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FACULDADE DE DIREITO E CIÊNCIA POLÍTICA


UNIVERSIDADE LUSÓFONA DO PORTO

A Aplicabilidade das Medidas de Coação em


Conformidade com os Princípios
Constitucionais

Relatório realizado no âmbito da UC de Teoria Constitucional Criminal sob a


regência da Dr.ª Alexandra

Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais

Mariana Patrícia Monteiro Mota

22207196

fevereiro 2023
2

SIGLAS OU ABREVIATURAS

Al. – Alínea
Art.º – Artigo
CPP – Código do Processo Penal
CRP – Constituição da República Portuguesa
DL – Decreto-Lei
N.º - Número
P. – Página
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
Supra - «acima»
§ – Parágrafo
3

Índice

Considerações Iniciais ............................................................................................................. 6

Capítulo I: O Regime Jurídico das Medidas de Coação ...................................................... 7


1. Conceito de Medidas de Coação ........................................................................................... 7
1.2 As diferentes Medidas de Coação ....................................................................................... 9
1.3 Condições gerais de aplicação das Medidas de Coação .................................................... 11

Capítulo II: A Importância das Garantias de Processo Criminal para o arguido ......... 12
1. O Direito de Defesa e o Princípio da Presunção de Inocência ............................................ 12

Capítulo III: A aplicabilidade das medidas de coação em conformidade com os


princípios jurídico-constitucionais....................................................................................... 14
Princípio da Legalidade........................................................................................................... 14
Princípios da Proporcionalidade, Necessidade e Adequação .................................................. 16
Princípio da Subsidiariedade ................................................................................................... 18

Considerações Finais ............................................................................................................. 20


Bibliografia ............................................................................................................................ 21
Jurisprudência e Legislação Enunciada .............................................................................. 21
4

Resumo Com o presente ‘paper’, o principal objetivo é abordar a aplicabilidade


das medidas de coação em conformidade com os princípios
constitucionais.
O presente trabalho é dividido entre três capítulos, o Capítulo I é referente
ao regime jurídico das medidas de coação, desde o conceito, à distinção
das várias medidas de coação consoante a sua gravidade e às condições
gerais de aplicação das medidas de coação. O Capítulo II realça a
importância das garantias de processo criminal para o arguido, como a
garantia do direito à defesa e o princípio da presunção de inocência.
Por fim, o Capítulo II, é referente à aplicabilidade das medidas de coação
em conformidade com os princípios constitucionais penais, como o
princípio da proporcionalidade, o princípio da adequação, o princípio da
necessidade e o princípio da subsidiariedade. Todos estes princípios são
importantes porque as medidas de coação devem de ser aplicadas em
conformidade com os princípios constitucionais, de modo a garantir a
efetividade do processo penal sem prejudicar os direitos fundamentais do
individuo.

Palavras- Medidas de Coação; Presunção de Inocência; Prisão Preventiva; Princípios


Chave: Constitucionais; Direitos Fundamentais;
5

Abstract With this paper, the main goal is to address the applicability of coercive
measures in accordance with constitutional principles.
This paper is divided into three chapters, Chapter I refers to the legal
regime of coercive measures, from the concept to the distinction between
the various measures of coercion according to their severity and the
general conditions for the application of coercive measures. Chapter II
highlights the importance of the guarantees of criminal procedure for the
defendant, such as the guarantee of the right to defense and the principle
of presumption of innocence.
Finally, Chapter II, is concerned with the applicability of coercive
measures in accordance with criminal constitutional principles, such as
the principle of proportionality, the principle of appropriateness, the
principle of necessity, and the principle of subsidiarity. All these
principles are important because the measures of coercion should be
applied in accordance with the constitutional principles, in order to
guarantee the effectiveness of the criminal process without harming the
fundamental rights of the person.

Keywords Coercive Measures; Presumption of Innocence; Preventive Detention;


Constitutional Principles; Fundamental Rights;
6

Considerações Iniciais

A temática do presente relatório insere-se no âmbito da aplicabilidade das medidas de


coação em conformidade com os princípios constitucionais.
As medidas de coação são providências de natureza cautelar e processual, limitadoras da
liberdade do arguido que têm em vista assegurar que o processo penal decorra sem
incidentes.
O Doutor Germano Marques da Silva realça que as medidas de coação são “meios
processuais de limitação da liberdade pessoal ou patrimonial que têm por fim acautelar
a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução
das decisões condenatórias.”1
Ora, no que concerne aos pressupostos de aplicabilidade das medidas de coação, para uma
medida de coação ser aplicada é necessário que estejam reunidos, em regra, os seguintes
pressupostos: existência de um processo criminal, indiciação de um crime, fortes indícios
relacionados com a prática do crime2 (artigos 200º nº1, 201º, nº1, 202º, nº1 e 227º nº1 do
CPP), e a constituição do indivíduo como arguido. (artigo 58º do CPP)
Relativamente aos princípios que regem a aplicação das medidas de segurança,
primeiramente temos o princípio da proporcionalidade que se subdivide em três
subprincípios, o princípio da adequação ou idoneidade, o princípio da necessidade e da
racionalidade ou proporcionalidade strico sensu.3
Outros dois princípios relevantes, são o princípio da subsidiariedade e o princípio da
presunção de inocência. O princípio da subsidiariedade resulta da aplicação, só em última
análise de uma medida de coação mais gravosa, como a prisão preventiva (artigos 193º,
nº2 e nº3 do CPP), esta só deve de ser aplicada em ultima ratio se as demais medidas
menos gravosas não forem julgadas adequadas ou suficientes para o caso concreto.
O princípio da presunção de inocência, é um princípio elevado à categoria de direito
fundamental, e é um dos institutos de defesa da posição do arguido.
Em suma, ao longo do ‘paper’ examinaremos mais pormenorizadamente o contexto da
aplicabilidade das medidas de coação em conformidade com os princípios
constitucionais.

1
MARQUES DA SILVA, GERMANO, “Curso de Processo Penal, II,” Editora: Verbo; 2008; p.285-286.
2
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de “Comentário do Código do Processo Penal Anotado à luz da
Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos” 3ª edição atualizada, p.543
3
MIRANDA, Jorge “Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais” 4ª Edição,
Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 2008, p.284.
7

Capítulo I: O Regime Jurídico das Medidas de Coação


1. Conceito de Medidas de Coação

Com o objetivo de acautelar a eficácia do procedimento criminal, tendo em vista a


descoberta da verdade material e o restabelecimento da paz jurídica posta em causa pela
prática delituosa, o legislador prevê o instituto das medidas de coação nos artigos 196º a
202º do CPP.
O prezado Professor Doutor. Germano Marques Da Silva, define que “as medidas de
coação e de garantia patrimonial são meios processuais de limitação da liberdade
pessoal ou patrimonial dos arguidos e outros eventuais responsáveis por prestações
patrimoniais, que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento quer quanto ao
desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias.”4
As medidas de coação e de garantia patrimonial, obedecem sempre ao princípio da
legalidade (artigo 191º do CPP), isto significa que só poderão ser aplicadas se estiverem
previstas taxativamente na lei.
A liberdade constitui, nos dias de hoje, um valor entendido como inerente à
condição humana, sendo indissociável da plena realização do indivíduo e pilar
fundamental de qualquer sociedade democrática, no entanto, as medidas de coação
colidem com este direito fundamental.
O Professor Doutor, Germano Marques da Silva, afirma que as medidas de coação são
uma “matéria muito delicada porque podem facilmente colidir com os direitos e
garantias constitucionalmente consagrados, quer no tocante à liberdade das pessoas,
quer à liberdade de disposição patrimonial.”5
As medidas de coação e de garantia patrimonial constituem limitações totais ou parciais,
à liberdade pessoal ou patrimonial do arguido com o propósito de acautelar a eficácia do
procedimento penal; de prevenir ou evitar a fuga ou a continuação da atividade criminosa
e garantir a execução das decisões condenatórias, porque durante as fases do processo o
arguido poderá procurar frustrar-se à ação da justiça, fugindo ou procurando fugir; poderá
dificultar a investigação, procurando esconder ou destruir meios de prova ou até coagir
ou intimidar testemunhas e poderá continuar assim, a sua atividade criminosa, neste
sentido e para evitar estes riscos, foram criadas as medidas cautelares com o fim de impor
limitações à liberdade pessoal do arguido.

4
MARQUES DA SILVA, GERMANO, “Curso de Processo Penal, II,” Editora: Verbo; 2008; p.285.
5
MARQUES DA SILVA, GERMANO, “Curso de Processo Penal, II,” Editora: Verbo; 2008; p.287
8

No âmbito do direito à liberdade pessoal, a regra da liberdade está estabelecida no artigo


27º nº1 da CRP, no art.º 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo
9.º do Pacto Internacional para a proteção dos direitos civis e políticos.
O Doutor Gomes Canotilho e o Doutor Vital Moreira, consideram que o “direito à
liberdade significa, como decorre do contexto global deste artigo, direito à liberdade
física, à liberdade de movimentos, ou seja, direito de não ser detido, aprisionado ou de
qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se
movimentar.”6
No entanto, existem restrições ao direito à liberdade, a aplicação de uma medida de
coação restringe este direito.
O direito à liberdade não é considerado um direito absoluto, admitindo assim, limitações
que têm natureza excecional e são condicionadas por lei à verificação de certos
pressupostos e à observância de determinados requisitos, as medidas de coação neste
âmbito podem restringir direitos, liberdades e garantias.
A Constituição da República Portuguesa (CRP) admite restrições aos direitos,
liberdades e garantias, mas prescreve que essas limitações se hão-de limitar ao necessário
para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art.18,
nº2).
O Professor Doutor Figueiredo Dias, admite que a limitação ou a privação da
liberdade do arguido está estreitamente vinculada “à exigência de que só sejam aplicadas
àqueles as medidas que ainda se mostrem comunitariamente suportáveis face à
possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente.”7 Daí resultando a subordinação
da disciplina legal aos princípios constitucionais da legalidade, da proibição do excesso,
nas suas vertentes de adequação, necessidade e proporcionalidade, da precariedade e da
subsidiariedade da prisão preventiva.
“A lei admite assim, a aplicação ao arguido de certas medidas cautelares restritivas dos
seus direitos fundamentais, medidas que formula em abstrato, ponderando também, em
abstrato da sua adequação, necessidade e proporcionalidade, mas prescreve também que
nenhuma dessas medidas em exceção á medida do termo de identidade, pode ser apicada
se em concreto não se verificar a sua necessidade para acautelar os fins que importa

6GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa, Anotada, Artigos 1º a 107º”,
Vol I, 1ª Edição Revista, Coimbra Editora, p.478.
7
FIGUEIREDO DIAS, Jorge, “Sobre os Sujeitos Processuais no novo Código de Processo Penal”, in:
Jornadas de Direito Processual Penal. O Novo Código de Processo Penal, Almedina, p.27.
9

prosseguir.”8
No entanto, é preciso ter em atenção que não basta a admissibilidade em abstrato da
aplicação ao arguido de uma medida de coação ou de garantia patrimonial; importa que a
medida se mostre necessária ao caso concreto, em cada caso é preciso que a medida se
mostre objetivamente idónea para assegurar a finalidade para que a lei a permite, mas é
preciso também que ela se mostre necessária para realizar esse mesmo fim, o que significa
que não se pode prosseguir uma finalidade distinta da prevista por lei.
Concluindo, existem precisamente dois conceitos de privação de liberdade, a privação
total da liberdade e a privação parcial da liberdade, ambos estes institutos diferem-se entre
si devido à intensidade da gravidade.
As medidas enquadradas na privação total de liberdade, são as medidas previstas nos
artigos 201º e 202º do CPP, nomeadamente a obrigação de permanência na habitação
(designada por prisão domiciliária) e a prisão preventiva, são consideradas medidas de
privação total de liberdade devido ao seu elevado teor de gravidade, relativamente às
restantes, são consideradas medidas de coação de privação parcial da liberdade, devido a
serem menos graves.

1.2 As diferentes Medidas de Coação

Como referimos no tópico anterior, as medidas de coação com função cautelar processual
obedecem ao princípio da legalidade, isto significa que só são admitidas as medidas de
coação previstas na lei.
As principais medidas de coação em Portugal são, precisamente as previstas no Código
Processual Penal (CPP): A caução, é uma medida de coação prevista no artigo 197º do
Código do Processo Penal (CPP), consiste na obrigatoriedade de o arguido entregar
determinado montante como garantia de comparecimento aos futuros atos processuais e
de cumprimento das obrigações que lhe forem fixadas com outras medidas de coação.
A aplicação desta medida é da competência do Juiz e a caução só pode ser aplicada
quando o crime imputado ao arguido seja punível com pena de prisão.
É importante referir igualmente que o Juiz pode manter o arguido sujeito a uma medida
mais grave se o mesmo, não prestar caução a que se tenha comprometido.9
O termo de identidade e residência, prevista no artigo 196º do CPP, é uma medida de

8
MARQUES DA SILVA, GERMANO, “Curso de Processo Penal, II,” Editora: Verbo; 2008; p.288.
9
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de “Comentário do Código do Processo Penal Anotado à luz da
Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos” 3ª edição atualizada, p.560
10

coação enquanto a sujeição a esta medida implica deveres para o arguido limitadores da
sua liberdade, esses deveres consistem, para além da identificação do arguido e indicação
da sua residência, em não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco
dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde se possa encontrar, e ainda detém
o dever de comparecer perante a autoridade competente e de se manter sempre à
disposição dela, sempre que a lei o obrigar.
A obrigação de apresentação periódica é uma medida de coação prevista no art.º. 198º
do Código do Processo Penal (CPP), consiste na obrigação de apresentação do arguido a
uma a uma entidade judiciária ou a um certo órgão de polícia criminal em dias e horas
preestabelecidos.
Esta medida só é aplicável quando o crime imputado ao arguido for punível com pena de
prisão de máximo superior a seis meses, podendo ser cumulativa com outra pena, à
exceção da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação.
A suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos prevista
no artigo 199º CPP é aplicável nos casos em que o crime imputado ao arguido for punível
com pena de prisão de máximo superior a 2 anos, e pode ser cumulada com qualquer
outra medida de coação.
A proibição e imposição de condutas prevista no artigo 200º do CPP, é aplicável nos
casos em que haja fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão
no máximo superior a 3 anos, sendo as obrigações cumuláveis entre si e com quaisquer
outras medidas exceto a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação.
Esta medida concretiza-se nas obrigações taxativamente enumeradas nas diversas alíneas
do nº1 do artigo 200º do CPP.
A obrigação de permanência na habitação (ou denominada de prisão domiciliária),
prevista no artigo 201º CPP, o pressuposto específico da aplicação da obrigação de
permanência na habitação é a existência de fortes indícios da prática de crime doloso
punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.
E por fim, a última medida de coação, e mais relevante, a prisão preventiva, prevista no
artigo 202º do CPP, no seio das ciências-jurídico criminais, mais precisamente no campo
do direito processual penal, a prisão preventiva permanece no centro do debate moderno
das instituições jurídicas porque este instituto retira ao indivíduo o seu direito à liberdade,
sem a conclusão de um processo.
Nas medidas de coação existe uma hierarquia em razão da gravidade, sendo que a mais
grave de todas, é a prisão preventiva
11

A prisão preventiva é aplicada quando as medidas de coação supra-mencionadas se


demonstrem insuficientes ou inadequadas.
A prisão preventiva, ainda que considerada uma medida de coação, não se diferencia
“substancialmente” de uma pena, pois subtrai ao indivíduo o seu direito à liberdade sem
a conclusão de um processo penal.
A Constituição da República Portuguesa, passou a distinguir com clareza a detenção e a
prisão preventiva. Seguindo a doutrina penal e processual penal, a detenção é uma medida
de caráter precário e condicionado que não resulta de uma decisão judicial.
A prisão preventiva por outro lado, é uma medida de privação de liberdade (embora de
caráter excecional, provisório e subsidiário) decretada pelo juiz como «medida de
coação» em processo penal.10

1.3 Condições gerais de aplicação das Medidas de Coação

O artigo 191º Código do Processo Penal (CPP), estabelece condições gerais de aplicação
de medidas de coação, e este preceito tem de estar conjugado com o disposto do artigo
204º do referido código.
Por sua vez, o artigo 204.º do Código do Processo Penal (CPP), consagra os requisitos
gerais de aplicação das medidas de coação que desempenham uma função insubstituível
no processo penal.11
A condição básica para aplicação de uma medida de coação, também chamada de
condição positiva é a prévia constituição do indivíduo como arguido (artigo 192º nº1 e
artigo 58.º do CPP), desde que exitam fortes indícios que o mesmo cometeu um crime.
A condição negativa por sua vez, consiste na inexistência de causas de isenção de
responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal (artigo 192º nº6 do CPP).
Como resulta do texto do n. º2 do artigo 192º, “basta a existência de motivos fundados
para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do
procedimento criminal para que a medida de coação não possa ser aplicada.”12
Ora aqui chegados, temos de ter em mente de que existem duas ordens de pressupostos
para a aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial.

10
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa, Anotada, Artigos 1º a
107º”, Vol I, 1ª Edição Revista, Coimbra Editora, p.478
11
SOUSA, Elisabete, “Requisitos Gerais de Aplicação das Medidas de Coação”, Editora: Almedina,
2021, p.9.
12
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa, Anotada, Artigos 1º a
107º”, Vol I, 1ª Edição Revista, Coimbra Editora, p.292
12

O primeiro pressuposto é a verificação de um “fumus comisi delict”, ou seja, de um juízo


de indicação de que o arguido cometeu um crime devido há existência de indícios que o
incriminam.
É sempre necessário que seja possível formular este juízo de indicação da prática de um
determinado crime, porque uma medida de coação não pode ser aplicada se não se
indicarem pressupostos.
Ainda que existam indícios da prática de um crime, não deve ser aplicada qualquer
medida de coação quando houver fundados motivos para crer que o agente não virá a ser
punido, em razão da existência de qualquer causa de isenção de responsabilidade ou de
extinção do procedimento.
A expressão causas de isenção de responsabilidade, é usada no artigo 192º, nº2, num
sentido amplo, abrangendo todos os casos de afastamento da responsabilidade penal,
nomeadamente as causas de justificação e de exculpação, de extinção da responsabilidade
e do procedimento criminal e as causas de isenção da pena, no fundo, é preciso ter em
atenção a todas as situações em razão das quais o agente não será punido.
Para evitar uma inútil e injustificada limitação da liberdade, importa ter presente
que nenhuma medida pode ser aplicada não só quando a isenção da responsabilidade ou
extinção do procedimento criminal estejam demonstrados no processo, mas também
quando haja dúvidas sobre a sua verificação.
O segundo pressuposto é o “pericula libertatis”, indica-nos que não bastam os indícios
da prática do crime, importa ainda que se verifiquem os “pericula libertatis” referidos
nas várias alíneas do artigo 204º, relativamente às medidas de coação.
Só se verificar algum dos pressupostos indicados nas alíneas do artigo 204º do CPP é que
é legalmente admissível a aplicação de uma das medidas de coação, com exceção da
medida do termo de identidade.
Em suma, a aplicação de uma medida de coação só é justificável, a partir do momento em
que existam indícios suficientes de que o arguido cometeu um crime e a medida aplicada
tem de ser necessária e proporcional à gravidade do crime em causa e às circunstâncias
concretas do caso.

Capítulo II: A Importância das Garantias de Processo Criminal para o


arguido
1. O Direito de Defesa e o Princípio da Presunção de Inocência

Como vimos no tópico anterior, o arguido tem o dever de se sujeitar a medidas de coação
13

e de garantia patrimonial, especificadas na lei, no entanto, existem limites, o dever do


arguido é moldado pelo direito de defesa (artigo 32, nº1 CRP) e pelo princípio da
presunção de inocência13 (artigo 32º nº2 CRP), até ao trânsito em julgado da decisão
condenatória.
No artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (CRP) condensam-se as garantias
de processo criminal. As garantias do processo criminal são de extrema importância,
porque visam assegurar o processo de forma justa e imparcial.
Neste contexto cabe-nos desenvolver um pouco sobre as garantias previstas no nº1 e no
nº2 do artigo 32º da CRP, nomeadamente o direito de defesa do arguido o princípio da
presunção de inocência.
O nº1 menciona o direito de defesa do arguido, este artigo comporta todas as garantias de
defesa do arguido em sede de processo criminal, os Doutores Gomes Canotilho e Vital
Moreira, afirmam que “em todas as garantias de defesa, engloba-se indubitavelmente
todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua
posição e contrariar a acusação.”14
No fundo, o direito de defesa constitui uma categoria aberta á qual devem ser imputados
os direitos concretos estipulados no artigo 61º nº1 do Código de Processo Penal (CPP).
Ora, no que concerne ao nº2 do artigo supra-mencionado, o princípio da
presunção de inocência, este princípio possui bastante relevância penal, impõe que
ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória, o que significa que as medidas de coação devem ser utilizadas apenas
quando forem realmente necessárias e proporcionais ao caso concreto.
O princípio da presunção de inocência, é um princípio elevado à categoria de direito
fundamental, diz o artigo nº32 nº2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que
“todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de
condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de
defesa”
O princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in
dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjetiva, o princípio é também uma imposição
dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não

13
Artigo 32º nº2 da Constituição da República Portuguesa: “2 - Todo o arguido se presume inocente até
ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível
com as garantias de defesa.”
14
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa, Anotada, Artigos 1º a
107º”, Vol I, 1ª Edição Revista, Coimbra Editora, p.516
14

tiver a total certeza sobre os factos decisivos para a solução em causa.


Este princípio considera-se igualmente associado ao princípio nulla poena sine culpa, que
significa que se o juiz não estiver convencido sobre a existência dos pressupostos de um
crime e mesmo assim pronuncia uma sentença de condenação, se assim o for, viola o
princípio da culpa.
Os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo constituem, a dimensão
jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta com suporte
axiológico-normativo-da pena.
A garantia da presunção de inocência repercute-se de forma imediata no estatuto do
arguido seja enquanto objeto de medidas de coação, seja enquanto meio de prova.
Este princípio jurídico-constitucional vincula estritamente à exigência de que só sejam
aplicadas ao arguido as medidas que se mostrem comunitariamente suportáveis face à
possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente (artigos 27º,28º e 32º nº2 da
Constituição da República Portuguesa e 191º a 218º do Código do Processo Penal). Daqui
resultando, nomeadamente, que a aplicação de uma medida de coação como a prisão
preventiva, seja obrigatoriamente decidida pelo juiz, devendo obedecer sempre aos
princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade, que iremos
analisar de seguida, mais pormenorizadamente.

Capítulo III: A aplicabilidade das medidas de coação em conformidade com


os princípios jurídico-constitucionais

Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade das medidas de coação (art.191º do CPP) concretiza direito


constitucional (artigos 27,28º,29º e 165º nº1, al. c) da CRP) e direito internacional dos
direitos humanos (artigo 5º da CEDH). É um princípio relevante quer no direito penal
substantivo, quer no direito processual.
O Acórdão do STJ nº SJ200509280018313 estabelece exatamente a definição do
princípio da legalidade: “o princípio da legalidade, com inscrição constitucional (artigo
29°, n° l da Constituição) significa, no conteúdo essencial, que não pode haver crime nem
pena que não resultem de uma lei prévia, escrita, estrita e certa (nullum crimen, nulla
poene sine lege).”15

15
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nº SJ200509280018313 de 28-09-2005. In:
15

O Doutor Paulo Pinto Albuquerque, entende que este “princípio consiste em que só pode
ser aplicada medida de coação ou garantia patrimonial prevista na lei e para os fins de
natureza cautelar nela previstos”16
As normas que regulam as medidas de coação e as medidas de garantia patrimonial, são
normas processuais materiais, com exceção das normas respeitantes ao termo de
identidade e residência, por se tratar de uma medida de coação geral, aplicável a todos os
arguidos.
O artigo 191º nº1 do CPP, estabelece que a “liberdade das pessoas” só pode ser
limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar,
pelas medidas de coação previstas na lei.
A expressão “liberdade das pessoas”, tem uma interpretação ampla, abrangendo tanto a
liberdade física de movimentação e deslocação17, que pode ser limitada especialmente
pela prisão preventiva e pela obrigação de permanência na habitação (prisão
domiciliária).
A importância deste princípio é nítida, pois exige a prévia definição dos
pressupostos gerais e especiais, das medidas de coação, não permitindo a criação e
aplicação de medidas diferentes das expressamente previstas na lei, assim afirmando a
transparência do procedimento a observar e afastando a arbitrariedade e o casuísmo, o
que se mostra crucial quando o que está em jogo são os direitos fundamentais dos
cidadãos.
Atualmente, e de acordo com o princípio da legalidade, só podem ser aplicadas as
medidas de coação previstas na lei de forma taxativa, o que significa que só e somente se
podem aplicar as medidas de coação tipificadas nos artigos 196º a 202º do Código do
Processo Penal (CPP), só apenas as medidas referidas neste artigo é que podem restringir
os direitos, liberdades e garantias do arguido (art.18º nº2 da CRP)
O princípio da legalidade incide sobre as medidas de coação, particularmente em relação
à prisão preventiva, quando reclama delimitação das hipóteses de medidas cautelares de
natureza processual penal. Por isso mesmo, pressupõe um numerus clausus de situação
em que a lei a autoriza.

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f26cbff0474ec694802570ae006223a2?
OpenDocument (Consultado a 23/02/2023)
16
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição
da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 3ª edição atualizada, Universidade
Católica Editora, 2009, p. 542
17
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa, Anotada,
Artigos 1º a 107º”, Vol I, 1ª Edição Revista, Coimbra Editora, p.478.
16

Em conclusão, o princípio da legalidade, corresponde à impossibilidade de aplicação, de


uma medida de coação que não esteja prevista na lei e que a finalidade deste princípio é
a de proteger os cidadãos de arbitrariedades por parte do Estado, prevenindo assim, que
as pessoas não sejam punidas por condutas que não estejam tipificadas e expressamente
previstas na lei.

Princípios da Proporcionalidade, Necessidade e Adequação

Os princípios que regem a aplicação das medidas de segurança, encontram-se


consagrados no artigo 193º nº1 do CPP que são: o princípio da proporcionalidade que se
subdivide em três subprincípios, o princípio da adequação ou idoneidade, o princípio da
necessidade e da racionalidade ou proporcionalidade strico sensu.18 Estes princípios tem
uma relevância significativa no que concerne à aplicação das medidas de coação, o
preceito do artigo 193º nº1 estabelece que as medidas de coação a aplicar ao caso concreto
devem de ser necessárias, adequadas às exigências cautelares que o caso requer e
proporcionais à gravidade do crime.
Uma medida de coação só pode ser aplicada, se estiverem verificados todos os
pressupostos, nomeadamente, a existência de indícios da prática de um crime de certa
gravidade, se assim for, o juiz, como administrador de justiça, examina o caso em
concreto e aplica uma medida de coação que julgue idónea para salvaguardar as
exigências cautelares que o caso requer, no entanto, esta medida tem de ser sempre
necessária, adequada e estritamente proporcional à gravidade do crime e às sanções que
previsivelmente venham a ser aplicadas, respeitando perpetuamente o princípio da
necessidade, da adequação e o princípio da proporcionalidade.
O princípio da necessidade, estabelece que as medidas de coação devem de ser
aplicadas somente quando forem estritamente necessárias para garantir a efetividade do
processo. Este princípio é considerado um mecanismo de proteção dos direitos
fundamentais do agente, garantindo que as medidas de coação só sejam aplicadas se
forem indispensáveis para garantir a efetividade do processo e a segurança da sociedade.
O princípio da necessidade está intrinsecamente ligado com o princípio da presunção de
inocência, consagrando no artigo 32º nº2 da CRP (que versa sobre as garantias do
processo criminal, tal como analisamos anteriormente), o Doutor Germano Marques da

18
MIRANDA, Jorge “Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais” 4ª Edição,
Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 2008, p.284
17

Silva, afirma que “o princípio da presunção de inocência impõe que as medidas de


coação e de garantia patrimonial sejam na maior medida possível compatíveis com o
estatuto processual de inocência inerente à fase em que se encontram os arguidos a quem
são aplicadas e por isso, ainda que legitimadas pelo fim, devam ser aplicadas as menos
gravosas, desde que adequadas.”19
O princípio da adequação, exige que as medidas de coação sejam escolhidas
mediante a gravidade e a natureza do crime, de forma a garantir que não sejam excessivas
ou desproporcionais, isto significa que a medida a aplicar deve ser idónea para satisfazer
as necessidades do caso concreto, e por esse mesmo motivo, deve ser escolhida em função
da cautela, da finalidade a que se destina. Deste modo, considera-se que este princípio
tem caráter empírico, apoia-se no esquema meio-fio, sendo que a medida adequada
facilita a realização do fim pretendido.
O Doutor Pinto de Albuquerque refere que “o princípio da adequação consiste em que
as medidas de coação e de garantia patrimonial devem de ser adequadas às exigências
cautelares que o caso requerer.”20
O juiz baseia-se no princípio da adequação para aplicar uma das medidas de coação
tipificadas nos artigos 191º e seguintes do Código do Processo Penal, ele deve de ter em
consideração todos os elementos que caraterizam o caso concreto, tais como a gravidade
do crime, a perigosidade do arguido, entre outros fatores.
O princípio da adequação está integrado com o princípio da proporcionalidade, que impõe
que a medida deve ser proporcionada à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente
venha a ser aplicada ao arguido, em razão da prática do crime ou crimes indiciados no
processo, não pode ser aplicada uma medida que, ainda que justificada pelas exigências
cautelares do caso concreto, não seja proporcional à gravidade do crime e à sanção que
previsivelmente será aplicada na sentença condenatória.21
O princípio da proporcionalidade, por sua vez, impõe que as medidas de coação
devem de ser proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente
venham a ser aplicadas.22

19
MARQUES DA SILVA, GERMANO, “Curso de Processo Penal, II,” Editora: Verbo; 2008; p.305
20
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição
da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 3ª edição atualizada, Universidade
Católica Editora, 2009, p. 568
21
MARQUES DA SILVA, GERMANO, “Curso de Processo Penal, II,” Editora: Verbo; 2008; p.304.
22
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição
da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 3ª edição atualizada, Universidade
Católica Editora, 2009, p. 547
18

O Doutor Jorge Miranda, refere que o princípio da proporcionalidade manifesta-se na


Constituição, nos momentos mais difíceis dos direitos fundamentais23, as restrições de
direitos, liberdades e garantias devem “limitar-se ao necessário para salvaguardar outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (artigo 18, nº2, 2ª Parte da CRP)
Neste sentido, este princípio impõe que as medidas de coação devem de ser proporcionais
à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.24
As medidas de coação distinguem-se consoante a sua gravidade, a aplicação de uma
medida de caução ou a aplicação de uma medida de obrigação de apresentação periódica
não se comparam a uma prisão preventiva ou a uma prisão domiciliária, porque tanto a
caução e a obrigação de apresentação periódica são duas medidas que não possuem um
alto grau de gravidade, comparativamente à prisão preventiva e à obrigação de
permanência na habitação.
A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação (também
apelidada de prisão domiciliária), são duas medidas com alto teor de gravidade, só podem
ser aplicadas quando se “revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de
coação”25, como refere o artigo 193º, nº2 do CPP.
Assim, se duas ou mais medidas se revelarem adequadas e suficientes às exigências
cautelares, a prisão preventiva e a prisão domiciliária nunca devem de ser aplicadas, a
não ser em ultima racio, porque a prisão preventiva a obrigação de permanência na
habitação, são duas medidas completamente restritivas e privativas da liberdade do
arguido.

Princípio da Subsidiariedade

O Doutor Paulo Pinto Albuquerque, refere de que existe uma escala de gravidade relativa
das medidas de coação, ordenada, da mais grave para a menos grave, 26 a mais grave das
medidas de coação é a prisão preventiva, devido a ser uma medida que restringe a total
liberdade do arguido, razão pela qual a sua aplicação pautará de acordo com o princípio
da subsidiariedade, isto é, esta medida de coação apenas será aplicada quando as demais

23
MIRANDA, Jorge, “Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais” 4ª Edição,
Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 2008, p.282
24
PINTO DE ALBUQUERQUE, Paulo, “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição
da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 3ª edição atualizada, Universidade
Católica Editora, 2009, p. 547
25
Artigo 193º do CPP: “2 - A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser
aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.”
26
ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de “Comentário do Código do Processo Penal Anotado à luz da
Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos” 3ª edição atualizada, p.548
19

se revelem insuficientes ou inadequadas ao caso concreto (artigos 27º, 28º da CRP e 193º
nº2 e 201º do CPP), normalmente a aplicação desta medida de coação ocorre quando se
verificarem os pressupostos elencados no artigo 202 nº1 do CP, a segunda mais grave é a
obrigação de permanência na habitação, também designada por prisão domiciliária, que
corresponde à medida de coação que se traduz no dever do arguido de não se ausentar
sem autorização, da habitação própria ou de outra em que de momento resida.
Em relação às restantes medidas de coação, são consideradas medidas de coação com
baixo teor de gravidade.
A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, são medidas de
coação de uma extrema importância para o princípio da subsidiariedade, porque são duas
medidas subsidiárias que privam a liberdade total do arguido e que só podem ser aplicadas
quando as outras medidas previstas no artigo 196º do CPP se revelem inadequadas ou
insuficientes face às concretas exigências processuais cautelares, tal como refere o artigo
193º nº2 do CPP: “A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só
podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras
medidas de coação.”
A Doutora Maria João Antunes, revela a sua opinião sobre a aplicação destas
medidas e explica que efetivamente, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na
habitação não devem de ser aplicadas de imediato mas sim em ultima racio, porque o que
está aqui em causa é a privação total da liberdade do arguido, “expressa-se aqui o
princípio político-criminal da privação da liberdade como ultima racio da política
criminal, bem como a preferência legal quanto à obrigação de permanência na
habitação.”27
Ora, sabemos de que a prisão preventiva é uma medida de privação total da
liberdade do arguido, neste contexto, o artigo 28º nº2 estabelece que “a prisão preventiva
tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser
aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.” Ora, deste preceito
entendemos que a nossa Lei Fundamental protege o direito à dignidade da pessoa humana,
isto significa que se exige que no processo se examine se subsiste outra medida de coação
menos gravosa para se aplicar ao indivíduo que se presume de inocente.28,
O Doutor Pinto Albuquerque refere que se deve se examinar a possibilidade de se aplicar

27
ANTUNES, Maria João; “Direito Processual Penal”, Coimbra, Almedina, 2016. p.139
28
Em conformidade com o Princípio da Presunção de Inocência, todo o arguido se presume de inocente
até sobrevir uma sentença condenatória confirmada em grau de recurso.
20

uma sanção de obrigação de permanência na habitação (art 201º do CPP) ao invés de se


aplicar uma prisão preventiva e proporciona-nos um exemplo do porquê de preferenciar
a medida prevista no 201º do CPP, “por exemplo, ao arguido indiciado de um roubo de
telemóvel deve, em princípio ser aplicada a obrigação de permanência na habitação, se
necessário com vigilância eletrónica, mas não a prisão preventiva.”29
No entanto, caso não seja possível aplicar uma medida menos penosa, dada a gravidade
da situação, aí sim, deve de se aplicar a medida subsidiária de ultima racio, a prisão
preventiva.
Em suma, o princípio da subsidiariedade resulta da aplicação, só em última análise de
uma medida de coação mais gravosa, como a prisão preventiva (artigos 193º, nº2 e nº3
do CPP), esta deverá ser a ultima racio, só deve de ser aplicada em última instância se as
demais medidas menos gravosas não forem julgadas adequadas ou suficientes para o caso
concreto.
Considerações Finais

Aqui chegados, ao longo do ‘paper’ conseguimos compreender de que as medidas de


coação em Portugal são regulamentadas pelo Código de Processo Penal e têm como
objetivo garantir a realização da justiça criminal, protegendo a sociedade e os direitos dos
suspeitos e acusados. Existem várias medidas de coação que podem ser aplicadas em
diferentes fases do processo penal, como a prisão preventiva, a obrigação de apresentação
periódica ou a caução. A aplicação das medidas de coação é uma decisão tomada pelos
tribunais, que têm em consideração a gravidade do crime em causa, a perigosidade do
suspeito ou acusado, o risco de fuga ou perturbação do inquérito ou processo, entre outros
fatores. É importante notar que a aplicação de uma medida de coação não significa que a
pessoa seja culpada do crime em questão, mas sim que existem indícios suficientes que
justifiquem a sua aplicação. No entanto, também conseguimos concluir de que a
utilização inadequada das medidas de coação pode levar a violações de direitos humanos,
porque como sabemos a prisão preventiva é uma medida que priva na totalidade a
liberdade do arguido, e por isso mesmo é que é uma medida subsidiária e que deve de ser
aplicada em ultima racio, portanto, quando se aplica uma medida de coação é necessário
atender aos pressupostos e sobretudo atender em conformidade com os princípios
constitucionais para garantir a proteção dos direitos e liberdades dos indivíduos.

ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de “Comentário do Código do Processo Penal Anotado à luz da


29

Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos” 3ª edição atualizada, p.548
21

Bibliografia

MARQUES DA SILVA, GERMANO, “Curso de Processo Penal, II,” Editora: Verbo;


2008,

ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de “Comentário do Código do Processo Penal


Anotado à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos
Humanos” 3ª edição atualizada;

MIRANDA, Jorge “Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos


Fundamentais” 4ª Edição, Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 2008;

GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República


Portuguesa, Anotada, Artigos 1º a 107º”, Vol I, 1ª Edição Revista, Coimbra Editora;

SOUSA, Elisabete, “Requisitos Gerais de Aplicação das Medidas de Coação”, Editora:


Almedina, 2021,

ANTUNES, Maria João; “Direito Processual Penal”, Coimbra, Almedina, 2016.

Jurisprudência e Legislação Enunciada

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nº SJ200509280018313 de 28-09-2005. In:


http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f26cbff0474ec694802
570ae006223a2?OpenDocument (Consultado a 23/02/2023)

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