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Nota Prévia:

Estes são os apontamentos semanais das aulas práticas de DIREITO PENAL,


disponibilizados pela Comissão de Curso dos alunos do 2o ano da licenciatura em
Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, para o mandato de
2022/2023.

Foram elaborados pelo aluno Guilherme Tarrinha, tendo por base as aulas e documentos
disponibilizados pela docente Francisca Silva. Salienta-se que estes apontamentos são
apenas complementos de estudo, não sendo dispensada, por isso, a leitura das obras
obrigatórias e a presença nas aulas.

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Índice

Caso prático nº 1................................................................................................................4

Caso prático nº 2................................................................................................................5

Caso prático nº 3................................................................................................................8

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Aula de 03/11

Caso prático nº 1

a) Enquadramento: Proibição da analogia contra o agente.


Decorrência do princípio da legalidade – não pode haver crime nem pena sem lei,
só podendo a lei prévia, escrita e certa definir o crime e as respetivas
consequências jurídicas; encontra-se previsto no artigo 29º/3 da Constituição da
República Portuguesa e visa proteger os direitos e liberdades fundamentais das
pessoas contra os excessos e o arbítrio do poder estatal.
Este princípio tem fundamentos de natureza interna (estão relacionados com o
princípio liberal, segundo o qual a atividade compressora de direitos e liberdades
fundamentais supõe a existência de uma lei geral, abstrata e prévia, e o princípio
democrático e da separação de poderes, de acordo com o qual só a lei em sentido
formal, ou seja, da Assembleia da República ou por autorização desta ao Governo,
pode definir os comportamentos que são considerados crime e prever as respetivas
sanções) e fundamentos de natureza externa (estão relacionados com as
finalidades preventivas das penas e com o princípio da pena – a prevenção da
prática de crimes só se cumpre se os membros da comunidade souberem por onde
passa a fronteira entre os comportamentos puníveis e os não puníveis; de igual
forma, só se pode sancionar uma conduta se existir uma lei prévia que determine
que essa conduta consubstancia crime e associe uma consequência jurídica; por
muito reprovável que seja a conduta, cabe ao legislador defini-la como crime e
sancioná-la como consequência jurídica).
Este princípio desdobra-se em cinco planos diferentes:
• Plano do âmbito de aplicação – vamos circunscrever o plano de atuação
do princípio da legalidade, na medida em que este princípio não se refere
a toda a matéria penal, mas apenas à matéria que contente com a
fundamentação ou agravamento da responsabilidade penal; se este
princípio cobrisse toda a matéria penal, seria subvertida a sua teologia, que
consiste na proteção dos direitos e liberdades da pessoa contra os excessos
do poder estatal.
• Plano da fonte – só a lei em sentido formal pode definir os
comportamentos como crimes e associar-lhes consequências jurídicas, o
que significa que há uma reserva relativa da AR no que respeita à

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atribuição de penas, crimes e medidas de segurança (artigo 165º/1 da
CRP); Figueiredo Dias entende que este plano só faz sentido quanto à
matéria de criminalização ou agravamento da matéria penal, admitindo
uma concorrência entre a AR e o Governo no que respeita à atenuação ou
exclusão da responsabilidade criminal.
• Plano da determinabilidade do tipo legal – qualquer conduta só
consubstancia a prática de um crime se encontrar correspondência com um
tipo legal de crime, cabendo ao legislador definir os tipos legais de crime.
• Plano da proibição da retroatividade da lei penal – no que respeita a
aplicação da lei no tempo, vigora a proibição da retroatividade contra o
agente; a contrario a retroatividade será permitida se for utilizada para
excluir ou atenuar a responsabilidade criminal.
• Plano da proibição da analogia – a analogia é proibida sempre que
utilizada contra o agente, seja para agravar ou fundamental a sua
responsabilidade criminal; a contrario a analogia será sempre permitida
se for utilizada a favor do agente.

Haveria necessidade de recorrer à analogia?

Não, dado que não há nenhuma lacuna e a conduta do professor não é digna
de tutela penal, portanto não é típica, não encontrando correspondência com
nenhum tipo legal de crime. Neste caso, a analogia não poderia, sequer, ser
utilizada, dado que estaríamos a fundamentar a responsabilidade criminal do
agente, algo expressamente proibido pelo artigo 29º/3 da CRP.

b) O juiz continuaria a aplicar a analogia, que já seria permitida, dado que seria a
favor do agente, no sentido de atenuar a sua responsabilidade criminal, mas,
mesmo neste caso, não parece ser necessário recorrer à analogia, dado que a
conduta não é considerada típica, acabando o problema por se solucionar por
recurso à interpretação.

Caso prático nº 2

a) Enquadramento: Problema da aplicação da lei no tempo.


Princípio geral da irretroatividade da lei penal, que tem como pressuposto a
determinação do tempus delicti (momento da prática do facto); artigo 3º do
Código Penal, que prevê um critério unilateral, o critério da conduta, que permite

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fixar o momento da prática do facto atendendo à conduta do agente,
independentemente do momento em que se tenha produzido o resultado típico.
Em Direito Penal, a regra geral será a da aplicação do regime mais favorável. Pode
haver lugar a dois resultados:
• Descriminalização pura – a conduta que era crime deixa de o ser e passa
a ser lícita; nestes casos, vai admitir-se a retroatividade, por ser favorável
ao agente – artigo 2º/2 do Código Penal -, que será tão forte que se
aplicará aos casos transitados em julgados.
• Descriminalização impura – deixa de ser crime e passa a ser considerado
ilícito de outra natureza; o agente não poderá ser sancionado
criminalmente, mas equaciona-se se poderá ser sancionado a nível
contraordenacional, associando-se uma coima – apesar da conduta,
anteriormente, não ter sido considerada contraordenação, tem-se
considerado que é legítimo, por duas razões.
• Despenalização – existe uma atenuação da consequência jurídica, o que
significa que a nova lei será concretamente mais favorável ao agente,
admitindo-se a retroatividade – artigo 2º/4 do Código Penal -, que será
tão forte que abrange as sentenças transitadas em julgado, casos em que o
agente não vai poder cumprir uma pena superior ao limite máximo fixado
pela moldura penal que a nova lei prevê.

Nota: Artigo 378º - A do Código do Processo Penal – o agente pode requerer


a re-abertura da audiência para que lhe seja aplicado um novo regime.

Os crimes permanentes são crimes cuja execução se prolonga no tempo, de


que é exemplo o crime de sequestro, casos em que pode haver um concurso
de leis e novas leis aplicáveis ao crime. Até ao momento em que a lei anterior
vigora, é essa a lei aplicada; quando começa a vigorar a nova lei, aplica-se
esta.

O Professor Almeida Costa defende que deve aplicar-se, sempre, a lei que está
em vigor no momento da última conduta, mesmo que seja desfavorável ao
agente, considerando-se que, se o agente prolonga a sua conduta criminosa no
tempo, conforma-se com essa agravação.

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Leis temporárias ou de emergência, que são editadas pelo legislador para
vigorarem num período determinado de tempo. Vão aplicar-se, sempre, a
factos praticados durante a sua vigência.

Resposta: tempus delicti – 12/05/2010

1. No momento da prática do facto, estava em vigor a L1, que previa, apenas,


os limites máximos da moldura penal – conjugação com os artigos 41º e
47º do Código Penal, que definem os limites mínimos; assim, esta lei
previa de 1 mês a 5 anos de prisão ou 10 dias a 600 dias de multa.
2. Surge a L2, que previa uma pena de prisão de 1 mês a 3 anos.
3. Antes de L2 ter, sequer, entrado em vigor, é publicada a L3, que vem
suspender a entrada em vigor de L2.

Notificação – 16/09/2012 (a sentença transita em julgado quando deixar de


existir a possibilidade de recurso, decorridos 30 dias depois da data da
notificação – artigo 411º/1 do Código de Processo Penal).

4. No dia 13/12/2012, surge a L4, que previa uma pena de prisão de 1 mês a
4 anos.

No momento da apreciação judicial, seria aplicada a L1, dado que a L2 nunca


iniciou o seu período de vigência, que foi suspenso por L3.

No entanto, dado o caráter de despenalização da L4, esta lei seria aplicada,


segundo o disposto no artigo 2º/4 do Código Penal.

Não obstante o facto da sentença estar transitada em julgado, o sujeito E vai


cumprir a sua pena até ao limite máximo previsto por L4, que seria de 4 anos.

b) Se assim fose, L4 entraria em vigor antes da sentença iniciar o seu período de


execução e poder, sequer, transitar em julgado, pelo que, pelo seu caráter mais
favorável, seria aplicada – artigo 2º/4 do Código Penal.
c) Caso de descriminalização pura:
Se L4 entrasse em vigor antes do trânsito em julgado, o sujeito, que ainda nem
tinha começado a cumprir a pena, veria a sua responsabilidade criminal extinta;
já se L4 entrasse em vigor depois do trãnsito em julgado, a responsabilidade
criminal do sujeito era extinta e ele era devolvido à liberdade.

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Caso prático nº 3

L1 – contraordenação - coima de 250€ a 3000€

L2 - crime

L3 – contraordenação - coima de 200€ a 2000€

L4 – contraordenação - coima de 250€ a 3000€

Tempus delicti – 30/12/2012

1. A conduta foi praticada no dia 30/12/2012, data relativa ao período de vigência


de L1.
2. No dia 20/01/2013, entra em vigor a L2.
3. No dia 20/02/2013, entra em vigor a L3, que era uma lei temporária cujo período
de vigência estava circunscrito a 1 ano.
4. No dia 22/02/2014, entra em vigor a L4, que vem repristinar L1.

Audiência de julgamento – 30/03/2014

Resposta: aplica-se a L1, por ser a mais favorável ao agente, excluindo-se a aplicação da
L3, pelo facto da sua vigência estar associada a um dado período que já vingou.

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