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Introdução

Conceito e Âmbito

Noção

Quando se fala em Direito Penal em sentido objectivo estamos a falar do Direito Penal
enquanto conjunto de normas jurídicas. O direito penal é a parte do ordenamento jurídico que
estabelece quais são os comportamentos humanos qualificados como crimes e os estados de
perigosidade criminal.
Podemos por isso dar uma noção de direito penal como o sistema de norma jurídicas
que atribuem aos agentes de certo comportamento como pressuposto uma pena ou
medida de segurança criminal como consequência desse comportamento.

O direito penal trata por isso de crimes daí que seja muitas fezes chamado também de
direito criminal por muitos autores.

Tipo Legal de Crime

Como começamos por dizer, ao falar de direito penal objectivamente estamos a falar de
um conjunto de normas jurídicas, cabe por isso distinguir a norma jurídica do direito penal da
norma jurídica dos diferentes ramos.

A norma jurídica do direito penal pode decretar que condutas são crime, mas para que
tal acontece tem sempre que ter três requisitos necessários preenchidos, requisitos esses que
distinguem a norma jurídica que qualifica a prática de um crime das restantes normas jurídicas:

1) O comportamento tem de estar previsto num tipo legal de crime – A norma


penal pode ser decomposta em:
a) Previsão: Que diz respeito a uma determinada conduta ou comportamento
humano, vêm prever um comportamento para que se possa aplicar a sanção e
a estatuição da norma,
b) Estatuição: Que no fundo é normalmente “ a previsão é crime”, ou seja vem
dizer que verificada a previsão temos um crime,
c) Sanção1: Diz que sanção se aplica ao crime,

Assim pegando por exemplo na norma do artigo 131º do CP2, neste caso a conduta é
descrita tendo em conta a sua aptidão para provocar o resultado, que é neste caso a
morte de outrem, sendo essa por isso a previsão. A estatuição é no fundo “quem matar
outrem praticou um crime” e a sanção é prisão de 8 a 16 anos .
Ou seja, basicamente uma norma penal descreve uma determinada conduta humana que
se for subsumível ao tipo legal de crime, chegamos à conclusão de que fio praticado um
crime. Esta norma prevê ainda a pena que o Juiz poderá aplicar pela prática desse crime.

1 A sanção pode considerar-se parte da Estatuição. A respeito disto ver matéria de IED.
2 Daqui em diante, CP=Código Penal
Tudo isto faz parte da caraterística da tipicidade/legalidade do direito penal que
iremos ver adiante, ou seja, da correspondência do comportamento aos elementos de
determinado tipo legal de crime.

2) Conduta Ilícita – A segunda característica é que o crime tem de traduzir-se numa


conduta ilícita. Em princípio, se uma conduta estiver estabelecida num qualquer
tipo legal de crime, já dada como ilícita3. Só assim não será quando existir uma
qualquer causa de exclusão de ilicitude, já que nestas situações, embora a conduta
seja típica, o CP prevê que o agente que actuar dentro dessas condições, actua
justificadamente. Ex: Dona de uma loja que bate com uma vassoura nos assaltantes.
Este é um dos tipos legais de crime que está previsto no CP, mais precisamente no
artigo 143º como crime de ofensa à integridade física. No entanto, não pratica este
crime porque actua em legítima defesa4.

3) Culpabilidade5 – Para que tenhamos um crime é preciso ainda que a pessoa atue
com culpa. Atuam sem culpa as pessoas inimputáveis, sendo que essa
inimputabilidade pode ter origem na idade (nos termos do artigo 19º do CP, onde
encontramos uma presunção inilidível) ou numa anomalia psíquica (pessoas que não
são capazes de avaliar a ilicitude dos atos que praticam ou adotar uma condita
correta em virtude dessa avaliação).

Assim o tipo legal de crime é a norma legal incriminadora que é a norma penal por
excelência e que vai prever de forma geral e abstrata um determinado comportamento a que faz
corresponder uma sanção6.
Já o crime é a conduta humana cujas caraterísticas correspondem ao modelo legal,
é subsumível ao tipo legal de crime. Não basta, como vimos, que essa conduta humana padeça
desta tipicidade, tem de ser ainda ilícita e culposa. O crime é por isso um facto típico,
ilícito e culposo

Âmbito

O âmbito do direito penal não é apenas os crimes. Por exemplo no caso de um


inimputável de 50 anos que mata outrem, o Direito Penal também se lhe vai aplicar, não por esse
facto ser um crime mas porque hoje em dia o Direito Penal não abrange apenas os crimes7, mas
também os estados de perigosidade social ao qual vai fazer corresponder não penas, que só
se aplicam aos crimes, mas medidas de segurança.

3 A ilicitude não se confundo com a ilegalidade. A ilegalidade é mais restrita, é a desconformidade com a
lei, a ilicitude por sua vez é a desconformidade com as normas do ordenamento jurídico, sejam elas vindas
da lei, da boa fé, dos bons constumes, da ordem pública etc… A este respeito ver matéria de Fundamentos
do Direito Civil.
4 O legislador trata da legítima defesa na parte geral do CP. Como veremos o código divide-se em duas

partes, uma geral e a outra com uma lista de tipos legais.


5 Há uma regra que consta do artigo 3º do CP, segundo a qual, o crime, salvo disposição expressa da Lei, só

é punível se o agente atuar com dolo. No Direito penal, ao contrário Direito Civil, a negligência só é
punível nos casos expressos na Lei, o que consubstancia outra decisão do legislador. No caso do crime de
homicídio e de ofensa à integridade física, a negligência é punível, artigo 148º do CP.
6 Uma pena criminal.
7 E neste caso não tínhamos um crime pois não há culpa
Assim, sempre que um inimputável pratique um facto típico e ilícito, ela fica sujeito à
aplicação de medidas de segurança, sendo que a mais grave de todas é a que se materializa na
sua privação de liberdade, chamando-se internamento.
A pena e a medida de segurança vão ter finalidades distintas, enquanto a medida de
segurança tem em vista a cura do inimputável ou a sua prática de factos típicos e ilícitos a pena
tem uma função punitiva, de castigo, de quem a praticou.

Ius Puniendi8 e as suas limitações

O Direito Penal em sentido subjectivo, ou em poder soberano do Estado, traduz-se na


possibilidade da aplicação de penas. No nosso ordenamento jurídico existe a pena de prisão e a
pena de pagamento pecuniário. O Direito Penal é um ramo de Direito Público. O Estado
intervém aqui numa posição de manifesta supremacia em relação aos particulares.
Se por um lado o Direito Penal permite que o Estado exerça este poder de aplicar penas
criminais aos seus cidadãos, por outro, o Direito Penal também desempenha uma função
decisiva de limitação desse poder estadual. Vamos analisar algumas das limitações a este
poder punitivo.
Este poder soberano do Estado em matéria penal concretiza-se em várias dimensões e
em vários momentos. Desde logo, concretiza-se na elaboração das normas penais, como já
vimos, em face do princípio da legalidade a conduta humana só pode ser punida como crime se
tiver prevista num determinado tipo legal. Estes tipos legais de crime têm de descrever a
conduta e prever e a sanção aplicável a esse facto, por imposição do princípio da
legalidade, sendo esse princípio por isso uma limitação ao ius puniendi.

O Estado, quando elabora normas penais, não é totalmente livre e está sujeito a diversos
limites, sendo uns de natureza mais formal e outros mais material.
Para começar, não é qualquer órgão do Estado que pode legislar em matéria penal.
A matéria penal é da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República nos
termos do artigo 165º Nº1 c) da CRP, só pode haver lei ou então um decreto-lei autorizado que
criminalize uma determinada conduta. Esta é uma limitação formal mas que tem como razão de
ser, o facto de se estar a prever a aplicação de uma determinada pena por verificação da prática
de um determinado crime, o que não se verifica em nenhum dos outros ramos de Direito. No por
exemplo Direito Civil, a pena aplicada é a obrigação de indemnizar, o que pretende colocar o
lesado na posição em que estaria se o facto ilícito não tivesse sido praticado, tendo uma função
reparadora. Já quando falamos da aplicação de uma pena, não estamos a pensar no lesado, mas
no lesante ou agente, e aplicamos uma sanção que não tem como objectivo colocar o lesado na
situação em que estaria se a lesão não tivesse ocorrido, mas tem por finalidade uma punição do
próprio agente. Assim, tendo em conta as consequências tão graves de se prever uma conduta
como crime, entende-se que essa decisão deve caber ao próprio povo representado pelos
deputados na Assembleia da República.
Esta reserva de competência da Assembleia da República abrange não apenas a definição
do comportamento como crime, mas também a sanção que lhe vai corresponder, isto como uma
exigência da separação de poderes.

No Direito Penal é bastante importante a reserva da função jurisdicional, ou seja, só os


Tribunais podem apreciar se uma conduta traduz ou não a prática de um crime e aplicar a

8 É uma expressão latina que pode ser traduzida literalmente como direito de punir do Estado.
respetiva sanção, isto para garantir que o poder executivo não tem aqui qualquer tipo de
intervenção. Isto é uma garantia, mas a reserva legislativa também tem em vista limitar o
próprio poder judicial, não pode ser o tribunal que decide que pena aplicar àquele individuo pela
prática de determinada conduta, porque essa definição é da exclusiva competência do Povo e da
Assembleia, que limitam os tribunais
O tipo legal de crime tem de definir sempre penas possíveis, sob pena de ser
inconstitucional por violação do princípio da legalidade.

Depois temos a limitação do Princípio da Subsidiariedade, é outro limite ao poder


punitivo estadual, por força do qual, o Direito Penal só deve intervir quando o Povo entenda que
a conduta em causa é de extrema gravidade, ou seja que há uma necessidade do direito penal
intervir. Isto porque temos outros ramos do Direito (civil) que já vão prever consequências
jurídicas para a prática de factos ilícitos, de natureza compensatória e por isso não tão graves.
Assim, entende-se que o Direito Penal só deve intervir quando os outros ramos do
Direito não sejam suficientes para tutelar devidamente aquela situação.
Exemplo: Acidente automóvel em que alguém está distraído e que bate no carro da
frente. Neste caso temos consequências jurídicas já que no Direito Civil temos uma hipótese de
Responsabilidade Civil. Não faz sentido que esta conduta se traduza na prática de um crime. Mas
se imaginarmos que em vez disso se atropela um peão na passadeira nesse caso, isto já deve
traduzir a prática de um crime.
O fundamento positivo para este princípio da Subsidiariedade do Direito Penal é o artigo
18º nº2 da CRP (ver artigo). Assim o é já que o Direito Penal vai restringir os DLG´s dos
cidadãos, desde logo porque a aplicação de uma pena de prisão, restringe o Direito Fundamental
à Liberdade.

Também do ponto de vista processual há limitações ao direito penal. Existem Princípios


consagrados na própria CRP que vão limitar fortemente o poder punitivo estadual:
1º Princípio da Presunção de inocência – Artigo 32º da CRP
2º Princípio do acusatório – No nosso processo penal, quem formula a acusação (que é
o Ministério Público) tem de ser diferente da entidade competente para o julgamento, que é o
Tribunal.
3º Proibição da tortura como meio de obtenção de prova no Direito Penal

Autonomia do Direito Penal

Podíamos ficar com a ideia, depois da análise do princípio da subsidiariedade do Direito


Penal, que este seria um ramo jurídico auxiliar de outros, quando a ação destes não fosse
satisfatória para tutelar o comportamento do agente e a sua repercussão na esfera do lesado.
No entanto não é assim. Uma conduta pode consubstanciar sanções de vários Ramos do
Direito (Civil e penal). Exemplo: No caso em que alguém atropela outrem, existe um caso de
Responsabilidade Civil e penal (artigo 148º).
Existem depois todo um conjunto de situações em que não existe esta sobreposição entre
a ilicitude penal e a ilicitude que pode resultar de outros ramos da ordenamento jurídico.
Exemplo: Crimes de Terrorismo ou contra o Estado de Direito. Ou seja, o Direito Penal é um
ramo de Direito autónomo, sendo que pode acontecer que certas condutas sejam tuteladas pelo
Direito Penal e por outros ramos de Direito simultaneamente. A subsidiariedade está mais presa
com a necessidade do que com outra coisa qualquer.

Código Penal

O Direito Penal substantivo não está todo previsto no CP, mas também em legislação
avulsa.
O CP está sistematizado entre a parte geral e especial. Existe esta distinção porque
na parte especial, vamos encontrar, para cumprir o princípio da legalidade na vertente da
tipicidade, uma lista de tipos legais de crime. Está estruturada tendo em conta o bem jurídico
protegido por cada uma das incriminações: Crimes contra as pessoas, o património, as
liberdades, o Estado, animais de companhia.
A parte geral serve para que o legislador trate de questões que digam respeito à
maioria das situações presentes na parte especial e para que regule situações relativa à
matéria da lei criminal e suas particularidades. No titulo II temos a matéria que corresponde
ao facto por exemplo.

Depois temos Direito Processual Penal que serve para estabelecer as regras que o
Tribunal deve seguir para aferir se determinada pessoa praticou ou não o crime e para depois
aplicar a sentença que corresponde a essa mesma prática. Este direito encontra-se
maioritariamente no CPP ou Código do Processo Penal.

Estruturação do Código Penal:

PARTE GERAL

Título I – Da Lei Criminal

Título II – Do Facto

Título III – Das consequências jurídicas do facto

PARTE ESPECIAL

TÍTULO I
Dos crimes contra as pessoas

TÍTULO II
Dos crimes contra o património

TÍTULO III
Dos crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal
TÍTULO IV
Dos crimes contra a vida em sociedade

TÍTULO V
Dos crimes contra o Estado

TÍTULO VI
Dos crimes contra animais de companhia

Os Fins do Direito Penal e das Sanções Penais

O Professor Germano Marques da Silva distingue fins de direito penal e fim das penas, o
que não é comum9, esta discussão tem lugar mais a propósito do fim das penas e não do direito
penal. Estão em causa perspectivas diferentes, uma coisa são os fins das penas e outra coisa são
os fins do direito penal. Esta são questões filosóficas que têm sido discutidas durante toda a
Historia. A questão roda à volta de 3 posições fundamentais:

a. Retribuição,

b. Prevenção especial

c. Prevenção geral

O que varia depois em cada posição é saber se se deve assumir como fim da pena um
destes apenas, de forma exclusiva, ou se se devem combinar estes três conceitos para se definir
o fim das penas ou do direito penal.

9Neste sentido considera-se que o fins das penas são os meios que o Direito Penal tem para alcançar os
seus fins.
Fins do Direito Penal

A Retribuição

No sentido mais primário de “vingança”. Aquela finalidade que estava presente nos
sistemas jurídicos primitivos que respeita ao que hoje se chama método da justiça privada. Era a
própria vitima (ou seus familiares) que tinham o direito de exercer justiça pelas próprias mãos e
infligir uma consequência que seria correspondente ao mal causado pelo facto que tinha
praticado, característico das sociedades primitivas. Tínhamos aqui uma ideia de que, com esta
vingança, se causava ao agressor um mal correspondente aquele que tinha resultado da prática
do facto, esta ideia de expiação do crime com a pena, esta serviria para infligir um mal ao
agressor com consequências semelhante as que ele tinha provocado, expiação do mal causado.
Este sistema também tem como característica o equilíbrio entre o mal causado e a
pena, servia para retribuir a prática do crime, havia uma equivalência entre mal causado e a
pena que os familiares da vítima infligiam, “olho por olho, dente por dente” veio a ter
concretização mais tarde nas penas corporais, características do direito medieval.

Correspondência entre o mal causado pelo crime e a própria pena que tinha como
objetivo infligir o sofrimento correspondente àquele que a própria vítima tinha sofrido, num
sistema de justiça privada.

O problema é que quando colocamos nas mãos do ofendido o poder de ser ele a decidir a
intensidade da vingança, ele vai assumir crime como o mais grave de todos e atribuir ao
criminoso a pena mais grave. Muitas vezes acontecia que as famílias do ofendido eram pobres e
se o ofensor fosse de uma família mais rica, não conseguiriam ter forma de aplicar as sanções.
Esta teoria obviamente entrou em declínio.
Já ninguém defende actualmente que o direito penal deve ter com objetivo infligir
o sofrimento ao agente, segundo esta justiça privada. Só se deixou a ideia que a pena deve
ter sempre esta ideia que o crime pressupõe retribuição da culpa, castigo do criminoso, que
para ele é sentido sob a forma de uma consequência desfavorável.

Prevenção especial

Entende-se que o direito penal tem como grande finalidade impedir a prática de
crimes, esta será a verdadeira finalidade do direito penal.

Nas teorias retributivas, que vimos supra, a pena justifica-se em si mesma, não tem
qualquer outra finalidade para além da inflicção de sofrimento ao criminoso.

Nas preventivas, a pena tem em vista alcançar determinados fins: a tutela de bens
jurídicos, a tutela de uma vida sã em sociedade sem conflitos, mediante a prevenção da
criminalidade. Impedir que alguém, com as suas condutas, venha a lesar bens jurídicos
fundamentais para a convivência social. Novamente aqui a ideia de subsidiariedade do direito
penal, expressando que só deve intervir, o facto só deve traduzir a prática de crime, quando o
bem jurídico não pode ser suficientemente protegido pelos outros ramos da ordem
jurídica.
Tradicionalmente distingue-se entre a prevenção geral e a especial. Na especial esta é
dirigida ao próprio agente do crime, ou seja, o que se pretende é evitar que o agente do crime
volte a praticar determinados crimes. Na geral, é dirigida a toda a comunidade, o que se
pretende é evitar que a generalidade das pessoas pratique no futuro factos que se traduzem na
prática de crimes.

A prevenção especial pode ser vista de uma perspectiva negativa ou positiva. A


negativa:

a) Concretiza-se pela eliminação do delinquente. A mais grave passa pela


aplicação da pena de morte, mas no mínimo poderá ser afastado da
sociedade, através da aplicação de uma pena privativa da liberdade. Esta
pena priva o agente do crime de um bem fundamental, a liberdade.

b) Intimidação com a aplicação da pena. Independentemente de ser este o fim


ou não da pena (infligir sofrimento ao delinquente), sendo que esta é sempre
uma consequência negativa, é óbvio que a pessoa (espera-se) fica
desmotivada a praticar crimes no futuro e afasta-lo da prática de crimes.

Já a pela perspectiva positiva diz-se que a prevenção é especial porque o que se


pretende é a recuperação, é a ressocialização do individuo, através da reabilitação do
delinquente. Durante a execução da pena, devem ser fornecidos ao condenado meios que
permitam que quando essa pena for totalmente executada, ele possa reintegrar-se de forma
pacífica na sociedade. Exemplo: dar formação profissional na prisão, permitir que eles tenham
estudos etc…

Prevenção geral

Como referido supra é a teoria é que a aplicação de direito penal é dirigida a toda a
comunidade, o que se pretende é evitar que a generalidade das pessoas pratique no futuro factos
que se traduzem na prática de crimes. Também aqui temos duas facetas, uma positiva e outra
negativa.

Na faceta negativa ou de intimidação temos que quando uma pena é aplicada, isso
provoca a ideia de que quando se pratica um crime haverá uma consequência negativa.
Assim, poderá evitar-se que mais pessoas pratiquem estes crimes por via do exemplo de
um. Por isso é que as penas corporais eram aplicadas em público, geralmente em praças, nos
pelourinhos, conseguindo esta ideia de “choque público”, para que todos saibam e possam ver o
que acontece quando se pratica aquele determinado crime, reduzindo assim a hipótese de
prática de crimes semelhantes.
A ideia de base, contudo é que aqui não se tem em conta o próprio delinquente, ele
está a ser utilizado apenas como instrumento de alarme, de choque, esta teoria não respeita
a dignidade da pessoa humana. Quanto mais grave for a pena, maior o alarme social.
Do lado positivo, dito também o de fidelidade ao direito, diz-se que a aplicação da
pena não pretende provocar medo ou terror dos restantes membros da comunidade, o que se
pretende é que, com a aplicação da pena, proporcional à prática do crime, as pessoas se
apercebam que as normas de direito penal são válidas, vigentes e eficazes na nossa ordem
jurídica.
O que se pretende é criar a convicção na sociedade da validade das normas penais.
Perante a prática de um crime que é descoberto, o Ministério Público acusa de forma célere,
eficaz para que as pessoas fiquem com a convicção de validade e eficácia das normas penais.
Assim se consegue que as pessoas não adotem novos comportamentos do género,
fazendo com que os bens protegidos pela norma penal não sejam destruídos, e sejam tutelados
eficazmente, e preventivamente.

Outros

Quanto aos fins do direito penal também se tem de ter em conta a sua função
garantística, serve para limitar o poder soberano do estado, jus puniendi estadual10.

Esta limitação faz-se através de um conjunto de princípios fundamentais que têm tutela
constitucional, alguns com elevado cunho formal, sendo o principal o da legalidade, na sua
vertente da tipicidade. E daqui também a ideia de subsidiariedade, ideia da intervenção mínima
do direito penal, só deve intervir quando os outros ramos do direito não tutelem de forma
suficiente determinado bem jurídico.

Este é o fim ultimo do direto penal: a proteção dos bens jurídicos e uma sã
convivência social, alías as três teorias vistas em cima queriam todas alcançar este objectivo se
as pensarmos bem.

Tradicionalmente, a tónica do direito penal era mais colocada na pessoa do delinquente e


não tanto na própria vítima. Com processos morosos, a vítima acabava por sofrer mais durante o
julgamento, era apenas a testemunha de um processo. Hoje em dia, mesmo por influência de
nível europeu, tem-se atribuído maior relevância ao interesse da vítima. Nomeadamente, houve
recentemente uma alteração bastante significativa do código penal, com vista à proteção da
vitima. Fez-se com que a vítima possa ter uma certa reparação patrimonial pelo que sofreu pela
prática do crime, e isto eram de certo modo ignorados ate há pouco tempo.
A própria finalidade do direito penal tem em vista o afastamento definitivo da justiça
privada. O que acontece é que em alguns tipos de crime o procedimento criminal está
dependente de queixa, da vontade da vítima, são os crimes semi-públicos. Mas isto não é justiça
privada (não é a vitima a proferir a condenação, mas apenas a iniciar o processo).
O princípio democrático: Todos somos iguais perante a lei e qualquer pessoa, de forma
mais ou menos espontânea, pode vir a praticar um crime. Não há delinquentes que nasçam com
uma tendência a praticar crimes. O direito penal aplica-se a todos de forma igual, desde logo pelo
princípio da igualdade, sem fazer qualquer distinção.
O direito penal deve ter fins utilitaristas: o direito penal serve para atingir outros fins.
Tem em vista a prevenção da criminalidade. O direito penal tem como fim a prevenção da
criminalidade e, com ela, a protecção de bens jurídicos.

10 Já neste caderno falamos disto.


Fins das Penas

Penas enquanto meios de tutela jurídica repressiva de que o direito penal se servempara
alcançar as suas finalidades.

Exemplo, artigo 131º CP, esta é uma norma perfeita, tem previsão e estatuição, e tem
ainda uma sanção, consequência jurídica que o juiz pode aplicar aquele que vier a ser
considerado culpado pela prática do crime de homicídio.
Há duas penas principais, isto é, que podem aplicar-se autonomamente, sem que sejam
aplicadas em conjunto com outra pena que o nosso CP prevê para as pessoas singulares: pena
de prisão e multa.

Hoje em dia o direito penal abrange também o estado de perigosidade social e a


aplicação de medidas de segurança, aplicadas a quem pratica o facto típico, ilícito, mas que não é
culposo, ou porque o agente atuou sem culpa no caso concreto, ou porque é inimputável.

Pode por isso acontecer que a finalidade das penas não seja exatamente coincidente com
a das medidas de segurança.

Há quem defenda todas as hipóteses anteriores11. Hoje em dia, o que se pretende é


encontrar uma síntese entre estas três finalidades diferentes ou pelo menos só uma
conjugação entre a prevenção geral e especial, rejeitando que a retribuição seja uma
finalidade da pena.

Destaca-se, por outro lado, que a finalidade da pena pode ser diferente no momento e
que o legislador a prevê em abstrato no CP, do que no momento em que o juiz profere a pena e
outra finalidade diferente ainda durante a execução da pena.

A dimensão que está mais presente para o legislador no momento em que escolhe a
pena aplicável12, em abstrato13, é a prevenção geral. Por isso é que em muitos países nem se
pratica a pena máxima, ela servirá mais para assustar. No momento da sentença, o que está na
cabeça do juiz mais presente já será a ideia de retribuição. Na execução da pena aí será a
prevenção em especial postiva, a de socialização do delinquente, para que se integre na
sociedade novamente.

Em suma, temos três grandes teorias no que respeita ao fim da pena:

A grande oposição é entre retributiva (a pena justifica-se em si mesma e não tem


qualquer finalidade para além do castigo imposto ao delinquente, é absoluta. “punitur quia
peccatum est” =pune-se aquele que pecou por dolo) e preventivas (a pena não é um fim em si

11 Retribuição, prevenção geral ou especial e prevenção no seu aspeto positivo ou negativo


12 A pena aplicável não é fixa, tem um limite mínimo e máximo, por exemplo a pena para crime de
homicídio vai de 8 a 16 anos, devido ao princípio da igualdade “tratar de forma diferente o que é diferente,
de acordo com a medida da diferença”. A igualdade só pode ser cumprida se o juiz tiver uma margem de
igualdade de aplicação da pena. O juiz só concretiza a pena ao caso concreto, seria inconstitucional
dizer que a pena era de “um mês a 18 anos” (limite mínimo e máximo previsto para todas as penas no CP),
isso significaria que o juiz podia escolher o que quisesse violando o prcinípio da divisão de poderes,
segundo o qual quem decide as penas é o povo, através do Parlamento. A diferença entre o limite mínimo e
máximo não pode ser fixa, mas também não pode ser nem demasiado pequena, eliminando a necessária
consideração das circunstâncias no caso concreto, nem muito grande, que derrogue o principio da
legalidade das penas, escolhendo o que quisesse.
13 A pena só se torna concreta quando o juiz a aplica.
mesma, mas é apenas um instrumento para alcançar outros fins. É relativa. ”quia peccatum est,
sed ne peccetur” = vamos punir para que não venha a praticar mais crimes no futuro).

E estas teorias são acolhidas as três mas em momentos diferentes. Há uma


tridimensionalidade.

Artigo 40º

Tudo o que vimos até aqui sobre as finalidades das penas/do direito penal tem alguma
concretização na nossa lei?
É discutível que o deva ou possa ter. É uma questão de natureza filosófica e o legislador
não se deve imiscuir, tentando consagrar na letra da lei opções teóricas/ dogmáticas/ filosóficas.
Mesmo assim, de forma mais ou menos discutível, o nosso CP tem um preceito que trata dos fins
das penas, o artigo 40º.

No nº1 deste artigo vemos quais as finalidades que o legislador reconhece nas penas:
1)proteção de bens jurídicos, (prevenção geral positiva), 2) reintegração do agente na sociedade
(prevenção especial positiva).
No entanto não nos ficamos só com pedaços das teorias preventivas, o nº2 dá uma
relação entre a culpa e a pena é algo que ficou das teorias retributivas. Não pode haver pena sem
culpa e tem de haver uma dada correspondência entre a pena e a culpa. Agora, o legislador não
dizer que a pena tem por fim o castigo do devedor. O que ficou das teorias retributivas é que não
pode haver pena sem culpa e, no caso do nosso legislador, que e pena não pode ser superior à
medida da culpa. Isto é um limite.

Este nº1 e nº2 servem para guiar o juiz no momento da condenação. É aqui que a pena
vai ser definida e ela deve ter em conta as suas finalidades. Uma pena que não tenha em vista
alcançar uma finalidade é um absurdo porque não tem qualquer justificação.
A norma penal deve ter não apenas a descrição do comportamento, mas também a
consequência jurídica que lhe é aplicável. Vimos também que essa pena prevista na norma,
por motivos de igualdade, não deve ser fixa, mas sim susceptível de ser adaptada pelo juiz ao
caso concreto.

Vamos ver um exemplo com o já falado artigo 131º do CP. O homicídio, com pena de
prisão de 8 a 16 anos, o juiz vai ter de determinar a pena. Vai fazê-lo de acordo com que
critérios? Genericamente, de acordo com os do artigo 70º CP. O artigo 40º também vai ajudar o
juiz nessa tarefa de determinação da pena concreta. Desde logo, de acordo com nº2 o juiz tem
uma limitação extremamente relevante: a medida da pena nunca pode ser superior à culpa
do agente. É claro que o juiz tem uma ampla margem de apreciação, há factos provados no
processo que vão dar ao juiz elementos mais concretos. Agora dentro dos limites da pena
aplicável (8- 16), se no caso concreto o juiz considerou que a culpa do agente corresponde a 10
anos de prisão, de acordo com o artigo 40º nº2, a pena nunca pode ser superior aos 10 anos. O
artigo 40º nº1 diz que o juiz deve ter em conta as finalidades preventiva geral positiva e
preventiva especial positiva. Agora, uma coisa é certa: estas finalidades preventivas não podem,
em qualquer situação, impor uma pena superior à culpa do agente.14

Como é que se conjugam as finalidades preventiva geral com a preventiva


especial?
Figueiredo Dias diz que as finalidades preventivas gerais não se concretizam numa
determinada medida concreta da pena. As finalidades preventivas no que diz respeito à
prevenção geral também teriam um limite mínimo (o mínimo para que as pessoas tenham
confiança na vigência daquela norma) e um limite máximo(a pena ideal para reforçar essa
confiança na efetividade da norma). Por exemplo no caso do homicídio a prevenção geral podia
ter 9 anos ( mínimo) a 12 anos ( máximo) se com 9 as exigências de prevenção geral já são
alcançadas, mas o ideal era com 12.
E as exigências de prevenção especial? Figueiredo Dias diz-nos que estas já nos dão
uma pena concreta entre os 8 a 16. Podem verificar-se 3 situações diferentes, do ponto de
vista das especiais positiva, a pena podia ser igual à medida da culpa ou inferior à medida da
culpa. Se essas exigências impuserem uma pena superior aos anos da medida da culpa qual será
a pena? Os anos da medida da culpa. Se por exemplo no caso do homicídio a medida da culpa se
traduzisse em 10 anos, ainda que o tribunal entenda que do ponto de vista da prevenção especial
o ideal fosse superior a 10 anos, não podia ultrapassar 10 anos por causa do plano da limitação
da culpa. Mas, pode acontecer que as exigências de prevenção especial ditem uma pena inferior
aos 10 anos (exemplo: uma pessoa que cometeu um daqueles homicídios que surgem numa
discussão no trânsito e o homicida era muito impulsivo e matou o outro; quando não há
necessidade de integração na sociedade. O individuo tem família etc...). Daqui resulta que o
decisivo acaba por ser as exigências de prevenção especial. São estas que, na proposta de
Figueiredo Dias, nos dão a pena concreta que o juiz deve determinar. Só não será assim quando
as exigências de prevenção especial forem superiores à medida da culpa; aí, o artigo 40nº 2
impõem que a pena não ultrapasse a medida da culpa.

Medidas de Segurança e seus fins

Quanto à sua finalidade, vale, por inteiro, o artigo 40 nº1, finalidade de prevenção geral
positiva/ confiança na efectividade das normas e prevenção especial positiva/ protecção da
comunidade em relação ao agente. Isto porquê? Porque nas medidas de segurança temos um
facto típico e ilícito, mas não culposo (por exemplo, quando é um agente inimputável). Nas
medidas de segurança o fim é mais o de prevenção especial de socialização do que de
segurança. Nas penas é ao contrário.

Por isso, quanto ao seu âmbito, quando pensamos nas medidas de segurança, pensamos
na aplicação de medidas de segurança a inimputáveis. De facto, o CP prevê as medidas de
segurança para inimputáveis, sendo a mais grave o Internamento, privação de liberdade de

14De acordo com o nº2, mesmo perante um ambiente de generalização e crescimento do crime de Fraude
Fiscal, nunca a pena para esse crime poderia ser superior à medida da culpa.
agentes que venham a ser declarados na sentença como inimputáveis, artigos 90º e seguintes
do CP.

Mas atenção, as medidas de segurança não se aplicam apenas a inimputáveis, aplicam-


se também a pessoas que sejam absolutamente imputáveis, desde que pratiquem o facto e
revelem uma extrema perigosidade social. Exemplo disso é a cassação da carta da condução.
Esta cassação não é vista como uma pena acessória, é uma medida de segurança que pode ser
aplicada a imputáveis. Esta prevista para alguém que pratica crimes, mas o código da estrada
prevê também a cassação da carta de condução para quem está no regime probatório desde que
pratiquem X contra-ordenações.

Há situações em que o agente é condenado tantas vezes pela prática do crime que já há
um misto de crime e de perigosidade social, são os chamados delinquentes por tendência.
Estes são pessoas condenadas sucessivamente pela prática de crimes da mesma natureza. Aí a
ordem jurídica vai ter de decidir se condena o agente numa pena de prisão/multa e, a seguir,
numa medida de segurança ou se a consequência jurídica é uma e se vai responder com essa
mesma consequência jurídica quer à culpa do agente quer à perigosidade social criada por esta
tendência criminosa. É assim que se distingue o monismo do dualismo das medidas de
segurança.

No Monismo temos uma única consequência jurídica para estes delinquentes por
tendência. No Dualismo vão ser condenados com uma pena e depois por uma medida de
segurança.
O nosso sistema é, tendencialmente, monista porque, nestes casos dos chamados
delinquentes por tendência, a nossa lei prevê a aplicação de uma única consequência
jurídica que é um misto entre uma pena e uma medida de segurança, a pena relativamente
indeterminada, artigos 83º e seguintes do CP, tem em vistas não apenas finalidades da pena
mas também as finalidades das medidas de segurança.
Exemplo, artigo 83º nº1, o agente ia ser punido em 9 anos de prisão, verificam-se os
pressupostos de aplicação do artigo 83º ( temos a prática de um crime+ perigosidade social) e ,
por isso, este agente vai ser condenado por esta pena relativamente indeterminada (mínimo
correspondente a 2/3, logo 6 anos e máximo correspondente a 9+6 anos = 15 anos. Durante a
execução da pena vai se avaliar se o agente já está em condições ou não, à partida não sabemos
se vai cumprir 6, 7 , 8 ou 15 anos. Esta condenação em 9 anos corresponde à pratica do crime,
esta possibilidade de a pena que vier a ser cumprida possa ser entre 6 e 15 anos corresponde à
medida de segurança. Temos assim um sistema monista, onde nos casos em que o agente revela
perigosidade social, responde apenas com uma consequência jurídica, responde uma só sanção
e não duas.
Os Princípios Fundamentais do Direito Penal

Princípio da Proporcionalidade e da Subsidiariedade

Estes princípios retiram-se do artigo 18 nº2 da CRP quando a lei diz que “só (se) pode
restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,
devendo as restrições limitar-se ao necessário ao necessário para salvaguardar outros interesses
constitucionalmente protegidos ”.
O Princípio da Proporcionalidade exige que uma medida seja adequada,
necessária e proporcional em sentido estrito.

O Princípio da Subsidiariedade vai por sua vez exigir que o direito penal seja tido
como última linha de defesa para as várias agressões a bens jurídicos, isto é, vai ser o ramo do
direito a que a ordem jurídica recorre residualmente, o direito penal é uma tutela de ultima
ratio. Como temos vindo a ver a aplicação do Direito Penal implica restrições a liberdades e
direitos fundamentais, basta pensar desde logo em sanções que este ramo do direito prevê: pena
de prisão (restrição de liberdade), pena de multa (restrição do direito de propriedade), etc…
São a estas restrições que a Constituição vai impor, pelo Princípio da Proporcionalidade,
a necessidade de que existam outros bens jurídicos com dignidade constitucional que
devam ser tutelados em detrimento destes (liberdade e património nos exemplos dados) e de
que as medidas a aplicar sejam aplicadas apenas na medida do necessário para proteger
esses bens, ou seja não se vai, por exemplo, aplicar uma pena de prisão efectiva a uma violação
da integridade física que tenha sido negligente, isso além de ser desnecessário seria
desproporcional em sentido estrito.

Esta necessidade, decorrente do Princípio da Proporcionalidade, vai levar ao Princípio


da Subsidiariedade, pois se o Direito Penal só se aplica na medida do necessário então antes
de recorrer a este ramo do direito deverá verificar-se se noutro ramo de direito não poderá
haver tutela eficaz para determinada situação em causa.
Por outras palavras, podemos dizer que o Princípio da Subsidiariedade é uma
concretização do Princípio da Proporcionalidade. Exemplo disto são os acidentes de
automóvel onde há apenas danos patrimoniais para os automóveis, onde o Direito Civil tutela
adequadamente a situação através de seguros automóveis e responsabilidade civil, não será por
isso necessário recorrer ao direito penal e aplicar uma pena nestes casos. Já se tivermos a falar
de um acidente automóvel em que há danos não patrimoniais, como o atropelamento de alguém,
se calhar já se vai possivelmente concluir que não é suficiente que o culpado seja apenas
responsável civilmente e que haja necessidade de recorrer a uma pena aplicando Direito Penal
por haver uma ofensa à integridade física.

O Princípio da Proporcionalidade terá de se aplicar em especial, por regra, em dois


momentos diferentes: um primeiro momento quando o legislador prevê a pena aplicável
para o tipo legal de crime, esta terá de ser proporcional, adequada e necessária ao fim que visa
prosseguir15, e, num segundo momento, na aplicação da norma, ou seja quando o tribunal
determina concretamente a pena que vai aplicar, por exemplo o número de anos que a pena
terá. A pena terá de ser por isso necessária, adequada e proporcional e a norma que prevê essa
pena terá também de ter estas três características reunidas nela.

Princípio da Fragmentariedade

É uma consequência dos Princípios da Proporcionalidade e da Subsidiariedade do


Direito Penal.
Diz-nos este princípio, que, precisamente pelo Direito Penal ser um ramo de direito de
ultima ratio que só pode tutelar dentro da medida do necessário. Isto é não vai tutelar todos os
bens jurídicos existentes na sociedade, apenas vai tutelar aqueles bens jurídicos carecidos
de tutela penal, e mesmo que o Direito Penal possa tutelar um determinado bem jurídico não
quer isso dizer que o vá tutelar sempre contra toda e qualquer agressão que lhe seja feita, mas
apenas punirá em regra algumas formas de agressão a esse bem jurídico. Assim este princípio
diz-nos que o Direito Penal só protege determinados bens jurídicos e apenas contra
determinadas formas de agressão

Exceção

Uma excepção a este princípio é o bem jurídico da vida, que por ser considerado o
bem jurídico absoluto da nossa ordem jurídica vai o ter o Direito Penal a tutela-lo contra
toda e qualquer forma de agressão, diga-se, todas as condutas que possam provocar a morte.
Vemos isto no artigo 131º do Código Penal que trata do crime de homicídio. Como se
percebe da leitura do artigo, as condutas que traduzem a prática de um crime de homicídio são
todas aquelas que resultam na morte de alguém, não tem este tipo legal uma lista taxativa de
todas as formas16 de matar alguém, mas uma norma que abrange todas as condutas possíveis
que matam alguém (dar um tiro, envenenar, estrangular, atirar de um prédio etc…).
Chama-se a estes tipos legais de crimes, em que a conduta é prescrita pela aptidão de
provocar certo resultado, tipos causais ou de forma livre.

Já por exemplo para o património, que é também um bem tutelado pelo Direito Penal,
não vai haver um tipo causal ou de forma livre porque a sua relevância não vai ser tão absoluta
como a da vida, neste caso temos normas que prevêem que ofensas diferentes e determinadas a
este bem resultam crimes diferentes como é o exemplo do roubo e do furto.

15 Ver matéria de Direito Constitucional


16 Por isso não nos dá “determinadas formas de agressão”
Princípio da Legalidade

Como já foi dito neste caderno, o Direito Penal só tutela certos bens jurídicos, como é que
se poderá saber que bens jurídicos são esses? É aqui que entra o Princípio da Legalidade, toda a
tutela penal tem de estar tipificada, tem de estar na lei, para que possa ser claro o que é e
não é proibido. Uma conduta só pode ser considerada como crime nos casos previstos na lei, este
princípio traz uma segurança jurídica e uma previsibilidade que são necessárias devido ao
âmbito do Direito Penal que como já vimos vai restringir direitos fundamentais, só com esta
tipicidade legal é que vai ser possível trazer clareza de o que e não é crime.

Este princípio está consagrado no artigo 29º nº1 da Constituição, que além de obrigar
a que uma conduta que seja considerada crime esteja na lei obriga também a que a sanção dessa
conduta esteja também tipificada.
Assim, o princípio da legalidade abrange não apenas a descrição da conduta que é
crime como também as penas que serão aplicadas a prática desse crime.

O Princípio da Legalidade traduz-se também numa obrigatoriedade orgânico-formal: a


reserva relativa da Assembleia da República para legislar sobre normas criminais. Assim
só a Assembleia da República, e o Governo mediante autorização desta, é que poderão
determinar que condutas é que são crime e que pena aplicar a tais condutas. Esta imposição
orgânico-formal do Princípio da Legalidade entende-se também por a Assembleia de República
ser o órgão com maior legitimidade democrática e a matéria penal versar sobre os direitos de
todos necessitando por isso de uma Auto autorização, isto é, é a sociedade que vai determinar o
que é crime para a sociedade.

Princípio da Juriscionalidade

Há uma separação de poderes no direito penal, desta forma não haverá uma entidade
com o poder absoluto sobre os direitos fundamentais dos cidadãos. O Princípio da
Juriscionalidade pode ter-se como uma concretização do Princípio da Separação de Poderes.
Este princípio significa que a competência para decidir a matéria penal e aplicar
penas e medidas de segurança é da exclusiva competência da jurisdição (tribunais).
Esta repartição de poderes é então feita pelas diferentes instituições soberanas do
estados e em Portugal esta divisão concretiza-se da seguinte forma: compete ao legislador
definir quais os comportamentos que são ou não são crimes e qual a pena que lhes vai ser
aplicada e compete aos tribunais decidir em cada caso concreto se uma determinada
pessoa cometeu ou não um crime (isto é se vai ser condenada ou absolvida) e qual a pena
concreta que lhe vai ser aplicada.
Por outro lado o legislador não pode determinar por lei a pena concreta que uma certa
pessoa ou grupo de pessoas vai poder sofrer, esta concretização da pena é uma tarefa exclusiva
dos tribunais, apesar dos tribunais estarem obviamente limitados previamente pela lei no que
toca, por exemplo, ao número de anos de uma pena o tribunal não vai poder escolher como
entender a duração da pena e terá de escolher uma duração dentro do intervalo de tempo
previsto em cada tipo legal.
A sede legal deste princípio pode dizer-se concentrada principalmente no artigo 8º do
Código de Processo Penal: Os tribunais judiciais são os órgãos competentes para decidir
as causas penais e aplicar penas e medidas de segurança criminais

Princípio da Culpabilidade

Este princípio quer dizer que não pode ser aplicada uma pena a alguém se esse
alguém não tiver atuado com culpa. Daí que quando nas primeiras páginas quando vimos as
condicionantes para estarmos perante um crime uma das características fosse a culpa.17 Este
princípio não esta previsto directamente na Constituição mas entende-se que resulta do
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Para que alguém possa ser punido pela prática de um
crime é preciso poder formar então um juízo de censura sobre o comportamento que a pessoa
teve relativo ao que devia ter tido em lugar. Os inimputáveis não podem por isto mesmo ser
condenados pela prática de um crime, pois não é possível fazer-lhes este juízo de censura. O
mesmo se poderá em todos os casos em que o sujeito não teve liberdade de agir, para que haja
culpa é necessário que haja liberdade de escolha.
Este princípio implica então que, ao contrário do que acontece no Direito Civil, não pode
no Direito Penal haver responsabilidade criminal objectiva. Implica ainda que não exista
também neste ramo a responsabilidade por facto alheio, isto é, enquanto no Direito Civil A pode
pagar uma dívida de B no Direito Penal tal não pode acontecer, cada um tem de responder
pelos seus factos, o que quer também por sua vez dizer que no Direito Penal não há
transmissão de responsabilidade criminal de uma pessoa para a outra, nem inter vivos nem por
morte, com a morte extingue-se a responsabilidade criminal.
No termos do artigo 71º nº1 do Código Penal temos uma manifestação deste princípio
noutra vertente: os tribunais vão ainda ter de considerar o grau de culpa do agente do crime
aquando da determinação da pena no caso concreto.

Princípio da Humanidade das Penas

Este princípio está bastante desenvolvido na Constituição. Há ideia de protege a


dignidade da pessoa humana, daí que sejam proibidas por exemplo as torturas e lesões
corporais como pena nem os chamados “castigos públicos”, o artigo 30 da Constituição dita
que a pena tem de ser sempre respeitadora da dignidade humana, daí que ninguém que seja
condenado possa ser lesado de modo a servir de exemplo para que outros não pratiquem crimes.
É daqui que resulta a proibição da pena de morte e da prisão perpétua da nossa ordem
jurídica, apesar de não ser assim noutros países.
Deste princípio resultam 5 coisas:

17 Estamos perante um crime quando temos: 1) tipo legal, 2) culpa, 3) ilicitude. Ver páginas anteriores.
1. Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da
liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.
2. Em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica, e na impossibilidade de
terapêutica em meio aberto, poderão as medidas de segurança privativas ou restritivas
da liberdade ser prorrogadas sucessivamente enquanto tal estado se mantiver, mas
sempre mediante decisão judicial.
3. A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão.
4. Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis,
profissionais ou políticos.
5. Os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da
liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações
inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução

O Direito Penal e os Outros Ramos de Direito

Vamos distinguir o Direito Penal dos outros ramos do Direito. Distinção em relação ao
Direito constitucional, disciplinar, civil e ilícito de mera ordenação social.

Direito Constitucional

Como já vimos, alguns princípios fundamentais do Direito penal têm consagração


constitucional. Vimos a propósito dos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade, da
fragmentariedade que a sua consagração constitucional está no 18º nº2 da CRP.
Vimos também que quanto ao principio fundamental da culpa, que não está consagrado
na constituição, mas entende-se que resulta do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Na constituição temos ainda os artigos:

27º - Trata da proibição da privação da liberdade, excepto nos casos previstos na lei

30º – Trata da execução das penas e medidas de segurança

29º - Garantias da lei criminal – Principio da legalidade, e em consequência o princípio


da proibição da aplicação retroactiva da lei penal, e da aplicação retroativa da lei penal de
conteúdo mais favorável. Vamos analisar estes princípios mais tarde, quando chegarmos à
matéria da teoria da Lei Penal, daí não termos falado deles no capítulo anterior.
Já vimos que a afirmação destes princípios tem efectiva consequência prática, e quando o
tribunal constitucional entende que há violação dos princípios fundamentais do direito penal,
declara a inconstitucionalidade.
O Tribunal Constitucional pode fazê-lo em sede de fiscalização preventiva, e aí
necessariamente abstracta. Também é habitual recurso para o Tribunal Constitucional em que
se invoca inconstitucionalidade de normas penais, em sede de fiscalização concreta, a suscitada
no âmbito do concreto processo judicial18.

Na nossa CRP não está previsto o recurso de amparo para o Tribunal Constitucional. Isto
é, a possibilidade do sujeito processual invocar a inconstitucionalidade mediante recurso para o
próprio Tribunal Constitucional, não da própria norma, mas da decisão judicial. Em Portugal não
é assim, o Tribunal Constitucional só conhece a constitucionalidade de normas jurídicas. 19
Exemplo: Tribunal num processo concreto condena uma pessoa fazendo uma aplicação
analógica de um determinado tipo legal de crime. Ao fazê-lo, a decisão judicial está a violar o
artigo 29º da CRP que estabelece o princípio da legalidade, mas o arguido não pode invocar
esta violação perante o Tribunal Constitucional, só pode é levantar a inconstitucionalidade da
norma, não da decisão.

Direito Disciplinar

Traduz-se na possibilidade da entidade empregadora, aplicar sanções aos seus


trabalhadores em virtude da violação dos deveres que decorrem para o trabalhador da
celebração do contrato do trabalho e dos deveres gerais do trabalhador consagrados na lei.

O que importa aqui distinguir relativamente ao direito penal? O direito disciplinar


também tem a natureza sancionatória, pois o empregador pode aplicar sanções ao trabalhador
que viole os seus deveres. Mas temos três pontos de diferença:

1º - O direito disciplinar, na maior parte dos casos, diz respeito a relações privadas.
Relações de direito laboral, relações que se estabelecem entre a entidade empregadora e os seus
trabalhadores. Também em relação aos funcionários públicos existe um estatuto disciplinar dos
próprios, e aí obviamente já estamos no domínio do direito disciplinar público. Mas, de qualquer
forma o que está em causa é a violação dos deveres que decorrem para o trabalhador de um
determinado contrato de trabalho e da restante legislação.

2º - Não vigora nenhum princípio da tipicidade, a infracção disciplinar traduz-se na


violação dos deveres que resultam para o trabalhador do contrato. Não há uma enumeração
típica das infrações a esses mesmos deveres, a violação de qualquer dever por parte do
trabalhador pode dar origem a um procedimento disciplinar, e à correspondente aplicação da
sanção disciplinar ou mesmo despedimento.
Pode até chegar a haver pena de multa, que é diferente da pena de multa aplicada em

18 Arguidos consideram que há uma norma aplicada pelo tribunal que padece de inconstitucionalidade,
invocam essa inconstitucionalidade no processo e o tribunal deve conhecer da inconstitucionalidade. E em
último caso há recurso da decisão dos tribunais judiciais para o Constitucional.
19 Ver matéria de Direito Constitucional.
direito penal, pois essa pode ser convertida em prisão caso a pena de multa não seja paga
voluntariamente ou através da execução do património do condenado.

3º - Como está em causa uma relação estabelecida entre os trabalhadores e a entidade


patronal, quem tem competência para conhecer da prática de infração e para determinar a
sanção e executar essa sanção, é a própria entidade patronal e não os tribunais e de acordo com
o princípio da reserva da solução jurisdicional, no Direito Penal, só os tribunais podem conhecer
da pratica da infração e condenar o agente pela prática do crime.
Obviamente que se o trabalhador não concordar com a sanção pode a impugnar junto
dos tribunais judiciais, o que estamos aqui a querer dizer é que não existe o Princípio da
Jurisdicionalidade no Direito Disciplinar.

Como estão aqui em causa dois ramos de direito de natureza sancionatória, podia-se
levantar a questão de saber se um mesmo facto traduzir, simultaneamente, a prática de infração
disciplinar e a prática de crime, se nestes casos ainda assim a entidade patronal conserva o
poder de sancionar disciplinarmente o trabalhador, ou seja, mantém a competência para o
conhecimento da infracção e aplicação da sanção? Sim. A existência de um processo de crime
condiciona ou não e em alguns termos o processo disciplinar que está pendente? Não.
O processo penal e o processo disciplinar são totalmente autónomos, ainda que
tenham por base a prática dos mesmos factos
Há uma autonomia substantiva entre infração disciplinar e o crime, entre a sanção
disciplinar e a sanção penal. São sanções autónomas, e dois ramos de direito autónomos, quer do
ponto de vista substantivo, quer do ponto de vista processual. Por isso, não vigora aqui o
principio da proibição do artigo 29º nº5 da CRP. O referido princípio diz-nos que ninguém
pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, isto é, proíbe a dupla
aplicação de sanções de natureza criminal pela prática do mesmo facto. Este princípio não
se aplica aqui porque apesar do facto ser o mesmo, estamos a falar de dois ramos de direito com
total autonomia.

Direito Civil

O direito penal caracteriza-se pelo princípio da subsidiariedade, só tem de intervir


quando se demonstre que a tutela daqueles bens jurídicos não pode ser obtida
satisfatoriamente, eficazmente por qualquer outro ramo de direito.
Muitas vezes um facto quando traduz a prática de um crime, também traduz a prática de
um ilícito civil. Portanto, nessa medida será gerador de obrigação de indemnizar na virtude da
responsabilidade civil extracontratual.

O artigo 483º do Código Civil determina que qualquer conduta que viole um direito
alheio com uma disposição legal destinada a proteger interesses jurídicos alheios, é geradora de
responsabilidade civil extracontratual. Portanto, “qualquer conduta”. No direito penal, só são
relevantes as condutas que estão descritas nos diferentes tipos legais de crime, opera a
tipicidade. Como tal, a maior parte dos bens jurídicos que são tutelados pelo direito penal,
também são tutelados pelo direito civil, é normal que o direito civil, do ponto de vista
conceptual, constitua um fundo comum para o próprio direito penal. Exemplo: Crime de
furto, dá-se a apreensão de coisa móvel alheia. Sabemos se a coisa é alheia recorrendo ao
direito civil.

Os factos ilícitos que têm relevância para o Direito Penal são apenas aqueles que estão
previstos nos tipos legais de crime, ou seja, são apenas agressões a determinados bens jurídicos
e algumas modalidades de agressão a esses mesmos bens jurídicos.
Isto depois tem reflexo a nível da exclusão da ilicitude, prevista no artigo 31º do CP que
determina que se a ilicitude se der por excluída por qualquer ramo de direito ela também é
excluída pelo direito penal, assim qualquer causa de exclusão de ilicitude civil, vai excluir a
ilicitude penal), porque se temos de admitir que um facto que é ilícito em direito civil possa ser
licito para o direito penal, possa não constituir a prática de um crime. Por outro lado, se um facto
se der por lícito para qualquer ramo da ordem jurídica, em particular para o direito civil, ele não
pode deixar também de ser lícito para o direito penal, pois isso seria um contra-senso, seria uma
inversão do princípio da subsidaridade, estaríamos a atribuir maior campo de aplicação ao
direito penal do que ao direito civil. Ex: Acção directa não está prevista no CP como causa de
exclusão de ilicitude, mas é causa de exclusão de ilicitude pelo Código Civil.20

Diferente é o princípio geral em matéria de obrigação de indemnizar no Direito Civil,


pois este segue a regra da reconstituição natural, o lesante tem de colocar o lesado na situação
em que estaria se o facto ilícito não tivesse sido praticado. Retirar o dano da esfera jurídica do
lesado. Já no direito penal nada disto está em causa, a preocupação não é em primeira linha a
vítima, mas sim a pessoa do criminoso. É aplicada uma pena de natureza pessoal, ou seja, não
tem em conta reparar os prejuízos causados pelo criminoso, mas sim impor uma consequência
desfavorável ao próprio condenado. É uma sanção pessoal.

Assim:

Obrigação de indemnizar – através do pagamento de dinheiro tem em vista atribuir ao


lesado o valor da desvalorização do seu património em virtude da prática de facto ilícito

Pena de multa – Serve para impor a sanção ao agente por ter praticado o crime. A sua
medida vai ficar relacionada com o grau de ilicitude do facto, a conduta do agente e com a
própria situação patrimonial do agente do crime, e não do lesado.

Um facto pode ser ilícito para os dois ramos de direito. Não pode é ser lícito para o
direito civil, e ilícito para o direito penal.

Exemplo: Dar uns socos a alguém, a obrigação de indemnizar e a aplicação de uma pena
vão se cumular.

Vão se cumular como? Há diferentes sistemas:

Temos o sistema da independência total entre a responsabilidade civil e penal. Os


tribunais penais conhecem enquanto gerador de crime, e os tribunais civis enquanto gerador de
responsabilidade civil. Sistema que vigora nos EUA.
O inconveniente deste sistema é a perda de economia processual, porque para a vítima
ser ressarcida é necessário processos autónomos (podem ter decisões contraditórias exemplo:
caso do O.J. Simpson).

20 Ver matéria de IED.


O sistema que temos em Portugal leva a que tal não possa acontecer em Portugal,
pois sempre que um facto traduz-se na prática de um crime e é gerador de danos o pedido
de indemnização pelos danos deve ser conhecido no tribunal penal e no processo penal.
No exemplo do caso de O.J. Simpson se fosse em Portugal tínhamos o processo de crime onde era
conhecida a prática do crime, e os familiares da vítima tinham de pedir uma indemnização pelos
danos no próprio processo de crime. O processo de crime vai ter no fundo duas acções, uma
acção penal para saber se foi praticado crime e aplicar a pena respectiva; uma acção civil para
saber se foi praticado facto ilícito e determinar a correspondente indemnização

Ilícito de mera ordenação social

No código da estrada, por exemplo, temos contra-ordenações, nada disto é um crime, é


chamado o ilícito de mera ordenação social ou então direito das contra-ordenações.
Se fosse direito penal, quem tinha de conhecer a infracção era o tribunal, não era viável o
tribunal conhecer todas as infracções ao código da estrada retomando o exemplo.
Este direito das contra-ordenações, abrange mais do que as infracções ao código da
estrada, abrange infracções práticas no âmbito da vida social, como é o caso das contra-
ordenações fiscais.
Até 1982 quando alguém queria discutir se tinha ou não cometido uma infração ao
código da estrada, só podia ser julgado pelo próprio tribunal. Este sistema é inviável. O crime só
pode ser conhecido pelo tribunal judicial. Com a entrada do novo código penal em 1982 o
legislador decidiu afastar o sistema anterior, que assentava na distinção entre infracções todas
elas criminais, de maior ou menor gravidade, os crimes por um lado, e as transgressões ou
contradições por outro.

Decidiu-se pois criar um novo ramo de direito que não está incluído no direito penal
como antes, é o ramo sancionatório, o direito das contra-ordenações. É um ilícito
administrativo.

O Direito Sancionatório Administrativo foi instituído entre nós pelo Decreto-Lei 433/82,
que instituiu o regime geral do ilícito mera ordenação social, o regime geral do direito das
contra-ordenações. Dentro deste âmbito do direito, a infracção em vez de ser crime, chama-se
contra-ordenação.

A competência para o conhecimento das infrações não é dos tribunais, mas sim das
autoridades administrativas. A autoridade nacional de segurança rodoviária, é ela que vai
decidir se foi praticada ou não contra-ordenação e vai aplicar a sanção correspondente, que se
chama coima, nos casos de violações do Código da Estrada. Assim:

No âmbito do direito penal – temos crimes e penas

No âmbito do ilícito de mera ordenação social – temos contra-ordenações e


coimas
As contra-ordenações são conhecidas (saber se o agente praticou ou não o facto, se tiver
praticado a sua condenação e a determinação da coima) pela autoridade administrativa,
enquanto no direito penal tem de ser obrigatoriamente o tribunal. Apesar da coima, tal como a
multa ser pecuniária, nunca pode ser convertível em prisão se não for paga e pode ser paga por
terceiro.

Estrutura e Funções das Normas Penais

Situações de Conflitos de Leis

Antes de irmos ao tema concreto deste capítulo referir as situações de conflitos de leis
penal. Podemos ter três situações típicas em que isto acontece:

1º Aplicação da lei penal no tempo: Acontece quando existem varias normas em vigor
na mesma ordem jurídica, mas em momentos temporais diferentes, e o tribunal tem de escolher
qual é norma aplicável a prática do agente. Desde a prática da conduta até ao momento presente,
entra em vigor uma nova lei e o tribunal terá de escolher qual é a aplicável.

2º Aplicação da lei penal no espaço: Consiste na escolha entre diversas leis que
vigoram em simultâneo em diferentes ordens jurídicas, temos de escolher qual é a aplicável. Os
tribunais portugueses apenas julgam condutas para as quais se aplica a lei penal portuguesa.
A questão é que por vezes há situações plurilocalizadas, isto é, que têm momentos de
conexão com diferentes ordens jurídicas. Exemplo: Espanhol dá tiro a inglês em Espanha e este
vem a falecer em Portugal

3º Concurso de normas penais em sentido estrito: Acontece nas circunstâncias em


pelo menos aparentemente, à mesma situação de facto se aplicar mais de um tipo penal, mas é
uma mera aparência, pois de facto só há um crime. Ex: os casos de especialidade, em que a
norma especial afasta a geral, temos um tipo comum e depois há tipos agravados e privilegiados,
que são normas comuns.
Estrutura, conteúdo e significado, autonomia e formulação da norma
Penal

Conceito de Norma Penal

É uma norma jurídica que consistem sobretudo em regras que exprimem a ligação entre
uma situação de facto e a consequência que se vai verificar quando se verifique essa situação (de
facto). A norma penal por excelência é o tipo legal de crime.
Neste tipo temos a descrição de uma determinada situação de facto a qual o tipo legal de
crime vai aplicar determinada consequência, previsão e estatuição.
A descrição da situação de facto tem aqui, por virtude do princípio da legalidade na sua
vertente de tipicidade (ou seja, para que o facto traduza a pratica de um crime) é necessário que
a conduta do agente corresponda ao modelo legal. Isto é, tem de ser subsumível ao tipo legal.

O tipo legal de crime mais simples que temos é do homicídio, artigo 131º CP, pois como
o bem jurídico a vida é o mais relevante da nossa ordem jurídica, todas as condutas que agridam
este bem jurídico deverão ser subsumíveis ao tipo legal de crime.
Na previsão apenas se diz “quem matar”, e por isso, basta que seja uma conduta apta a
provocar a morte para que seja subsumível.
Já se falarmos do património, a tutela deste é considerada fragmentária têm de ser
condutas expressamente descritas no tipo legal de crime. Exemplo: Artigo 217º CP, burla tem
uma série de elementos. Para restringir o âmbito da tutela penal é necessária que se construa
uma norma mais complexa, com um maior número de elementos. O tipo legal de crime é uma
norma jurídica completa, com previsão, estatuição e depois a sanção.

A sanção é um terceiro elemento/características da norma penal, e só se compreende a


aplicação da sanção porque há um juízo objectivo de desvalor sobre a conduta do agente,
norma penal como juízo objectivo de valor.
A maioria dos tipos legais de crime são normas de natureza proibitiva, isto é, tratam-se
de uma norma penal como imperativo. A norma penal tem sempre um imperativo implícito que
se traduz para o agente no comando para que não pratique aquela conduta.
Existem contudo situações em que o ilícito penal é simultaneamente um ilícito civil, no
entanto, em muitas situações a norma penal é totalmente autónoma, isto é, temos uma
especifica ilicitude penal sem que haja nos outros ramos da nossa ordem jurídica.

Os Tipos Legais de Crime

A maioria dos tipos legais de crime que encontramos na nossa lei são normas proibitivas.
Ou seja, o comando é a não adoção da conduta descrita no tipo, ao contrário do que acontece na
maioria dos casos no direito civil.

Também há tipos legais de crime que impõem normas perceptivas, que obrigam o agente
a adotar determinada conduta, sob pena de incorrer na prática de crime. Exemplo: Omissão de
auxílio artigo 200º CP, verificada a situação de facto o agente é obrigado a adotar determinada
conduta.
Neste caso da omissão de auxílio, o dever de auxílio apenas nasce em situações
particulares descritas pelo artigo 200º do CP, em que o agente é obrigado a fazer o necessário
para afastar o perigo. Contudo, este auxílio não tem de ser pessoal, nem há que por em risco a
vida ou integridade física da própria pessoa.

Há depois situações em que a lei penal equipara a omissão de conduta à prática do


próprio tipo legal de crime. Exemplo: Uma mãe está acamada, e era o filho que tinha de a
alimentar pessoalmente, o filho deixa de a alimentar e ela morre. Do ponto de vista naturalístico
ele (o filho) não a matou, só não evitou a sua morte. Dentro de determinados pressupostos o
artigo 10º do CP vem equiparar certas omissões a certos tipos legais de crime. Assim, o artigo
131º do CP também abrange aquele que tendo o dever jurídico pessoal de evitar a morte de
outrem, não adota a conduta necessária para o efeito. Mas para isso tem de existir um dever
jurídico pessoal e a conduta omitida fosse relevante para evitar o resultado. Neste caso a
pena será muito mais pesada do que nos casos do artigo 200º do CP.
No artigo 200º do CP, está em causa omissão pura ou própria, em que o agente não é
obrigado a evitar o resultado, mas apenas a auxiliar. Quando há dever jurídico já não estamos no
âmbito do artigo 200º. Exemplo: Bombeiro que não auxilia pessoa.

Crimes de forma livre e crimes de forma titulada

Em determinadas situações o legislador pretende proteger o bem jurídico contra toda e


qualquer forma de agressão. Ai, qualquer conduta, desde que apta a provocar a destruição
daquele bem jurídico e causalmente adequada, corresponde ao tipo legal de crime.

Noutros casos o que temos é a descrição formal da conduta típica pela norma
incriminadora, descrita em todos os seus elementos. Ex: Crimes contra o património

Os tipos causais legais ou de forma livre são aqueles em que a conduta é apenas descrita
pela sua aptidão para provocar o resultado como é o caso do crime de homicídio que já aqui
vimos.
Princípio da Legalidade Amplamente Visto

Já referimos neste caderno o Princípio da Legalidade. Vamos agora olhar para este de
forma ampla e ver as suas consequências: A reserva de lei, A tipicidade, A proibição da
analogia, A legalidade das sanções e a Proibição de retroactividade.

O Princípio da Legalidade consiste em larga medida numa garantia dos cidadãos


perante o poder punitivo estadual. Assim, só traduz prática de um crime a conduta descrita
num determinado tipo legal de crime. A este respeito, temos de aferir os elementos do tipo
para separar as condutas típicas das atípicas. Imaginemos que A recebe dinheiro de B e
incumpre a contraprestação que tinha que prestar, em determinada situação isto não traduz
prática de crime, mas com o preenchimento dos devidos elementos poderá traduzir-se na
prática de um crime de burla.
Por estes motivos, estes tipos legais de crime têm de ser claros para os cidadãos.

Este princípio surgiu em reacção ao absolutismo, é uma garantia de que ninguém é


punido por uma conduta sem que ela esteja prevista. As suas origens mais remotas são da magna
carta de Inglaterra, mas a grande revolução foi a declaração dos direitos do homem e do cidadão
na revolução. Feuerbach diz que não há crime, nem pena sem lei.

O princípio da legalidade abrange a definição da conduta proibida mas também a


designação da pena aplicável a essa mesma conduta. Este princípio da legalidade tem vários
corolários:

1º A lei penal tem de ser prévia: Corolário da proibição da aplicação retroativa da lei
penal criminalizadora.

2º Corolário da tipicidade: Obriga a que a lei cumpra uma série de requisitos técnicos

3º A lei penal tem de ser estrita, escrita e certa: Tem de explicar todos os elementos
para que se incorra na prática do crime.

Enquadramento Histórico

Um estado absoluto não gosta do princípio da legalidade, pois prefere que seja o juiz ou o
governo a definir o que é crime ou não, aplicando- se a pena mais vantajosa do ponto de vista
político. Assim os estados absolutos tipificavam crimes de forma extremamente aberta, sendo
basicamente o que se quisesse.

Este princípio de legalidade surge como aspeto fundamental no direito, no fim de século
XVIII e início de séc. XIX com a afirmação do pensamento liberal, já no pós-despotismo
esclarecido. Mas, é nas primeiras Monarquias constitucionais liberais que este princípio de
legalidade se afirma de uma forma clara como definidor da ideia de direito.
Está em causa a ideia de que todo cidadão está sujeito à lei, o que hoje parece ser óbvio
para todos, e até ter um alcance algo abstrato. Desde logo, na época do despotismo esclarecido, é
preciso ter em conta que em relação aos estados e os seus poderes (a tripartição e separação de
poderes é uma ideia de que também se constrói durante este período, mas que se concretiza com
o surgimento das Monarquias Constitucionais), falamos aqui do poder legislativo e judicial, mas
ainda de forma embrionária, sendo que esses poderes do estado não estavam sujeitos à lei, ou
seja, a um ato de vontade de um órgão com poder legislativo, e que exercia essa competência no
exercício de uma legitimidade específica (a do voto). Esta é uma ideia que só ganha corpo com o
surgimento das Monarquias constitucionais e com o surgimento do pensamento liberal.
Nem sempre são monarquias constitucionais, podem também ser repúblicas, como no
caso da França. De qualquer maneira estamos sempre a falar de estados liberais que se
submetem à Lei, que é por sua vez construída em exclusivo como vontade do povo e através do
órgão com maior legitimidade democrática que é o Parlamento.

Daqui decorre como consequência, que os poderes do Estado não estão sujeitos a outra
coisa que não seja a Lei, e por isso não existem privilégios de classe ditados por usos
costumeiros ou outras fontes que não sejam a Lei, isto é, a ideia da Lei como máxima e única
fonte de Direito
Os próprios cidadãos, mesmo numa altura em que não se tinha a ideia de que a lei era a
vontade do povo, porque a ideia de que o Parlamento tinha os representantes do povo não foi
imediata (numa primeira fase ainda havia um representação tripartida de acordo com as classes
sociais existentes), ainda assim, a ideia de que a lei emanada deste Parlamento é a única fonte de
direito tinha uma vantagem: a lei vale para todos de modo igual.
Mesmo quando o Parlamento não era rigorosamente formado por elementos do povo
que ali estavam independentemente da sua origem social ou peso económico, o simples de facto
daquilo que dali sai valer para todos, cria para todos também, uma ideia de relativa igualdade.
Não há normas nem tribunais específicos para membros da aristocracia, nobreza ou clero. Todos
estão assim sujeitos ás mesmas normas com o mesmo conteúdo, sem qualquer tipo de distinção,
mesmo que o parlamento de onde a Lei como única fonte de Direito era emanada, ainda não
fosse constituído de uma forma totalmente democrática.

Isto implicava uma outra consequência, é que na relação entre cidadãos e Estado (que
cada vez mais se torna um Estado diferente), há uma noção de responsabilidade que pela
primeira vez se vai assumir. Da mesma forma que o Estado define uma regra que é igual para
todos os cidadãos, assume de uma forma clara, um ato de vontade com um determinado
conteúdo, o de que os cidadãos o podem conhecer e questionar. Assim, este vínculo de cidadania
entre pessoas singulares (cidadãos) e o Estado, começa a reconstruir-se de uma forma diferente.
É uma relação de fidelidade em que os cidadãos estão sujeitos a regras de fidelidade ao Estádio
nacional de que fazem parte, mas podem invocar a lei que o Estado cria para responsabilizar
esse próprio Estado, e para limitar e questionar o seu próprio poder.

Isto para tutela da liberdade individual de cada cidadão, que só pode ser limitada com
fundamento na lei, e por isso, o princípio da legalidade refunda a relação com o Estado,
permitindo que ao lado deste principio, e como seu grande fundamento, se invoca-se pela
primeira vez este valor da liberdade individual, que vale de igual forma para qualquer cidadão,
independentemente da sua dignidade social ou classe.

Quando os Parlamentos perdem esta resquício medieval de divisão em grupos marcados


pelos estratos socais tradicionais, isto é, deixam de ser constituídos por membros que são
escolhidos no seio destas divisões medievais (aristocracia, clero e do terceiro estado) e passam a
ser constituídas essas assembleias por via de um ato de eleição, sendo que qualquer cidadão
(com certas limitações-idade e alguns parâmetros censitários) se podia candidatar, significa que
os Parlamentos passam cada vez mais a ser o local de representação do povo. Passa a ser a
expressão mais próxima possível da comunidade nacional e da sua vontade.

Isto significa que o princípio da legalidade, que já era um princípio fundamental do


direito, vai sendo fundamentado com o tempo como garante da liberdade individual, e passa
também, enquanto principio, a assegurar que cada uma das leis é a expressão fiel da vontade do
povo, dos representantes daquilo a que chamamos de Povo (e que são os eleitores).

A partir desta altura, de meados do Séc. XIX temos a trindade perfeita: O princípio da
legalidade como fundador e determinante do direito, justificado como razão principal pela tutela
da liberdade individual, e ainda a ideia de que a lei é por sua vez a marca no direito do princípio
democrático, que a Lei exprime a vontade dos representantes eleitos do povo e neste sentido a
expressão da vontade da comunidade. Não sendo, contudo, a expressão perfeita dessa vontade,
mas aproximando-se dessa perfeição.

Desde este período, algures no sec XIX, até hoje, a formulação da lei mantém-se
inalterada porque encerra esta garantia da liberdade, de forma algo convincente. A lei é tomada
como um ato proveniente de um órgão legislativo mas sobretudo é um normativo geral e
abstrato. É esta conceção que encerra a ideia de que só assim se garante a liberdade de cada um
de forma igual, porque a ser assim, o legislador compromete-se perante a comunidade que
quando afirma a legalidade está a dirigir-se para o futuro, e a um conjunto de situações de forma
abstrata, não pretendendo descrever fenómenos ou episódios concretos. E por isso, a Lei aplicar-
se-á a todas as situações futuras que integrem a formulação abstrata dessa Lei.

Posto isto, o legislador não está e legislar para se dirigir nem perseguir pessoas
individuas. Um legislador não pode formular um diploma que se dirija a pessoas concretas nem a
grupos sociais, mas sim a todos os cidadãos em geral, de forma igual. Assim, mesmo que se trate
de uma norma penal e limitativa da liberdade, sobretudo a física, apesar disso, garante por outro
lado a todos que essa restrição se dirigirá de forma geral e abstrata a todo e qualquer um que
venha a praticar aquele facto. À partida qualquer um está sujeito às consequências da Lei. A lei é
cega.

Princípio da Irretroatividade das Leis Penais

Para que a lei seja uma norma geral e abstracta, há uma consequência imediata no que
diz respeito à aplicação da lei no tempo, que é decisiva no Direito Penal mas não só… Para que
uma norma seja efectivamente geral e abstracta ela só poderá valer para o futuro. Uma garantia
de liberdade que surge desde o inicio do tempo liberal e se mantém de certo modo intacta até
hoje, é a da irretroatividade da lei penal (lei em sentido material). Se a Lei puder ser aplicada
para o passado, o legislador já sabe a quem e a que situações se vai dirigir. Esta garantia de
liberdade que se estende a todos por igual, implica que estas normas sejam materialmente
gerais e abstratas.
O princípio da legalidade vem por isso de braço dado com o da irretroactividade
Quando falamos do princípio da legalidade, é importante estabelecer uma distinção
entre 2 grandes grupos de normas relevantes em matéria penal, que são designados na
doutrina de modo nem sempre coincidentes. Alguns falam, quando se referem a normas penais,
de:

1º Normas negativas: São as normas incriminadoras ou com efeitos similares de


restrição da liberdade individual. Exemplo: quem matar alguém é punido com crime de
homicídio.

2º Normas positivas: Normas que ampliam margens de liberdade. Exemplo: normas


que excluem a ilicitude, tal como a legítima defesa. Alguém actua ao abrigo de uma causa
de exclusão da ilicitude.

Estamos a falar de 2 grupos de situações que podem merecer tratamentos diferentes à


luz do Principio da legalidade: Seguramente que quanto às normas negativas, o princípio da
legalidade tem mesmo de andar de braço dado com o da irretroatividade. Seria inconcebível
que se pudesse permitir a aplicação retroativa de uma norma incriminadora ou de uma norma
que tivesse um efeito similar de restrição da liberdade, pois assim sendo, isso implicaria que esta
restrição de liberdade aconteceria no contexto de aplicação de uma norma que deixaria de ser
uma norma geral e abstrata.

Esta irretroatividade representa ainda uma limitação do poder estadual21, o Estado


não pode perseguir pessoas singulares, porque se vê obrigado a elaborar normas gerais e
abstratas aplicáveis apenas e só para o futuro. No momento em que legisla não sabe quem
pratica ou praticou aqueles factos. Por isso, estas normas negativas têm sempre que andar
de mão dada com o princípio da irretroatividade.

Normas Positivas e Irretroatividade

Quando falamos de normas positivas, isto é, quando concluímos que a norma posterior
traz consigo um conteúdo mais favorável, é de aceitar a possibilidade de aplicação retroativa
dessa lei penal mais favorável.

Existem razões que o explicam: Se o que está em causa na irretroatividade é a tutela da


liberdade, quando se trate de uma norma positiva ou da entrada em vigor de uma norma
negativa mas de conteúdo mais favorável do que a que estava em vigor no momento da prática
do facto, não se colocam problemas ao nível da tutela da liberdade. O efeito da aplicação desta
norma será mais benéfico no que à restrição da liberdade diz respeito, aplica-se a que reduz a
restrição à liberdade.

Quantos a estes casos da admissibilidade da aplicação retroativa da lei penal mais


favorável, levou a que o legislador constitucional tenha consagrado regras acerca da aplicação da
lei penal no tempo de forma expressa na nossa constituição.

21 Ver páginas para trás


Os artigos 29º nº1 e 4 da CRP, onde o legislador constitucional consagrou na
Constituição o princípio da irretroactividade da lei penal, e da retroactividade da lei penal
mais favorável, sendo que são princípios expressamente consagrados para o direito penal,
embora tenham também relevância em muitas outras áreas do direito. Isto revela que o
legislador é particularmente atento à história (do direito e ideias politicas) e compreende que a
tutela da liberdade é particularmente delicada quando falamos de normas penais, porque se
tratam de normas que, por definição, são mais restritivas de liberdade. Quanto a elas, as
garantias que provêm para a liberdade individual, resultantes do princípio da legalidade, devem
merecer reconhecimento constitucional direito, mesmo que estas garantias se traduzam em
princípio gerais de direito, comum aos demais ramos.

No nº1 o legislador identifica de uma forma tão precisa quanto possível, o objeto
material do princípio da irretroatividade, sendo este as leis que definem factos como crimes e
que definem penas, e ainda as leis que definem medidas de segurança.
O legislador explica-se dizendo que, olhando para normas que definem comportamentos
como crimes e que consagravam sanções penais chamadas penas, e para normas que consagram
medidas de segurança só dispõem para o futuro. Um comportamento só pode ser qualificado
como crime ou gerar uma medida de segurança se houvesse uma lei que o consagrasse como tal
à data da prática do ato.
O legislador não se dirige, na sua técnica de formulação, a todo o direito de
sancionatório. Parecem faltar aqui as contra-ordenações. A interpretação tradicional deste
artigo 29º nº1 foi no sentido de dizer que o legislador escolheu o direito sancionatório
para tomar como referência, que é o direito penal. Vem-nos dizer que este artigo 29º nº1 se
aplica ao direito penal, mas este é uma categoria entre várias de direito sancionatório. Por isso,
os demais direitos sancionatórios que existem não deixam de estar sujeitos a estes princípios
fundamenais consagrados na constituição, a propósito do Direito Penal.22

Depois temos o Artigo 29º nº4 Constituição: Mais uma vez, esta norma, formalmente
aplica-se ao direito penal enquanto categoria de direito sancionatório, e concretamente aos
crimes e medidas de segurança, pelo que a interpretação se coloca nos mesmos termos que o
problema já tratado.
Importa perceber a que casos é que este artigo se aplicará. Está sempre aqui em causa, a
possibilidade de aplicação retroativa de leis mais favoráveis na esfera de liberdade do agente.

Se em causa está a tutela da liberdade, mal seria se não se pudesse aplicar a lei mais
favorável que serve para proteger essa mesma esfera de liberdade. Exemplo: alguém é
condenado pela prática de um crime e no momento da prática do facto, ele era considerado por
uma lei X como um facto criminoso. Sucede que durante o julgamento, a lei é revogada e o facto
deixa de ser considerado como um crime, ou surge a lei depois mesmo dele ter sido condenado.
Nos termos do artigo 29º nº4, pode ou não o agente beneficiar da lei mais favorável?
Sim, e que efeito terá a aplicação da lei mais favorável? A sua libertação se ele estiver a
cumprir tempo de prisão, e a arquivação do processo, com a sua absolvição.

Porque é que estamos a beneficiar alguém com este “prémio” com o qual ele não podia
contar, sendo que no momento em que praticou o facto ele tinha a plena consciência de que o
estava a fazer era crime e o queria praticar? Será a necessidade de reflectir na situação do

22Tomado aqui como exemplo global do direito sancionatório. E por isso, também nas contra-ordenações
se aplicaria este princípio da irretroatividade, como garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos
condenado, a vontade atualizada da maioria? Mas porque é que isto é tão importante assim? Em
regra, a maioria está a pensar para o futuro… Não seria difícil que a maioria aceitasse que os que
foram condenados, até saberiam que estavam a praticar um crime, logo o que queremos é
beneficiar apenas os do futuro, mas o artigo 29º nº4 diz que a lei só se aplica para o passado.
A outra razão que justifica o disposto pelo artigo 29º nº4 da CRP, além da tutela da
liberdade genericamente, tem que ver que no âmbito do direito penal, em que há normas que
restringem a liberdade física, esta restrição desta liberdade é justificada por razões de
prevenção. Na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, e também na
escolha da própria natureza da pena e na escolha e definição das penas principais e acessórias, e
no quantum de umas e de outras, o tribunal tem de ter em consideração a prossecução de fins de
prevenção. E só pode privar a liberdade daquele individuo em face daquele facto, quando a
quantidade de liberdade que lhe é restringida tem correspondência à medida de razões de
prevenção. O agente não pode ser privado mais tempo da sua liberdade do que aquilo que é
necessário para que se previna a prática futura de crimes.

A aplicação retroactivda da lei mais favorável é também justificada pelo já vimos da


prevenção. Caso qualquer pessoa individual que é condenada a uma pena (de prisão por
exemplo), a pena concreta a que este agente é condenado, tem de ter plena justificação em
razões de prevenção actualizadas. Ou seja, durante todo o período de execução de pena, temos
de ter a certeza que essas razões de prevenção que foram justificadas para cada dia de prisão,
são razões que o ordenamento jurídico considera atuais e válidas para que a pena se continue a
executar

Pode acontecer que porventura a norma seja revogada e o crime deixe de existir
intencionalmente, porque essa foi a opção da comunidade, o que é que a comunidade está a
dizer em relação à necessidade de descrever aqueles factos por via de uma sanção punitiva? Que
aqueles factos deixam de merecer tratamento penal, deixam de justificar a aplicação de
uma pena, e deixa de haver razões de prevenção que justificam a aplicação de uma pena á
prática daqueles factos. Não há razões de prevenção que justifiquem aquela punição.

O período de privação de liberdade que comece a correr a partir da revogação da lei,


deixa de ter uma justificação em razões de prevenção atualizadas e que justifiquem aquela
privação. À luz do ordenamento jurídico, a pena a manter-se, passa a ser um fim que deixa de ter
razão de ser à luz das necessidades preventivas. Por isso, o artigo 29º nº4 vem-nos dizer que se
deve aplicar retroativamente a lei mais favorável, pois esta reflete o juízo atualizado que a
comunidade faz, sobre razões de prevenção, que justificam a privação da liberdade com a
aplicação de uma pena aos condenados. Essa privação continuaria sem razão jurídica, apenas
porque sim, porque no passado esse agente tinha sido condenado, mas não haveria nenhuma
razão positiva e suficiente para justificar esta privação de liberdade por isso este artigo 29º nº4
serve para afirmar que a privação da liberdade só se pode justificar por razões de prevenção
atualizadas.

No Código Penal

Este artigo 29º nº4 CRP tem reflexo no nosso Código Penal em duas normas que
concretizam este princípio: São o artigo 2º nº2 e 2º nº4 do Código Penal. Na verdade, o
código penal distingue dois conjuntos de situações que correspondem à aplicação retroactiva da
lei penal mais favorável.

Artigo 2º nº2 Código Penal: A que situações de lei mais favorável, posterior à prática do
facto, é que o legislador se está a referir nesta norma? A normas que têm um efeito
descriminalizador do facto, isto é, a todas as situações em que leis que promovem uma
determinada disciplina jurídica, aplicadas a um determinado facto, levam a que um facto que era
considerado como crime na data em que foi praticado, deixe de o ser. Este artigo refere-se a
todas as situações genéricas que têm como efeito a descriminalização de factos concretos,
sendo que o seu principal efeito é a cessão imediata de efeitos penais, e a libertação do individuo
se houvesse a sua prisão.

A situação mais comum de aplicação deste artigo, é a revogação da própria norma


incriminadora, mas pode acontecer que um facto deixe de ser considerado como crime
apesar de a norma não ter sido revogada. Podem ser modificados os elementos da norma
penal, e assim sendo aquele facto que antes estava integrado naquela norma, agora fica
de fora.
Este artigo 2º nº2 refere-se assim a todas as situações genéricas que têm como
efeito a descriminalização de factos concretos.

Exemplo: Eutanásia: A ser crime estaremos dentro do crime de homicídio privilegiado,


que refere-se à privação da vida por motivos atendíveis por natureza social e outras razões. Se o
legislador dissesse que não se aplica esta norma (não haverá homicídio) se o agente tiver atuado
na sequência do pedido de uma vítima que sofra de doença terminal e esteja em grande
sofrimento. Neste caso, o legislador modificou a norma, retirou dela um conjunto de
comportamentos que nela se encontravam referidos, e o facto deixou de ser considerado como
crime apesar de a norma não ter sido revogada.

Artigo 2º nº4 Código Penal: Trata-se também de casos de aplicação retroativa da lei
penal mais favorável, mas agora o legislador refere-se a casos em que ao nível da previsão da
norma nada mudou, ou seja, o facto que era previsto como crime continua a sê-lo, a sua
natureza criminal mantém-se, mas há uma mudança relevante ao nível da sua estatuição, ou das
suas consequências jurídicas, que serão mais favoráveis do que aquelas que se encontravam em
vigor na data da prática do facto.
Neste conjunto de situações do nº4 o legislador exige que verifiquemos em face das duas
leis que se encontram em sucessão, (em que vigorava no momento da prática do facto e a
posterior), em concreto, qual delas estabelece consequências mais favoráveis. O conjunto de
situações que estão neste âmbito são muito variáveis: substituir uma pena de prisão por multa,
aumentar o número de situações que permitem a suspensão de pena, etc.

Será que a nova lei não é aplicável, mesmo apesar de já ter havido condenação por
sentença transitada em julgado? Em certas situações é aplicável, desde que seja mais
favorável. Claro que a partir do momento em que a pena está integralmente cumprida, as
alterações posteriores da lei não vão ter relevância.

Temos de distinguir antes de avançarmos dois conceitos:


Momento inicial – momento da prática do facto, porque a lei penal não é ultra-activa.
Ou seja, não podemos aplicar uma lei penal que não estava me vigor antes do momento
da pratica do facto.

Termo final – momento em que termina a execução da pena.

Tempus delicti - Qual é o momento relevante para efeitos de aplicação da lei no tempo?
Temos de definir o momento da prática do facto, porque só assim podemos saber qual a lei que
está em vigor nesse momento, e quais as leis posteriores a esse momento, e, eventualmente,
quais são as leis anteriores a esse momento (que não podem ser aplicadas).
Artigo 3º esclarece qual o critério geral que se deve aplicar. Muitas vezes verificamos
um lapso temporal entre a actuação e o resultado, e esse lapso é relevante. Como tal, o
legislador escolheu que o momento relevante do ponto vista jurídico, é o momento da actuação
do agente (ou nos casos de omissão, a data em que agente devia ter actuado) e não o momento
da produção do resultado. Exemplo: A dispara 2 tiros a B. B morre passado 6 meses. Quando A
dispara está em vigor uma lei que punia este homicídio com uma pena de 10 anos. Quando B
morre, já está em vigor outra lei que vem punir com 15 anos. Se fosse relevante o momento do
resultado, então aplicar-se-ia a Lei 2 (não se podia aplicar a Lei 1), mas não sendo esse o critério,
aplica-se a Lei 1 e a aplicação da Lei 2 já será retroactiva.

Mas há casos mais complexos, exemplo: Sequestro. Quando o agente sequestra a vítima a
conduta não está prevista na lei como crime, mas entra em vigor a norma penal a meio da
privação da liberdade. Será que pode ser punido? No momento em que actuou o facto não era
crime, mas estes crimes têm como nota característica a execução do facto se protrair
interruptamente durante determinado período de tempo, portanto não pode responder
pelo período de tempo anterior, mas vai responde pelo período de privação a liberdade
posterior à entrada em vigor da nova lei.

Nos casos de crime continuado, isto é, unificação jurídica de vários comportamentos


que poderiam ter produzido a prática de crimes autónomos. Exemplo: Funcionário da caixa do
supermercado que se vai apropriando todos os dias de 15 euros, durante 4 meses, através da
adição de 50 cents à conta de cada cliente. Durante esses 4 meses há uma lei que agrava a
medida da responsabilidade criminal, só se vai aplicar aos factos que forem praticados depois da
sua entrada em vigor. No crime continuado o agente é punido pela pena mais grave
correspondente a um qualquer facto que integre a continuação criminosa.

Temos ainda os casos de comparticipação, em que temos de ter em conta a


participação de cada um dos co-participantes individualmente considerados

Assim:

1) Crime Continuado – os prazos contam-se desde cada um dos actos que compõe a
continuação criminosa, ficando por isso prejudicado o conhecimento dos factos da
continuação em relação aos quais não tenha havido queixa tempestiva. A mesma
solução vale para o crime habitual.

2) Crime permanente, os prazos contam-se desde do dia em que cessa a respectiva


consumação, uma vez que o agente cria uma situação antijurídica cuja a manutenção
depende da vontade.
Aplicação retroactiva da lei posterior de conteúdo mais favorável

Como já vimos acontece por causa do artigo 2º do CP e do artigo 29º da CRP. Dá-se nos
casos em que há uma lei nova a aplicar ou que a lei vigente cessa. Temos, também como já
referimos duas situações:

1) Descriminalização – O facto praticado pelo agente deixa de ser crime


2) Sucessão de leis23 em sentido estrito – O facto continua a ser crime, mas a medida
de responsabilidade criminal do agente, é diferente com a nova lei, e para que a nova
lei seja aplicada é preciso que essa nova medida seja mais benéfica para o próprio.

Descriminalização

Para haver descriminalização é que o facto/conduta seja eliminado do número das


infracções legais, isto é, que uma conduta humana que seja simultaneamente típica, ilícita e
culpável deixe de ter um destes elementos.
Assim, tendo em conta que um crime é uma conduta humana que seja simultaneamente
típico, ilícito e culpável, basta que a conduta humana deixe de ter qualquer uma destas
características pela lei posterior para que tenhamos uma situação de descriminalização. Não é
obrigatório que tenha lugar a eliminação do tipo legal de crime, basta que o facto deixe de ser
ilícito ou culposo que deixa de haver crime.

Para vermos se aconteceu que uma conduta tenha deixado de ser ilícita, culposa ou típica
temos de olhar ao caso concreto.
O critério do facto concreto, é o critério classicamente utilizado, e serve para saber se
temos descriminalização. Temos de ver, partindo da situação concreta, se esse facto praticado
pelo agente continua a ser crime de acordo com a nova lei. Vamos subsumir o facto à lei que
estava em vigor na sua prática, e verificamos que era ilícito, típico e culpável. Mas, depois temos
de subsumir esse mesmo facto à Lei 2 para saber se continua ilícito, típico e culpável.

Se Deixa de ser típico, isto é o tipo legal cessa a sua vigência – aqui não há duvida. Deixa
de ser crime.

Se Deixar de ser ilícito – Devido a uma nova causa de exclusão de ilicitude, e é


necessário que o agente tenha actuado ao abrigo dessa causa de exclusão de ilicitude.

Deixar de ser culposo – Devido a uma nova causa de exclusão da culpa, e é necessário
que o agente tenha actuado ao abrigo dessa causa de exclusão de culpa.

Não basta que a nova lei preveja uma causa de exclusão da ilicitude ou culpa, o agente
tem de agir dentro das circunstâncias factuais e concretas que excluem a ilicitude ou a
culpa.

Hoje em dia é também defendido um outro critério no entanto, o critério da


continuidade normativa típico. Este critério parte do anterior, mas vem admitir que,
mesmo quando o facto concreto é crime perante a Lei 1, e perante a Lei 2, possa haver
uma situação de descriminalização.

23 Daqui em diante entenda-se: sucessão de leis=sucessão de leis penais, continua a ser crime.
Isto acontece quando há uma alteração da natureza do próprio tipo legal de crime, nestas
situações temos um tipo legal de crime que tem um âmbito de aplicação, esse que é substituído
por outro tipo legal de crime completamente diferente, visa tutelar um bem jurídico diferente,
mas por coincidência também abrange um conjunto de condutas que estão previstas nos dois
tipos legais. Então, nesses casos vem se defender que foi quebrada a continuidade normativa
típica, e que em virtude desta quebra, apesar do facto concreto ser típico, ilícito e culpável de
acordo com as novas leis, devemos ter à mesma uma situação de descriminalização.
Isto acontece quando há alteração da natureza do crime em virtude da introdução de
novos elementos do tipo. Exemplo: Crime emissão do cheque sem provisão é um crime de
perigo abstrato, bastava que o cheque não fosse pago quando fosse apresentado ao banco para
que tivéssemos este crime. Hoje em dia só é crime se o não pagamento do cheque causar
prejuízo patrimonial ao portador. Se ele deixar de receber uma quantia que tem direito a receber
nos termos da relação jurídica subjacente. O crime deixou de ser um crime de perigo, para ser
um crime de dano. Portanto, há uma alteração total e completa da natureza do crime e do bem
jurídico protegido. Deixou de ser a confiança da circulação do cheque como meio de
pagamento para ser o património do portador do cheque.
Apesar disto, há situações concretas em que o não pagamento do cheque causa prejuízo
patrimonial.
Exemplo: entrego cheque para pagar uma televisão, e esse não tem provisão e a
televisão funciona bem. Imaginando que esta atuação dá-se quando está em vigor a Lei 1 que
prevê que seja um crime de perigo abstrato, e quando o agente é condenado já está em vigor a
Lei 2, que prevê que é um crime de dano que tutela o património da vítima. Aplicando a teoria do
facto concreto, é claro que aquele facto concreto continua a ser crime perante as duas leis, e o
agente vai ser punido. Temos uma sucessão de leis, não uma descriminalização. O facto é punido
pela Lei anterior porque não é preciso da prova de prejuízo patrimonial, continua a ser crime de
acordo com a nova lei porque o não pagamento pelo cheque causa prejuízo patrimonial ao
portador.
Aplicando a teoria da continuidade normativa típica, há uma descriminalização
porque apesar do nome do tipo legal continuar o mesmo, o tipo legal anterior não tem nada a ver
com o novo tipo legal. Os bens jurídicos protegidos são diferentes.

A Jurisprudência acabou por decidir pela teoria do facto concreto. Logo esta teoria
da continuidade não é a usada hoje.
O ponto de partida para saber se há uma descriminalização é o facto concreto. Temos de
partir do facto concreto, porque comparando apenas as duas leis não podemos chegar a
nenhuma conclusão, essa tem de ter sempre como referencia o facto concreto praticado pelo
agente que tem de ser subsumido à nova lei.
E só se esse facto deixar de ser típico, culposo ou ilícito é que então podemos ter uma
situação de descriminalização.

O Regime jurídico aplicável às situações de descriminalização é o previsto no artigo


2º nº2 e traduz-se que quando temos um caso de descriminalização, das três uma:

1)Ou o processo está pendente, ainda não houve condenação do agente

2)Ou houve, mas ainda não transitou em julgado e aí o artigo 2º prevê que o processo
deve ser de imediato arquivado. E que se houver que ser proferida uma sentença, tem de ser
uma sentença absolutória.
3)Se já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado, e estiver a cumprir a
pena (quando termina a execução da pena não há nada a fazer) – então a execução deve cessar
de imediato, e deve ser colocado em libertado.

Nos casos de descriminalização a nova lei é aplicável retroactivamente, ainda que


tenha havido condenação transitada em julgado.24

Sucessão de Leis em Sentido Estrito

Nestes casos o facto continua a ser típico, ilícito e culposo, ou seja, continua a ser um
crime. Porque é que a nova lei pode ser mais favorável? Desde logo, a nova lei pode ser mais
favorável porque a pena é mais leve que a pena prevista na lei antiga. Imaginemos que o
facto concreto é punível com uma pena de 8 anos com a LA25, passa a ser punível com pena de 5
anos pela LN26. É obvio que a lei nova é mais favorável. Outras hipóteses são as em que não se
altera a medida concreta da pena, imaginemos que, de acordo com a LA a pena era de 4 anos e o
agente tinha de cumprir pena de prisão efectiva27 ; de acordo com a LN tínhamos uma pena na
mesma de 4 anos mas de prisão suspensa28.
Logo, ainda que o facto continue a ser típico, ilícito e culposo, pode acontecer a LN que
seja mais favorável.
Há uma alteração não ao nível dos elementos definidores da infracção penal, mas uma
alteração a nível das consequências jurídicas do facto. Aplica-se nestes casos o artigo 2º nº4.

Nestes casos, como não há alteração dos elementos definidores da infração penal, mas
apenas ao nível da consequência jurídica. E, também nestas hipóteses, por determinação
constitucional, a nova lei posterior de conteúdo mais favorável é aplicada retroactivamente, é
assim, desde logo ,por causa do princípio da necessidade da pena.

Como é que sabemos se temos uma lei mais favorável?

L1 – prevê para aquele facto pena de prisão de 1 a 8 anos

L2 – 3 a 6 anos

Qual a mais favorável? Depende. Temos sempre de olhar ao caso concreto como já
dissemos, esse é que é o critério.
Se tiver sido condenado a 1 ano de prisão pela L1. Essa será sempre a mais favorável. Se
tiver sido condenado a 8 anos, a L2 é mais favorável que a 1.
O Tribunal, para saber qual a lei mais favorável, não pode comparar a pena abstracta.
Tem de determinar a pena concreta que será aplicada ao agente em virtude da L1 e da L2. Para o
fazer, o tribunal tem de elaborar 2 projectos de sentença em que determina a pena aplicada
até às últimas consequências, resolvendo, nomeadamente, questões como saber se o agente
pode ou não beneficiar de uma suspensão de execução da pena; saber se a pena pode ou não ser

24 Chamamos a isto em IED de retroactividade muito forte.


25 Lei Antiga.
26 Lei Nova.
27 Isto é tinha de ingressar no estabelecimento prisional.
28 Aqui fica integralmente cumprida se ele passar esses 4 anos sem ser chamado por novos crimes.
substituída por pena de multa ou alguma pena de alternativa à de prisão. Só determinando em
todos os pormenores a pena concreta é que podemos chegar à conclusão sobre a que é
concretamente mais favorável. Exemplo: até uma pena de 4 anos e 6 meses pode ser mais
favorável se estar for suspensa e a de 3 anos for 3 anos efectivos.

Outra regra é: quando o tribunal escolhe qual a lei mais favorável, tem de escolher em
bloco (ou é a lei 1 ou a 2). Ou seja, o tribunal não pode extrair das duas leis os elementos mais
favoráveis para o agente, criando assim uma “lei 3” nunca antes em vigor.
Exemplo: L1 - 6 anos de pena suspensa; L2 – 4 anos pena efetiva. A L2 prevê pena mais
baixa, mas tem de ser cumprida em prisão. O tribunal pode escolher 6 anos de suspensa ou 4 de
efectiva, mas não pode decidir que são 4 anos de pena suspensa (conjugando a L1 e a L2) porque
essa lei nunca teve em vigor. Não pode ir buscar os elementos mais favoráveis das 2 leis.

A diferença entre os casos de descriminalização e sucessão de leis não é apenas de


diferença teórica, mas também de extrema relevância prática. De acordo com a redação
originária do Código Penal, nos casos de descriminalização, a nova lei era aplicável
retroativamente, ainda que tivesse a condenação transitada em julgado. Exemplo: O A estava a
cumprir pena de 4 anos de prisão, ia ser imediatamente libertado; o B estava a pagar a pena de
multa a prestações não paga mais.
Já para os casos de sucessão de leis, dizia expressamente que é aplicável o regime de
aplicação da lei mais favorável retroativamente, salvo se já tiver sido condenado por sentença
transitada em julgado. Exemplo: o agente foi condenado a 8 anos de prisão. Agora, entra uma lei
em vigor de acordo com a qual a pena passava a ser de 4anos, se ele já está a cumprir a pena, de
acordo com a redação originaria, LN não era aplicável retroativamente, logo, tinha de cumprir 8
anos.
Esta redação originária foi sendo bastante criticada. Criticada, desde logo porque se
virmos o artigo 29º da CRP não se estabelece qualquer ressalva à aplicação retroativa da lei
posterior de conteúdo mais favorável. Por isso é que também não distingue entre
descriminalização e sucessão de leis, simplesmente manda aplicar retroactivamente nos
casos mais favoráveis. Então, porque é que o legislador estabeleceu no CP esta ressalva? Que é
aliás, uma ressalva um pouco chocante dado que o princípio da necessidade da pena opõe-se a
este resultado e o próprio artigo 29º nº4 da CRP não estabelece a ressalva à aplicação
retroativa.
A razão de ser foi de ordem prática, o que é que o tribunal tem de fazer quando entra
em vigor nova lei e há sucessão de leis? Tem de proferir nova sentença completa, até ao fim.
Logo dizia-se que caso fosse aplicável a nova lei depois da sentença condenatória transitada em
julgado, os tribunais tinham de rever todas as condenações pela pratica daqueles crimes, para
ver se a LN é ou não mais favorável, e isso implica fazer nova sentença com todos os pormenores
que isso acarreta. Na prática, isso seria grande perturbação dos tribunais judiciais. Claro que é
chocante que alguém tenha de cumprir pena até ao fim quando a pena já não devia ser cumprida,
e esta questão da ressalva do caso julgado começou a ser suscitada nos nossos tribunais. A nossa
jurisprudência, nomeadamente do STJ vem dar justificação, não podia ser de ordem prática pois
neste caso o argumento da praticabilidade não é justificação dado estar em causa matéria de
sanção sobre seres humanos, e, por isso, vem falar do instituto do caso julgado, que também
tem natureza constitucional, justificaria que a nova lei de conteúdo mais favorável não
pudesse ser aplicável por respeito desse mesmo princípio.
O problema é que o caso julgado em matéria penal nada tem a ver com o caso
julgado em matéria civil. No direito civil temos duas partes em posição de igualdade e percebe-
se que a lei civil tutele de forma muito forte o instituto do caso julgado porque pondo em causa o
caso julgado, está a veneficiar uma parte, mas a prejudicar a outra. Logo, por razões de
segurança jurídica e estabilidade/confiança, compreende-se a tutela do caso julgado. Já no
direito penal o caso julgado é diferente, artigo 29º nº5 da CRP, é direito fundamental do
condenado a não ser julgado mais que uma vez pela prática do mesmo crime. O que está em
causa no caso julgado penal não é garantir a segurança jurídica em abstrato, não é garantir a
autoridade das decisões judiciais, mas sim o direito a paz jurídica do cidadão. Isto é
fundamental para se evitar que o Estado condene muitas vezes a mesma pela prática do crime.
Se nós virmos o caso julgado como direito fundamental do arguido não faz sentido que seja
invocado para impedir outro direito fundamental do arguido: a aplicação da lei retroativa de
conteúdo mais favorável. No fundo, não podemos dizer que o direito fundamental de um
cidadão impede outro direito fundamental do cidadão, ainda para mais quando são
completamente compatíveis. Ele até pode renunciar ao caso julgado e com isso à paz jurídica,
para ser condenado por lei mais favorável, mas isso é decisão dele. Não pode o tribunal vir a
dizer isto. Houve então redação do novo nº 4 do artigo 2º, hoje em dia, a lei de conteúdo mais
favorável é aplicada na mesma ainda que tenha havido sentença transitada em julgado.

Na actual redação do 2º nº4 já não há qualquer salvaguarda do caso julgado, antes


pelo contrário, na parte final do artigo 2º nº4 temos um caso de sucessão de leis, o facto
continua a ser crime29, mas o agente já cumpriu uma pena superior ao limite máximo de uma
pena previsto na LN, a execução deve cessar de imediato. Exemplos: 1º - LA, tinha pena de 6 a
12 anos, A foi condenado a 7 anos. LN a pena passa a ser de 1 a 5, e A já cumpriu 5 anos e 1 mês
quando entra em vigor a LN. Aqui não há qualquer tipo de perturbação para os tribunais
judiciais, limitam-se a verificar que a pena cumprida é superior ao máximo previsto na nova lei.
Imaginando que quando entrou em vigor a LN, ele só tinha cumprido 3 anos e 1 mês,
aqui já não é aplicável a parte final do 2º nº4. Aqui basta olhar para as penas da lei para avaliar
qual a mais favorável – mas como é que pode ter lugar a alteração da sentença que tínhamos
transitada em julgado? Ele não vai ter de ficar à espera os 5 anos para poder ficar em liberdade,
vai poder suscitar a aplicação da LN. Como estamos a falar de uma questão processual, ela está
prevista no Código de Processo Penal, artigo 371º-A30. Vem dizer o que vai acontecer quando a
LN seja mais favorável ou possa ser mais favorável quando o agente já tiver sido condenado por
sentença transitado em julgado, mas não tiver ainda cumprido o número de anos de prisão
superior ao número máximo previsto na LN. Vai ser ao abrigo desta norma que o condenado vai
pedir a aplicação da LN, requerendo a reabertura da audiência para a aplicação retractiva da lei
posterior de conteúdo mais favorável. O condenado é que tem a possibilidade de requerer a
reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime. O juiz nesta nova audiência
vai ter de proferir uma nova sentença para que concretize a medida da pena, pode até
acontecer que o juiz conclua nessa reabertura que afinal a nova lei não é mais favorável,
mantendo-se a condenação.

Não é o tribunal oficiosamente a requerer a reabertura, mas sim o condenado por 2


razões:

1) Porque ele tem o direito fundamental à paz jurídica, o direito a não ser
julgado, mais do que uma vez pela prática dos mesmos factos, ou seja quem pode
intermeter-se nesse direito é a própria pessoa e não “outros”.

29 Não houve descriminalização


30 Vem completar a 1º parte do 2/4
2) Questão de praticabilidade. Evita-se o enorme caos no funcionamento dos
tribunais judiciais, os juízes não vão ter de rever oficiosamente todas as decisões
transitadas em julgado, só acontecerá se e mediante requerimento do próprio
condenado.

Depois de tudo isto surgiram algumas dúvidas com este novo regime do 371º-A.

Pode haver produção de prova nesta nova audiência de julgamento ou o tribunal


vai-se limitar a fazer a nova sentença por aplicação da nova lei? O tribunal aqui vai ter de
pegar nos factos provados que constam da sentença anterior, e com base nesses factos
provados determinar a medida da pena, de acordo com a nova lei.
Sim, é possível a produção de nova prova, mas, não é para mostrar se o arguido é
culpado ou inocente, porque a culpabilidade já esta demonstrada na sentença anterior e não é
por virtude da nova lei que afinal o tribunal pode julgar que o arguido não praticou os factos.
Portanto, pode haver produção de prova, mas na medida do estritamente necessário para a
aplicação da nova lei. Não para que tenha lugar uma repetição do julgamento. Serve só para,
admitindo-se a culpa do arguido, se poder verificar se a nova lei é ou não mais favorável para ele
e, se for proferir-se uma nova sentença que substituiu a sentença anterior. Não pode o arguido
aproveitar esta reabertura da audiência para se provar inocente, não se trata de uma
reabertura do julgamento em si.

Então, mas se surgirem novas provas que demonstram inequivocamente que o


arguido está inocente?
Aqui há outro meio para o arguido provar a sua inocência, o recurso de revisão da
sentença condenatória.31

Olhando mais uma vez à revisão de 2007 vemos que esta trouxe entre outras coisas uma
conjugação de duas normas ao Código Penal:

1) Passou a ser possível a suspensão da pena, desde que a pena concreta não seja
superior a 5 anos, artigo 50º. No código anterior só era possível se a pena concreta
não fosse superior a 3 anos. Vem-se dizer ainda que o período da suspensão da
pena de prisão nunca pode ser superior à medida concreta da pena. Portanto, se
temos uma pena de 3 anos, a suspensão nunca pode ser superior a 3 anos.

2) Artigo 2º nº4, nova redacção permite a aplicação retroactiva da nova lei, ainda que a
condenação tenha transitado em julgado.

Assim sendo o que todos os condenados que por exemplo tivessem penas de prisão de 3
anos mas com 5 de suspensão anos deviam ter feito era requerer a reabertura da audiência para
aplicação da nova lei, e consequente suspensão da pena de prisão ou redução da mesma.32

31Não a reabertura da audiência.


32Isto não acontecia no regime anterior e portanto teríamos pessoas condenadas a 3 anos de prisão
suspensa por 5 anos por exemplo mas de acordo com a nova lei nunca a suspensão poderá ser superior à
pena concreta
Aqui é obrigatório requerer a abertura da audiência? É duvidoso porque a
obrigatoriedade de suspensão resulta da própria lei, agora o código não resolve literalmente
este problema porque apenas diz que se ele quiser cumprir uma pena superior ao limite
máximo, cessa de imediato a execução.
Mas não podemos aplicar o 2º nº4 analogicamente33 sempre que se entenda que não é
necessário a reabertura da audiência para aplicar a LN? Sempre que a LN seja mais favorável
para o agente, e essa seja sempre a conclusão sem qualquer necessidade de produção de prova e
reabertura da audiência?
O legislador não veio prever esta situação, mas para Henrique Salinas Monteiro
nada impede que se aplique analogicamente o regime da parte final do 2º nº4 a estas
situações em não é necessário uma nova sentença para que conclua que a LN é
efectivamene mais favorável. A reabertura da audiência só se justifica se realmente for
necessária prolação de nova sentença para se chegar à conclusão que a nova lei é mais favorável.
Exemplo: O prazo de prescrição de acordo com a LA era 10 anos; LN passou a ser 5. Ele
foi condenado em sentença transitada em julgado, mas se tivesse sido aplicada a LN ter-se-ia
verificado a prescrição. Era preciso aqui reabrir a audiência? Talvez não, porque basta olhar
para a LA e LN para concluir que a nova é mais favorável e que em virtude dessa ele vai ter de
ser agora colocado em liberdade. No entanto a jurisprudência veio fixar que é preciso
reabrir a audiência.

Portanto, concluindo, este novo regime que determina que a lei é aplicada
retroativamente mesmo quando haja sentença transitada em julgado, coloca em crise a própria
distinção entre descriminalização e sucessão de leis porque a distinção entre as duas justificava-
se pois o legislador fazia-lhes corresponder regimes jurídicos diferentes:

a) Nos casos de descriminalização a LN era aplicada retroactivamente ainda que


tivesse havido sentença transitada em julgado
b) Nos casos de sucessão de leis já não o era.

Ora, de acordo com a nova redação de 2007 a distinção que se devia fazer era entre:
Casos em que para aplicar a LN depois de haver sentença transitada em julgado é ou não
preciso a reabertura da audiência. Essa é que é verdadeiramente a diferença de regime entre
a sucessão e a descriminalização.

Portanto, nos casos de sucessão de leis:

1) Se tiver cumprido pena de prisão equivalente ao máximo de tempo superior


previsto na LN cessa de imediato. Pode haver casos semelhantes em que esta
disposição seja aplicada por analogia.

2) Em todos os outros casos que seja necessário prolação de uma sentença para se
saber se a nova lei é ou não mais favorável, o condenado tem de pedir a
reabertura da audiência ao abrigo do 371-A.

3) Quanto ao número de anos durante os quais pode durar a suspensão da pena de


prisão a verdade é que o Supremo por Acórdão veio entender que ainda assim
pode haver a necessidade de prova, portanto, veio fixar jurisprudência no

33 Ver Outras Considerações neste caderno no que diz respeito à analogia onde tocámos neste tema.
sentido de que também nesta situação se justificar a reabertura da audiência
ao abrigo do 371-A.

Problema do Crime que passa a Contra-Ordenação

Outra hipótese de descriminalização sucede nos casos em que tem lugar uma alteração
da natureza do ilícito, em qualquer ordem jurídica, o legislador tem de admitir que há
infrações que são praticadas em massa e que o processo penal comum não será o meio mais
adequado para delas conhecer. Exemplos: infrações fiscais, infrações ao código da estrada etc..
são praticadas aos milhões e por isso, não podem ter um processo igual ao de um homicídio.
Assim, a partir de 1982, criou-se um novo ramo de direito para abranger estas
infrações que são praticadas em massa. É o direito das contra-ordenações ou ilícito de mera
ordenação social. É ainda um direito sancionatório, no fim do dia, o objectivo é aplicar sanções
às pessoas que pratiquem contra-ordenações.

Mas, muitos dos princípios fundamentais do direito penal valem também para o direito
das contra-ordenações. Desde logo, os que são consagrados no decreto em questão: tipicidade,
proibição da aplicação retroactiva ou princípio da aplicação retroactiva da lei posterior
mais favorável. Por outro, lado a jurisprudência constitucional tem dito que as garantias do
processo penal também valem para o direito das contra-ordenações. Assim, embora o artigo 29
apenas se refira ao direito penal, tem-se entendido que as garantias devem valer por igual para o
direitos das contraordenações, enquanto direito sancionatório.

Na prática, como é que sabemos se uma infração é um crime ou contra-ordenação?


Temos um critério prático e um formal.
Se a sanção for chamada de multa, temos crime e aplicamos o CP e o Código de Processo
Penal. Se o nome da sanção for coima, temos uma contra-ordenação, aplicamos o DL 433/82

A grande diferença está no processo. Porque as contra-ordenações são conhecidas pelas


autoridades administrativas. Se o condenado não concordar com a condenação pode impugná-la
perante o tribunal, ou seja, no direito das contra-ordenações é proferida pelas autoridades e se
não concordar pode impugna-la judicialmente.

Até aqui tudo tranquilo. O problema está na situação que vamos agora passar a
descrever.

Se de acordo com a LA o facto tinha natureza de crime, e depois o facto concreto passa a
ser contra-ordenação, por lei posterior à data da prática dos factos. Pode esta lei aplicar-se
retroativamente? Não. Como já vimos, dissemos e repetimos, voltamos a repetir: no direito das
contra-ordenações vigoram os mesmos princípios do direito penal e, em matéria de legalidade,
desde logo, a proibição da retroactividade é expressamente consagrada no Decreto-Lei
433/82.

Neste caso há descriminalização, logo não pode ser punido pela LA, tem de ser absolvido.
Este é o grande problema. Não se pode aplicar a LA porque houve descriminalização e a LN
não se pode aplicar porque não se pode aplicar a factos praticados antes da sua entrada em
vigor.
Isto aconteceu muito no país aquando da mudança do Código da Estrada, chamavam-se
de Amnistias ou Anestesia ao que acontecia pois deixavam de ter de pagar as multas ou coimas
por infracção ao código da estrada, ou seja, simplesmente não eram sancionados pelo que
tinham feito entre a LA e a LN (novo Código da Estrada).
Quando o legislador descobriu este problema não achou muita piada e vamos ver um
acórdão do Tribunal Constitucional em que, em matéria fiscal, tínhamos uma norma que
transformou os crimes em contra-ordenações. O legislador quis que se aplicasse o regime
anterior, que continuasse a ser punido como crime, apesar da lei que o previa com essa natureza
ter sido revogada, basicamente queria que não houvesse descriminalização. Pode o legislador
ordinário fazê-lo? Não pode faze-lo, porque é princípio constitucional. O preceito deste
diploma que pretendia que continuasse em vigor as normas que previam o facto como
transgressão foi declarado inconstitucional porque impedia a aplicação da nova lei ainda que
mais favorável.

Chegamos a 2006, e o legislador tomou a opção de, de uma só vez, transformar vários
crimes em contraordenações, até esse ano, tinha-o feito paulatinamente para controlar bem as
consequências da descriminalização (já sabia que as infrações ao código da estrada ia ser tudo
arquivado; as infrações fiscais ia ser tudo arquivado).
Então tentou apurar uma solução, que foi criar regime transitório.34
Tentou consagrar que há continuidade sancionatória, pretendeu-se na prática
permitir a aplicação retroativa da nova lei que prevê o facto como contra-ordenação – “
são sancionados como contra-ordenação, apesar de terem sido praticados antes da data da
entrada em vigor da nova lei”. Íamos ter contra-ordenações retroactivas35.
Do ponto de vista imediato, esta lei que veio estabelecer a continuidade sancionatória
veio alterar, com este campo de aplicação, o artigo 2º do DL 433/82, que estabelece o princípio
da proibição da aplicação retroactiva da lei que prevê o facto como contra-ordenação. Ou seja,
este diploma veio dizer que afinal a LN se pode aplicar a facto praticado antes da sua entrada em
vigor. Vem afastar o princípio da proibição da aplicação retroactiva da LN. Isto não tem
problema do ponto de vista infra- constitucional, foi lei da Assembleia da Repúblico que alterou
outra lei da Assembleia da República (neste caso por Decreto-Lei autorizado).

O problema é que, como já vimos, a jurisprudência constitucional defendia que as


garantias do artigo 29º também eram aplicáveis ao regime das contraordenações, havia
uma interpretação extensiva e onde se lia “lei criminal” far-se-ia uma interpretação
actualista em que se devia ler “direito sancionatório” o que engloba as contra-ordenações.
Ora, se as garantias consagradas no artigo 29º da CRP forem aplicadas ao direito das
contraordenações, esta lei que tem esta redação é inconstitucional na medida em que
determina a aplicação retroativa de uma lei àquele facto como sendo uma contra-
ordenação, e, como nós já vimos, era jurisprudência constante o entendimento que não
apenas estas situações de descriminalização, mas também por ser imposição do artigo
29º da CRP e, por isso, os juízes começaram a declarar inconstitucionalidade deste preceito.
De forma surpreendente, o Tribunal Constitucional vem dizer que a norma não era
inconstitucional, porque dizia que “se assim não for o agente fica impune”.
Este argumento da conselheira Maria Prazeres Beleza é pouco convincente, e revolta
muita doutrina maioritária. Portanto, o Tribunal Constitucional veio dizer que pode haver

34 Os regimes transitórios estão previstos nos vários diplomas das infracções: exemplo Hipótese Prática XI,
ou o Código da Estrada num artigo conter um regime transitório.
35 Dependendo: se a lei anterior fosse mais favorável aplicávamos esta.
normas de direito sancionatório que determinem a aplicação retroativa, mas da lei que prevê o
facto como contra-ordenação, não da lei que prevê o facto como crime.
No fundo o Tribunal Constitucional está a tentar impor uma interpretação restritiva do
artigo 29º dizendo que este só se aplica mesmo ao direito penal e não a todo o direito
sancionatório. Esta opinião é contrária a muita doutrina.

Outras Considerações

Ordem da gravidade das penas

Paulo Pinto de Albuquerque no seu comentário ao código penal diz-nos que para efeitos
de sucessão de leis pode estabelecer-se a seguinte ordem decrescente de gravidade/
crescente de favorabilidade:

a. Pena de prisão relativamente indeterminada


b. Pena de prisão efectiva
c. Pena de prisão com a execução suspensa com regime de prova
d. Pena de prisão com a execução suspensa sem regime de prova
e. Pena de prisão substituída por multa ou por outra pena não privativa da liberdade
f. Pena de prisão por dias livres
g. Pena de semidetenção
h. Pena de prisão em regime de permanência na habitação
i. Pena de multa
j. Pena de multa substituída por trabalho
k. Pena de prestação de trabalho a favor da comunidade
l. Admoestação
m. Declaração de culpa com dispensa de pena

A Lei Penal Interpretativa

Como já sabemos do nosso estudo no primeiro ano em IED, a lei interpretativa não é
considerada retroactiva porque se integra na lei vigente como se lá estivesse desde do início.
Contudo, no direito penal, a lei penal interpretativa posterior ao facto não se integra na
norma penal interpretada se não for mais favorável ao arguido, razão pela qual podemos
dizer que o princípio do artigo 13º do Código Civil não tem inteira validade no âmbito de
direito penal, tal como diz Cavaleiro Ferreira.

Já a declaração de rectificação de uma lei que despenaliza uma conduta não pode voltar a
penalizar essa conduta por violação do princípio da segurança jurídica, isto é o que se vê no
acórdão do Tribunal Constitucional 490/2009. No entanto como podemos ver nas hipóteses
práticas deste caderno, aquilo que consideramos não é o que acabamos de dizer na primeira
frase deste parágrafo. Considerámos que a declaração de rectificação em causa simplesmente
não era uma verdadeira declaração de rectificação e visa ser “nova lei” com efeitos
retroactivos. Veja-se a hipótese VIII deste caderno.

A analogia no Direito Penal

A analogia é proibida pelo artigo 1º nº3, no entanto o artigo literalmente só proíbe a


analogia no tocante à qualificação de um facto como crime, à definição de um estado de
perigosidade ou à determinação da pena ou medida de segurança.

Como vamos ter oportunidade de ver nas hipóteses práticas neste caderno o professor
Henrique Salinas Monteiro defende que o artigo 31º do Código Penal consagrando a ideia da
subsidiariedade, exclui a ilicitude penal mediante quaisquer causas de justificação que estejam
previstas em qualquer outro ramo do Direito Portanto, não há qualquer problema, para
excluir a ilicitude, em recorrer à analogia, é o que resulta para este professor deste artigo. A
analogia, em Direito Penal, “não é permitida se for desfavorável para o agente, mas já
permitida se for favorável” é o que podemos dizer de forma pouco rigorosa.

O autor Germano Marques da Silva diz-nos pois que no que respeita às normas
incriminadoras o direito penal não tem lacunas. Repare-se, como estudámos em IED só
usamos a analogia como táctica de integrar lacunas, não estamos aqui a falar portanto do
elemento analógico de interpretação mas sim do resultado em si: analogia. Se o direito penal no
que diz respeito aos tipos legais não tem lacunas isso leva à conclusão que não há lugar à
analogia. Germano Marques da Silva dá-nos esta indicação de que o direito penal não tem
lacunas por força do Princípio da Tipicidade e da Fragmentariedade.
Já no que toca às normas denominadas por este professor como “normas negativas” isto
é, aquelas que delimitam negativamente as normas incriminadores, garantido ou favorecendo os
direitos das pessoas defende que há espaço para analogia uma vez que podem e com toda a
probabilidade existem lacunas nessa parte do direito penal.

Para Paulo Pinto Albuquerque a proibição do artigo 1º nº3 não inclui as causas de
justificação ou exclusão de culpa e da punibilidade, desde que a analogia resulte na
ampliação do campo de aplicação de ditas causas, isto é, desde que favoreça o agente do facto.
Paulo Pinto Albuquerque defende que a proibição analógica noutros termos não está expressa
em qualquer parte da lei, vale por isso apenas para os casos que o nº3 indica e para a parte
geral do Código Penal.
Note-se, se para Paulo Pinto Albuquerque a parte geral não pode ser aplicada
analogicamente então não há para este autor lugar à posição defendida por Henrique Salinas no
que toca à aplicação analógica do artigo 2º relativamente às alterações feitas ao artigo 50º do
CP que neste caderno já referimos.

Outros autores porém defendem que a analogia a ser feita nos termos do artigo 10º do
Código Civil além de não se poder aplicar aos casos do nº3 do artigo 1º do Código Penal
também não se poderia aplicar às normas que estabelecem causas de justificação e
exculpação. Isto pois tais autores consideram que essas normas não podem ser aplicadas
analogicamente por serem normas excepcionais, como também sabemos pelo artigo 10º do
Código Civil e pelo estudado em IED, as normas excepcionais não podem ser usadas para
analogia.
No entanto não é esta a posição maioritária na doutrina e na jurisprudência.
Interpretação Extensiva

O código penal de 1886º no seu artigo 18º proibida a interpretação extensiva


relativamente às normas incriminadoras. Isto pois como dizia Cavaleiro Ferreira isto era assim
pela dificuldade de distinção entre a interpretação extensiva e a analogia: “Teoricamente a
distinção entre uma e outra é nítida e não levanta dificuldades; na prática é mais difícil. O
legislador quis afastar em Direito Penal todos as dúvidas que pudessem obstar ao conhecimento
prévio e exacto dos factos que são considerados como crimes.”
Também assim concluiu o TEDH, a interpretação extensiva é para este tribunal inválida
no direito penal por argumentos de igualdade e de maioria de razão, por ampliarem para lá da
letra da lei a punibilidade.

Em Portugal, Castanheira Neves, Taipa de Carvalho, Faria Costa, Cavaleiro Ferreira,


Costa Andrade entre outros, admitem que a interpretação extensiva seja possível desde que
seja também uma interpretação actualista e desde que não implique ultrapassar o teor literal da
regulamentação e o seu campo de significações adequadas ao entendimento comum das
palavras que nela sejam utilizadas.

Leis Processuais Materiais

Há um prazo de prescrição do procedimento criminal, isto quer dizer que se o


procedimento criminal não for instaurado, não tiver concluído num determinado número de
anos fixados na lei, extingue-se a própria responsabilidade criminal do agente. O mesmo
acontece com a queixa, se essa declaração de vontade não for exercida no prazo de 6 meses,
caduca o direito de queixa, e consequentemente, a própria responsabilidade criminal do agente.

É relevante discutirmos se estes institutos têm natureza processual ou substantiva


nesta matéria da aplicação da lei no tempo porque em matéria processual, o princípio geral
da aplicação da lei no tempo é o da aplicação imediata da nova lei, não há lugar ao
princípio da retroactividade favorável. A LN no processo penal aplica-se não apenas a factos
praticados no passado, mas até aos processos pendentes, é o princípio em matéria que resulta do
constado no artigo 5º do CPP36. Ora, a dúvida que surge aqui é a seguinte:
Imaginando que o agente atuou em 1 de janeiro de 2010. O facto só é descoberto no dia 1
de março de 2016. LA – dava um prazo de prescrição de 5 anos; LN – dá um prazo de prescrição
10 anos e entra em vigor em fevereiro 2016. Se nós entendêssemos que esta lei tinha natureza
processual, iriamos aplicar a nova lei porque é de aplicação imediata. Já se aplicássemos as
disposições do Código Penal, obviamente a nova lei não se pode aplicar porque é menos
favorável para o agente. 37

A doutrina defende que nestes institutos de incidência processual previstos no CP tais


como os prazos de prescrição etc… São aplicáveis as regras previstas no CP no que respeita
à sucessão de leis, e não as previstas no CPP, por isso vamos resolver estas situações por
recurso ao artigo 1º e 2º do CP, e não o artigo 5º do CPP.

36 Código de Processo Penal


37 Porque se a LA fosse aplicada a sua responsabilidade criminal já se tinha extinguido.
Para justificar esta decisão a doutrina recorre a uma categoria de leis processuais
materiais. Diz que estão em causa leis processuais materiais para defender a aplicação do
regime substantivo e não processual.

Leis intermédias

São as leis que vigoram entre o momento da prática do facto até ao momento do
julgamento, mas que não estão em vigor no momento da prática do facto, nem no momento do
julgamento. Exemplo: L1 – pena de 5 anos; L2 – pena de 3 anos; L3 – pena de 10 anos. Desde o
momento da prática do facto até ao momento do julgamento estiveram em vigor 3 leis. Qual das
leis vai ser aplicada ao caso concreto?
Aqui não aplicamos a L1 por força do artigo 2º nº4 porque foi substituída por uma lei
mais favorável. Não aplicamos a L3 por força do artigo 2º nº1 pois isso traduziria uma aplicação
retroactiva desfavorável. Aplicamos a L2, pois é a mais favorável, entende-se isto porque o artigo
2º nº4 dita “estabelecidas em leis posteriores...” e interpreta-se que o plural dado pelo artigo no
que se refere às “leis posteriores” serve para atribuir relevância à lei intermédia.
Porquê? Porque ao entrar em vigor a L2 o agente adquire a garantia de não poder ser lhe
aplicada qualquer lei posterior que seja menos favorável.
Importa ter noção que isto também vale, ainda que a L2 seja uma lei descriminalizada,
ainda que de acordo com a L2 o facto deixe de constituir crime. Isto porque se a L2 elimina o
facto do nº das infrações, nós não podemos aplicar a L1 porque houve uma descriminalização.
Podemos aplicar a L3? Não porque a L3 que é criminalizadora não se pode aplicar
retroactivamente. Com a entrada em vigor da L2 nesse caso o agente adquiriu o direito a não ser
punido pela prática do facto. Direito este que não pode ser suprido por uma lei posterior, porque
isso traduzir-se-ia de uma aplicação retroactiva de uma lei posterior que não é mais favorável ao
agente.

Leis temporárias

São exceção disto que temos estado a ver as chamadas leis temporárias. As leis
temporárias são leis que vigoram durante um determinado período de tempo para reagir a
circunstâncias excepcionais.
O artigo 2º nº3 do CP vem dizer que nestes não se aplica a regra da aplicação posterior
da lei de conteúdo mais favorável porque a intenção do legislador é punir o agente durante
aquele tempo em que os factos mais gravemente afectavam a sociedade, sendo por isso
necessária. Portanto, não podemos dizer que a aplicação retroactiva da lei posterior se aplica
porque a pena deixou de ser necessária.
É preciso é que verdadeiramente a lei em causa seja uma lei temporária, hajam
circunstâncias temporais que estiveram na origem do agravamento da responsabilidade
penal durante aquele período de tempo. A necessidade daquela punição permanece, não
houve alteração da concepção da gravidade do facto, deixaram é de vigorar as circunstancia que
justificaram o agravamento da responsabilidade criminal. Exemplo: Durante um período de
muita seca uma lei decreta que enquanto houver seca não se podem encher piscinas e que tal
prática dá entre 4 a 6 anos de prisão. Quando a lei deixar de vigorar não é por isso que se vai
aplica retroactivamente a legislação mais favorável nesse caso.
Isto compreende-se pois se assim não fosse seria impossível punir factos graves que têm
a sua gravidade fundada em acontecimentos de um certo período de tempo.

Para alguns autores é preciso que a lei seja expressa e não implícita quanto a sua
validade temporária. Na dúvida devemos sempre entender uma lei como não sendo temporária.

De ressalvar ainda que não se confunda esta excepção da lei temporária com a alteração
ou sucessão de leis temporárias. Isto é, se o legislador vier a alterar determinada lei temporária
entre a escolha da LA e LN, ambas temporárias, vale o princípio da retroactividade mais
favorável.

Aplicação da Lei Penal no Espaço

O problema da aplicação da lei penal no espaço é que temos conflitos de leis, na aplicação
da lei no espaço a escolha de que lei aplicar vai recair sobre diversas leis que vigoram em
simultâneo que vigoram em diferentes ordens jurídicas.
Este problema coloca-se porque por vezes temos situações de facto que são
plurilocalizadas. Ou seja, situações de facto que têm conexão com mais de uma ordem jurídica.
Exemplo: António (Português) dispara sobre John (Inglés) na Alemanha, e John é transportado
para um hospital em Portugal onde vem a falecer, e por isso temos aqui uma situação que tem
elementos de conexão de várias ordens jurídicas (Portugal – local da nacionalidade do agente e
onde vitima falece,Alemanha– local onde facto foi praticado e Inglaterra-nacionalidade da
vitima). Há neste caso que saber qual a lei penal aplicável entre aquelas que têm uma ligação
com esta situação de facto (Portuguesa, Inglesa ou Francesa ou mais do que uma delas, o que
pode acontecer em direito penal)

Em rigor não vamos adotar esta pergunta multilateral agora exposta, ou seja, no direito
penal a pergunta não vai ser qual a lei aplicável (Portuguesa, Francesa, Espanhola, etc.) porque
como o que está em causa no direito penal é exercício do poder soberano do Estado, o que
vamos perguntar é apenas se a Lei Penal Portuguesa é ou não aplicável àquela situação
plurilocalizada. Não nos vamos em preocupar em saber, caso a lei penal portuguesa não possa
ser aplicada, qual será a lei estrangeira que eventualmente será aplicada. Isso é um problema
dos Estados que tenham uma ligação com essa situação de facto. Portugal não se imiscui em
problemas de soberania de outros Estados, o que nos interessa é se a lei penal portuguesa é ou
não aplicável… Se não o for, os Tribunais Portugueses não têm competência para conhecer
daquele facto e por isso a questão deixa de ter relevância para a nossa ordem jurídica. Por isso,
se um Brasileiro matar um paraguaio na Argentina, nenhum deles vivia em Portugal, e por isso
os Tribunais não vão reclamar competência para julgar esses factos. Constatamos apenas que os
Tribunais Portugueses não poderão tratar e conhecer deste facto.

Já no direito internacional privado (DIP) a perspetiva é a multilateralidade, tendo


sempre que se encontrar a lei penal aplicável ainda que seja a lei Portuguesa. Porque no direito
civil o nosso tribunal pode julgar por aposição de uma lei estrangeira, o que no direito penal não
é possível, porque os nossos tribunais só julgam por aplicação da lei penal portuguesa, por isso,
temos uma perspectiva unilateral. Desde logo porque as partes podem escolher a lei utilizável no
contrato.

Direito Internacional Penal vs. Direito Penal Internacional

Esta matéria da aplicação da lei penal no espaço está relacionada com o direito penal
internacional, que é fonte de direito interno, mas que tem influência internacional na medida
em que existe uma situação jurídica plurilocalizada, isto é, que está em conexão com outras
ordens jurídicas.

Já o Direito Internacional Penal é verdadeiro direito internacional, sendo aqui que


estão em causa as relações entre os estados e os tribunais penais internacionais, e por isso
tem fonte convencional. Os Tribunais penais internacionais, nomeadamente o Tribunal Penal
Internacional Permanente, resulta da Convenção de Roma (convenção internacional) que foi
sendo ratificada por diversos estados. Temos por isso aqui uma fonte de direito
internacional, e não interno (principal distinção entre ambos estes tipos de direito).

O que vamos ver neste caderno é direito penal internacional, e não direito
internacional penal.

Princípios

Temos a este respeito um Princípio geral que vai determinar a aplicação da lei penal
Portuguesa que é o Princípio da Territorialidade, segundo o qual a lei penal portuguesa é
aplicada a factos praticados em território nacional. É este o princípio regra no que toca à
aplicação da lei penal portuguesa no espaço.
Temos depois outros princípios supletivos, que são aplicados às situações em que os
factos não foram praticados em território português, situações de extraterritorialidade da
aplicação da lei penal portuguesa. São esses:

1º Princípio da nacionalidade;

2º Principio Realista,

3º Princípio da Universalidade

4º Princípio da aplicação supletiva da lei penal

Princípio da Territorialidade

Determina que a lei penal portuguesa é aplicada a factos praticados no território


nacional, isto acontece por Razões de direito interno a internacional:

a) Direito Interno: Entende-se que nenhum Estado renuncie à aplicação da sua lei a
factos praticados no seu território nacional por razões de soberania, e por razões de
segurança dos seus cidadãos, se aplica a lei penal nacional desse país. Se um Inglês
mata outro Inglês no algarve, como ocorreu em território português não se vai
prescindir da aplicação da sua lei penal a este caso, nem do julgamento do agente
Inglês pelos tribunais Portugueses. Por uma questão de soberania e de segurança dos
cidadãos e jurídica. També há razões práticas a justificar isto, do ponto de vista da
investigação, da produção da prova e da descoberta da verdade, é muito mais fácil
que o facto seja julgado pelos tribunais do país onde foi praticado. Exemplo: Se
houve testemunhas que presenciaram os factos, serão testemunhas que com toda a
probabilidade residentes em Portugal, havendo documentos, estes estão em
Portugal, todos os vestígios do crime estão em Portugal. Por tudo isto, é mais
suscetível e célere de facilitar a descoberta da verdade, o julgamento destes factos no
território do país onde foram praticados, e por isso trata-se do princípio base no
que respeita á aplicação da lei penal no espaço.

b) Direito internacional: Há uma certa tendência para que todos os Estados adotem
como princípio/regra o da territorialidade, o que contribui para uma maior
articulação entre eles do ponto de vista da aplicação do direto a factos praticados
dentro de cada território nacional, evitando-se assim lacunas de punibilidade,
lacunas de punição, preocupação muito presente nesta matéria de aplicação da lei no
espaço. Exemplo: Se um Estado adotar não o critério da territorialidade mas sim o
critério da nacionalidade, e por isso, não julga factos praticados no seu território por
cidadãos estrangeiros, podemos estar neste caso perante uma situação de lacuna de
punibilidade caso o outro Estado não puna crimes praticados pelos seus cidadãos
nacionais no estrangeiro. Temos uma lacuna porque o Estado A apenas julgaria o
facto se tivesse sido praticado no seu território (o que não sucedeu no caso que
estamos a colocar), e o estado B apenas aplicaria o seu Direito se tivesse sido
praticado por um cidadão seu nacional (o que também não aconteceu). Ainda assim
este é um principio subsidiário já que o artigo 4º CP, diz expressamente que a lei
penal portuguesa é aplicável a factos ocorridos no território nacional, salvo
convenção internacional em contrário. Por isso, toda esta matéria está sujeita à
aplicação das convenções internacionais que prevalecem sobre as leis internas.
Esta matéria da aplicação da lei penal no espaço, e do ponto de vista processual, da
cooperação judiciária internacional, é hoje muito premente, pela grande circulação de pessoas
que existe por todo o mundo. Se existir uma qualquer convenção internacional que regule esse
caso aplicamos o que disser a convenção, porque apenas se não existir é que vamos aplicar as
regras, que no plano substantivo, estão no Código Penal.

Quando dizemos que a lei penal portuguesa se aplica a factos praticados em território
nacional, a primeira questão é saber o que é que se considera território nacional? Para isso
recorremos ao artigo 5º da Constituição. Aplica-se a lei penal portuguesa até aos limites
das águas territoriais.
Temos de ter em conta ainda que por disposição expressa da aliena b) do artigo 4º do
Código Penal, alarga-se a aplicação da lei penal portuguesa a factos praticados no estrangeiro a
bordo de navios ou aeronaves portuguesas. Esta regra é aplicada ainda por força do princípio da
territorialidade, ou seja, considera-se que o facto foi praticado em território de Portugal.38
O que acabámos de referir é conhecido por Princípio do Pavilhão ou da Bandeira, em
termos latos é o princípio que diz que uma infracção cometida a bordo de uma aeronave ou
navio é sancionado pela lei do país a que pertence desse veículo, a não ser que o veículo esteja
em território soberano de outro estado ou em portos e aeroportos de outros países. Os factos
praticados a bordo enquanto o veículo estiver em território/porto estrangeiro, só são
sancionados pela lei portuguesa na falta de julgamento pelo país do território em que se
encontram39. Este é um princípio supletivo, prevalecem sempre as convenções internacionais
sobre isto.

Para podermos aplicar este princípio, temos ainda de saber em que local é que o facto foi
praticado, porque só se o facto tiver sido praticado no território nacional é que vamos aplicar a
lei penal portuguesa por força deste princípio, Para isto é importante o artigo 7º do CP. O
critério aqui utilizado, da ubiquidade, é um critério jurídico e não naturalístico do local da
prática do facto. O próprio nome indica, porque do ponto de vista naturalístico uma pessoa não
pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas isso não é assim do ponto de vista penal. Do
ponto de vista Penal, o facto pode-se considerar praticado em diferentes locais, isto para se
alargar ao máximo o campo de aplicação da lei penal portuguesa. Alargando o critério de
determinação da localização do facto, a mais factos será a lei penal portuguesa aplicada, por
força do princípio da territorialidade. A principal escolha que tem de ser feita e que esta critério
evita, é que há muitos crimes em que o agente actua, no momento ou lugar da atuação do facto,
mas o resultado típico (previsto no tipo) vem produzir-se mais tarde, por esse motivo, pode
acontecer que esse resultado se produza num lugar diferente daquele em que o agente atuou.
Exemplo: A mata B (Espanhol) numa caçada em Elvas, ficando este gravemente ferido e sendo
transportado para um Hospital em Badajoz onde vem a falecer… O agente atuou em Portugal
mas o resultado típico deu-se em Espanha. Aqui o legislador tem de decidir qual é o lugar da
prática do facto.
Para se alcançar o objetivo de alargar ao máximo o campo de aplicação da lei penal
portuguesa, por força do princípio da territorialidade, o artigo 7º vem então dizer que é
indiferente se o facto foi praticado em território nacional, ou se o resultado típico lá se produziu.
Qualquer um dos dois é suficiente para que o facto se considere praticado em território

38 Isto é uma regra muito comum nos países, um navio ou aeronave considera-se sempre como “território”
da bandeira carregar, se for um navio Alemão é a lei alemã que se aplica a bordo, isto não é sempre assim
contudo, se o navio Alemão estiver em águas portuguesas não há uma resposta tão direta, é preciso olhar
às convenções internacionais para ver o que está estabelecido.
39 A este princípio, que está dentro do Princípio do Pavilhão, chamamos princípio da representação.
nacional40. Ou seja, a lei não escolhe entre o lugar da prática do facto e o lugar de produção do
resultado típico. Para evitar que exista uma lacuna de punibilidade, então, de acordo com o
artigo 7º em ambos os casos se considera que o lugar da prática do facto foi Portugal.

Este critério da ubiquidade não é o que estamos habituados no direito, já que neste caso
ou se escolhe uma coisa ou outra. Por exemplo, na aplicação da lei no tempo, o critério é o da
actuação e não o da produção do resultado, ou seja, legislador escolhe o momento da prática do
facto e não o do resultado, mas neste caos o legislador não escolhe, e ambas as situações levam à
conclusão de que, para efeitos da aplicação da lei no espaço, se consideram praticadas em
Portugal. Mesmo que alterássemos os dados da hipótese a resposta seria sempre a mesma:
exemplo: A dispara sobre B em Badajoz, B é transportado para hospital em Elvas onde falece. O
facto foi praticado, para efeitos de aplicação da lei penal no espaço em Portugal, já que o
resultado típico aí se produziu.
Ou seja, aqui não temos de escolher entre uma coisa ou outra, porque queremos alargar
o âmbito de aplicação da lei penal portuguesa, por força do princípio da territorialidade.
Contudo, ele só pode ser condenado uma vez por força do princípio que diz que ele
apenas pode ser condenado uma vez pela prática do mesmo crime. No fundo, a
ordenamento jurídico que actuar primeiro é o que se aplica na prática. O que depende muitas
vezes do local onde o agente está, o nº 54 do acordo de Schengen corrobora exatamente o
princípio de que ele apenas pode ser condenado uma vez por cada crime que cometa.

Depois temos ainda o nº2 do artigo 7º de modo a alargar ainda mais os casos de
aplicação da lei penal portuguesa, o nº2 alarga esta solução aos casos de tentativa.

Para os casos de crime por omissão, o facto considera-se praticado não onde o agente
não atuou, mas onde deveria ter atuado. Nestes casos, quando o agente não cumpre o seu dever
de auxílio o facto típico dá-se ali mesmo. Exemplo: nadador-salvador que tem a seu cargo uma
praia metade espanhola metade portuguesa, ele está no lado português e vê alguém a afogar-se
na parte espanhola e de propósito nada faz. Aqui o facto considera-se praticado em território
nacional por força do artigo 7º.

Princípios: Aplicação extraterritorial da lei penal portuguesa 5º CP

Temos primeiramente o Princípio da Nacionalidade: Determina que lei penal portuguesa


é aplicada a factos praticados fora do território nacional por cidadãos nacionais.

Em seguida temos o Princípio Realista ou protecção dos interesses do Estado: De


acordo com esta Principio, a lei penal portuguesa é aplicada a factos praticados fora do território
nacional sempre que o crime afete interesses fundamentais do Estado português.

Em terceiro lugar o Princípio da Universalidade/ da aplicação universal: De acordo


com o qual, lei penal portuguesa é aplicada a factos praticados fora do território nacional,
sempre que estiverem em causa crimes que se considerem violar princípios fundamentais da
comunidade, isto é, crimes que devem ser aceites e reconhecidos pela comunidade
Internacional, crimes contra a humanidade. Estão em causa crimes que qualquer Estado deve

40Daí que o critério seja chamado um critério de “ubiquidade” que é um sinónimo de


“omnipresença”/estar em dois sítios ao mesmo tempo.
punir, independentemente do lugar da sua prática, porque crimes tão graves que nunca devem
ficar impunes apenas por não terem sido praticados no território do Estado onde o agente vem a
ser encontrado.

Princípio da aplicação supletiva da justiça penal: Determina a aplicação da lei penal


portuguesa, é aplicada a factos praticados fora do território nacional, quando o Estado
português, de acordo com a sua lei, não extradite o agente que venha para Portugal para o lugar
onde o facto foi praticado. A cooperação judiciária internacional tem-se vindo a intensificar nos
últimos anos (prova documental vem de outros Países – extratos bancários advindos da Suiça). A
forma mais simples desta cooperação é a extradição, que consiste na entrega de uma pessoa que
está num Estado para um outro Estado estrangeiro para que possa aí ser julgada ou cumprir
uma pena a que já foi condenado. A nossa lei da extradição, não a permite se, por exemplo, o
facto for punível com pena de prisão perpétua ou pena de morte. Nestes casos, como Portugal
não extradita, assume a obrigação de julgar essa pessoa pelos factos praticados no
estrangeiro. Isto para que Portugal não se torne num asilo de criminosos, sobretudo para a
prática de crimes mais graves, e para que não haja situações de impunibilidade.

A Consagração destes Princípios e as suas condições de aplicabilidade. Encontram-se


consagrados nas diferentes alíneas do artigo 5º do CP

Princípio da nacionalidade: Artigo 5º e), por força deste Principio, lei penal
portuguesa é aplicada a factos praticados fora do território nacional se o facto tiver sido
praticado por português, é o chamado princípio da nacionalidade ativa.
Mas também o princípio da nacionalidade passiva: Assim, lei penal portuguesa é
aplicada a factos praticados fora do território nacional, sempre que a vítima seja um cidadão
nacional, o Estado pune todos os factos relevantes cometidos contra os seus nacionais
independentemente do local. Quanto a este princípio, pode-se colocar a questão se aqui está em
causa o princípio da nacionalidade ou o princípio realista. Porque o que determina o
Princípio da nacionalidade é que a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados por
cidadãos nacionais no estrangeiro, e neste caso também se dá o contrário porque o cidadão
nacional é a vítima.
Neste caso, o que determina a aplicação da lei penal portuguesa é ideia de acordo com a
qual quando o crime é praticado contra um cidadão nacional, mesmo que seja no estrangeiro,
seria uma afectação a um interesse fundamental do estado português, que essa pessoa não fosse
submetida ao julgamento segundo a sua Lei, e por isso estaríamos mais aqui perante o Principio
realista do que o da Nacionalidade. Esta querela é indiferente do ponto de vista prático e legal,
porque em ambos os casos a lei penal portuguesa é aplicável dentro de determinadas condições.
É preciso que o facto constitua crime pela lei portuguesa: a decisão da criminalidade de
determinada conduta depende de um determinado momento histórico e das decisões de um
determinado país.

Há também uma ideia da subsidiariedade: a lei portuguesa só será aplicada se a pessoa


não puder ser extraditada para um país onde o facto foi praticado. Antigamente, este
princípio de não extradição era absoluto, mas hoje em dia devido ao 33º da Constituição já não
é assim, porque foram assumidas obrigações dentro da União Europeia de acordo com as quais
deixou de ter sentido esta desconfiança que proíba a extraditarão de cidadãos nacionais para
outro país, desde que haja uma determinada convenção internacional que o permita, desde que
seja prevista em condições de reciprocidade (esse país também de admitir a extradição para
Portugal), desde que se trate de criminalidade organizada e desde que o país confira garantias
de um processo justo e equitativo.

Artigo 5º b): fraude à lei, alguém aproveitando a circunstância de um facto não é


punível no estrangeiro ir praticar lá o crime e voltar a Portugal. Exemplo: português dirige-se à
Alemanha, onde o auxílio ao suicídio não é punível, para ajudar um amigo português a suicidar-
se. O mesmo podia acontecer se o aborto ainda fosse crime e portugueses fossem a outro país
para abortar, esta b) leva por isso o Princípio da Nacionalidade a ser aqui aplicado.

Princípio realista: Artigo 5º a): factos que violam interesses fundamentais do Estado
Português serão aqueles previstos nos tipos de crime enumerados nesta alínea, temos de saber
se está em causa algum comportamento enumerado nesta alínea. Se o facto aqui não estiver, o
intérprete não o pode colocar lá por analogia, a analogia não é permitida neste caso porque estas
normas são excepcionais.

Princípio da universalidade 5º c) e d): aqueles que estão previstos nesta alínea. O


princípio vale quer a extradição tenha sido requerida e não possa ser concedida quer não tenha
sido requerida.

Princípio da administração supletiva da justiça penal artigo 5º f): quando o Estado


Português não extradite o agente para o estrangeiro. Portugal assume a obrigação para julgar
essa pessoa, e para isso a lei penal portuguesa tem de ser aplicada a estes factos e é isso que diz a
alínea f), assim evitando-se a fuga de criminosos para Portugal.

Restrições à aplicação extraterritorial da lei penal portuguesa, artigo 6º CP

Precisamente porque o legislador reconhece que é diferente o facto ser praticado em


Portugal ou no estrangeiro, o artigo 6º estabelece restrições que valem para os princípios
que determinam a aplicação da lei portuguesa a factos praticados fora do território
nacional.
Quando a lei é aplicada por força do princípio da territorialidade, não há qualquer
restrição, não se aplica o artigo 6º, por isso é que não é igual concluirmos que a lei portuguesa
é aplicável por força do princípio da territorialidade ou por força dos princípios subsidiários.
Ne bis in idem: primeiro, Portugal não vai aplicar a sua lei a factos praticados no
estrangeiro, se o agente já tiver sido condenado pela prática do facto ou se se já se tiver
iniciado parcial ou totalmente o julgamento. Sempre que o facto tiver sido condenado no
estrangeiro e a lei estrangeira for mais favorável, o tribunal penal português vai aplicar a lei
estrangeira, quanto à pena a que vai condenar o agente.
Segundo, já se o facto for praticado em território nacional, mesmo que a pena seja mais
grave, ele será punido de acordo com a lei portuguesa, porque não se aplicam as
restrições previstas no artigo 6º.
Hipóteses Práticas

Hipótese I

“Tenha em conta os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 179/12 e 377/15


pronuncie-se sobre as propostas de criação do tipo legal de enriquecimento ilícito e de
enriquecimento injustificado à luz princípios que regem o Direito Penal”

Defesa da constitucionalidade no acórdão de 2012

1. Indefinição do bem jurídico protegido: A impossibilidade de discernir na base da


incriminação um bem jurídico claramente definido (com dignidade penal)

2. Indeterminação da acção ou da omissão concretamente proibida: A impossibilidade


de discernir a conduta concretamente proibida

3. A violação da presunção da inocência do arguido (artigo 32º da CRP) decorrente da


estrutura típica das normas aprovadas pelo parlamento conduzir à presunção da origem
ilícita da incompatibilidade entre o património e o rendimento. Há uma inversão do
ónus da prova.

Em Processo Penal, é o Ministério Público quem tem de fazer a prova que permitem
configurar o crime. Em caso de dúvida sobre a consistência dos factos, o Tribunal deve jogar a
favor do arguido e deve dar como provados os factos favoráveis ao arguido.

Deixa de ser o Ministério Público a provar que o arguido é culpado, e passa este a ter de
provar que ele é inocente. Este princípio dá-nos o mote de que alguém é presumido inocente até
haver sentença transitada em julgado, que consiste numa sentença condenatória insuscetível de
recurso ordinário.

Violação do Direito ao silêncio: Significa que o arguido tem o direito a não colaborar
no processo, sendo-lhe garantido que o simples exercício desse Direito não vale contra ele.
Assim o é porque se ele se presume inocente, ele não tem que provar essa inocência. E, por isso,
o exercício deste direito ao silêncio corresponde à posição natural de quem é inocente e que se
comporta como tal. A ser assim presumido o cometimento do crime, sobre o agente recairá o
ónus de, já no âmbito de um processo contra si instaurado, vir a oferecer justificação para a
verificada variação patrimonial. E tal significará que, logo na formulação do tipo criminal e pelo
modo como ele foi construído, se contrariou o princípio da presunção de inocência.
A posição do arguido fica estruturalmente alterada em relação àquela que teria nos
crimes tradicionais, já que se houver duvidas e ele souber que vai ser condenado, vai ter
necessariamente que falar e provar da origem licita do património de que beneficia.

4. Tratar-se de crime subsidiário

5. Violação do princípio da proporcionalidade, na dimensão da necessidade (artigo


18º nº2 da CRP).

A imposição de penas e medidas de segurança implica, evidentemente, uma restrição de


direitos fundamentais, como o direito à liberdade e o direito de propriedade. Assim, uma tal
restrição só é admissível se visar proteger outros direitos fundamentais e na medida do
estritamente indispensável para esse efeito.

O direito penal, enquanto direito de proteção, cumpre uma função de ultima ratio. Só se
justifica, por isso, que intervenha para proteger bens jurídicos – e se não for possível o recurso a
outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos violentas do que as sanções
criminais. As sanções penais hão de constituir sempre o último recurso.

“Toda a norma incriminatória na base da qual não seja suscetível de se divisar um bem
jurídico-penal claramente definido é nula, porque materialmente inconstitucional”.

A intervenção penal deve ser sempre subsidiária e fragmentária.

6. Violação do princípio da legalidade penal (artigo 29º da CRP)

Relaciona-se com a retroactividade destas sanções penais.

Defesa da Inconstitucionalidade no acórdão de 2012

a) Indeterminação do bem jurídico tutelado:


Há um bem jurídico que merece tutela penal. O que aqui se trata é a transparência das
fontes de rendimentos. Já não é a origem ilícita que teve a discrepância entre os bens declarados
e os bens tidos, que se apuram, mas sim a transparência das fontes, pois já há um dever do
arguido de fazer a declaração de rendimentos, e se houver essa discrepância, já não importa a
origem ilícita mas sim a falta de transparência das fontes de rendimento.

b) Violação do princípio da presunção de inocência e da inversão do ónus da prova


Não há violação deste princípio, uma vez que, se o arguido já deveria ter feito uma
declaração de rendimentos, sendo esta anterior, temos aqui a violação de um dever por parte do
arguido. O que pretende é que o arguido se justifique quanto à discrepância e não que prove que
os rendimentos provêm de uma origem lícita.

Quanto ao direito ao silêncio do arguido, que permite ao arguido não ter parte na sua
incriminação, neste caso ocorre o oposto, ou seja, pede-se ao arguido para ele se justificar e
mostrar que não há uma acusação válida. Não há a violação deste direito.

c) Violação do princípio da proporcionalidade na dimensão da necessidade


Esta prática já é sancionada noutras áreas do Direito, como no Direito Fiscal, pelo que se
poderia pensar já haver uma penalização desta prática. No entanto, tratando-se nomeadamente
de funcionários públicos ou representantes do Estado de determinados cargos, hoje em dia é
uma prática que ocorre bastante, pelo que, ao verificar-se um aumento destas práticas, é
justificável o agravamento das consequências da mesma. Portanto, importa fazer transparecer
que esta prática vai ter consequências.

d) Princípio da legalidade
Quanto à retroactividade, não se está a tentar condenar a origem ilícita do rendimento,
pois isso seria sim um facto anterior, o que se pretende condenar é a discrepância, que ocorre no
momento em que se verifica uma variação entre os rendimentos declarados e os tidos. É essa
discrepância que está a ser avaliada.

Decisão

O Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade das normas


referidas anteriormente.

Conclusões do Professor

É crime não declarar os rendimentos ao fisco. Ou seja, o arguido já praticou o crime no


passado. Imagine-se que foi instaurada uma acção por fraude fiscal. Pense-se num exemplo de
um restaurante que não emite facturas para não declarar os rendimentos ao estado. Descobriu-
se que o arguido não declarou 1 milhão de rendimentos ao estado. Vamos imaginar que este tipo
legal de crime tinha entrado efectivamente em vigor e tinha sido conduzida uma acusação, quer
por fraude fiscal, quer por enriquecimento ilícito.

Pode alguém ser punido quer pela fraude fiscal, quer pelo enriquecimento ilícito?

Artigo 29º nº5 da CRP: Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo
mesmo crime, pelo que alguém não pode ser condenado duas vezes pela mesma conduta. Ou
seja, ninguém pode ser punido mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.

Este princípio tem duas vertentes:

 Vertente substantiva: Se uma pessoa pratica uma conduta, só pode ser punida pela
prática de um crime. Não pode haver condenações múltiplas pela prática da mesma
conduta. A uma conduta deve corresponder um crime e uma única pena.
 Vertente processual: Se uma pessoa for julgada pela prática de um crime e for
absolvida, não pode ser julgada novamente pela prática do mesmo crime.

É isto que se está a fazer com este crime do enriquecimento ilícito? Sim, pois está a
punir-se esta prática pelo tipo legal de crime do enriquecimento ilícito e por outras leis, como os
crimes fiscais.

Neste caso, a ideia era punir aquelas pessoas cuja situação patrimonial (todo o conjunto
de activos existentes no património jurídico de uma pessoa) fosse superior ao património
declarado às finanças. O problema aqui é que se afere como padrão a comparação entre a
situação patrimonial lícita e a adquirida pelo agente as declarações apresentadas à
Administração Fiscal. O problema é que, de acordo com o nosso sistema fiscal, não há qualquer
obrigação de declaração patrimonial universal por parte de cada contribuinte. Ou seja, por
exemplo, nas declarações fiscais apresentadas anualmente não vai o património imobiliário de
que a pessoa é proprietária. Vai apenas, basicamente, os rendimentos que a pessoa auferiu ao
longo daquele ano fiscal, e nem sequer existe um documento em que a pessoa seja obrigada a
declarar o património universal que detém.

Imaginemos que A comprou um quadro de Picasso e que não o declarou às Finanças. A


vende o quadro por 2 mil euros. O Ministério Público afere uma certa incompatibilidade e
descobre os 2 mil euros que resultaram da venda que ele fez há 30 anos a um antiquário que não
possui a factura da compra e venda.

Há outro problema. Um quadro da Paula Rêgo em 1960 não tem o mesmo valor que tem
actualmente. E pode ser dado por um amigo e fazer um preço especial.Como se prova a origem
do quadro se não está sujeito, sequer, a declaração fiscal? Do ponto de vista do tipo legal, temos
uma situação que indicia o enriquecimento ilícito.
Este património não tem origem lícita determinada, pois não consta das declarações de
rendimentos. O arguido é que tinha de provar a origem lícita determinada. Ele não consegue
demonstrar em que circunstância vendeu o quadro, pelo que iria ser condenado pela prática
deste crime.

Por absurdo, uma pessoa que tenha ganho o ‘’Euromilhões’’ e tiver deitado o bilhete fora
e o cheque poderia ser condenado pelo crime de enriquecimento injustificado. Hoje em dia já
não, porque o Estado até vai buscar os 20% ao Euromilhões. Essa tributação veio nos termos da
Troika. Antigamente, nem o ‘’Euromilhões’’ estava sujeito ao pagamento de imposto, pelo que
não tinha de constar na declaração de rendimentos.

Tendo em conta o sistema fiscal português, não havendo uma declaração universal de
bens, tudo isto é difícil demonstrar. Uma pessoa pode ter um património superior àquele que
demonstra. Tudo isso não consta nem tem de constar da declaração de rendimentos.

O que poderia o arguido fazer para não ser condenado? Juntar ao processo a escritura
pública do imóvel. Mas se a pessoa não o fizer, vai ser condenada pela prática do crime. Portanto,
de acordo com o princípio da presunção de inocência, o Ministério Público é que tem de
provar não apenas que não foi declarado como também que não existiu qualquer outra
forma lícita de aquisição daquele património. Torna impossível o trabalho do Ministério
Público. Não há uma lista taxativa de formas lícitas. O juiz sabe que há outras formas lícitas de
aquisição que não têm de constar da declaração de rendimentos. A prova de facto negativo é
uma prova impossível. Ninguém pode provar que determinada pessoa não fez determinada
coisa. E por isso é que há uma inversão do ónus da prova do direito civil para o facto negativo.
Por isso é que o legislador sentiu necessidade de proceder à inversão do ónus da prova,
colocando sobre o arguido o ónus (necessidade de adoptar uma conduta) sob pena de obter um
resultado desfavorável: condenação pela prática do crime

Acresce que a incriminação da incompatibilidade entre a declaração e o património já


existe no ordenamento jurídico português, pelo que seria incompreensível – e
inconstitucional – esta redundância normativa por violação do princípio da necessidade,
previsto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição (princípio da necessidade de pena)

O enriquecimento ilícito já é crime na nossa ordem jurídica.

 Crime da corrupção

 Crime de fraude fiscal

 Crime de branqueamento de capitais

 Crime de burla

 Crime de furto

 Crime de perda de bens/confisco

O que não existe é um tipo legal de crime que unifique todas esta formas ilícitas de
aquisição de bens. Mas é desejável que exista uma norma geral que venha tipificar como crime
qualquer forma de aquisição ilícita de património? Ou é preferível que, para cada forma de
aquisição ilícita, exista um tipo legal específico?

Princípio da fragmentariedade (a tutela penal é feita em relação a determinadas


condutas): permite maior segurança e previsibilidade. A intervenção penal deve ser sempre
subsidiária e fragmentária.

Por isso, o bem jurídico não se consegue identificar bem porque quer englobar tudo. Não
há uma identificação. Daí a indefinição. Qual a origem ilícita? A mera detenção era considerada
crime ainda que a origem tivesse sido há 20, 30 anos, ainda que através prática de um crime de
burla ou corrupção, cujo procedimento criminal já estava extinto.

Quando estamos a punir alguém pelo enriquecimento ilícito por ter adquirido dinheiro
com a prática do crime de corrupção há 20 anos, como sabemos que um dos princípios do direito
penal é a irretroactividade da lei penal (a lei só vale para o futuro), a que condutas é que
podemos aplicar este tipo legal de enriquecimento ilícito?

Exemplo: A adquiriu 1 milhão de euros através do crime de corrupção há 20 anos. Será


que o tipo legal de crime do enriquecimento ilícito pode ser aplicado a este funcionário? Ora, se a
lei diz que é a mera detenção, este agente seria condenado. Ele está a ser punido pela mera
detenção em virtude de um facto que praticou 20 anos antes. O Tribunal diz que não se percebe
como é que este tipo legal de crime pode ser compatibilizado com a proibição da aplicação
retroactiva. Estamos a assumir que estamos a punir o facto que ocorreu no passado e não
propriamente a mera detenção actual da riqueza.
Acórdão de 2015

Pedido de fiscalização preventiva do decreto da Assembleia da República pelo Presidente


da República, no qual se institui um regime de enriquecimento injustificado e crimes de
responsabilidade dos titulares de cargos políticos aditando o artigo 335º-A ao Código Penal.
Acórdão vem na sequência de um outro acórdão proferido em 2012, no qual o Tribunal se
pronunciou pela inconstitucionalidade de um regime de enriquecimento ilícito, com base em 3
fundamentos essenciais:

-Indefinição do bem jurídico protegido;

-Indeterminação da ação ou omissão concretamente proibida;

- Violação do princípio da presunção de inocência.

(artigos 18º nº2, 19º e 32º nº2 CRP)

O regime agora discutido, o do enriquecimento injustificado, vem, portanto, nesta


sequência, com o objectivo de ultrapassar a inconstitucionalidade enunciada.
Quanto ao bem jurídico, o legislador, no artigo 335º-A, enumera os princípios
fundamentais a ser protegidos pela norma, uma tentativa de definição dos bens jurídicos:

“2 – As condutas previstas no número anterior atentam contra o Estado de direito democrático,


agridem interesses fundamentais do Estado, a confiança nas instituições e no mercado, a
transparência, a probidade, a idoneidade sobre a proveniência das fontes de rendimento e
património, a equidade, a livre concorrência e a igualdade de oportunidades.”

Quanto à indeterminação da ação ou omissão concretamente proibida, o antigo regime


falava da aquisição ou posse de bens, agora fala-se em rendimentos e bens declarados ou que
devam ser declarados, tentando determinar melhor o objecto da norma;
Quanto à presunção de inocência: Antigo regime como que presumia a prática do crime,
mas no novo regime só se os bens declarados excederem é que poderá haver crime (inversão do
ónus da prova porque o arguido tinha de provar que o rendimento era de origem lícita
determinada). Já não é o arguido a ter de provar a origem lícita dos bens, na actual proposta diz-
se que quem possui bens incompatíveis, declarados ou não declarados, é punível com pena de
prisão.

O regime é a continuação da política de criminalização do enriquecimento ilícito.

 Constitucionalidade: Dá para perceber que o fundo da norma é a paz social, ficaríamos


indignados se ganhássemos o mesmo mas víssemos outras pessoas melhor que nós. Este
será, portanto, o bem jurídico protegido.

 Inconstitucionalidade: é verdade que se alterou a norma para aumentar a sua


determinabilidade, mas vai-se olhar a uma situação de facto e não um facto concreto que
efectivamente aconteceu, por isso continua indeterminado. Isto viola o principio da
determinabilidade da lei penal.

Se o legislador precisa de enumerar os bens jurídicos a ser tutelados é porque não se


percebe pela norma em si, o que significa indeterminação admitida pelo legislador.
Temos ainda a questão da violação da Presunção de inocência: (32º nº2 CRP) o novo
regime além de inverter o ónus da prova fazendo com que o arguido perca o princípio “in dubio
pro reo” e da garantia processual do silêncio, não há presunção de inocência, e como
consequência temos um agravamento pela indeterminação, porque será ainda mais difícil provar
a inocência.

Princípio da proporcionalidade também foi aqui violado, porque a incriminação da


incongruência entre rendimentos declarados e o património já existe no ordenamento jurídico,
já se prevê o enriquecimento injustificado sem ser adequada, necessária e proporcional a criação
de nova norma (ainda por cima indeterminada).

“Ilícito” passou para “Injustificado” ou seja, tipo legal engloba o que é lícito mas não
justificado, o que parece ainda mais abrangente que a outra norma do acórdão anterior de
2012, alargou-se talvez o âmbito do tipo legal.

O tribunal pronunciou-se pela inconstitucionalidade.

Por se falar em “declaração de bens” não escapa a inconstitucionalidade, porque estes


poderão ser de natureza lícita e nesse sentido não haverá essa incongruência com o património.

Bens jurídicos: não é pelo legislador enunciar os bens que a norma os protegerá
autonomamente esses princípios, não se identifica o bem jurídico digno de tutela penal, o que é
necessário, pois, toda a norma incriminatória em que não se identifica o bem jurídico tutelado é
nula.

Não incide sobre condutas específicas, mas sobre situações de facto. É necessária maior
precisão em prol dos cidadãos saberem que ao praticar certa conduta estão abrangidos pela
norma.

O objecto não é definido com precisão, logo a norma é constitucionalmente ilegítima.

Norma pode abranger situações que são lícitas, mas cuja conduta será punida por
existir diferença entre património e o rendimento declarado, então punem-se condutas que não
se quereriam punir.
Viola-se o princípio da presunção de inocência, devia ser o Ministério Público a
provar que é culpado e a norma obriga o arguido a provar que é inocente (viola-se o direito ao
silêncio)
Viola-se o princípio necessidade porque quando há uma pena esta implica sempre
uma restrição de direitos fundamentais, e para garantir esta tutela dos direitos fundamentais é
preciso que a medida seja necessária, que não haja medidas menos gravosas. Isto não se verifica,
visto que no que diz respeito aos titulares dos cargos políticos há uma Lei 4/13.
Viola-se também do princípio da subsidiariedade, pois as sanções penais devem ser o
último recurso, e do princípio da fragmentariedade.

Foi suprida a inconstitucionalidade relativamente ao bem jurídico, devido à


impossibilidade de identificação do bem? O legislador elencou os bens, o que não é normal o
legislador elencar os bens protegidos pelas leis penais, não compete ao legislador incluir
isto no tipo legal de crime. Além de que o legislador exagerou na introdução dos bens na norma.
O legislador acaba por demonstrar que não há um bem jurídico plenamente identificado, não
seria necessário este trabalho se houvesse e era muito mais simples do que remeter para este
conjunto indeterminado de bens jurídicos.

“Paz social” alguém ter um património aparentemente incompatível com os seus


rendimentos declarados prejudica a paz social? Essa proteção da paz social deve ser tutelada
mediante a aplicação de sanções? Há um problema de base, para chegar a essa conclusão é
preciso saber a realidade relativamente a cada um desses comuns cidadãos.

O legislador: Num 1º momento o crime seria apenas aplicável a titular de cargos


políticos- mesmo em relação a estes já existe a uma lei que obriga a declaração do património ao
tribunal constitucional o que não existe para os funcionários públicos nem para o comum dos
cidadãos.
Já num 2º momento alarga-se para os funcionários públicos.
Num 3º momento aplica-se a todos os cidadãos de forma indistinta.

Não é fácil saber os rendimentos de toda a gente nem será lícito sabê-lo, os rendimentos
estão cobertos por uma regra de sigilo/segredo fiscal porque respeitam à integridade da vida
privada.

Não existe obrigação universal de declaração do património de que se é titular num


determinado momento, o âmbito da declaração de rendimentos é limitado. O código do IRS é que
diz que tipo de rendimentos devem ser declarados, o que não releva para a tributação não
interessa (ex: juros dos bancos não serão declarados, porque há uma taxa liberatória, o imposto
é liquidado à cabeça) Finalidade: Estado poder liquidar o imposto a liquidação só abrange
rendimentos importantes para a tributação excluindo os já tributados e certas partes do
património. Este juízo de incongruência entre património e rendimentos invocado está
desfasado.

335º-A nº4:“ Para efeitos do disposto no n.º 1, entendem-se por rendimentos e bens
declarados, ou que devam ser declarados, todos os rendimentos brutos constantes das declarações
apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como os rendimentos e bens
objeto de quaisquer declarações ou comunicações exigidas por lei.”

O que é muito confuso porque, se uma pessoa tiver um património de 2 milhões, e desde
que começou a trabalhar declarou meio milhão de euros. Os restantes 1,5 milhões podem ter
sido angariados por maneiras que não são sujeitas a tributação fiscal, se calhar aqui a pessoa
estaria automaticamente condenada (no tipo anterior ainda era admissível que o acusado
demonstrasse a origem lícita determinada) agora nem isso existe. A pessoa é punida por haver
uma diferença entre rendimento declarado e património. No entanto este critério de aferição é
desfasado do que se pretende aferir, porque nem todo o património nem todo o rendimento tem
de ser declarado, mas a norma refere-se a totalidade do património, (ex: pessoas no
estrangeiro- não constam os rendimentos objecto de declaração no estrangeiro- não tem de
declarar os rendimentos em Portugal, mas é relevante para a avaliação da diferença entre
património e rendimento declarado).Se calhar foi por esta razão que deixou de ser
enriquecimento ilícito para ser injustificado:

“Injustificado” Património que não foi declarado, porém, isto não implica que tenha sido
adquirido ilicitamente. O que se está a punir é meramente o puro e simples enriquecimento, a
mera detenção de património, sempre que a pessoa não o tenha declarado, independentemente
de isso se traduzir ou não numa ilicitude. (Parece que houve até um alargamento da tutela penal-
em relação ao projecto de lei de 2012) o legislador quis eliminar a questão da prova mas em
consequência alargou o âmbito da norma, eliminou a prova e alargou o campo de punição.

Em vez de uma inversão do ónus da prova violadora da presunção de inocência, temos


aqui uma espécie de presunção inilidível o que se revela ainda pior porque se o individuo provar
a origem lícita simplesmente não releva visto que o individuo não tem forma de se defender e
está logo a partida condenado. (ex: caso de pessoa que declarou no estrangeiro, seria
automaticamente punido)

Há fontes internacionais a obrigar a Portugal a punir o enriquecimento ilícito. Isto não é


punido em Portugal? É. Há crimes como fraude fiscal, branqueamento de capitais, burla,
corrupção, furto, roubo, etc. O enriquecimento ilícito é crime na nossa ondem jurídica.

A criminalização, tipificação, tem lugar em cumprimento dos princípios fundamentais do


direito penal. Quando identificamos um bem carecido de tutela penal com dignidade penal,
defendemo-lo contra determinadas formas de agressão, mas não todas as formas de agressão.
Enriquecer não é crime, é sim fazê-lo de forma ilícita e essas formas terão de estar descritas nas
normas.

Se houvesse entre nós desde a nascença uma obrigação universal de declaração dos
rendimentos e do património (adquiridos em Portugal, no estrangeiro, por morte, acto
intervivos, etc), tudo seria incluído, todos os bens, e a comparação seria possível. Mesmo assim,
estaria em causa, não o enriquecimento da pessoa, mas sim um crime de falsas declarações, o
que não tem a ver com a punição da aquisição ilícita da fortuna, isto tem de estar previsto. 
Norma faz sentido? Não se pode punir uma falsa declaração se não há declaração universal, já
ocultar o que deve constar da declaração constitui crime de fraude fiscal. Além de que viola
claramente a privacidade, assim o Estado teria acesso a tudo! Seria totalmente intrusivo na
integridade da vida privada.

Alternativa: jogar com as regras constitucionais, competiria ao Ministério Público


provar que determinados bens deveriam estar nas declarações e não estão. Mas porque é que o
legislador não faz assim?

1ª Ausência de declaração traduz a prática do crime de fraude fiscal;

2ª É uma prova impossível para o Ministério Público, teria que provar que bens foram
obtidos por meios ilícitos- prova do facto negativo- probatio diabólica. (Daí ter invertido
o ónus da prova)

Hipótese II

“Tenha em consideração o acórdão do Tribunal Constitucional nº 641/2016”

Versa sobre a legitimidade constitucional do tipo legal de crime de lenocínio, artigo


169º do Código Penal. O lenocínio é, em termos imprecisos, a exploração económica da
prostituição, isto quando alguém lucra com a prostituição de outrem. A arguida recorre da
decisão de um tribunal.

Neste acórdão discute-se a inconstitucionalidade do tipo legal previsto neste artigo


169º. Primeiramente é levantada a questão de que esta proibição viola o direito à liberdade e o
direito ao trabalho previstos nos artigo 27º e 58º da Constituição da República Portuguesa
e que violará também o princípio da proporcionalidade na medida em que não há nenhum
bem jurídico que mereça tutela do Direito Penal. Assim, a arguida no caso do acórdão,
considera o 169º inconstitucional porque não há nem necessidade (proporcionalidade) nem
nenhum direito que a Constituição da República Portuguesa dite ter que ser protegido pelo
Direito Penal.
A arguida defende também a inconstitucionalidade do tipo legal em questão por este ter
um âmbito de aplicação demasiado geral violando por isso o Princípio da Legalidade, previsto no
artigo 29º da CRP, pois não concretiza nenhum facto ilícito típico. A arguida defende ainda
que o tribunal desconsiderou ainda que o consentimento pode ser uma causa de exclusão de
ilicitude como previsto no artigo 38º nº1 do CP41.

Os dois votos de vencido que defendem a inconstitucionalidade vão no sentido de tudo o


que já foi apresentado até aqui ao falar do que defende a arguida, mas um dos votos específica
ainda o facto de na antiga redacção do Código Penal se previa que o lenocínio seria um crime em
situações em que quem se estivesse a prostituir tivesse um forte necessidade económica ou em
situações de abandono42 e hoje já não é assim sendo o tipo legal menos restrito e tendo um
âmbito mais amplo que leva à violação do Princípio da Legalidade bem como a indeterminação
do bem jurídico, pois o voto vencido entende que uma vez que se retirou da lei esta previsão
deixou de haver uma ligação entre aquele que seria o comportamento e o bem jurídico que
estava a ser tutelado, sendo que deixou então de haver a possibilidade de escrutinar aqui
um bem jurídico que careça de tutela penal.

No sentindo da não inconstitucionalidade o tribunal defende que a norma continua a


proteger as mulheres e os homens que se prostituem pois estes continuam a colocar-se numa
situação de exploração e sujeição sendo o bem jurídico a ser tutelado a dignidade e a
segurança. Assim o Tribunal diz que o motivo para considerar a norma constitucional não se
baseia em juízos de moral ou valores mas sim na defesa dos bens jurídicos da segurança e da
dignidade da pessoa humana, e que por isso o nosso sistema deve impedir que situações em que
uma pessoa é instrumentalizada. Assim a liberdade da profissão e da autodeterminação
económica têm obviamente limites e o Tribunal considera que estas acções estão no escopo
desses limites.

(Antigo) Artigo 170.º


Lenocínio

1 - Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o


exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo,
explorando situações de abandono ou de necessidade económica, é punido com pena
de prisão de 6 meses a 5 anos.

41 Apesar de neste caso não ser uma causa que leva à inconstitucionalidade pois a ser verdade está é em
causa uma lei.
42 Antigo artigo 170º do CP.
Artigo 169.º
Lenocínio

1 - Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o


exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a
cinco anos.

Quanto a técnica legislativa, quanto a forma do tipo legal, isto é, se o que está aqui em
causa é a tutela de um bem jurídico contra todas e quaisquer formas de agressão ou apenas
contra determinadas formas de agressão previstas na lei. Na formulação do artigo 169º estamos
perante um tipo legal de crime com forma livre, desde logo porque é questionável que bem
jurídico está a ser tutelado como vemos no acórdão, mas na antiga redacção, no artigo 170º
temos uma forma determinada.
Temos desde logo o agente que em ambas as normas é designado de forma o mais ampla
possível com “quem”43.
Depois temos vários elementos objectivos do tipo legal de crime “profissionalmente ou
com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar”. Quanto menos elementos tiver o tipo
legal de crime maior será o seu campo de aplicação. Na norma antiga havia ainda mais um
elemento objectivo, a “situações de abandono ou de necessidade económica”.
Quanto ao elemento subjectivo da norma temos a “intenção lucrativa”. Quando não há
elementos subjectivos expressamente previstos num tipo legal de crime, em regra, a conduta
só será punível a título de dolo, isto é o que resulta do artigo 13º do Código Penal. Para a o
Direito Penal uma conduta negligente só é então punível quando é prevista expressamente no
tipo legal de crime. No crime de homicídio previsto no artigo 131º temos um exemplo disto, só
há crime de homicídio se houver dolo44.
Outra componente dos tipos legais de crime é por fim a sanção “é punido com pena de
prisão de seis meses a cinco anos.”.

Na análise do acórdão devemos também ter em consideração que a prostituição não é


considerada crime, por isso será que faz sentido haver um bem jurídico a tutelar no lenocínio
quando não o ordenamento considera que não há bem jurídico a tutelar pelo Direito Penal na
prostituição, por isso é largamente questionável até que ponto fará sentido criminalizar o
lenocínio.

Há também uma dificuldade em traçar o limite do lenocínio, por exemplo: será que
alguém que alugue um andar onde acontecem práticas de prostituição, ou uma médica que
acompanha uma prostituta, e quem faz anúncios para divulgar a actividade de prostitutos,
estarão a praticar este crime? São exemplos como estes que exigem que os tipos legais tenham
bem determinado as condutas típicas, o facto de podermos englobar estes exemplos no crime do
lenocínio como ele está hoje redigido no artigo 169º demonstra a ampla abrangência da norma.

Quanto à decisão do tribunal no acórdão esta foi no sentido da constitucionalidade


da norma do artigo 169º do Código Penal. A recorrente baseia toda a sua argumentação com

43 Que como veremos no próximo semestre pode ser mais restrita. Há crimes comuns e crimes próprios, os
próprios são aqueles que não podem ser praticados por qualquer um mas apenas por uma pessoa
específica.
44 Daí que exista um tipo legal específico para o homicídio por negligência, o artigo 137º
no facto de se estar a considerar o lenocínio crime por razões morais e que isso será contra a sua
autodeterminação e o seu direito à liberdade e à escolha de trabalho, além disso, a recorrente
reclama que o não se está a considerar o consentimento pois como já vimos este afasta em
muitos tipos legais a ilicitude.
O Tribunal vem dizer que não foram razões morais nem de preconceito que levaram à
criminalização do lenocínio mas sim o facto de o lenocínio incentivar a certas práticas sendo
essa incentivação passível de restringir a liberdade das pessoas, e que por isso o que se está a
criminalizar não incide sobre a prostituição em si (que aliás não é crime na nossa ordem
jurídica) mas sim na prática de prejudicar terceiros encaminhando-os para comportamentos que
muitas vezes podem sem prejudiciais, assim, é a dignidade destes terceiros que o tribunal
indica como o bem jurídico a ser tutelado, isto é, proteger as pessoas que podem ser
prejudicas pelos autores de lenocínio

A Norma Penal em Branco 45

Devido aos princípios que já vimos neste caderno as normas tem de ser precisas e
determinadas de modo a cumprir o Princípio da Legalidade. Não pode por isso haver
normas penais em branco, isto é, normas demasiado imprecisas onde não é possível
determinar-se uma conduta ou uma pena concreta.
A norma penal em branco propriamente dita é a que remete para outras fontes a
definição da conduta típica ou pelo menos de alguns elementos do tipo legal de crime. Isto
acontece muitas vezes por uma razão de técnica legislativa, quando falamos de tipos de tipos
legais de crime que entram por definição em campos técnicos fora do direito é óbvio que pode
ser difícil ao legislador penal incluir toda essa matéria técnica na redacção do tipo legal. Um
exemplo disto que iremos ver é o artigo 277º do Código Penal, que vem prever infracções
sobre a construção, aqui não é viável ao legislador incluir todas as especificidades das
construções. É pelo Direito Penal ter a necessidade de entrar cada vez mais por outras áreas da
vida que o legislador tem de recorrer a normas que se podem considerar mais e mais imprecisas
remetendo para outras fontes a definição de certos elementos. No caso deste artigo, “infringir
regras legais, regulamentares ou técnicas (…) de construção” vemos este tipo de remissão.
Estas normas penais em branco vão levantar problemas, desde logo por causa da reserva
de lei, pois como sabemos quem compete definir os elementos do crime é a Assembleia da
República e por esta via estamos a admitir a possibilidade de uma fonte infra-real estar a
definir crimes, por outro lado pode também pôr-se em causa o Princípio da Tipicidade de
acordo com o qual todos os elementos do crime devem ser acessíveis ao cidadão comum
constando do próprio tipo legal de crime.

Tendo em conta tudo isto costuma-se fazer a distinção entre normas penais em branco
em sentido próprio e normas penais em branco em sentido impróprio, nestas últimas o que
acontece é que o é que o legislador remete no tipo legal de crime para outra lei ou decreto-lei e
nesse caso não há em bom rigor um problema de reserva de lei. Já as normas penais em
branco em sentido próprio são as que remetem para outras fontes de direito, tanto normativas
de valor inferior às leis ou decretos-leis, ou a atos administrativos ou usos e costumes.

Há ainda que não confundir normais penais em branco com normas penais abertas,
estas segundas são aquelas em que não se apresenta uma descrição típica completa e se exige
um actividade valorativa do juíz/intérprete.

45 Ver os critérios que a jurisprudência usa no caso da hipótese IV.


Hipótese III

“Por decisão proferida pela Direcção Geral de Viação/Delegação Distrital de Viação de


Leiria, o arguido MC foi condenado pela prática da contra-ordenacão prevista p. e p. pelos
artigos 15º, nº1 e 31º do Decreto-Lei nº 175/91, de 11 de Maio, com a redacção dada pelo
Decreto-Lei nº 343/97, de 5 de Dezembro, em conjugação com o artigo 18º, n.º 2 do
Regulamento de Provas de Exame aprovado pela Portaria n.º 536/2005, de 22 de Junho e
com o Despacho do Director-Geral de Viação n.º 15150/2005, de 19 de Julho, sendo-lhe
imputada a prática do seguinte facto: na qualidade de director do Centro de Exames, não
procedeu ao sorteio dos percursos/examinadores, tendo encarregado uma funcionária de o
fazer, facto que ocorreu no dia 26 de Janeiro de 2006, pelas 13h51m, no Centro de Exames
dirigido pelo arguido, sito no n.º 2, Anieca, em Porto de Mós. MC, com os sinais dos autos,
recorre da sentença que julgou improcedente o recurso de impugnação por si interposto da
decisão do Director-Geral da Viação, mantendo, assim, a condenação. Fundamenta o
recurso interposto do seguinte modo: o artigo 15º, n.º1 do D.L. 175/91 de 11/5 que regula a
realização de exames para obtenção da carta de condução de veículos automóveis,
remetendo para outras normas para a concretização de determinados elementos do tipo,
por forma abstracta e genérica, sem definição de conteúdo ou limite, viola a princípio da
tipicidade ou da determinabilidade da lei penal, aplicável à definição dos ilícitos de mera
ordenação social, constitui uma norma penal em branco. Quid iuris?”

Acórdão do Tribunal da Relação 1/10/2008

1º - Tivemos um diretor de um centro de exames, que não procedeu ao sorteio dos


percursos/examinadores, tendo encarregado um funcionário de o fazer. Estamos a falar de uma
contraordenação, e não um crime.

2º - Artigos 15º, nº1 Decreto-Lei nº 175/91, de 11 de Maio – regula a realização de


exames para obtenção da carta de condução de veículos automóveis, remetendo para outras
normas para a concretização de determinados elementos do tipo, por forma abstrata e genérica,
sem definição de conteúdo ou limite.
Temos de verificar se esta norma cumpre ou não o princípio da legalidade criminal.
Este que se aplica também às contra-ordenações, assim o é por força do artigo 2º da Lei geral
das contraordenações. Mais do que isso, a nossa jurisprudência constitucional tem entendido
que a tutela constitucional da legalidade que está no artigo 29º da CRP, e que formalmente
está apenas prevista para os crimes, também abrange as contraordenações enquanto
ramo de direito sancionatório publico.

3º - Este princípio da legalidade postula que a conduta tem de estar prevista num
determinado tipo legal de crime. Mas, tem ainda alguns corolários, nomeadamente se a conduta
tem de estar prevista no tipo legal de crime, então daí resulta que essa conduta tem de ser
dentro do possível a melhor determinada, a lei deve ser completa, certa. Isto não quer dizer que
não sejam usados conceitos indeterminados (não é o ideal, mas verifica-se por vezes), diferente
é quando temos uma norma penal em branco. Quando é que temos uma norma penal em
branco?
Se for em sentido próprio vai remeter alguns elementos do tipo legal, para normas de
hierarquia inferior. Por isso, é preciso encontrar a fronteira, o critério de legitimidade desta
técnica legislativa.

4º - Neste caso temos o quê? Neste tipo legal de contra-ordenação, estando ele sujeito a
este principio da legalidade, como é que são os elementos do tipo definidos? 15º nº1 nº1
Decreto-Lei nº 175/91, de 11 de Maio remete, é uma norma completamente remissiva, quer para
a legislação que estabelece a habilitação legal para conduzir, quer ainda para instruções emitidas
pela DGV.
Dito isto, é uma norma penal em branco ou não? Sim, visto que o cumprimento deste
preceito deve ser aferido de acordo com a tal legislação vigente, aqui não há problema, pois é
uma norma de hierarquia igual.
Há problema na parte final, quando se remete para as tais instruções emitidas pela
DGV, a conduta proibida é definida pelas instruções da DGV. Isto viola o principio da
legalidade? Temos vários problemas quando se remete para uma decisão concreta de uma
autoridade administrativa a definição dos elementos do tipo. Quais são os fundamentos da
legalidade que não se conseguem alcançar com um tipo legal desta natureza?

1º - Reserva de lei da Assembleia da República em matéria de crimes, penas, medidas de


segurança e os seus pressupostos, só podendo o Governo legislar nesta matéria mediante
autorização não deve depender nunca de uma decisão concreta, nem do poder executivo
(como é o caso), nem do poder judicial.

2º - Função preventiva, ou de orientação das condutas em sociedade: se as pessoas não


conhecem a norma penal, porque ela depende uma decisão no caso concreto, não podem
adoptar a sua conduta de forma a cumprir.

Pior ainda, esta definição não define o quadro dentro do qual as instruções devem
correr-se, não estabelece qualquer critério, deixa nas mãos do DGV a definição de todos os
elementos do ilícito.

Portanto, a decisão do tribunal da relação declarou a inconstitucionalidade desta


norma, do tipo legal. Sendo inconstitucional o tribunal não aplicou a norma, e não havendo tipo
legal de crime, temos uma conduta que não é típica, como tal, o tribunal absolve o arguido da
prática da contra-ordenação que havia sido imputada.

Hipótese IV

“A. e Outro, condenados pela 1.ª Vara Criminal do Tribunal do Porto como autores materiais
de um crime de infracção de regras de construção, p.p. no artigo 277.º, n.º 1, alínea b), do
Código Penal invocam a sua inconstitucionalidade material com fundamento na violação do
princípio da tipicidade. Quid iuris?”

Para os arguidos, na sua interpretação, o artigo 277º nº1 alinea b) do CP é um tipo


legal de crime inconstitucional por violação do principio da legalidade/tipicidade.
Dizem isto porque o artigo 277º 1 b) faz remissão para “regras legais, normas
regulamentares ou até técnicas”46, mas quais são essas normas? Não são identificadas. É com
base nisto que se defendem e invocam a inconstitucionalidade deste tipo legal.

Dizem por isso que com esta remissão criamos uma norma penal em branco.

Veja-se que:

1) Na hipótese anterior tínhamos uma remissão para instruções da DGV, ou seja,


instruções no caso concreto

2) Neste caso a remissão é para normas legais, regulamentares ou técnicas, temos


uma remissão para normas e não uma decisão. Normas gerais e abstratas.

O tribunal decidiu pela não inconstitucionalidade. Podemos discordar disto, pois


temos uma questão de fronteira, é difícil estabelecer uma linha que permita separar o que é
constitucional e não é. É um dos problemas desta técnica legislativa, a incerteza que ela trás, dai
haver autores que dizem que não deve ser admitida.
O tribunal veio dizer:

1) Remete para normas regulamentares ou técnicas(normas jurídicas, generalidade e


abstração), não é um caso de remissão para meras instruções a ser prosseguidas em
casos concretos.

2) É preciso que em virtude dessa remissão, não seja colocada em causa a definição dos
elementos essenciais. Ou seja, não haja uma remissão total, mas que essa remissão
coloque em causa apenas normas técnicas, complementares e não normas
inovadoras, que intervenham na definição de elementos essenciais da conduta típica.

3) É preciso que na acusação sejam identificados em concreto os preceitos do


regulamento que foi violado pelos arguidos.

Para o Tribunal Constitucional esta técnica legislativa é admissível se ela se concretizar


numa remissão para normas (comandos gerais e abstractos que estão positivados) ainda que em
regulamentos que não têm força de lei, com exclusão de meros usos profissionais.

O uso por exemplo não encontra previsão em nenhum regulamento, portanto não podem
fundamentar uma condenação.

Mas, não basta que haja uma remissão para um regulamento, que esse exista, é preciso
ainda que se identifique na acusação e primeiro sentença os preceitos concretos do regulamento
que os arguidos não cumpriram. Isto são critérios gerais, não são rigorosos e concretos, o ideal
era não existirem estas normas penais em branco

46Esta técnica legislativa é utilizada para que não seja preciso esclarecer quais as normas aplicáveis
especificamente, que tem como inconveniente a incerteza na definição dos elementos do tipo legal.
Hipótese V

“António é surpreendido por Bento que empunha uma seringa usada e lhe pede todo o
dinheiro que traz consigo, bem como o seu iphone, o que António faz. Poderá Bento
responder pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. no artigo 204.º, n.º 2, al. f) do
CP, considerando-se que a seringa que empunha pode ser qualificada como «arma»?”

O furto é uma forma de apropriação ilegítima de coisa móvel alheia, seja ela simples ou
qualificada. Furto simples é a regra geral. Tanto o furto simples como o qualificado têm os
mesmos elementos. A qualificação do crime, resulta da utilização de arma ou não.
Para que estejamos perante um furto qualificado, é necessário a utilização de uma
arma 204.º, n.º 2, al. f), a questão é saber se uma seringa pode ser qualificada como uma
arma.

Em circunstâncias normais a seringa não seria vista como uma arma, mas no caso
concreto temos a ameaça à transmissão de qualquer tipo de doença, pois não nos é dito se está
infetada ou não apenas que é usada, mas como é usada para incutir medo, pode ser considerada
uma arma.

“Arma” é um conceito relativamente indeterminado, como tal, temos de fazer uma


interpretação do conceito legal. Temos de recorrer à interpretação do tipo legal de crime.
É permitida a interpretação extensiva no direito penal? Sim, mas é sempre difícil
estabelecer a fronteira entre esta interpretação e aplicação analógica, essa sim que é proibida. 47

Considerando a seringa uma arma para efeitos de qualificação do crime de furto, estamos
já na aplicação analógica ou interpretação extensiva? Temos de ver os limites da interpretação
extensiva.

Hipótese VI

“Por despacho de 23 de Setembro de 1997, proferido no 9º Juízo Criminal de Lisboa, foi


declarado prescrito o procedimento criminal, em virtude de se ter considerado decorrido o
prazo de dois anos, previsto no artigo 117º, nº 1, alínea d) do Código Penal de 1982, sem que
tivesse ocorrido qualquer causa susceptível de interromper ou suspender o decurso do
prazo prescricional, nos termos dos artigos 119º e 120º do Código Penal. Determinou-se, em
consequência, o arquivamento dos autos. Desse despacho interpôs recurso o assistente, J...,
invocando a interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal antes de
12/12/95, momento da notificação para as primeiras declarações do arguido na fase do
inquérito. O fundamento do recurso foi a interpretação "forçosamente actualista", após
1987 e em virtude da entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, do artigo 120º, nº

47 Ver matéria de IED.


1, alínea a), do Código Penal, segundo a qual tal norma passaria a referir à constituição de
arguido e à fase do inquérito (artigo 57º do Código de Processo Penal) o momento da
interrupção da prescrição que o legislador de 82 referira à instrução preparatória, durante
a vigência do Código de Processo Penal de 1929. O recurso deve proceder? (Ac. do TC n.º
205/99)”

CP 1982 (L1)—CPP (1987)—CP 1993 (L2)

Matéria da prescrição do procedimento Criminal

Um assistente veio fazer uma interpretação actualista do artigo 120º nº1 a) do Código
Penal, que estabelecia as causas de interrupção do prazo de prescrição. Nesse artigo falava-se
numa causa de interrupção que era a notificação para as primeiras declarações do agente como
arguido na instrução preparatória. Entretanto, surgiu o novo Código do Processo Penal, que
deixou de prever a tal fase de instrução preparatória e passou a consagrar a fase do inquérito. O
assistente considerou que onde se lia, no artigo 120º nº1 a), “instrução preparatória”, devia
abranger a notificação para as primeiras declarações do arguido na fase de inquérito.

O prazo de prescrição é, basicamente, o tempo que as autoridades judiciárias têm


para iniciarem e concluírem o processo criminal, sendo que se esse prazo não existisse, o
processo nunca seria encerrado, criando no arguido um receio constante de poder ser julgado.
Quando esse prazo decorre, o arguido é considerado inocente. Trata-se, assim, de uma
causa de extinção da responsabilidade criminal.
O legislador prevê certas causas de suspensão e de prescrição para a contagem
desse prazo. Na interrupção, o prazo para e começa-se a contar do início. Na suspensão, o prazo
para e, quando o facto cessa, começa-se a contar de onde se parou.

Embora no Direito Penal este movimento não seja absoluto, há uma regra que diz que,
verificado o prazo de prescrição acrescido de metade, tem lugar, necessariamente, a prescrição
do procedimento criminal, ressalvadas as causas de suspensão.
Quando o titular exerce o seu direito, judicialmente, ou seja, sempre que o Estado dá
início ao processo criminal, é normal que haja uma causa de interrupção do prazo de prescrição.

Ora, esta prescrição tem uma natureza mista, não sendo meramente penal nem
meramente processual. Está prevista no Código Penal. Tem esta pretensão de causa extintiva
da responsabilidade, que obviamente condiciona a instauração do procedimento. Mas quando
estamos a falar do exercício do jus puniendi, já é uma matéria que está regulada no Código
Processo Penal. Portanto, as causas de interrupção da prescrição, a terminologia que é usada, a
oportunidade dessa mesma interrupção de contagem do prazo de prescrição, tem sempre por
referência um determinado momento do Código de Processo Penal.
Em 1982, quando foi aprovado o Código Penal, estava em vigor o Código do Processo
Penal de 1929, cujo tinha uma determinada estrutura quanto às fases anteriores ao julgamento,
que se designavam por instrução preparatória (1ª fase) e instrução contraditória (2ª fase). As
causas de interrupção da prescrição, previstas pelo Código Penal de 1992, tinham em vista o
Código de Processo Penal então em vigor, que afirmava que logo que o arguido fosse notificado
para prestar declarações, nesta fase de instrução preparatória, interrompia-se a contagem do
prazo de prescrição. O problema que surgiu: em 1987, entrou em vigor o Novo Código de
Processo Penal, que alterou toda a estrutura das fases processuais. Em vez de haver uma
fase de instrução preparatória, passou a haver uma fase de inquérito, a que se segue a
fase de instrução. No Código anterior, a fase preparatória era dirigida por um juiz e as
prestações de declarações eram feitas perante um juiz, e no novo Código Processo Penal a fase
de inquérito é dirigida pelo Ministério Público. Houve um erro de política legislativa. Entrou em
vigor o Novo Código de Processo penal e o legislador não alterou o Código Penal. O Código
Penal, ao prever as causas de interrupção da prescrição, referia-se ao Código de Processo Penal
que já não estava em vigor. Por isso, o Ministério Público tentou fazer a tal interpretação
actualista de forma a que onde se lia no Código Penal “instrução preparatória”, passava-se a ler
“inquérito”, e onde se lia “declarações perante um juiz” passava-se a ler “constituição de arguido
perante o Ministério Público”

Interpretação Atualista e Analogia

Em Direito Penal pode haver interpretações actualistas? Será que isto é


compatível com os princípios que vigoram em matéria de lei penal? Repare-se, a analogia e
a interpretação nestes moldes podem acarretar a violação dos seguintes princípios:

i. Princípio da Legalidade (o facto que é crime tem de estar previamente previsto na lei)

ii. Princípio da Tipicidade (embora não esteja aqui bem a qualificação de um crime)

iii. Princípio da Segurança Jurídica (as pessoas têm de saber com o que podem contar)

iv. Princípio da Separação de Poderes (o poder legislativo define quais os factos que
traduzem a prática do crime e os Tribunais julgam

O Tribunal Constitucional averiguou se, na verdade, se isto não era bem uma
interpretação actualista, mas sim uma analogia.
E então a analogia é sempre proibida em Direito Penal? Não, a analogia não é
sempre proibida. Só o é no âmbito do artigo 1º nº3 do CP: “Não é permitido o recurso à
analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a
pena ou medida de segurança que lhes corresponde”

Artigo 31º do CP: Consagrando a ideia da subsidiariedade, excluem a ilicitude penal


quaisquer causas de justificação que estejam previstas em qualquer outro ramo do Direito
Portanto, não há qualquer problema, para excluir a ilicitude, em recorrer à analogia. A
analogia, em Direito Penal, não é permitida se for desfavorável para o agente, mas já
permitida se for favorável.

Pode aqui estar em causa a qualificação do facto como crime? Se percorrer o prazo de
prescrição, extingue-se a responsabilidade criminal, ou seja, o facto deixa de ter relevância
criminal. O Tribunal Constitucioanl considerou, aqui, que a analogia não era permitida, até
porque o arguido ia acabar por ser gravemente prejudicado, pois se se fizesse uma
interpretação actualista, já não haveria a extinção da responsabilidade criminal, o prazo voltava
a decorrer outra vez.
O Tribunal Constitucional considerou que a interpretação ultrapassava uma mera
determinação do sentido actual das palavras, implicando, na verdade, uma conversão dos
conceitos integrantes do campo normativo permitido em conceitos de um sistema
diverso. Parecia que o intérprete estava a criar uma nova norma punitiva, em violação do
Princípio da Legalidade, na vertente mais formal da reserva de lei. Quem pode fazer leis, em
matéria de direito penal, é a Assembleia da República. O intérprete/juiz não pode actualizar, não
pode alterar a lei não pode ser o juiz a corrigir, uma vez que não tem poderes para o efeito, se
permitíssemos que o fizesse estaríamos a retirar a autoridade legislativa do povo, temos de
partir do princípio que se o povo não quis alterar aquela letra foi porque entendeu que não era
preciso sabendo de todos os efeitos e consequências que essa decisão teria, não podemos
usar analogia pois não podemos considerar lacuna do legislador neste caso, fez aquilo
porque tem a razão e sabia que era o que era suposto fazer, se assim não fosse iriamos
entrar num campo muito perigoso de juízos de valor que a tipicidade tende a esbater.

O Tribunal Constitucional considerou que havia, então, uma violação do artigo 29º
nº1 e nº3 da CRP. No entanto, não determinou a existência de violação do nº4 por não
considerar estar em questão um problema de retroactividade e de aplicação da lei no tempo,
uma vez que não foi uma lei que foi introduzida entretanto, mas tratava-se apenas da
interpretação de uma lei que já estava em vigor.

Aqui não estava em causa saber se a Lei 2 era ou não aplicável. Esta polémica surgiu
antes da entrada em vigor da redacção do Código Penal de 1995. Só com a redacção do CP de
1995 é que o legislador veio adaptar as causas de interrupção e de suspensão da contagem da
prescrição às disposições do CPP de 1987. Até lá, não era uma questão de sucessão de leis, mas
de interpretação do preceito que estava previsto no Código Penal de 1982, ou seja, saber se ele
era susceptível de essa mesma interpretação actualista.

Quanto à aplicação da lei no tempo: A partir de 1995, as causas de interrupção e


suspensão da prescrição já passaram a ser conformes com o que diz o Código de 1987, artigo
120º do CP actual (1995), a primeira causa de interrupção da contagem do prazo de
prescrição é a constituição de arguido.
Será que essa nova causa de interrupção da prescrição é aplicável a factos praticados
antes da entrada da lei em vigor de 1995? Esta é uma questão diversa da interpretação da
lei. Uma coisa é se podemos interpretar actualisticamente a redacção do preceito; outra coisa
diferente é saber se a causa de interrupção da contagem da prescrição pode ser aplicada a factos
praticados antes da sua entrada em vigor, aí já é uma questão de aplicação no tempo. Estamos a
falar de um facto praticado em 1990. O arguido é constituído como tal em 1996.
Vamos imaginar outro exemplo: O facto praticado em 1 de Janeiro de 1991, sendo o
arguido constituído como tal no dia 18 de Dezembro de 1995. Faltam 15 dias para se verificar o
prazo de prescrição, que é de 5 anos. Portanto, a prescrição corre no dia 1 de Janeiro de 1996.
Ora, essa constituição como arguido vai interromper o prazo de prescrição?

Saber se a nova causa de interrupção da prescrição é aplicável a factos praticados antes


da sua entrada em vigor é uma questão de aplicação da lei no tempo. Quais os princípios que
aqui vigoram?

1) Princípio da não retroactividade

2) Princípio da retroactividade da lei mais favorável


Estava em vigor no momento da prática do facto? Não. Pode aplicar-se retroactivamente?
Não. Só se fosse mais benéfica. Portanto, não vai haver prescrição, quando essa prescrição
ocorreria por força da lei anterior.
Em virtude deste erro legislativo, na prática, quase que deixou de haver causas de
interrupção da prescrição para factos praticados em data anterior a 1995. Isto deu origem a uma
prescrição em série de uma quantidade infindável de processos O legislador demorou 8 anos a
corrigir o erro. Durante 8 anos, o CP tinha em vista o CPP que já não estava em vigor…

Hipótese VII

“Desde Agosto de 2009 que Abel, de 80 anos de idade, se encontrava acamado devido a um
cancro em fase terminal. Para aliviar as dores intensas que sentia o médico receitou-lhe
uma injecção diária de morfina.

João, filho de Abel, não aguentando mais assistir à degradação e sofrimento do pai e
sabendo que desde sempre Abel fora apologista da eutanásia, resolve, em Janeiro de 2010,
quadruplicar a dose diária de morfina, o que provocou a morte de Abel.

Em Abril de 2010, o Ministério Público acusou João do crime de homicídio qualificado, ao


abrigo do disposto no artigo 132º, nº2, alínea a), do Código Penal.

Em Julho de 2010, entrou em vigor a Lei X que estabelecia o seguinte: “Age sem culpa quem,
em caso de doença séria, dolorosa e terminal, praticar um facto ilícito contra a vida da
pessoa que padece dessa enfermidade, com o intuito de extinguir o seu sofrimento”.

Aprecie fundamentadamente a eventual responsabilidade penal de Abel.”

 Janeiro de 2010: João mata o seu Pai Abel


 Artigo 131º: Crime de Homicídio, com pena de prisão entre 8 a 16 anos
 O Ministério Público acusou João de homicídio qualificado por ser descendente
 Está preenchida a alínea a) do nº2 do artigo 132º
 Pode também tratar-se de homicídio privilegiado (artigo 133º)
Os actos são subsumíveis quer ao homicídio simples, quer ao homicídio qualificado, quer
ao homicídio privilegiado. Estamos perante um concurso de normas. Sabemos que a regra
especial afasta a regra geral (homicídio simples). Mas como escolhemos entre homicídio
qualificado e homicídio privilegiado? Temos de ver qual o critério da lei para agravar o
homicídio e para privilegiar o homicídio (ver cada artigo). Em ambos os casos temos motivos
que atendem à culpabilidade do agente, e não a factos objectivos. A questão é saber se, quando
matou, actuou com especial censurabilidade ou perversidade (homicídio qualificado) ou se
actuou dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de
relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa (homicídio
privilegiado). É uma questão de apreciação da culpa do agente no caso concreto.
A questão que se coloca é relativamente à aplicação do tempo das normas penais.
Em Julho de 2011, ou seja, no decurso do julgamento, entrou em vigor uma nova lei. Essa nova
lei refere “age sem culpa” e um dos elementos para um facto ser considerado crime é a
culpabilidade. Ou seja, estamos perante uma causa de exculpação da culpabilidade.
A regra é a de que se aplica a norma penal em vigor à prática do crime. Ora, na altura da
prática do crime, esta lei ainda não estava em vigor. No entanto, como se trata de uma lei mais
favorável, vigora o princípio da retroactividade da lei mais favorável e, portanto, esta lei
aplicar-se-ia e o João seria absolvido das acusações que lhe foram feitas. Há uma
descriminalização? O que podemos fazer para saber se há um acto de descriminalização? Qual
o facto concreto que ele praticou? Era subsumível ao primeiro tipo legal de crime, mas ao
segundo tipo não, pois deixou de ser culposo. Não basta que a nova lei preveja uma nova causa
de exculpação. É preciso que o agente tenha actuado ao abrigo desta causa de exculpação
(teoria do caso concreto). Por exemplo, se ele, neste caso, tivesse matado o Pai para ficar com a
herança, a resposta não seria a mesma. Não haveria nenhuma descriminalização. Ele não actuou
ao abrigo da causa de exclusão da culpa, actuou ao abrigo de outra causa.

Hipótese VIII

“A revogação do Código de Trabalho de 2003, operada pelo artigoº 12º, nº 1, al. a), da Lei nº
7/2009, de 12/2, implicou a eliminação do número das infracções das contra-ordenações
tipificadas no artigoº 671º do mesmo código, já que a manutenção em vigor desta
disposição não foi ressalvada, designadamente pelo nº 3, al. a), do referido artigoº 12º.

Sucede que, nos termos da Declaração de Rectificação nº 21/2009, publicada no D.R. a


18/3/2009, rectificou-se a redacção do aludido artigoº 12º, nº 3, al. a), nele passando a
referenciar também o artigoº 671º do C.T. de 2003, de modo a que este artigo não fosse
afinal revogado.

Está pendente, na fase judicial, um processo que tem por objecto a eventual prática de uma
contra-ordenação laboral, que terá ocorrido em 2008. Como deve decidir o juiz?

(ac. da Rel. de Évora, de 05.05.2009, Proc. 2595/08-2 e acórdão do TC n.º 490/09)”

L1 (CT 2009)----L 2 (Novo CT)

L1: Artigo 671º: Previa um determinado número de condutas que traduziam a prática de
contraordenações

Com o Novo Código de Trabalho, o legislador quis que as contra-ordenações passassem a


estar previstas de forma global, uniforme, sistematizada, num diploma autónomo e não no
próprio Código de Trabalho. Assim, o legislador revogou o artigo 672º. No entanto, não
publicou esta Lei Geral das Contraordenações Laborais.
Para as contra-ordenações vigoram as mesmas regras previstas no Código Penal
para a aplicação da lei no tempo. Aqui, com a revogação do artigo 672º do Código de Trabalho
anterior, temos uma descriminalização. Isto corresponde a uma descriminalização, a uma
descontraordenalização, por eliminação do próprio tipo legal, sendo que foi criado, em
substituição, um regime geral das contraordenações gerais, entrado em vigor muito depois da
revogação do artigo 672º.

O regime jurídico das contraordenações laborais é apenas aplicado aos factos que forem
praticados depois da sua entrada em vigor. Ou seja, todas as contraordenações laborais
praticadas em data anterior foram descriminalizadas e os processos arquivados.
Foi feita uma rectificação de modo a que não tivesse lugar a revogação do artígo 672º. O
legislador, perante esse cenário, inventou uma rectificação.O problema é que esta rectificação só
seria permitida em 2 casos:

1. Erros gráficos ou de natureza análoga


2. Erros materiais entre o texto original e o publicado

Porque é que o legislador utilizou aqui a técnica da rectificação? A rectificação tem


efeito retroactivo e insere-se no próprio diploma rectificado, mas apenas na medida em que
isso for uma mera rectificação, e não se for algo de inovador, em que não se tem uma verdadeira
rectificação, o que acontecia, neste caso. Houve uma modificação substancial de um texto
aprovado pela Assembleia da República.Estamos, na verdade e em bom rigor, perante uma
inexistência jurídica.
Temos princípios constitucionais que não podem ser alterados ou manipulados pelo
legislador ordinário. Se há um erro de política legislativa, ele não pode ser corrigido, e muito
menos por rectificação. A rectificação afere-se pelo lapso material entre a diferença entre o
que foi publicado e o que foi enviado para publicação. Trata-se de uma questão material.

Neste caso, temos uma falsificação de uma declaração de rectificação. E é óbvio que
é uma falsificação, uma vez que o texto que foi enviado para publicação não tinha a ressalva da
revogação do artigo 672º. O que se pretendia não era uma rectificação mas uma
verdadeira aplicação retroactiva da lei ou evitar uma descriminalização através do
expediente da falsificação de uma declaração de rectificação.

A sanção é a da inexistência jurídica. Conclusão: Todos os factos praticados antes da


entrada em vigor do Regime Geral das contra-ordenações Gerais ficaram impunes, havendo uma
descriminalização.

Hipótese IX

“O artigo 24.º do Decreto-Lei 13004, de 12 de Janeiro de 1927, dispunha que: «Ao sacador de
um cheque cujo não pagamento, por falta de provisão, tiver

sido verificado nos termos e no prazo prescritos nos artigos 21.º e 22.º do presente decreto
com força de lei será aplicada, a pedido do portador do cheque, a pena de seis meses a dois
anos de prisão correccional.» Por seu lado, o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de
Dezembro, passou a dispor que:

«Será condenado nas penas previstas para o crime de burla, observando-se o

regime geral de punição deste crime, quem, causando prejuízo patrimonial: a) Emitir e
entregar a outrem cheque de valor superior ao indicado no artigo 8.º

(5.000$00) que não for integralmente pago por falta de provisão, verificada nos termos e
prazos da Lei Uniforme Relativa ao Cheque».

1. Carlos adquire a Duarte um televisor no valor de 300.000$00 em 5 de Janeiro de 1990.


Ficou acordado entre ambos que o pagamento seria feito em 3 prestações mensais, no valor
de 100.000$00 cada uma. Para o efeito, Carlos entregou a Duarte, no mesmo dia, 3 cheques,
no valor de 100.000$00, com datas de 5 de Janeiro, 5 de Fevereiro e 5 de Março 1990,
ficando combinado entre ambos que Duarte só os apresentaria a pagamento nas datas
respectivas. Sucede que Duarte atravessa inesperadas dificuldades económicas, pelo que
apresenta os últimos 2 cheques a pagamento no dia 5 de Fevereiro de 1990, os quais são
devolvidos por falta de provisão em 9 de Fevereiro de 1990. Iniciado o competente processo
penal, na sequência da queixa apresentada por Duarte, o Ministério Público deduz acusação
contra Carlos, imputando-lhe a prática de 2 crimes de emissão de cheque sem provisão. No
julgamento ficam provados os factos acima descritos. Como deve decidir o juiz?

(Assento n.º 6/1993, de 27.01.1993, D.R., I.ª-Série A, de 7.4.1993)

2. Suponha agora que o julgamento de Carlos só tem lugar em 1998, data em que já estão
em vigor as alterações ao artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, introduzidas pelo Decreto-
Lei n.º 316/97, de 28 de Dezembro, em virtude das quais a sua redacção passou a ser a
seguinte: «1. Quem, causando prejuízo patrimonial ao tomador do cheque ou a terceiro: a)

Emitir e entregar a outrem cheque para pagamento de quantia superior a € 62,35 que não
seja integralmente pago por falta de provisão(...) (...) é punido com pena de prisão até 3
anos ou com pena de multa (...). 2. O disposto no n.º 1 não é aplicável quando o cheque seja
emitido com data posterior à da sua entrega ao tomador». A sua resposta é a mesma?”

O que temos aqui é uma sucessão de leis, cabe saber se os dois factos são incriminados à
luz das duas leis e saber qual a mais favorável ao nível das consequências jurídicas

Ele apresenta os dois últimos cheques a 5 de Fevereiro e estes são devolvidos porque ele
estava com falta de dinheiro. As primeiras leis que vinham legislar sobre estas condutas de
emissão de cheques tinham uma tutela muito ampla face à tecnologia que existia no tempo, o
tipo de legal de crime era abstracto e amplo, bastava que o cheque não fosse válido para que se
cometesse um crime.
À luz do Decreto-Lei de 12 de Janeiro de 1927, lei em vigor aquando da prática do
crime, em 1927 era irrelevante se havia ou não prejuízo patrimonial, era por isso um crime que
se dava com a mera acção, sendo um tipo legal muito amplo. Sendo assim por força desta lei
seria condenado pela prática de dois crimes, isto porque vamos pensar nos três cheques como
três comportamentos autónomos. A data da emissão dos cheques é indiferente, ou seja, pode
apresentar o cheque a pagamento a qualquer altura, cheque com ordem de pagamento. Assim
sendo, temos dois crimes, dois cheques emitidos sem provisão.

Surge a nova lei de 1991, o tipo legal de crime deixou de ser abstracto e passou a ser
crime de dano. O cheque passou a ser tutelado, independentemente de estar ou não coberto,
tendo a base se causou ou não dano, só será crime naqueles casos em que causa prejuízo a quem
a ele tem direito.
Assim, por esta via, o primeiro cheque, com data de 5 de Fevereiro é crime nesta nova lei,
Quanto ao segundo cheque não houve prejuízo patrimonial, logo não temos crime, no segundo
cheque não havia ainda prejuízo patrimonial, isto é, à data de vencimento posterior, apesar de o
cheque não ter sido honrado, não tinha ainda direito ao pagamento, sendo apenas uma mera
expectativa jurídica, logo temos uma descriminalização, pelo menos seguindo a teoria do
facto concreto que é a que usamos na nossa jurisprudência.
Seguindo a teoria da continuidade do tipo criminal, apesar do novo tipo legal de
crime ter subsistido, o novo tipo legal não tem nada a ver com o antigo temos a
descriminalização independentemente de tudo, a diferença da teoria do facto concreto é que
nesta só há descriminalização naqueles casos em que causam prejuízo patrimonial.

Pelo assento nº6 de 1993 no nosso ordenamento foi adoptada a seguinte decisão: o
artigo 11º do Decreto-Lei n.º 454/91, não criou um novo tipo legal de crime, e só há
descriminalização em relação aos cheques que não causarem prejuízo patrimonial. A teoria
adoptada pelo nosso ordenamento foi então a do facto concreto. O tribunal fugiu um pouco à
questão porque veio surpreendentemente dizer que tinha que não houve um novo tipo legal de
crime porque a conduta em questão já era crime, pois se o prejuízo sempre foi parte do tipo
legal então está desde logo excluída a teoria de continuidade do tipo legal, não houve
quebra. O supremo acabou por fugir à questão, aplicando na prática no entanto a teoria da
continuidade mas optando pela do facto concreto.

Hipótese X

“Quando Joana passeava na via pública, João apoderou-se da carteira desta, utilizando,
para o efeito, uma arma.

No momento em que o facto foi praticado, vigorava a Lei X, que dispunha o seguinte:
“Pratica um crime de roubo quem se apoderar de coisa alheia, mediante o emprego de uma
arma”.

Aquando do julgamento, a Lei X havia sido substituída pela Lei Z, a qual preceituava:
“Pratica um crime de roubo quem se apoderar de coisa alheia, na via pública”.

Aprecie a eventual responsabilidade penal de João.”

Critério utilizado para saber se estamos perante descriminalização ou sucessão de leis:


Ele apoderou-se do objeto utilizando uma arma e actuando na via pública. De acordo com a
primeira L1 (X), traduzia a prática do crime do roubo a utilização da arma, de acordo com a L2
(Z) a arma deixou de ser elemento do roubo e passou a ser antes a atuação da via pública que
não era ao abrigo da lei x. Em primeiro lugar tenho de ver se alguma situação de
descriminização. Elemento: lei x é o meio, na lei z é o local.

Para sabermos se há ou não descriminalização temos que adotar uma metodologia,


partir do facto concreto saber se esta prática, à luz da lei nova, continua a ser subsumível a um
tipo de crime48. Facto: Apropriação de coisa usando arma na via pública.

Esta conduta é subsumível à LX e é também subsumível à LZ, porque o facto está previsto
como crime nestas duas leis.Concluindo, de acordo com a teoria do facto concreto temos uma
sucessão de leis. Porém, esta não é a única teoria, há que ver a teoria da continuidade
normativa típica que parte da teoria do facto concreto, tem sempre que começar pelo facto
concreto, é esse o método de análise do caso, não vamos logo à resolução do caso porque pode
correr tudo mal. Primeiro subsumimos o facto concreto às duas leis, pela teoria do facto
concreto não temos descriminalização. Todavia poderemos ter de acordo com a teoria da
continuidade normativa que vem dizer que mesmo quando o facto concreto continua a ser
crime perante nova lei, podemos ter uma quebra da continuidade normativa típica que
justifica ainda assim que se defenda, em sentido contrário à teoria do facto concreto, que
estamos perante descriminalização (se a continuidade é quebrada).

Esta quebra dá-se quando há uma alteração do bem jurídico protegido ou da


natureza do crime, ou quando a nova lei tem elementos que não constavam da lei
anterior, os elementos que constavam da lei anterior já não constam da lei nova, que é
precisamente esta a hipótese.

Aqui ao puni-lo pela LZ algo nos chama a atenção para o princípio da proibição da
aplicação retroactiva: ele está a ser punido por ter atuado na via pública, quando de acordo com
a lei que estava em vigor no momento da prática do facto o facto de ser na via pública não
consubstancia a prática daquele crime. Está a aplicar retroativamente esta LZ que não vigorava
no momento da prática do facto. Estamos a configurar a responsabilidade dele de acordo com
um elemento que não constava em tribunal de momento em que ele atuou, pois no momento em
que atuou o crime era atuar utilizando uma arma.
Ainda que a pena de acordo com a LZ seja mais leve, se nós virmos aqui a teoria da
continuidade normativa típica o que vai acontecer ao agente? Há uma descriminalização e o
agente ficaria impune. O principal objectivo do agente é nem ser punido, não é uma pena mais
leve. Para ele ser punido com a pena mais leve temos que prossupor que há uma sucessão de
leis.

Por isso por uma teoria teríamos sucessão de leis pela a outra teríamos
descriminalização.

Qual é a teoria mais correcta? O CP aponta mais para a teoria do facto concreto, se
for para beneficiar o agente podemos fazer interpretação extensiva, só não podemos usar a
analogia para qualificar certo facto como crime, não é proibida para excluir a ilicitude.

48 facto típico, ilícito e culposo


Hipótese XI

“Pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Novembro, foi aprovado o Regime Jurídico das
Infracções Fiscais não Aduaneiras. Dispunham os seus arts. 2.º e 5.º:

«Artigo 2º (Início da eficácia temporal)

As normas, ainda que de natureza processual, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não
Aduaneiras só se aplicam a factos praticados posteriormente à entrada em vigor do
presente diploma.

Artigo 5º (Âmbito da revogação)

2.- Mantêm-se em vigor as normas de direito contravencional anterior até que haja decisão,
com trânsito em julgado, sobre as transgressões praticadas até à data da entrada em vigor
do presente diploma.»

António praticou determinado crime fiscal em data anterior à entrada em vigor do referido
diploma legal, o qual, contudo, já está em vigor na data em que tem lugar o seu julgamento.
Sucede que o regime introduzido pelo referido diploma é, em concreto, mais favorável do
que aquele que vigorava na data da prática dos factos imputados a António.

Como deve decidir o juiz?´”

A L1 previa os factos praticados como crime. O novo DL transforma o crime em contra-


ordenação. Sucessão de leis. Que interpretação fazer ao artigo 29º nº4 CRP nestes casos? Quando
falamos em multa qual é o critério prático de distinção entre o direito penal e o direito de
ordenação social? Como é que sabemos se um determinado tipo legal prevê crime ou prevê
contra-ordenação? Consoante a sanção, pelo critério formal porque depois a consequência
nomeadamente para o regime de conhecimento da infração são completamente distintos.

Se a sanção é pena de prisão ou multa o tipo legal é o crime, se a sanção é uma coima
temos o tipo legal de contra-ordenação e estamos no âmbito do direito de mera ordenação
social.

De acordo com a L1 o facto é punível com uma pena de multa, portanto ele incluía-se no
direito penal, embora o nome na infração não fosse crime, mas antes “transgressão ou
contravenção”. Isto porque de acordo com o CP 1886 as infrações menos graves estando
incluídas no direito penal, mas que tinham um nome diferente de crime eram as transgressões
ou contravenções, mas ela traduzia a prática do ilícito criminal.
A grande diferença de ordem prática em termos de ter natureza criminal e que
esteve exatamente na origem da suspeição do legislador em 1982 ao ter criado um novo
ramo de direito de forma a que nele fossem incluídas estas infrações em massa, que antigamente
estavam dentro do direito penal e que deixaram de estar, que passaram para este novo direito
que é o ramo do direito sancionatório público administrativo, já não é direito penal.

Se for ilícito criminal só pode aplicar o tribunal (princípio da jurisdicionalidade), se for


ilícito de outra natureza já não há a reserva da função jurisdicional. Foi precisamente isso que
fez o legislador, a competência para o conhecimento das contra-ordenações é da administração
pública e não dos tribunais. 49
O que aconteceu foi que durante a vigência Código 1886 estas infrações em massa
tinham natureza penal e de ser resolvidas pelo tribunal. Portanto de acordo com a lei em vigor
no momento da prática do facto a infração tinha natureza criminal, de acordo com a lei no
momento do julgamento a lei tinha de natureza contra-ordenacional. Se há uma contra-
ordenação de acordo com a L2 o agente vai ficar impune. A L1 é revogada há uma
descriminalização, logo já não se pode aplicar. Questão da constitucionalidade: artigo 29º
vale também para contra-ordenações, ou seja, é proibida a aplicação retroactiva.

O STJ respondeu com uma solução para evitar que todos os casos fossem ser
arquivados deixando todos impunes, logo vem dizer que apesar do antigo código ter sido
revogado e o novo prever os factos como contra-ordenações, a verdade é que é uma lei
especial e na sua falha aplica-se a penal.
No caso:

1) Condução sem carta: Nada há a fazer porque deixa de ser crime para ser agora contra-
ordenação e o facto não é subsumível ao código penal. Ou seja, A L1 não pode aplicar
porque há descriminalização, a L2 não pode aplicar porque prevê o facto como contra-
ordenação e isto traduziria uma aplicação retroativa que não é permitida, nem pelo
decreto de lei 433/82-Regime Geral das Contraordenações, nem pelo estatuído no
art 29º nº1 e nº4 CRP que também será aplicado às contra-ordenações.

2) Morte por negligência e fuga do local do acidente: Em relação a estas condutas, o STJ diz
que a lei especial é revogada mas estes factos são subsumíveis à lei geral, que é o Código
Penal, e como o homicídio por negligência e a omissão de auxílio são considerados
crimes ele será punido por esta via. Em relação a estas infrações temos uma sucessão de
leis, o facto continua a ser crime, embora por força de lei diferente.

Na revogação da lei especial, para a esse facto ser aplicada uma nova lei que não era no
momento aplicada, mas é a lei geral que qualifica o mesmo como ilícito criminal, portanto temos
uma sucessão de leis.
Os factos que deixaram de ser crime passaram para contra-ordenação, em relação a isto
temos uma descriminalização. Os factos que eram crime previsto pelo código da estrada,
passaram a ser crime previsto do código penal, aí como há uma contiguidade da ilicitude penal
temos uma sucessão de leis.

Em matéria fiscal o legislador é muito cioso das infrações, porque quer arrecadar o
dinheiro, como é óbvio. O que é que fez com este regime geral de infrações fiscais quanto à
natureza das infrações ou de algumas das infrações, antes do regime transitório? Anteriormente
as infrações tinham natureza criminal, de acordo com a L2 passaram a ter natureza contra-
ordenacional. Se o legislador nada fizer o que vai acontecer às infrações praticadas ao abrigo da
lei anterior? São descriminalizadas e não se pode aplicar depois a nova lei.

A solução que se adoptou foi a patente do artigo 5º, regime transitório, no decreto
que aprovou o novo artigo geral, e diz que se mantêm em vigor as normas de direito
anterior até que haja uma nova decisão. Quer-se assim afastar a regra da proibição da

49Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária é quem que determina todo esse processo por a regras o
código da estrada e quem diz e aplica a sanção. Se o arguido não impugnar em tribunal fica desde logo
condenado por decisão definitiva e susceptível de execução
retroactividade visto que a lei implica uma descriminalização. A ideia é dizer que o facto
continua a ser punível a título de infração criminal, isto mantem-se em vigor até que haja
decisão em relação a todas as infrações praticadas até a data em vigor deste diploma, quanto às
praticadas em data posterior à entrada do novo diploma já podiam ser punidas a título de
contra-ordenação.
Há ou não aqui um problema com esta norma transitória? Esta norma tem valor de
lei e vem afastar o artigo 29º que tem força constitucional, logo padece de
inconstitucionalidade, porque o princípio da aplicação retroativa da lei posterior mais
favorável tem a lei tutela constitucional, portanto o legislador não pode dizer que “o artigo 29º
diz que a lei antiga não se pode aplicar, mas neste caso tem que se aplicar na mesma”..

O que são normas de direito transitório? São normas que disciplinam a aplicação no
tempo das outras normas, isto é, normas de segundo grau, não tem conteúdo criminal próprio,
pretende disciplinar os termos em que se vai aplicar no tempo uma outra norma. Exemplo: Serve
para prevenir casos duvidosos de aplicação no tempo. “Entre em vigor uma nova lei do
arrendamento, o legislador diz que só se aplica a lei aos contratos das datas entre x e y, mas já
não se aplica para z.” Na matéria de direito civil isto não choca com as disposições da CRP, nada
impede, neste caso, esta aplicação retroactiva.

Acórdão 150/94

O acórdão veio declarar a inconstitucionalidade do artigo 5º por violação do artigo 29º


nº4 CRP, na medida em que impedia a aplicação da nova lei mais favorável às infracções fiscais,
visto que o regime geral tinha desgraduado em contra-ordenações (assumindo-se neste acórdão,
que os princípios do artigo 29º CRP valem quer para os crimes quer para as contraordenações).
Portanto o legislador já sabia que tinha aqui o problema ao alterar a natureza do ilícito
de transgressões e contravenções para contra-ordenações, por isso é que o decreto-lei 433/82
institui o regime geral do ilícito do direito das contra-ordenações e não tem parte especial,
ou seja, não tem um único tipo de contra-ordenação, apenas tem parte e tem exposições
processuais, é um “mini código do processo das contraordenações.”

O que é que o legislador tentou numa primeira versão de um diploma que também criava
ilícito de mera ordenação social, mas que não chegou a entrar em vigor? Primeiro ensaiou uma
conversão automática de todas estas transgressões e contravenções em contra-ordenações, mas
recuou porque se o fizesse todos os factos praticados ao abrigo do regime anterior eram
descriminalizados e os agentes ficavam impunes. Daí que isto tenha sido feito paulatinamente a
propósito de cada diploma. Isto estava em vigor há mais de 30 anos, em 2006 o legislador
decidiu dar a estocada final neste regime das transgressões se contravenções.
Nestes diplomas de 2006 que estão referidos no acórdão 221/2007 do Tribunal
Constitucional procedeu-se à conversão de algumas transgressões e contravenções em contra-
ordenações e há uma norma geral que depois converteu todas as outras que aí pudessem haver.
Legislador não sabe todas as infrações que existem, porque estas também podiam ser criadas
por decreto-lei, seria uma perda de tempo converter uma a uma. Se o legislador nada fizesse
haveria uma descriminalização e consequente arquivamento de todos os processos
pendentes.
Surge então uma norma de direito transitório: aplica-se a L2 retroactivamente a
menos que o regime anterior fosse mais favorável.

Isto chega ao TC porque está em causa o artigo 29º CRP e confunde a natureza das
transgressões vs contra-ordenações, ou seja, teríamos aqui uma verdadeira sucessão de leis
e não uma alteração de natureza do ilícito. Quando se diz que as contravenções e as
transgressões praticadas antes da entrada em vigor são sancionadas como contra-ordenações, e
assim afasta-se o princípio da proibição da retroactividade da lei que prevê o facto como contra-
ordenação. Retroativamente é uma contra-ordenação porque a lei em vigor no momento
da prática do facto não previa como contraordenação, previa-o com natureza de crime.
Mas a lei acrescenta “a não ser que o regime anterior seja mais favorável” e então aqui
nesta medida aplica-se uma lei que já não está em vigor porque houve uma descriminalização.
Esta questão foi então submetida à apreciação do Tribunal Constitucional, invocando-se que esta
norma de direito transitório violava o artigo 29º nº1 e nº4 CRP que determina a proibição
retroativa, entendendo-se que esta proibição de aplicação retroativa vale para os crimes e
contraordenações.

Hipótese XII50

“1. António é acusado, em Outubro de 2006, da prática de um facto punível com uma multa
de 40 €, a título de transgressão rodoviária, prevista no Código da Estrada em vigor na
altura da prática do facto. Sucede, porém, que, por força da Lei X, de Junho de 2007, todas as
transgressões rodoviárias vêm a ser transformadas em contraordenações. Quid iuris.

(Acórdão do S.T.J., de 01/05/95, proc. Nº 047080)

2. Suponha agora que a Lei X tinha uma disposição com o seguinte teor: «Regime transitório
1 - As contravenções e transgressões praticadas antes da data da entrada em vigor da
presente lei são sancionadas como contra-ordenações, sem prejuízo da aplicação do regime
que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida
das sanções aplicáveis. 2 - Os processos por factos praticados antes da data da entrada em
vigor da presente lei pendentes em tribunal nessa data continuam a correr os seus termos
perante os tribunais em que se encontrem, sendo-lhes aplicável, até ao trânsito em julgado
da decisão que lhes ponha termo, a legislação processual relativa às contravenções e
transgressões.» A sua resposta é a mesma?”

Esta lei transitória vem permitir a aplicação retroativa de uma contraordenação.


Tribunal declarou a inconstitucionalidade? Ponto 9 do acórdão, Tribunal não considerou
inconstitucional (ao contrário daquilo que tinha sido considerado no Tribunal de primeira

50 Ler conjuntamente com a hipótese anterior.


instância). Não é fácil perceber a fundamentação do Tribunal Constitucional, sendo que o
Tribunal Constitucional considera que não há uma descriminalização, mas será que isto
implica uma sucessão de leis?
Quando dizemos sucessão de leis é de forma abreviada, porque o queremos dizer é
sucessão de leis penais, se continuar a ser ilícito mas não for uma ilicitude penal e sim
laboral, não podemos falar numa sucessão de leis.
O Tribunal decide por isso em sentido totalmente contrário à jurisprudência até
aí. Isto levanta consequências graves para o futuro, especialmente se houver uma
transformação futura de uma contra-ordenação em crime. Para o Professor Henrique
Salinas nunca poderá existir uma lei transitória que venha permitir a aplicação da L2, que
estabeleça um crime, retroativamente, o que significa que o problema ficou apenas parcialmente
resolvido.

Em Direito Penal são permitidas normas de direito transitório? A Lei transitória


pretende determinar em que termos é que ela se aplica no tempo, e aqui temos de considerar o
princípio da irretroatividade e o principio da retroatividade da lei mais favorável, logo, das duas
uma, ou elas existem mas no fundo vêm dizer o que já existe na CRP e portanto podem existir
mas são inúteis, ou então vêm dizer algo diferente do que nos é dito na CRP e aí são
inconstitucionais.

Hipótese XIII

“António é julgado e condenado pela prática de um determinado crime público, a uma pena
de prisão efectiva de 2 anos. Durante o processo, o ofendido juntou aos autos um documento
pelo qual declarou que desistia da queixa, mas esta desistência não foi homologada, em
virtude de o crime não ter natureza semi-pública. Sucede que, 6 meses depois de a sentença
transitar em julgado, em Janeiro de 2006, entra em vigor uma nova redacção do CP, nos
termos da qual o crime pelo qual António foi condenado passou a ter natureza semi-pública.
Poderá António beneficiar da aplicação desta nova lei, nos termos da redacção do Código
Penal em vigor em 2006? Em que termos?

(Ac. do S.T.J, de 10.07.1984, B.M.J., n.º 339, pp. 353 e segs.; Acs. do Tribunal Constitucional n.º
644/98, 677/98 e 169/02, www.tribunalconstitucional.pt)”

Na primeira lei, o crime era público, e de acordo com a segunda lei o crime é semi-
público.
Aqui importa distinguir entre crime semi-publico, em que a legitimidade do
Ministério Público está dependente da queixa da vitima, e crimes públicos, em que não há
qualquer limite à legitimidade do Ministério Público para instaurar um processo, não importa a
vontade da vítima.
Se ainda não houver sentença transitada em julgado, não há dúvida de que a
vitima podia vir afastar a queixa e assim o processo era arquivado, porém, se já tiver
existido sentença transitada em julgado a queixa da vitima não teria importância.
No primeiro acórdão, do Tribunal Constitucional, seguindo uma linha de raciocínio
mais tradicional, considera-se que se excetua a aplicação da lei posterior mais favorável quando
haja condenação por sentença transitada em julgado. Porém, a discussão aqui está no facto do
artigo 29º nº5 CRP. No voto de vencido é considerado inconstitucional porque o principio da
sentença transitada em julgado encontra-se previsto no artigo 29º CRP e o seu fundamento não
é a segurança jurídica mas sim a tutela do agente, e assim sendo, ele deve ter a opção de
poder escolher se quer ser deixado em paz ou se pode querer que o seu caso seja reapreciado. A
questão suscitou muita polémica, e entretanto entrou em vigor a nova redação do código penal,
que nos diz que hoje em dia se permite a aplicação da lei mais favorável se houver um
efeito material.

Hipótese XIV

“1. Armando é condenado em 1ª instância, em Março de 2006, a uma pena concreta de 6


anos de prisão, pela prática do crime de ofensa à integridade física grave (artigo 144º, do
CP). A sentença transita em julgado em Abril de 2007. Em Junho de 2007, surge uma nova
lei que determina novas regras de determinação da medida concreta da pena que, se
aplicadas à situação jurídico-penal de António, determinariam a condenação do mesmo
numa pena concreta de 4 anos de prisão. Tendo isso em conta, Armando quer que se lhe
aplique a nova lei. Quid iuris?

(Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 164/2008 e n.º 265/2008 )

2. Maria é condenada, com sentença transitada em julgado, em Março de 2004, a uma pena
concreta de 4 anos de prisão, pela prática do crime de infanticídio (artigo 136º, do CP).
Acontece que, em Fevereiro de 2008, surge uma nova lei que procede a diversas alterações
ao Código Penal, entre as quais, estabelece que a punição pela prática do crime de
infanticídio deve corresponder a uma “pena de prisão de um a três anos”. Maria quer que se
lhe aplique a nova lei, sendo que já cumpriu 3 anos e dois meses de prisão.

Quid iuris?

3. Bernardo é condenado em 1ª instância, em Abril de 2006, a uma pena concreta de 3 anos


e 6 meses de prisão, pela prática do crime de violência doméstica (artigo 152º, do CP). A
sentença transita em julgado em Outubro do mesmo ano. Em Setembro de 2007, surge uma
nova lei que permite a suspensão da execução de penas de prisão não superiores a 5 anos,
enquanto que a lei anterior só o permitia se a pena não fosse superior a 3 anos. Bernardo
está convencido de que se verificam os pressupostos da suspensão de execução da pena de
prisão a que foi condenado, mas a verdade é que, como a lei anterior não o permitia, não foi
produzida prova, na audiência de julgamento, destinada a demonstrar a verificação dos
mesmos pressupostos, pelo que este terá de invocar e provar factos novos que nunca foram
discutidos em julgamento. Tendo isso em conta, Bernardo pretende que se proceda à
reabertura da audiência de julgamento para que possa produzir prova relativamente a
esses novos factos, de modo a que a pena a que foi condenado seja suspensa. Quid iuris.
(Ac. Tribunal Constitucional nº 265/2008 e Ac. do STJ n.º 15/2009)”

Primeiro Ponto

A partir da 2007, com a alteração do código penal, nomeadamente na redação do artigo


2º nº4 CP, permite-se a reabertura da sentença para que lhe seja aplicada a lei posterior de
caráter mais favorável. Qual a diferença entre a redação anterior e a redação atual do artigo 2º
nº 4 CP? Primeira grande alteração traduz-se numa supressão, a ressalva do caso julgado
despareceu da atual redacção. Acrescenta-se na parte final do referido artigo que, neste caso, só
era aplicada se a nova lei baixasse o limite máximo para 4 anos e ele já tivesse cumprido 5 anos,
já cumpriu mais do que alguma iria cumprir com a aplicação da nova lei. Mas neste caso em
análise isso não acontece.

Assim sendo, como é que pode beneficiar da aplicação da nova lei? Temos de recorrer ao
artigo 371º-A CPP exigindo a reabertura da audiência do julgamento para que o Tribunal possa
proferir uma nova sentença. É importante haver uma nova sentença, pois o diretor da prisão não
o deixa sair enquanto não houver uma nova sentença que afaste a anterior.
Isto não viola o artigo 29º nº5 CRP pois como já vimos o que está em causa é garantir a
paz juridica do individuo, é uma garantia individual, que pode ser renunciada por sua vontade.

Segundo Ponto

Ela foi condenada numa pena de 3 anos e 2 meses, e entretanto entra em vigor uma lei
cuja pena máxima é de ano e uns meses. A nova lei vai-lhe ser aplicada pois já cumpriu a pena
máxima da nova lei e vai ser simplesmente colocada em liberdade.

Terceiro ponto

L1 – pena aplicável é de 1 a 5 anos, pena concreta é de 3 anos e 6 meses, mas permite


suspensão até 3 anos apenas. L2 - pena aplicável é de 1 a 5 anos, pena concreta é de 3 anos e 6
meses, mas permite suspensão até 5 anos

Pode aplicar-se a lei nova, sendo que isto interessa a quem tenha uma pena de prisão até
5 anos. Pode haver produção de prova para provar que estão verificadas as condições de
suspensão da pena nos termos da nova lei? Sim, pois sem essa prova o Tribunal não pode
aplicar a nova lei.
Mas será que pode abrir a reabertura de audiência para provar a inocência? Isso já não,
pois a única função desta reabertura de audiência é reapreciar a sentença à luz da nova lei.

Ou seja, deve ser permitida a produção de prova na estrita medida do necessário


para que possa ser aplicada a nova lei.

Outra hipótese que já referimos na parte teórica deste caderno: alteração do


artigo 50º CP. Antes a pena de prisão podia ser 3 anos mas suspensa por 5, e de acordo com o
artigo 50º nº5 CP atual, a pena de 3 anos vai ficar suspensa apenas durante 3 anos, nunca pode
ser suspensa por mais tempo do que a pena concreta. Imagine-se uma pessoa que de acordo com
a L1 foi condenado a 3 anos com pensa suspensa de 5, e a L2 prevê uma pena de 3 anos com
pena suspensa de 3 anos.
Para que lhe seja aplicável a L2 tem de se requerer a reabertura de audiênca? Esta
alteração resulta da própria lei, mas a verdade é que a única hipótese em que o legislador prevê
a desnecessidade de reabertura de audiência é no caso expressamente previsto no artigo
2º nº4 parte final CP. Mas será que se pode aplicar por analogia o referido artigo? Pode-se
dispensar por essa via a reabertura de audiência? Aqui a questão fica em aberto, mas o
Professor Henrique Salinas admite que não haja sequer reabertura de audiência51.

Hipótese XVI

“António foi acusado pelo Ministério Público da prática de determinado crime. De acordo
com a Lei em vigor no momento da prática dos factos, o prazo de prescrição era de 5 anos.
Sucede que, em virtude de uma alteração que entrou em vigor na pendência do processo,
esta prazo foi encurtado para 2 anos. Se for aplicável a nova Lei, o prazo de prescrição já
decorreu, enquanto que, por aplicação da Lei anterior, o mesmo prazo ainda não foi
ultrapassado. Qual das duas leis deve o juiz do julgamento aplicar?

Suponha agora que, nos termos da Lei em vigor no momento da prática do facto, o prazo de
prescrição já decorreu. Porém, entrou em vigor uma nova Lei que aumentou esse mesmo
prazo, o qual ainda não decorreu quando o juiz vai proferir sentença. Qual das duas leis
deve o juiz de julgamento aplicar?

(Assento de 19 de Novembro de 1975, D.R., I.ª-Série A, de 17.12.1975)”

A L1 dá um prazo de prescrição 5 anos e L2 prazo de prescrição 2 anos e consta da


hipótese que se for aplicada a L1 ainda não decorreu o prazo de prescrição mas ao aplicar a L2
já. Qual das duas leis vai ser aplicada pelo juiz? A vai ser julgado quando já entrou em vigor a L2.
L2 porque é a mais favorável e com fundamento em que Artigo? Artigo 2º/4 CP
Alterando a hipótese: L1 2 anos e L2 5 anos e a aplicar a L1 ja prescreveu e a L2 não e é
julgado depois da entrada em vigor da L2. Aplica-se a L1 porque a L2 não se pode aplicar se não
é mais favorável.

Poder-se-ia colocar a questão de saber se as matérias não teriam natureza processual


e não substantiva e isto e importante porque tendo natureza processual as normas de
aplicação da lei no tempo estariam no âmbito do direito processual e não penal e em
matéria processual a regra e a da aplicação imediata da nova lei, isto resulta do artigo 5º
CPP.
Quando entre em vigor uma nova lei essa aplica-se imediatamente, a todas as decisões e

51Se bem que o STJ considera que, por questões de segurança jurídica, é melhor recorrer à reabertura de
audiência
processos pendentes que têm por objecto factos ocorridos no passado portanto a lei processual
aplica-se retroactivamente, não viola o artigo 29º.

Portanto quando falamos em legislação processual não se prevê factos como crimes mas
as antes as regras que o tribunal deve seguir para ser se foi ou não praticado um facto, medida
da sanção. Daí que não haja problema no artigo 5º CPP.

Esta norma seria processual ou penal? Pela aplicação da regra da aplicação imediata da
nova lei prevista no artigo 5º do CPP poderíamos concluir que seria aplicável a L2 porque esta se
aplicaria imediatamente mas como se sabe para resolver este problema a doutrina e
jurisprudência criaram a categoria das normas processuais-materiais ou de natureza
mista para que a consequência dessa qualificação se apliquem as regras nos eu respeita à
aplicação da lei no tempo do Código penal e não do CPP. Todo o que é direito de queixa, prazo de
prescrição do processo criminal são então normas mistas. Prevalece o efeito substantivo para
efeitos da salvaguarda do agente e isto porque sabendo o legislador que o facto praticado
pelo A está quase a prescrever publicava uma nova lei com um novo facto de prescrição e
frustava as expectativas de A porque a ser processual aplicar-se-ia imediatamente. Se
fosse uma norma que diz se o arguido pode ou não recorrer: claro que é meramente processual
porque não intenta contra a determinação da prática como crime. Decorrido o prazo de
prescrição extingue-se a responsabilidade criminal do agente portanto aqui já se interfere com a
responsabilidade criminal do agente portanto aqui existe uma vertente substantiva e penal e
portanto aplicam-se as regras penais substantivas.

Imaginando que acontece o caso depois de transitada em julgado a sentença


condenatória: quando já esta a cumprir uma pena, por exemplo 3 anos, já cumpriu 6 meses e aí
entra em vigor a L2 que determina que já teria prescrito a responsabilidade criminal e
portanto pode esta lei ser aplicada retroactivamente? Sim, valem as regras de direito
substantivo, ainda que tinha havido decisão transitada em julgado mas em que termos pode
aplicar-se? Com toda a probabilidade será colocado em liberdade portanto poderia sempre pedir
a reabertura da audiência de julgamento e o objecto dessa reabertura é penas tornar possível a
aplicação da nova lei, não se repete o primeiro julgamento apenas se verifica se a lei é ou não
mais favorável mas é aqui necessária a reabertura da audiência? Não porque o juiz olha para a
sentença e sabe desde logo que é mais favorável sem necessidade de prova. Aliás até se pode
entender isto uma hipótese de descriminalização como faz Henrique Salinas.

Hipótese XVII

“António, co-gerente da filial de Lisboa da empresa multinacional de cosmética, Beauty, com


sede em Singapura, é convidado pelo conselho de administração da empresa mãe, para ir
trabalhar para Singapura, a fim de chefiar o departamento de imagem e marketing da
referida Beauty. António aceita de imediato o convite, pois, para além do maior prestígio
inerente às novas funções, o cargo em questão proporciona-lhe um aumento salarial na
ordem dos 90%. José, o outro co-gerente da filial de Lisboa, que sempre teve pretensões ao
lugar, ao saber da promoção de António, fica indignado. Resolve, então actuar em prol dos
seus interesses. Para o efeito, telefona a Chuan Man, um mercenário tailandês residente em
Singapura, e oferece-lhe 20.000€ em troca da prestação de um “serviço”. Concretamente
Chuan Man deveria, quando António já estivesse em Singapura, danificar a direcção do
carro deste, de forma a causar um acidente mortal. O tailandês não hesita e celebra o
negócio com José. Chuan Man, conforme o combinado, mal António se instala em terras do
oriente, quebra a coluna de direcção do carro deste. Assim que António começa a guiar, não
consegue manter a direcção do carro e despista-se. A morte foi imediata. Quid iuris?”

As normas do CP são supletivas e portanto apenas de aplicam no caso de leis


internacionais não regularem.
Estamos perante um caso com uma multiplicidade de ordenamentos jurídicos, um facto
plurilocalizado: a morte ocorre em Singapura mas quem morre é um Português que é morto
por um Tailandês.
Primeiro passo nestas hipóteses é ver se aplicamos o princípio geral: Princípio da
Territorialidade: aplica-se a lei penal portuguesa a factos praticados no ordenamento português
artigo 4º CP. Mas deve ter-se em conta o artigo 7º CP que determina o local da prática do facto.
Por intuição diríamos que seria em Singapura mas o artigo 7º determina-se se assim é.

Estamos perante um caso de comparticipação porque José pede para matar A. Nos
casos de comparticipação diz o artigo 7º que onde o agente atuou sob qualquer forma de
comparticipação e aqui o José é comparticipante (instigador) e atuou desde de Portugal. A
primeira consequência de o instigador ter atuado em Portugal é que local da prática do facto é
Portugal e em segundo lugar diz-se aplicar-se a lei penal portuguesa pelo princípio da
territorialidade. Temos por isso uma aplicação da lei portuguesa e na lei portuguesa
homicídio é crime como já sabemos.

Se não se aplicasse por força do principio da territorialidade mas por força de outro
princípio havia diferença na prática? Sim. Um princípio exclui o outro porque se a lei penal
portuguesa for aplicada pelo princípio da territorialidade não se aplicam as restrições do
artigo 6º, que são só previstas para os restantes princípios que estão positivados no nosso
ordenamento no artigo 5º do CP. Isto é uma diferença de regime, não é indiferente.
Temos sempre que definir qual o princípio. Se José tivesse feito o telefonema em
Espanha neste caso a lei penal portuguesa era aplicável? Pelo princípio da territorialidade não
porque o facto foi praticado em Espanha, o instigador atou em Espanha e o outro em Singapura
mas aplica-se a lei penal portuguesa? Sim, agora neste cenário pelo princípio da nacionalidade
desde que o agente viva em Portugal, aqui seja encontrado e não possa ser extraditado. Se
José se muda para Hong Kong não funciona a territorialidade e a nacionalidade não se aplica
também.

Fundamental é começar a resposta sempre pelo artigo 7º.

1) Se concluirmos que a lei penal portuguesa é aplicável pelo princípio da


territorialidade a resposta está terminada, não é preciso dizer que por outra
forma também se podia concluir pelo princípio da nacionalidade.

2) Se concluirmos que não se aplica o princípio da territorialidade passamos então ao


artigo 5º

3) Posteriormente se concluir que se aplica o 5º vemos se se aplicam alguma das


excepções do 6º.
Hipótese XVIII

“Carlos, residente na Suíça, resolveu envenenar o seu tio António, emigrante em Caracas,
com o intuito de herdar a fortuna pessoal deste último. Para o efeito, tendo comprado uns
magníficos bombons suíços, recheou-os de “mataratos” e enviou-os pelo correio para o seu
tio. Este, mal acabou de comer o primeiro bombom, teve morte imediata. Na posse da
excelente herança do tio António, Carlos decidiu regressar a Portugal a fim de comprar uma
sumptuosa “mansão”.

a) Será a Lei Penal portuguesa aplicável?

b) Imagine que Carlos já fora punido na Suíça por Homicídio Qualificado com uma pena de
18 anos de prisão, embora tenha conseguido evadir-se ao fim de 5 anos de prisão. Quid
iuris?

c) Suponha que aquele homicídio qualificado seria punido, segundo a Lei Penal
Venezuelana, com uma pena de 10 anos de prisão e, pela Lei Penal Suíça, com uma pena de
18 anos de prisão. Qual seria a Lei aplicável?”

a) Problema de aplicação da lei no espaço. artigo 4º e artigo 7º CP, este facto não se
considera praticado em Portugal não se pode invocar o principio da territorialidade mas que
força do artigo 7º o Português atua na Suíça e na Venezuela, pois o facto é praticado na Suíça e
produz o seu efeito típico na Venezuela.

Não aplicamos por isso a lei penal portuguesa? Aplicamos, há outros princípios que
levam à aplicação da lei portuguesa fora do território nacional, como o Princípio da
Nacionalidade: artigo 5º nº1 e) CP Facto foi praticado por um cidadão português e o agente foi
encontrado em território português, por isso temos o princípio a ser aplicável na sua faceta
ativa: factos praticado por portugueses no estrangeiro mas há requisitos que estão na própria
e) é preciso que o agente seja encontrado em Portugal, tenha sido cá encontrado, que o facto seja
crime para os dois países (homicídio sê-lo-á à partida) e que o artigo 33º CRP e lei da
cooperação judiciária internacional que prevêem que o cidadão possa ser extraditado
não o possa ser.

b) Por força do princípio ne bis in idem, o agente não pode ser julgado mais do que uma
vez pela prática do mesmo facto. Mas a lei penal portuguesa só não se aplica se tiver sido julgado
e condenado, e tiver cumprido a pena até ao fim. Isto pois lei penal portuguesa aplica-se em
bloco e não em partes, e por isso nestes casos de aplicação fora do território não é excepção que
se apliquem os vários preceitos e princípios da nossa lei penal impedido o duplo julgamento
sobre os mesmos factos como consta do artigo 29º nº5.
Assim sendo, Portugal não pode julgar uma segunda vez, mas podemos aplicar o artigo
82º nº1 a jurisprudência vê este artigo como uma inspiração para estes casos, ou seja, se os
tribunais portugueses considerarem o julgamento como um verdadeiro julgamento, tem de ser
transitado em julgado. Se assim não for, a pena a que a pessoa foi condenada é tida em conta
para a devida adaptação do regime jurídico português. Se já cumpriu parte da pena, o tribunal
português tem a pessoa como condenada e adapta a pena, consoante a pena que já cumpriu,
promove-se uma adaptação da pena ao regime português que lhe seria aplicado, com o desconto
do que já foi cumprido

c) O artigo 6º literalmente vem dizer que quando a lei penal portuguesa é aplicável a
factos praticados no estrangeiro, pode ter lugar a uma restrição que é prevista no nº2, o facto
ter julgado segundo a lei no país em que tiver sido praticado sempre que esta seja
concretamente mais favorável ao agente. Nós sabemos de acordo com a lei suíça, a pena de
prisão é de 18 anos, de acordo com a lei venezuelana a pena de prisão é de 10 anos. Há aqui uma
certa dúvida que resulta da interpretação do nº2, qual é essa dúvida? Quando diz que é aplicável
“a lei estrangeira se for mais favorável”, mas qual lei estrangeira? A lei do país onde o facto tiver
sido praticado.
Ora, qual é o problema que aqui nós temos? Temos o critério sobre o lugar da prática do
facto, está no artigo 7º. A questão é de saber se este critério também é aplicável para efeitos de
interpretação do artigo 6º, ou se apenas é aplicável para aqueles casos em que estamos a
considerar se o facto for praticado em território nacional para efeitos de concluirmos que a lei
penal portuguesa é aplicável por força do princípio da territorialidade. É que se nós utilizarmos
este conceito para interpretar o artigo 6º nº2, onde é que esse facto considera praticado nesta
hipótese concreta? Na Venezuela e na Suíça, porque o agente atou na Suíça, o resultado típico
produziu-se na Venezuela. Se nós aplicarmos este critério, temos que o facto considera-se
praticado tanto na Suíça como na Venezuela, e isso permite-nos aplicar a lei mais favorável, ou
suíça ou venezuelana, consoante aquela que vier a prever, a estabelecer uma pena mais leve,
mais favorável para esse mesmo facto?
O professor Henrique Salinas acha que não há outro críterio, portanto neste caso, temos
que, há uma certa abertura do direito penal, daquela perspectiva estritamente unilateral, ou seja,
em que o que interessa é só Portugal. Passando numa perspectiva mais multilateral, já estamos
aqui a admitir que o facto pode ter sido praticado ou na Suíça ou na Venezuela para efeitos de
saber se qual das leis é mais favorável. Há uma abertura a esta perspectiva mais multilateral,
já não estamos preocupados só em aplicar a lei penal portuguesa, nestes casos, também o
tribunal pode julgar mediante aplicação de uma penal estrangeira.52 Só aí é que Portugal abra
mão nesta perspectiva unilateral, e admite aplicação da lei penal estrangeira. Os tribunais
portugueses julguem por aplicação de uma lei penal estrangeira, é este caso excepcional
no artigo 6º nº2. Cujo objectivo é multilateral, portanto, temos que aplicar o nosso conceito a
esta mesma perspectiva multilateral.

52 Nestes casos, ou seja, apenas se o facto tiver sido praticado fora do território nacional.
Índice
Introdução ............................................................................................................................................................ 1
Conceito e Âmbito .........................................................................................................................................................1
Noção .............................................................................................................................................................................1
Tipo Legal de Crime .................................................................................................................................................1
Âmbito...........................................................................................................................................................................2
Ius Puniendi e as suas limitações ........................................................................................................................3
Autonomia do Direito Penal .....................................................................................................................................4
Código Penal ....................................................................................................................................................................5
Os Fins do Direito Penal e das Sanções Penais ............................................................................................ 6
Fins do Direito Penal....................................................................................................................................................7
A Retribuição ..............................................................................................................................................................7
Prevenção especial...................................................................................................................................................7
Prevenção geral .........................................................................................................................................................8
Outros............................................................................................................................................................................9
Fins das Penas ............................................................................................................................................................. 10
Artigo 40º ................................................................................................................................................................. 11
Medidas de Segurança e seus fins ....................................................................................................................... 12
Os Princípios Fundamentais do Direito Penal .......................................................................................... 14
Princípio da Proporcionalidade e da Subsidiariedade ............................................................................... 14
Princípio da Fragmentariedade ........................................................................................................................... 15
Exceção ...................................................................................................................................................................... 15
Princípio da Legalidade ........................................................................................................................................... 16
Princípio da Juriscionalidade ................................................................................................................................ 16
Princípio da Culpabilidade ..................................................................................................................................... 17
Princípio da Humanidade das Penas .................................................................................................................. 17
O Direito Penal e os Outros Ramos de Direito .......................................................................................... 18
Direito Constitucional .............................................................................................................................................. 18
Direito Disciplinar...................................................................................................................................................... 19
Direito Civil ................................................................................................................................................................... 20
Ilícito de mera ordenação social .......................................................................................................................... 22
Estrutura e Funções das Normas Penais .............................................................................................. 23
Situações de Conflitos de Leis ............................................................................................................................... 23
Estrutura, conteúdo e significado, autonomia e formulação da norma Penal .................................. 24
Conceito de Norma Penal ................................................................................................................................... 24
Os Tipos Legais de Crime ................................................................................................................................... 24
Crimes de forma livre e crimes de forma titulada ................................................................................... 25
Princípio da Legalidade Amplamente Visto ........................................................................................ 26
Enquadramento Histórico ...................................................................................................................................... 26
Princípio da Irretroatividade das Leis Penais ................................................................................................ 28
Normas Positivas e Irretroatividade ............................................................................................................. 29
No Código Penal ..................................................................................................................................................... 31
Aplicação retroactiva da lei posterior de conteúdo mais favorável ...................................................... 34
Descriminalização ................................................................................................................................................. 34
Sucessão de Leis em Sentido Estrito ............................................................................................................. 36
Problema do Crime que passa a Contra-Ordenação ............................................................................... 41
Outras Considerações ............................................................................................................................................... 43
Ordem da gravidade das penas ....................................................................................................................... 43
A Lei Penal Interpretativa .................................................................................................................................. 43
A analogia no Direito Penal ............................................................................................................................... 44
Interpretação Extensiva ..................................................................................................................................... 45
Leis Processuais Materiais ..................................................................................................................................... 45
Leis intermédias ......................................................................................................................................................... 46
Leis temporárias ......................................................................................................................................................... 46
Aplicação da Lei Penal no Espaço ............................................................................................................ 47
Direito Internacional Penal vs. Direito Penal Internacional..................................................................... 48
Princípios....................................................................................................................................................................... 48
Princípio da Territorialidade ............................................................................................................................ 49
Princípios: Aplicação extraterritorial da lei penal portuguesa 5º CP .............................................. 51
Restrições à aplicação extraterritorial da lei penal portuguesa, artigo 6º CP .............................. 53
Hipóteses Práticas ........................................................................................................................................ 54
Hipótese I....................................................................................................................................................................... 54
Defesa da constitucionalidade no acórdão de 2012 ............................................................................... 54
Defesa da Inconstitucionalidade no acórdão de 2012 ........................................................................... 55
Decisão ....................................................................................................................................................................... 56
Conclusões do Professor .................................................................................................................................... 56
Acórdão de 2015.................................................................................................................................................... 59
Hipótese II ..................................................................................................................................................................... 62
A Norma Penal em Branco ................................................................................................................................ 65
Hipótese III.................................................................................................................................................................... 66
Hipótese IV .................................................................................................................................................................... 67
Hipótese V ..................................................................................................................................................................... 69
Hipótese VI .................................................................................................................................................................... 69
Matéria da prescrição do procedimento Criminal ................................................................................... 70
Interpretação Atualista e Analogia................................................................................................................. 71
Hipótese VII .................................................................................................................................................................. 73
Hipótese VIII................................................................................................................................................................. 74
Hipótese IX .................................................................................................................................................................... 75
Hipótese X ..................................................................................................................................................................... 77
Hipótese XI .................................................................................................................................................................... 79
Acórdão 150/94 ..................................................................................................................................................... 81
Hipótese XII .................................................................................................................................................................. 82
Hipótese XIII ................................................................................................................................................................. 83
Hipótese XIV ................................................................................................................................................................. 84
Hipótese XVI ................................................................................................................................................................. 86
Hipótese XVII ............................................................................................................................................................... 87
Hipótese XVIII .............................................................................................................................................................. 89

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