Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Conceito e Âmbito
Noção
Quando se fala em Direito Penal em sentido objectivo estamos a falar do Direito Penal
enquanto conjunto de normas jurídicas. O direito penal é a parte do ordenamento jurídico que
estabelece quais são os comportamentos humanos qualificados como crimes e os estados de
perigosidade criminal.
Podemos por isso dar uma noção de direito penal como o sistema de norma jurídicas
que atribuem aos agentes de certo comportamento como pressuposto uma pena ou
medida de segurança criminal como consequência desse comportamento.
O direito penal trata por isso de crimes daí que seja muitas fezes chamado também de
direito criminal por muitos autores.
Como começamos por dizer, ao falar de direito penal objectivamente estamos a falar de
um conjunto de normas jurídicas, cabe por isso distinguir a norma jurídica do direito penal da
norma jurídica dos diferentes ramos.
A norma jurídica do direito penal pode decretar que condutas são crime, mas para que
tal acontece tem sempre que ter três requisitos necessários preenchidos, requisitos esses que
distinguem a norma jurídica que qualifica a prática de um crime das restantes normas jurídicas:
Assim pegando por exemplo na norma do artigo 131º do CP2, neste caso a conduta é
descrita tendo em conta a sua aptidão para provocar o resultado, que é neste caso a
morte de outrem, sendo essa por isso a previsão. A estatuição é no fundo “quem matar
outrem praticou um crime” e a sanção é prisão de 8 a 16 anos .
Ou seja, basicamente uma norma penal descreve uma determinada conduta humana que
se for subsumível ao tipo legal de crime, chegamos à conclusão de que fio praticado um
crime. Esta norma prevê ainda a pena que o Juiz poderá aplicar pela prática desse crime.
1 A sanção pode considerar-se parte da Estatuição. A respeito disto ver matéria de IED.
2 Daqui em diante, CP=Código Penal
Tudo isto faz parte da caraterística da tipicidade/legalidade do direito penal que
iremos ver adiante, ou seja, da correspondência do comportamento aos elementos de
determinado tipo legal de crime.
3) Culpabilidade5 – Para que tenhamos um crime é preciso ainda que a pessoa atue
com culpa. Atuam sem culpa as pessoas inimputáveis, sendo que essa
inimputabilidade pode ter origem na idade (nos termos do artigo 19º do CP, onde
encontramos uma presunção inilidível) ou numa anomalia psíquica (pessoas que não
são capazes de avaliar a ilicitude dos atos que praticam ou adotar uma condita
correta em virtude dessa avaliação).
Assim o tipo legal de crime é a norma legal incriminadora que é a norma penal por
excelência e que vai prever de forma geral e abstrata um determinado comportamento a que faz
corresponder uma sanção6.
Já o crime é a conduta humana cujas caraterísticas correspondem ao modelo legal,
é subsumível ao tipo legal de crime. Não basta, como vimos, que essa conduta humana padeça
desta tipicidade, tem de ser ainda ilícita e culposa. O crime é por isso um facto típico,
ilícito e culposo
Âmbito
3 A ilicitude não se confundo com a ilegalidade. A ilegalidade é mais restrita, é a desconformidade com a
lei, a ilicitude por sua vez é a desconformidade com as normas do ordenamento jurídico, sejam elas vindas
da lei, da boa fé, dos bons constumes, da ordem pública etc… A este respeito ver matéria de Fundamentos
do Direito Civil.
4 O legislador trata da legítima defesa na parte geral do CP. Como veremos o código divide-se em duas
é punível se o agente atuar com dolo. No Direito penal, ao contrário Direito Civil, a negligência só é
punível nos casos expressos na Lei, o que consubstancia outra decisão do legislador. No caso do crime de
homicídio e de ofensa à integridade física, a negligência é punível, artigo 148º do CP.
6 Uma pena criminal.
7 E neste caso não tínhamos um crime pois não há culpa
Assim, sempre que um inimputável pratique um facto típico e ilícito, ela fica sujeito à
aplicação de medidas de segurança, sendo que a mais grave de todas é a que se materializa na
sua privação de liberdade, chamando-se internamento.
A pena e a medida de segurança vão ter finalidades distintas, enquanto a medida de
segurança tem em vista a cura do inimputável ou a sua prática de factos típicos e ilícitos a pena
tem uma função punitiva, de castigo, de quem a praticou.
O Estado, quando elabora normas penais, não é totalmente livre e está sujeito a diversos
limites, sendo uns de natureza mais formal e outros mais material.
Para começar, não é qualquer órgão do Estado que pode legislar em matéria penal.
A matéria penal é da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República nos
termos do artigo 165º Nº1 c) da CRP, só pode haver lei ou então um decreto-lei autorizado que
criminalize uma determinada conduta. Esta é uma limitação formal mas que tem como razão de
ser, o facto de se estar a prever a aplicação de uma determinada pena por verificação da prática
de um determinado crime, o que não se verifica em nenhum dos outros ramos de Direito. No por
exemplo Direito Civil, a pena aplicada é a obrigação de indemnizar, o que pretende colocar o
lesado na posição em que estaria se o facto ilícito não tivesse sido praticado, tendo uma função
reparadora. Já quando falamos da aplicação de uma pena, não estamos a pensar no lesado, mas
no lesante ou agente, e aplicamos uma sanção que não tem como objectivo colocar o lesado na
situação em que estaria se a lesão não tivesse ocorrido, mas tem por finalidade uma punição do
próprio agente. Assim, tendo em conta as consequências tão graves de se prever uma conduta
como crime, entende-se que essa decisão deve caber ao próprio povo representado pelos
deputados na Assembleia da República.
Esta reserva de competência da Assembleia da República abrange não apenas a definição
do comportamento como crime, mas também a sanção que lhe vai corresponder, isto como uma
exigência da separação de poderes.
8 É uma expressão latina que pode ser traduzida literalmente como direito de punir do Estado.
respetiva sanção, isto para garantir que o poder executivo não tem aqui qualquer tipo de
intervenção. Isto é uma garantia, mas a reserva legislativa também tem em vista limitar o
próprio poder judicial, não pode ser o tribunal que decide que pena aplicar àquele individuo pela
prática de determinada conduta, porque essa definição é da exclusiva competência do Povo e da
Assembleia, que limitam os tribunais
O tipo legal de crime tem de definir sempre penas possíveis, sob pena de ser
inconstitucional por violação do princípio da legalidade.
Código Penal
O Direito Penal substantivo não está todo previsto no CP, mas também em legislação
avulsa.
O CP está sistematizado entre a parte geral e especial. Existe esta distinção porque
na parte especial, vamos encontrar, para cumprir o princípio da legalidade na vertente da
tipicidade, uma lista de tipos legais de crime. Está estruturada tendo em conta o bem jurídico
protegido por cada uma das incriminações: Crimes contra as pessoas, o património, as
liberdades, o Estado, animais de companhia.
A parte geral serve para que o legislador trate de questões que digam respeito à
maioria das situações presentes na parte especial e para que regule situações relativa à
matéria da lei criminal e suas particularidades. No titulo II temos a matéria que corresponde
ao facto por exemplo.
Depois temos Direito Processual Penal que serve para estabelecer as regras que o
Tribunal deve seguir para aferir se determinada pessoa praticou ou não o crime e para depois
aplicar a sentença que corresponde a essa mesma prática. Este direito encontra-se
maioritariamente no CPP ou Código do Processo Penal.
PARTE GERAL
Título II – Do Facto
PARTE ESPECIAL
TÍTULO I
Dos crimes contra as pessoas
TÍTULO II
Dos crimes contra o património
TÍTULO III
Dos crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal
TÍTULO IV
Dos crimes contra a vida em sociedade
TÍTULO V
Dos crimes contra o Estado
TÍTULO VI
Dos crimes contra animais de companhia
O Professor Germano Marques da Silva distingue fins de direito penal e fim das penas, o
que não é comum9, esta discussão tem lugar mais a propósito do fim das penas e não do direito
penal. Estão em causa perspectivas diferentes, uma coisa são os fins das penas e outra coisa são
os fins do direito penal. Esta são questões filosóficas que têm sido discutidas durante toda a
Historia. A questão roda à volta de 3 posições fundamentais:
a. Retribuição,
b. Prevenção especial
c. Prevenção geral
O que varia depois em cada posição é saber se se deve assumir como fim da pena um
destes apenas, de forma exclusiva, ou se se devem combinar estes três conceitos para se definir
o fim das penas ou do direito penal.
9Neste sentido considera-se que o fins das penas são os meios que o Direito Penal tem para alcançar os
seus fins.
Fins do Direito Penal
A Retribuição
No sentido mais primário de “vingança”. Aquela finalidade que estava presente nos
sistemas jurídicos primitivos que respeita ao que hoje se chama método da justiça privada. Era a
própria vitima (ou seus familiares) que tinham o direito de exercer justiça pelas próprias mãos e
infligir uma consequência que seria correspondente ao mal causado pelo facto que tinha
praticado, característico das sociedades primitivas. Tínhamos aqui uma ideia de que, com esta
vingança, se causava ao agressor um mal correspondente aquele que tinha resultado da prática
do facto, esta ideia de expiação do crime com a pena, esta serviria para infligir um mal ao
agressor com consequências semelhante as que ele tinha provocado, expiação do mal causado.
Este sistema também tem como característica o equilíbrio entre o mal causado e a
pena, servia para retribuir a prática do crime, havia uma equivalência entre mal causado e a
pena que os familiares da vítima infligiam, “olho por olho, dente por dente” veio a ter
concretização mais tarde nas penas corporais, características do direito medieval.
Correspondência entre o mal causado pelo crime e a própria pena que tinha como
objetivo infligir o sofrimento correspondente àquele que a própria vítima tinha sofrido, num
sistema de justiça privada.
O problema é que quando colocamos nas mãos do ofendido o poder de ser ele a decidir a
intensidade da vingança, ele vai assumir crime como o mais grave de todos e atribuir ao
criminoso a pena mais grave. Muitas vezes acontecia que as famílias do ofendido eram pobres e
se o ofensor fosse de uma família mais rica, não conseguiriam ter forma de aplicar as sanções.
Esta teoria obviamente entrou em declínio.
Já ninguém defende actualmente que o direito penal deve ter com objetivo infligir
o sofrimento ao agente, segundo esta justiça privada. Só se deixou a ideia que a pena deve
ter sempre esta ideia que o crime pressupõe retribuição da culpa, castigo do criminoso, que
para ele é sentido sob a forma de uma consequência desfavorável.
Prevenção especial
Entende-se que o direito penal tem como grande finalidade impedir a prática de
crimes, esta será a verdadeira finalidade do direito penal.
Nas teorias retributivas, que vimos supra, a pena justifica-se em si mesma, não tem
qualquer outra finalidade para além da inflicção de sofrimento ao criminoso.
Nas preventivas, a pena tem em vista alcançar determinados fins: a tutela de bens
jurídicos, a tutela de uma vida sã em sociedade sem conflitos, mediante a prevenção da
criminalidade. Impedir que alguém, com as suas condutas, venha a lesar bens jurídicos
fundamentais para a convivência social. Novamente aqui a ideia de subsidiariedade do direito
penal, expressando que só deve intervir, o facto só deve traduzir a prática de crime, quando o
bem jurídico não pode ser suficientemente protegido pelos outros ramos da ordem
jurídica.
Tradicionalmente distingue-se entre a prevenção geral e a especial. Na especial esta é
dirigida ao próprio agente do crime, ou seja, o que se pretende é evitar que o agente do crime
volte a praticar determinados crimes. Na geral, é dirigida a toda a comunidade, o que se
pretende é evitar que a generalidade das pessoas pratique no futuro factos que se traduzem na
prática de crimes.
Prevenção geral
Como referido supra é a teoria é que a aplicação de direito penal é dirigida a toda a
comunidade, o que se pretende é evitar que a generalidade das pessoas pratique no futuro factos
que se traduzem na prática de crimes. Também aqui temos duas facetas, uma positiva e outra
negativa.
Na faceta negativa ou de intimidação temos que quando uma pena é aplicada, isso
provoca a ideia de que quando se pratica um crime haverá uma consequência negativa.
Assim, poderá evitar-se que mais pessoas pratiquem estes crimes por via do exemplo de
um. Por isso é que as penas corporais eram aplicadas em público, geralmente em praças, nos
pelourinhos, conseguindo esta ideia de “choque público”, para que todos saibam e possam ver o
que acontece quando se pratica aquele determinado crime, reduzindo assim a hipótese de
prática de crimes semelhantes.
A ideia de base, contudo é que aqui não se tem em conta o próprio delinquente, ele
está a ser utilizado apenas como instrumento de alarme, de choque, esta teoria não respeita
a dignidade da pessoa humana. Quanto mais grave for a pena, maior o alarme social.
Do lado positivo, dito também o de fidelidade ao direito, diz-se que a aplicação da
pena não pretende provocar medo ou terror dos restantes membros da comunidade, o que se
pretende é que, com a aplicação da pena, proporcional à prática do crime, as pessoas se
apercebam que as normas de direito penal são válidas, vigentes e eficazes na nossa ordem
jurídica.
O que se pretende é criar a convicção na sociedade da validade das normas penais.
Perante a prática de um crime que é descoberto, o Ministério Público acusa de forma célere,
eficaz para que as pessoas fiquem com a convicção de validade e eficácia das normas penais.
Assim se consegue que as pessoas não adotem novos comportamentos do género,
fazendo com que os bens protegidos pela norma penal não sejam destruídos, e sejam tutelados
eficazmente, e preventivamente.
Outros
Quanto aos fins do direito penal também se tem de ter em conta a sua função
garantística, serve para limitar o poder soberano do estado, jus puniendi estadual10.
Esta limitação faz-se através de um conjunto de princípios fundamentais que têm tutela
constitucional, alguns com elevado cunho formal, sendo o principal o da legalidade, na sua
vertente da tipicidade. E daqui também a ideia de subsidiariedade, ideia da intervenção mínima
do direito penal, só deve intervir quando os outros ramos do direito não tutelem de forma
suficiente determinado bem jurídico.
Este é o fim ultimo do direto penal: a proteção dos bens jurídicos e uma sã
convivência social, alías as três teorias vistas em cima queriam todas alcançar este objectivo se
as pensarmos bem.
Penas enquanto meios de tutela jurídica repressiva de que o direito penal se servempara
alcançar as suas finalidades.
Exemplo, artigo 131º CP, esta é uma norma perfeita, tem previsão e estatuição, e tem
ainda uma sanção, consequência jurídica que o juiz pode aplicar aquele que vier a ser
considerado culpado pela prática do crime de homicídio.
Há duas penas principais, isto é, que podem aplicar-se autonomamente, sem que sejam
aplicadas em conjunto com outra pena que o nosso CP prevê para as pessoas singulares: pena
de prisão e multa.
Pode por isso acontecer que a finalidade das penas não seja exatamente coincidente com
a das medidas de segurança.
Destaca-se, por outro lado, que a finalidade da pena pode ser diferente no momento e
que o legislador a prevê em abstrato no CP, do que no momento em que o juiz profere a pena e
outra finalidade diferente ainda durante a execução da pena.
A dimensão que está mais presente para o legislador no momento em que escolhe a
pena aplicável12, em abstrato13, é a prevenção geral. Por isso é que em muitos países nem se
pratica a pena máxima, ela servirá mais para assustar. No momento da sentença, o que está na
cabeça do juiz mais presente já será a ideia de retribuição. Na execução da pena aí será a
prevenção em especial postiva, a de socialização do delinquente, para que se integre na
sociedade novamente.
Artigo 40º
Tudo o que vimos até aqui sobre as finalidades das penas/do direito penal tem alguma
concretização na nossa lei?
É discutível que o deva ou possa ter. É uma questão de natureza filosófica e o legislador
não se deve imiscuir, tentando consagrar na letra da lei opções teóricas/ dogmáticas/ filosóficas.
Mesmo assim, de forma mais ou menos discutível, o nosso CP tem um preceito que trata dos fins
das penas, o artigo 40º.
No nº1 deste artigo vemos quais as finalidades que o legislador reconhece nas penas:
1)proteção de bens jurídicos, (prevenção geral positiva), 2) reintegração do agente na sociedade
(prevenção especial positiva).
No entanto não nos ficamos só com pedaços das teorias preventivas, o nº2 dá uma
relação entre a culpa e a pena é algo que ficou das teorias retributivas. Não pode haver pena sem
culpa e tem de haver uma dada correspondência entre a pena e a culpa. Agora, o legislador não
dizer que a pena tem por fim o castigo do devedor. O que ficou das teorias retributivas é que não
pode haver pena sem culpa e, no caso do nosso legislador, que e pena não pode ser superior à
medida da culpa. Isto é um limite.
Este nº1 e nº2 servem para guiar o juiz no momento da condenação. É aqui que a pena
vai ser definida e ela deve ter em conta as suas finalidades. Uma pena que não tenha em vista
alcançar uma finalidade é um absurdo porque não tem qualquer justificação.
A norma penal deve ter não apenas a descrição do comportamento, mas também a
consequência jurídica que lhe é aplicável. Vimos também que essa pena prevista na norma,
por motivos de igualdade, não deve ser fixa, mas sim susceptível de ser adaptada pelo juiz ao
caso concreto.
Vamos ver um exemplo com o já falado artigo 131º do CP. O homicídio, com pena de
prisão de 8 a 16 anos, o juiz vai ter de determinar a pena. Vai fazê-lo de acordo com que
critérios? Genericamente, de acordo com os do artigo 70º CP. O artigo 40º também vai ajudar o
juiz nessa tarefa de determinação da pena concreta. Desde logo, de acordo com nº2 o juiz tem
uma limitação extremamente relevante: a medida da pena nunca pode ser superior à culpa
do agente. É claro que o juiz tem uma ampla margem de apreciação, há factos provados no
processo que vão dar ao juiz elementos mais concretos. Agora dentro dos limites da pena
aplicável (8- 16), se no caso concreto o juiz considerou que a culpa do agente corresponde a 10
anos de prisão, de acordo com o artigo 40º nº2, a pena nunca pode ser superior aos 10 anos. O
artigo 40º nº1 diz que o juiz deve ter em conta as finalidades preventiva geral positiva e
preventiva especial positiva. Agora, uma coisa é certa: estas finalidades preventivas não podem,
em qualquer situação, impor uma pena superior à culpa do agente.14
Quanto à sua finalidade, vale, por inteiro, o artigo 40 nº1, finalidade de prevenção geral
positiva/ confiança na efectividade das normas e prevenção especial positiva/ protecção da
comunidade em relação ao agente. Isto porquê? Porque nas medidas de segurança temos um
facto típico e ilícito, mas não culposo (por exemplo, quando é um agente inimputável). Nas
medidas de segurança o fim é mais o de prevenção especial de socialização do que de
segurança. Nas penas é ao contrário.
Por isso, quanto ao seu âmbito, quando pensamos nas medidas de segurança, pensamos
na aplicação de medidas de segurança a inimputáveis. De facto, o CP prevê as medidas de
segurança para inimputáveis, sendo a mais grave o Internamento, privação de liberdade de
14De acordo com o nº2, mesmo perante um ambiente de generalização e crescimento do crime de Fraude
Fiscal, nunca a pena para esse crime poderia ser superior à medida da culpa.
agentes que venham a ser declarados na sentença como inimputáveis, artigos 90º e seguintes
do CP.
Há situações em que o agente é condenado tantas vezes pela prática do crime que já há
um misto de crime e de perigosidade social, são os chamados delinquentes por tendência.
Estes são pessoas condenadas sucessivamente pela prática de crimes da mesma natureza. Aí a
ordem jurídica vai ter de decidir se condena o agente numa pena de prisão/multa e, a seguir,
numa medida de segurança ou se a consequência jurídica é uma e se vai responder com essa
mesma consequência jurídica quer à culpa do agente quer à perigosidade social criada por esta
tendência criminosa. É assim que se distingue o monismo do dualismo das medidas de
segurança.
No Monismo temos uma única consequência jurídica para estes delinquentes por
tendência. No Dualismo vão ser condenados com uma pena e depois por uma medida de
segurança.
O nosso sistema é, tendencialmente, monista porque, nestes casos dos chamados
delinquentes por tendência, a nossa lei prevê a aplicação de uma única consequência
jurídica que é um misto entre uma pena e uma medida de segurança, a pena relativamente
indeterminada, artigos 83º e seguintes do CP, tem em vistas não apenas finalidades da pena
mas também as finalidades das medidas de segurança.
Exemplo, artigo 83º nº1, o agente ia ser punido em 9 anos de prisão, verificam-se os
pressupostos de aplicação do artigo 83º ( temos a prática de um crime+ perigosidade social) e ,
por isso, este agente vai ser condenado por esta pena relativamente indeterminada (mínimo
correspondente a 2/3, logo 6 anos e máximo correspondente a 9+6 anos = 15 anos. Durante a
execução da pena vai se avaliar se o agente já está em condições ou não, à partida não sabemos
se vai cumprir 6, 7 , 8 ou 15 anos. Esta condenação em 9 anos corresponde à pratica do crime,
esta possibilidade de a pena que vier a ser cumprida possa ser entre 6 e 15 anos corresponde à
medida de segurança. Temos assim um sistema monista, onde nos casos em que o agente revela
perigosidade social, responde apenas com uma consequência jurídica, responde uma só sanção
e não duas.
Os Princípios Fundamentais do Direito Penal
Estes princípios retiram-se do artigo 18 nº2 da CRP quando a lei diz que “só (se) pode
restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição,
devendo as restrições limitar-se ao necessário ao necessário para salvaguardar outros interesses
constitucionalmente protegidos ”.
O Princípio da Proporcionalidade exige que uma medida seja adequada,
necessária e proporcional em sentido estrito.
O Princípio da Subsidiariedade vai por sua vez exigir que o direito penal seja tido
como última linha de defesa para as várias agressões a bens jurídicos, isto é, vai ser o ramo do
direito a que a ordem jurídica recorre residualmente, o direito penal é uma tutela de ultima
ratio. Como temos vindo a ver a aplicação do Direito Penal implica restrições a liberdades e
direitos fundamentais, basta pensar desde logo em sanções que este ramo do direito prevê: pena
de prisão (restrição de liberdade), pena de multa (restrição do direito de propriedade), etc…
São a estas restrições que a Constituição vai impor, pelo Princípio da Proporcionalidade,
a necessidade de que existam outros bens jurídicos com dignidade constitucional que
devam ser tutelados em detrimento destes (liberdade e património nos exemplos dados) e de
que as medidas a aplicar sejam aplicadas apenas na medida do necessário para proteger
esses bens, ou seja não se vai, por exemplo, aplicar uma pena de prisão efectiva a uma violação
da integridade física que tenha sido negligente, isso além de ser desnecessário seria
desproporcional em sentido estrito.
Princípio da Fragmentariedade
Exceção
Uma excepção a este princípio é o bem jurídico da vida, que por ser considerado o
bem jurídico absoluto da nossa ordem jurídica vai o ter o Direito Penal a tutela-lo contra
toda e qualquer forma de agressão, diga-se, todas as condutas que possam provocar a morte.
Vemos isto no artigo 131º do Código Penal que trata do crime de homicídio. Como se
percebe da leitura do artigo, as condutas que traduzem a prática de um crime de homicídio são
todas aquelas que resultam na morte de alguém, não tem este tipo legal uma lista taxativa de
todas as formas16 de matar alguém, mas uma norma que abrange todas as condutas possíveis
que matam alguém (dar um tiro, envenenar, estrangular, atirar de um prédio etc…).
Chama-se a estes tipos legais de crimes, em que a conduta é prescrita pela aptidão de
provocar certo resultado, tipos causais ou de forma livre.
Já por exemplo para o património, que é também um bem tutelado pelo Direito Penal,
não vai haver um tipo causal ou de forma livre porque a sua relevância não vai ser tão absoluta
como a da vida, neste caso temos normas que prevêem que ofensas diferentes e determinadas a
este bem resultam crimes diferentes como é o exemplo do roubo e do furto.
Como já foi dito neste caderno, o Direito Penal só tutela certos bens jurídicos, como é que
se poderá saber que bens jurídicos são esses? É aqui que entra o Princípio da Legalidade, toda a
tutela penal tem de estar tipificada, tem de estar na lei, para que possa ser claro o que é e
não é proibido. Uma conduta só pode ser considerada como crime nos casos previstos na lei, este
princípio traz uma segurança jurídica e uma previsibilidade que são necessárias devido ao
âmbito do Direito Penal que como já vimos vai restringir direitos fundamentais, só com esta
tipicidade legal é que vai ser possível trazer clareza de o que e não é crime.
Este princípio está consagrado no artigo 29º nº1 da Constituição, que além de obrigar
a que uma conduta que seja considerada crime esteja na lei obriga também a que a sanção dessa
conduta esteja também tipificada.
Assim, o princípio da legalidade abrange não apenas a descrição da conduta que é
crime como também as penas que serão aplicadas a prática desse crime.
Princípio da Juriscionalidade
Há uma separação de poderes no direito penal, desta forma não haverá uma entidade
com o poder absoluto sobre os direitos fundamentais dos cidadãos. O Princípio da
Juriscionalidade pode ter-se como uma concretização do Princípio da Separação de Poderes.
Este princípio significa que a competência para decidir a matéria penal e aplicar
penas e medidas de segurança é da exclusiva competência da jurisdição (tribunais).
Esta repartição de poderes é então feita pelas diferentes instituições soberanas do
estados e em Portugal esta divisão concretiza-se da seguinte forma: compete ao legislador
definir quais os comportamentos que são ou não são crimes e qual a pena que lhes vai ser
aplicada e compete aos tribunais decidir em cada caso concreto se uma determinada
pessoa cometeu ou não um crime (isto é se vai ser condenada ou absolvida) e qual a pena
concreta que lhe vai ser aplicada.
Por outro lado o legislador não pode determinar por lei a pena concreta que uma certa
pessoa ou grupo de pessoas vai poder sofrer, esta concretização da pena é uma tarefa exclusiva
dos tribunais, apesar dos tribunais estarem obviamente limitados previamente pela lei no que
toca, por exemplo, ao número de anos de uma pena o tribunal não vai poder escolher como
entender a duração da pena e terá de escolher uma duração dentro do intervalo de tempo
previsto em cada tipo legal.
A sede legal deste princípio pode dizer-se concentrada principalmente no artigo 8º do
Código de Processo Penal: Os tribunais judiciais são os órgãos competentes para decidir
as causas penais e aplicar penas e medidas de segurança criminais
Princípio da Culpabilidade
Este princípio quer dizer que não pode ser aplicada uma pena a alguém se esse
alguém não tiver atuado com culpa. Daí que quando nas primeiras páginas quando vimos as
condicionantes para estarmos perante um crime uma das características fosse a culpa.17 Este
princípio não esta previsto directamente na Constituição mas entende-se que resulta do
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Para que alguém possa ser punido pela prática de um
crime é preciso poder formar então um juízo de censura sobre o comportamento que a pessoa
teve relativo ao que devia ter tido em lugar. Os inimputáveis não podem por isto mesmo ser
condenados pela prática de um crime, pois não é possível fazer-lhes este juízo de censura. O
mesmo se poderá em todos os casos em que o sujeito não teve liberdade de agir, para que haja
culpa é necessário que haja liberdade de escolha.
Este princípio implica então que, ao contrário do que acontece no Direito Civil, não pode
no Direito Penal haver responsabilidade criminal objectiva. Implica ainda que não exista
também neste ramo a responsabilidade por facto alheio, isto é, enquanto no Direito Civil A pode
pagar uma dívida de B no Direito Penal tal não pode acontecer, cada um tem de responder
pelos seus factos, o que quer também por sua vez dizer que no Direito Penal não há
transmissão de responsabilidade criminal de uma pessoa para a outra, nem inter vivos nem por
morte, com a morte extingue-se a responsabilidade criminal.
No termos do artigo 71º nº1 do Código Penal temos uma manifestação deste princípio
noutra vertente: os tribunais vão ainda ter de considerar o grau de culpa do agente do crime
aquando da determinação da pena no caso concreto.
17 Estamos perante um crime quando temos: 1) tipo legal, 2) culpa, 3) ilicitude. Ver páginas anteriores.
1. Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da
liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.
2. Em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica, e na impossibilidade de
terapêutica em meio aberto, poderão as medidas de segurança privativas ou restritivas
da liberdade ser prorrogadas sucessivamente enquanto tal estado se mantiver, mas
sempre mediante decisão judicial.
3. A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão.
4. Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis,
profissionais ou políticos.
5. Os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da
liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações
inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução
Vamos distinguir o Direito Penal dos outros ramos do Direito. Distinção em relação ao
Direito constitucional, disciplinar, civil e ilícito de mera ordenação social.
Direito Constitucional
27º - Trata da proibição da privação da liberdade, excepto nos casos previstos na lei
Na nossa CRP não está previsto o recurso de amparo para o Tribunal Constitucional. Isto
é, a possibilidade do sujeito processual invocar a inconstitucionalidade mediante recurso para o
próprio Tribunal Constitucional, não da própria norma, mas da decisão judicial. Em Portugal não
é assim, o Tribunal Constitucional só conhece a constitucionalidade de normas jurídicas. 19
Exemplo: Tribunal num processo concreto condena uma pessoa fazendo uma aplicação
analógica de um determinado tipo legal de crime. Ao fazê-lo, a decisão judicial está a violar o
artigo 29º da CRP que estabelece o princípio da legalidade, mas o arguido não pode invocar
esta violação perante o Tribunal Constitucional, só pode é levantar a inconstitucionalidade da
norma, não da decisão.
Direito Disciplinar
1º - O direito disciplinar, na maior parte dos casos, diz respeito a relações privadas.
Relações de direito laboral, relações que se estabelecem entre a entidade empregadora e os seus
trabalhadores. Também em relação aos funcionários públicos existe um estatuto disciplinar dos
próprios, e aí obviamente já estamos no domínio do direito disciplinar público. Mas, de qualquer
forma o que está em causa é a violação dos deveres que decorrem para o trabalhador de um
determinado contrato de trabalho e da restante legislação.
18 Arguidos consideram que há uma norma aplicada pelo tribunal que padece de inconstitucionalidade,
invocam essa inconstitucionalidade no processo e o tribunal deve conhecer da inconstitucionalidade. E em
último caso há recurso da decisão dos tribunais judiciais para o Constitucional.
19 Ver matéria de Direito Constitucional.
direito penal, pois essa pode ser convertida em prisão caso a pena de multa não seja paga
voluntariamente ou através da execução do património do condenado.
Como estão aqui em causa dois ramos de direito de natureza sancionatória, podia-se
levantar a questão de saber se um mesmo facto traduzir, simultaneamente, a prática de infração
disciplinar e a prática de crime, se nestes casos ainda assim a entidade patronal conserva o
poder de sancionar disciplinarmente o trabalhador, ou seja, mantém a competência para o
conhecimento da infracção e aplicação da sanção? Sim. A existência de um processo de crime
condiciona ou não e em alguns termos o processo disciplinar que está pendente? Não.
O processo penal e o processo disciplinar são totalmente autónomos, ainda que
tenham por base a prática dos mesmos factos
Há uma autonomia substantiva entre infração disciplinar e o crime, entre a sanção
disciplinar e a sanção penal. São sanções autónomas, e dois ramos de direito autónomos, quer do
ponto de vista substantivo, quer do ponto de vista processual. Por isso, não vigora aqui o
principio da proibição do artigo 29º nº5 da CRP. O referido princípio diz-nos que ninguém
pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, isto é, proíbe a dupla
aplicação de sanções de natureza criminal pela prática do mesmo facto. Este princípio não
se aplica aqui porque apesar do facto ser o mesmo, estamos a falar de dois ramos de direito com
total autonomia.
Direito Civil
O artigo 483º do Código Civil determina que qualquer conduta que viole um direito
alheio com uma disposição legal destinada a proteger interesses jurídicos alheios, é geradora de
responsabilidade civil extracontratual. Portanto, “qualquer conduta”. No direito penal, só são
relevantes as condutas que estão descritas nos diferentes tipos legais de crime, opera a
tipicidade. Como tal, a maior parte dos bens jurídicos que são tutelados pelo direito penal,
também são tutelados pelo direito civil, é normal que o direito civil, do ponto de vista
conceptual, constitua um fundo comum para o próprio direito penal. Exemplo: Crime de
furto, dá-se a apreensão de coisa móvel alheia. Sabemos se a coisa é alheia recorrendo ao
direito civil.
Os factos ilícitos que têm relevância para o Direito Penal são apenas aqueles que estão
previstos nos tipos legais de crime, ou seja, são apenas agressões a determinados bens jurídicos
e algumas modalidades de agressão a esses mesmos bens jurídicos.
Isto depois tem reflexo a nível da exclusão da ilicitude, prevista no artigo 31º do CP que
determina que se a ilicitude se der por excluída por qualquer ramo de direito ela também é
excluída pelo direito penal, assim qualquer causa de exclusão de ilicitude civil, vai excluir a
ilicitude penal), porque se temos de admitir que um facto que é ilícito em direito civil possa ser
licito para o direito penal, possa não constituir a prática de um crime. Por outro lado, se um facto
se der por lícito para qualquer ramo da ordem jurídica, em particular para o direito civil, ele não
pode deixar também de ser lícito para o direito penal, pois isso seria um contra-senso, seria uma
inversão do princípio da subsidaridade, estaríamos a atribuir maior campo de aplicação ao
direito penal do que ao direito civil. Ex: Acção directa não está prevista no CP como causa de
exclusão de ilicitude, mas é causa de exclusão de ilicitude pelo Código Civil.20
Assim:
Pena de multa – Serve para impor a sanção ao agente por ter praticado o crime. A sua
medida vai ficar relacionada com o grau de ilicitude do facto, a conduta do agente e com a
própria situação patrimonial do agente do crime, e não do lesado.
Um facto pode ser ilícito para os dois ramos de direito. Não pode é ser lícito para o
direito civil, e ilícito para o direito penal.
Exemplo: Dar uns socos a alguém, a obrigação de indemnizar e a aplicação de uma pena
vão se cumular.
Decidiu-se pois criar um novo ramo de direito que não está incluído no direito penal
como antes, é o ramo sancionatório, o direito das contra-ordenações. É um ilícito
administrativo.
O Direito Sancionatório Administrativo foi instituído entre nós pelo Decreto-Lei 433/82,
que instituiu o regime geral do ilícito mera ordenação social, o regime geral do direito das
contra-ordenações. Dentro deste âmbito do direito, a infracção em vez de ser crime, chama-se
contra-ordenação.
A competência para o conhecimento das infrações não é dos tribunais, mas sim das
autoridades administrativas. A autoridade nacional de segurança rodoviária, é ela que vai
decidir se foi praticada ou não contra-ordenação e vai aplicar a sanção correspondente, que se
chama coima, nos casos de violações do Código da Estrada. Assim:
Antes de irmos ao tema concreto deste capítulo referir as situações de conflitos de leis
penal. Podemos ter três situações típicas em que isto acontece:
1º Aplicação da lei penal no tempo: Acontece quando existem varias normas em vigor
na mesma ordem jurídica, mas em momentos temporais diferentes, e o tribunal tem de escolher
qual é norma aplicável a prática do agente. Desde a prática da conduta até ao momento presente,
entra em vigor uma nova lei e o tribunal terá de escolher qual é a aplicável.
2º Aplicação da lei penal no espaço: Consiste na escolha entre diversas leis que
vigoram em simultâneo em diferentes ordens jurídicas, temos de escolher qual é a aplicável. Os
tribunais portugueses apenas julgam condutas para as quais se aplica a lei penal portuguesa.
A questão é que por vezes há situações plurilocalizadas, isto é, que têm momentos de
conexão com diferentes ordens jurídicas. Exemplo: Espanhol dá tiro a inglês em Espanha e este
vem a falecer em Portugal
É uma norma jurídica que consistem sobretudo em regras que exprimem a ligação entre
uma situação de facto e a consequência que se vai verificar quando se verifique essa situação (de
facto). A norma penal por excelência é o tipo legal de crime.
Neste tipo temos a descrição de uma determinada situação de facto a qual o tipo legal de
crime vai aplicar determinada consequência, previsão e estatuição.
A descrição da situação de facto tem aqui, por virtude do princípio da legalidade na sua
vertente de tipicidade (ou seja, para que o facto traduza a pratica de um crime) é necessário que
a conduta do agente corresponda ao modelo legal. Isto é, tem de ser subsumível ao tipo legal.
O tipo legal de crime mais simples que temos é do homicídio, artigo 131º CP, pois como
o bem jurídico a vida é o mais relevante da nossa ordem jurídica, todas as condutas que agridam
este bem jurídico deverão ser subsumíveis ao tipo legal de crime.
Na previsão apenas se diz “quem matar”, e por isso, basta que seja uma conduta apta a
provocar a morte para que seja subsumível.
Já se falarmos do património, a tutela deste é considerada fragmentária têm de ser
condutas expressamente descritas no tipo legal de crime. Exemplo: Artigo 217º CP, burla tem
uma série de elementos. Para restringir o âmbito da tutela penal é necessária que se construa
uma norma mais complexa, com um maior número de elementos. O tipo legal de crime é uma
norma jurídica completa, com previsão, estatuição e depois a sanção.
A maioria dos tipos legais de crime que encontramos na nossa lei são normas proibitivas.
Ou seja, o comando é a não adoção da conduta descrita no tipo, ao contrário do que acontece na
maioria dos casos no direito civil.
Também há tipos legais de crime que impõem normas perceptivas, que obrigam o agente
a adotar determinada conduta, sob pena de incorrer na prática de crime. Exemplo: Omissão de
auxílio artigo 200º CP, verificada a situação de facto o agente é obrigado a adotar determinada
conduta.
Neste caso da omissão de auxílio, o dever de auxílio apenas nasce em situações
particulares descritas pelo artigo 200º do CP, em que o agente é obrigado a fazer o necessário
para afastar o perigo. Contudo, este auxílio não tem de ser pessoal, nem há que por em risco a
vida ou integridade física da própria pessoa.
Noutros casos o que temos é a descrição formal da conduta típica pela norma
incriminadora, descrita em todos os seus elementos. Ex: Crimes contra o património
Os tipos causais legais ou de forma livre são aqueles em que a conduta é apenas descrita
pela sua aptidão para provocar o resultado como é o caso do crime de homicídio que já aqui
vimos.
Princípio da Legalidade Amplamente Visto
Já referimos neste caderno o Princípio da Legalidade. Vamos agora olhar para este de
forma ampla e ver as suas consequências: A reserva de lei, A tipicidade, A proibição da
analogia, A legalidade das sanções e a Proibição de retroactividade.
1º A lei penal tem de ser prévia: Corolário da proibição da aplicação retroativa da lei
penal criminalizadora.
2º Corolário da tipicidade: Obriga a que a lei cumpra uma série de requisitos técnicos
3º A lei penal tem de ser estrita, escrita e certa: Tem de explicar todos os elementos
para que se incorra na prática do crime.
Enquadramento Histórico
Um estado absoluto não gosta do princípio da legalidade, pois prefere que seja o juiz ou o
governo a definir o que é crime ou não, aplicando- se a pena mais vantajosa do ponto de vista
político. Assim os estados absolutos tipificavam crimes de forma extremamente aberta, sendo
basicamente o que se quisesse.
Este princípio de legalidade surge como aspeto fundamental no direito, no fim de século
XVIII e início de séc. XIX com a afirmação do pensamento liberal, já no pós-despotismo
esclarecido. Mas, é nas primeiras Monarquias constitucionais liberais que este princípio de
legalidade se afirma de uma forma clara como definidor da ideia de direito.
Está em causa a ideia de que todo cidadão está sujeito à lei, o que hoje parece ser óbvio
para todos, e até ter um alcance algo abstrato. Desde logo, na época do despotismo esclarecido, é
preciso ter em conta que em relação aos estados e os seus poderes (a tripartição e separação de
poderes é uma ideia de que também se constrói durante este período, mas que se concretiza com
o surgimento das Monarquias Constitucionais), falamos aqui do poder legislativo e judicial, mas
ainda de forma embrionária, sendo que esses poderes do estado não estavam sujeitos à lei, ou
seja, a um ato de vontade de um órgão com poder legislativo, e que exercia essa competência no
exercício de uma legitimidade específica (a do voto). Esta é uma ideia que só ganha corpo com o
surgimento das Monarquias constitucionais e com o surgimento do pensamento liberal.
Nem sempre são monarquias constitucionais, podem também ser repúblicas, como no
caso da França. De qualquer maneira estamos sempre a falar de estados liberais que se
submetem à Lei, que é por sua vez construída em exclusivo como vontade do povo e através do
órgão com maior legitimidade democrática que é o Parlamento.
Daqui decorre como consequência, que os poderes do Estado não estão sujeitos a outra
coisa que não seja a Lei, e por isso não existem privilégios de classe ditados por usos
costumeiros ou outras fontes que não sejam a Lei, isto é, a ideia da Lei como máxima e única
fonte de Direito
Os próprios cidadãos, mesmo numa altura em que não se tinha a ideia de que a lei era a
vontade do povo, porque a ideia de que o Parlamento tinha os representantes do povo não foi
imediata (numa primeira fase ainda havia um representação tripartida de acordo com as classes
sociais existentes), ainda assim, a ideia de que a lei emanada deste Parlamento é a única fonte de
direito tinha uma vantagem: a lei vale para todos de modo igual.
Mesmo quando o Parlamento não era rigorosamente formado por elementos do povo
que ali estavam independentemente da sua origem social ou peso económico, o simples de facto
daquilo que dali sai valer para todos, cria para todos também, uma ideia de relativa igualdade.
Não há normas nem tribunais específicos para membros da aristocracia, nobreza ou clero. Todos
estão assim sujeitos ás mesmas normas com o mesmo conteúdo, sem qualquer tipo de distinção,
mesmo que o parlamento de onde a Lei como única fonte de Direito era emanada, ainda não
fosse constituído de uma forma totalmente democrática.
Isto implicava uma outra consequência, é que na relação entre cidadãos e Estado (que
cada vez mais se torna um Estado diferente), há uma noção de responsabilidade que pela
primeira vez se vai assumir. Da mesma forma que o Estado define uma regra que é igual para
todos os cidadãos, assume de uma forma clara, um ato de vontade com um determinado
conteúdo, o de que os cidadãos o podem conhecer e questionar. Assim, este vínculo de cidadania
entre pessoas singulares (cidadãos) e o Estado, começa a reconstruir-se de uma forma diferente.
É uma relação de fidelidade em que os cidadãos estão sujeitos a regras de fidelidade ao Estádio
nacional de que fazem parte, mas podem invocar a lei que o Estado cria para responsabilizar
esse próprio Estado, e para limitar e questionar o seu próprio poder.
Isto para tutela da liberdade individual de cada cidadão, que só pode ser limitada com
fundamento na lei, e por isso, o princípio da legalidade refunda a relação com o Estado,
permitindo que ao lado deste principio, e como seu grande fundamento, se invoca-se pela
primeira vez este valor da liberdade individual, que vale de igual forma para qualquer cidadão,
independentemente da sua dignidade social ou classe.
A partir desta altura, de meados do Séc. XIX temos a trindade perfeita: O princípio da
legalidade como fundador e determinante do direito, justificado como razão principal pela tutela
da liberdade individual, e ainda a ideia de que a lei é por sua vez a marca no direito do princípio
democrático, que a Lei exprime a vontade dos representantes eleitos do povo e neste sentido a
expressão da vontade da comunidade. Não sendo, contudo, a expressão perfeita dessa vontade,
mas aproximando-se dessa perfeição.
Desde este período, algures no sec XIX, até hoje, a formulação da lei mantém-se
inalterada porque encerra esta garantia da liberdade, de forma algo convincente. A lei é tomada
como um ato proveniente de um órgão legislativo mas sobretudo é um normativo geral e
abstrato. É esta conceção que encerra a ideia de que só assim se garante a liberdade de cada um
de forma igual, porque a ser assim, o legislador compromete-se perante a comunidade que
quando afirma a legalidade está a dirigir-se para o futuro, e a um conjunto de situações de forma
abstrata, não pretendendo descrever fenómenos ou episódios concretos. E por isso, a Lei aplicar-
se-á a todas as situações futuras que integrem a formulação abstrata dessa Lei.
Posto isto, o legislador não está e legislar para se dirigir nem perseguir pessoas
individuas. Um legislador não pode formular um diploma que se dirija a pessoas concretas nem a
grupos sociais, mas sim a todos os cidadãos em geral, de forma igual. Assim, mesmo que se trate
de uma norma penal e limitativa da liberdade, sobretudo a física, apesar disso, garante por outro
lado a todos que essa restrição se dirigirá de forma geral e abstrata a todo e qualquer um que
venha a praticar aquele facto. À partida qualquer um está sujeito às consequências da Lei. A lei é
cega.
Para que a lei seja uma norma geral e abstracta, há uma consequência imediata no que
diz respeito à aplicação da lei no tempo, que é decisiva no Direito Penal mas não só… Para que
uma norma seja efectivamente geral e abstracta ela só poderá valer para o futuro. Uma garantia
de liberdade que surge desde o inicio do tempo liberal e se mantém de certo modo intacta até
hoje, é a da irretroatividade da lei penal (lei em sentido material). Se a Lei puder ser aplicada
para o passado, o legislador já sabe a quem e a que situações se vai dirigir. Esta garantia de
liberdade que se estende a todos por igual, implica que estas normas sejam materialmente
gerais e abstratas.
O princípio da legalidade vem por isso de braço dado com o da irretroactividade
Quando falamos do princípio da legalidade, é importante estabelecer uma distinção
entre 2 grandes grupos de normas relevantes em matéria penal, que são designados na
doutrina de modo nem sempre coincidentes. Alguns falam, quando se referem a normas penais,
de:
Quando falamos de normas positivas, isto é, quando concluímos que a norma posterior
traz consigo um conteúdo mais favorável, é de aceitar a possibilidade de aplicação retroativa
dessa lei penal mais favorável.
No nº1 o legislador identifica de uma forma tão precisa quanto possível, o objeto
material do princípio da irretroatividade, sendo este as leis que definem factos como crimes e
que definem penas, e ainda as leis que definem medidas de segurança.
O legislador explica-se dizendo que, olhando para normas que definem comportamentos
como crimes e que consagravam sanções penais chamadas penas, e para normas que consagram
medidas de segurança só dispõem para o futuro. Um comportamento só pode ser qualificado
como crime ou gerar uma medida de segurança se houvesse uma lei que o consagrasse como tal
à data da prática do ato.
O legislador não se dirige, na sua técnica de formulação, a todo o direito de
sancionatório. Parecem faltar aqui as contra-ordenações. A interpretação tradicional deste
artigo 29º nº1 foi no sentido de dizer que o legislador escolheu o direito sancionatório
para tomar como referência, que é o direito penal. Vem-nos dizer que este artigo 29º nº1 se
aplica ao direito penal, mas este é uma categoria entre várias de direito sancionatório. Por isso,
os demais direitos sancionatórios que existem não deixam de estar sujeitos a estes princípios
fundamenais consagrados na constituição, a propósito do Direito Penal.22
Depois temos o Artigo 29º nº4 Constituição: Mais uma vez, esta norma, formalmente
aplica-se ao direito penal enquanto categoria de direito sancionatório, e concretamente aos
crimes e medidas de segurança, pelo que a interpretação se coloca nos mesmos termos que o
problema já tratado.
Importa perceber a que casos é que este artigo se aplicará. Está sempre aqui em causa, a
possibilidade de aplicação retroativa de leis mais favoráveis na esfera de liberdade do agente.
Se em causa está a tutela da liberdade, mal seria se não se pudesse aplicar a lei mais
favorável que serve para proteger essa mesma esfera de liberdade. Exemplo: alguém é
condenado pela prática de um crime e no momento da prática do facto, ele era considerado por
uma lei X como um facto criminoso. Sucede que durante o julgamento, a lei é revogada e o facto
deixa de ser considerado como um crime, ou surge a lei depois mesmo dele ter sido condenado.
Nos termos do artigo 29º nº4, pode ou não o agente beneficiar da lei mais favorável?
Sim, e que efeito terá a aplicação da lei mais favorável? A sua libertação se ele estiver a
cumprir tempo de prisão, e a arquivação do processo, com a sua absolvição.
Porque é que estamos a beneficiar alguém com este “prémio” com o qual ele não podia
contar, sendo que no momento em que praticou o facto ele tinha a plena consciência de que o
estava a fazer era crime e o queria praticar? Será a necessidade de reflectir na situação do
22Tomado aqui como exemplo global do direito sancionatório. E por isso, também nas contra-ordenações
se aplicaria este princípio da irretroatividade, como garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos
condenado, a vontade atualizada da maioria? Mas porque é que isto é tão importante assim? Em
regra, a maioria está a pensar para o futuro… Não seria difícil que a maioria aceitasse que os que
foram condenados, até saberiam que estavam a praticar um crime, logo o que queremos é
beneficiar apenas os do futuro, mas o artigo 29º nº4 diz que a lei só se aplica para o passado.
A outra razão que justifica o disposto pelo artigo 29º nº4 da CRP, além da tutela da
liberdade genericamente, tem que ver que no âmbito do direito penal, em que há normas que
restringem a liberdade física, esta restrição desta liberdade é justificada por razões de
prevenção. Na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, e também na
escolha da própria natureza da pena e na escolha e definição das penas principais e acessórias, e
no quantum de umas e de outras, o tribunal tem de ter em consideração a prossecução de fins de
prevenção. E só pode privar a liberdade daquele individuo em face daquele facto, quando a
quantidade de liberdade que lhe é restringida tem correspondência à medida de razões de
prevenção. O agente não pode ser privado mais tempo da sua liberdade do que aquilo que é
necessário para que se previna a prática futura de crimes.
Pode acontecer que porventura a norma seja revogada e o crime deixe de existir
intencionalmente, porque essa foi a opção da comunidade, o que é que a comunidade está a
dizer em relação à necessidade de descrever aqueles factos por via de uma sanção punitiva? Que
aqueles factos deixam de merecer tratamento penal, deixam de justificar a aplicação de
uma pena, e deixa de haver razões de prevenção que justificam a aplicação de uma pena á
prática daqueles factos. Não há razões de prevenção que justifiquem aquela punição.
No Código Penal
Este artigo 29º nº4 CRP tem reflexo no nosso Código Penal em duas normas que
concretizam este princípio: São o artigo 2º nº2 e 2º nº4 do Código Penal. Na verdade, o
código penal distingue dois conjuntos de situações que correspondem à aplicação retroactiva da
lei penal mais favorável.
Artigo 2º nº2 Código Penal: A que situações de lei mais favorável, posterior à prática do
facto, é que o legislador se está a referir nesta norma? A normas que têm um efeito
descriminalizador do facto, isto é, a todas as situações em que leis que promovem uma
determinada disciplina jurídica, aplicadas a um determinado facto, levam a que um facto que era
considerado como crime na data em que foi praticado, deixe de o ser. Este artigo refere-se a
todas as situações genéricas que têm como efeito a descriminalização de factos concretos,
sendo que o seu principal efeito é a cessão imediata de efeitos penais, e a libertação do individuo
se houvesse a sua prisão.
Artigo 2º nº4 Código Penal: Trata-se também de casos de aplicação retroativa da lei
penal mais favorável, mas agora o legislador refere-se a casos em que ao nível da previsão da
norma nada mudou, ou seja, o facto que era previsto como crime continua a sê-lo, a sua
natureza criminal mantém-se, mas há uma mudança relevante ao nível da sua estatuição, ou das
suas consequências jurídicas, que serão mais favoráveis do que aquelas que se encontravam em
vigor na data da prática do facto.
Neste conjunto de situações do nº4 o legislador exige que verifiquemos em face das duas
leis que se encontram em sucessão, (em que vigorava no momento da prática do facto e a
posterior), em concreto, qual delas estabelece consequências mais favoráveis. O conjunto de
situações que estão neste âmbito são muito variáveis: substituir uma pena de prisão por multa,
aumentar o número de situações que permitem a suspensão de pena, etc.
Será que a nova lei não é aplicável, mesmo apesar de já ter havido condenação por
sentença transitada em julgado? Em certas situações é aplicável, desde que seja mais
favorável. Claro que a partir do momento em que a pena está integralmente cumprida, as
alterações posteriores da lei não vão ter relevância.
Tempus delicti - Qual é o momento relevante para efeitos de aplicação da lei no tempo?
Temos de definir o momento da prática do facto, porque só assim podemos saber qual a lei que
está em vigor nesse momento, e quais as leis posteriores a esse momento, e, eventualmente,
quais são as leis anteriores a esse momento (que não podem ser aplicadas).
Artigo 3º esclarece qual o critério geral que se deve aplicar. Muitas vezes verificamos
um lapso temporal entre a actuação e o resultado, e esse lapso é relevante. Como tal, o
legislador escolheu que o momento relevante do ponto vista jurídico, é o momento da actuação
do agente (ou nos casos de omissão, a data em que agente devia ter actuado) e não o momento
da produção do resultado. Exemplo: A dispara 2 tiros a B. B morre passado 6 meses. Quando A
dispara está em vigor uma lei que punia este homicídio com uma pena de 10 anos. Quando B
morre, já está em vigor outra lei que vem punir com 15 anos. Se fosse relevante o momento do
resultado, então aplicar-se-ia a Lei 2 (não se podia aplicar a Lei 1), mas não sendo esse o critério,
aplica-se a Lei 1 e a aplicação da Lei 2 já será retroactiva.
Mas há casos mais complexos, exemplo: Sequestro. Quando o agente sequestra a vítima a
conduta não está prevista na lei como crime, mas entra em vigor a norma penal a meio da
privação da liberdade. Será que pode ser punido? No momento em que actuou o facto não era
crime, mas estes crimes têm como nota característica a execução do facto se protrair
interruptamente durante determinado período de tempo, portanto não pode responder
pelo período de tempo anterior, mas vai responde pelo período de privação a liberdade
posterior à entrada em vigor da nova lei.
Assim:
1) Crime Continuado – os prazos contam-se desde cada um dos actos que compõe a
continuação criminosa, ficando por isso prejudicado o conhecimento dos factos da
continuação em relação aos quais não tenha havido queixa tempestiva. A mesma
solução vale para o crime habitual.
Como já vimos acontece por causa do artigo 2º do CP e do artigo 29º da CRP. Dá-se nos
casos em que há uma lei nova a aplicar ou que a lei vigente cessa. Temos, também como já
referimos duas situações:
Descriminalização
Para vermos se aconteceu que uma conduta tenha deixado de ser ilícita, culposa ou típica
temos de olhar ao caso concreto.
O critério do facto concreto, é o critério classicamente utilizado, e serve para saber se
temos descriminalização. Temos de ver, partindo da situação concreta, se esse facto praticado
pelo agente continua a ser crime de acordo com a nova lei. Vamos subsumir o facto à lei que
estava em vigor na sua prática, e verificamos que era ilícito, típico e culpável. Mas, depois temos
de subsumir esse mesmo facto à Lei 2 para saber se continua ilícito, típico e culpável.
Se Deixa de ser típico, isto é o tipo legal cessa a sua vigência – aqui não há duvida. Deixa
de ser crime.
Deixar de ser culposo – Devido a uma nova causa de exclusão da culpa, e é necessário
que o agente tenha actuado ao abrigo dessa causa de exclusão de culpa.
Não basta que a nova lei preveja uma causa de exclusão da ilicitude ou culpa, o agente
tem de agir dentro das circunstâncias factuais e concretas que excluem a ilicitude ou a
culpa.
23 Daqui em diante entenda-se: sucessão de leis=sucessão de leis penais, continua a ser crime.
Isto acontece quando há uma alteração da natureza do próprio tipo legal de crime, nestas
situações temos um tipo legal de crime que tem um âmbito de aplicação, esse que é substituído
por outro tipo legal de crime completamente diferente, visa tutelar um bem jurídico diferente,
mas por coincidência também abrange um conjunto de condutas que estão previstas nos dois
tipos legais. Então, nesses casos vem se defender que foi quebrada a continuidade normativa
típica, e que em virtude desta quebra, apesar do facto concreto ser típico, ilícito e culpável de
acordo com as novas leis, devemos ter à mesma uma situação de descriminalização.
Isto acontece quando há alteração da natureza do crime em virtude da introdução de
novos elementos do tipo. Exemplo: Crime emissão do cheque sem provisão é um crime de
perigo abstrato, bastava que o cheque não fosse pago quando fosse apresentado ao banco para
que tivéssemos este crime. Hoje em dia só é crime se o não pagamento do cheque causar
prejuízo patrimonial ao portador. Se ele deixar de receber uma quantia que tem direito a receber
nos termos da relação jurídica subjacente. O crime deixou de ser um crime de perigo, para ser
um crime de dano. Portanto, há uma alteração total e completa da natureza do crime e do bem
jurídico protegido. Deixou de ser a confiança da circulação do cheque como meio de
pagamento para ser o património do portador do cheque.
Apesar disto, há situações concretas em que o não pagamento do cheque causa prejuízo
patrimonial.
Exemplo: entrego cheque para pagar uma televisão, e esse não tem provisão e a
televisão funciona bem. Imaginando que esta atuação dá-se quando está em vigor a Lei 1 que
prevê que seja um crime de perigo abstrato, e quando o agente é condenado já está em vigor a
Lei 2, que prevê que é um crime de dano que tutela o património da vítima. Aplicando a teoria do
facto concreto, é claro que aquele facto concreto continua a ser crime perante as duas leis, e o
agente vai ser punido. Temos uma sucessão de leis, não uma descriminalização. O facto é punido
pela Lei anterior porque não é preciso da prova de prejuízo patrimonial, continua a ser crime de
acordo com a nova lei porque o não pagamento pelo cheque causa prejuízo patrimonial ao
portador.
Aplicando a teoria da continuidade normativa típica, há uma descriminalização
porque apesar do nome do tipo legal continuar o mesmo, o tipo legal anterior não tem nada a ver
com o novo tipo legal. Os bens jurídicos protegidos são diferentes.
A Jurisprudência acabou por decidir pela teoria do facto concreto. Logo esta teoria
da continuidade não é a usada hoje.
O ponto de partida para saber se há uma descriminalização é o facto concreto. Temos de
partir do facto concreto, porque comparando apenas as duas leis não podemos chegar a
nenhuma conclusão, essa tem de ter sempre como referencia o facto concreto praticado pelo
agente que tem de ser subsumido à nova lei.
E só se esse facto deixar de ser típico, culposo ou ilícito é que então podemos ter uma
situação de descriminalização.
2)Ou houve, mas ainda não transitou em julgado e aí o artigo 2º prevê que o processo
deve ser de imediato arquivado. E que se houver que ser proferida uma sentença, tem de ser
uma sentença absolutória.
3)Se já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado, e estiver a cumprir a
pena (quando termina a execução da pena não há nada a fazer) – então a execução deve cessar
de imediato, e deve ser colocado em libertado.
Nestes casos o facto continua a ser típico, ilícito e culposo, ou seja, continua a ser um
crime. Porque é que a nova lei pode ser mais favorável? Desde logo, a nova lei pode ser mais
favorável porque a pena é mais leve que a pena prevista na lei antiga. Imaginemos que o
facto concreto é punível com uma pena de 8 anos com a LA25, passa a ser punível com pena de 5
anos pela LN26. É obvio que a lei nova é mais favorável. Outras hipóteses são as em que não se
altera a medida concreta da pena, imaginemos que, de acordo com a LA a pena era de 4 anos e o
agente tinha de cumprir pena de prisão efectiva27 ; de acordo com a LN tínhamos uma pena na
mesma de 4 anos mas de prisão suspensa28.
Logo, ainda que o facto continue a ser típico, ilícito e culposo, pode acontecer a LN que
seja mais favorável.
Há uma alteração não ao nível dos elementos definidores da infracção penal, mas uma
alteração a nível das consequências jurídicas do facto. Aplica-se nestes casos o artigo 2º nº4.
Nestes casos, como não há alteração dos elementos definidores da infração penal, mas
apenas ao nível da consequência jurídica. E, também nestas hipóteses, por determinação
constitucional, a nova lei posterior de conteúdo mais favorável é aplicada retroactivamente, é
assim, desde logo ,por causa do princípio da necessidade da pena.
L2 – 3 a 6 anos
Qual a mais favorável? Depende. Temos sempre de olhar ao caso concreto como já
dissemos, esse é que é o critério.
Se tiver sido condenado a 1 ano de prisão pela L1. Essa será sempre a mais favorável. Se
tiver sido condenado a 8 anos, a L2 é mais favorável que a 1.
O Tribunal, para saber qual a lei mais favorável, não pode comparar a pena abstracta.
Tem de determinar a pena concreta que será aplicada ao agente em virtude da L1 e da L2. Para o
fazer, o tribunal tem de elaborar 2 projectos de sentença em que determina a pena aplicada
até às últimas consequências, resolvendo, nomeadamente, questões como saber se o agente
pode ou não beneficiar de uma suspensão de execução da pena; saber se a pena pode ou não ser
Outra regra é: quando o tribunal escolhe qual a lei mais favorável, tem de escolher em
bloco (ou é a lei 1 ou a 2). Ou seja, o tribunal não pode extrair das duas leis os elementos mais
favoráveis para o agente, criando assim uma “lei 3” nunca antes em vigor.
Exemplo: L1 - 6 anos de pena suspensa; L2 – 4 anos pena efetiva. A L2 prevê pena mais
baixa, mas tem de ser cumprida em prisão. O tribunal pode escolher 6 anos de suspensa ou 4 de
efectiva, mas não pode decidir que são 4 anos de pena suspensa (conjugando a L1 e a L2) porque
essa lei nunca teve em vigor. Não pode ir buscar os elementos mais favoráveis das 2 leis.
1) Porque ele tem o direito fundamental à paz jurídica, o direito a não ser
julgado, mais do que uma vez pela prática dos mesmos factos, ou seja quem pode
intermeter-se nesse direito é a própria pessoa e não “outros”.
Depois de tudo isto surgiram algumas dúvidas com este novo regime do 371º-A.
Olhando mais uma vez à revisão de 2007 vemos que esta trouxe entre outras coisas uma
conjugação de duas normas ao Código Penal:
1) Passou a ser possível a suspensão da pena, desde que a pena concreta não seja
superior a 5 anos, artigo 50º. No código anterior só era possível se a pena concreta
não fosse superior a 3 anos. Vem-se dizer ainda que o período da suspensão da
pena de prisão nunca pode ser superior à medida concreta da pena. Portanto, se
temos uma pena de 3 anos, a suspensão nunca pode ser superior a 3 anos.
2) Artigo 2º nº4, nova redacção permite a aplicação retroactiva da nova lei, ainda que a
condenação tenha transitado em julgado.
Assim sendo o que todos os condenados que por exemplo tivessem penas de prisão de 3
anos mas com 5 de suspensão anos deviam ter feito era requerer a reabertura da audiência para
aplicação da nova lei, e consequente suspensão da pena de prisão ou redução da mesma.32
Portanto, concluindo, este novo regime que determina que a lei é aplicada
retroativamente mesmo quando haja sentença transitada em julgado, coloca em crise a própria
distinção entre descriminalização e sucessão de leis porque a distinção entre as duas justificava-
se pois o legislador fazia-lhes corresponder regimes jurídicos diferentes:
Ora, de acordo com a nova redação de 2007 a distinção que se devia fazer era entre:
Casos em que para aplicar a LN depois de haver sentença transitada em julgado é ou não
preciso a reabertura da audiência. Essa é que é verdadeiramente a diferença de regime entre
a sucessão e a descriminalização.
2) Em todos os outros casos que seja necessário prolação de uma sentença para se
saber se a nova lei é ou não mais favorável, o condenado tem de pedir a
reabertura da audiência ao abrigo do 371-A.
33 Ver Outras Considerações neste caderno no que diz respeito à analogia onde tocámos neste tema.
sentido de que também nesta situação se justificar a reabertura da audiência
ao abrigo do 371-A.
Outra hipótese de descriminalização sucede nos casos em que tem lugar uma alteração
da natureza do ilícito, em qualquer ordem jurídica, o legislador tem de admitir que há
infrações que são praticadas em massa e que o processo penal comum não será o meio mais
adequado para delas conhecer. Exemplos: infrações fiscais, infrações ao código da estrada etc..
são praticadas aos milhões e por isso, não podem ter um processo igual ao de um homicídio.
Assim, a partir de 1982, criou-se um novo ramo de direito para abranger estas
infrações que são praticadas em massa. É o direito das contra-ordenações ou ilícito de mera
ordenação social. É ainda um direito sancionatório, no fim do dia, o objectivo é aplicar sanções
às pessoas que pratiquem contra-ordenações.
Mas, muitos dos princípios fundamentais do direito penal valem também para o direito
das contra-ordenações. Desde logo, os que são consagrados no decreto em questão: tipicidade,
proibição da aplicação retroactiva ou princípio da aplicação retroactiva da lei posterior
mais favorável. Por outro, lado a jurisprudência constitucional tem dito que as garantias do
processo penal também valem para o direito das contra-ordenações. Assim, embora o artigo 29
apenas se refira ao direito penal, tem-se entendido que as garantias devem valer por igual para o
direitos das contraordenações, enquanto direito sancionatório.
Até aqui tudo tranquilo. O problema está na situação que vamos agora passar a
descrever.
Se de acordo com a LA o facto tinha natureza de crime, e depois o facto concreto passa a
ser contra-ordenação, por lei posterior à data da prática dos factos. Pode esta lei aplicar-se
retroativamente? Não. Como já vimos, dissemos e repetimos, voltamos a repetir: no direito das
contra-ordenações vigoram os mesmos princípios do direito penal e, em matéria de legalidade,
desde logo, a proibição da retroactividade é expressamente consagrada no Decreto-Lei
433/82.
Neste caso há descriminalização, logo não pode ser punido pela LA, tem de ser absolvido.
Este é o grande problema. Não se pode aplicar a LA porque houve descriminalização e a LN
não se pode aplicar porque não se pode aplicar a factos praticados antes da sua entrada em
vigor.
Isto aconteceu muito no país aquando da mudança do Código da Estrada, chamavam-se
de Amnistias ou Anestesia ao que acontecia pois deixavam de ter de pagar as multas ou coimas
por infracção ao código da estrada, ou seja, simplesmente não eram sancionados pelo que
tinham feito entre a LA e a LN (novo Código da Estrada).
Quando o legislador descobriu este problema não achou muita piada e vamos ver um
acórdão do Tribunal Constitucional em que, em matéria fiscal, tínhamos uma norma que
transformou os crimes em contra-ordenações. O legislador quis que se aplicasse o regime
anterior, que continuasse a ser punido como crime, apesar da lei que o previa com essa natureza
ter sido revogada, basicamente queria que não houvesse descriminalização. Pode o legislador
ordinário fazê-lo? Não pode faze-lo, porque é princípio constitucional. O preceito deste
diploma que pretendia que continuasse em vigor as normas que previam o facto como
transgressão foi declarado inconstitucional porque impedia a aplicação da nova lei ainda que
mais favorável.
Chegamos a 2006, e o legislador tomou a opção de, de uma só vez, transformar vários
crimes em contraordenações, até esse ano, tinha-o feito paulatinamente para controlar bem as
consequências da descriminalização (já sabia que as infrações ao código da estrada ia ser tudo
arquivado; as infrações fiscais ia ser tudo arquivado).
Então tentou apurar uma solução, que foi criar regime transitório.34
Tentou consagrar que há continuidade sancionatória, pretendeu-se na prática
permitir a aplicação retroativa da nova lei que prevê o facto como contra-ordenação – “
são sancionados como contra-ordenação, apesar de terem sido praticados antes da data da
entrada em vigor da nova lei”. Íamos ter contra-ordenações retroactivas35.
Do ponto de vista imediato, esta lei que veio estabelecer a continuidade sancionatória
veio alterar, com este campo de aplicação, o artigo 2º do DL 433/82, que estabelece o princípio
da proibição da aplicação retroactiva da lei que prevê o facto como contra-ordenação. Ou seja,
este diploma veio dizer que afinal a LN se pode aplicar a facto praticado antes da sua entrada em
vigor. Vem afastar o princípio da proibição da aplicação retroactiva da LN. Isto não tem
problema do ponto de vista infra- constitucional, foi lei da Assembleia da Repúblico que alterou
outra lei da Assembleia da República (neste caso por Decreto-Lei autorizado).
34 Os regimes transitórios estão previstos nos vários diplomas das infracções: exemplo Hipótese Prática XI,
ou o Código da Estrada num artigo conter um regime transitório.
35 Dependendo: se a lei anterior fosse mais favorável aplicávamos esta.
normas de direito sancionatório que determinem a aplicação retroativa, mas da lei que prevê o
facto como contra-ordenação, não da lei que prevê o facto como crime.
No fundo o Tribunal Constitucional está a tentar impor uma interpretação restritiva do
artigo 29º dizendo que este só se aplica mesmo ao direito penal e não a todo o direito
sancionatório. Esta opinião é contrária a muita doutrina.
Outras Considerações
Paulo Pinto de Albuquerque no seu comentário ao código penal diz-nos que para efeitos
de sucessão de leis pode estabelecer-se a seguinte ordem decrescente de gravidade/
crescente de favorabilidade:
Como já sabemos do nosso estudo no primeiro ano em IED, a lei interpretativa não é
considerada retroactiva porque se integra na lei vigente como se lá estivesse desde do início.
Contudo, no direito penal, a lei penal interpretativa posterior ao facto não se integra na
norma penal interpretada se não for mais favorável ao arguido, razão pela qual podemos
dizer que o princípio do artigo 13º do Código Civil não tem inteira validade no âmbito de
direito penal, tal como diz Cavaleiro Ferreira.
Já a declaração de rectificação de uma lei que despenaliza uma conduta não pode voltar a
penalizar essa conduta por violação do princípio da segurança jurídica, isto é o que se vê no
acórdão do Tribunal Constitucional 490/2009. No entanto como podemos ver nas hipóteses
práticas deste caderno, aquilo que consideramos não é o que acabamos de dizer na primeira
frase deste parágrafo. Considerámos que a declaração de rectificação em causa simplesmente
não era uma verdadeira declaração de rectificação e visa ser “nova lei” com efeitos
retroactivos. Veja-se a hipótese VIII deste caderno.
Como vamos ter oportunidade de ver nas hipóteses práticas neste caderno o professor
Henrique Salinas Monteiro defende que o artigo 31º do Código Penal consagrando a ideia da
subsidiariedade, exclui a ilicitude penal mediante quaisquer causas de justificação que estejam
previstas em qualquer outro ramo do Direito Portanto, não há qualquer problema, para
excluir a ilicitude, em recorrer à analogia, é o que resulta para este professor deste artigo. A
analogia, em Direito Penal, “não é permitida se for desfavorável para o agente, mas já
permitida se for favorável” é o que podemos dizer de forma pouco rigorosa.
O autor Germano Marques da Silva diz-nos pois que no que respeita às normas
incriminadoras o direito penal não tem lacunas. Repare-se, como estudámos em IED só
usamos a analogia como táctica de integrar lacunas, não estamos aqui a falar portanto do
elemento analógico de interpretação mas sim do resultado em si: analogia. Se o direito penal no
que diz respeito aos tipos legais não tem lacunas isso leva à conclusão que não há lugar à
analogia. Germano Marques da Silva dá-nos esta indicação de que o direito penal não tem
lacunas por força do Princípio da Tipicidade e da Fragmentariedade.
Já no que toca às normas denominadas por este professor como “normas negativas” isto
é, aquelas que delimitam negativamente as normas incriminadores, garantido ou favorecendo os
direitos das pessoas defende que há espaço para analogia uma vez que podem e com toda a
probabilidade existem lacunas nessa parte do direito penal.
Para Paulo Pinto Albuquerque a proibição do artigo 1º nº3 não inclui as causas de
justificação ou exclusão de culpa e da punibilidade, desde que a analogia resulte na
ampliação do campo de aplicação de ditas causas, isto é, desde que favoreça o agente do facto.
Paulo Pinto Albuquerque defende que a proibição analógica noutros termos não está expressa
em qualquer parte da lei, vale por isso apenas para os casos que o nº3 indica e para a parte
geral do Código Penal.
Note-se, se para Paulo Pinto Albuquerque a parte geral não pode ser aplicada
analogicamente então não há para este autor lugar à posição defendida por Henrique Salinas no
que toca à aplicação analógica do artigo 2º relativamente às alterações feitas ao artigo 50º do
CP que neste caderno já referimos.
Outros autores porém defendem que a analogia a ser feita nos termos do artigo 10º do
Código Civil além de não se poder aplicar aos casos do nº3 do artigo 1º do Código Penal
também não se poderia aplicar às normas que estabelecem causas de justificação e
exculpação. Isto pois tais autores consideram que essas normas não podem ser aplicadas
analogicamente por serem normas excepcionais, como também sabemos pelo artigo 10º do
Código Civil e pelo estudado em IED, as normas excepcionais não podem ser usadas para
analogia.
No entanto não é esta a posição maioritária na doutrina e na jurisprudência.
Interpretação Extensiva
Leis intermédias
São as leis que vigoram entre o momento da prática do facto até ao momento do
julgamento, mas que não estão em vigor no momento da prática do facto, nem no momento do
julgamento. Exemplo: L1 – pena de 5 anos; L2 – pena de 3 anos; L3 – pena de 10 anos. Desde o
momento da prática do facto até ao momento do julgamento estiveram em vigor 3 leis. Qual das
leis vai ser aplicada ao caso concreto?
Aqui não aplicamos a L1 por força do artigo 2º nº4 porque foi substituída por uma lei
mais favorável. Não aplicamos a L3 por força do artigo 2º nº1 pois isso traduziria uma aplicação
retroactiva desfavorável. Aplicamos a L2, pois é a mais favorável, entende-se isto porque o artigo
2º nº4 dita “estabelecidas em leis posteriores...” e interpreta-se que o plural dado pelo artigo no
que se refere às “leis posteriores” serve para atribuir relevância à lei intermédia.
Porquê? Porque ao entrar em vigor a L2 o agente adquire a garantia de não poder ser lhe
aplicada qualquer lei posterior que seja menos favorável.
Importa ter noção que isto também vale, ainda que a L2 seja uma lei descriminalizada,
ainda que de acordo com a L2 o facto deixe de constituir crime. Isto porque se a L2 elimina o
facto do nº das infrações, nós não podemos aplicar a L1 porque houve uma descriminalização.
Podemos aplicar a L3? Não porque a L3 que é criminalizadora não se pode aplicar
retroactivamente. Com a entrada em vigor da L2 nesse caso o agente adquiriu o direito a não ser
punido pela prática do facto. Direito este que não pode ser suprido por uma lei posterior, porque
isso traduzir-se-ia de uma aplicação retroactiva de uma lei posterior que não é mais favorável ao
agente.
Leis temporárias
São exceção disto que temos estado a ver as chamadas leis temporárias. As leis
temporárias são leis que vigoram durante um determinado período de tempo para reagir a
circunstâncias excepcionais.
O artigo 2º nº3 do CP vem dizer que nestes não se aplica a regra da aplicação posterior
da lei de conteúdo mais favorável porque a intenção do legislador é punir o agente durante
aquele tempo em que os factos mais gravemente afectavam a sociedade, sendo por isso
necessária. Portanto, não podemos dizer que a aplicação retroactiva da lei posterior se aplica
porque a pena deixou de ser necessária.
É preciso é que verdadeiramente a lei em causa seja uma lei temporária, hajam
circunstâncias temporais que estiveram na origem do agravamento da responsabilidade
penal durante aquele período de tempo. A necessidade daquela punição permanece, não
houve alteração da concepção da gravidade do facto, deixaram é de vigorar as circunstancia que
justificaram o agravamento da responsabilidade criminal. Exemplo: Durante um período de
muita seca uma lei decreta que enquanto houver seca não se podem encher piscinas e que tal
prática dá entre 4 a 6 anos de prisão. Quando a lei deixar de vigorar não é por isso que se vai
aplica retroactivamente a legislação mais favorável nesse caso.
Isto compreende-se pois se assim não fosse seria impossível punir factos graves que têm
a sua gravidade fundada em acontecimentos de um certo período de tempo.
Para alguns autores é preciso que a lei seja expressa e não implícita quanto a sua
validade temporária. Na dúvida devemos sempre entender uma lei como não sendo temporária.
De ressalvar ainda que não se confunda esta excepção da lei temporária com a alteração
ou sucessão de leis temporárias. Isto é, se o legislador vier a alterar determinada lei temporária
entre a escolha da LA e LN, ambas temporárias, vale o princípio da retroactividade mais
favorável.
O problema da aplicação da lei penal no espaço é que temos conflitos de leis, na aplicação
da lei no espaço a escolha de que lei aplicar vai recair sobre diversas leis que vigoram em
simultâneo que vigoram em diferentes ordens jurídicas.
Este problema coloca-se porque por vezes temos situações de facto que são
plurilocalizadas. Ou seja, situações de facto que têm conexão com mais de uma ordem jurídica.
Exemplo: António (Português) dispara sobre John (Inglés) na Alemanha, e John é transportado
para um hospital em Portugal onde vem a falecer, e por isso temos aqui uma situação que tem
elementos de conexão de várias ordens jurídicas (Portugal – local da nacionalidade do agente e
onde vitima falece,Alemanha– local onde facto foi praticado e Inglaterra-nacionalidade da
vitima). Há neste caso que saber qual a lei penal aplicável entre aquelas que têm uma ligação
com esta situação de facto (Portuguesa, Inglesa ou Francesa ou mais do que uma delas, o que
pode acontecer em direito penal)
Em rigor não vamos adotar esta pergunta multilateral agora exposta, ou seja, no direito
penal a pergunta não vai ser qual a lei aplicável (Portuguesa, Francesa, Espanhola, etc.) porque
como o que está em causa no direito penal é exercício do poder soberano do Estado, o que
vamos perguntar é apenas se a Lei Penal Portuguesa é ou não aplicável àquela situação
plurilocalizada. Não nos vamos em preocupar em saber, caso a lei penal portuguesa não possa
ser aplicada, qual será a lei estrangeira que eventualmente será aplicada. Isso é um problema
dos Estados que tenham uma ligação com essa situação de facto. Portugal não se imiscui em
problemas de soberania de outros Estados, o que nos interessa é se a lei penal portuguesa é ou
não aplicável… Se não o for, os Tribunais Portugueses não têm competência para conhecer
daquele facto e por isso a questão deixa de ter relevância para a nossa ordem jurídica. Por isso,
se um Brasileiro matar um paraguaio na Argentina, nenhum deles vivia em Portugal, e por isso
os Tribunais não vão reclamar competência para julgar esses factos. Constatamos apenas que os
Tribunais Portugueses não poderão tratar e conhecer deste facto.
Esta matéria da aplicação da lei penal no espaço está relacionada com o direito penal
internacional, que é fonte de direito interno, mas que tem influência internacional na medida
em que existe uma situação jurídica plurilocalizada, isto é, que está em conexão com outras
ordens jurídicas.
O que vamos ver neste caderno é direito penal internacional, e não direito
internacional penal.
Princípios
Temos a este respeito um Princípio geral que vai determinar a aplicação da lei penal
Portuguesa que é o Princípio da Territorialidade, segundo o qual a lei penal portuguesa é
aplicada a factos praticados em território nacional. É este o princípio regra no que toca à
aplicação da lei penal portuguesa no espaço.
Temos depois outros princípios supletivos, que são aplicados às situações em que os
factos não foram praticados em território português, situações de extraterritorialidade da
aplicação da lei penal portuguesa. São esses:
1º Princípio da nacionalidade;
2º Principio Realista,
3º Princípio da Universalidade
Princípio da Territorialidade
a) Direito Interno: Entende-se que nenhum Estado renuncie à aplicação da sua lei a
factos praticados no seu território nacional por razões de soberania, e por razões de
segurança dos seus cidadãos, se aplica a lei penal nacional desse país. Se um Inglês
mata outro Inglês no algarve, como ocorreu em território português não se vai
prescindir da aplicação da sua lei penal a este caso, nem do julgamento do agente
Inglês pelos tribunais Portugueses. Por uma questão de soberania e de segurança dos
cidadãos e jurídica. També há razões práticas a justificar isto, do ponto de vista da
investigação, da produção da prova e da descoberta da verdade, é muito mais fácil
que o facto seja julgado pelos tribunais do país onde foi praticado. Exemplo: Se
houve testemunhas que presenciaram os factos, serão testemunhas que com toda a
probabilidade residentes em Portugal, havendo documentos, estes estão em
Portugal, todos os vestígios do crime estão em Portugal. Por tudo isto, é mais
suscetível e célere de facilitar a descoberta da verdade, o julgamento destes factos no
território do país onde foram praticados, e por isso trata-se do princípio base no
que respeita á aplicação da lei penal no espaço.
b) Direito internacional: Há uma certa tendência para que todos os Estados adotem
como princípio/regra o da territorialidade, o que contribui para uma maior
articulação entre eles do ponto de vista da aplicação do direto a factos praticados
dentro de cada território nacional, evitando-se assim lacunas de punibilidade,
lacunas de punição, preocupação muito presente nesta matéria de aplicação da lei no
espaço. Exemplo: Se um Estado adotar não o critério da territorialidade mas sim o
critério da nacionalidade, e por isso, não julga factos praticados no seu território por
cidadãos estrangeiros, podemos estar neste caso perante uma situação de lacuna de
punibilidade caso o outro Estado não puna crimes praticados pelos seus cidadãos
nacionais no estrangeiro. Temos uma lacuna porque o Estado A apenas julgaria o
facto se tivesse sido praticado no seu território (o que não sucedeu no caso que
estamos a colocar), e o estado B apenas aplicaria o seu Direito se tivesse sido
praticado por um cidadão seu nacional (o que também não aconteceu). Ainda assim
este é um principio subsidiário já que o artigo 4º CP, diz expressamente que a lei
penal portuguesa é aplicável a factos ocorridos no território nacional, salvo
convenção internacional em contrário. Por isso, toda esta matéria está sujeita à
aplicação das convenções internacionais que prevalecem sobre as leis internas.
Esta matéria da aplicação da lei penal no espaço, e do ponto de vista processual, da
cooperação judiciária internacional, é hoje muito premente, pela grande circulação de pessoas
que existe por todo o mundo. Se existir uma qualquer convenção internacional que regule esse
caso aplicamos o que disser a convenção, porque apenas se não existir é que vamos aplicar as
regras, que no plano substantivo, estão no Código Penal.
Quando dizemos que a lei penal portuguesa se aplica a factos praticados em território
nacional, a primeira questão é saber o que é que se considera território nacional? Para isso
recorremos ao artigo 5º da Constituição. Aplica-se a lei penal portuguesa até aos limites
das águas territoriais.
Temos de ter em conta ainda que por disposição expressa da aliena b) do artigo 4º do
Código Penal, alarga-se a aplicação da lei penal portuguesa a factos praticados no estrangeiro a
bordo de navios ou aeronaves portuguesas. Esta regra é aplicada ainda por força do princípio da
territorialidade, ou seja, considera-se que o facto foi praticado em território de Portugal.38
O que acabámos de referir é conhecido por Princípio do Pavilhão ou da Bandeira, em
termos latos é o princípio que diz que uma infracção cometida a bordo de uma aeronave ou
navio é sancionado pela lei do país a que pertence desse veículo, a não ser que o veículo esteja
em território soberano de outro estado ou em portos e aeroportos de outros países. Os factos
praticados a bordo enquanto o veículo estiver em território/porto estrangeiro, só são
sancionados pela lei portuguesa na falta de julgamento pelo país do território em que se
encontram39. Este é um princípio supletivo, prevalecem sempre as convenções internacionais
sobre isto.
Para podermos aplicar este princípio, temos ainda de saber em que local é que o facto foi
praticado, porque só se o facto tiver sido praticado no território nacional é que vamos aplicar a
lei penal portuguesa por força deste princípio, Para isto é importante o artigo 7º do CP. O
critério aqui utilizado, da ubiquidade, é um critério jurídico e não naturalístico do local da
prática do facto. O próprio nome indica, porque do ponto de vista naturalístico uma pessoa não
pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas isso não é assim do ponto de vista penal. Do
ponto de vista Penal, o facto pode-se considerar praticado em diferentes locais, isto para se
alargar ao máximo o campo de aplicação da lei penal portuguesa. Alargando o critério de
determinação da localização do facto, a mais factos será a lei penal portuguesa aplicada, por
força do princípio da territorialidade. A principal escolha que tem de ser feita e que esta critério
evita, é que há muitos crimes em que o agente actua, no momento ou lugar da atuação do facto,
mas o resultado típico (previsto no tipo) vem produzir-se mais tarde, por esse motivo, pode
acontecer que esse resultado se produza num lugar diferente daquele em que o agente atuou.
Exemplo: A mata B (Espanhol) numa caçada em Elvas, ficando este gravemente ferido e sendo
transportado para um Hospital em Badajoz onde vem a falecer… O agente atuou em Portugal
mas o resultado típico deu-se em Espanha. Aqui o legislador tem de decidir qual é o lugar da
prática do facto.
Para se alcançar o objetivo de alargar ao máximo o campo de aplicação da lei penal
portuguesa, por força do princípio da territorialidade, o artigo 7º vem então dizer que é
indiferente se o facto foi praticado em território nacional, ou se o resultado típico lá se produziu.
Qualquer um dos dois é suficiente para que o facto se considere praticado em território
38 Isto é uma regra muito comum nos países, um navio ou aeronave considera-se sempre como “território”
da bandeira carregar, se for um navio Alemão é a lei alemã que se aplica a bordo, isto não é sempre assim
contudo, se o navio Alemão estiver em águas portuguesas não há uma resposta tão direta, é preciso olhar
às convenções internacionais para ver o que está estabelecido.
39 A este princípio, que está dentro do Princípio do Pavilhão, chamamos princípio da representação.
nacional40. Ou seja, a lei não escolhe entre o lugar da prática do facto e o lugar de produção do
resultado típico. Para evitar que exista uma lacuna de punibilidade, então, de acordo com o
artigo 7º em ambos os casos se considera que o lugar da prática do facto foi Portugal.
Este critério da ubiquidade não é o que estamos habituados no direito, já que neste caso
ou se escolhe uma coisa ou outra. Por exemplo, na aplicação da lei no tempo, o critério é o da
actuação e não o da produção do resultado, ou seja, legislador escolhe o momento da prática do
facto e não o do resultado, mas neste caos o legislador não escolhe, e ambas as situações levam à
conclusão de que, para efeitos da aplicação da lei no espaço, se consideram praticadas em
Portugal. Mesmo que alterássemos os dados da hipótese a resposta seria sempre a mesma:
exemplo: A dispara sobre B em Badajoz, B é transportado para hospital em Elvas onde falece. O
facto foi praticado, para efeitos de aplicação da lei penal no espaço em Portugal, já que o
resultado típico aí se produziu.
Ou seja, aqui não temos de escolher entre uma coisa ou outra, porque queremos alargar
o âmbito de aplicação da lei penal portuguesa, por força do princípio da territorialidade.
Contudo, ele só pode ser condenado uma vez por força do princípio que diz que ele
apenas pode ser condenado uma vez pela prática do mesmo crime. No fundo, a
ordenamento jurídico que actuar primeiro é o que se aplica na prática. O que depende muitas
vezes do local onde o agente está, o nº 54 do acordo de Schengen corrobora exatamente o
princípio de que ele apenas pode ser condenado uma vez por cada crime que cometa.
Depois temos ainda o nº2 do artigo 7º de modo a alargar ainda mais os casos de
aplicação da lei penal portuguesa, o nº2 alarga esta solução aos casos de tentativa.
Para os casos de crime por omissão, o facto considera-se praticado não onde o agente
não atuou, mas onde deveria ter atuado. Nestes casos, quando o agente não cumpre o seu dever
de auxílio o facto típico dá-se ali mesmo. Exemplo: nadador-salvador que tem a seu cargo uma
praia metade espanhola metade portuguesa, ele está no lado português e vê alguém a afogar-se
na parte espanhola e de propósito nada faz. Aqui o facto considera-se praticado em território
nacional por força do artigo 7º.
Princípio da nacionalidade: Artigo 5º e), por força deste Principio, lei penal
portuguesa é aplicada a factos praticados fora do território nacional se o facto tiver sido
praticado por português, é o chamado princípio da nacionalidade ativa.
Mas também o princípio da nacionalidade passiva: Assim, lei penal portuguesa é
aplicada a factos praticados fora do território nacional, sempre que a vítima seja um cidadão
nacional, o Estado pune todos os factos relevantes cometidos contra os seus nacionais
independentemente do local. Quanto a este princípio, pode-se colocar a questão se aqui está em
causa o princípio da nacionalidade ou o princípio realista. Porque o que determina o
Princípio da nacionalidade é que a lei penal portuguesa é aplicável a factos praticados por
cidadãos nacionais no estrangeiro, e neste caso também se dá o contrário porque o cidadão
nacional é a vítima.
Neste caso, o que determina a aplicação da lei penal portuguesa é ideia de acordo com a
qual quando o crime é praticado contra um cidadão nacional, mesmo que seja no estrangeiro,
seria uma afectação a um interesse fundamental do estado português, que essa pessoa não fosse
submetida ao julgamento segundo a sua Lei, e por isso estaríamos mais aqui perante o Principio
realista do que o da Nacionalidade. Esta querela é indiferente do ponto de vista prático e legal,
porque em ambos os casos a lei penal portuguesa é aplicável dentro de determinadas condições.
É preciso que o facto constitua crime pela lei portuguesa: a decisão da criminalidade de
determinada conduta depende de um determinado momento histórico e das decisões de um
determinado país.
Princípio realista: Artigo 5º a): factos que violam interesses fundamentais do Estado
Português serão aqueles previstos nos tipos de crime enumerados nesta alínea, temos de saber
se está em causa algum comportamento enumerado nesta alínea. Se o facto aqui não estiver, o
intérprete não o pode colocar lá por analogia, a analogia não é permitida neste caso porque estas
normas são excepcionais.
Hipótese I
Em Processo Penal, é o Ministério Público quem tem de fazer a prova que permitem
configurar o crime. Em caso de dúvida sobre a consistência dos factos, o Tribunal deve jogar a
favor do arguido e deve dar como provados os factos favoráveis ao arguido.
Deixa de ser o Ministério Público a provar que o arguido é culpado, e passa este a ter de
provar que ele é inocente. Este princípio dá-nos o mote de que alguém é presumido inocente até
haver sentença transitada em julgado, que consiste numa sentença condenatória insuscetível de
recurso ordinário.
Violação do Direito ao silêncio: Significa que o arguido tem o direito a não colaborar
no processo, sendo-lhe garantido que o simples exercício desse Direito não vale contra ele.
Assim o é porque se ele se presume inocente, ele não tem que provar essa inocência. E, por isso,
o exercício deste direito ao silêncio corresponde à posição natural de quem é inocente e que se
comporta como tal. A ser assim presumido o cometimento do crime, sobre o agente recairá o
ónus de, já no âmbito de um processo contra si instaurado, vir a oferecer justificação para a
verificada variação patrimonial. E tal significará que, logo na formulação do tipo criminal e pelo
modo como ele foi construído, se contrariou o princípio da presunção de inocência.
A posição do arguido fica estruturalmente alterada em relação àquela que teria nos
crimes tradicionais, já que se houver duvidas e ele souber que vai ser condenado, vai ter
necessariamente que falar e provar da origem licita do património de que beneficia.
O direito penal, enquanto direito de proteção, cumpre uma função de ultima ratio. Só se
justifica, por isso, que intervenha para proteger bens jurídicos – e se não for possível o recurso a
outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos violentas do que as sanções
criminais. As sanções penais hão de constituir sempre o último recurso.
“Toda a norma incriminatória na base da qual não seja suscetível de se divisar um bem
jurídico-penal claramente definido é nula, porque materialmente inconstitucional”.
Quanto ao direito ao silêncio do arguido, que permite ao arguido não ter parte na sua
incriminação, neste caso ocorre o oposto, ou seja, pede-se ao arguido para ele se justificar e
mostrar que não há uma acusação válida. Não há a violação deste direito.
d) Princípio da legalidade
Quanto à retroactividade, não se está a tentar condenar a origem ilícita do rendimento,
pois isso seria sim um facto anterior, o que se pretende condenar é a discrepância, que ocorre no
momento em que se verifica uma variação entre os rendimentos declarados e os tidos. É essa
discrepância que está a ser avaliada.
Decisão
Conclusões do Professor
Pode alguém ser punido quer pela fraude fiscal, quer pelo enriquecimento ilícito?
Artigo 29º nº5 da CRP: Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo
mesmo crime, pelo que alguém não pode ser condenado duas vezes pela mesma conduta. Ou
seja, ninguém pode ser punido mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.
Vertente substantiva: Se uma pessoa pratica uma conduta, só pode ser punida pela
prática de um crime. Não pode haver condenações múltiplas pela prática da mesma
conduta. A uma conduta deve corresponder um crime e uma única pena.
Vertente processual: Se uma pessoa for julgada pela prática de um crime e for
absolvida, não pode ser julgada novamente pela prática do mesmo crime.
É isto que se está a fazer com este crime do enriquecimento ilícito? Sim, pois está a
punir-se esta prática pelo tipo legal de crime do enriquecimento ilícito e por outras leis, como os
crimes fiscais.
Neste caso, a ideia era punir aquelas pessoas cuja situação patrimonial (todo o conjunto
de activos existentes no património jurídico de uma pessoa) fosse superior ao património
declarado às finanças. O problema aqui é que se afere como padrão a comparação entre a
situação patrimonial lícita e a adquirida pelo agente as declarações apresentadas à
Administração Fiscal. O problema é que, de acordo com o nosso sistema fiscal, não há qualquer
obrigação de declaração patrimonial universal por parte de cada contribuinte. Ou seja, por
exemplo, nas declarações fiscais apresentadas anualmente não vai o património imobiliário de
que a pessoa é proprietária. Vai apenas, basicamente, os rendimentos que a pessoa auferiu ao
longo daquele ano fiscal, e nem sequer existe um documento em que a pessoa seja obrigada a
declarar o património universal que detém.
Há outro problema. Um quadro da Paula Rêgo em 1960 não tem o mesmo valor que tem
actualmente. E pode ser dado por um amigo e fazer um preço especial.Como se prova a origem
do quadro se não está sujeito, sequer, a declaração fiscal? Do ponto de vista do tipo legal, temos
uma situação que indicia o enriquecimento ilícito.
Este património não tem origem lícita determinada, pois não consta das declarações de
rendimentos. O arguido é que tinha de provar a origem lícita determinada. Ele não consegue
demonstrar em que circunstância vendeu o quadro, pelo que iria ser condenado pela prática
deste crime.
Por absurdo, uma pessoa que tenha ganho o ‘’Euromilhões’’ e tiver deitado o bilhete fora
e o cheque poderia ser condenado pelo crime de enriquecimento injustificado. Hoje em dia já
não, porque o Estado até vai buscar os 20% ao Euromilhões. Essa tributação veio nos termos da
Troika. Antigamente, nem o ‘’Euromilhões’’ estava sujeito ao pagamento de imposto, pelo que
não tinha de constar na declaração de rendimentos.
Tendo em conta o sistema fiscal português, não havendo uma declaração universal de
bens, tudo isto é difícil demonstrar. Uma pessoa pode ter um património superior àquele que
demonstra. Tudo isso não consta nem tem de constar da declaração de rendimentos.
O que poderia o arguido fazer para não ser condenado? Juntar ao processo a escritura
pública do imóvel. Mas se a pessoa não o fizer, vai ser condenada pela prática do crime. Portanto,
de acordo com o princípio da presunção de inocência, o Ministério Público é que tem de
provar não apenas que não foi declarado como também que não existiu qualquer outra
forma lícita de aquisição daquele património. Torna impossível o trabalho do Ministério
Público. Não há uma lista taxativa de formas lícitas. O juiz sabe que há outras formas lícitas de
aquisição que não têm de constar da declaração de rendimentos. A prova de facto negativo é
uma prova impossível. Ninguém pode provar que determinada pessoa não fez determinada
coisa. E por isso é que há uma inversão do ónus da prova do direito civil para o facto negativo.
Por isso é que o legislador sentiu necessidade de proceder à inversão do ónus da prova,
colocando sobre o arguido o ónus (necessidade de adoptar uma conduta) sob pena de obter um
resultado desfavorável: condenação pela prática do crime
Crime da corrupção
Crime de burla
Crime de furto
O que não existe é um tipo legal de crime que unifique todas esta formas ilícitas de
aquisição de bens. Mas é desejável que exista uma norma geral que venha tipificar como crime
qualquer forma de aquisição ilícita de património? Ou é preferível que, para cada forma de
aquisição ilícita, exista um tipo legal específico?
Por isso, o bem jurídico não se consegue identificar bem porque quer englobar tudo. Não
há uma identificação. Daí a indefinição. Qual a origem ilícita? A mera detenção era considerada
crime ainda que a origem tivesse sido há 20, 30 anos, ainda que através prática de um crime de
burla ou corrupção, cujo procedimento criminal já estava extinto.
Quando estamos a punir alguém pelo enriquecimento ilícito por ter adquirido dinheiro
com a prática do crime de corrupção há 20 anos, como sabemos que um dos princípios do direito
penal é a irretroactividade da lei penal (a lei só vale para o futuro), a que condutas é que
podemos aplicar este tipo legal de enriquecimento ilícito?
“Ilícito” passou para “Injustificado” ou seja, tipo legal engloba o que é lícito mas não
justificado, o que parece ainda mais abrangente que a outra norma do acórdão anterior de
2012, alargou-se talvez o âmbito do tipo legal.
Bens jurídicos: não é pelo legislador enunciar os bens que a norma os protegerá
autonomamente esses princípios, não se identifica o bem jurídico digno de tutela penal, o que é
necessário, pois, toda a norma incriminatória em que não se identifica o bem jurídico tutelado é
nula.
Não incide sobre condutas específicas, mas sobre situações de facto. É necessária maior
precisão em prol dos cidadãos saberem que ao praticar certa conduta estão abrangidos pela
norma.
Norma pode abranger situações que são lícitas, mas cuja conduta será punida por
existir diferença entre património e o rendimento declarado, então punem-se condutas que não
se quereriam punir.
Viola-se o princípio da presunção de inocência, devia ser o Ministério Público a
provar que é culpado e a norma obriga o arguido a provar que é inocente (viola-se o direito ao
silêncio)
Viola-se o princípio necessidade porque quando há uma pena esta implica sempre
uma restrição de direitos fundamentais, e para garantir esta tutela dos direitos fundamentais é
preciso que a medida seja necessária, que não haja medidas menos gravosas. Isto não se verifica,
visto que no que diz respeito aos titulares dos cargos políticos há uma Lei 4/13.
Viola-se também do princípio da subsidiariedade, pois as sanções penais devem ser o
último recurso, e do princípio da fragmentariedade.
Não é fácil saber os rendimentos de toda a gente nem será lícito sabê-lo, os rendimentos
estão cobertos por uma regra de sigilo/segredo fiscal porque respeitam à integridade da vida
privada.
335º-A nº4:“ Para efeitos do disposto no n.º 1, entendem-se por rendimentos e bens
declarados, ou que devam ser declarados, todos os rendimentos brutos constantes das declarações
apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem constar, bem como os rendimentos e bens
objeto de quaisquer declarações ou comunicações exigidas por lei.”
O que é muito confuso porque, se uma pessoa tiver um património de 2 milhões, e desde
que começou a trabalhar declarou meio milhão de euros. Os restantes 1,5 milhões podem ter
sido angariados por maneiras que não são sujeitas a tributação fiscal, se calhar aqui a pessoa
estaria automaticamente condenada (no tipo anterior ainda era admissível que o acusado
demonstrasse a origem lícita determinada) agora nem isso existe. A pessoa é punida por haver
uma diferença entre rendimento declarado e património. No entanto este critério de aferição é
desfasado do que se pretende aferir, porque nem todo o património nem todo o rendimento tem
de ser declarado, mas a norma refere-se a totalidade do património, (ex: pessoas no
estrangeiro- não constam os rendimentos objecto de declaração no estrangeiro- não tem de
declarar os rendimentos em Portugal, mas é relevante para a avaliação da diferença entre
património e rendimento declarado).Se calhar foi por esta razão que deixou de ser
enriquecimento ilícito para ser injustificado:
“Injustificado” Património que não foi declarado, porém, isto não implica que tenha sido
adquirido ilicitamente. O que se está a punir é meramente o puro e simples enriquecimento, a
mera detenção de património, sempre que a pessoa não o tenha declarado, independentemente
de isso se traduzir ou não numa ilicitude. (Parece que houve até um alargamento da tutela penal-
em relação ao projecto de lei de 2012) o legislador quis eliminar a questão da prova mas em
consequência alargou o âmbito da norma, eliminou a prova e alargou o campo de punição.
Se houvesse entre nós desde a nascença uma obrigação universal de declaração dos
rendimentos e do património (adquiridos em Portugal, no estrangeiro, por morte, acto
intervivos, etc), tudo seria incluído, todos os bens, e a comparação seria possível. Mesmo assim,
estaria em causa, não o enriquecimento da pessoa, mas sim um crime de falsas declarações, o
que não tem a ver com a punição da aquisição ilícita da fortuna, isto tem de estar previsto.
Norma faz sentido? Não se pode punir uma falsa declaração se não há declaração universal, já
ocultar o que deve constar da declaração constitui crime de fraude fiscal. Além de que viola
claramente a privacidade, assim o Estado teria acesso a tudo! Seria totalmente intrusivo na
integridade da vida privada.
2ª É uma prova impossível para o Ministério Público, teria que provar que bens foram
obtidos por meios ilícitos- prova do facto negativo- probatio diabólica. (Daí ter invertido
o ónus da prova)
Hipótese II
41 Apesar de neste caso não ser uma causa que leva à inconstitucionalidade pois a ser verdade está é em
causa uma lei.
42 Antigo artigo 170º do CP.
Artigo 169.º
Lenocínio
Quanto a técnica legislativa, quanto a forma do tipo legal, isto é, se o que está aqui em
causa é a tutela de um bem jurídico contra todas e quaisquer formas de agressão ou apenas
contra determinadas formas de agressão previstas na lei. Na formulação do artigo 169º estamos
perante um tipo legal de crime com forma livre, desde logo porque é questionável que bem
jurídico está a ser tutelado como vemos no acórdão, mas na antiga redacção, no artigo 170º
temos uma forma determinada.
Temos desde logo o agente que em ambas as normas é designado de forma o mais ampla
possível com “quem”43.
Depois temos vários elementos objectivos do tipo legal de crime “profissionalmente ou
com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar”. Quanto menos elementos tiver o tipo
legal de crime maior será o seu campo de aplicação. Na norma antiga havia ainda mais um
elemento objectivo, a “situações de abandono ou de necessidade económica”.
Quanto ao elemento subjectivo da norma temos a “intenção lucrativa”. Quando não há
elementos subjectivos expressamente previstos num tipo legal de crime, em regra, a conduta
só será punível a título de dolo, isto é o que resulta do artigo 13º do Código Penal. Para a o
Direito Penal uma conduta negligente só é então punível quando é prevista expressamente no
tipo legal de crime. No crime de homicídio previsto no artigo 131º temos um exemplo disto, só
há crime de homicídio se houver dolo44.
Outra componente dos tipos legais de crime é por fim a sanção “é punido com pena de
prisão de seis meses a cinco anos.”.
Há também uma dificuldade em traçar o limite do lenocínio, por exemplo: será que
alguém que alugue um andar onde acontecem práticas de prostituição, ou uma médica que
acompanha uma prostituta, e quem faz anúncios para divulgar a actividade de prostitutos,
estarão a praticar este crime? São exemplos como estes que exigem que os tipos legais tenham
bem determinado as condutas típicas, o facto de podermos englobar estes exemplos no crime do
lenocínio como ele está hoje redigido no artigo 169º demonstra a ampla abrangência da norma.
43 Que como veremos no próximo semestre pode ser mais restrita. Há crimes comuns e crimes próprios, os
próprios são aqueles que não podem ser praticados por qualquer um mas apenas por uma pessoa
específica.
44 Daí que exista um tipo legal específico para o homicídio por negligência, o artigo 137º
no facto de se estar a considerar o lenocínio crime por razões morais e que isso será contra a sua
autodeterminação e o seu direito à liberdade e à escolha de trabalho, além disso, a recorrente
reclama que o não se está a considerar o consentimento pois como já vimos este afasta em
muitos tipos legais a ilicitude.
O Tribunal vem dizer que não foram razões morais nem de preconceito que levaram à
criminalização do lenocínio mas sim o facto de o lenocínio incentivar a certas práticas sendo
essa incentivação passível de restringir a liberdade das pessoas, e que por isso o que se está a
criminalizar não incide sobre a prostituição em si (que aliás não é crime na nossa ordem
jurídica) mas sim na prática de prejudicar terceiros encaminhando-os para comportamentos que
muitas vezes podem sem prejudiciais, assim, é a dignidade destes terceiros que o tribunal
indica como o bem jurídico a ser tutelado, isto é, proteger as pessoas que podem ser
prejudicas pelos autores de lenocínio
Devido aos princípios que já vimos neste caderno as normas tem de ser precisas e
determinadas de modo a cumprir o Princípio da Legalidade. Não pode por isso haver
normas penais em branco, isto é, normas demasiado imprecisas onde não é possível
determinar-se uma conduta ou uma pena concreta.
A norma penal em branco propriamente dita é a que remete para outras fontes a
definição da conduta típica ou pelo menos de alguns elementos do tipo legal de crime. Isto
acontece muitas vezes por uma razão de técnica legislativa, quando falamos de tipos de tipos
legais de crime que entram por definição em campos técnicos fora do direito é óbvio que pode
ser difícil ao legislador penal incluir toda essa matéria técnica na redacção do tipo legal. Um
exemplo disto que iremos ver é o artigo 277º do Código Penal, que vem prever infracções
sobre a construção, aqui não é viável ao legislador incluir todas as especificidades das
construções. É pelo Direito Penal ter a necessidade de entrar cada vez mais por outras áreas da
vida que o legislador tem de recorrer a normas que se podem considerar mais e mais imprecisas
remetendo para outras fontes a definição de certos elementos. No caso deste artigo, “infringir
regras legais, regulamentares ou técnicas (…) de construção” vemos este tipo de remissão.
Estas normas penais em branco vão levantar problemas, desde logo por causa da reserva
de lei, pois como sabemos quem compete definir os elementos do crime é a Assembleia da
República e por esta via estamos a admitir a possibilidade de uma fonte infra-real estar a
definir crimes, por outro lado pode também pôr-se em causa o Princípio da Tipicidade de
acordo com o qual todos os elementos do crime devem ser acessíveis ao cidadão comum
constando do próprio tipo legal de crime.
Tendo em conta tudo isto costuma-se fazer a distinção entre normas penais em branco
em sentido próprio e normas penais em branco em sentido impróprio, nestas últimas o que
acontece é que o é que o legislador remete no tipo legal de crime para outra lei ou decreto-lei e
nesse caso não há em bom rigor um problema de reserva de lei. Já as normas penais em
branco em sentido próprio são as que remetem para outras fontes de direito, tanto normativas
de valor inferior às leis ou decretos-leis, ou a atos administrativos ou usos e costumes.
Há ainda que não confundir normais penais em branco com normas penais abertas,
estas segundas são aquelas em que não se apresenta uma descrição típica completa e se exige
um actividade valorativa do juíz/intérprete.
3º - Este princípio da legalidade postula que a conduta tem de estar prevista num
determinado tipo legal de crime. Mas, tem ainda alguns corolários, nomeadamente se a conduta
tem de estar prevista no tipo legal de crime, então daí resulta que essa conduta tem de ser
dentro do possível a melhor determinada, a lei deve ser completa, certa. Isto não quer dizer que
não sejam usados conceitos indeterminados (não é o ideal, mas verifica-se por vezes), diferente
é quando temos uma norma penal em branco. Quando é que temos uma norma penal em
branco?
Se for em sentido próprio vai remeter alguns elementos do tipo legal, para normas de
hierarquia inferior. Por isso, é preciso encontrar a fronteira, o critério de legitimidade desta
técnica legislativa.
4º - Neste caso temos o quê? Neste tipo legal de contra-ordenação, estando ele sujeito a
este principio da legalidade, como é que são os elementos do tipo definidos? 15º nº1 nº1
Decreto-Lei nº 175/91, de 11 de Maio remete, é uma norma completamente remissiva, quer para
a legislação que estabelece a habilitação legal para conduzir, quer ainda para instruções emitidas
pela DGV.
Dito isto, é uma norma penal em branco ou não? Sim, visto que o cumprimento deste
preceito deve ser aferido de acordo com a tal legislação vigente, aqui não há problema, pois é
uma norma de hierarquia igual.
Há problema na parte final, quando se remete para as tais instruções emitidas pela
DGV, a conduta proibida é definida pelas instruções da DGV. Isto viola o principio da
legalidade? Temos vários problemas quando se remete para uma decisão concreta de uma
autoridade administrativa a definição dos elementos do tipo. Quais são os fundamentos da
legalidade que não se conseguem alcançar com um tipo legal desta natureza?
Pior ainda, esta definição não define o quadro dentro do qual as instruções devem
correr-se, não estabelece qualquer critério, deixa nas mãos do DGV a definição de todos os
elementos do ilícito.
Hipótese IV
“A. e Outro, condenados pela 1.ª Vara Criminal do Tribunal do Porto como autores materiais
de um crime de infracção de regras de construção, p.p. no artigo 277.º, n.º 1, alínea b), do
Código Penal invocam a sua inconstitucionalidade material com fundamento na violação do
princípio da tipicidade. Quid iuris?”
Dizem por isso que com esta remissão criamos uma norma penal em branco.
Veja-se que:
2) É preciso que em virtude dessa remissão, não seja colocada em causa a definição dos
elementos essenciais. Ou seja, não haja uma remissão total, mas que essa remissão
coloque em causa apenas normas técnicas, complementares e não normas
inovadoras, que intervenham na definição de elementos essenciais da conduta típica.
O uso por exemplo não encontra previsão em nenhum regulamento, portanto não podem
fundamentar uma condenação.
Mas, não basta que haja uma remissão para um regulamento, que esse exista, é preciso
ainda que se identifique na acusação e primeiro sentença os preceitos concretos do regulamento
que os arguidos não cumpriram. Isto são critérios gerais, não são rigorosos e concretos, o ideal
era não existirem estas normas penais em branco
46Esta técnica legislativa é utilizada para que não seja preciso esclarecer quais as normas aplicáveis
especificamente, que tem como inconveniente a incerteza na definição dos elementos do tipo legal.
Hipótese V
“António é surpreendido por Bento que empunha uma seringa usada e lhe pede todo o
dinheiro que traz consigo, bem como o seu iphone, o que António faz. Poderá Bento
responder pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. no artigo 204.º, n.º 2, al. f) do
CP, considerando-se que a seringa que empunha pode ser qualificada como «arma»?”
O furto é uma forma de apropriação ilegítima de coisa móvel alheia, seja ela simples ou
qualificada. Furto simples é a regra geral. Tanto o furto simples como o qualificado têm os
mesmos elementos. A qualificação do crime, resulta da utilização de arma ou não.
Para que estejamos perante um furto qualificado, é necessário a utilização de uma
arma 204.º, n.º 2, al. f), a questão é saber se uma seringa pode ser qualificada como uma
arma.
Em circunstâncias normais a seringa não seria vista como uma arma, mas no caso
concreto temos a ameaça à transmissão de qualquer tipo de doença, pois não nos é dito se está
infetada ou não apenas que é usada, mas como é usada para incutir medo, pode ser considerada
uma arma.
Considerando a seringa uma arma para efeitos de qualificação do crime de furto, estamos
já na aplicação analógica ou interpretação extensiva? Temos de ver os limites da interpretação
extensiva.
Hipótese VI
Um assistente veio fazer uma interpretação actualista do artigo 120º nº1 a) do Código
Penal, que estabelecia as causas de interrupção do prazo de prescrição. Nesse artigo falava-se
numa causa de interrupção que era a notificação para as primeiras declarações do agente como
arguido na instrução preparatória. Entretanto, surgiu o novo Código do Processo Penal, que
deixou de prever a tal fase de instrução preparatória e passou a consagrar a fase do inquérito. O
assistente considerou que onde se lia, no artigo 120º nº1 a), “instrução preparatória”, devia
abranger a notificação para as primeiras declarações do arguido na fase de inquérito.
Embora no Direito Penal este movimento não seja absoluto, há uma regra que diz que,
verificado o prazo de prescrição acrescido de metade, tem lugar, necessariamente, a prescrição
do procedimento criminal, ressalvadas as causas de suspensão.
Quando o titular exerce o seu direito, judicialmente, ou seja, sempre que o Estado dá
início ao processo criminal, é normal que haja uma causa de interrupção do prazo de prescrição.
Ora, esta prescrição tem uma natureza mista, não sendo meramente penal nem
meramente processual. Está prevista no Código Penal. Tem esta pretensão de causa extintiva
da responsabilidade, que obviamente condiciona a instauração do procedimento. Mas quando
estamos a falar do exercício do jus puniendi, já é uma matéria que está regulada no Código
Processo Penal. Portanto, as causas de interrupção da prescrição, a terminologia que é usada, a
oportunidade dessa mesma interrupção de contagem do prazo de prescrição, tem sempre por
referência um determinado momento do Código de Processo Penal.
Em 1982, quando foi aprovado o Código Penal, estava em vigor o Código do Processo
Penal de 1929, cujo tinha uma determinada estrutura quanto às fases anteriores ao julgamento,
que se designavam por instrução preparatória (1ª fase) e instrução contraditória (2ª fase). As
causas de interrupção da prescrição, previstas pelo Código Penal de 1992, tinham em vista o
Código de Processo Penal então em vigor, que afirmava que logo que o arguido fosse notificado
para prestar declarações, nesta fase de instrução preparatória, interrompia-se a contagem do
prazo de prescrição. O problema que surgiu: em 1987, entrou em vigor o Novo Código de
Processo Penal, que alterou toda a estrutura das fases processuais. Em vez de haver uma
fase de instrução preparatória, passou a haver uma fase de inquérito, a que se segue a
fase de instrução. No Código anterior, a fase preparatória era dirigida por um juiz e as
prestações de declarações eram feitas perante um juiz, e no novo Código Processo Penal a fase
de inquérito é dirigida pelo Ministério Público. Houve um erro de política legislativa. Entrou em
vigor o Novo Código de Processo penal e o legislador não alterou o Código Penal. O Código
Penal, ao prever as causas de interrupção da prescrição, referia-se ao Código de Processo Penal
que já não estava em vigor. Por isso, o Ministério Público tentou fazer a tal interpretação
actualista de forma a que onde se lia no Código Penal “instrução preparatória”, passava-se a ler
“inquérito”, e onde se lia “declarações perante um juiz” passava-se a ler “constituição de arguido
perante o Ministério Público”
i. Princípio da Legalidade (o facto que é crime tem de estar previamente previsto na lei)
ii. Princípio da Tipicidade (embora não esteja aqui bem a qualificação de um crime)
iii. Princípio da Segurança Jurídica (as pessoas têm de saber com o que podem contar)
iv. Princípio da Separação de Poderes (o poder legislativo define quais os factos que
traduzem a prática do crime e os Tribunais julgam
O Tribunal Constitucional averiguou se, na verdade, se isto não era bem uma
interpretação actualista, mas sim uma analogia.
E então a analogia é sempre proibida em Direito Penal? Não, a analogia não é
sempre proibida. Só o é no âmbito do artigo 1º nº3 do CP: “Não é permitido o recurso à
analogia para qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a
pena ou medida de segurança que lhes corresponde”
Pode aqui estar em causa a qualificação do facto como crime? Se percorrer o prazo de
prescrição, extingue-se a responsabilidade criminal, ou seja, o facto deixa de ter relevância
criminal. O Tribunal Constitucioanl considerou, aqui, que a analogia não era permitida, até
porque o arguido ia acabar por ser gravemente prejudicado, pois se se fizesse uma
interpretação actualista, já não haveria a extinção da responsabilidade criminal, o prazo voltava
a decorrer outra vez.
O Tribunal Constitucional considerou que a interpretação ultrapassava uma mera
determinação do sentido actual das palavras, implicando, na verdade, uma conversão dos
conceitos integrantes do campo normativo permitido em conceitos de um sistema
diverso. Parecia que o intérprete estava a criar uma nova norma punitiva, em violação do
Princípio da Legalidade, na vertente mais formal da reserva de lei. Quem pode fazer leis, em
matéria de direito penal, é a Assembleia da República. O intérprete/juiz não pode actualizar, não
pode alterar a lei não pode ser o juiz a corrigir, uma vez que não tem poderes para o efeito, se
permitíssemos que o fizesse estaríamos a retirar a autoridade legislativa do povo, temos de
partir do princípio que se o povo não quis alterar aquela letra foi porque entendeu que não era
preciso sabendo de todos os efeitos e consequências que essa decisão teria, não podemos
usar analogia pois não podemos considerar lacuna do legislador neste caso, fez aquilo
porque tem a razão e sabia que era o que era suposto fazer, se assim não fosse iriamos
entrar num campo muito perigoso de juízos de valor que a tipicidade tende a esbater.
O Tribunal Constitucional considerou que havia, então, uma violação do artigo 29º
nº1 e nº3 da CRP. No entanto, não determinou a existência de violação do nº4 por não
considerar estar em questão um problema de retroactividade e de aplicação da lei no tempo,
uma vez que não foi uma lei que foi introduzida entretanto, mas tratava-se apenas da
interpretação de uma lei que já estava em vigor.
Aqui não estava em causa saber se a Lei 2 era ou não aplicável. Esta polémica surgiu
antes da entrada em vigor da redacção do Código Penal de 1995. Só com a redacção do CP de
1995 é que o legislador veio adaptar as causas de interrupção e de suspensão da contagem da
prescrição às disposições do CPP de 1987. Até lá, não era uma questão de sucessão de leis, mas
de interpretação do preceito que estava previsto no Código Penal de 1982, ou seja, saber se ele
era susceptível de essa mesma interpretação actualista.
Hipótese VII
“Desde Agosto de 2009 que Abel, de 80 anos de idade, se encontrava acamado devido a um
cancro em fase terminal. Para aliviar as dores intensas que sentia o médico receitou-lhe
uma injecção diária de morfina.
João, filho de Abel, não aguentando mais assistir à degradação e sofrimento do pai e
sabendo que desde sempre Abel fora apologista da eutanásia, resolve, em Janeiro de 2010,
quadruplicar a dose diária de morfina, o que provocou a morte de Abel.
Em Julho de 2010, entrou em vigor a Lei X que estabelecia o seguinte: “Age sem culpa quem,
em caso de doença séria, dolorosa e terminal, praticar um facto ilícito contra a vida da
pessoa que padece dessa enfermidade, com o intuito de extinguir o seu sofrimento”.
Hipótese VIII
“A revogação do Código de Trabalho de 2003, operada pelo artigoº 12º, nº 1, al. a), da Lei nº
7/2009, de 12/2, implicou a eliminação do número das infracções das contra-ordenações
tipificadas no artigoº 671º do mesmo código, já que a manutenção em vigor desta
disposição não foi ressalvada, designadamente pelo nº 3, al. a), do referido artigoº 12º.
Está pendente, na fase judicial, um processo que tem por objecto a eventual prática de uma
contra-ordenação laboral, que terá ocorrido em 2008. Como deve decidir o juiz?
L1: Artigo 671º: Previa um determinado número de condutas que traduziam a prática de
contraordenações
O regime jurídico das contraordenações laborais é apenas aplicado aos factos que forem
praticados depois da sua entrada em vigor. Ou seja, todas as contraordenações laborais
praticadas em data anterior foram descriminalizadas e os processos arquivados.
Foi feita uma rectificação de modo a que não tivesse lugar a revogação do artígo 672º. O
legislador, perante esse cenário, inventou uma rectificação.O problema é que esta rectificação só
seria permitida em 2 casos:
Neste caso, temos uma falsificação de uma declaração de rectificação. E é óbvio que
é uma falsificação, uma vez que o texto que foi enviado para publicação não tinha a ressalva da
revogação do artigo 672º. O que se pretendia não era uma rectificação mas uma
verdadeira aplicação retroactiva da lei ou evitar uma descriminalização através do
expediente da falsificação de uma declaração de rectificação.
Hipótese IX
“O artigo 24.º do Decreto-Lei 13004, de 12 de Janeiro de 1927, dispunha que: «Ao sacador de
um cheque cujo não pagamento, por falta de provisão, tiver
sido verificado nos termos e no prazo prescritos nos artigos 21.º e 22.º do presente decreto
com força de lei será aplicada, a pedido do portador do cheque, a pena de seis meses a dois
anos de prisão correccional.» Por seu lado, o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de
Dezembro, passou a dispor que:
regime geral de punição deste crime, quem, causando prejuízo patrimonial: a) Emitir e
entregar a outrem cheque de valor superior ao indicado no artigo 8.º
(5.000$00) que não for integralmente pago por falta de provisão, verificada nos termos e
prazos da Lei Uniforme Relativa ao Cheque».
2. Suponha agora que o julgamento de Carlos só tem lugar em 1998, data em que já estão
em vigor as alterações ao artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 454/91, introduzidas pelo Decreto-
Lei n.º 316/97, de 28 de Dezembro, em virtude das quais a sua redacção passou a ser a
seguinte: «1. Quem, causando prejuízo patrimonial ao tomador do cheque ou a terceiro: a)
Emitir e entregar a outrem cheque para pagamento de quantia superior a € 62,35 que não
seja integralmente pago por falta de provisão(...) (...) é punido com pena de prisão até 3
anos ou com pena de multa (...). 2. O disposto no n.º 1 não é aplicável quando o cheque seja
emitido com data posterior à da sua entrega ao tomador». A sua resposta é a mesma?”
O que temos aqui é uma sucessão de leis, cabe saber se os dois factos são incriminados à
luz das duas leis e saber qual a mais favorável ao nível das consequências jurídicas
Ele apresenta os dois últimos cheques a 5 de Fevereiro e estes são devolvidos porque ele
estava com falta de dinheiro. As primeiras leis que vinham legislar sobre estas condutas de
emissão de cheques tinham uma tutela muito ampla face à tecnologia que existia no tempo, o
tipo de legal de crime era abstracto e amplo, bastava que o cheque não fosse válido para que se
cometesse um crime.
À luz do Decreto-Lei de 12 de Janeiro de 1927, lei em vigor aquando da prática do
crime, em 1927 era irrelevante se havia ou não prejuízo patrimonial, era por isso um crime que
se dava com a mera acção, sendo um tipo legal muito amplo. Sendo assim por força desta lei
seria condenado pela prática de dois crimes, isto porque vamos pensar nos três cheques como
três comportamentos autónomos. A data da emissão dos cheques é indiferente, ou seja, pode
apresentar o cheque a pagamento a qualquer altura, cheque com ordem de pagamento. Assim
sendo, temos dois crimes, dois cheques emitidos sem provisão.
Surge a nova lei de 1991, o tipo legal de crime deixou de ser abstracto e passou a ser
crime de dano. O cheque passou a ser tutelado, independentemente de estar ou não coberto,
tendo a base se causou ou não dano, só será crime naqueles casos em que causa prejuízo a quem
a ele tem direito.
Assim, por esta via, o primeiro cheque, com data de 5 de Fevereiro é crime nesta nova lei,
Quanto ao segundo cheque não houve prejuízo patrimonial, logo não temos crime, no segundo
cheque não havia ainda prejuízo patrimonial, isto é, à data de vencimento posterior, apesar de o
cheque não ter sido honrado, não tinha ainda direito ao pagamento, sendo apenas uma mera
expectativa jurídica, logo temos uma descriminalização, pelo menos seguindo a teoria do
facto concreto que é a que usamos na nossa jurisprudência.
Seguindo a teoria da continuidade do tipo criminal, apesar do novo tipo legal de
crime ter subsistido, o novo tipo legal não tem nada a ver com o antigo temos a
descriminalização independentemente de tudo, a diferença da teoria do facto concreto é que
nesta só há descriminalização naqueles casos em que causam prejuízo patrimonial.
Pelo assento nº6 de 1993 no nosso ordenamento foi adoptada a seguinte decisão: o
artigo 11º do Decreto-Lei n.º 454/91, não criou um novo tipo legal de crime, e só há
descriminalização em relação aos cheques que não causarem prejuízo patrimonial. A teoria
adoptada pelo nosso ordenamento foi então a do facto concreto. O tribunal fugiu um pouco à
questão porque veio surpreendentemente dizer que tinha que não houve um novo tipo legal de
crime porque a conduta em questão já era crime, pois se o prejuízo sempre foi parte do tipo
legal então está desde logo excluída a teoria de continuidade do tipo legal, não houve
quebra. O supremo acabou por fugir à questão, aplicando na prática no entanto a teoria da
continuidade mas optando pela do facto concreto.
Hipótese X
“Quando Joana passeava na via pública, João apoderou-se da carteira desta, utilizando,
para o efeito, uma arma.
No momento em que o facto foi praticado, vigorava a Lei X, que dispunha o seguinte:
“Pratica um crime de roubo quem se apoderar de coisa alheia, mediante o emprego de uma
arma”.
Aquando do julgamento, a Lei X havia sido substituída pela Lei Z, a qual preceituava:
“Pratica um crime de roubo quem se apoderar de coisa alheia, na via pública”.
Esta conduta é subsumível à LX e é também subsumível à LZ, porque o facto está previsto
como crime nestas duas leis.Concluindo, de acordo com a teoria do facto concreto temos uma
sucessão de leis. Porém, esta não é a única teoria, há que ver a teoria da continuidade
normativa típica que parte da teoria do facto concreto, tem sempre que começar pelo facto
concreto, é esse o método de análise do caso, não vamos logo à resolução do caso porque pode
correr tudo mal. Primeiro subsumimos o facto concreto às duas leis, pela teoria do facto
concreto não temos descriminalização. Todavia poderemos ter de acordo com a teoria da
continuidade normativa que vem dizer que mesmo quando o facto concreto continua a ser
crime perante nova lei, podemos ter uma quebra da continuidade normativa típica que
justifica ainda assim que se defenda, em sentido contrário à teoria do facto concreto, que
estamos perante descriminalização (se a continuidade é quebrada).
Aqui ao puni-lo pela LZ algo nos chama a atenção para o princípio da proibição da
aplicação retroactiva: ele está a ser punido por ter atuado na via pública, quando de acordo com
a lei que estava em vigor no momento da prática do facto o facto de ser na via pública não
consubstancia a prática daquele crime. Está a aplicar retroativamente esta LZ que não vigorava
no momento da prática do facto. Estamos a configurar a responsabilidade dele de acordo com
um elemento que não constava em tribunal de momento em que ele atuou, pois no momento em
que atuou o crime era atuar utilizando uma arma.
Ainda que a pena de acordo com a LZ seja mais leve, se nós virmos aqui a teoria da
continuidade normativa típica o que vai acontecer ao agente? Há uma descriminalização e o
agente ficaria impune. O principal objectivo do agente é nem ser punido, não é uma pena mais
leve. Para ele ser punido com a pena mais leve temos que prossupor que há uma sucessão de
leis.
Por isso por uma teoria teríamos sucessão de leis pela a outra teríamos
descriminalização.
Qual é a teoria mais correcta? O CP aponta mais para a teoria do facto concreto, se
for para beneficiar o agente podemos fazer interpretação extensiva, só não podemos usar a
analogia para qualificar certo facto como crime, não é proibida para excluir a ilicitude.
“Pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Novembro, foi aprovado o Regime Jurídico das
Infracções Fiscais não Aduaneiras. Dispunham os seus arts. 2.º e 5.º:
As normas, ainda que de natureza processual, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não
Aduaneiras só se aplicam a factos praticados posteriormente à entrada em vigor do
presente diploma.
2.- Mantêm-se em vigor as normas de direito contravencional anterior até que haja decisão,
com trânsito em julgado, sobre as transgressões praticadas até à data da entrada em vigor
do presente diploma.»
António praticou determinado crime fiscal em data anterior à entrada em vigor do referido
diploma legal, o qual, contudo, já está em vigor na data em que tem lugar o seu julgamento.
Sucede que o regime introduzido pelo referido diploma é, em concreto, mais favorável do
que aquele que vigorava na data da prática dos factos imputados a António.
Se a sanção é pena de prisão ou multa o tipo legal é o crime, se a sanção é uma coima
temos o tipo legal de contra-ordenação e estamos no âmbito do direito de mera ordenação
social.
De acordo com a L1 o facto é punível com uma pena de multa, portanto ele incluía-se no
direito penal, embora o nome na infração não fosse crime, mas antes “transgressão ou
contravenção”. Isto porque de acordo com o CP 1886 as infrações menos graves estando
incluídas no direito penal, mas que tinham um nome diferente de crime eram as transgressões
ou contravenções, mas ela traduzia a prática do ilícito criminal.
A grande diferença de ordem prática em termos de ter natureza criminal e que
esteve exatamente na origem da suspeição do legislador em 1982 ao ter criado um novo
ramo de direito de forma a que nele fossem incluídas estas infrações em massa, que antigamente
estavam dentro do direito penal e que deixaram de estar, que passaram para este novo direito
que é o ramo do direito sancionatório público administrativo, já não é direito penal.
O STJ respondeu com uma solução para evitar que todos os casos fossem ser
arquivados deixando todos impunes, logo vem dizer que apesar do antigo código ter sido
revogado e o novo prever os factos como contra-ordenações, a verdade é que é uma lei
especial e na sua falha aplica-se a penal.
No caso:
1) Condução sem carta: Nada há a fazer porque deixa de ser crime para ser agora contra-
ordenação e o facto não é subsumível ao código penal. Ou seja, A L1 não pode aplicar
porque há descriminalização, a L2 não pode aplicar porque prevê o facto como contra-
ordenação e isto traduziria uma aplicação retroativa que não é permitida, nem pelo
decreto de lei 433/82-Regime Geral das Contraordenações, nem pelo estatuído no
art 29º nº1 e nº4 CRP que também será aplicado às contra-ordenações.
2) Morte por negligência e fuga do local do acidente: Em relação a estas condutas, o STJ diz
que a lei especial é revogada mas estes factos são subsumíveis à lei geral, que é o Código
Penal, e como o homicídio por negligência e a omissão de auxílio são considerados
crimes ele será punido por esta via. Em relação a estas infrações temos uma sucessão de
leis, o facto continua a ser crime, embora por força de lei diferente.
Na revogação da lei especial, para a esse facto ser aplicada uma nova lei que não era no
momento aplicada, mas é a lei geral que qualifica o mesmo como ilícito criminal, portanto temos
uma sucessão de leis.
Os factos que deixaram de ser crime passaram para contra-ordenação, em relação a isto
temos uma descriminalização. Os factos que eram crime previsto pelo código da estrada,
passaram a ser crime previsto do código penal, aí como há uma contiguidade da ilicitude penal
temos uma sucessão de leis.
Em matéria fiscal o legislador é muito cioso das infrações, porque quer arrecadar o
dinheiro, como é óbvio. O que é que fez com este regime geral de infrações fiscais quanto à
natureza das infrações ou de algumas das infrações, antes do regime transitório? Anteriormente
as infrações tinham natureza criminal, de acordo com a L2 passaram a ter natureza contra-
ordenacional. Se o legislador nada fizer o que vai acontecer às infrações praticadas ao abrigo da
lei anterior? São descriminalizadas e não se pode aplicar depois a nova lei.
A solução que se adoptou foi a patente do artigo 5º, regime transitório, no decreto
que aprovou o novo artigo geral, e diz que se mantêm em vigor as normas de direito
anterior até que haja uma nova decisão. Quer-se assim afastar a regra da proibição da
49Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária é quem que determina todo esse processo por a regras o
código da estrada e quem diz e aplica a sanção. Se o arguido não impugnar em tribunal fica desde logo
condenado por decisão definitiva e susceptível de execução
retroactividade visto que a lei implica uma descriminalização. A ideia é dizer que o facto
continua a ser punível a título de infração criminal, isto mantem-se em vigor até que haja
decisão em relação a todas as infrações praticadas até a data em vigor deste diploma, quanto às
praticadas em data posterior à entrada do novo diploma já podiam ser punidas a título de
contra-ordenação.
Há ou não aqui um problema com esta norma transitória? Esta norma tem valor de
lei e vem afastar o artigo 29º que tem força constitucional, logo padece de
inconstitucionalidade, porque o princípio da aplicação retroativa da lei posterior mais
favorável tem a lei tutela constitucional, portanto o legislador não pode dizer que “o artigo 29º
diz que a lei antiga não se pode aplicar, mas neste caso tem que se aplicar na mesma”..
O que são normas de direito transitório? São normas que disciplinam a aplicação no
tempo das outras normas, isto é, normas de segundo grau, não tem conteúdo criminal próprio,
pretende disciplinar os termos em que se vai aplicar no tempo uma outra norma. Exemplo: Serve
para prevenir casos duvidosos de aplicação no tempo. “Entre em vigor uma nova lei do
arrendamento, o legislador diz que só se aplica a lei aos contratos das datas entre x e y, mas já
não se aplica para z.” Na matéria de direito civil isto não choca com as disposições da CRP, nada
impede, neste caso, esta aplicação retroactiva.
Acórdão 150/94
O que é que o legislador tentou numa primeira versão de um diploma que também criava
ilícito de mera ordenação social, mas que não chegou a entrar em vigor? Primeiro ensaiou uma
conversão automática de todas estas transgressões e contravenções em contra-ordenações, mas
recuou porque se o fizesse todos os factos praticados ao abrigo do regime anterior eram
descriminalizados e os agentes ficavam impunes. Daí que isto tenha sido feito paulatinamente a
propósito de cada diploma. Isto estava em vigor há mais de 30 anos, em 2006 o legislador
decidiu dar a estocada final neste regime das transgressões se contravenções.
Nestes diplomas de 2006 que estão referidos no acórdão 221/2007 do Tribunal
Constitucional procedeu-se à conversão de algumas transgressões e contravenções em contra-
ordenações e há uma norma geral que depois converteu todas as outras que aí pudessem haver.
Legislador não sabe todas as infrações que existem, porque estas também podiam ser criadas
por decreto-lei, seria uma perda de tempo converter uma a uma. Se o legislador nada fizesse
haveria uma descriminalização e consequente arquivamento de todos os processos
pendentes.
Surge então uma norma de direito transitório: aplica-se a L2 retroactivamente a
menos que o regime anterior fosse mais favorável.
Isto chega ao TC porque está em causa o artigo 29º CRP e confunde a natureza das
transgressões vs contra-ordenações, ou seja, teríamos aqui uma verdadeira sucessão de leis
e não uma alteração de natureza do ilícito. Quando se diz que as contravenções e as
transgressões praticadas antes da entrada em vigor são sancionadas como contra-ordenações, e
assim afasta-se o princípio da proibição da retroactividade da lei que prevê o facto como contra-
ordenação. Retroativamente é uma contra-ordenação porque a lei em vigor no momento
da prática do facto não previa como contraordenação, previa-o com natureza de crime.
Mas a lei acrescenta “a não ser que o regime anterior seja mais favorável” e então aqui
nesta medida aplica-se uma lei que já não está em vigor porque houve uma descriminalização.
Esta questão foi então submetida à apreciação do Tribunal Constitucional, invocando-se que esta
norma de direito transitório violava o artigo 29º nº1 e nº4 CRP que determina a proibição
retroativa, entendendo-se que esta proibição de aplicação retroativa vale para os crimes e
contraordenações.
Hipótese XII50
“1. António é acusado, em Outubro de 2006, da prática de um facto punível com uma multa
de 40 €, a título de transgressão rodoviária, prevista no Código da Estrada em vigor na
altura da prática do facto. Sucede, porém, que, por força da Lei X, de Junho de 2007, todas as
transgressões rodoviárias vêm a ser transformadas em contraordenações. Quid iuris.
2. Suponha agora que a Lei X tinha uma disposição com o seguinte teor: «Regime transitório
1 - As contravenções e transgressões praticadas antes da data da entrada em vigor da
presente lei são sancionadas como contra-ordenações, sem prejuízo da aplicação do regime
que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à medida
das sanções aplicáveis. 2 - Os processos por factos praticados antes da data da entrada em
vigor da presente lei pendentes em tribunal nessa data continuam a correr os seus termos
perante os tribunais em que se encontrem, sendo-lhes aplicável, até ao trânsito em julgado
da decisão que lhes ponha termo, a legislação processual relativa às contravenções e
transgressões.» A sua resposta é a mesma?”
Hipótese XIII
“António é julgado e condenado pela prática de um determinado crime público, a uma pena
de prisão efectiva de 2 anos. Durante o processo, o ofendido juntou aos autos um documento
pelo qual declarou que desistia da queixa, mas esta desistência não foi homologada, em
virtude de o crime não ter natureza semi-pública. Sucede que, 6 meses depois de a sentença
transitar em julgado, em Janeiro de 2006, entra em vigor uma nova redacção do CP, nos
termos da qual o crime pelo qual António foi condenado passou a ter natureza semi-pública.
Poderá António beneficiar da aplicação desta nova lei, nos termos da redacção do Código
Penal em vigor em 2006? Em que termos?
(Ac. do S.T.J, de 10.07.1984, B.M.J., n.º 339, pp. 353 e segs.; Acs. do Tribunal Constitucional n.º
644/98, 677/98 e 169/02, www.tribunalconstitucional.pt)”
Na primeira lei, o crime era público, e de acordo com a segunda lei o crime é semi-
público.
Aqui importa distinguir entre crime semi-publico, em que a legitimidade do
Ministério Público está dependente da queixa da vitima, e crimes públicos, em que não há
qualquer limite à legitimidade do Ministério Público para instaurar um processo, não importa a
vontade da vítima.
Se ainda não houver sentença transitada em julgado, não há dúvida de que a
vitima podia vir afastar a queixa e assim o processo era arquivado, porém, se já tiver
existido sentença transitada em julgado a queixa da vitima não teria importância.
No primeiro acórdão, do Tribunal Constitucional, seguindo uma linha de raciocínio
mais tradicional, considera-se que se excetua a aplicação da lei posterior mais favorável quando
haja condenação por sentença transitada em julgado. Porém, a discussão aqui está no facto do
artigo 29º nº5 CRP. No voto de vencido é considerado inconstitucional porque o principio da
sentença transitada em julgado encontra-se previsto no artigo 29º CRP e o seu fundamento não
é a segurança jurídica mas sim a tutela do agente, e assim sendo, ele deve ter a opção de
poder escolher se quer ser deixado em paz ou se pode querer que o seu caso seja reapreciado. A
questão suscitou muita polémica, e entretanto entrou em vigor a nova redação do código penal,
que nos diz que hoje em dia se permite a aplicação da lei mais favorável se houver um
efeito material.
Hipótese XIV
2. Maria é condenada, com sentença transitada em julgado, em Março de 2004, a uma pena
concreta de 4 anos de prisão, pela prática do crime de infanticídio (artigo 136º, do CP).
Acontece que, em Fevereiro de 2008, surge uma nova lei que procede a diversas alterações
ao Código Penal, entre as quais, estabelece que a punição pela prática do crime de
infanticídio deve corresponder a uma “pena de prisão de um a três anos”. Maria quer que se
lhe aplique a nova lei, sendo que já cumpriu 3 anos e dois meses de prisão.
Quid iuris?
Primeiro Ponto
Assim sendo, como é que pode beneficiar da aplicação da nova lei? Temos de recorrer ao
artigo 371º-A CPP exigindo a reabertura da audiência do julgamento para que o Tribunal possa
proferir uma nova sentença. É importante haver uma nova sentença, pois o diretor da prisão não
o deixa sair enquanto não houver uma nova sentença que afaste a anterior.
Isto não viola o artigo 29º nº5 CRP pois como já vimos o que está em causa é garantir a
paz juridica do individuo, é uma garantia individual, que pode ser renunciada por sua vontade.
Segundo Ponto
Ela foi condenada numa pena de 3 anos e 2 meses, e entretanto entra em vigor uma lei
cuja pena máxima é de ano e uns meses. A nova lei vai-lhe ser aplicada pois já cumpriu a pena
máxima da nova lei e vai ser simplesmente colocada em liberdade.
Terceiro ponto
Pode aplicar-se a lei nova, sendo que isto interessa a quem tenha uma pena de prisão até
5 anos. Pode haver produção de prova para provar que estão verificadas as condições de
suspensão da pena nos termos da nova lei? Sim, pois sem essa prova o Tribunal não pode
aplicar a nova lei.
Mas será que pode abrir a reabertura de audiência para provar a inocência? Isso já não,
pois a única função desta reabertura de audiência é reapreciar a sentença à luz da nova lei.
Hipótese XVI
“António foi acusado pelo Ministério Público da prática de determinado crime. De acordo
com a Lei em vigor no momento da prática dos factos, o prazo de prescrição era de 5 anos.
Sucede que, em virtude de uma alteração que entrou em vigor na pendência do processo,
esta prazo foi encurtado para 2 anos. Se for aplicável a nova Lei, o prazo de prescrição já
decorreu, enquanto que, por aplicação da Lei anterior, o mesmo prazo ainda não foi
ultrapassado. Qual das duas leis deve o juiz do julgamento aplicar?
Suponha agora que, nos termos da Lei em vigor no momento da prática do facto, o prazo de
prescrição já decorreu. Porém, entrou em vigor uma nova Lei que aumentou esse mesmo
prazo, o qual ainda não decorreu quando o juiz vai proferir sentença. Qual das duas leis
deve o juiz de julgamento aplicar?
51Se bem que o STJ considera que, por questões de segurança jurídica, é melhor recorrer à reabertura de
audiência
processos pendentes que têm por objecto factos ocorridos no passado portanto a lei processual
aplica-se retroactivamente, não viola o artigo 29º.
Portanto quando falamos em legislação processual não se prevê factos como crimes mas
as antes as regras que o tribunal deve seguir para ser se foi ou não praticado um facto, medida
da sanção. Daí que não haja problema no artigo 5º CPP.
Esta norma seria processual ou penal? Pela aplicação da regra da aplicação imediata da
nova lei prevista no artigo 5º do CPP poderíamos concluir que seria aplicável a L2 porque esta se
aplicaria imediatamente mas como se sabe para resolver este problema a doutrina e
jurisprudência criaram a categoria das normas processuais-materiais ou de natureza
mista para que a consequência dessa qualificação se apliquem as regras nos eu respeita à
aplicação da lei no tempo do Código penal e não do CPP. Todo o que é direito de queixa, prazo de
prescrição do processo criminal são então normas mistas. Prevalece o efeito substantivo para
efeitos da salvaguarda do agente e isto porque sabendo o legislador que o facto praticado
pelo A está quase a prescrever publicava uma nova lei com um novo facto de prescrição e
frustava as expectativas de A porque a ser processual aplicar-se-ia imediatamente. Se
fosse uma norma que diz se o arguido pode ou não recorrer: claro que é meramente processual
porque não intenta contra a determinação da prática como crime. Decorrido o prazo de
prescrição extingue-se a responsabilidade criminal do agente portanto aqui já se interfere com a
responsabilidade criminal do agente portanto aqui existe uma vertente substantiva e penal e
portanto aplicam-se as regras penais substantivas.
Hipótese XVII
Estamos perante um caso de comparticipação porque José pede para matar A. Nos
casos de comparticipação diz o artigo 7º que onde o agente atuou sob qualquer forma de
comparticipação e aqui o José é comparticipante (instigador) e atuou desde de Portugal. A
primeira consequência de o instigador ter atuado em Portugal é que local da prática do facto é
Portugal e em segundo lugar diz-se aplicar-se a lei penal portuguesa pelo princípio da
territorialidade. Temos por isso uma aplicação da lei portuguesa e na lei portuguesa
homicídio é crime como já sabemos.
Se não se aplicasse por força do principio da territorialidade mas por força de outro
princípio havia diferença na prática? Sim. Um princípio exclui o outro porque se a lei penal
portuguesa for aplicada pelo princípio da territorialidade não se aplicam as restrições do
artigo 6º, que são só previstas para os restantes princípios que estão positivados no nosso
ordenamento no artigo 5º do CP. Isto é uma diferença de regime, não é indiferente.
Temos sempre que definir qual o princípio. Se José tivesse feito o telefonema em
Espanha neste caso a lei penal portuguesa era aplicável? Pelo princípio da territorialidade não
porque o facto foi praticado em Espanha, o instigador atou em Espanha e o outro em Singapura
mas aplica-se a lei penal portuguesa? Sim, agora neste cenário pelo princípio da nacionalidade
desde que o agente viva em Portugal, aqui seja encontrado e não possa ser extraditado. Se
José se muda para Hong Kong não funciona a territorialidade e a nacionalidade não se aplica
também.
“Carlos, residente na Suíça, resolveu envenenar o seu tio António, emigrante em Caracas,
com o intuito de herdar a fortuna pessoal deste último. Para o efeito, tendo comprado uns
magníficos bombons suíços, recheou-os de “mataratos” e enviou-os pelo correio para o seu
tio. Este, mal acabou de comer o primeiro bombom, teve morte imediata. Na posse da
excelente herança do tio António, Carlos decidiu regressar a Portugal a fim de comprar uma
sumptuosa “mansão”.
b) Imagine que Carlos já fora punido na Suíça por Homicídio Qualificado com uma pena de
18 anos de prisão, embora tenha conseguido evadir-se ao fim de 5 anos de prisão. Quid
iuris?
c) Suponha que aquele homicídio qualificado seria punido, segundo a Lei Penal
Venezuelana, com uma pena de 10 anos de prisão e, pela Lei Penal Suíça, com uma pena de
18 anos de prisão. Qual seria a Lei aplicável?”
a) Problema de aplicação da lei no espaço. artigo 4º e artigo 7º CP, este facto não se
considera praticado em Portugal não se pode invocar o principio da territorialidade mas que
força do artigo 7º o Português atua na Suíça e na Venezuela, pois o facto é praticado na Suíça e
produz o seu efeito típico na Venezuela.
Não aplicamos por isso a lei penal portuguesa? Aplicamos, há outros princípios que
levam à aplicação da lei portuguesa fora do território nacional, como o Princípio da
Nacionalidade: artigo 5º nº1 e) CP Facto foi praticado por um cidadão português e o agente foi
encontrado em território português, por isso temos o princípio a ser aplicável na sua faceta
ativa: factos praticado por portugueses no estrangeiro mas há requisitos que estão na própria
e) é preciso que o agente seja encontrado em Portugal, tenha sido cá encontrado, que o facto seja
crime para os dois países (homicídio sê-lo-á à partida) e que o artigo 33º CRP e lei da
cooperação judiciária internacional que prevêem que o cidadão possa ser extraditado
não o possa ser.
b) Por força do princípio ne bis in idem, o agente não pode ser julgado mais do que uma
vez pela prática do mesmo facto. Mas a lei penal portuguesa só não se aplica se tiver sido julgado
e condenado, e tiver cumprido a pena até ao fim. Isto pois lei penal portuguesa aplica-se em
bloco e não em partes, e por isso nestes casos de aplicação fora do território não é excepção que
se apliquem os vários preceitos e princípios da nossa lei penal impedido o duplo julgamento
sobre os mesmos factos como consta do artigo 29º nº5.
Assim sendo, Portugal não pode julgar uma segunda vez, mas podemos aplicar o artigo
82º nº1 a jurisprudência vê este artigo como uma inspiração para estes casos, ou seja, se os
tribunais portugueses considerarem o julgamento como um verdadeiro julgamento, tem de ser
transitado em julgado. Se assim não for, a pena a que a pessoa foi condenada é tida em conta
para a devida adaptação do regime jurídico português. Se já cumpriu parte da pena, o tribunal
português tem a pessoa como condenada e adapta a pena, consoante a pena que já cumpriu,
promove-se uma adaptação da pena ao regime português que lhe seria aplicado, com o desconto
do que já foi cumprido
c) O artigo 6º literalmente vem dizer que quando a lei penal portuguesa é aplicável a
factos praticados no estrangeiro, pode ter lugar a uma restrição que é prevista no nº2, o facto
ter julgado segundo a lei no país em que tiver sido praticado sempre que esta seja
concretamente mais favorável ao agente. Nós sabemos de acordo com a lei suíça, a pena de
prisão é de 18 anos, de acordo com a lei venezuelana a pena de prisão é de 10 anos. Há aqui uma
certa dúvida que resulta da interpretação do nº2, qual é essa dúvida? Quando diz que é aplicável
“a lei estrangeira se for mais favorável”, mas qual lei estrangeira? A lei do país onde o facto tiver
sido praticado.
Ora, qual é o problema que aqui nós temos? Temos o critério sobre o lugar da prática do
facto, está no artigo 7º. A questão é de saber se este critério também é aplicável para efeitos de
interpretação do artigo 6º, ou se apenas é aplicável para aqueles casos em que estamos a
considerar se o facto for praticado em território nacional para efeitos de concluirmos que a lei
penal portuguesa é aplicável por força do princípio da territorialidade. É que se nós utilizarmos
este conceito para interpretar o artigo 6º nº2, onde é que esse facto considera praticado nesta
hipótese concreta? Na Venezuela e na Suíça, porque o agente atou na Suíça, o resultado típico
produziu-se na Venezuela. Se nós aplicarmos este critério, temos que o facto considera-se
praticado tanto na Suíça como na Venezuela, e isso permite-nos aplicar a lei mais favorável, ou
suíça ou venezuelana, consoante aquela que vier a prever, a estabelecer uma pena mais leve,
mais favorável para esse mesmo facto?
O professor Henrique Salinas acha que não há outro críterio, portanto neste caso, temos
que, há uma certa abertura do direito penal, daquela perspectiva estritamente unilateral, ou seja,
em que o que interessa é só Portugal. Passando numa perspectiva mais multilateral, já estamos
aqui a admitir que o facto pode ter sido praticado ou na Suíça ou na Venezuela para efeitos de
saber se qual das leis é mais favorável. Há uma abertura a esta perspectiva mais multilateral,
já não estamos preocupados só em aplicar a lei penal portuguesa, nestes casos, também o
tribunal pode julgar mediante aplicação de uma penal estrangeira.52 Só aí é que Portugal abra
mão nesta perspectiva unilateral, e admite aplicação da lei penal estrangeira. Os tribunais
portugueses julguem por aplicação de uma lei penal estrangeira, é este caso excepcional
no artigo 6º nº2. Cujo objectivo é multilateral, portanto, temos que aplicar o nosso conceito a
esta mesma perspectiva multilateral.
52 Nestes casos, ou seja, apenas se o facto tiver sido praticado fora do território nacional.
Índice
Introdução ............................................................................................................................................................ 1
Conceito e Âmbito .........................................................................................................................................................1
Noção .............................................................................................................................................................................1
Tipo Legal de Crime .................................................................................................................................................1
Âmbito...........................................................................................................................................................................2
Ius Puniendi e as suas limitações ........................................................................................................................3
Autonomia do Direito Penal .....................................................................................................................................4
Código Penal ....................................................................................................................................................................5
Os Fins do Direito Penal e das Sanções Penais ............................................................................................ 6
Fins do Direito Penal....................................................................................................................................................7
A Retribuição ..............................................................................................................................................................7
Prevenção especial...................................................................................................................................................7
Prevenção geral .........................................................................................................................................................8
Outros............................................................................................................................................................................9
Fins das Penas ............................................................................................................................................................. 10
Artigo 40º ................................................................................................................................................................. 11
Medidas de Segurança e seus fins ....................................................................................................................... 12
Os Princípios Fundamentais do Direito Penal .......................................................................................... 14
Princípio da Proporcionalidade e da Subsidiariedade ............................................................................... 14
Princípio da Fragmentariedade ........................................................................................................................... 15
Exceção ...................................................................................................................................................................... 15
Princípio da Legalidade ........................................................................................................................................... 16
Princípio da Juriscionalidade ................................................................................................................................ 16
Princípio da Culpabilidade ..................................................................................................................................... 17
Princípio da Humanidade das Penas .................................................................................................................. 17
O Direito Penal e os Outros Ramos de Direito .......................................................................................... 18
Direito Constitucional .............................................................................................................................................. 18
Direito Disciplinar...................................................................................................................................................... 19
Direito Civil ................................................................................................................................................................... 20
Ilícito de mera ordenação social .......................................................................................................................... 22
Estrutura e Funções das Normas Penais .............................................................................................. 23
Situações de Conflitos de Leis ............................................................................................................................... 23
Estrutura, conteúdo e significado, autonomia e formulação da norma Penal .................................. 24
Conceito de Norma Penal ................................................................................................................................... 24
Os Tipos Legais de Crime ................................................................................................................................... 24
Crimes de forma livre e crimes de forma titulada ................................................................................... 25
Princípio da Legalidade Amplamente Visto ........................................................................................ 26
Enquadramento Histórico ...................................................................................................................................... 26
Princípio da Irretroatividade das Leis Penais ................................................................................................ 28
Normas Positivas e Irretroatividade ............................................................................................................. 29
No Código Penal ..................................................................................................................................................... 31
Aplicação retroactiva da lei posterior de conteúdo mais favorável ...................................................... 34
Descriminalização ................................................................................................................................................. 34
Sucessão de Leis em Sentido Estrito ............................................................................................................. 36
Problema do Crime que passa a Contra-Ordenação ............................................................................... 41
Outras Considerações ............................................................................................................................................... 43
Ordem da gravidade das penas ....................................................................................................................... 43
A Lei Penal Interpretativa .................................................................................................................................. 43
A analogia no Direito Penal ............................................................................................................................... 44
Interpretação Extensiva ..................................................................................................................................... 45
Leis Processuais Materiais ..................................................................................................................................... 45
Leis intermédias ......................................................................................................................................................... 46
Leis temporárias ......................................................................................................................................................... 46
Aplicação da Lei Penal no Espaço ............................................................................................................ 47
Direito Internacional Penal vs. Direito Penal Internacional..................................................................... 48
Princípios....................................................................................................................................................................... 48
Princípio da Territorialidade ............................................................................................................................ 49
Princípios: Aplicação extraterritorial da lei penal portuguesa 5º CP .............................................. 51
Restrições à aplicação extraterritorial da lei penal portuguesa, artigo 6º CP .............................. 53
Hipóteses Práticas ........................................................................................................................................ 54
Hipótese I....................................................................................................................................................................... 54
Defesa da constitucionalidade no acórdão de 2012 ............................................................................... 54
Defesa da Inconstitucionalidade no acórdão de 2012 ........................................................................... 55
Decisão ....................................................................................................................................................................... 56
Conclusões do Professor .................................................................................................................................... 56
Acórdão de 2015.................................................................................................................................................... 59
Hipótese II ..................................................................................................................................................................... 62
A Norma Penal em Branco ................................................................................................................................ 65
Hipótese III.................................................................................................................................................................... 66
Hipótese IV .................................................................................................................................................................... 67
Hipótese V ..................................................................................................................................................................... 69
Hipótese VI .................................................................................................................................................................... 69
Matéria da prescrição do procedimento Criminal ................................................................................... 70
Interpretação Atualista e Analogia................................................................................................................. 71
Hipótese VII .................................................................................................................................................................. 73
Hipótese VIII................................................................................................................................................................. 74
Hipótese IX .................................................................................................................................................................... 75
Hipótese X ..................................................................................................................................................................... 77
Hipótese XI .................................................................................................................................................................... 79
Acórdão 150/94 ..................................................................................................................................................... 81
Hipótese XII .................................................................................................................................................................. 82
Hipótese XIII ................................................................................................................................................................. 83
Hipótese XIV ................................................................................................................................................................. 84
Hipótese XVI ................................................................................................................................................................. 86
Hipótese XVII ............................................................................................................................................................... 87
Hipótese XVIII .............................................................................................................................................................. 89