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Nota Prévia

Estes são os apontamentos semanais das aulas práticas de DIREITO PENAL,


disponibilizados pela Comissão de Curso dos alunos do 2o ano da licenciatura em Direito
da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, para o mandato de 2022/2023.

Foram elaborados pelo aluno Guilherme Tarrinha, tendo por base as aulas e documentos
disponibilizados pela docente Francisca Silva.

Salienta-se que estes apontamentos são apenas complementos de estudo, não sendo
dispensada, por isso, a leitura das obras obrigatórias e a presença nas aulas.

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Índice

Medidas de segurança……………………………………………………………………6

Monismo e dualismo…………………………………………………………………….6

Como é que se constrói uma PRI? ………………………………………………………7

Direito Penal no horizonte do sistema jurídico português……………………………….8

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Aula de 27/10

Teorias das reações criminais – conclusão

No tocante às teorias das reações criminais, encontramos mais duas conceções.

1. Conceção de Eduardo Correia


Parte da ideia base de retribuição, o que significa que olha para a pena como um
fim em si mesmo, a pena será um instrumento de retribuição/compensação pelo
mal que o crime causou. A sanção criminal devia ser determinada em razão da
gravidade do crime, designadamente da ilicitude do facto e culpa do agente.
Assim, deve haver proporção entre o desvalor do crime para a sociedade e o
desvalor da sanção criminal para o criminoso.
As doutrinas retributivas eram alvo de várias críticas, de entre as quais a crítica
relativa ao caso dos criminosos especialmente perigosos, em relação aos quais
apresentavam uma incapacidade de resposta, na medida em que entendem a culpa
como a liberdade do agente para agir de determinada forma. Seguindo este
raciocínio, estes criminosos, embora com culpa, têm uma tendência para delinquir
e agem com menos liberdade de decisão e atuação, o que, consequentemente, leva
a que devam ser mais levianamente sancionados.
No entanto, esta construção colide com noções de prevenção especial, que
postulam que os criminosos com maior grau de perigosidade devem ser mais
duramente sancionados.
Eduardo Correia pretende superar esta teoria, criando a teoria da culpa na
formação da personalidade, segundo a qual vamos ter de olhar para a retribuição,
não direcionada para o facto, mas sim direcionada para a personalidade do agente.
A sua culpa não se manifesta na prática do facto, mas no que se refere à formação
da sua personalidade; no fundo, todos somos responsáveis pelas pessoas em que
nos tornamos e pelos atos que praticamos – se uma pessoa tem especial tendência
para cometer crimes, ela tem a obrigação de corrigir essa tendência, de forma a
salvaguardar os interesses tutelados pelo Direito Penal.
Se o Direito Penal tutela bens jurídicos essenciais, cria nos seus destinatários o
dever de educar, corrigir a sua personalidade, de forma a compatibilizá-la com os
valores que o Direito Penal requere, o que significa que, se uma pessoa tem um
modo de ser perigoso, cabe a ela corrigir-se, o que se traduz no facto de podermos

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imputar a culpa pela formação não conveniente da personalidade ao agente, o que
vai estimular o sentido de autorresponsabilidade do agente.
Esta teoria permite ultrapassar a crítica apontada à teoria ético- retributiva relativa
aos criminosos especialmente perigosos. O autor também entende que, apesar da
finalidade primária da pena ser retributiva, esta pode ser compatibilizada com
considerações de prevenção geral e especial.
Quanto à prevenção geral, se vamos fixar um quantum de pena que é suficiente
para cumprir a finalidade primária, a de retribuir ao agente o mal que o crime
causou, esse quantum será adequado a afastar a generalidade das pessoas ao
cometimento de crimes.
Quanto à prevenção especial (positiva), para Eduardo Correia, apesar da pena ter
em vista castigar o agente, em primeiro lugar, acaba por, depois, ser solidária para
com ele, reinserindo-o socialmente.
Concluindo, esta teoria tem os seus méritos, nomeadamente no tocante ao
superamento das deficiências da teoria ético retributiva, mas não é isenta de
críticas, na medida em que acaba por ser um esforço de engenharia jurídica para
manter a coerência da medida base de retribuição.

2. Prevenção Geral Positiva ou de Integração – Figueiredo Dias


Como o próprio nome indica, esta perspetiva vai olhar para a pena como tendo a
finalidade principal de reafirmar a vigência e validade das normas jurídico-penais;
o crime vai abalar a segurança nestas normas e a pena vais restabelecê-la,
garantindo a paz jurídica comunitária.
Este pensamento permitir-nos-á construir uma moldura da prevenção, dentro da
qual vamos fixar a medida concreta da pena em razão de exigências de prevenção
especial, designadamente na função de necessidade de ressocialização do agente.
Quanto à culpa, ela também releva, mas para fixar um limite inultrapassável da
pena.
Resumindo, a finalidade principal é a de prevenção geral positiva, e vamos fixar
um limite, abaixo do qual o Direito Penal e as suas penas não cumprem a sua
finalidade de tutelar os bens jurídicos essenciais.
Esta conceção é a que tem apoio normativo – art. 40º do Código Penal.

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Medidas de segurança

Em primeiro lugar, o Direito Penal conhece dois pólos, o das penas (sujeitos que agem
com culpa) e o das medidas de segurança (sujeitos que agem sem culpa), sendo que a
última atua em relação ao grau de perigosidade do agente, reativa a um ilícito típico.

De seguida, importa saber se também a pessoas imputáveis vamos poder aplicar medidas
de segurança. As medidas de segurança e as penas têm garantias idênticas ao nível da sua
aplicação, dado que também as medidas de segurança se aplicam com respeito a
princípios essenciais.

Quais os princípios subjacentes às medidas de segurança?

1. Princípio da legalidade – só se podem aplicar medidas de segurança que se


encontrem previstas na lei e estas só podem ser aplicadas quando os seus critérios
forem preenchidos.
2. Princípio da necessidade – só há lugar à aplicação de uma medida de segurança
quando seja necessária a defesa de um interesse comunitário.
3. Princípio da menor intervenção possível – à luz deste princípio, de entre todas
as medidas de segurança previstas, deve ser aplicada a que for menos gravosa para
o agente.
4. Princípio da proporcionalidade – a medida de segurança deve ser proporcional
à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
5. Princípio do ilícito típico – a medida de segurança deve ser aplicada em razão da
perigosidade do agente que se tenha manifestado no cometimento de um ilícito
típico.
6. Princípio da judicialidade – há uma reserva do poder judicial no que respeita à
aplicação de medidas de segurança.

Monismo e Dualismo

Num primeiro nível, as medidas de segurança vão ser aplicadas a agentes inimputáveis,
em razão da sua perigosidade.

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Num segundo nível, importa analisar se, ao lado de uma medida de segurança, podemos
aplicar penas, por forma a acautelar uma situação em que a medida de segurança não seja
suficiente para dar resposta ao grau de perigosidade do sujeito inimputável.

Perspetiva de Eduardo Correia – o sistema continuaria a ser monista, se a um imputável


fosse aplicada uma medida de segurança não detentiva, mas, se a um imputável fosse
aplicada uma medida de internamento (detentiva), o sistema já perderia o seu cunho
monista.

Podemos aplicar ao mesmo agente, pelo mesmo facto, uma pena e uma medida de
segurança, de forma cumulativa, quando a aplicação isolada da pena não baste para
acautelar o grau de perigosidade?

A nível da lei, as medidas não detentivas encontram-se previstas nos arts. 100º e seguintes
do Código Penal (ex: interdição de atividades – art. 100º), em relação às quais a lei parece
abranger quer os inimputáveis quer os imputáveis.

Já em relação às medidas de segurança detentivas, estas encontram base legal no art. 91º
e seguintes, e parece que a lei as dirige exclusivamente aos agentes inimputáveis, o que
não é verdade, pois existe um instituto, o das penas relativamente indeterminadas ou
PRI (arts. 83º e seguintes), que está pensado para aqueles sujeitos que parecem ter uma
especial inclinação para o cometimento de crimes.

Como é que se constrói uma PRI?

Em primeiro lugar, o tribunal deve determinar a pena que concretamente caberia no caso.

Só depois deve construir a PRI – o seu limite mínimo será igual a 2/3 da pena que caberia
ao crime, ao passo que o limite máximo será igual à pena que concretamente caberia ao
crime, acrescida de um quantitativo que a lei penal prevê, que pode ser de dois, quatro ou
seis anos.

Exemplo: o tribunal determina a pena de 9 anos; o limite mínimo da PRI será igual a 6
anos e o limite máximo será igual à pena de 9 anos acrescida de um dado quantitativo,
que neste caso seria de 6 anos, o que resultaria numa baliza de 6 anos e 15 anos, sendo
que o tempo do cumprimento dependeria do comportamento do agente (dos 6 aos 9 =
pena / dos 9 aos 15 = MS).

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Deste modo, parece que temos entre nós um sistema dualista.

Geralmente, os adeptos do monismo rejeitam os pressupostos do dualismo, que são


associados a regimes autoritários, e entendem que as medidas de segurança devem ser
reservadas aos inimputáveis.

Direito Penal no horizonte do sistema jurídico português

O Direito Penal é um ramo de Direito Público, que regula as relações entre o Estado,
investido do seu poder de soberania, e o particular.

Que grupos de distinção relativos ao Direito Penal existem?

1. Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito das Reações Criminais


1.1. O Direito Penal é um ramo jurídico que define, de forma geral e abstrata, os
comportamentos que devem ser considerados crimes e as respetivas
consequências jurídicas; para que em concreto saibamos se uma pessoa
cometeu um crime e qual a sanção que deve ser associada, é preciso levar a
cabo uma atividade que permita assegurar as garantias da pessoa, a sua
proteção contra o arbítrio do poder estatal e a realização da justiça criminal –
Processo Penal.
1.2. O Direito Processual Penal é um ramo de Direito que disciplina os termos do
processo, no âmbito do qual se procura aferir e averiguar se uma dada pessoa
praticou um crime e, em caso afirmativo, qual a sanção que deve ser aplicada.
1.3. O Direito das Reações Criminais é um ramo jurídico que se ocupa da
regulamentação da execução das penas e medidas de segurança que houverem
sido determinadas na condenação proferida no processo penal.

2. Direito Penal Clássico e Direito Penal Secundário


2.1. O Direito Penal Clássico engloba inclinações históricas, que as pessoas
conhecem do senso comum (não matar, não roubar, não furtar).
2.2. O Direito Penal Secundário se traduz na intervenção do Direito Penal em
domínios de especialização técnico-jurídica (Direito Penal Económico e
Direito Penal Tributário).

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3. Direito Penal e outros ramos de Direito sancionatórios
3.1. O Direito Disciplinar procura assegurar o bom funcionamento da
administração, as suas normas impõem determindados comandos que os
funcionários da administração devem adotar. No âmbito disciplinar, haverá
um ilícito se um funcionário incumprir um dever (ilícito interno, voltado para
o serviço), que será obviamente menos grave e não justifica a ameaça de
sanções criminais.
3.2. O Direito Penal orienta-se à tutela de bens jurídicos essenciais. O ilícito
criminal traduz a lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos essencias
para a comunidade.
3.3. O Direito de mera ordenação social é um ramo jurídico de consagração
recente, sendo considerado um ramo de Direito Administrativo, não se
inserindo no Direito Penal.

No Código Penal de Napoleão, havia uma conceção tripartida: crimes, delitos e


contravenções. O Direito Penal intervinha mesmo em situações bagatelares, o que
implicava uma sobrecarga dos tribunais judiciais e a sujeição desses comportamentos
bagatelares a sanções severas do Direito Penal.

Assim, decidiu-se pelo expurgo destes casos menores e bagatelares do Direito Penal,
tendo-se criado a categoria das contraordenações.

Qual o diploma que regula as contraordenações?

Decreto Lei 433/82 – contém o regime jurídico das contraordenações.

Hoje, o Direito contraordenacional é completamente independente do Direito Penal.


Quanto ao ilícito, o ilícito contraordenacional é, naturalmente, menos grave que o ilícito
criminal (condução em efeito de alcóol – 0.5 e 0.8 é uma contraordenação grave, 0.8 e
1.2 é uma contraordenação muito grave e a partir de 1.2 é crime). Quanto à sanção, as
contraordenacionais, entendidas como uma “advertência”, só resultam em coimas,
enquanto que as sanções criminais, que se destinam a dar resposta a exigências de
prevenção, pressupõem penas, determinadas por tribunais.

Apesar desta autonomia, o Direito Penal é subsidiário em relação ao Direito substantivo


contraordenacional, e vice versa.

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