíveis actos
de execução com a intenção criminosa do cometimento de um facto mas em que, por
um outro motivo estranho à vontade do agente, o resultado pretendido pelo agente não
se tenha verificado.

VIII. Tipo em função do objecto.


Distingue os chamados crimes de perigo e os crimes de dano ou lesão.
Nos crimes de perigo a descrição típica não exige a lesão efectiva dos bens jurídicos
tutelados pela incriminação, mas tão só a colocação em perigo, tão só a ameaça de
lesão desse bem ou bens jurídicos tutelados pela norma. Pelo contrário, nos crimes de
lesão, exige-se um dano ou uma lesão efectiva no bem ou bens jurídicos tutelados
pela norma. E fala em bem ou bens jurídicos tutelados pela norma porque há tipos
legais de crimes que tutelam mais do que um bem jurídico. São os chamados crimes
pluridimensionais. Os crimes de lesão são desde logo entre outros:
- O crime do art. 147º CP: uma vez ocorrida a morte, há uma lesão do bem
jurídico vida;

71
- O crime de Ofensas Corporais (ainda que um pouco controvertidamente) do
art. 159.º CP;
- O crime de Burla, previsto no art. 417.º CP, etc.
Os crimes de perigo podem distinguir-se em:
- Perigo concreto;
- Perigo abstracto;
- Perigo abstracto-concreto.
Nos chamados crimes de perigo concreto, o legislador tipifica o próprio
perigo pela descrição de uma conduta perigosa, da qual se autonomiza o resultado
típico, resultado que é o próprio perigo para o bem ou bens jurídicos tutelados pela
incriminação. Donde, os crimes de perigo concreto, uma vez que têm autonomizado o
resultado da conduta perigosa descrita pelo legislador, que é o próprio perigo, são
crimes de resultado.
E os crimes de perigo concreto, quanto ao seu elemento subjectivo, postulam
um dolo especial ou específico, que é o chamado dolo de perigo. Quanto aos crimes
de perigo abstracto pelo legislador, que aqui o legislador parte da presunção de que
aquela conduta descrita é uma conduta perigosa. E perigosa por referência ao mais
variado leque de bens jurídicos.
Nos crimes de perigo abstracto o legislador contenta-se com a presunção que
tem de aquele comportamento, aquela actividade, é uma actividade que pode pôr em
perigo, pode ameaçar de lesão, vários bens jurídicos, sem tão pouco ter a preocupação
de se lhe referir expressamente.
Neste tipo de crime, já não é preciso que se autonomize nenhum resultado
típico que seja o próprio perigo, porque a lei contenta-se com a descrição da conduta
que tem como perigosa. Quanto aos crimes de perigo abstracto-concreto:
É esta uma classificação intermédia entre os crimes de perigo abstracto e os
crimes de perigo concreto, em que se pode dizer que o legislador é menos exigente do
que em relação aos crimes de perigo concreto, mas mais exigente do que em relação
aos crimes de perigo abstracto.
É menos do que nos crimes de perigo concreto, porque o legislador descreve no tipo a
própria conduta que considera perigosa, sem necessidade de autonomizar o resultado
perigoso, tal como acontece no âmbito dos crimes de perigo concreto, e que é o
próprio perigo.

72
65. Crimes de mão própria.
Estes crimes são aqueles que alguns autores consideram que só podem ser
cometidos pelo próprio agente da infracção, pelo próprio agente material do crime,
não admitindo outra forma de autoria, desde logo autoria mediata.
A autoria mediata é uma das formas de autoria tipificada no art. 24º CP. Outra
situação típica de autoria mediata é o caso da coacção, em que alguém coage outrem à
prática de um determinado facto. Não se pode confundir estes crimes de mão própria
com os crimes específicos ou próprios:
ü Nos crimes específicos ou próprios exige-se uma especial qualidade do
agente;
ü Os crimes de mão própria são crimes que podem ser praticados por qualquer
agente.
E. Crimes simples e crimes pluri-ofensivos [26]
a) Crimes simples
São aqueles em que é violado, por lesão ou ameaça de lesão[27] um determinado bem
jurídico.
b) Crimes pluri-ofensivos, pluridimensionais ou crimes compostos
São aqueles em que são violados, por lesão ou ameaça de lesão, vários bens jurídicos.
Qualquer um destes tipos está inserido na parte especial do Código Penal, num
determinado capítulo. Com a adopção das condutas típicas proibidas por estes tipos o
agente lesa vários bens jurídicos.
F. Crimes agravados pelo resultado e crimes praeter intencionais.
Os crimes praeter intencionais têm uma estrutura mista, são um misto de um
resultado a título doloso. O nexo de imputação dá origem a segundo resultado
imputado ao agente a título de negligência. Diz-se que nos crimes praeter intencionais
há uma estrutura mista: misto de dolo e negligência, ligados por um nexo de
imputação objectiva [28].
Os crimes agravados pelo resultado, é uma espécie desta figura da praeter
intencionalidade, mas abrange um conceito mais amplo. E mais amplo, porque não
supõe que o crime básico, que o primeiro resultado, seja sempre doloso; por hipótese,
um resultado negligentemente provocado pode dar origem a um resultado mais grave,
negligentemente ocorrido.

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G. Crimes simples ou básicos; crimes qualificados; crimes privilegiados.
Os crimes qualificados e os crimes privilegiados distinguem-se dos crimes
básicos ou simples pelas suas variações agravadas, designando-se então crimes
qualificados, e pelas suas variações privilegiadas, designando-se então crimes
privilegiados.
O crimes básico ou crime simples é aquele que descreve os elementos fundamentais
de uma certa forma de violação de bem jurídico tutelado pela incriminação, descrição
essa a partir da qual outros tipos fazem inserir determinadas variações ou variantes,
no sentido de impôs fazem inserir determinadas varia mais grave, negligentemente
ocorrido. Uma agravação ou uma atenuação de pena.
ü Se essas variantes se traduzirem numa agravação da pena, tem-se os crimes
qualificados;
ü Se se traduzirem numa atenuação, tem-se os crimes privilegiados.
Repara-se que esta classificação é também importante desde logo porque
quando estão em causa tipos básicos, tipos qualificados e tipos privilegiados,
normalmente entre eles pode estar em causa uma relação consensual, uma relação de
concurso aparente, legal ou de normas, neste caso numa relação de especialidade.
H. Crimes de intenção ou crimes de resultado parcial.
Estes tipos de crime são aqueles em que a tipicidade é descrita em função de
uma especial intenção ou tendência, sem a qual o tipo não está preenchido. Mas, para
a consumação do tipo, curiosamente, não se exige que o resultado dessas intenções,
ou dessas tendências se verifique.
Quem chamou a atenção para que os tipos por vezes pressupunham determinados
elementos subjectivos específicos e refiram as especiais intenções, foram os Neo-
clássicos:
ü O tipo de furto, para além de ser um tipo doloso, postula também para além do
dolo (em sede de tipicidade), um elemento subjectivo específico que é a
especial intenção de aprovação;
ü O crime de burla (art. 417.º CP) pressupõe uma intenção de enriquecimento;
ü O crime de envenenamento (art. 205.º e 206.ºº CP) postula uma intenção de
lesar a saúde física, ou psíquica de outra pessoa;
- O tipo legal do art. 235º CP tem uma especial intenção: intenção de causar prejuízos
ao Estado ou a terceiros.

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Significa pois que a tipicidade aqui é descrita em função desta especial tendência ou
intenção. Se não se verificar esse elemento subjectivo específico, o tipo não está
preenchido.

IX. Crimes instantâneos, crimes de Estado e crimes duradouros


Estas distinções têm reflexos práticos importantes, nomeadamente para
contagem dos prazos de prescrição do procedimento criminal, para a determinação do
momento da prática do facto, para a matéria da comparticipação e desistência, entre
outras.
Crimes instantâneos são aqueles em que o agente com o seu comportamento
dá origem a uma situação de ilicitude que ocorre e se esgota com a produção desse
comportamento.
Nos crimes duradouros o agente com o seu comportamento dá origem também
a uma situação de ilicitude, situação essa que fica privada em relação à coisa de que é
proprietário das suas faculdades de uso, gozo e fruição. Mas esse estado lesivo dura
enquanto pelo menos a pessoa que furtou não devolveu o objecto furtado a quem de
direito. E então como é que estes crimes que são ditos de Estado se distinguem dos
crimes instantâneos?
Nos crimes instantâneos, efectivamente, detecta-se um momento preciso em
que corre e se esgota o estado lesivo, mas em que não há possibilidade de
recomposição do estado lesivo. Como é que se distinguem, por sua vez, os crimes de
estado dos crimes duradouros?
Nos crimes duradouros de que é exemplo o sequestro há efectivamente, para
efeitos de consumação formal do crime, a determinação do momento em que o agente
com o seu comportamento dá origem a uma situação de ilicitude, situação de ilicitude
que é mantida no tempo pela própria vontade do agente; e o agente, através de um
comportamento seu, pode fazer cessar esse estado ilícito de coisas. Mas nos crimes
duradouros há um estado decrescente de ilicitude progressiva.
Conclusão:
ü Nos crimes instantâneos não se verifica um estado lesivo que possa ser
removido;
ü Enquanto nos crimes de estado já há a possibilidade de remover o estado
lesivo;

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ü Nos crimes duradouros, havendo também a possibilidade de remoção do
estado lesivo tem-se que, contrariamente aos crimes de estado, existem graus
crescentes de ilicitude, ou uma ilicitude progressiva, o que não acontece nos
crimes de estado em que o grau de ilicitude é sempre o mesmo.
Uma outra distinção que é necessária fazer é aquela que estabelece a diferença entre
actos preparatórios:
ü De tentativa;
ü E de consumação.
Em primeiro lugar, tem-se que atender a dois conceitos de consumação. Por
um lado fala-se em consumação formal e essa consumação formal pressupõe o
preenchimento de todos os elementos do tipo incriminatório. Por outro lado, fala-se
num conceito de consumação material que tem a ver com a lesão efectiva do bem
jurídico tutelado pela norma jurídico-penal.
Nos crimes materiais ou de resultado só há uma consumação pelo menos
formal, quando o resultado típico se tenha produzido. Enquanto que nos crimes de
mera actividade, ou nos crimes formais, como não há um resultado que se tenha que
distinguir ou autonomizar da conduta do agente, o tipo está consumado formalmente
quando se verifica a actuação ou a conduta típica do agente.
Mas por vezes, tem-se de distinguir a responsabilidade penal do agente não
por facto consumado, mas por actos preparatórios ou por factos tentados. Quanto aos
actos preparatórios eles são uma fase do “inter criminis”, em que normalmente é
possível cindir e destacar várias etapas na evolução do cometimento do crime:
-Há normalmente a pessoa que tem uma intenção criminosa[29];
-Depois a pessoa passa efectivamente a procurar esse plano, que mentalmente
concebeu e prática para efeito determinados actos que são preparatórios à execução;
- Passa depois aos actos de execução;
- E finalmente, quando acaba os actos de execução, está perante a
consumação.
Os actos preparatórios regra geral e por força do disposto no art. 19, n.º2 CP,
os actos preparatórios não são punidos. Só existe punição por actos preparatórios
quando a lei expressamente o disser; ou então o próprio legislador tipifica como crime
autónomo actos que são actos de preparação. Mas a regra geral é a da impunidade dos
actos preparatórios e isto porque: Em primeiro lugar, porque se tem no Código Penal
um pendor objectivista da tentativa. O nosso direito é um Direito Penal de factos

76
exteriorizados; e o nosso legislador não valora da mesma maneira a intenção e a
execução dessa intenção diferentemente.
A punibilidade da tentativa é muito menor do que a punibilidade por facto
consumado, pois de harmonia com o que preceitua o art. 21º CP:
- Em primeiro lugar a tentativa só é punida se ao crime consumado respectivo
corresponder pena superior a três anos de prisão, a não ser que a lei expressamente
diga que a tentativa é punível.
- Por outro lado, sendo ainda punível a tentativa, a pena é especialmente
atenuada.
Só há tentativa, nos termos do art. 21º CP quando o agente passa dos actos
preparatórios para os actos de execução. Então a tentativa é virtualmente punível. Mas
para isso o agente tem de empreender já actos de execução, tem de ter a decisão
criminosa; e é preciso o resultado típico não se produzir.
Por isso, pode-se assentar que os elementos da tipicidade do facto tentado
sejam três:
1) Actos de execução (art. 21º/2 CP), elemento positivo e objectivo;
2) De um crime que o agente decidiu cometer (tem de haver a intenção do
cometimento do crime), elemento positivo e subjectivo;
3) A não produção do resultado típico, elemento negativo e objectivo.
Em Direito Penal não existem tentativas negligentes, as tentativas são sempre
dolosas. Encontra-se por referência ao disposto no art. 21º CP, as tentativas
impossíveis que também, nalguns casos, não são puníveis.
Nomeadamente não é punível a tentativa impossível por referência ao meio
empregue se revelar um meio manifestamente inadequado à produção do resultado
lesivo. Essa tentativa, quando existe numa manifesta inaptidão do meio empregue
com vista à produção do resultado pretendido, é uma tentativa não punida.
Embora seja necessário o elemento subjectivo – o dolo – para a construção da
figura da tentativa, não se valora da mesma maneira a intenção quando há
consumação e a intenção havendo tão só tentativa.
Também a distinção entre tentativa e consumação é importante para efeitos de
comparticipação. As várias formas de comparticipação criminosa só são possíveis a
partir do momento em que existem actos de execução por parte de um dos agentes ou
intervenientes[30]. Antes disso, não há comparticipação criminosa.

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Comparticipação criminosa – envolvimento plural de vários agentes, sendo
eles autores ou participantes – só existe efectivamente a partir do momento em que o
agente/autor tenha praticado pelo menos um acto de execução dos previstos nas várias
alíneas do art. 21º CP.
A distinção entre tentativa e consumação é também importante para efeitos de
desistência (art. 22º CP).
Regra geral, só é possível desistir enquanto não há consumação, pelo menos
enquanto não há consumação material.
A tentativa é uma figura que está especialmente concebida para os crimes
materiais ou de resultado. Como a tentativa pressupõe um elemento negativo que é a
não produção do resultado típico está concebida para os crimes de resultado.

X. Crimes uniexecutivos e crimes pluriexecutivos


Nos crimes formais, de que são exemplo os crimes de mera actividade ou as
omissões puras, há quem distinga e fale em:
-Crimes formais uniexecutivos: Nos crimes uniexecutivos já não é possível
nem pensável uma fragmentação de actos antes da consumação.
- Crimes formais pluriexecutivos: Os crimes pluriexecutivos têm uma
descrição típica que pressupõe um fraccionamento da actuação ou do comportamento
ilícito; ou em que ontologicamente se pode retirar essa conclusão.
A classificação dos crimes pluriexecutivos, dentro dos crimes formais, vem
permitir duas coisas:
1) Por um lado, vem permitir considerar-se que também é possível falar de
tentativa nos crimes formais que sejam pluriexecutivos;
2) Por outro lado, ainda, nestes crimes formais, que estão preenchidos com a
mera conduta do agente e que não exigem a verificação de um resultado
ontologicamente diferenciado da conduta, vem permitir que nos crimes formais
pluriexecutivos se possa falar por exemplo em desistência.
Nos termos do art. 16º CP, a imputação de um resultado ao agente há-de fazer-
se sempre com base numa culpa, quando mais não haja a título de negligência. Não há
responsabilidade objectiva em Direito Penal – consagra-se no art. 11º CP o princípio
da responsabilidade subjectiva ou com culpa.

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[26] Também designados crimes compostos ou crimes dimensionais.
[27] Por lesar ou colocar em perigo.
[28] Repare-se que em Direito Penal – e é um princípio de Direito Penal que o distingue do Direito Civil – não há
responsabilidade objectiva.
[29] Que pode não exteriorizar, mas que está em plano.
[30] Actos de execução daqueles que se encontram previstos nas várias alíneas do art. 22º CP.

IMPUTAÇÃO OBJECTIVA
XI. Nexo de causalidade ou nexo de imputação
É um elemento objectivo não escrito do tipo nos crimes materiais ou de
resultado. Dentro da teoria do facto punível e das categorias analíticas começou-se
por analisar a acção. Verificando-se que havia uma acção penalmente relevante, essa
acção tinha de ser subsumível a um tipo. E portanto o tipo tem uma determinada
estrutura que é composta por elementos objectivos e por elementos subjectivos.
Para se verificar se aquela acção se subsume a um tipo legal, tem-se de ver se
os elementos do tipo estão preenchidos; se os elementos objectivos estiverem
preenchidos, vai-se então ver se os elementos subjectivos do tipo também estão
preenchidos para, estando o tipo integralmente preenchido, passar a outra categoria
analítica que é a ilicitude. Se faltar um elemento objectivo do tipo, já não há
tipicidade. E já nem sequer há que passar para a categoria seguinte, para analisar a
responsabilidade jurídico-penal. Há uma acção penalmente relevante, mas não é típica
se não é típica, não há responsabilização penal do agente.
Nos crimes materiais ou de resultado, tem-se como elemento objectivo o nexo
de causalidade ou nexo de imputação, que permite efectivamente imputar um evento a
uma determinada conduta, em termos de poder responsabilizar uma pessoa por aquele
facto que ocorreu.
Esse nexo de causalidade, sendo um elemento objectivo do tipo nos crimes
materiais, de resultado, ou omissões impuras, é um elemento não escrito do tipo, não
está lá escrito, excepto se se tratar de um crimes de realização vinculada.
A imputação objectiva só existe nos crimes materiais, nos crimes de resultado
ou nas omissões impuras, nos crimes de mera actividade, como a conduta do agente
consuma desde logo o tipo legal e não é necessário que espaço-temporalmente algo se
diferencia, não há nada a imputar. A própria conduta consuma o tipo legal de crime.

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O nexo de causalidade pressupõe que entre os fenómenos se estabeleça um
nexo causal em relação de causa e efeito. Quando se fala em imputação objectiva,
pressupõe-se que entre fenómenos exista um nexo relacional.
Portanto, imputação objectiva e causalidade não são a mesma coisa, porque,
pode haver causalidade e não haver imputação objectiva; da mesma forma que só
artificialmente é que se poderá falar de causalidade e no entanto haver imputação
objectiva.
Esta matéria de imputação objectiva mais na faz do que decidir quando é que
se pode responsabilizar criminalmente uma pessoa por alguma coisa que ela fez. E
nomeadamente, ver se é possível aferir, em termos de nexo de imputação, um
determinado resultado, um determinado evento ou uma determinada conduta humana.
E só havendo nexo de imputação, esse nexo relacional, que não tem de ser
necessária e forçosamente causal, é que se pode afirmar a responsabilidade jurídico-
penal do agente.

XII. Teoria da causalidade ou teoria “conditio sine qua non” ou teoria da


equivalência das condições.
Surge uma teoria que procurava dar resposta a esta imputação do resultado a
uma determinada actividade e que é uma verdadeira teoria da causalidade, que
pressupõe a existência de um nexo causal entre um determinado resultado e uma
conduta, em termos de causa e efeitos.
A causa de um determinado resultado é toda a circunstância sem a qual o
resultado não se produziria. Neste sentido todas as condições se equivalem enquanto
causa do mesmo resultado. Ou seja, para os partidários da teoria “conditio sine qua
non”, eles partiam dum processo hipotético de eliminação para verificar se um
determinado comportamento podia ser ou não causa de um determinado resultado.
Então, através deste raciocínio hipotético, eles pensavam assim: vai-se abstrair
dessa conduta cuja causalidade se quer aferir e verificar se o resultado, abstraindo da
conduta, se mantém ou não. E chega-se a esta conclusão: se abstraindo do
comportamento o resultado permanecer é porque aquele comportamento não é causa
de resultado.
Se pelo contrário, abstraindo-se do comportamento ou da conduta, é causado
também desaparecer, então é porque o comportamento é causa do resultado. E isto faz

80
com que exista um encadeamento causal infinito e leva a exageros de
responsabilidade criminal.
Isto porquê? Porque eles nivelam todas as circunstâncias enquanto condição
da produção do resultado; todas concorrem equivalentemente para a produção do
resultado, sem que haja a possibilidade para se parar entre causas relevantes e causas
irrelevantes.
Todas as circunstâncias se equivalem em termos de produção do resultado
típico. Daí que esta teoria seja também chamada a teoria da equivalência das
condições. Mas quando à partida a relevância da causa for desconhecida, a teoria
pouco ou nada diz sobre a manutenção ou não do resultado.
Uma critica que se faz à teoria da “conditio sine qua non” é que ela não
resolve os casos de imputação na chamada causalidade cumulativa e na chamada
causalidade virtual ou hipotética. Por outro lado ainda, uma critica que se faz a esta
teoria, é a de que esta teoria, já excessiva na responsabilização criminal, por
referência ao conceito de causa que tem, e porque não permite distinguir entre causas
relevantes e irrelevantes e irrelevantes porque todas as circunstâncias são condições
aptas à produção do resultado, então este conceito naturalístico de causa não consegue
explicar a imputação nos crimes omissões impuros ou impróprios.

XIII. Teoria da causalidade adequada ou teoria da adequação


Parece ser aquela que o Código Penal perfilha no art. 8.º, quando equipara a
acção à omissão e quando se diz que, quando de um crime faz parte um determinado
resultado, o facto é tanto a acção adequada a produzi-lo, como a omissão da acção
adequada a evitá-lo.
A teoria da adequação, visa restringir ou limitar os exageros da antecedente
construção da “conditio sine qua non”.
Já não são todas as circunstâncias que se equivalem enquanto causa do mesmo
resultado, mas são só importantes aquelas causas ou aquelas condições que sejam
aptas, que sejam, no sentido de importarem a obtenção de determinado resultado. E
para a determinação de que se considera causa adequada utiliza-se um juízo de
prognose objectiva posterior, ou prognose objectiva póstuma. Neste juízo vai-se
verificar se, para um homem médio, para um agente médio colocado nas mesmas
circunstâncias de tempo e lugar daquele comportamento em concreto, era previsível

81
que resultasse aquela ocorrência ou que desse comportamento resultasse aquele
evento em concreto.
- Se se pudesse afirmar um juízo de previsibilidade, então dir-se-á que o
comportamento é causa adequada à produção desse resultado;
- Se, pelo contrário, não se puder afirmar um juízo de previsibilidade, então,
ter-se-á de considerar que aquele comportamento não é causa, no sentido de causa
adequada, à produção do resultado.

XIV. Juízo de prognose póstuma ou posterior.


Fazer uma prognose é fazer uma previsão. E essa previsão é posterior, ou
póstuma, porque se vai fazer uma previsão no momento em que já ocorreu o
resultado, quer-se efectivamente comprovar se a conduta é conducente a esse
resultado já ocorrido. Por isso é que é uma prognose – uma previsão –, mas é
póstuma.
E é objectiva, porque não se vai perguntar ao próprio agente que agiu se,
actuando daquela forma, lhe era a si previsível que ocorresse aquele evento, mas vai-
se efectivamente questionar, por relação – é quase uma valoração paralela na esfera
laica do agente. Ou seja, vai-se averiguar, para um homem médio colocado nas
mesmas circunstâncias de tempo e de lugar do próprio agente, se para ele era
previsível que daquela conduta ocorresse aquele resultado.
Na descoberta do critério da causalidade adequada hão-de estar presentes não
só elementos objectivos, não só o recurso à ideia da valoração feita pelo homem
médio, mas há que entrar em linha de conta também com os conhecimentos concretos
que o agente tenha daquela situação. Para encontrar a verdadeira adequação, há que
recorrer também aos conhecimentos que o agente tenha no caso concreto.
Qual é o critério para se discernir se uma causa é adequada ou não à produção
de um determinado resultado? Fazendo-se este juízo de prognose objectiva póstuma,
faz-se entrar também em linha de conta os conhecimento que o próprio agente tinha
daquela situação.
Contudo, são várias as críticas que se podem fazer a esta teoria da adequação e que
são as seguintes:
Em primeiro lugar, é uma doutrina que postula, para a adequação da causa,
elementos de natureza subjectiva, uma vez que se tem de ter também em conta os
conhecimentos que o agente tinha da situação. E portanto já não se faz totalmente

82
uma prognose objectiva posterior, porque ela não é mesclada por uma subjectividade,
pelos conhecimentos que o agente tinha da própria situação.
Por outro lado, este critério, ou esta ideia de previsibilidade em que assenta a
teoria da adequação é um critério algo impreciso. E isto porque, postulando um
conhecimento da realidade e do mundo objectivo, não há dúvida nenhuma que esse
conhecimento é residual.
Finalmente, não se pode esquecer também que sendo categórico o juízo de
previsibilidade, ele só se pode afirmar ou negar.

XV. Teoria do risco ou dos critérios do risco.


Existem doutrinas posteriores cujo percurso foi iniciado por Klaus Roxin, que
vêm introduzir determinadas ideias para de alguma forma, corrigir estas teorias
antecedentes: quer a teoria da adequação ou da causalidade adequada, quer a teoria da
“conditio sine qua non” ou da equivalência das condições. É a chamada teoria do
risco, ou dos critérios do risco.
Os critérios do risco já não se fundam única e exclusivamente numa ideia de
causalidade, já não estabelecem um nexo de causalidade causa – efeito entre
fenómenos. Estabelecem antes um nexo de imputação, ou um nexo relacional, uma
qualquer relação entre fenómenos.
Os critérios de risco não são baseados em critérios de causalidade, sendo certo
que a ideia de causalidade em sede de imputação objectiva é um pressuposto mínimo
ou um limite máximo que não se pode dispensar. Por vezes, a causalidade, o nexo de
causalidade, não chega, não é suficiente para explicar a imputação objectiva porque,
pode existir causalidade, pode existir um nexo de causa e efeito entre dois fenómenos
e no entanto não haver lugar a imputação objectiva.
Perante a teoria do risco entende-se que só faz sentido considerar um evento,
em termos jurídico-penais, consequência de um determinado comportamento, sempre
que o agente, através do comportamento empreendido, criar um risco relevante, um
risco juridicamente desaprovado pela ordem jurídica.
Portanto, só faz sentido imputar um resultado, ou uma conduta humana,
quando o agente com aquela conduta:
- Criou um risco juridicamente relevante, proibido pela ordem jurídica;
- Ou então aumentou o risco existente;
- Ou ainda, quando não diminui um risco proibido.

83
O cerne está pois em que o comportamento ou a conduta do agente tem de ser
criado, aumentado ou não diminuído o risco proibido. Só haverá lugar a imputação
objectiva quando o agente, através da sua conduta, tiver criado, aumentado ou não
diminuído risco proibido. Existem dois casos em que não há imputação objectiva:
- Nos casos em que o agente intervém no decurso de um processo causal já
iniciado no sentido de adiar, minorar o evitar a produção de um resultado lesivo, ou
seja, nos casos de diminuição do risco;
- E nos casos de risco lícito ou permitido [31].
Portanto, quando as situações estiverem fora do âmbito da esfera de protecção da
norma, também não há imputação objectiva.
Em conclusão:
A causalidade e imputação objectiva são duas realidades que não significa a
mesma coisa.
A relação entre um determinado comportamento humano e um resultado, para
efeitos de punição, não tem que ser sempre necessariamente causal; e mesmo quando
seja causal, essa relação muitas vezes não é suficiente para afirmar a responsabilidade
jurídico-penal do agente. É o que acontece nomeadamente no caso dos crimes
omissos impuros (ou omissões impuras), em que não há uma causalidade em termos
naturalísticos.
Por outro lado, pode haver causalidade e não obstante não haver imputação objectiva,
são casos de diminuição do risco [32].
Também a causalidade não resolve aquelas situações em que existe uma actuação
negligente por parte do agente, actuação negligente essa que da origem a um
determinado evento lesivo; mas, mesmo que o agente adoptasse um comportamento
lícito, mesmo que o agente actuasse diligentemente, com a observância de todos os
cuidados que lhe são impostos e de que era capaz, o resultado produzia-se na mesma.
Causalidade há, imputação objectiva em princípio não haverá, pelo menos para
aqueles que defendem como corrector, dentro dos critérios do risco, o chamado
comportamento lícito alternativo.

1. Desvios do processo causal.


Quando uma pessoa pretende praticar um determinado crime, quando pretende
a obtenção de um determinado resultado típico, prevê normalmente a forma de
obtenção desse evento ou desse resultado típico, constrói, concebe um determinado

84
processo causal, isto é, faz desencadear uma série de acontecimentos que vão produzir
o evento pretendido pelo agente.
Muitas vezes o processo causal perspectivado pelo agente para obtenção do
evento ou do resultado típico diverge daquele que na realidade se verifica. Há
diversos tipos de desvios no processo causal:
- Desvios relevantes ou essenciais;
- Desvios irrelevantes ou não essenciais.
O critério utilizado para verificar se o desvio no processo causal é um desvio
relevante ou não relevante, isto é, se é um desvio essencial ou não essencial, é o
mesmo critério de previsibilidade que se utiliza para aferir da adequação da causa na
teoria da adequação. Ou seja, pergunta-se se, daquela actuação do agente seria
previsível que ocorresse um risco tal que levasse à produção daquele resultado.
- Se se afirmar essa previsibilidade e se disser que era previsível, então trata-se
de um desvio irrelevante;
- Se, pelo contrário, se afirmar que não era previsível, então trata-se de um
desvio relevante ou essencial. Portanto, nos casos de desvio irrelevante ou não
essencial do processo causal, há sempre imputação objectiva.

2. Processo causais atípicos.


São aquelas situações em que o agente consciente e voluntariamente provocou
o desvalor de acontecimento atípicos ou estranhos, isto é, provocou o desenrolar de
acontecimento que vão dar origem a um determinado resultado por ele pretendido,
mas através dum processo anormal, dum processo atípico ou estranho.
Causalidade virtual ou hipotética; é aquela causa que acontecem se isto ou
aquilo não se verificasse ou não ocorresse; se não se verificasse outro acontecimento
que é, esse sim, a condição ou a causa real.

3. Comportamento lícito alternativo.


São todas aquelas situações em que o agente adopta um comportamento
negligente, não observa os deveres de cuidado a que está obrigado e de que é capaz e,
com esse comportamento ilícito por ele adoptado, dá origem a um resultado lesivo;
mas prova-se que, mesmo que o agente actuasse diligentemente, observando todos os
deveres de cuidado, o resultado lesivo seria o mesmo, os chamados casos de
comportamento lícito alternativo.

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Isto é, o agente teve um comportamento ilícito. Mas se tivesse sido um
comportamento lícito, o resultado seria exactamente o mesmo.

Nestes casos, os defensores da ideia de risco dividem-se:


- Há aqueles que dizem que nos casos de comportamento lícito alternativo não
há lugar a imputação objectiva;
- E há aqueles que dizem que nestes casos deve firmar-se a imputação
objectiva do agente.

4. Consagração no âmbito legislativo do art. 8.º CP.


O legislador relativamente ao art. 8.º CP, equipara a acção à omissão e que ai
se consagrar as chamadas omissões impuras ou impróprias. Nos termos do art. 8.º/1
CP, diz-se que quando um determinado crime, ou um determinado facto típico,
compreende um resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo,
como a omissão da acção adequada a evitá-lo.
Neste sentido, parece que o legislador firma aqui, como ponto de partida para
a imputação objectiva, uma teoria da adequação, mas teoria da adequação que, sendo
no entanto maioritária na doutrina e jurisprudência mais recentes, completada pelos
critérios de imputação objectiva nomeadamente pelas ideias do risco. Assim, em
termos de imputação objectiva o quadro doutrinário no nosso país é o seguinte:
- O Prof. Cavaleiro Ferreira e o Prof. Eduardo Correia, utilizam
basicamente a teoria da adequação para formular a imputação objectiva;
- O Prof. Figueiredo Dias, utiliza já alguns critérios do risco;
- A tendência é hoje cada vez mais para se adoptar:
· Ou uma teoria da “conditio sine qua non” e introduzir-lhe depois
determinados correspectivos com os critérios do risco;
· Ou, pelo contrário, partir de uma teoria da adequação – causalidade adequada
– e corrigi-la depois com os critérios ou ideias do risco. Para afirmar a imputação
objectiva assenta-se no critério básico da teoria da adequação, num critério de
previsibilidade assente num juízo de prognose póstumo ou posterior.
Introduzem-se depois correcções a esta teoria, correcções essas trazidas pela
ideia de risco, nomeadamente os casos de diminuição do risco, os casos de risco
permitido ou risco lícito, os casos que se situam para além da esfera de protecção da
norma, em todos eles há causalidade mas não há imputação objectiva. Ainda um outro

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correctivo introduzido por força de um princípio dominante no Direito Penal, que é o
princípio da responsabilidade pessoal ou individual em Direito Penal e não
responsabilização por facto alheio [31]. São riscos lícitos ou permitidos, porque são
inerentes à própria sociedade em que as pessoas vivem [32]. Quando o agente
intervém no decurso de um processo causal já iniciado, no sentido de evitar a
produção de um risco, de o adiar, ou de evitar um risco maior.

IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA.
I. Erro sobre elementos (de facto) do tipo
II. Erro sobre elementos normativos
III. Erro sobre proibições
A. Conceito e objecto do dolo.
Do tipo fazem parte, para além dos elementos objectivos, os elementos
subjectivos, nomeadamente o elemento subjectivo geral nos crimes dolosos que é o
dolo. E alguns tipos pressupõem também elementos subjectivos específicos – as
especiais tendências, as especiais intenções.
O dolo é a consciência e vontade de praticar certo facto típico, ou de
empreender certa actividade típica. O dolo, enquanto elemento subjectivo do tipo,
consiste o conhecimento dos elementos objectivos desse tipo e na vontade de os
praticar: a pessoa actua dolosamente quando conhece e quer os elementos objectivos
de um tipo legal.
A responsabilidade em Direito Penal é genericamente, por facto doloso. Só
excepcionalmente existe responsabilidade por facto negligente (art. 13º CP).
A partir deste conceito de dolo, verifica-se que o dolo tem uma estrutura
composta por dois elementos:
1) Elemento intelectual ou cognitivo, que se traduz no conhecer;
2) Elemento volitivo que se traduz no crer.
Dentro da estrutura do dolo, o elemento intelectual precludido sempre o
elemento volitivo, porque só se pode querer aquilo que previamente se conheceu.
Faltando o elemento intelectual, está precedido o elemento volitivo, estando
precludido ou excluído o elemento volitivo, falta um elemento do dolo, a conclusão é
a exclusão da imputação dolosa – exclusão do dolo.

87
Esta falta de conhecimento de elementos do facto típico gera situações de erro;
são as situações de erro de tipo, situações em que há um desconhecimento ou um
imperfeito conhecimento dos factos ou da realidade.
Quanto ao elemento intelectual do dolo interessa ainda dizer que tem que ser um
conhecimento actual.
Quanto ao elemento volitivo – o querer – aqui distinguem-se basicamente três
espécies de dolo (art. 12º/1, 2 e 3 CP):
1) Dolo directo de primeiro grau ou intenção;
2) Dolo directo de segundo grau ou dolo necessário;
3) Dolo eventual ou dolo condicionado ou condicional.
São diferentes formas de graduação do dolo, diferentes formas de intensidade
de querer um determinado resultado. Uma pessoa pode querer um resultado, ou pode
querer um facto típico, com maior ou menor intensidade.
Quando a pessoa quer directamente aquilo que prevê com a intenção de
realizar aquilo que prevê, está-se perante a forma mais intensa de querer, está-se
perante o dolo de intenção ou dolo directo de primeiro grau. Portanto, em Direito
Penal é incorrecto dizer-se que dolo é sinónimo de intenção, porque intenção em
termos rigorosos visa tão só uma das espécies de dolo, que é a forma mais intensa
(art. 12º/1 CP).
Outras vezes a relação de intensidade para com aquilo que o agente quer já
não é tão intensa. São aquelas em que o agente quer algo em primeira linha, e quer
essa coisa com a sua intenção; mas sabe que para conseguir essa coisa, como
consequência necessária da conduta que tem de empreender para conseguir isso que
quer, algo vai acontecer como consequência necessária da conduta.
Nestas situações está-se perante o dolo directo de segundo grau ou dolo
necessário (art. 12º/2 CP). Nas situações de dolo eventual, que é a forma mais ténue
de intensidade da relação do querer do agente para com o facto por ele praticado, o
agente representa, prevê como possível que da sua actuação possa ocorrer um
determinado resultado lesivo, um determinado tipo crime.
E actua conformando-se com a possibilidade dessa realização, actua
conformando-se com a possibilidade de a sua actuação desencadear a ocorrência do
facto típico por ele previsto, é o chamado dolo eventual (art. 12º/3 CP). Muito perto
do dolo eventual, está uma outra figura que há chamada negligência consciente.

88
Actuar dolosamente ou negligentemente conduz a resultados práticos e
dogmáticos diferentes. Em primeiro lugar, a norma do art. 13º CP, diz-se que a regra
geral é a imputação por facto doloso e só excepcionalmente existe responsabilidade
criminal por facto negligente.
Por outro lado, a figura da tentativa e a tipicidade da tentativa e do facto
tentado prevista no art. 20.º CP é uma tipicidade dolosa. Não existe responsabilidade
penal por tentativa negligente. E ainda, mesmo quando a lei prevê excepcionalmente
responsabilidade por facto negligente, a moldura penal prevista para o mesmo facto
praticado dolosamente. Como é que se distingue dolo eventual de negligência?
Enquanto que da estrutura do dolo fazem parte dois elementos – o elemento
intelectual (conhecer) e o elemento volitivo (o conhecer), como acontece na
negligência inconsciente; mas não há nunca o elemento volitivo.
Na negligência nomeadamente na negligência consciente, tem-se aquelas situações
em que o agente representa a possibilidade de perigo[33], mas actua não se
conformando com a realização do resultado típico que ele previu.
O agente, tendo previsto o perigo para determinado bem jurídico, perigo que
resulta da sua actuação, actua não se conformando que dessa sua actuação o perigo se
venha a desencadear na lesão. O que é que a negligência consciente tem em comum
com o dolo?
É que em ambos existe o elemento intelectual; em ambos existe a
previsibilidade do perigo; em ambos o agente reconhece a possibilidade ou
probabilidade de lesão; o agente reconhece um determinado perigo.

B. Teoria da probabilidade ou verosimilhança.


Há quem secunde para a distinção entre dolo eventual e negligência
consciente, uma teoria da probabilidade ou verosimilhança. Aqui, o critério
fundamental é o grau de probabilidade com que se prevê um certo resultado:
- Se uma pessoa prevê como altamente provável um certo resultado e não
deixa de agir como quer agir, pode dizer-se que essa pessoa actua com dolo eventual;
- Se o grau de probabilidade com que se prevê um determinado resultado é um
grau baixo, então haverá negligência consciente. Esta teoria da probabilidade ou
verosimilhança é um critério extraordinariamente criticável pelo seguinte:
Este critério de grau de probabilidade com que se prevê um determinado
resultado é efectivamente um critério muito impreciso, porque pergunta-se: até que

89
ponto é que se limita o grau de probabilidade? Então uma pessoa previu como 50% de
probabilidade ou será 60% ou 70%? É um critério impreciso.
Para além de ser um critério muito impreciso, o grau de probabilidade com
que se prevê ou não determinado resultado é subjectivável, varia de pessoa para
pessoa: há pessoas que são mais cautelosas e outras pessoas que o são menos.
E por outro lado, há determinados resultados que são altamente prováveis e
que contudo, ninguém pensa imputá-los a título doloso. Deve afastar esta teoria da
probabilidade ou da verosimilhança e se adopte a teoria da aceitação do
consentimento ou da confirmação ou seja, para além de se prever um determinado
resultado, só é possível imputá-lo a título doloso e afirmar que existe vontade quando
o agente tenha aceite ou consentido nesse mesmo resultado.

C). Teoria ou fórmula hipotética.


Existem basicamente duas teorias, ou duas fórmulas de Frank que ajudam a
compreender quando é que o agente actua conformando-se e portanto querendo um
resultado típico; ou quando é que o agente actua não se conformando, não querendo o
resultado típico. No primeiro caso tem-se dolo eventual; no segundo negligência
consciente.
Segundo a fórmula hipotética de Frank, à que se interrogar quando é que o
agente actuaria caso previsse como certo o resultado:
- Se se chegar à conclusão que, tendo previsto como certo o resultado lesivo, o
agente não actuaria daquela forma, então é porque o agente actuou com negligência
consciente.
- Se pelo contrário, tendo previsto como certo o resultado lesivo, o agente não
tivesse deixado e actuar de forma como actuou, então é porque o agente actuou como
dolo eventual.
Esta fórmula ou teoria hipotética de Frank para distinguir os casos em que o
agente actuaria com dolo eventual ou com negligência consciente, é de alguma forma
criticável. Por força de algumas críticas Frank faz uma formulação positiva da sua
teoria.
Já não se pergunta o que é que aconteceria se o agente tivesse previsto como
certo o resultado lesivo, mas vê-se antes, perante uma determinada situação fáctica, se
a posição do agente ao actuar é esta: “aconteça o que acontecer, haja o que houver, eu
actuo”.

90
Para fazer a distinção entre dolo eventual e negligência consciente e saber
quando é que o agente actua conformando-se (e portanto querendo o resultado), a
teoria ou fórmula positiva de Frank é um bom ponto de partida.
Simplesmente, por vezes há que introduzir ainda determinados correctivos a esta
formulação positiva de Frank. E essa correcção deve ser feita por recurso ao caso
concreto, tendo nomeadamente em conta a intenção do agente e a posição do agente.
Para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, vai-se partir do
princípio da actuação da teoria positiva de Frank mas com um correctivo face ao
apelo da motivação concreta do agente quando actua de determinada forma. E
também a intensidade do dolo é reflectida em termos da medida da pena, no âmbito
do art. 73.º CP.

D. Dolo de perigo.
Os crimes de perigo têm uma estrutura típica em que o legislador descreve
uma conduta típica perigosa e da qual se autonomiza um resultado típico que é o
próprio perigo para o bem jurídico que o legislador pretende proteger através da
incriminação.
Para que o tipo esteja consumado, é necessário que se autonomize dessa
conduta o resultado típico, que é o perigo para a própria vida da pessoa que foi
exposta. Nos crimes de perigo concreto o resultado é o próprio perigo para o bem
jurídico que a norma pretende tutelar.
Mas o perigo é uma possibilidade de lesão. Sendo o dolo a consciência e
vontade de realização dos elementos objectivos do tipo, nos crimes de resultado de
que são exemplo também os crimes de perigo concreto, o resultado é o elemento
objectivo do tipo. Logo tem de abarcar o próprio resultado enquanto elemento
objectivo do tipo.
Donde, o dolo tem efectivamente de se reportar nos crimes de perigo concreto
ao próprio perigo que é o resultado autonomizável da conduta perigosa. O dolo é uma
figura que tem um recorte legislativo. Existem várias modalidades de dolo, que é um
dolo de lesão, previstas no art. 131.º CP. Portanto o dolo de perigo há-de ser um dolo
que não pode ser uma figura inteiramente nova, mas que tem que ter algum apoio
legislativo. Há-de ter alguma filiação em sede do que já está no art. 12º CP, nalgum
dos seus números.

91
O dolo de perigo não é compaginável de ser recortado à figura do dolo directo
de primeiro grau, ou intenção, prevista no art. 12º/1 CP, porque é difícil conceber que
quem actuar querendo o perigo que é a probabilidade de lesão e querendo
directamente aquele perigo, pelo menos não se conforma com a possibilidade de
lesão.
Por outro lado também não é concebível uma situação de dolo eventual de
perigo, porque se o dolo eventual nos termos do art. 12º/3 CP, é aquela situação em
que o agente representa como possível que da sua conduta vá ocorrer a lesão e actua
conformando-se com essa possibilidade, então o agente, ao prever como possível o
perigo, está a prever a possibilidade da lesão, porque o perigo é sempre a
possibilidade de lesão.
O dolo de perigo há-de ser natural e necessariamente um dolo necessário de
perigo, que pode ser recortado nos moldes do art. 12º/2 CP. Para que exista dolo de
perigo é necessário um elemento positivo e dois elementos negativos.
Elemento positivo: É a consciência que o agente tem da situação de perigo: o
agente tem de representar, tem de tomar consciência (elemento intelectual do dolo) da
possibilidade de lesão que é o perigo.
Elementos negativos:
1) É preciso que o agente, tendo previsto e representado o perigo, que é a
possibilidade de lesão não se auto-tranquilize no sentido de pensar que aquilo que
previu como perigoso não irá ocorrer, porque nesse caso tem-se uma situação de
negligência consciente (art. 13º/1 CP).
2) Por outro lado, tendo o agente representado o perigo e tendo consciência
desse perigo, ele não se pode auto-conformar. Na verdade, se o agente prevê o perigo
e se auto-conforma com a possibilidade de o perigo por ele previsto se desencadear
em lesão, então já se tem uma situação de dolo eventual de lesão.
Ainda no que diz respeito à imputação subjectiva, torna-se relevante falar nos
elementos subjectivos específicos ou especiais. Os Neoclássicos chamariam à atenção
para o facto de que o tipo tinha alguns elementos subjectivos específicos. Foram
referidas em sede própria as especiais tendências, as especiais intenções, a propósito
do crime de burla, que pressupunha uma intenção de enriquecimento.
Nestes casos, os tipos só estão preenchidos e constituídos quando se verifica
essa intenção ou intenções. No entanto para a consumação material do tipo é
necessário que o resultado dessas intenções se concretize.

92
Quando o legislador nada diz, nos tipos da parte especial que são em geral
dolosos, admite-se qualquer forma de dolo – dolo directo, dolo necessário, dolo
eventual – a não ser que a lei expressamente limite a forma de dolo que serve para o
preenchimento do tipo legal[34].

85. Erro do tipo.


Quando falte um dos elementos da estrutura do dolo este está automaticamente
afastado. E isto porque desde logo se o agente desconhece determinada realidade,
nunca a poderia ter querido. Logo, não há dolo. Estas situações de desconhecimento
ou de imperfeito conhecimento da realidade são situações de erro. E pode haver erro
sobre elementos do facto típico.
Enquanto consagração e disciplina legal, o regime do erro está previsto nos
arts. 14º e 15º CP. O art. 14º CP expressa as situações de erro intelectual, enquanto
que o art. 15º CP expressa as situações de erro moral, também dito erro de valoração.
O erro de tipo que exclui o dolo do próprio tipo; e excluindo o dolo, poderá a
tipicidade estar afastada porque falta o elemento subjectivo geral.
Nos casos do erro do art. 15º CP erro moral ou de valoração, a sua relevância, filtrada
ou não por critérios de censurabilidade, tem quando o erro for não censurável, a
função e consequência de excluir a culpa.
O erro intelectual do art. 15.º/1 CP (erro do tipo) é um erro que pode incidir
sobre elementos do facto típico, elementos normativos ou elementos de direito, e
sobre proibições cujo conhecimento fosse razoavelmente indispensável ao agente ter
para tomar consciência da ilicitude. No art. 15.º/2 CP prevê-se outra situação de erro,
que não é já um erro de tipo, mas é um erro sobre os pressupostos de facto ou de
direito das causas de exclusão da ilicitude ou das causas de exclusão da culpa.
Dentro das situações de erro intelectual pode-se distinguir duas espécies:
- Erro ignorância;
- Erro suposição.
Nas situações de erro ignorância, verifica-se por parte do agente um total
desconhecimento da realidade. Por vezes, dentro da modalidade do erro intelectual
pode haver uma errada representação da realidade, ou um imperfeito conhecimento. É
uma situação de erro suposição que é uma das modalidades reconduzíveis à situação
de erro intelectual. É ainda necessário distinguir entre:
- Erro por defeito; e

93
- Erro por excesso. Ou
- Erro de tipo; e
- Tentativa impossível.
Quando se traça a punibilidade da tentativa, fala-se de alguns casos de
tentativa impossível expresso no art. 21º/3 CP. A tentativa pode ser impossível por
hipótese por referência à inexistência do objecto. As situações de erro de tipo são
situações que se dizem normalmente de erro por defeito, em que o agente, com o seu
comportamento, dá origem a um resultado que ele não quis.

2. Critérios de relevância do erro.


Em tese geral, como é que se distingue, em termos de relevância, o erro
intelectual do art. 15º CP do erro moral ou de valoração do art. 16.º CP?
- Enquanto que o erro intelectual, nas suas modalidades de erro ignorância e
erro suposição, releva imediatamente, releva por si mesmo, ou seja, basta provar que a
pessoa está no âmbito de uma dessas situações previstas no art. 15.º CP para que o
erro tenha relevância;
- Já em sede de erro moral ou de valoração do art. 16.º CP a relevância do erro
é mais exigente, terá que ser filtrada por critérios adicionais, por critérios de
censurabilidade.
Numa situação de erro moral ou de valoração, que são aquelas situações em
que as pessoas ignoram a realidade, não têm uma errada percepção da realidade, mas
têm sim é uma errada valoração ou concepção valorativa dessa mesma realidade, o
erro não releva por si mesmo.
A percepção que se tem da valoração jurídica dessa mesma realidade é que é
errada, porque o agente presume que aquele comportamento é um comportamento
lícito, admitido pela ordem jurídica, quando na realidade a valoração dada àquela
actuação é uma valoração negativa, é um comportamento ilícito.

3. Regime da relevância.
O erro moral ou de valoração do art. 16º CP não relva por si mesmo, como nos
termos do art. 15.º/1 CP. A consequência não é automática, há uma relevância mais
exigente: tem de ser ainda filtrada por um critério de censurabilidade.
Assim, tem-se de ver se aquele erro de valoração, se aquele erro moral, é um
erro censurável ou um erro não censurável. Ou seja, se era um erro censurável, porque

94
era um erro evitável, e consoante um caso ou outro, assim a consequência, desta
forma:
- Se o erro era um erro inevitável, não censurável, a culpa será excluída nos
termos do art. 16.º/1 CP;
- Se, pelo contrário, for um erro censurável, porque era um erro evitável, aí o
agente responde pelo crime doloso que cometeu, podendo a pena beneficiar de uma
atenuação especial e facultativa (art. 16º/2 CP). Relativamente ao art. 15º/1 CP pode-
se esquematizar da seguinte maneira:
I. Erro sobre elementos (de facto) do tipo:
1) Erro sobre o objecto:
a) Desvio no processo causal:
- Essencial;
- Não essencial.
b) Erro sobre a eficácia do processo (a “aberratio ictus”)
2) Erro sobre as qualidades do autor;
3) Erro sobre o processo causal;
4) Erro sobre os elementos acessórios.
II. Erro sobre os elementos normativos:
1) Erro sobre qualidades normativas do autor;
2) Erro sobre qualidades normativas do objecto:
a) Extensão do conceito normativo
III. Erro sobre proibições
1) Erro sobre a existência de proibições;
2) Erro sobre a extensão de proibições.

No art. 15.º/1 CP encontram-se várias proposições:


- O erro sobre elementos de facto do tipo;
- O erro sobre elementos normativos de um tipo legal;
- O erro sobre proibições cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável
o agente ter para tomar consciência da ilicitude do facto. Todas estas circunstâncias, a
estarem presentes, têm como consequência nos termos do art. 15.º/1 CP a exclusão do
dolo. No art. 15.º/3 CP ressalva-se a punibilidade por negligência nos termos gerais.

95
I. Erro sobre elementos (de facto) do tipo.
Erro sobre o objecto.
a) Erro sobre a existência.
Pode tratar-se de uma daquelas situações descritas de erro ignorância porque,
o erro é um total desconhecimento ou um imperfeito desconhecimento da realidade e
do seu significado. Neste sentido, nas situações de erro ignorância o agente
desconhece totalmente a realidade. Nestas situações de erro sobre o objecto,
nomeadamente erro sobre a existência do objecto, também é possível configurar
situações de erro suposição, ou seja, aquela modalidade de erro intelectual em que o
agente conhece mal, ou imperfeitamente, a realidade.
Nas situações de erro sobre o objecto, nomeadamente erro sobre a existência
do objecto, também é possível configurar situações de erro suposição, ou seja, aquela
modalidade de erro intelectual em que o agente conhece mal, ou imperfeitamente, a
realidade. Para averiguar a relevância deste erro, tem-se de verificar se entre o objecto
representado pelo agente e o objecto efectivamente atingido ou agredido com a
conduta do agente, existe ou não uma distonía típica. Tem-se de verificar se entre o
objecto representado pelo agente e que ele quis atingir, e o objecto efectivamente
atingindo, se a lei valora da mesma forma, em termos de tipo, aquele comportamento.
Havendo distonía típica, o erro é relevante; se não existe distonía típica, o erro não é
relevante, se não é relevante, então não se afasta o dolo do tipo e não se aplica a
consequência do art. 15.º/1 CP.

b) Erro sobre as características.


Estas características do objecto típico podem ser fácticas ou normativas.
Exemplo:
A, conhece e quer destruir um livro, mas desconhece que aquele livro que ele
quer possui um valor histórico grande. Desconhece pois aquela característica fáctica
do objecto. Então, o agente conhece e quer danificar o livro. Portanto, ele conhece e
quer incorrer no crime de dano. Mas na realidade, aquilo que acontece é que o agente,
devido ao valor histórico do objecto do tipo, está a incorrer no crime de dano
agravado. Qual é a consequência deste erro?
Desconhecendo, o agente, o carácter ou o valor histórico do livro, desconhece
efectivamente esta característica fáctica do objecto do tipo e isso leva a que o agente

96
seja responsabilizado pelo crime de dano (simples) e não pelo crime de dano
qualificado. Quanto ao erro sobre as características normativas, exemplo:
Suponha-se que A, conhece e quer destruir um pinheiro, desconhecendo
porém que aquele pinheiro se encontra numa zona florestal protegida por lei, pelo que
a sua destruição implica uma agravação: constitui um crime de dano substancialmente
mais agravado.
Em bom rigor, isto é um erro já da segunda parte do art. 16º CP sobre
elementos normativos, mais concretamente um erro sobre qualidades normativas do
objecto. Neste caso, a consequência será também a de punir o agente pelo crime de
dano simples, na medida em que o agente ignorava aquele elemento normativo que
qualificava o crime.

Erro sobre as qualidades do autor.


Os tipos legais de crime, quanto ao autor, numa das modalidades mas
conhecidas, se podem distinguir entre crimes gerais ou comuns e crimes específicos,
podendo estes ser crimes específicos em sentido próprio ou crimes específicos em
sentido impróprio.
Chama-se agora à colação a noção dos crimes específicos ou próprios que
são aqueles que exigem determinadas qualidades, naturalísticas ou outras, da pessoa
do autor. Ou seja, nem todas as pessoas podem ser autoras daqueles tipos legais de
crime, mas apenas as pessoas que tenham a qualidade típica descrita na lei. É um erro
que se insere também no art. 15º/1 CP e que leva à exclusão do dolo[35].

Erro sobre o processo causal.


Pode apresentar duas modalidades fundamentais:
- Pode tratar-se de um desvio no processo causal, que pode por seu turno ser
um desvio essencial ou um desvio não essencial;
- Ou pode tratar-se de um erro sobre a eficácia do processo causal. Há quem
não considere o erro sobre o processo causal como um erro de tipo. E isto desde logo
devido às consequências que a relevância deste tipo de erro tem.
A relevância do erro sobre o processo causal não é a mesma, em termos de
consequências, do que está preceituado no art. 15º/1 CP – não leva nunca à exclusão
do dolo, mas tem antes relevância ao nível da imputação objectiva. Porquê então
tratar aqui o erro sobre o processo causal, ao lado das situações de erro do tipo?

97
Isto é assim porque o nexo causal o nexo de causalidade ou nexo de imputação
é um elemento objectivo do tipo, normalmente um elemento não escrito do tipo.
Portanto, como elemento do tipo que é, faz sentido tratar este erro ao lado das
verdadeiras situações de erro de tipo, como se de um verdadeiro erro de tipo se
tratasse.
Mas note-se, que a relevância do erro sobre o processo causal, quer o desvio
seja essencial ou não essencial, quer do erro sobre a eficácia do processo causal, não é
a mesma em termos consequências do processo no art. 15º/1 CP não havendo
exclusão do dolo.
a) Desvio no processo causal.
Tem-se um desvio no processo causal quando o resultado típico efectivamente
pretendido pelo agente se verifica por um processo causal diferente daquele que foi
perspectivado pelo próprio agente.
Tem-se que se ver quando é que se está perante um desvio no processo causal
que seja essencial, ou quando é que esse desvio no processo causal é não essencial,
porque de acordo com uma ou outra conclusão assim a consequência em termos de
tratamento jurídico-penal é diferenciada; assim:
- Se estiver perante um desvio no processo causal essencial, o agente só pode
ser punido por tentativa;
- Se pelo contrário, se estiver perante um desvio no processo causal não
essencial, o desvio não assume qualquer relevância e o agente é punido por facto
doloso consumado. Então, o cerne da questão está em saber quando é que um desvio
no processo causal é essencial e quando é que não é.
Para se determinar esta situação da essencialidade ou não essencialidade do
desvio, vai-se utilizar precisamente os critérios que se utilizou para firmar a
imputação objectiva.
Nomeadamente partindo desde logo duma ideia de previsibilidade, isto é,
perguntando se da conduta adoptada pelo agente era previsível que, em termos de
criação de um perigo ou de um risco juridicamente desaprovado pela ordem jurídica,
o resultado típico viesse de facto a correr mercê do processo causal realmente
verificado na prática. Ou seja, vai-se verificar se era previsível para um homem
médio, colocado nas mesmas circunstâncias que o agente tendo os mesmos
conhecimentos que ele tinha, etc.[36] Que daquela conduta que visava um

98
determinado processo causal tivesse ocorrido o processo causal que não realidade
ocorreu.

b) Erro sobre a eficácia do processo causal.


São situações em que o agente se engana quanto à eficácia do processo, por si
perspectivado para levar a cabo o resultado típico por ele pretendido. Quanto ao
tratamento a dar a esta situação de erro a eficácia do processo causal, existe uma
divergência doutrinal.
Há quem veja nestas situações de erro sobre a eficácia do processo causal,
uma situação a que se pode chamar dolo geral, em que há um processo unitário levado
a cabo pelo agente com dolo geral: o agente conhece e quer matar uma pessoa e acaba
por conseguir naquilo que efectivamente quis. A conclusão será responsabilizar o
agente por crime doloso consumado. Há quem pense de maneira diferente,
distinguindo consoante a segunda acção levada a cabo pelo agente e que acaba por ser
o processo causal real que determina o resultado lesivo típico já tivesse ou não sido
planeada pelo agente. E então dizem:
- Se a segunda acção, que deu origem ao resultado pretendido pelo agente, já
tivesse sido por este planeada quando ele empreendeu a primeira acção; e se esta
segunda acção for o desenvolvimento lógico do plano do agente, então nesse caso o
agente deve ser responsabilizado por crime doloso consumado.
- Se pelo contrário esta segunda acção, que determina o resultado lesivo
pretendido pelo agente numa primeira acção, não tiver sido planeada pelo agente e
ocorrer momentaneamente, não se tratando cuja do desenvolvimento dum plano
inicialmente concebido pelo agente, então o agente deve ser punido em concurso
efectivo com uma tentativa de homicídio e um homicídio negligente.
Mas nestas situações de erro sobre a eficácia do processo causal seja mais
aceitável a figura do dolo geral, vendo nestas acções um processo unitário levado a
cabo pelo agente com dolo geral e punido pois o agente por facto doloso consumado.

A “aberratio ictus.”
Também designada erro sobre a execução ou execução defeituosa não é em
rigor uma situação de erro intelectual. Nas situações de aberratio ictus” não existe
uma representação errada da realidade, o que se verifica, sim, é um insucesso do
facto, ou um fracasso do facto.

99
Nas situações de “aberratio ictus” o agente representa bem o objecto e a
vítima; a realidade é integralmente representada em termos concretos pelo agente.
Portanto, erro intelectual não há. Também aqui, existem várias posições doutrinais:
Uma delas, é a da Prof. Teresa Beleza, que dá a estas situações de “aberratio
ictus” exactamente o mesmo tratamento que dá às situações de erro sobre a identidade
do objecto, ou seja, entende que se deve averiguar se existe distonía típica entre o
objecto representado pelo agente e o objecto efectivamente atingido e tratar a situação
como se de um erro sobre o objecto se tratasse.
De acordo com outra posição perfilhada entre outros autores pelo Prof.
Castilho Pimentel, Dra. Conceição Valdágua e também pelos Profs. Cristina Borges
Pinho e Costa Pimenta será de entender que nestas situações de “aberratio ictus” se
deve dar um tratamento diferente, em termos de punir o agente em concurso efectivo
com uma tentativa (de homicídio ou outra) em relação ao objecto visado ou
representado pelo agente e um homicídio negligente (ou facto negligente) em relação
ao objecto efectivamente atingido.
Admite-se em determinadas situações concretas de “aberratio ictus” que a
solução matriz agora referida possa não ser esta, mas possa ser antes uma tentativa em
relação ao objecto representado mas não atingido pelo agente, em concurso efectivo
com um crime consumado com dolo eventual. São aquelas circunstâncias em que há
um insucesso ou um fracasso de facto, nas situações de “aberratio ictus” em que o
agente, representando um determinado objecto mas que o resultado se irá verificar
num objecto diferente e mesmo assim actua, conformando-se com essa situação.

Erro sobre elementos acessórios.


Estes elementos acessórios de um tipo legal de crime podem constituir
agravantes ou atenuantes, quer genéricas, quer fundamentando um tipo autónomo de
crime ou um tipo diferenciado de crime. Nestas circunstâncias, há que entender que se
deve responsabilizar o agente pelo crime que ele julga estar a cometer.

II. Erro sobre elementos normativos.


Erro sobre as qualidades normativas do autor.
Erro sobre elementos normativos, é a segunda proposição do art. 15º/1 CP:
erro sobre elementos de direito de um tipo legal de crime. Exemplo:

100
O agente é um funcionário público, mas desconhece que tem aquela categoria:
desconhece que é funcionário público porque se convence que funcionários públicos
só são os funcionários que têm uma determinada graduação hierárquica, isto é, os
funcionários superiores da administração. Desconhecendo o agente essa qualidade
que na realidade tem, é um erro da 2ª parte do art. 15º/1 CP relevante em termos de
exclusão do dolo.

94. Erro sobre as qualidades normativas do objecto.


É necessário para o erro sobre o objecto. Exemplo:
Um pinhal situado numa região florestal protegida por lei: o agente
desconhece a existência dessa lei que enquadra aquela região numa zona protegida e
que, em consequência, pune criminalmente de uma forma mais severa o crime de
dano (arrancar, serrar ou por qualquer forma danificar as árvores).
A relevância do erro é a mesma, no sentido de excluir o dolo do crime de dano
qualificado, devendo o agente ser responsabilizado pelo crime de dano simples. Ainda
quanto ao erro sobre elementos normativos, há que referir a extensão do conceito
normativo.
Muitas vezes o agente ao actuar tem consciência, sabe, que determinado
elemento fáctico, que o objecto por ele visado, tem uma componente normativa, só
que erra quanto à extensão do conceito normativo.
Este erro sobre a extensão do carácter normativo é já um erro moral ou de valoração
que se há-de aferir em termos de relevância e consequência, em sede do art. 16º
CP.[37]
Este erro sobre a extensão do carácter normativo há-de ser ponderado segundo
um critério de censurabilidade ou não censurabilidade, porque no fim de contas é um
erro moral ou de valoração.

III. Erro sobre proibições.


Erro sobre a existência de proibições.
Em primeiro lugar importa referir quais são estas proibições que se filiam em
sede do art. 15º/1 CP e não saltam já para o campo do art. 16.º CP como erro moral ou
de valoração. Das proibições legais são só e tão só aquelas ditas proibições artificiais
ou proibições que não têm um carácter ético ou social enraizado em termos de serem

101
valorativamente neutras no sentido de que os cidadãos não têm delas consciência
ético-jurídica ainda formulada; ou então as proibições novas.
No fim de contas, proibições que em termos de axiologia não representem uma
interiorização de comando em termos de lesão ético-jurídica de bens jurídicos
reputados como verdadeiramente fundamentais ou essenciais.

Erro sobre a extensão das proibições.


Não se trata já de um erro ignorância, mas é um erro suposição. Nestas
situações em que se está perante um erro sobre a extensão de proibições, em que o
agente conhece a proibição mas engana-se tão só quanto à sua extensão, já não se está
perante um erro a ser valorado em termos do art. 16º/1 CP mas sim, está-se perante
uma situação de erro moral ou de valoração, a ser valorado à luz dos critérios do art.
17º CP. Ter-se-á depois de fazer filtrar este erro, pelos critérios da censurabilidade ou
não censurabilidade para, em conformidade com o que dispõe o art. 17º/1 CP exclui a
culpa, ou, nos termos do art. 17º/2 CP punir o agente pelo crime doloso consumado
respectivo cumpra especialmente atenuada.

[33] E o perigo é sempre uma possibilidade ou uma probabilidade de lesão.


[34] Está-se a falar obviamente do dolo de lesão, porque o dolo de perigo só se verifica e só é exigível nos
chamados crimes de perigo concreto.
[35] Exclusão da imputação dolosa.
[36] Cá está o critério da adequação a funcionar em termos de previsibilidade.
[37] Não entronca já nas situações de erro intelectual previstas no art. 16º CP.

ILICITUDE.
A. REGIME DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE.
a) Legítima defesa
b) Direito de necessidade
c) Outras causas de exclusão da ilicitude

Introdução
O conceito de ilicitude material foi uma conquista dos neoclássicos que
também analisaram quais eram as consequências relevantes da distinção entre
ilicitude material e ilicitude formal. Nomeadamente a partir dum conceito de ilicitude
material permita-se uma graduação do conceito de ilicitude, ao mesmo tempo que

102
permitia descobrir novas causas de justificação e aderir à chamada justificação supra
legal.
Quanto ao conceito de ilicitude pessoal e o contributo dado para esta categoria
pelos finalistas. Uma acção é penalmente relevante, essa acção pode ser subsumível
aos termos gerais e abstractos dum tipo legal de crime. Se a tipicidade objectiva e
subjectiva estiver preenchida, tem-se que o tipo indicia a ilicitude.
A um facto típico está indiciado um juízo de ilicitude, ilicitude formal, no
sentido de que aquilo que se fez é algo que contraria a ordem jurídica na sua
globalidade, é algo que é contrário à lei.
Mas este juízo de ilicitude indiciado pela tipicidade pode ser excluído, e é
excluído pela intervenção relevante das chamadas causas de exclusão da ilicitude ou
causas de justificação. Estas são causas, que visam excluir a ilicitude do facto típico;
visam dizer que aquele facto, que é típico, é aprovado pela ordem jurídica porque é
um facto que está justificado.
Mas um facto justificado[38], não deixa por esse facto de ser um facto típico.
Portanto um facto justificado permanece típico – tão só se exclui a ilicitude.
Um facto, ainda que justificado, não deixa de ser típico, porque os factos,
ainda que aprovados pela ordem jurídica (factos cuja ilicitude esteja excluída) não são
valorativamente neutros.
A própria função que o tipo deve desempenhar inculca a que se faça uma
análise tripartida do facto punível, com as categorias da tipicidade, de ilicitude e da
culpa. E isto porque o juízo que é dado sobre a tipicidade de um facto que acaba por
ser justificado é um juízo que não volta atrás: o tipo tem uma função de apelo, desde
logo pelos fins das penas, visível em cada tipo legal de crime, quer-se dizer com isto
que o legislador quando tipifica comportamentos o faz com uma determinada
intenção.
Portanto, o tipo tem uma certa função de apelo:
- No sentido de que as pessoas não devem empreender essas condutas que a lei
considera proibidas;
- Ou no sentido de fazer com que as pessoas adoptem determinadas condutas
que a lei exige. Esta função de apelo inerente aos tipos só se satisfaz se ainda que o
facto esteja justificado, o tipo permanecer intacto: em princípio não se deve matar, no
entanto aprova-se que alguém mate outrem em legítima defesa.

103
Juízo de ilicitude
É um juízo que é feito pela ordem jurídica, um juízo generalizado, um juízo de
desvalor que incide sobre o facto praticado, ou seja:
- A ordem jurídica fórmula um juízo negativo sobre quem adopta um
determinado facto que a ordem jurídica considera um facto proibido;
- Ou faz incidir um juízo de desvalor, porque efectivamente a pessoa não
adoptou o comportamento que devia ter adoptado quando a lei o exigia. Neste sentido
tem-se que o juízo de ilicitude é um juízo de desvalor generalizado que incide sobre o
próprio facto.
Este juízo de ilicitude diverge de um juízo de culpa, ou de um juízo de censura
de culpa. No juízo de censura de culpa há também um juízo de desvalor, mas que é já
um juízo individual, é um juízo feito pela ordem jurídica mas que incide já não sobre
o facto praticado, mas recai sobre o agente, precisamente porque o agente actuou
tendo praticado um facto ilícito, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente,
quando podia e devia ter actuado de harmonia com o direito. Portanto, no juízo de
censura de culpa, o que se reprova é o agente (por isso é um juízo individualizado)
por ele, naquele caso concreto, ter actuado ilicitamente, quando podia e devia ter
actuado de forma diferente, ou seja, licitamente. Donde, o juízo de ilicitude é um
juízo que procede necessariamente o juízo de censura de culpa: se em sede de culpa a
ordem jurídica dirige ao agente um juízo de desvalor porque ele praticou um facto
ilícito, então o juízo de ilicitude tem de ser anterior; tem se der firmado anteriormente
que o facto praticado pelo agente é um facto ilícito.

Regras gerais e princípios que enformam as causas de exclusão da ilicitude.


As causas de exclusão da ilicitude são determinada circunstâncias que, a
estarem presentes excluem a ilicitude do facto praticado, ou justificam o facto típico
praticado pelo agente. Vigora um princípio, que é o princípio da unidade da ordem
jurídica, ou o concerto unitário de ilicitude, princípio esse que está expresso no art.
30º CP. Portanto, o facto, não é ilícito quando a ilicitude for excluída pela ordem
jurídica na sua globalidade.
Quando a ilicitude de um facto for excluída por qualquer elemento do
ordenamento jurídico, então esse facto não deve ser visto, para o direito penal, como
um facto ilícito, como um facto não justificado. Como explicar este conceito unitário
e esta exclusão da ilicitude, em sede de exclusão da ilicitude?

104
Desde logo por força do princípio da subsidiariedade do direito penal.
Se o direito penal, de harmonia com este princípio, só deve intervir e
emprestar a sua tutela robusta quando a tutela fornecida por outros ramos do direito
não for suficientemente eficaz para tutelar cabalmente bens jurídicos reputados como
fundamentais e essenciais à sociedade; então se os outros ordenamentos jurídicos para
determinados factos consideram que o comportamento é lícito, não deve vir o direito
penal incriminar e emprestar a sua tutela àquele facto, que não merece tutela jurídico-
penal, precisamente porque outros ordenamentos jurídicos prescindiram da sua
consideração como facto ilícito, mas consideram-no um facto aprovado.
As causas de justificação, como visam excluir a ilicitude e irresponsabilizar o
agente, são normas penais favoráveis. Assim sendo, a elas não estão ínsitos os
princípios de garantia e as limitações impostas, enquanto garante do princípio da
legalidade, como acontece com as normas positivas ou normas que fundam
positivamente a responsabilidade jurídico-penal do agente.
As causas de exclusão da ilicitude em direito penal não são apenas as que estão
enumeradas no art. 30º CP mas todas aquelas que o ordenamento jurídico na sua
globalidade considera como relevantes para afastar a ilicitude de um determinado
facto.
Inerente a toda a justificação existe uma ideia comum: não há participação em
facto justificados, ou seja, a participação num facto justificado não é punida. Quando
existe comparticipação criminosa, quando existe um envolvimento plural de vários
agentes no mesmo crime, uns desses agentes podem ser qualificados como autores e
outros como participantes. A participação está prevista no art. 25º CP e participantes
são os cúmplices e também, para alguma doutrina, os instigadores.
Quando se diz que não existe participação penalmente relevante, em termos de
punição, dum facto justificado, significa que não existe punibilidade da participação
num facto típico justificado.
Outra ideia comum às diferentes causas de justificação é a seguinte: inerentes
a todas as causas de justificação existem elementos subjectivos. O elemento
subjectivo da causa de justificação é, um elemento comum a todas as causas de
justificação.
Toda a doutrina concorda num ponto: havendo elemento subjectivo da
justificação só está aprovado, só está justificado, se se verificarem simultaneamente

105
os elementos objectivos e subjectivos das causas de justificação. Porém, verificando-
se tão só a situação objectiva de justificação mas faltando o elemento subjectivo:
b) Para determinada doutrina o facto é ilícito, mas o agente é punido por
tentativa;
c) Para outro sector da doutrina o facto é também ilícito, mas o agente é
punido por facto consumado;
d) Outros autores distinguem consoante a causa de justificação tenha, quanto
ao elemento subjectivo um elemento intelectual e um elemento volitivo:
· Nas causas de justificação cujo elemento subjectivo tenha esta dupla
estrutura, se o elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura, se o elemento
subjectivo não estiver preenchido o agente é punido por facto consumado;
· Se o elemento subjectivo da justificação prescindir do elemento volitivo e se
contentar só com o elemento intelectual do conhecimento, ou seja, se o elemento
subjectivo não tiver uma estrutura dupla, estão faltando o elemento subjectivo o
agente é punido por facto tentado.

A. REGIME DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE.


a) Legítima defesa.
Introdução.
A legítima defesa assenta precisamente numa reacção a uma agressão actual e
ilícita que ameaça interesses juridicamente protegidos do defendente ou terceiro. Essa
reacção trem de ser uma reacção adequada, necessária a afastar ou repelir a agressão
actual e ilícita.
Existe doutrinas que fundamentam a existência da legítima defesa, como causa de
justificação: a doutrina monista e a pluralista.
a) Doutrina monista.
Para esta doutrina todas as causas de justificação se filiam numa ideia comum;
a noção de ideia comum é que varia de autor para autor. Poder-se-á dizer que inerente
a todas as causas de justificação existe uma ideia de ponderação de interesses: do
interesse a salvaguardar do interesse ameaçado. Portanto, uma ideia de ponderação de
interesses.
b) Doutrina pluralista.
Há quem considere diferenciadamente, para cada uma das diferentes causas de
justificação, diferentes fundamentos.

106
Fundamentação da legítima defesa.
Não é tanto uma ideia de ponderação de interesses, uma ideia de proporção
entre o interesse ofendido e o interesse lesado com a defesa, mas a ideia de que o
direito não deve ceder ao não direito. Esta ideia é de alguma forma visível se
distinguir na legítima defesa duas vertentes:
- Uma vertente ao lado individual;
- Uma vertente ao lado colectivo-social.
E isto porque, inerente à legítima defesa, dum ponto de vista (ou dum prisma)
meramente individual, está uma ideia de auto-protecção. Mas, quando se olha a
legítima defesa já por um prisma social ou colectivo, vê-se que o seu fundamento é a
reafirmação do direito negado. Se há uma reacção contra uma acção ilícita, de alguma
forma está-se a repor um direito negado com a agressão, precisamente porque a
agressão é ilícita.
Partindo desta ideia do lado individual e do lado social da legítima defesa,
pode-se assentar no seguinte. Em primeiro lugar, com base nesta ideia de auto-
protecção (lado individual da legitima defesa) não há legítima defesa de interesses
públicos. Quer-se dizer com isto que a defesa de interesses públicos é feita pelos
meios coercivos normais, pelas forças públicas de defesa. No entanto, existem
determinados interesses públicos que, ao serem ofendidos, podem ter uma certa
repercussão pessoal na esfera jurídica dum titular. E se assim for podem defender-se
interesses ou bens de natureza pública.
Por outro lado, à ainda atendendo a esta ideia de auto-protecção, não há
legítima defesa de terceiros contra a vontade do agredido ou do ofendido, isto é, não
há legítima defesa de terceiros se esse terceiro não se quiser defender ou não quiser
ser defendido por uma determinada pessoa em concreto. Como princípio, e ainda
dentro da ideia de auto-protecção, diz-se que não há legítima defesa contra tentativa
impossível.
Na ideia de reafirmação do direito negado e já numa perspectiva social da
legítima defesa, pode-se assentar a seguinte ideia: a legítima defesa justifica-se e
funda-se numa ideia de prevenção geral, numa óptica de prevenção geral inerente aos
fins das penas visa-se evitar que as pessoas voltem a cometer crimes.

107
Distinção entre legítima defesa e direito de necessidade.
Na legítima defesa, ao contrário com o que sucede com o direito de
necessidade, não se exige que haja uma sensível superioridade entre o bem que se
pretenda salvaguardar e o bem que é lesado com a defesa.
Já no âmbito do direito de necessidade, nos termos do art. 32º CP uma pessoa
só actua em direito de necessidade quando, para afastar um perigo que ameaça de
lesão um determinado bem jurídico, lesar outro bem jurídico que não seja superior ao
bem que se pretende salvaguardar. Portanto, tem de haver uma ideia de ponderação
entre os interesses a salvaguardar e os interesses lesados com o exercício do direito de
necessidade.

Elementos da legítima defesa.


O defendente, defende-se duma agressão actual e ilícita. Uma agressão, para
efeitos de legítima defesa, é todo o comportamento humano que lese ou ameace de
lesão um interesse digno de tutela jurídica. Tem de ser uma agressão humana. Dentro
deste conceito de agressão também se entende que todos aqueles movimentos
corpóreos que não constituem acções penalmente relevantes, não são considerados
agressões para efeitos de legítima defesa, porque são movimentos que não são
dominados pela vontade humana.
A agressão pode consistir ou num comportamento positivo ou numa omissão.
A agressão pode ser dirigida quer a bens ou interesses de natureza pessoal, quer a
bens de natureza patrimonial do defendente ou de terceiro, consoante se esteja no
âmbito de uma legítima defesa própria ou alheia. E é uma agressão qualificada: para
além de haver uma agressão, ela tem de ser: actual e ilícita.
a) Agressão ilícita:
É toda a agressão contrária à lei, não necessitando contudo de consistir numa
actuação criminosa. Para ser uma agressão ilícita, tem de se tratar de uma agressão
não justificada, contra legítima defesa não existe legítima defesa.
b) Agressão actual:
É actual, a agressão que está iminente, isto é, prestes a ocorrer, a agressão que
está em curso ou em execução, ou simplesmente a agressão que ainda dura. Nos
crimes duradouros há actualidade enquanto durar a consumação, isto é, há actualidade
para efeitos de legítima defesa enquanto não cessar a consumação.

108
As situações em que falta o requisito da actualidade da agressão podem ser
reconduzidas a situações de acção directa (art. 336º CC). Existem também
determinadas causas de justificação supra-legais, nomeadamente a legítima defesa
preventiva.
São situações em que não existe uma agressão iminente, mas essa agressão é
tido como certa, e portanto o defendente tem de antecipar a defesa para um estádio
anterior ao da própria agressão. Por isso é que ela se designa legítima defesa
preventiva. Ainda em sede de legítima defesa e para caracterizar esta agressão actual
e ilícita, tem-se que distinguir os casos de mera provocação de pré-ordenação (ou
provocação pré-ordenada).
c) Mera provocação:
A agressão que o defendente repele com a defesa há-de ser uma agressão que
até pode ter sido provocada pelo próprio defendente e aí, ainda existe legítima defesa.
O que não pode é a agressão que o defendente repele ter sido pré-ordenada pelo
defendente com o intuito de agredir simulando uma defesa.
Um outro elemento da legítima defesa, também de natureza objectiva, no
entendimento da Profa. Teresa Beleza, a impossibilidade de recurso à força pública,
ou a impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios coercivos normais. A Profa.
Cristina Borges Pinho, na esteira de pensamento do Prof. Cavaleiro de Ferreira
considera que esta ideia de impossibilidade de recuso em tempo útil aos meios
coercivos normais não é tanto um pressuposto da legítima defesa, mas é um problema
que se reconduz à racionalidade do meio empregue, a adequação da defesa.
Vale mais não exigir como pressuposto da legítima defesa a impossibilidade
de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais; é depois, na análise do meio
que o defendente utiliza para repelir a agressão actual e ilícita é que se vai ver se há
ou não uma defesa necessária.
Se o defendente puder recorrer, em tempo útil aos meios coercivos e não o fizer,
defendendo-se por suas próprias mãos, então pode-se dizer que o meio já não é
adequado, mas é antes um meio excessivo.
Um outro elemento objectivo da legítima defesa é a racionalidade do meio
empregue, ou defesa necessária: meio necessário para repelir a agressão actual e
ilícita que ameaça interesses juridicamente protegidos do defendente ou de terceiro.
Para que se actue ainda legitimamente, para que se actue ao abrigo desta causa
de exclusão da ilicitude é preciso verificar se o meio utilizado para repelir uma

109
agressão iminente e ilícita de que esta a ser vítima, ou de que está a ser vítima um
terceiro, é um meio racional, adequado para afastar essa agressão. Se o meio utilizado
pelo defendente para afastar a agressão for um meio desajustado, um meio que
ultrapassa os limites da racional, então já não se está perante a situação de legítima
defesa, estar-se-á no âmbito de um excesso de legítima defesa (art. 36º CP).
O que seja efectivamente o meio necessário para repelir a agressão deve aferir-
se sempre no caso concreto. Em teoria, pode-se dizer que o meio necessário é aquele
dos vários meios que o agente tem à sua disposição, de eficácia mais suave, ou seja,
aquele que importa consequências menos gravosas para o agressor. Mas, meio de
eficácia suave, mas simplesmente meio eficaz, ou de eficácia certa.
Quer-se dizer com isto que, em última análise, a necessidade do meio
empregue para repelir a agressão é aferida em concreto atendendo a múltiplos
factores. Desde logo, atendendo:
- Às características da vítima (do defendente) e do agressor;
- Aos meios que o ofendente tenha à sua disposição;
- Ao meio com que o agressor ameaça de lesão o interesse jurídico protegido
do defendente ou de terceiro;

Excesso de legítima defesa.


As situações de excesso de legítima defesa, pela não verificação da
racionalidade do meio empregue na defesa, porque é um meio que ultrapassa o
necessário, faz com que já não esteja perante uma causa de exclusão da ilicitude. O
facto é pois ilícito. E sendo facto ilícito, contra um excesso de legítima defesa é
admitida a legítima defesa.
Perante uma situação de excesso de legítima defesa, como o facto não está
justificado, como o facto é ilícito, pode-se efectivamente actuar em legítima defesa.
Se o defendente, podendo recorrer à força pública para evitar a agressão não o faz e
resolve actuar, mas usando um meio racional, tão só omitindo esta obrigação que é a
de recorrer aos meios coercivo normais, então entende-se que há aqui uma situação de
excesso de legítima defesa.
As situações de excesso de legítima defesa não justificam o facto praticado,
este continua a ser um facto ilícito. Nestas situações de excesso de legítima
defesa[39], o facto praticado pelo defendente é um facto ilícito; pode ser objecto de
uma atenuação especial facultativa da pena.

110
A defesa excessiva pode resultar também do art. 36º CP onde se fala em não
censuráveis, esta não censurabilidade é uma causa de desculpa. O facto é ilícito, mas
o agente não é punido: ainda que o agente, para se defender, tenha actuado ou
respondido em excesso, ele não vai ser punido. O facto praticado pelo agente é ilícito,
sendo ilícito constitui uma agressão ilícita em termos de poder ser defendida
legitimamente.
Pode-se então dizer que o meio necessário para repelir a sua agressão é, dos
vários meios que o agente tem à sua disposição, o mais suave[40], mas um meio de
eficácia certa.

Restrições ético-sociais à legítima defesa.


São aqueles casos em que as agressões provêm de crianças, de pessoas com a
sua capacidade de avaliação sensivelmente diminuída, pessoas embriagada, etc. De
um modo geral, de pessoas inculpadas, de inimputáveis, ou também daquelas pessoas
que têm quanto à vítima uma relação de parentesco.
Nestes casos entende-se que o lado social da legítima defesa desaparece,
ficando tão-só, dentro da sua fundamentação, o lado individual, a necessidade de
auto-tutela ou auto-protecção de interesses. Estas restrições traduzem-se precisamente
em considerar mais exigente o meio necessário para repelir essas agressões que
partem das pessoas referidas.

Elemento subjectivo: “animus defendendi.”


Há autores que entendem que as causas de justificação não têm elementos
subjectivos e referem inclusivamente que não existe nenhuma expressão literal, em
sede por hipótese de legítima defesa, que inculque a ideia ou a necessidade de ter
presente este elemento subjectivo que é o “animus defendendi”, ou seja, a consciência
que uma pessoa tem de que está na iminência de ser agredida é a vontade que tem de
se defender.
A maior parte da doutrina considera que isso não é verdade. O elemento
subjectivo do consentimento é precisamente o conhecimento do consentimento. Se
existe consentimento na realidade, mas o agente desconhece esse consentimento, o
agente actua com falta do elemento subjectivo, porque não tem conhecimento do
consentimento. E a lei diz: se assim for, se houver consentimento mas o agente actuar

111
desconhecendo esse consentimento, ou seja, faltando o elemento subjectivo desta
causa de justificação, o agente é punido por facto tentado.
O “animus defendendi” é a consciência que uma pessoa tem de que está
perante uma agressão e a vontade que a tem de repelir, ou a vontade que tem de se
defender dessa mesma agressão. Existe divergência doutrinária quanto à falta do
elemento subjectivo, quando estão preenchidos os elementos objectivos da legítima
defesa.
Em primeiro lugar, existe unanimidade doutrinária (para aqueles que os
elementos subjectivos integram as causas de justificação) no sentido de que se faltar o
elemento subjectivo da legítima defesa ou de qualquer outra causa de justificação,
concretamente se faltar o “animus defendendi”, o facto não está justificado – o facto é
um facto ilícito.
A doutrina não está de acordo quanto à forma de punir o agente, nestes casos
em que objectivamente está preenchida a causa de justificação, mas tão só falta o
elemento subjectivo. É possível a analogia em direito penal?
Dentro deste entendimento, a analogia em direito penal só está proibida, nos
termos do art. 1º/3 CP quanto a normas penais desfavoráveis, normas penais positivas
que fundamentam ou agravam a responsabilidade jurídico-penal do agente. Pelo
agravamento ou criação de pressupostos de punibilidade e de punição.
Tratando-se de uma analogia favorável ao agente, as razões que vedam o
recurso à analogia ínsitas no princípio da legalidade perdem razão de ser. Ora, esta
analogia do art. 34º/4 CP é favorável, porque é mais favorável ao agente ser punido
por facto tentado do que por facto consumado:
- Em primeiro lugar, porque nem sempre a tentativa é punível: a tentativa só é
punível quanto ao crime, a ser consumado corresponda pena superior a três anos de
prisão (art. 21º/1 CP), a não ser que a lei expressamente diga o contrário;
- Por outro lado, na tentativa a pena é especialmente atenuada (art. 21º CP).
Portanto, é melhor ser-se punido por facto tentado do que por facto consumado.

Limite à legítima defesa resultado do art. 337º CC.


Enquanto no Código Civil a legítima defesa exige que o prejuízo causado pela
acção de defesa não seja manifestamente superior àquele que se pretende evitar,
portanto joga-se aqui com uma ideia de ponderação de prejuízos entre os bens

112
danificados com a defesa e os bens que se pretendem defender. O art. 31º CP não joga
com essa ideia.
Por outro lado e ainda em confronto com o art. 337º CC vê-se, que a legítima
defesa na lei civil apresenta um carácter subsidiário, ou seja, só é possível recorrer aos
próprios meios quando não seja possível fazê-lo através dos meios coercivos normais.
Essa situação não é um pressuposto da legítima defesa do art. 31º CP:
- Esta matéria em sede de direito penal é regulada não pelo Código Civil mas
pelo Código Penal;
- Depois, porque o Código Penal é em relação ao Código Civil lei posterior;
- Finalmente, porque esta interpretação que se propõe, confere uma maior
cumplicidade ao funcionamento da legítima defesa e, consequentemente, um
alargamento da não responsabilização criminal do agente; de outra forma seria alargar
o campo de punibilidade.
b) Direito de necessidade

Fundamentos.
Esta causa de justificação, vem prevista no art. 32º CP funcionando
relevantemente, afastar a ilicitude do facto punível.
Quanto ao seu fundamento, assenta já numa ideia de ponderação de interesses
entre o bem jurídico ou interesse ameaçado por um perigo e o bem jurídico ou
interesse que se sacrifica para afastar esse perigo.
Note-se que o interesse ou bem jurídico cujo perigo se afasta tem de ser superior ao
interesse sacrificado.
O estado de necessidade ora reveste a natureza de um verdadeiro direito de
necessidade, e então é uma causa de exclusão da ilicitude, ora tem a natureza de causa
de exclusão de culpa.
O Código Civil clarificou de algum modo a questão, admitindo no seu art.
339º CC um verdadeiro direito de necessidade, por consagrar ser lícita a acção
daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual
de um dano manifestamente superior, quer do agente quer de terceiro.
Mas por esta via continuaram sem solução os casos de identidade de valoração de
bens jurídicos e aqueles em o sacrificado tem maior valoração que não cabiam nem
cabem manifestamente no direito de necessidade.

113
Por isso, a partir da vigência do Código Civil cimentou-se a teoria diferenciada
do estado de necessidade, segundo a qual esse estado abrange casos de exclusão da
ilicitude (havendo então um verdadeiro direito de necessidade) e de exclusão de
culpa.
Nessa linha de orientação se integrou também o Código Penal ao estabelecer
no art. 32º casos de direito de necessidade e no art. 37º de estado de necessidade
desculpante.
O direito de necessidade torna a conduta lícita, dai a imposição feita no art.
32º, al.b) CP quanto à superioridade do bem ou interesse jurídico a salvaguardar. Daí
também que o art. 32º CP tenha que se conjugado com o art. 37º CP, particularmente
com o seu n.º 1, e que uma vida nunca possa ser sacrificado no exercício de um
direito de necessidade, já que, sendo o bem jurídico de maior valoração, nunca
qualquer outro lhe pode ser superior. Segundo a jurisprudência:
- O estado de necessidade surge quando o agente é colocado perante a
alternativa de ter de escolher entre cometer o crime ou deixar que, como consequência
necessária de o não cometer, ocorra outro mal maior ou pelo menos igual ao do crime.
Depende ainda da verificação de outros requisitos, como a falta de outro meio menos
prejudicial do que o facto praticado e probabilidade de eficácia do meio empregado.

Direito de necessidade.
Esta causa de justificação vem prevista no art. 32º CP funcionando
relevantemente afasta a ilicitude do facto punível. Quanto ao seu fundamento, assenta
já numa ideia de ponderação de interesses entre o bem jurídico ou interesse ameaçado
por um perigo e o bem jurídico ou interesse que se sacrifica para afastar esse perigo.
O interesse ou o bem jurídico cujo perigo se afasta tem que ser superior ao interesse
sacrificado. Isso diz-se expressamente um dos elementos do direito de necessidade,
nomeadamente pela verificação do preceituado do art. 32º-b CP.
A causa de justificação ou de exclusão da ilicitude, designada direito de
necessidade ou estado de necessidade objectivo, também dito estado de necessidade
justificante (art. 32º CP), precisamente para distinguir do art. 37º CP que prevê o
chamado estado de necessidade, também dito estado de necessidade subjectivo ou
desculpante:
- Enquanto que o direito de necessidade, ou estado de necessidade objectivo
ou justificador é uma causa de exclusão da ilicitude;

114
- O estado de necessidade “tout court” ou estado de necessidade subjectivo ou
desculpante é uma causa de desculpa.
Consequências desta distinção:
Em primeiro lugar, enquanto no art. 32º CP é excluída a ilicitude do facto
típico, no art. 37º CP não se exclui a ilicitude do facto típico mas tão só a culpa. É
portanto uma causa de desculpa, o facto permanece típico e ilícito. Se assim é, é
possível haver uma situação de legítima defesa perante uma situação de estado de
necessidade do art. 32º CP. Já não é possível haver uma situação de legítima defesa
face ao art. 31º CP porque este exclui a ilicitude e para efeitos da legítima defesa a
agressão tem que ser actual e ilícita. Se o facto está justificado pelo direito de
necessidade, contra facto justificado não há justificação.
Por outro lado, há uma importância também relevante porque, partindo da
teoria da acessoriedade limitada, não há comparticipação num facto justificado. Ou
seja, não se responsabilizam os comparticipantes se o facto imputado estiver
justificado. Assim, se o facto praticado pelo autor, o facto principal, for um facto
justificado pelo direito de necessidade do art. 32º CP os comparticipantes,
virtualmente cúmplices ou instigadores, não terão também responsabilidade jurídico-
penal, uma vez que o facto praticado é um facto lícito.
Já o contrário se passa no âmbito do estado de necessidade subjectivo ou desculpante
do art. 37º CP porque não há comparticipação num facto lícito, mas já há
comparticipação na culpa.
A culpa é um juízo de censura individualizado e pode existir uma causa de
desculpa que beneficie um determinado agente e não aproveitar aos demais. Então só
beneficia da causa de desculpa quem dela pode aproveitar, já podendo
responsabilizar-se criminalmente os comparticipantes a quem essa causa de desculpa
não aproveita. É por isso que a teoria se diz de acessoriedade limitada: porque
delimita a responsabilidade criminal dos comparticipantes a um facto típico e ilícito
praticado pelo autor. Se o facto for típico, mas não for ilícito, já falta um dos
requisitos da acessoriedade limitada, portanto, já não há responsabilidade do
participante.
As situações do art. 32º CP que têm relevância em sede de culpa (são causas
de desculpa) são aquelas em que o agente age numa situação em que não tem uma
normal liberdade de avaliação, de determinação e não lhe era exigível que ele

115
adoptasse um comportamento diferente: ou porque está numa situação de flagrante
desespero, de medo ou de coacção.
Pode-se então concluir que a superioridade que se exige nos termos do art. 32º
CP entre o bem jurídico sacrificado e o bem jurídico ameaçado pelo perigo não se
mede em termos de quantidade: a quantidade não implica superioridade qualitativa.

Elementos do direito de necessidade.


Em primeiro lugar, viu-se que por força do preceituado no art. 32º CP a
situação de perigo não pode ter sido voluntariamente criada pelo agente, excepto se se
tratar de proteger um interesse de terceiro. O perigo tem que ser um perigo real e
efectivo. Se o perigo for uma mera aparência de perigo, estar-se-á então no âmbito do
chamado direito de necessidade putativo, aqui não há um perigo real e efectivo, há tão
só um perigo pensado ou suposto, o perigo é tão só na cabeça do agente, é uma
situação de direito de necessidade putativo, em que o perigo é só penado na cabeça do
agente e que se chama erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de
justificação, cuja previsão normativa e regulamentação está no art. 14º/2 CP.
Por outro lado, o perigo que se visa afastar tem que ser um perigo actual, ou
seja, tem que ser um perigo que exista naquele momento ou que está iminente, perigo
esse que pode advir de factos naturais ou facto humanos [41]. É preciso ainda que
cumulativamente se verifique outro elemento desta causa de justificação previsto no
art. 32º-b CP: que exista uma sensível superioridade entre o interesse a salvaguardar
relativamente ao interesse sacrificado. Isto passa pela análise de se verificar qual é o
interesse mais valioso, daí que a doutrina por vezes aponte alguns índices para a
determinação da sensível superioridade que tem de existir entre o interesse
salvaguardado e o interesse sacrificado:
- A medida das sanções penais cominadas para a violação dos bens jurídicos
em causa, por referência à axiologia constitucional;
- Deve atender-se também aos princípios ético-sociais vigentes na comunidade
em determinado momento;
- À modalidade do facto;
- À reversibilidade ou irreversibilidade das lesões;
- Às medidas de culpa;
- À medida do sacrifício imposto ao próprio lesado.

116
Note-se quando se trate de bens eminentemente pessoais o seu número é
irrelevante para aferir a superioridade entre um e outro. Em caso de igualdade de bens
jurídicos, não há lugar à aplicação do art. 32º CP.
O último requisito previsto no art. 32º-c CP: a razoabilidade da imposição ao
lesado do sacrifício do seu interesse, tendo em atenção o valor e natureza do interessa
ameaçado.
Esta é uma limitação ético-social que visa proteger da violação a dignidade e
autonomia ética da pessoa de terceiro, pois o direito tem de se conter e de se manter
de certos limites, recuando mesmo, se necessário, em face desses valores.
Elemento subjectivo:
O agente tem de conhecer a situação de perigo, actuado precisamente para
evitar esse perigo, que é uma probabilidade de lesão. Se o agente desconhece a
situação de perigo, mas objectivamente está perante uma situação de direito de
necessidade “mutatis mutandis” aplica-se o regime geral da falta do elemento
subjectivo da causa de justificação, responsabiliza-se o agente por facto tentado, se a
tal houver lugar.

Estado de necessidade desculpante.


Consagra-se no art. 37º/1 CP o estado de necessidade como obstáculo à
existência de culpa. O agente fica excepcionalmente dispensado da pena (art. 37º/2, 2ª
parte CP). É que a isenção da pena e dispensa da pena são institutos diferentes (ver
art. 75º CP), enquadrando-se o art. 37º/2 CP o instituto da dispensa de pena, porque
ainda há culpa, embora em grau muito reduzido, e não no da isenção de pena, que
afasta logo abinitio a punibilidade do facto.
Os casos de identidade de valoração de bens jurídicos e aqueles em que o bem
sacrificado tem maior valoração que o ameaçado não cabem no âmbito do direito de
necessidade e têm portanto que ser resolvidos por via dos normativos deste art. 37º
CP.
A lei escalona a valoração de alguns dos interesses, pelo que se deve observar
a ordem por que os enumera o art. 37º/1 CP. Trata-se de interesses eminentemente
pessoais.
Para os casos em que a lei não refere expressamente, deverá entender-se que
em princípio os interesses eminentemente pessoais predominam sobre os patrimoniais

117
e que a própria lei, pela indicação dada através das sanções, estabelece o
escalonamento entre os interesses da mesma natureza.
A este respeito e dentro desta orientação, expendeu o Prof. Figueiredo Dias
“…são conhecidas as dificuldades que uma avaliação em concreto da hierarquia dos
interesses conflituantes pode suscitar. Nesta matéria deve bastar-me com acentuar que
pontos de apoio para a levar a cabo são oferecidos quer pela medida das sanções
penais cominadas para a violação dos respectivos bens jurídicos, quer pelos princípios
ético-sociais vigentes na comunidade em certo momento, quer pelas modalidades dos
factos, a medida da culpa ou por pontos de vista político criminais. Como ainda e
também, noutro plano, pela extensão do sacrifício imposto e pela extensão e
premência do perigo existente. Mas para além disso no novo Código existe ainda,
para a justificação, que seja razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em
atenção à natureza e ao valor do interesses ameaçado. Esta limitação ético-social do
direito de necessidade – independentemente de saber se ela poderá ver-se já contida,
ao menos em certa medida, na exigência de sensível desproporção dos interesses
conflituantes – é, minha opinião, de sufragar incondicionalmente. O direito de
necessidade, justificado, embora como disse por razões de recíproco solidarismo entre
os membros da comunidade jurídica, tem em todo o caso de recuar perante a
possibilidade de violação da dignidade e da autonomia ética da pessoa de terceiro. E
isso mesmo quer dar a entender a alínea c) do art. 32º CP…”
Por maioria de razão, deve entender-se que há lugar a indemnização, se se verificarem
os seus pressupostos no caso de estado de necessidade desculpante, pois que também
o há no caso de direito de necessidade.
c) Outras causas de exclusão da ilicitude:

Acção directa.
Na acção directa visa-se não tanto repelir uma agressão, como na legítima
defesa, mas evitar a inutilização prática de um direito.
Aqui se exige como pressuposto a impossibilidade de recurso em tempo útil aos
meios coercivos normais e diz-se que o agente, para evitar a inutilização prática de
um direito, pode adoptar um dos comportamentos aqui descritos: ou apropria-se de
uma coisa, ou destrui-la, ou deteriorá-la ou opor uma certa resistência.
Neste sentido, esta causa de justificação distingue-se também da legítima
defesa porque assenta já numa ideia de ponderação de interesses, na medida em que o

118
interesse inerente ao direito cuja inutilização o agente visa evitar tem de ser superior
ao interesse lesado com a actuação do exercício da acção directa.
Distingue-se também da legítima defesa na medida em que esta causa de
justificação não exige já o requisito da actualidade, exigindo como qualificativo da
agressão na legítima defesa.

Direito de retenção.
O seu regime não está traçado no Código Penal, mas no Código de Processo
Penal. De um modo geral quando uma pessoa for apanhada em flagrante delito de um
crime que corresponde a pena de prisão, os agentes da autoridade devem deter esse
indivíduo; os outros indivíduos, que não os agentes da autoridade podem proceder à
detenção.
Em princípio, enquanto que para as autoridade públicas se trata do
cumprimento de uma obrigação imposta por lei, para o comum dos cidadãos existe a
faculdade de poder exercer o direito de detenção.
E isto, porque de um modo geral as pessoas não se podem andar a prender
umas às outras, porque podem incorrer em responsabilidade criminal pelo tipo de
sequestro; ou eventualmente para deter outra pessoas podem ter de lhe lesar a
integridade corporal e pratica as ofensas corporais; ou podem ter de coagir o
indivíduo a um determinado comportamento, tudo isto são factos típicos penalmente
relevantes.

Direito de correcção.
Direito de correcção que os pais têm sobre os filhos e que os professores têm
sobre os alunos. É esta uma causa de justificação entendida como de origem
costumeira. O costume não é fonte de direito em direito penal, mas quando funciona
como contra-norma, ou seja, afastando a responsabilidade penal do agente, portanto
no âmbito de uma norma favorável, já não lhe vê serem-lhe aplicadas as limitações
decorrentes do princípio da legalidade. Portanto, o legislador aceita aqui o costume
como causa de justificação ou de exclusão da ilicitude. Qual é o fundamento desta
causa de justificação?
Só são detentores e só podem invocar esta causa de justificação determinadas
pessoas que tenham uma posição específica em relação a outra: pais em relação a

119
filhos, professores em relação a alunos. Este direito de correcção deve ser aplicado
utilizando precisamente o meio adequado a exercer essa missão pedagógica do direito
de correcção.
Quanto ao elemento subjectivo desta causa de justificação, tem-se o “animus
corrigendi” ou a intenção de corrigir. Portanto, o agente tem que se aperceber da
situação fáctica que carece de correcção e actuar com o objectivo de pedagogicamente
corrigir aquela situação.
Quando o agente, para corrigir, excede o limite imposto, quando se afasta do
meio necessário dentro da função pedagógica de reeducar, então já não há o
preenchimento desta causa de exclusão da ilicitude.

Consentimento.
O consentimento do ofendido está previsto, como causa de exclusão da
ilicitude no art. 34º CP. Importa distinguir:
- Por vezes, o consentimento é uma causa de exclusão da ilicitude;
- Noutros casos, o consentimento já não faz parte da ilicitude, não íntegra uma
causa de justificação, mas é um elemento do tipo ou da tipicidade, podendo ser um
elemento positivo ou um elemento negativo do tipo.
Existem determinados tipos legais que só estão preenchidos por exemplo sem
o consentimento do agente, neste caso o consentimento não é uma causa de exclusão
da ilicitude, mas um elemento negativo do tipo, tem que se verificar a ausência do
consentimento para que a tipicidade esteja preenchida.
Noutras vezes o consentimento é também um elemento do tipo, mas um
elemento positivo, nestes casos, para que o tipo esteja preenchido é necessário que a
vítima de alguma forma dê um certo consentimento à conduta desenvolvida pelo
agente.
Quando o consentimento é um elemento do tipo e ele não está presente, o tipo
está logo afastado; já não se vai ver se o comportamento do agente é ilícito ou não.
Quando o consentimento não for um elemento do tipo, mas uma causa de
justificação, então é que se tem de verificar se o comportamento típico do agente está
ou não justificado pelo art. 34º CP.
Desde logo são de referir as características da pessoa que dá o consentimento,
não é qualquer pessoa que pode validamente prestar o consentimento: a lei indica
desde logo no art. 34º/3 CP: só maiores de quatorze anos podem, validamente

120
consentir. Por outro lado, tem de ser um consentimento actual (art. 34º/2 CP). E só se
admite o consentimento para justificar lesões a bens jurídicos que sejam livremente
disponíveis pelo seu titular. A integridade corporal é um bem jurídico que pode ser de
alguma forma disponível. Portanto, há que adequar um pouco a motivação que leva ao
consentimento da lesão e também a relevância em termos de reversibilidade ou
irreversibilidade da lesão.
Quanto ao elemento subjectivo desta causa de justificação, é ele o
conhecimento do consentimento. No art. 34º/4 CP prevê-se a punibilidade para o
agente que actua perante uma situação objectiva de justificação, mas com a falta do
elemento subjectivo da causa de justificação, ou seja, no art. 34º/4 CP prevê-se a
punibilidade por facto tentado para quem lesar um bem jurídico livremente disponível
pelo seu titular, desconhecendo que o seu titular consentia a lesão.
Consentimento presumido: vem previsto no art. 35º CP; neste há uma situação
em que se permite a lesão de determinados bens jurídicos, tendo em conta que se o
titular desses bens tivesses conhecimento das circunstâncias em que a lesão ocorre,
teria consentido essa mesma lesão.

Conflito de deveres.
É uma causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 38º CP. Trata-se daquelas
situações em que se torna lícito ao agente não cumprir um dever se cumprir outro
dever de categoria igual ou superior.
Se colidirem dois deveres a que o agente está obrigado, de igual valor, o
agente tem a liberdade de optar por um deles, não cumprindo o outro, sendo certo que
só tem a possibilidade de cumprir um deles.
Se colidirem dois deveres, um de natureza inferior e outro de natureza
superior, então está justificado o agente que não cumpre o dever de natureza inferior
satisfazendo um dever de natureza superior. Colidindo inexoravelmente dois deveres,
sendo certo que o agente só pode cumprir um deles, está justificado o não
cumprimento do outro dever ou da outra ordem, se tiver valor igual ou inferior ao
dever (ou ordem) que o agente cumpre.
Esta causa de justificação, justifica-se, quando o cumprimento de um dever
superior em detrimento de um dever jurídico ou de uma ordem de valor inferior, está
aqui inerente uma ideia de ponderação de interesses.

121
Para o Prof. Figueiredo Dias, no âmbito do art. 38º CP só há conflito de
deveres quando colidem dois deveres de acção; já não é assim quando colidem um
dever de acção e um dever de omissão. Há quem entenda (e parece bem) que podem
coexistir um dever de acção e um dever de omissão, desde o momento em que se trate
de bens eminentemente pessoais, ou de natureza pessoal, aí o dever de acção cede
sempre perante o dever de omissão.

Causas de justificação supra-legais.


A justificação supra-legal não encontra o seu regime plasmado na lei, mas sai
causas de justificação que se constroem a partir dos princípios gerais do ordenamento
jurídico e, mais concretamente, a partir dos princípios que norteiam o regime jurídico
da exclusão da ilicitude.
Assim, costuma a doutrina apontar duas causas de justificação supra-legais:
1) A legítima defesa preventiva:
Esta é aceite naqueles casos em que o defendente actua antes da própria
agressão, mas com o intuito de a evitar, sendo aceite que o defendente não pode
esperar pelo momento da agressão sob pena da sua defesa ser absolutamente ineficaz.
1) O direito de necessidade (ou estado de necessidade) defensivo:
É uma causa de justificação supra-legal que nasceu para de alguma forma dar
cabimento à exclusão da ilicitude do crime de aborto, quando a interrupção voluntária
da gravidez era efectuada sob indicação médica na medida em que o nascimento do
feto poderia redundar na morte da mãe.
Para remover ou afastar o perigo de morte da mãe – mulher grávida – admitia-se esta
causa de justificação supra-legal.
Hoje em dia e face à nossa lei tem-se um regime especial de justificação para o
crime de aborto, e que se denomina precisamente “causas especiais de justificação do
crime de aborto”. São causas de exclusão da ilicitude especiais, em sentido próprio. E
isto porquê?
As causas de justificação estão plasmadas na parte geral e valem, em
princípio, para toda a parte especial, ou seja:
- O consentimento enquanto causa de justificação pode servir para excluir a
ilicitude de uma ofensa corporal, ou a ilicitude de outro tipo qualquer;
- A legítima defesa pode efectivamente justificar um homicídio, uma ofensa
corporal, ou um outro tipo legal de crime, mesmo um furto.

122
Agora existem causas tipificadas na parte especial que o legislador cria para
esses tipos concretos. Donde, as causas de justificação que estão contidas na parte
especial do Código Penal e que valem só para aquele tipo legal de crime que a lei
indica são designadas causas de justificação especiais. Mas ainda se pode encontrar na
parte especial do Código Penal causas de justificação especiais, umas que o são em
sentido próprio e outras que o são em sentido impróprio.
Está-se perante causas de justificação especiais em sentido impróprio quando
elas, estando embora previstas na parte especial do Código Penal para determinado
tipo de crimes (e daí a sua especialidade) apresentam já uma semelhança muito
grande com o que esta preceituado na parte geral do Código Penal a propósito do
regime das causas de justificação. Outras causas de justificação há que, estando
previstas na parte especial, têm um regime jurídico que não pode ser reconduzido, não
tem atinência ou semelhança com o que está preceituado na parte geral. Essas são as
designadas causas de justificação especiais em sentido próprio, de que é exemplo a
justificação do crime de aborto.

Erro sobre os pressupostos de facto ou elementos normativos de uma causa de


justificação.
Tem-se “mutatis mutandis” precisamente o inverso do que acontece naquelas
situações em que existe objectivamente uma situação de justificação mas falta o
elemento subjectivo.
Aqui é precisamente o contrário: o agente tem o elemento subjectivo, falta é o
elemento objectivo da justificação, por isso é que é uma causas de justificação
putativa.
São situações que são reconduzíveis ao art. 14º/2 CP que exclui o dolo; e nos
termos do art. 14º/3 CP ressalva-se a punibilidade a título de negligência.
São aquelas situações em que o agente representa erradamente que está
perante uma situação objectiva de justificação e actua com o elemento subjectivo
correspondente a essa mesma causa de justificação que ele julga que está
efectivamente presente, quando na realidade falta o elemento objectivo: falta um
pressuposto de facto um elemento normativo dessa causas de justificação.
Para estas situações de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito de
causas de justificação, a solução esta consagrada no art. 14º/2 CP ou seja, o erro sobre
um estado de coisas que a existir excluiria a ilicitude do facto, exclui o dolo.

123
Viu-se em sede do art. 14º/1 CP que fala em “erro sobre os elementos do facto
típico” –, o dolo que estaria excluído seria o dolo do tipo. Agora aqui pergunta-se:
como é que o dolo do tipo pode estar excluído se o agente actuou, ainda que na
convicção errada de que estava actuar em legítima defesa, não deixou, em termos de
tipicidade, de conhecer e querer aquele resultado? Como é que em termos de tipo ele
actua como dolo e depois a consequência do art. 14º/2 CP é excluir o dolo?
Daí, várias formulações para explicar esta solução deste tipo de erro:

1) Teoria rigorosa da culpa:


Os partidários desta teoria vêm dizer que no caso de erro sobre os pressupostos
de facto de uma causa de justificação, o dolo de tipo não está excluído. Então, aquilo
de que o agente pode beneficiar nestas situações de erro é de uma atenuação da culpa,
ou mesmo de uma exclusão da culpa.
E eles distinguem consoante o erro seja essencial ou não essencial, consoante seja um
erro evitável ou não evitável.

2) Teoria limitada da culpa:


Para os partidários desta teoria, a consequência do erro sobre os pressupostos
de facto ou elementos de direito das causas de justificação deve ser a mesma das
situações de erro de tipo: aplica-se na mesma a exclusão do dolo como se de um erro
de tipo se tratasse. E isto por analogia, ou seja, eles chegam à conclusão de que nesta
circunstância o dolo de tipo deveria estar excluído, não porque dogmaticamente seja
essa a solução, porque por um processo analógico, ou por uma entidade de razão, se
deve estas situações como se de um verdadeiro erro de tipo se tratasse, portanto, por
analogia aplicam o mesmo regime do erro sobre elementos do facto típico – o erro do
art. 14º/1 CP. Esta posição é de alguma forma criticável, mesmo quando o agente está
em erro sobre um elemento que a existir excluiria a ilicitude do seu facto, ele do ponto
de vista da tipicidade não deixa de actuar dolosamente, portanto, não faz muito
sentido excluir o dolo de tipo. Mas repare-se: nas situações de exclusão do dolo de
tipo (erro sobre elementos de facto, de direito ou sobre proibições) do art. 14º/1 CP o
dolo está excluído porque:
- Ou há uma ignorância total da realidade;
- Ou há uma errada representação da realidade.
Porque há um erro ignorância ou um erro suposição.

124
3) Teoria dos elementos negativos do tipo.
Elementos negativos do tipo são causas de justificação. O tipo é composto,
para estes autores, não só pela tipicidade positiva (elementos positivos do tipo), mas
também por elementos negativos, que são as causas de justificação, tudo isto faz parte
do tipo de ilícito, porque eles não separam tipicidade, ilicitude e culpa como
categorias diferenciadas.
Assim, as causas de justificação, que são elementos a ponderar em sede de
ilicitude, categoria autonomizada da tipicidade, para eles são elementos negativos do
tipo.
Ora, se as causas de justificação são elementos negativos do tipo, não deixam
de ser elementos do tipo, logo, se há um erro sobre um elemento de uma causa de
justificação, não deixa de haver um erro sobre um elemento do tipo. Se é um erro
sobre um elemento do tipo então o dolo de tipo está excluído.
2) Teoria do Duplo enquadramento do dolo em sede de tipo e em sede de
culpa (culpa dolosa):
O dolo tem um duplo enquadramento não só em sede de tipo, como elemento
subjectivo geral, mas também em sede de culpa como elemento subjectivo do tipo,
enquanto referenciador do facto proibido pela ordem jurídica ou enquanto
referenciador do facto exigido pela ordem jurídica, é o chamado dolo de tipo,
elemento subjectivo geral.
Mas em sede de culpa o dolo também tem alguma função a desempenhar: o
dolo, ou a culpa dolosa, manifesta já o grau mais censurável da deficiente posição que
o agente adopta para com a ordem jurídica quando se decide pela prática de um facto
ilícito, podendo e devendo decidir-se de forma diferente, podendo e devendo decidir-
se pelo lícito. Neste sentido ter-se-á a culpa dolosa e o referenciador do dolo de culpa.
Assim, para quem faz esta bipartição entre o dolo de tipo e a culpa dolosa (ou
dolo de culpa) é fácil dizer que nestas situações de erro sobre os pressupostos de facto
de uma causa de justificação o dolo de tipo não está excluído; então, quando muito,
aquilo que se exclui é a culpa dolosa.
Nos termos do art. 14º/2 CP a estatuição é o “preceituado do número anterior”,
que é a exclusão do dolo; e que o dolo abrange também o erro sobre pressupostos de
facto ou de direito de causas de justificação ou sobre elementos da culpa.

125
Erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma causa de justificação (art.
14.º CP).
Ambas as modalidades – erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma
causa de justificação – são espécies do chamado erro sobre a ilicitude indirecto ou
erro sobre a proibição indirecto.
No âmbito do erro sobre a existência de uma causas de justificação, como o próprio
nome indica, tem-se desde logo aquela situação em que o agente actua, tem
consciência que aquilo que está a fazer é um facto ilícito, é desaprovado pela ordem
jurídica.
Mas pensa que aquele facto, no fim de contas irá ser aprovado pela ordem jurídica
porque ele está a actuar ao abrigo de uma causa de justificação que julga existir,
quando na realidade a ordem jurídica não conhece essa causa de justificação, nem é
possível inferi-la a partir dos princípios jurídicos gerais que norteiam o regime
jurídico da exclusão da ilicitude ou da justificação.
Erro sobre a proibição indirecto, porque o agente em princípio tem consciência da
ilicitude do facto, mas pensa que depois esse facto vai estar justificado quando na
realidade não vai. Por isso é um erro indirecto sobre a proibição. As situações de erro
directo sobre a proibição são aquelas em que o agente:
- Actua conhecendo que aquilo que está a fazer é proibido;
- Ou não actua, desconhecendo que agir era uma obrigação.
Nas situações de erro sobre a existência de uma causa de justificação, o erro sobre a
proibição já é indirecto, porque o agente tem consciência do carácter ilícito do facto
que pratica; ou tem consciência do carácter ilícito da omissão que desenvolve.
Simplesmente, julga que depois esses factos vão ser aprovados pela ordem jurídica,
pela existência de uma causa de justificação ou de exclusão da ilicitude que a ordem
jurídica afinal não conhece.
Um outro tipo de erro sobre a proibição indirecto e que tem a ver com causas de
justificação ou de exclusão da ilicitude é o erro sobre os limites de uma causa de
justificação.
Aqui o agente age desconhecendo o carácter proibido da conduta que empreende, mas
está convencido que está a actuar ao abrigo de uma causa de justificação, que na
realidade existe e é reconhecida na lei; mas o agente erra quanto aos limites dessa
causa de justificação.

126
Tem-se, portanto as situações de erro sobre a proibição indirecto ou erro sobre a
ilicitude indirecto, seja erro sobre a existência ou sobre os limites de uma causas de
justificação, que não erros intelectuais, mas erros morais ou de valoração, e como tal
o regime de relevância é dado pelo art. 14º CP.
Então, distingue-se consoante esses erros, sejam erros censuráveis ou erros não
censuráveis, consoante esses erros sejam erros evitáveis ou erros inevitáveis, e assim:
- Se o erro for um erro evitável, logo um erro não censurável, nos termos do art. 14º/1
CP a culpa está excluída;
- Se pelo contrário for um erro censurável, porque evitável, nos termos do art. 14º/2
CP o agente é punido com a pena correspondente ao crime doloso que pode ser
especialmente atenuada.

[38] Um facto que é aprovado pela ordem jurídica, porque nele intervêm
relevantemente causas de exclusão da ilicitude.
[39] E o excesso é dado porque o agente excedeu o meio necessário à defesa.
[40] Aquele que menores consequências tem para o agressor.
[41] Factos humanos, sejam eles lícitos ou ilícitos, culposos ou inculposos.

CULPA
Culpa em direito penal
Para responsabilizar alguém criminalmente é necessário que essa pessoa, para além de
ter uma acção penalmente relevante, ou seja, simultaneamente típica e ilícita, e
também necessário que sobre essa pessoa que pratica esse facto típico e ilícito recaia
um juízo de censura de culpa, é necessário também que o facto seja culposo.
A relação que se estabelece entre a ilicitude e a culpa não é feita nos mesmos termos,
porque a ilicitude não indica a culpa.
Um facto pode ser ilícito e não estar subjacente a esse facto qualquer juízo de censura
de culpa, por isso, a culpa é um pressuposto analítico da punibilidade autónomo e é
também um pressuposto material da punibilidade.
A culpa em direito penal em primeiro lugar é a negação da responsabilidade objectiva
[42]. A responsabilidade penal, tem que se fundar numa culpa concreta, daí o
preceituado no art. 16.º CP quando se diz que “a imputação do resultado, ainda que
não previsto ou não querendo pelo agente, tem que ser feita pelo menos a título de
negligência”.

127
Nesse sentido a imputação do resultado tem na sua base um juízo de censura da culpa,
uma culpa concreta do agente, dolosa ou negligente.
A culpa é também um princípio de política penal ou criminal.
A culpa é o fundamento e o limite da medida da pena, isto é, não é possível aplicar
uma pena, que é a sanção característica do direito penal, a quem não tenha actuado
com culpa.
Daí que, a culpa seja o fundamento da pena. Mas a culpa é também o limite da
medida da pena, na medida em que consoante a maior ou menor culpa manifestada
pelo agente na prática do facto ilícito, daí a maior ou menor pena, de acordo com a
graduação da medida da pena (arts. 70º segs. CP).

Culpa como categoria analítica de juízo penal:


A ilicitude consistia num juízo de desvalor formulado pela ordem jurídica, juízo de
desvalor esse dirigido ao agente pela prática de um facto contrário à ordem jurídica na
sua globalidade.
Na culpa passa-se algo de diferente, também o juízo de culpa é um juízo de censura,
um juízo de desvalor dirigido ao agente, já não diferente sobre o facto que ele
praticado, mas, pela atitude que o agente expressa na prática de um determinado
facto, quando ao agente foi dada a possibilidade e se ter decidido diferentemente, de
se ter decidido de harmonia com o direito (em vez de se ter decidido como decidido,
pelo ilícito). Assim:
- Enquanto que na ilicitude se verifica a violação de um dever;
- Na culpa coexiste a ideia não de um dever, mas de um poder.
Na culpa, este juízo de censura é um juízo individualizado, dirigido ao agente. Aquilo
que se se censura ao agente é ele ter manifestado na prática de um determinado facto
uma certa atitude, querendo praticar esse facto (por hipótese), quando podia ter
actuado de uma forma diferente, quando podia ter actuado de harmonia com o dever
ser, de harmonia com o direito.
No juízo de censura der culpa aquilo que se censura ao agente é ele ter-se decidido
pelo ilícito, quando podia comportar-se de maneira diferente. Assim sendo, o juízo de
ilicitude tem de preceder necessariamente o juízo de culpa.

128
Elementos da culpa. Ela é integrada desde logo:
- Pela capacidade de culpa;
- Pela consciência da ilicitude;
Um terceiro elemento, contestado por alguns autor, filia-se na,
- Exigibilidade de adoptar um comportamento diferenciado. Para fundamentar
também um juízo de censura de culpa, é necessário que o agente, não obstante ter
capacidade de culpa e consciência da ilicitude do facto que comete, não tenha actuado
em circunstâncias tão extraordinárias, tão exorbitantes, de tal forma que a sua
liberdade de decisão, a sua liberdade de captação ou de avaliação não esteja
diminuída. Há quem entenda que a culpa é composta por:
- Dois elementos positivos:
· Capacidade de culpa;
· Consciência da ilicitude.
- Um elemento negativo:
· Ausência de causas desculpa.
Pode-se então dizer que verdadeiras causas de exclusão da culpa são aquelas que se
filiam na ausência de capacidade de culpa ou de consciência da ilicitude.
As causas de desculpa não excluem a culpa mas fazem com que aquele facto seja
tolerado pela ordem jurídica, em termos de não haver lugar à punibilidade, à punição.

123. Evolução do conceito de culpa enquanto categoria analítica.


Para os clássicos a culpa era meramente psicológica, ou seja, cifrava-se na relação do
agente para com o facto praticado. E enquanto faziam parte da ilicitude típica todos os
elementos objectivos, era em sede de categoria analítica da culpa que os clássicos
arrumavam todos os elementos subjectivos.
Assim o dolo e a negligência seriam integrados, ou incluídos na culpa, como
elementos subjectivos (como formas de culpa).
Este conceito de culpa evoluiu, desde logo com os neo-clássicos, que passam a
encarar a culpa como um juízo de censurabilidade. Já não era só a relação psíquica do
agente para com o facto praticado que interessava, mas era também necessário valorar
elementos exteriores a essa relação psíquica, para fundamentar um juízo de censura de
culpa.

129
A culpa aparece aqui já impregnada de alguns elementos normativos, já não é
puramente subjectiva.
Efectivamente, Frank ao traçar a distinção entre direito de necessidade e estado de
necessidade subjectivo ou desculpante chega a esta conclusão.
Na verdade uma pessoa, ao praticar um facto, pode estabelecer para com esse facto
uma relação de dolo ou uma relação de negligência. A pessoa pode ter querido
praticar esse facto, ou a pessoa pode ter dado origem àquele facto, porque
precisamente não se preveniu no sentido de evitar violar determinados deveres; e
consequentemente, a violação desses deveres deu origem à prática daquele facto.
Frank começa a filiar o fundamento das causas de desculpa com base na ideia de
exigibilidade: exigibilidade ou não de um comportamento diferenciado daquele que
foi tido pelo agente no caso concreto. A ilicitude:
- É um juízo generalizado que a ordem fórmula, dirigido ao agente, mas que incide
sobre o facto por ele praticado;
- É um juízo material e como tal, um juízo gradual: um facto pode ser mais ou menos
grave, ou mais ou menos ilícito.
No juízo da culpa, já não se trata de ver se o agente com o seu comportamento violou
um dever e se actuou em contrariedade com a ordem jurídica na sua globalidade [43].
Tem antes a ver com a ideia de poder, consequentemente, é um juízo individualizado
que recai sobre cada agente em concreto. Então censura-se ao agente a atitude que ele
revelou ao ter-se decidido pela prática de um facto que viola as exigências de um
dever, pela prática de um facto ilícito, quando podia ter adoptado um comportamento
diferenciado. E podia porque:
- Tinha capacidade de culpa;
- Tinha consciência da ilicitude do facto; era-lhe exigível que adoptasse, no caso
concreto, um comportamento diferenciado, podia decidir-se de harmonia com as
exigências do dever, em conformidade com os ditames da ordem jurídica.

Os finalistas adoptaram um conceito normativo de culpa, porque para eles e de


harmonia com o próprio conceito de acção que eles tinham (quer era uma acção final),
na culpa não interessava nada a relação psicológica que o agente tinha com o facto
praticado, porque essa relação psicológica é transposta, no finalismo, para uma outra
categoria analítica que é o tipo.

130
Os finalistas incluíram precisamente no tipo o dolo como elemento subjectivo geral.
Assim, os tipos ou são dolosos ou são negligentes.

- São dolosos: o dolo é o elemento subjectivo geral do tipo;


- São negligentes: o elemento subjectivo é a própria negligência.
A relação psicológica que se estabelece entre o agente e o facto por ele praticado é
reconduzida e analisada em sede de tipicidade. A culpa ficava expurgada na sua
subjectividade. Mas os finalistas levaram isto ao extremo e fundamentaram o juízo de
censura de culpa e a culpa em ideias puramente valorativas, portanto, um conceito de
culpa normativo e valorativo, composto por vários elementos:
- Capacidade de culpa;
- Consciência da ilicitude.
Para alguns autores:
- Exigibilidade de um comportamento diferenciado
E ainda, para outros autores:
- Inexistência de processos anormais de motivação.
Sendo assim, numa análise pós-finalista da categoria dogmática da culpa, pode-se
concluir que o fundamento do juízo de censura de culpa é o poder, a possibilidade que
o agente tinha de observar os comandos da ordem jurídica.
E o agente só tem possibilidade de observar esses comandos impostos pela ordem
jurídica, essas exigências do dever, se:
- Tiver capacidade de culpa;
- Tiver actuado com consciência da ilicitude;
- Não tiver actuado em circunstâncias tão extraordinárias que à ordem jurídica não lhe
reste outra alternativa senão tolerar ou desculpar o facto praticado.

124. Capacidade de culpa.


Uma pessoa tem capacidade de culpa quando tem a possibilidade de conhecer as
exigências do direito e pautar o seu comportamento de harmonia com essas
exigências.
Portanto, há capacidade de culpa quando o agente reconhece ou tem consciência ou
pelo menos, tem a possibilidade de ter tido consciência da ilicitude do facto e actua
(ou pode actuar) de harmonia com essa valoração.

131
O Código Penal não define capacidade de culpa pela positiva, diz, pela negativa,
quem é que não é capaz de culpa, ou seja, quem é inimputável [44]; assim,
inimputáveis ou incapazes de culpa, são:
- Os menores de dezasseis anos (art. 17º CP);
- Os portadores de anomalia psíquica ou de um estado patológico equiparado (art. 18º
CP). Quem não tem capacidade de culpa não age com culpa. A falta de capacidade de
culpa, tal como a falta de consciência da ilicitude não censurável, leva à exclusão da
culpa.
Inimputabilidade em razão da idade
O legislador penal entende que só têm capacidade de culpa, no sentido de poder
reconhecer as exigências da ordem jurídica e pautar o seu comportamento de
harmonia com essas exigências, os maiores de dezasseis anos, esse são penalmente
imputáveis e sobre eles pode recair um juízo de censura de culpa: têm culpa
penalmente.
Um outro factor que pode excluir a capacidade de culpa, já não de razão etária, é a
verificação de um estado de anomalia psíquica que diminuía efectivamente a
capacidade de avaliação do agente, em termos de não lhe poder permitir reconhecer o
carácter ilícito dos seus factos e de se determinar de harmonia com essa avaliação. No
art. 18º/1 CP referem-se que é inimputável em razão de anomalia psíquica. No art.
18º/2 CP equiparam-se situações de anomalia psíquica grave em que, não obstante o
agente no momento da prática do facto poder reconhecer a ilicitude do facto ou
determinar-se de harmonia com essa valoração, pode o juiz declarar inimputável essa
pessoa.
No art. 18º/2 CP tem-se a chamada situação de inimputabilidade provocada: são
aquelas situações em que o agente propositadamente dá origem a uma situação de
incapacidade ou de inimputabilidade, tendo efectivamente previsto nesse estado
praticar um determinado crime, são as chamadas acções livres na causa em que,
nestas situações de inimputabilidade provocada, a capacidade de culpa não está
excluída. E são acções livres na causa porque embora no momento em que o agente
pratica o facto penalmente relevante ele não tenha capacidade de culpa, ele foi livre
no momento anterior para reconhecer o carácter ilícito do seu facto e pautar o seu
comportamento de harmonia com o direito. Consequentemente, o facto não é livre no
momento da sua prática, mas é livre na causa.

132
Nesse sentido designam-se acções livres na causa e nestas situações a capacidade de
culpa não está excluída.

125. Consciência da ilicitude


Uma pessoa actua com consciência de ilicitude quando sabe que aquilo que está a
fazer é proibido pela ordem jurídica na sua globalidade; ou quando a pessoa sabe que
actuar era uma obrigação e se abstém precisamente dessa actuação, omitindo portanto
uma acção que lhe era exigível. Qual é a consciência da ilicitude que se exige ao
agente?
Em primeiro lugar, aquilo que se exige ao agente não é uma consciência de ilicitude
formal, mas tão só uma consciência da ilicitude material.
Não se exige formalmente um conhecimento da proibição e da sanção imposta para a
violação daquele pressuposto legal, porque senão só tinha consciência da ilicitude
quem fosse de alguma forma jurista ou penalista. Portanto, o que se exige é uma
consciência da ilicitude material, no sentido de que aquele comportamento é valorado
do ponto de vista axiológico em termos de ser censurado ético-socialmente. Basta o
conhecimento da censura ético-social do comportamento para que se forme a
consciência da ilicitude do facto.
Por outro lado, esta consciência da ilicitude pode ser firmada e pode-se dizer que o
agente actua ainda com consciência da ilicitude, ainda que se trate de uma consciência
da ilicitude eventual.
O que filia o juízo de consciência da ilicitude não é o carácter moral ou imoral da
conduta empreendida pelo agente, porque a valoração moral ou imoral de um
comportamento não coincide sempre com a valoração jurídico-penal do
comportamento ilícito.
Portanto, neste conceito de ilicitude, tão só basta a consciência da ilicitude material.
Pode acontecer contudo que uma pessoa actue e pratique um facto ilícito e venha
depois a juízo defender-se, dizendo que actuou sem saber que aquilo que fez é
proibido, ou que não actuou precisamente porque desconhecia que actuar era uma
imposição.
Nestes casos, está-se perante situações de erro sobre a ilicitude em que o agente
desconhece o carácter ilícito daquilo que fez, ou desconhece o carácter ilícito daquilo
que efectivamente não fez (e ilícito porque deveria ter feito).

133
Estas situações de erro sobre a ilicitude estão plasmadas no art. 14º CP, o Prof.
Figueiredo dias chama de erro moral ou de valoração.

126. Erro sobre a ilicitude

A propósito do art. 14º CP costuma-se chamar-se-lhe de erro sobre a ilicitude ou erro


sobre a proibição, ainda que seja mais correcto chamar-lhe erro sobre a ilicitude,
porque factos ilícitos não são só acções que violam proibições, mas também omissões
de acções e/ou exigências, consoante os factos sejam por acção ou por omissão,
consoante as normas sejam proibitivas ou perceptivas. Neste sentido é mais
abrangente a designação de erro sobre a ilicitude, porque abrange quer as acções quer
as omissões.
No âmbito deste erro sobre a ilicitude, também designado menos correctamente erro
sobre a proibição, distingue-se o erro sobre a proibição cujo conhecimento seja
razoavelmente indispensável e exigível ao agente para ele tomar consciência da
ilicitude, que é o erro que se encontra consagrado no art. 15º/1 3ª parte CP, esse sim
um erro de natureza intelectual.
A distinção do erro sobre as proibições do art. 14º CP do erro do art. 15º CP (erro
moral ou de valoração) que é também um erro sobre as proibições é a seguinte:
- As proibições de que se fala no art. 14º/1 CP são, dentro das proibições novas, tão
só aquelas que são axiologicamente neutras. Valorativamente neutras, ou que não
contenham em si uma censurabilidade ético-social.

O erro sobre a ilicitude ou sobre as proibições do art. 15º CP pode ser de duas
naturezas: ou de um erro directo sobre a ilicitude; ou um erro indirecto sobre a
ilicitude.
Sendo que no âmbito do erro indirecto sobre a ilicitude, tem-se o erro sobre a
existência de uma causa de justificação e o erro sobre os limites de uma causa de
justificação. Portanto, um erro sobre normas permissivas.
No erro sobre a ilicitude tem-se aquelas situações em que no fim de contas o agente
erra é sobre a permissão do comportamento. Repare-se: na justificação de erro sobre a
existência de uma causa de justificação, o agente quando actua sabe que aquilo que
está a fazer é um facto ilícito, mas julga que esse facto ilícito vai ser aprovado pela
ordem jurídica pela intervenção de uma causa de justificação, causa de justificação

134
essa que o ordenamento jurídico português não conhece e que nem é possível inferir a
partir dos princípios que norteiam o regime jurídico da justificação.
Conforme diz o art. 15º CP tem-se de verificar se se tratam de erros censuráveis ou
erros não censuráveis, isto é, se se tratam de erros evitáveis ou não evitáveis.
Nos termos do art. 15º/1 CP se o erro sobre a ilicitude for um erro não censurável, for
um erro inevitável, então o agente age sem culpa, por isso, o erro sobre a consciência
da ilicitude não censurável exclui da culpa.
Pelo contrário, se o erro for censurável porque era um erro evitável, diz o art. 15º/2
CP que o agente será punido com a pena correspondente ao crime doloso praticado,
contudo, pode beneficiar de uma atenuação especial facultativa da pena.
Pode-se dizer que o Código Penal traduz uma teoria da culpa em deterimento
daqueles que propunham uma teoria do dolo.

127. Teorias do dolo


Para os partidários desta teoria, o dolo fazia parte da culpa. E o dolo, dentro do seu
elemento, era integrado também pela consciência da ilicitude. O dolo, ao lado do
conhecer e querer um determinado facto era também integrado pela consciência da
ilicitude: o agente tinha de conhecer e querer um determinado facto sabendo que esse
facto era ilícito.
Para a teoria rigorosa do dolo este era integrado na culpa, porque a culpa era
predominantemente subjectiva. Sendo assim, faltando a consciência da ilicitude,
faltaria um elemento do dolo, faltando um elemento do dolo, ele tinha de estar
excluído.
A esta teoria seguiu-se uma outra, a teoria limitada do dolo que diz: sendo embora o
dolo integrado na culpa e composto também pela consciência da ilicitude, se faltar a
consciência da ilicitude falta um elemento do dolo, logo não se pode punir o agente a
título doloso, com uma excepção: aqueles casos em que faltou a consciência da
ilicitude por cegueira jurídica ou inimizade ao direito.
As teorias do dolo levavam a esta situação: quando se actua sem consciência da
ilicitude, como esta é um elemento do dolo, falta um elemento do dolo, logo está
afastado.

135
Teorias da culpa
Os partidários desta teoria vêm dizer, que o dolo é um elemento do tipo e é um
elemento subjectivo geral (foi uma conquista dos finalistas),
A consciência da ilicitude não é ponto de referência do dolo: a consciência da
ilicitude não integra o dolo, mas é antes um elemento autónomo da culpa, e
consequentemente a faltar a consciência da ilicitude o que pode estar excluído é a
culpa. E é isso que se tem no art. 15º CP:
- Se o agente actua sem consciência da ilicitude e se essa falta de consciência da
ilicitude não lhe é censurável, a culpa está excluída;
- Se pelo contrario o agente actua sem consciência da ilicitude, mas esse erro é um
erro censurável, então o agente é punido por dolo, podendo a pena ser atenuada na
culpa manifestada pelo agente.

O Código Penal secunda a teoria da culpa, ou seja, pode-se dizer que o entendimento
das teorias da culpa estão de harmonia com o preceituado no art. 15º CP.

Critérios de censurabilidade do erro no art. 14.º CP


Existem vários critérios.
Um critério que tende de alguma forma a objectivar um pouco do critério da
censurabilidade ou não do erro, faz esta análise da evitabilidade ou inevitabilidade do
erro da seguinte teoria, coloca um agente médio na posição do agente real e pergunta
se para esse agente médio era nítido que o facto praticado era um facto ilícito ou não,
e assim:
- Se para um agente médio colocada nas mesmas circunstâncias também não fosse
evidente que o facto era um facto ilícito, ter-se-ia um erro não censurável, logo a ser
filtrado nos termos do art. 15º/1 CP;
- Se para esse agente médio colocado nas mesmas circunstâncias do agente o facto
praticado se manifestasse ilícito, então nesse sentido, ter-se-ia um erro censurável,
com relevância nos termos do art. 15º/2 CP.
Um critério um pouco mais complicado, é a teoria de Roxin faz a pergunta ao agente
que comete o facto de que vem alegar desconhecimento da sua ilicitude, ou
desconhecimento da sua proibição, faz perguntar se seria de alguma forma legítimo
impor ao agente que ele pelo menos suspeitasse do carácter ilícito do facto por si
praticado.

136
Então, se se puder dizer que realmente naquelas circunstâncias era de alguma forma,
exigível que ele pelo menos desconfiasse do carácter ilícito do seu facto, e então se
desconfiou tinha a obrigação de se ir informar, saber se aquilo que ele suspeitou ser
ilícito era na verdade lícito ou ilícito.
Esta violação do dever de informação com base numa suposição funda e
efectivamente a censurabilidade do erro e, portanto, a possibilidade de punir o agente
por facto doloso nos termos do art. 15º/2 CP.
Se pelo contrário naquelas circunstâncias não fosse minimamente exigível que o
agente suspeitasse do carácter ilícito do facto, então ele também não teria nenhuma
obrigação de se informar. E daí a inevitabilidade do erro, em que todas as pessoas
incorreriam. E o erro não censurável aí teria relevância nos termos do art. 15º/1 CP,
excluindo a culpa.

Exigibilidade de um comportamento conforme ao direito.


Há autores que consideram um terceiro elemento da culpa, que é a exigibilidade de
um comportamento conforme ao direito, ou de harmonia com o dever ser.
Esta exigibilidade para determinados autores é, ao lado da capacidade de culpa e da
consciência da ilicitude, um verdadeiro elemento da culpa. E não existindo este
elemento, ou seja, não sendo no caso concreto exigível ao agente que ele adopte um
comportamento diferente, um comportamento de harmonia com o direito, então falta
um elemento da culpa e a culpa tem de estar excluída. É nomeadamente a posição de
Frank.
Por outro lado, autores há que consideram que esta exigibilidade não é um verdadeiro
elemento da culpa.
A exigibilidade do comportamento conforme o dever ser, ou conforme ao direito, não
sendo elemento da culpa, não a exclui, pode é fundamentar uma desculpa, é o caso de
Roxin.
E há quem entenda que a exigibilidade é apenas um princípio de direito regulativo
sem conteúdo material, e consequentemente nem é elemento da culpa, nem
fundamenta toda a desculpa. Donde, aquilo que se vai entender é que compõem a
culpa dois elementos positivos:
- Capacidade de culpa;
- Consciência de ilicitude.

137
E um elemento de natureza negativa:
- A ausência de causas de desculpa.
Causas de desculpa, estas que, a verificarem-se, não excluem a culpa do agente,
porque o agente tem capacidade de culpa e consciência da ilicitude. Mas causas de
desculpa porque o agente, não obstante ter esses dois elementos da culpa actuam em
circunstância tão extraordinárias e de alguma forma tão anormais que toldam a
normal capacidade de avaliação e de determinação. Sendo certo que a ordem a ordem
jurídica não pode deixar de tolerar os factos praticados por essas pessoas nessas
circunstâncias, consequentemente procede a uma desculpa.
Pode-se dizer que, faltando um dos elementos da culpa:
- Capacidade de culpa;
- Consciência da ilicitude (não censurável).
A culpa está excluída, são as causas de exclusão da culpa.

Causas de exclusão da culpa.


São três, as causas de exclusão de desculpa previstas no Código Penal:
- O excesso de legítima defesa (art. 36º CP);
- O estado de necessidade subjectivo ou desculpante (art. 37º CP);
- Obediência indevida desculpante (art. 38 CP).
A verificar-se uma destas situações, a culpa está excluída, mas o facto permanece
necessariamente ilícito, uma vez que o juízo de ilicitude procede necessariamente o
juízo de culpa.

a) Excesso de legítima defesa (art. 31º CP)


Neste artigo 31º CP tem dois números:
O n.º 1 onde prevê-se a legítima defesa excessiva, ou um excesso intensivo, que tem a
ver só com o excesso do meio empregue para repelir a agressão. Nesse sentido, esse
excesso intensivo pode ser um excesso consciente ou um excesso inconsciente.
Roxin diz que nestes casos de excesso intensivo previsto no art. 36º CP:
- Quando ele é consciente, o agente pode ser punido por dolo;
- Quando ele é inconsciente, o agente pode ser punido por negligência.
Sendo certo que se tem de verificar sempre e em todo o caso a consequência do art.
36º CP que leva a uma atenuação especial da pena [45].

138
No n.º 2 prevê-se a situação restrita de desculpa quando o excesso nos meios
empregues tiver resultado de medo, susto ou perturbação não censurável.
É um estado afecto asténico em que o defendente se encontra, e consequentemente
esse estado afecto a uma certa astenia leva à desculpa.

b) Estado de necessidade subjectivo ou desculpante (art. 37º CP)


Esta causa de desculpa exige uma ideia de uma certa proporcionalidade, porque se
filia já numa certa exigibilidade.
Também esta causa de desculpa tem um elemento subjectivo, que é a consciência que
as pessoas têm do perigo e a vontade que têm de actuar para remover esse perigo. No
entanto, esta causa de desculpa só existe verdadeiramente, nos termos do art. 32º/1 CP
quando estiverem em perigo única e exclusivamente os bens jurídicos aí
descriminados. Quando estiverem em perigo outros bens que não estes, a solução é
dada pelo n.º 2 do art. 32º e não pela n.º 1.
Por outro lado, esta causa de desculpa pode encontrar um determinado fundamento na
exigência de um comportamento contrário, de um comportamento conforme ao dever
ser.
A exigibilidade inculca aqui, no âmbito do estado de necessidade, já uma ideia de
proporcionalidade.
Em primeiro lugar, tem de se afastar um perigo grave, não é qualquer perigo.
Depois, o facto ilícito praticado para remover esse perigo tem de ser o único facto
adequado e necessário à remoção do perigo. Não pode haver outro, porque se houver
já não há desculpa.
Significa que tem de haver sempre uma determinada proporcionalidade, sob pena de
se dizer que era sempre exigível a adopção de um comportamento diferenciado para a
remoção do perigo. Portanto, aqui a ideia de exigibilidade inculca uma ideia de
proporcionalidade entre o bem em perigo e o bem que se lesa para remover esse
perigo.
A exigibilidade de adopção de um comportamento conforme o direito é de alguma
forma um princípio meramente regulativo. E isto porque a ser um verdadeiro
elemento da culpa, ou é para toda a gente ou não é para ninguém. Então a
exigibilidade não sendo elemento da culpa, pode fundamentar uma situação de
desculpa, ou seja: poderá em determinados casos dizer-se que há culpa, porque o

139
agente tem a capacidade de culpa e consciência da ilicitude e ainda lhe era possível
actuar na harmonia com o direito.

c) Obediência indevida desculpante (art. 38º CP)


Ainda pode ser desculpado quem cumpre uma ordem de um superior hierárquico sem
ser pelo agente evidente, no quadro das circunstâncias em que o conhecimento
daquela ordem desembocasse na prática de um crime. Tem-se aqui uma situação de
erro sobre a ilicitude.
Cessa o dever de obediência hierárquica quando tal se traduzir na prática de um
crime. No entanto, quando o agente actua em obediência a uma ordem não sendo para
si evidente, no quadro das circunstâncias que ele representou, que essa ordem conduz
à prática de um crime, esse facto pelo agente praticado é um facto típico e ilícito, mas
o agente beneficia de uma desculpa.

132. Erro sobre os elementos de uma causa de desculpa


Este erro, em que o agente julga existir mas que na realidade não existe leva também,
nos termos do art. 14º/2 CP à exclusão do dolo, ressalvando-se nos termos do art.
14º/3 CP a punibilidade por negligência nos termos gerais.
Este erro exclui o dolo ressalvando-se a punibilidade por negligência nos termos
gerais. Este erro exclui o dolo, ressalvando-se a punibilidade por negligência nos
termos do art. 14º/3 CP.

Tipos de culpa
São elementos que caracterizam a atitude do agente expressa no facto. São elementos
caracterizadores da atitude do agente, são pois elementos objectivos daquilo que
constitui o juízo de censura de culpa.

133. Conclusão
A culpa é uma categoria analítica da sistemática do facto punível.
É uma categoria material e como tal, um conceito graduável, ou seja, o mesmo facto
pode ser passível de um maior ou menor juízo de censura de culpa, de harmonia com
a atitude expressa pelo agente na prática do facto, em termos de poder ter adoptado
sempre um comportamento diferenciado daquele que adoptou, o agente podia sempre

140
ter actuado licitamente e optou por actuar ilicitamente. E o agente podia ter actuado
de harmonia com o direito precisamente porque:
- Tinha capacidade de culpa, ou seja, tinha capacidade para avaliar o carácter ilícito
do facto e determinar-se, por essa avaliação;
- Teve conhecimento do carácter ilícito do seu facto; e
- Não actuou em circunstâncias tão extraordinárias que o desculpem.

Nesse sentido, a culpa é um conceito material e graduável:


- Quanto maior for a censura da culpa, maior a pena do agente;
- Quanto menor for a censura, menor a pena do agente conforme resulta dos arts. 71,
nº 2º segs. CP.
Inclusivamente, que a culpa é um conceito graduável atestam entre outras:
- As normas do art. 15º/2 CP em caso de erro censurável sobre a ilicitude pode haver
lugar a uma atenuação especial da pena, que é fundada no grau de culpa manifestado
pelo agente;
- Prova-o o preceituado no art. 36º/1 CP em caso de excesso intensivo nos meios
empregues na legítima defesa, pode haver também lugar a uma atenuação;
- Prova-o o art. 37º/2 CP.
Outros autores entendem que esta atenuação, nos casos de excesso intensivo do art.
36º/1 CP tem ainda a ver com a culpa do agente, e portanto esta atenuação da pena
terá a ver com uma certa desculpa.
[42] Não há em direito penal responsabilidade objectiva.
[43] Isto é um conceito de ilicitude.
[44] Imputável significa, em direito penal capacidade de culpa; inimputável significa incapacidade de culpa.
[45] Mas atenção, porque há autores que vêem nesta atenuação especial da pena, no caso de excesso intensivo do art. 36º/1 CP
uma atenuação que se funda não já na culpa, mas na punibilidade em sentido estrito.

COMPARTICIPAÇÃO CRIMINOSA

134. Introdução
A matéria da comparticipação encontra-se prevista nos arts. 24º, 25.º, 26,º e 27 CP.
A comparticipação criminosa postula em que várias pessoas concorrem para a prática
de um facto penalmente relevante.
Pode-se genericamente definir a comparticipação criminosa para o direito português
como uma situação de pluralidade de intervenientes num facto.

141
O problema que as regras de comparticipação criminosa visam responder é saber,
dentro da prática de um facto, quem é que é responsável, porquê e em que termos.
As regras da comparticipação criminosa são regras necessárias para no fundo se poder
aplicar as regras da parte especial a outras pessoas que não apenas àquelas que
praticam o facto por si mesmas.
Sendo certo que as normas da parte especial carecem em alguns casos das normas da
parte geral para integrar outros comportamentos, as normas dos arts. 24º e 25º CP, são
normas que por si só não têm valor, são normas que se têm que relacionar com as
normas da parte especial.
E nestas relações entre as normas dos arts. 24º, 25 e até o art. 26º CP com as normas
da parte especial, tem-se no fundo um conjunto de outras regras.
As regras dos arts. 24º, 25º e 26º CP, são regras de extensão da tipicidade, ou seja, são
regras que visem no fundo tornar típicos comportamentos que não eram típicos.
As regras da comparticipação criminosa visam valorar contributos que não são
imediatamente subsumíveis aos tipos de ilicitude da parte especial.
Em segundo lugar, trata-se de regras que, em conjunto com a(s) regra(s) da parte
especial, criam uma nova regra de valoração jurídica, nesse sentido estendem a
tipicidade da parte especial.
A comparticipação criminosa, assenta na distinção fundamental entre autoria e
participação. As diversas figuras da autoria e da participação por referência à lei são
as seguintes:
a) Autoria (art. 24º CP)
- Autoria singular;
- Autoria mediata; co-autoria

Figuras que estão previstas no art. 24º CP.


a) Participação criminosa, são formas de envolvimento menos grave, pressupõem
sempre um autor e são:
- A instigação, corresponde aquele que dá uma indicação, dá uma ordem a outrem
para que esse outrem cometa um facto ilícito;
- A cumplicidade é o acto de auxílio, de apoio a um facto praticado por outrem.

142
135. Autoria
A ideia básica que está subjacente a um conceito extensivo de autoria é a da
equiparação causal dos diversos contributos: quem é causa de um facto, ou quem se
torna causal por um facto, é o autor do mesmo.
Este conceito extensivo pode ainda ser visto puramente como um conceito extensivo
ou, de uma forma mais radical, como um conceito unitário, isto é: há quem entenda
que se teria de partir de uma ideia de causalidade; e sempre que ela fosse essencial
para o facto ter-se-ia um autor.
Se porventura alguém fosse causal para o facto, mas o seu contributo não fosse
essencial, já não se teria autor [46].
Esta posição distingue-se de uma outra, também de base causalista, que é mais
radical, que é esta: a partir do memento em que se identifica que alguém é causa, não
há distinções a fazer, todos são autores (trata-se por exemplo do sistema seguindo no
direito austríaco).
O conceito extensivo parte de uma ideia de causalidade, mas há formas radicais de ler
este conceito extensivo:
- Um conceito causal de autor pode ser unitário, e no conceito unitário quem der
causa ao homicídio é autor sempre, independente da distinção que se possa fazer
quanto à essencialidade da causa.
- Num conceito meramente extensivo parte-se duma ideia de causalidade, mas pode-
se fazer distinções consoante o contributo seja essencial ou não seja essencial. O
Código Penal, separou claramente os cúmplices dos autores, rejeitando um conceito
unitário de autor.
Se ler-se os arts. 24º e 25º CP, vê-se que no art. 25º o cúmplice é sempre punido de
uma forma menos grave que o autor, o que é um elemento interpretativo bastante
claro no sentido de se poder dizer que o Código Penal não aceitou uma equiparação
total entre os diversos intervenientes, ou seja rejeitou o conceito unitário de autor. Por
outro lado, pode-se dizer também que rejeita um conceito extensivo de autor, e isto
por duas razões:
1) Porque prescindiu de qualquer referência à causalidade;
2) Porque na perspectiva do Prof. Eduardo Correia, quando os cúmplices prestassem
um contributo essencial seriam autores.

143
O Código Penal rejeitou um conceito extensivo de autor, porque o conceito extensivo
de autor admitia no fundo uma cisão da cumplicidade. O Código Penal não admite
essa cisão:
- Por referência ao conceito extensivo do autor quem forneça uma arma
imprescindível para a prática do facto ilícito é considerado autor desse facto ilícito;
- Para o Código Penal, quem forneça uma arma é sempre considerado cúmplice, por
mais essencial que seja o contributo. Ao não admitir esta distinção a cumplicidade
essencial e a cumplicidade não essencial o Código Penal também rejeitou um conceito
extensivo de autoria.

136. Conceito causal de autor no sistema comparticipativo


Uma primeira distinção fundamental consiste em distinguir os autores de
participantes:
- Os autores dos factos são pessoas que perante o facto têm uma posição mais
importante, mais decisiva;
- Participantes são aqueles que têm um envolvimento mais distante com o facto, isto
é, um envolvimento menos importante.
Esta distinção entre autor e participante, que é uma distinção doutrinária, pode ser
concretizada por referência a diversos critérios, e há fundamentalmente três critérios
que pretendem operar esta distinção entre autor e participante:
1) O critério formal objectivo;
2) As teorias subjectivistas;
3) Os critérios materiais objectivos.

137. Teoria (ou critério) formal objectivista


Diz que o autor é o sujeito que executa a conduta típica. Se a conduta típica é matar, a
questão traduz-se em saber quem é que mata a vítima.
A conduta típica é matar alguém, a teoria formal objectiva diz que quem executa a
conduta típica é que é o autor. Então, tem-se o problema ainda por resolver, porque é
exactamente o problema de saber a quem é que pode ser imputado o facto total
quando há contributos parciais que se tem em mãos na comparticipação criminosa, ou
seja, a teoria formal objectiva supõe que está definido que pretende definir: é a
execução da conduta típica.

144
A teoria formal não permite dar uma resposta, ou seja, não resolve o problema
fundamental da comparticipação criminosa que é saber, quando existe divisão de
tarefas, como é que essas diversas tarefas são valoradas.
Em rigor, a teoria formal objectiva mais não seria do que a aplicação dos próprios
tipos da parte especial. E por essa razão parece que ela não resolve coisa alguma do
ponto de vista de esclarecer a comparticipação criminosa. O problema fundamental
está em saber como é que se podem valorar certos contributos perante a execução de
um facto típico quando há divisão de tarefas.
Quando há divisão de tarefas, por regra há pessoas que não praticam o facto típico tal
como ele está integralmente descrito, isto é, praticam apenas parcelas daquilo que
poderia ser o facto típico.
Portanto, a teoria formal objectiva é nesta perspectiva uma teoria consideravelmente
inútil. Seria aparentemente respeitadora do princípio da tipicidade, mas mesmo assim
não permitira resolver os casos mais complicados, que seriam sempre os de divisão de
tarefas ou da intervenção de uma pluralidade de pessoas.

138. Teoria subjectivista


A teoria subjectivista, distingue-se os autores dos participantes com base na seguinte
ideia fundamental:
- Autor é aquele que tiver “animus auctoris”, ou seja, quem tiver intenção de se
envolver no facto como autor;
- Participante será aquele que tiver “animus socii”, ou seja, de mero envolvimento,
desligado no fundo do próprio facto; tem um envolvimento, mas não tem intenção de
se comportar verdadeiramente como autor.
Esta teoria padece de vários vícios.
O primeiro é um vício de técnica jurídica ou dogmática jurídica que é este: o
problema da comparticipação criminosa é um problema de tipicidade objectiva e
traduz-se em saber como é que certos contributos, que são objectivos, podem ser
vistos na valoração de um facto concreto.
Um outro problema é o da imprecisão das teorias subjectivas. O que é o “animus
auctoris” e que é o animus socii”? A doutrina maioritária nesta sede, que se defendem
estas teorias, reportava-se no fundo ao interesse na prática do facto, mas quando
aplicado, este critério gerou situações perfeitamente bizarras.

145
Isto subverte completamente o problema objectivo, isto é, o problema da
comparticipação criminosa é um problema de tipicidade objectiva e em função do
interesse na prática do facto subverte-se completamente a postura dos agentes perante
a lesão do bem jurídico. Por outro lado e em terceiro lugar, as teorias subjectivas não
têm qualquer apoio legal, reportam-se a elementos da intencionalidade que não fazem
parte dos tipos, sintetizando:
- Em primeiro lugar, são critérios tecnicamente contraditórios porque tentam resolver
problemas de tipicidade objectiva, ou seja, de contributos, com base em critérios
subjectivos;
- Em segundo lugar, são critérios muito imprecisos, mas se identifica bem qual é no
fundo o “animus” relevante;
- Em terceiro lugar, conduz a soluções discrepantes, ou seja, quem tem interesse mas
não pratica o facto é autor; quem pratica o facto mas não tem interesse em rigor não é
autor.

139. Critérios materiais objectivos:


O critério do Prof. Eduardo Correia é um critério material objectivo, isto é, o conceito
causalista de autor tem uma base material de natureza objectiva: quem presta um
contributo que é essencial ao cometimento do facto é considerado autor.
Na perspectiva do Dr. Costa Pinto o conceito causalista de autor não deve ser aceite,
por duas razões fundamentais.
Em primeiro lugar, o preenchimento do tipo a título de autor depende de factores
completamente aleatórios, porque repare-se: quando se valora um contributo como
essencial ou não essencial, esta essencialidade pode depender de factos que são
alheios ao contributo e que são aleatórios.
Por outro lado, depende de factores completamente aleatórios.
Mas há ainda uma segunda crítica que é mais importante do que esta: é a teoria
causalista do Prof. Eduardo Correia, trata da mesma forma contributos que, de acordo
com a experiência comum, são diferentes.
A tese causalista trata da mesma forma realidades que de acordo com a experiência
comum são diferentes, contudo a teoria causalista uniformiza-os a todos, trata todos
da mesma forma. E nesta medida em que uniformiza realidades que de acordo com a
experiência comum são diferentes, viola o núcleo elementar do princípio da justiça,

146
viola o princípio da proporcionalidade, as valorações jurídicas não podem ser as
mesmas porque o contributo lesivo de cada um destes actos é diferente.

140. Teoria do domínio do facto


Esta é ainda uma teoria material objectiva.
Ela é formulada pela primeira vez de uma forma mais rigorosa por Hans Welzel. Este
autor considerou, perante nomeadamente a sua concepção finalista, que o autor era a
pessoa que exercia o domínio final do facto, quem não tivesse esse domínio final do
facto então devia ser punido apenas como participante.
Este conceito que foi formulado por Hans Welzel e que foi trabalhado posteriormente
por Claus Roxing tem imensas virtualidades.
O que é o domínio do facto?
A ideia do domínio do facto parte desta ideia fundamental: o autor de um facto ilícito
é aquele que tem o poder de fazer avançar o facto ilícito, isto é, que tem o poder de
provocar a agressão no bem jurídico. Domínio do facto, é portanto um certo poder de
fazer evoluir um perigo para um bem jurídico, mas este poder de fazer evoluir algo
significa duas modalidades fundamentais no domínio, este domínio pode ser positivo
ou negativo:
- O domínio do facto é positivo, na perspectiva de Roxin, quando o domínio de fazer
evoluir o facto para a consumação;
- O domínio do facto é negativo, é apenas o domínio de frustrar o avanço para a
consumação.
Roxing retira daqui um ideia extremamente importante: se qualquer pessoa pode ter
no fundo o domínio negativo, isso não caracteriza a autoria, o que caracteriza a
autoria é o domínio positivo do facto.

O que é o domínio positivo do facto?


Para Roxing é dominar a consumação do tipo, isto é, dominar a consumação do facto
ilícito descrito na parte especial.
De acordo com outro autor Bachmann, a única realidade dominável não são os
resultados é o perigo. O perigo sim, é que é uma realidade susceptível de ser
dominada, e isto parece correcto: o objecto do domínio é o perigo.

147
Por isso pode-se definir o conceito de domínio do facto, ou o conceito e autor, por
referência ao domínio do facto, como o exercício de um domínio positivo sobre o
perigo, ou seja:
- Quem tem o poder de fazer avançar o perigo para o bem jurídico é autor desse facto;
- Quem não detém esse poder, não é autor do facto, poderá ser participante.
Este conceito do domínio do facto aplica-se de forma diferente às diversas
modalidades de autoria, ou seja, em termos gerais é autor quem detém o domínio
positivo do facto, isto é, quem pode fazer evoluir o perigo para o bem jurídico. Mas
depois, o domínio particularizou-se em relação a cada uma das figuras previstas na
lei.

141. Modalidades de autoria


a) Autoria material
O autor do facto, é aquele que tem o domínio da acção. Há um aspecto a referir: as
figuras da comparticipação criminosa são regras de imputação do facto a um certo
sujeito. Enquanto a teoria da imputação objectiva relaciona uma acção e um certo
resultado, a teoria da comparticipação criminosa (teoria do domínio do facto)
relaciona um certo agente com uma acção.
Nos casos de autoria material, o autor do facto ilícito é aquele que tiver materialmente
o domínio da acção típica. Mas estes casos não levantam particulares problemas,
porque quem tem o domínio do acção típica preenche desde logo o tipo da parte
especial, em rigor seria desnecessária previsão de uma situação de autoria material.
Corresponde à primeira proposição do art. 26º CP quando se diz que “é punível como
autor quem executa o facto por si mesmo”, deve entender-se esta expressão como
aquele que no fundo detém o domínio positivo da acção que integra o tipo de ilícito.
b) Autoria mediata
O domínio do facto, já se materializa de uma forma diferente vem prevista na segunda
proposição do art. 24º CP e traduz-se naquela situação em que alguém pratica o facto
“por intermédio de outrem”.
Na perspectiva de Roxin significa que a pessoa não tem materialmente o domínio da
acção; mas tem ainda perante o facto uma situação de poder que lhe permite conduzir
a lesão para o bem jurídico. Qual é a realidade sobre a qual incide esse poder?
Na perspectiva de Roxing é o domínio sobre a vontade do autor material, isto é, nas
situações de autoria mediata há um domínio da vontade que permite no fundo dizer

148
que o poder que o sujeito detém de fazer evoluir a agressão para um certo bem
jurídico é o domínio que esse sujeito tem sobre a vontade daquele que executa
materialmente o facto.
A situação de autoria mediata, portanto, tem esta particularidade: a acção
materialmente é praticada por uma pessoa, mas existe uma outra que está por detrás
dela que não praticando materialmente a acção, tem um poder de conduzir o facto
porque domina a vontade da pessoa que tem poder materialmente sobre a acção.
Esta ideia de utilização, de instrumentalização, é fundamental para as situações de
autoria mediata, porque quem pratica materialmente a acção é instrumentalizado por
outrem. E é nesta instrumentalização que reside o momento do domínio: aquele que
instrumentaliza outra pessoa, levando-a a praticar um facto, detém sobre esse facto
um poder que essa outra pessoa não tem. Como é que se podem concretizar estas
formas de domínio da vontade?
1) Em primeiro lugar, existe domínio da vontade sempre que se verifica uma situação
de indução em erro relevante. Genericamente, pode dizer-se que a indução em erro
relevante (aquele no fundo que inculca o dolo) corresponde a uma situação de
exercício do domínio do facto, por referência ao domínio da vontade.
Quem induz outra pessoa em erro relevante exerce um domínio sobre a vontade dessa
pessoa e portanto o facto que essa pessoa pratica é imputável ao sujeito que a
instrumentaliza.
2) Um segundo conjunto de situações identificado por Roxin traduz-se num domínio
sobre vontades débeis e instrumentalizáveis, como por exemplo as crianças e os
inimputáveis em razão de uma anomalia psíquica.
Nestas situações entende Roxin que quem utiliza uma criança ou um inimputável
(incapaz de culpa genericamente) tem, em função da sua posição de ascendente sobre
essa pessoa, um domínio na possibilidade de conduzir o perigo para o bem jurídico.
Portanto, uma outra forma de praticar o facto através de outrem, ou
instrumentalizando outrem, é utilizar alguém que tenha uma vontade débil e que pode
ser conduzida perante o ascendente de outra pessoa: inimputáveis em razão da idade,
pessoas que actuem sem consciência da ilicitude ou inclusivamente alguém que seja
inimputável por anomalia psíquica.

149
3) Um terceiro grupo traduz-se nas situações de coacção psicológica irresistível
Roxing identificou um terceiro leque de situações que correspondem ao exercício do
domínio da vontade quando alguém exerce sobre outrem uma coação psicológica
irresistível. Estes três conjuntos de situações:
- Situações de indução em erro relevante;
-Situações de utilização de inimputáveis, ou de vontades débeis ou
instrumentalizáveis;
- Situações de coacção psicológica irreversível.
Conduzem a que o facto materialmente praticado pelo executor material seja
atribuído, imputado ao autor mediato, àquele que no fundo detém o domínio da
vontade do executor material. Roxin cria além disso, um quarto grupo de situações de
autoria mediata: são situações em que alguém exerce um domínio da vontade dentro
de um aparelho organizado de poder.
A ideia fundamental de Roxing traduzir-se-ia em identificar situações em que a cadeia
hierárquica entre várias pessoas era de tal forma forte que quem praticava
materialmente a acção em rigor praticava-a, mas essa acção era de outrem.
Importa frisar que nestas situações de autoria mediata, a figura é sempre uma figura
dolosa, e é dolosa por várias razões:
- Sendo uma extensão do tipo da parte especial, se o tipo é doloso a extensão também
será dolosa;
- Por outro lado a ideia de domínio do facto é incompatível com uma atitude
negligente. A ideia de domínio pressupõe consciência e vontade para que se possa no
fundo dirigir o perigo. A Profª. Teresa Beleza, diz que a teoria do domínio do facto é
incompatível com os crimes negligentes, e que, por outro lado, nos crimes negligentes
é completamente desnecessária a teoria do domínio do facto.

c) Co-autoria
Nestas situações tem-se uma repartição de funções em que existe, por parte de cada
um dos co-autores, um domínio funcional do facto, isto é, de acordo com o contributo
que presta, o sujeito, pelo papel que tem, pela função que desempenha dentro do
plano, detém um domínio funcional do facto.
A co-autoria está prevista na terceira proposição do art. 24º CP quando se diz “toma
parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros”.

150
Um dos elementos da co-autoria é um elemento de carácter misto, que é o acordo, ou
seja, para existir co-autoria é necessário que exista uma acordo, este é uma
concertação de vontades para a prática do facto; pode ser uma decisão conjunta
prévia, ou pode ser uma decisão no momento da prática do facto. Esta concertação de
vontades existe na co-autoria e não existe na autoria mediata:
- Na autoria mediata existe uma vontade de dirigir o facto por parte do autor mediato,
mas não há concertação de vontades;
- Na co-autoria há esta concertação de vontades.
Portanto, é necessário um acordo, este pode ser:
- Prévio ao facto;
- Ou pode ocorrer no momento da prática do facto.
Pode ser por outro lado:
- Expresso;
- Tácito.
O que é necessário é que exista um acordo que se traduz nesta concertação de
vontades para a prática do facto.

142. Tomar parte directa na execução


É um elemento de natureza objectiva muito importante, ou seja, é necessário que
exista um acordo mas não basta esse acordo. O que é tomar parte directa na
execução?
Supõe em primeiro lugar, um certo envolvimento presencial no facto que está em
causa. Como é esse acto? Como é que ele se deve delimitar?
A Profª. Conceição Valdágua entende que tomar parte directa na execução, ou seja, o
contributo típico do co-autor tem que ser um contributo também identificado em
termos de tipicidade. Portanto, isto supõe duas referências fundamentais:
- Primeiro, que exista uma execução em curso;
- Segundo, que tome parte directa nela.
São duas referências fundamentais para definir o contributo do co-autor, repare-se
porquê:
- É possível alguém ter alguém envolvimento numa execução sem tomar parte dela;
- Por outro lado, pode alguém tomar parte num facto ou num plano sem estar a
participar na execução.

151
A co-autoria no fundo tem uma baliza objectiva que é a execução do facto pelos
autores, e o acto típico do co-autor é o acto de tomar parte directa numa execução em
curso. E em que consiste tomar parte directa?
A Profa. Conceição Valdágua entende que para se respeitar o princípio da tipicidade
em matéria de responsabilidade dos diversos agentes, tomar parte directa tem que ser
um contributo minimamente típico, tem que ser um contributo que esteja pelo menos
previsto no art. 20º/2-c CP. Isto é, tem que ser um acto que faça supor que a seguir
será praticado o acto de execução, mas repete-se, tem que estar em curso uma
execução.
Ora, tem que existir, para haver co-autoria, esta coincidência entre o momento do acto
do co-autor de tomar parte directa e a execução em curso:
- Se for antes da execução tem-se cumplicidade;
- Se for depois da execução, porventura o comportamento também apenas se poderá
reconduzir à cumplicidade.
A co-autoria não é sempre a mesma, ou seja, há modalidades diferentes de co-autoria.
O co-autor não detém o domínio total do facto, mas detém uma parcela importante do
domínio por referência a um poder sobre o seu contributo, isto é, o co-autor detém
realmente o domínio positivo do facto seu contributo: depende dele praticar ou não
praticar aquele acto de envolvimento; mas não detém o domínio global do facto, a sua
função é extremamente importante.
Há situações de co-autoria em que o envolvimento é mais forte, distinguindo
nomeadamente a chamada co-autoria complementar das situações de co-autoria
dependente.
a) Co-autoria complementar: os agentes que actuam não detêm totalmente o domínio
do facto, detêm-no de uma forma repartida;
b) Co-autoria dependente: alguém pratica um acto de domínio, mas esse domínio é
limitado, não está repartido com outras pessoas.
Portanto:
- Enquanto nos casos de co-autoria complementar os domínios dependem um do
outro;
- Nos casos de co-autoria dependente o co-autor não tem verdadeiramente o domínio
do facto, apenas tem o domínio do contributo que presta. Esta distinção é relevante,
porque conduz a regimes de desistência diferentes:
- Os co-autores complementares desistem nos termos do art. 22º CP;

152
- Os co-autores dependentes desistem nos termos do art. 23º CP.

143. Formas de participação.


As formas de participação são formas de envolvimento no facto em relação às quais
não se identifica no participante um momento de domínio, isto é, o participante é um
sujeito que contribui para um facto, mas não detém o domínio do facto, este domínio
depende do autor.
A participação caracteriza-se por o participante não ter o domínio do facto ilícito,
apenas tem o domínio do seu contributo. As figuras da participação criminosa, são a
instigação e a cumplicidade.
- O instigador é aquele sujeito que de acordo com o art. 24º/al.c) CP determina
outrem à prática de um facto;
- O cúmplice é o agente que presta auxílio material ou moral à prática do facto.
Se o fundamento da responsabilidade dos participantes não é o domínio do facto, terá
que ser algo novo; qual é esse fundamento?
De acordo com o Código Penal é o princípio da acessoriedade limitada, ou seja, os
participantes são responsáveis não porque praticam um facto, mas porque prestam um
contributo para o facto.
Esta acessoriedade é limitada neste sentido: para existir responsabilidade do
participante é preciso que o autor material pratique um facto com algumas
características. Que características são essas?
Em parte estão referidas no art. 24º CP: é necessário que haja execução do facto ou
começo de execução. Para além disso, a doutrina divide-se em saber que
características devem ter esse facto: se tem que ser um facto típico, se tem que ser
típico e ilícito, se tem que ser típico, ilícito e culposo ou se, de uma forma externa,
terá que ser típico, ilícito, culposo e punível.
O Código Penal aponta para o princípio da acessoriedade limitada, isto é, o facto
praticado pelo autor material tem que ser típico e ilícito, e isto é suficiente para
responsabilizar o participante.
Da conjugação de três elementos retira-se que o facto tem que ser típico e ilícito:
1) Do conceito de execução: a responsabilidade dos participantes depende sempre de
execução por parte do autor;
2) Da existência do art. 26º CP: demonstra que o grau de ilicitude se comunica entre
participantes;

153
3) Do art. 27º CP: o que está para além da ilicitude, ou seja, a culpa e a punibilidade é
ponderado em termos pessoais.
Em matéria de comparticipação criminosa, quando existe uma causa de exclusão da
ilicitude, ela aproveita a todos.
Quer da instigação, quer da cumplicidade, dependem sempre desta execução de um
facto típico e ilícito por parte de terceiro, por parte do autor. O que significa que no
sistema português, não existe punição da cumplicidade tentada e também não existe
punição da instigação tentada.

144. Teoria da acessoriedade limitada (art. 26º CP)


O Código Penal em matéria da comparticipação criminosa distingue as figuras de
autoria e de participação. Claramente, há uma distinção entre cumplicidade e autoria,
embora, atendendo ao critério do domínio do facto, entenda que a instigação é
também uma forma de participação e não de autoria, neste sentido pode-se dizer que:
- Autores são o autor material, mediato e os co-autores que dependentes, quer
complementares;
- Participantes, tem-se os instigadores e os cúmplices, morais ou materiais.
A punibilidade da participação e dos participantes é sempre acessória da prática, pelo
autor, de um facto típico e ilícito. Nisto consiste a teoria da acessoriedade limitada, ou
seja, se o autor material pratica um facto que é típico, mas que está justificado, é
evidente que não há razão para punir o participante, seja ele instigador ou cúmplice.
Para se poder punir o participante é preciso que o(s) autor(s) tenha praticado um facto
típico e ilícito, já não se exige que o autor tenha praticado também um facto culposo.
E isto porque a culpa, conforme resulta do art. 27º CP é um juízo individualizado de
censura, efectivamente, o autor material pode praticar um facto típico e ilícito, mas
beneficiar de uma causa de exclusão da culpa, ou de uma causa de desculpa e acabar
por não ter responsabilidade jurídico-penal, enquanto que o participante, se não
beneficiar dessa causa de exclusão ou de desculpa será punido.
Assim, por hipótese se o autor material de um facto ilícito estiver a actuar ao abrigo
de um estado de necessidade, ou direito de necessidade subjectivo ou desculpante, ele
pratica um facto típico e ilícito, simplesmente, beneficia desta causa de desculpa e não
tem responsabilidade jurídico-penal, porque é desculpado. O participante, seja ele
cúmplice ou instigador, se não beneficiar dessa causa de desculpa, como o autor

154
praticou um facto típico e ilícito isso é suficiente para o responsabilizar criminalmente
como participante daquele facto.
Quando para o preenchimento de um tipo se exige uma qualidade específica do
agente, ou se exige que o autor tenha uma determinada relação com outra pessoa, esse
é um crime específico, mas sê-lo-á em sentido próprio se essa incriminação só existir
para aquele tipo de autor tipificado pela lei, aquele autor que tem essa qualidade ou
essa relação exigida pela própria tipicidade; sê-lo-á em sentido impróprio quando a
norma incriminadora em sede de tipicidade exija uma qualidade ou uma relação
específica para um agente, mas contenha uma incriminação paralela para todas as
outras pessoas.
Nos crimes específicos (em sentido próprio ou impróprio) muitas vezes o grau de
ilicitude depende de determinadas qualidades ou de determinadas relações específicas
do agente.
Diz a lei, nos casos de se tratar de um crime específico em sentido próprio ou de um
crime específico em sentido impróprio, que basta que um dos comparticipantes tenha
essa qualidade ou que esteja nessa relação exigida pelo tipo, para o grau de ilicitude
se comunicar aos restantes comparticipantes, eles sim que não têm a qualidade ou que
não se encontram numa relação específica pelo tipo. Sendo assim, interessa delimitar
o campo do art. 27º/1 CP.
Em primeiro lugar, essa relação específica ou essas qualidades podem resultar de
vários factores:
1) Podem resultar de um elemento que tem em conta uma relação familiar, uma
relação de parentesco próximo;
2) Pode resultar de um elemento atido a relações de aspecto profissional;
3) Pode resultar ainda da prática esporádica de actos isolados.
Em situações de comparticipação, quando o grau de ilicitude depender de uma
qualidade ou duma relação específica, basta que ela se verifique num só
comparticipante, para o tipo pode ser aplicado a todos.
Nos termos do art. 27º CP, basta que um dos participantes tenha a qualidade exigida
pelo tipo, para o poder tornar extensível aos demais.
Há aqui a chamada inversão da acessoriedade, que é feita dos participantes para os
autores materiais.

155
De que forma se podem comunicar essas circunstâncias?
Pode haver comunicação de circunstâncias:
- Entre co-autores;
- Do participante (seja ele cúmplice ou instigador) para o autor;
- Entre participantes.
Todas as figuras da comparticipação são figuras dolosas e são, também, extensões da
tipicidade. Como há uma extensão da tipicidade sendo a responsabilidade jurídico-
penal dolosa, o dolo tem que se estender a todo o tipo, por conseguinte, o
comparticipante tem de conhecer também dolosamente todos os elementos do tipo
que fundamentam uma agravação da ilicitude.
O grau de ilicitude e a comunicação de circunstâncias verifica-se também do
participante para o autor, também entre participantes pode haver esta comunicação de
circunstâncias.
Nos tipos qualificadores e quando o grau de ilicitude varia no sentido de uma
agravação, a doutrina está toda de acordo em que haja uma comunicação das
circunstâncias. Quando o grau de ilicitude varia, no âmbito dos crimes específicos em
sentido próprio ou impróprio, no sentido de atenuar a responsabilidade penal (no
sentido de privilegiar), já a doutrina não concorda que se possam comunicar essas
circunstâncias, nestes termos, é de notar também segundo o entendimento da Prof.
Teresa Beleza, que também nos tipos privilegiados o grau de ilicitude e a
comunicação das circunstâncias funcionar.
Neste sentido pode dizer-se que a acessoriedade limitada não funciona nos mesmos
termos no âmbito dos priviligiamentos e das qualificações.

145. Situações de erro sobre o estatuto do participante.


Uma pessoa pode estar absolutamente convencida que está a instrumentalizar a
vontade de outra pessoa e portanto, pode estar convencida que está a ser autora
mediata de um crime, quando na realidade não está a instrumentalizar vontade
nenhuma porque essa pessoa pura e simplesmente não se deixa instrumentalizar. No
fundo então o que se fez foi determinar a outra pessoa à prática do crime (portanto é
instigador).
Assim, quando o agente julga que está numa situação de autoria mediata, mas na
realidade está numa situação de instigador[47], como é que vai ser responsabilizado?
Vai-se responsabilizar esta pessoa por aquilo que ela conseguiu fazer: pela instigação.

156
Por outro lado, também é concebível distinguir estas situações:
- Enquanto que a tentativa de participação não é punível;
- Já a participação na tentativa é punível, isto é, basta que o autor pratique um acto de
execução com a intenção dolosa de cometimento de um crime, para que exista, para
ele, punibilidade por facto tentado.
Assim sendo, também para os participantes haverá essa punibilidade, a tentativa é um
facto típico e ilícito (é possível ser punido por tentativa) e o participante vê a sua
responsabilidade moldada no facto típico e ilícito praticado pelo autor.
Portanto: enquanto as tentativas de participação não são punidas, já a participação
tentada é punida.
Simplesmente, em termos de participação, os cúmplices, nos termos do disposto no
art. 25º/2 CP são punidos com pena aplicável ao facto praticado pelo autor
especialmente atenuada (atenuação obrigatória).
Então, se o facto do autor for um facto tentado, o cúmplice beneficia de uma dupla
atenuação obrigatória:
- Atenuação da pena por ser cúmplice (art. 25º/2 CP);
- Atenuação da pena também obrigatória por facto tentado (art. 21º CP).

Diz a doutrina que estas situações de erro do autor material funcionam em relação ao
participante (instigador) como se de uma verdadeira “aberratio ictus” se tratasse.
Quando o instigador instrumentaliza ou quando o autor mediato dirige a sua acção
para um determinado facto, em relação a uma determinada pessoa, e o executor
material ou o autor material estão numa situação de erro sobre a identidade da vítima,
tudo se passa para o autor material ou para o instigador como se de uma verdadeira
“aberratio ictus” se tratasse.

[46] Posição do Prof. Eduardo Correia.


[47] Porque o que ele consegue é determinar o autor material à prática do facto.

157
PUNIBILIDADE

146. Introdução
Esta última categoria analítica do facto punível pode ser vista em duas perspectivas.
Punibilidade em sentido amplo que são todas as condições que concorrem para
fundamentar uma responsabilidade jurídico-penal do agente. Por isso é que se diz que
acção, tipicidade, ilicitude e culpa são categorias analíticas da punibilidade.
E depois, punibilidade em sentido estrito ou condições de punibilidade. Dentro das
condições de punibilidade, vê-se que elas só têm um elemento comum, embora
surjam com várias designações e com várias fundamentações, elas estão ligadas por
um elemento comum, que é uma ideia negativa: são condições que se verificam mas
que se situam fora, para além destas categorias de tipicidade, de ilicitude e de culpa. É
algo exterior a essas categorias. Mas são condições de punibilidade que concorrem
para fundamentar concretamente uma responsabilidade jurídico-penal do agente.

147. Condições objectivas de punibilidade


Estas condições dividem-se em dois grupos:
1) Condições positivas de punibilidade: são aquelas que se têm de verificar, que têm
de existir para que o agente seja punido;
2) Condições negativas de punibilidade: são aquelas que não se podem verificar para
que o agente seja punido.

148. Condições positivas de punibilidade


Uma condição objectiva de punibilidade é a propósito da punibilidade do facto
tentado, ou sejam, a tentativa regra geral, só é punível se ao facto consumado
corresponder uma pena superior a três anos de prisão.
Portanto, pode haver tipicidade do facto tentado e essa tentativa ser ilícita e culposa;
mas faltar a condição objectiva de punibilidade que é o crime consumado ter uma
moldura penal superior a três anos.
É condição objectiva de punibilidade por facto tentado que o crime, a ter sido
consumado, tivesse uma pena superior a três anos, a não ser que a lei diga
expressamente o contrário (art. 21º CP).
Ainda se tem dentro das condições positivas de punibilidade por exemplo o art. 23º
CP que se refere à aplicação da lei portuguesa a factos praticados no estrangeiro, em

158
sede de algumas alíneas, é condição de aplicabilidade da lei penal portuguesa o facto
de o agente ser encontrado em Portugal.
Outra condição é o crime de participação em rixa, em que o tipo do ponto de vista
objectivo e subjectivo está preenchido a partir do momento em que uma pessoa toma
parte numa rixa de duas ou mais pessoas, contudo, esse facto típico poderá não ser
punível, para o ser, é necessário que dessa rixa resulte a tal ofensa corporal grave ou a
morte, isso é uma condição objectiva de punibilidade.

149. Condições negativas de punibilidade


São aquelas condições ou circunstâncias que não podem verificar-se sem que o agente
seja punido [48] não obstante o agente ter praticado uma acção típica, ilícita e
culposa.
1) Causas de isenção da pena
Têm diferentes fundamentos e podem ser causas de isenção pessoais ou materiais:
- São causas de isenção pessoais, aquelas que se ligam à própria pessoa do agente;
- E materiais as que se ligam ao facto praticado.
Para alguns autores a desistência é uma causa pessoal de isenção de pena. Para outros,
a desistência não é vista na pessoalidade e portanto não será uma causa pessoal, mas
tem a ver com o próprio facto, portanto uma causa material de isenção.

Qual é o fundamento da desistência?


Alguns autores, nomeadamente Roxin não Vêem a desistência uma causa de isenção
de pena, portanto fazendo parte da punibilidade em sentido estrito, mas vêem-na
como uma causa de exclusão de culpa.
Mas há autores que dizem que o que fundamenta este regime da desistência da
tentativa e de ficar impune dessa tentativa de que o agente voluntariamente desistiu é
algo diferente.
Existem várias teorias, desde logo a teoria primial que diz que por uma razão de
política penal (ou criminal) o facto de o agente saber que desistindo voluntariamente
da tentativa do crime que decidiu cometer não será punido, isso funciona em relação a
ele como um prémio e leva-o a auto-suspender a execução do crime, logo, fará
diminuir a criminalidade, ou fará diminuir o número de crimes.
De qualquer forma, e por uma razão da teoria dos fins das penas, justifica-se a não
punição da desistência voluntária da tentativa, porque quer da óptica da prevenção

159
geral, quer da óptica da prevenção especial, não existem razões para responsabilizar
criminalmente alguém que acabou por voluntariamente desistir da prática de um
crime.
Portanto, do ponto de vista da prevenção geral e mesmo da prevenção especial, se a
pessoa por si própria, voluntariamente, desistiu de prosseguir na execução criminosa,
não há fundamento para se responsabilizar criminalmente o agente.

Quanto à desistência e dentro dos autores que consideram que a desistência se filia em
sede de punibilidade em sentido estrito como causa de isenção da pena:
Uns autores, vêem a desistência com um enfoque objectivo no facto praticado, ou
seja, o agente já está a praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer,
mas auto-suspende a execução, ou evita a consumação, e neste sentido a valoração é o
aspecto positivo da actuação fáctica, ou seja, o não desenvolvimento, a não
prossecução de actos lesivos do bem jurídico tutelado pela norma penal, e nesse
sentido fazem entroncar a desistência como uma causa de isenção material.
Outros autores, mediante o carácter voluntário da desistência, dizem que é
relativamente à pessoa, o mérito da pessoa que de alguma forma resolve auto-
suspender a execução; ou tendo já desenvolvido toda a execução evita a consumação
típica. Consequentemente atiram a desistência para uma causa de isenção pessoal da
pena.
2) Causas de extinção da responsabilidade jurídico-penal.
Uma causa de extinção da responsabilidade jurídico-penal é a morte do autor do facto.
Neste sentido, como a responsabilidade penal é pessoal e intransmissível, não há
possibilidade de fazer um incidente de habilitação de herdeiros, e, consequentemente,
morto o autor do facto, cessa a responsabilidade jurídico-penal, ela não é
transmissível por morte.
Para além da morte do autor (do agente da infracção) existem outras causas de
extinção da responsabilidade jurídico-penal:
- Prescrição do prazo do procedimento criminal;
- Caducidade do exercício do direito de queixa, no âmbito dos crimes semi-públicos e
particulares;
- Prescrição da pena.

160
3) Condições de procedibilidade (ou procedência) criminal.
No âmbito das condições de procedibilidade também relevam alguma
irresponsabilidade do agente em sede de punibilidade em sentido estrito, ou seja, tudo
aquilo que está para além da prática, pelo agente, de uma acção típica, ilícita e
culposa.
Em processo penal, ao distinguir a natureza dos crimes, entre crimes semi-públicos e
particulares, que nestes dois últimos é necessário para o desenvolvimento e
prossecução do processo criminal:
- Nos casos dos crimes particulares, queixa e acusação;
- Nos casos dos crimes semi-públicos, a queixa.

São estas as condições de procedibilidade do processo criminal, que culmina com a


prática de uma efectiva punição. Assim, se quem é titular do direito de queixa não
quer exercer esse direito, então não é pelo facto de o agente ter praticado um facto
típico, ilícito e culposo que ele vai ser punido, porque efectivamente falta uma
condição de procedibilidade.

[48] Se se verificarem, o agente não é punido.

TENTATIVA E DESISTÊNCIA

150. Introdução
O art. 20º CP define a tipicidade do facto tentado.
As regras da tentativa, à semelhança das regras de comparticipação criminosa, são
regras de extensão da tipicidade.
É facto penalmente relevante tanto o facto consumado como o facto tentado.
As regras da tentativa são regras acessórias, não há tentativa de nada, existem sempre
tentativas de factos tipificados na lei: tentativas, de furto, de homicídio, etc.
A tentativa é sempre dolosa não existem no direito penal a situação do facto tentado
negligente.

161
151. Tentativa como forma de extensão da tipicidade do facto
Interessa em primeiro lugar, caracterizar aquilo que se chama “inter criminis”ou o
caminho do crime.
Não é mais do que a progressão que na generalidade dos casos acontece e que vai
desde a decisão criminosa até à prática de actos preparatórios, passando pela execução
do próprio crime até culminar na consumação.
É perfeitamente concebível:
- A pessoa adoptar ou afirmar uma decisão criminosa: a pessoa pensa em cometer o
crime;
- Depois pratica actos preparatórios: que são actos que se destinam de alguma forma a
facilitar a execução do crime decidido pelo agente;
- Até que progride para a própria execução.
E consoante o agente leve a execução até ao fim ou não, consoante se tenha uma
situação de execução acabada ou de execução inacabada, poder-se-á verificar se o
resultado típico desejado pelo agente se verifica ou não, isto é, se desemboca essa
execução numa consumação, pelo menos formal. [49]
Com que critérios e quando é que a tentativa é punível?
A regra geral é a da impunidade “nuda cogitatio” ou da decisão criminosa não
exteriorizada materialmente em actuações.
Significa isto que o que é objecto de responsabilização jurídico-penal não são os
pensamentos, não são os sentimentos das pessoas não exteriorizados materialmente,
na prática.
Em primeiro lugar, porque o nosso direito penal é tendencialmente um direito penal
do facto e não um direito penal do agente, o direito penal responsabiliza sim os
agentes, mas precisamente porque eles praticaram factos ilícitos tipificados na lei.
Por outro lado, por uma razão de política criminal, não faria sentido punir-se a mera
decisão criminosa não exteriorizada na prática material de actos, porque então se a
pessoa que tivesse tão só manifestado a sua intenção de cometimento do crime fosse
responsabilizada, então ela nunca se auto-suspendia, levava mesmo o crime para a
frente.
Ao passo que, se de alguma forma ela sabendo que mesmo que tenha exteriorizado
essa intenção tão só por palavras não é punida, pode ainda auto-suspender-se,
precisamente porque essa “nuda cogitatio” não é punida.

162
152. Actos preparatórios
O art. 19º CP diz que, regra geral os actos preparatórios não são puníveis.
Esses actos preparatórios visam a facilitação da execução do crime não são em
princípio punidos. Mas já os actos de execução que em sede do art. 20º CP integram a
tipicidade da tentativa, dão lugar a responsabilização jurídico-penal. Há uma
importância prática na distinção entre o que são os actos preparatórios e o que são já
actos de execução:
- Enquanto os actos de execução preenchem o tipo da tentativa e podem levar à
responsabilização;
- A regra geral é que de actos preparatórios não se responsabiliza o seu autor.
Portanto, a diferença se é o acto preparatório ou de execução é extraordinariamente
importante.
O art. 19º, n.º2 CP diz que “os actos preparatórios não são puníveis, salvo disposição
em contrário”. A regra geral é a impunidade dos actos preparatórios. As excepções
podem revestir duas formas:
1) Ou a lei penal incrimina autonomamente como um tipo de ilícito novo, actos que
normalmente são actos preparatórios mas têm uma incriminação autónoma;
2) Ou então por uma remissão pura e simplesmente genérica: “quem tentar matar o
chefe de Estado…” já e responsabilizado criminalmente, e aí a preparação é punida.
A distinção entre actos preparatórios e actos de execução é sempre feita em concreto,
são actos preparatórios ou de execução por referência a um crime concreto.
Os principais critérios de distinção entre actos preparatórios e actos de execução:
- Critério formal objectivo;
- Critério material objectivo;
- Critérios subjectivistas

Os actos que não estiverem incluídos no art. 20º/2 CP, são actos preparatórios.
a) Critério formal objectivo
São actos de execução os que correspondem à definição legal de um tipo de crime. O
critério formal objectivo dizendo que são actos de execução, aqueles que
correspondem à definição legal de um tipo de crime, faz com que acto de execução
seja desde logo o exercício da subtracção: a pessoa tirar a coisa e levá-la consigo.

163
As dificuldades surgem no âmbito da insuficiência do critério formal objectivo, é
quando os tipos legais de crime não pormenoriza, ou só muito genericamente fazem
referência à conduta típica.

b) Critério material objectivo


São actos de execução adequados a causar o resultado típico ou os que procedem (ou
antecedem) segundo a experiência comum, actos adequados a produzir o resultado
típico, assim são actos de execução:
- Os actos idóneos a causarem o resultado típico;
- Ou aqueles que, segundo a experiência comum, são de molde a fazer esperar que se
lhes sigam actos idóneos a produzir o resultado típico.

c) Critérios subjectivos
Estes critérios vêm dizer que actos de execução são todos os actos praticados em
função de uma decisão definitiva e incondicionada por parte do agente, ou seja, a
partir do momento em que o agente tem uma decisão definitiva e incondicionada de
praticar o crime, tudo o que, ele faz a seguir a essa decisão inabalável são actos de
execução.
Este critério subjectivo é susceptível de várias críticas porque faz muitas vezes
depender a qualificação de actos de execução de circunstâncias que dependem do
próprio agente, mas de alguma forma qualificada diferem actos idênticos.

O Código Penal, tenta resolver estes problemas de separar a preparação, não punível
regra geral, da execução, integrando-a já na tentativa e consequentemente implicando
responsabilidade jurídico-penal, dizendo que nos termos das várias alíneas do art.
20º/2 CP se consideram actos de execução:
a) Os que preenchem um elemento constituído de um tipo de crime é no fim de contas
o critério formal objectivo que aqui se encontra;
b) Os que são idóneos a produzir o resultado típico é o critério material objectivo;
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, são de
natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas
anteriores.

164
Nesta última alínea consagra-se também a experiência comum em sede de um critério
material objectivo para a determinação de actos de execução e que faz apelo à
chamada doutrina ou teoria da impressão, ou seja, para a generalidade das pessoas é
previsível, no sentido de que é evidente que, salvo situações anormais e processos
imprevisíveis, após aquela actuação seja de esperar a prática de actos formal ou
materialmente espelhados nas alíneas a) e b).

153. Tipo da tentativa


A tipicidade do facto tentado é composta por três elementos:
1) Elemento positivo e objectivo: actos de execução (alíneas do art. 20º CP);
2) Elemento de natureza objectiva, mas de conteúdo negativo – não obstante a prática
de actos de execução, não se pode verificar o resultado típico [50].
3) Tem também de existir um elemento subjectivo e positivo – o agente tem de
praticar esses actos de execução de um crime que decidiu cometer (tem de haver a
decisão criminosa de consentimento do facto), tem de existir dolo em qualquer das
suas formas.

154. Desistência voluntária.


Fala-se em desistência se o autor, numa tentativa, desistir voluntariamente dela, e isto
acontece quando o agente no âmbito de uma tentativa inacabada ou incompleta auto-
suspende o acto subsequente de execução, o agente desiste e não tem responsabilidade
jurídico-penal.
Ou aquelas situações, em que a tentativa já é acabada, porque já foram praticados
todos os actos de execução, e então, para desistir relevantemente deve impedir a
consumação típica.
Mas nos termos do art. 22º CP ainda é possível uma situação de desistência depois da
consumação, porque se diz que há desistência quando “…não obstante a consumação,
impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime”.
Isto aplica-se fundamentalmente aos crimes formais, mais concretamente os crimes de
resultado parcial ou crimes de intenção.
A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desiste.
Claus Roxin vem dizer que a desistência voluntária da tentativa se deve entender
fundamentalmente no plano lógico da execução do crime. A desistência, para ser
voluntária, tem de aferir-se dentro do plano lógico da execução criminosa do agente,

165
pela contrariedade a esse plano, tem de contrariar precisamente esse plano lógico de
actuação criminosa, ou seja, o agente auto-suspende a execução do crime
voluntariamente, portanto não é coagido por terceiro, por motivação propriamente
internas ou externas, de natureza pessoal ou outra.
Para que se possa falar em desistência voluntária tem que se verificar um abandono da
execução criminosa dentro do quadro lógico traçado inicialmente pelo agente.

155. Fundamento da isenção da pena


Há quem veja no agente que desiste voluntariamente da tentativa razão em não o
punir, por uma razão de política penal, no sentido de uma teoria premial.
Se o agente sabe que se tentar, mas desistir voluntariamente da tentativa não será
punido, quando estiver a praticar o facto ainda pode auto-suspender-se, e isso, poderá
conduzir a uma diminuição da criminalidade, ou então por razões que têm a ver com
os fins das penas: se o agente por si, voluntariamente, voltou ao bom caminho, não
existem dentro dos fins das penas (prevenção geral ou especial), razões para aplicação
de uma pena.

O art. 22º CP para efeitos de desistência, distingue três situações:


1) A situação de tentativa incompleta: o agente pode desistir voluntariamente através
de uma omissão, basta que se abstenha de praticar o subsequente acto de execução.
2) As situações da tentativa acabada ou completa: o agente praticou todos os actos de
execução, mas ainda pode desistir voluntariamente se impedir a consumação, aqui já
não basta uma atitude passiva, uma omissão dum acto de execução posterior, mas é
necessário que o agente de alguma forma promova um comportamento no sentido de
evitar o resultado.
3) “Não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido
no tipo de crime (art. 22º/1 CP): pensado basicamente para os crimes formais, em que
a consumação material e a consumação formal não são coincidentes.

156. Punibilidade da tentativa


A regra geral (art. 21º CP) é a de que a tentativa é punida tão só quando ao crime, a
ser consumado, corresponda uma moldura penal superior a três anos de prisão a regra
é de que nem todas as tentativas são puníveis.
Exceptuam-se os casos em que a lei disser o contrário.

166
Por outro lado, a tentativa é punida de forma diferente relativamente ao facto
consumado.
A pena aplicável ao facto tentado é aquela que corresponda ao facto consumado, mas
obrigatoriamente especialmente atenuada, há uma atenuação que não é facultativa,
mas sim obrigatória, da pena, em matéria de facto tentado.

157. Tentativa impossível


Esta é o reverso da medalha do erro sobre o facto típico: um é um erro por defeito e o
outro é um erro por excesso.
As situações de tentativa impossível são aquelas situações em que o agente quer um
determinado resultado, mas esse resultado objectivamente não é possível verificar-se
porque existe uma inaptidão do meio empregue, ou porque inexiste o objecto, ou
porque o agente não tem a qualidade típica exigida para o preenchimento do tipo.
Se para a generalidade das pessoas e dentro de uma filiação duma teoria da impressão,
for visível for evidente, for retinto que aquele meio (usado para praticar o facto) é um
meio inepto, então há uma tentativa impossível, que não é punível.
Em conclusão: em princípio a tentativa impossível só não é punível quando existir
uma manifesta ineptidão do meio empregue ou quando for evidente, em termos de ser
manifestamente evidente a inexistência do objecto, ou quando for manifestamente
claro que a pessoa não tem a qualidade exigida pelo tipo. Daí que se possa falar em
tentativa impossível em relação ao:
- Meio;
- Objecto;
- Agente.
A consumação formal e material podem não coincidir, e normalmente não coincidem
nos chamados crimes de intenção ou de resultado parcial. Porque se se verificar esse
resultado típico, não se estará em sede de tentativa, mas em sede de consumação

167

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