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TEORIA GERAL DO DELITO E PRINCIPOLOGIA

CONSTITUCIONAL

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Sumário
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 4
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL ...... 4

Princípio da presunção de inocência.......................................................................... 4


Presunção de inocência na legislação brasileira ........................................................ 6
Da prisão em segunda instância ................................................................................ 8
Principio do contraditório e ampla defesa .................................................................. 9
Princípio da não autoincriminação ........................................................................... 11
Provas não invasivas .............................................................................. 12

Provas invasivas..................................................................................... 13

Principio do juiz natural ............................................................................................ 14


Princípio do promotor natural ................................................................................... 16
Histórico.................................................................................................. 16

Legislação .............................................................................................. 17

Princípio do devido processo legal (Due process of law) ......................................... 20


Breves aspectos históricos ..................................................................... 20

Princípio processual ............................................................................... 22

Princípio da razoável duração do processo ............................................................. 23


Princípio da publicidade ........................................................................................... 25
Classificação da publicidade dos atos processuais ................................ 26

O sigilo no procedimento investigatório criminal do Ministério Público ... 26

TEORIA GERAL DO DELITO .................................................................................. 27


CRIME DOLOSO E CRIME CULPOSO ................................................................... 30
Crime doloso .......................................................................................... 30

Crime culposo......................................................................................... 32

Modalidades de culpa .............................................................................................. 32


CRIME CONSUMADO, TENTADO E IMPOSSÍVEL ................................................ 33
Crime consumado .................................................................................. 33

Crime tentado ......................................................................................... 33

Crime impossível .................................................................................... 33

1
Desistência voluntária ............................................................................ 33

Arrependimento eficaz ............................................................................ 33

Arrependimento posterior ......................................................................................... 34


Causas de excludentes de antijuridicidade .............................................................. 34
Estado de necessidade .......................................................................... 34

Legítima defesa ...................................................................................... 34

Estrito cumprimento do dever legal ........................................................ 35

Exercício regular de direito ..................................................................... 35

Participação ............................................................................................................. 35
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 36

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários,


em atender a crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-
Graduação. Com isso foi criado a instituição, como entidade oferecendo serviços
educacionais em nível superior.
A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de
conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação
no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua.
Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que
constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de
publicação ou outras normas de comunicação.
A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma
confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

3
INTRODUÇÃO
O estudo da Teoria da Norma Penal começa pelos princípios processuais
penais. O estudo dos princípios é de fundamental importância para entender a lógica
pela qual o ordenamento jurídico penal deve ser operado, dando coerência interna e
fornecendo os meios necessários para que os direitos humanos sejam respeitados.
Os princípios tem uma função limitadora, servindo como uma garantia do cidadão
frente ao poder punitivo. Não por outra razão os princípios limitadores tem autoridade
constitucional e estão previstos em tratados de direitos humanos, como o pacto de
San José da Costa Rica.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO


PROCESSUAL PENAL
Os princípios são normas e diretrizes introduzidas na constituição federal
brasileira, de observância obrigatória para o legislador no momento da criação da lei,
sob a consequência de inconstitucionalidade da mesma.
Tais preceitos foram introduzidos na constituição pelo legislador originário para
servir de norte para a criação de qualquer legislação posterior e para possivelmente
a anulação da vigência de legislação anterior à promulgação da constituição, caso a
mesma não esteja alinhada com suas garantias.
No processo penal, este estudo mostra importância peculiar, na medida em
que trata-se justamente do ramo do direito público que irá regular a forma com que o
Estado exercerá o seu jus puniendi na seara criminal. Diante da relevância do bem
jurídico tutelado (qual seja, o direito fundamental à liberdade de locomoção), o
processo penal requer instrumentos fortes que inibam uma atuação arbitrária do
Estado-juiz e do Estado-acusação. A sistemática principiológica cumpre exatamente
este papel, na medida em que impede que lacunas legislativas ou mesmo regras
positivadas sirvam de argumento para o exercício despótico da função jurisdicional .
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Este princípio, concernente à pessoa contra a qual o Estado busca aplicar


sanções penais, está previsto, de forma expressa, no art. 5º, LVII, da CRFB/88 nos

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seguintes moldes: “Art. 5º, LVII. Ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”.
Analisando a origem deste princípio, Rangel (2010, p. 25) comenta:
O princípio da presunção da inocência tem seu marco principal
no final do século XVIII, em pleno iluminismo, quando, na
Europa Continental, surgiu a necessidade de se insurgir contra
o sistema processual penal inquisitório, de base romano-
canônica, que vigia desde o século XII. Nesse período e sistema
o acusado era desprovido de toda e qualquer garantia. Surgiu a
necessidade de se proteger o cidadão do arbítrio do Estado que,
a qualquer preço, queria sua condenação, presumindo-o, como
regra, culpado.
Fora através da Revolução Francesa, e da consequente promulgação da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, que o princípio da
presunção da inocência finalmente despontou em uma norma jurídica (RANGEL,
2010). O art. 9º da citada convenção assim estava disposto:

Tout homme étant présumé innocent jusqu’a ce qu’il ait été


déclaré coupable; s’il est jugé indispensable de l’arrêter, toute
rigueur qui ne serait nécessaire pour’s assurer de as personne,
doit être sévèrement reprime par la loi. (Todo homem é
considerado inocente, até o momento em que, reconhecido
como culpado, se julgar indispensável a sua prisão: todo o rigor
desnecessário, empregado para a efetuar, deve ser
severamente reprimido pela lei.)

Mesmo raciocínio foi adotado pela Declaração Universal dos Direitos


Humanos, em 1948, que no seu art. 11, item 1, assim regra: “Everyone charged with
a penal offense has the right to be presumed innocent until proved guilty according to
law in a public trial at which he has all the garantes necessary for his defense”( Toda
a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua
culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que
todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.)

5
Em 1764, Cesare Beccaria, em sua famosa obra Dos delitos e das penas, já
advertia que:

“Um homem não pode ser chamado culpado antes da sentença


do juiz, e a sociedade só pode retirar-lhe a proteção pública
após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais
ela lhe foi concedida. Qual é, pois o direito, senão o da força,
que confere ao juiz o poder de aplicar uma pena a um cidadão,
enquanto perdure a dúvida sobre sua culpabilidade ou
inocência? Não é novo este dilema: ou o delito é certo ou
incerto; se é certo, não lhe convém outra pena que não a
estabelecida pelas leis, e são inúteis os tormentos, pois é inútil
a confissão do réu; se é incerto, não se deve atormentar um
inocente, pois é inocente, segundo as leis, um homem cujos
delitos não estejam provados” (BECCARIA, Cesare, Dos delitos
e das Penas. São Paulo: Martins Fontes, p. 69).

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A incorporação expressa do Princípio da Presunção de Inocência a legislação


nacional, trouxe consigo a dúvida quanto a sua abrangência, se seria de fato o
princípio da presunção de inocência, ou o mais restrito princípio da não-culpabilidade.
No entanto, com a aprovação do Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo nº27
de 1992 e com a Carta de Adesão do Governo Brasileiro, anuiu-se com a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, que
estabeleceu em seu art. 8º,I o Principio da Presunção de Inocência ao afirmar que:
“Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto
não se comprove legalmente sua culpa”.
Diante disto, o Brasil tem hoje dois textos legais, de valor constitucional que
asseguram tal princípio. Uma vez que o art. 5º, §2º da CF/88 da essa condição de
constitucional ao tratado internacional por esses meios aprovado no país, tanto o
Pacto de São José da Costa Rica, como o art. 5º, LVII da CF/88 reconhecem
integralmente o Princípio da Presunção de Inocência.
O Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência pacífica pela aplicação do
princípio da presunção da inocência no ordenamento jurídico pátrio:

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O postulado constitucional da não culpabilidade impede que o
Estado trate, como se culpado fosse, aquele que ainda não
sofreu condenação penal irrecorrível. A prerrogativa jurídica da
liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI
e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias
ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de
conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente,
em detrimento de direitos e garantias fundamentais
proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei
e da ordem. Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta
prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença
penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por
efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) –
presumir-lhe a culpabilidade. Ninguém pode ser tratado como
culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja
prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito,
decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio
constitucional da não culpabilidade, em nosso sistema jurídico,
consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público
de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado,
ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido
condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário.
Precedentes. (STF - HC: 89.501/GO, Relator: Celso de Mello.
Data de Julgamento: 12/12/2006, SEGUNDA TURMA, Data de
Publicação: DJe 16/03/2007).

A presunção de inocência é na verdade um estado de inocência, no qual o


acusado permanece até que seja declarado culpado por sentença transitada em
julgado. Logo, o acusado é inocente durante o processo e seu estado só se modificará
com a declaração de culpado por sentença.
A aplicação desse princípio ocorre tanto no campo probatório, quanto no
tratamento de um acusado em estado de inocência. No primeiro caso, o acusado deve
ser presumido inocente, cabendo a parte que acusa provar a veracidade do fato, e a

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culpabilidade do acusado. E só depois de sentença condenatória transitada em
julgado, decorrente de processo judicial, é que ele pode ser considerado culpado.

DA PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal passou a permitir a prisão após


acórdão condenatório em segunda instância. A jurisprudência anterior entendia que
o princípio constitucional da presunção de inocência deveria ser observado em grau
absoluto. Dessa forma, enquanto não ocorresse o trânsito em julgado, ou seja,
enquanto não esgotados todos os recursos cabíveis, nenhuma condenação poderia
ser executada. Diante dessa realidade, o Brasil viu crescer em larga escala os
casos de impunidade, na medida em que muitos recursos eram interpostos com
propósitos protelatórios, objetivando alcançar a prescrição da pretensão 3 punitiva
ou executória.

Em 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, ao


julgar o HC 126.292/SP3 , entendeu ser possível o início da execução da pena após
a confirmação da sentença em segundo grau. Na ocasião, para a maioria dos
ministros da Suprema Corte, admitir a prisão após a prolação de acórdão em
segundo grau, não compromete o princípio constitucional da presunção da
inocência. Nas palavras do relator, Ministro Teori Zavascki4 :

[...] cumpre ao Poder Judiciário e, sobretudo, ao Supremo


Tribunal Federal, garantir que o processo - único meio de
efetivação do jus puniendi estatal -, resgate essa sua inafastável
função institucional. A retomada da tradicional jurisprudência, de
atribuir efeito apenas devolutivo aos recursos especial e
extraordinário (como, aliás, está previsto em textos normativos)
é, sob esse aspecto, mecanismo legítimo de harmonizar o
princípio da presunção de inocência com o da efetividade da
função jurisdicional do Estado. Não se mostra arbitrária, mas
inteiramente justificável, a possibilidade de o julgador
determinar o imediato início do cumprimento da pena, inclusive
com restrição da liberdade do condenado, após firmada a
responsabilidade criminal pelas instâncias ordinárias.

O relator afirmou que, após a prolação do acórdão confirmando a sentença


condenatória, exaure-se o princípio da não culpabilidade, ressaltando que os recursos

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cabíveis da decisão de segundo grau ao STJ ou STF não se prestam a discutir fatos
e provas, mas apenas matéria de direito. O Min. Teori Zavascki asseverou, ainda,
que, desde que o acusado tenha sido tratado como inocente até o esgotamento dos
recursos de natureza ordinária, a pendência de recursos de natureza extraordinária
não violaria o núcleo do princípio da presunção de inocência. Seria necessário, então,
estabelecer um equilíbrio entre o referido princípio e a efetividade da função
jurisdicional penal, de modo que se atenda não somente aos interesses dos
acusados, como também da sociedade

Com a mudança no entendimento, passa-se a equilibrar o princípio da


presunção de inocência com a efetividade da função jurisdicional penal.
Ocorre que, após a decisão do STF, grande parcela da comunidade jurídica
vem se mobilizando para que o entendimento seja novamente revisto, na tentativa de
que a antiga jurisprudência se restabeleça e a execução da pena na pendência de
recursos de natureza extraordinária volte a ser vedada.
Em meio a argumentos embasados de todos os lados, se encontra a Suprema
Corte em um momento de indefinição acerca do tema, tendo em vista que a
pressão por parte de Defensores Públicos e da OAB já fez com que o Ministros do
STF sinalizasse a respeito de uma possível mudança no seu entendimento.

PRINCIPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA

O princípio do contraditório, comumente abordado em conjunto com o princípio


da ampla defesa, está diretamente relacionado com o devido processo legal. Para
que o processo penal seja legítimo, é absolutamente necessária a existência do
contraditório, ou seja, de ouvir a outra parte sobre os fatos e provas apresentados no
curso do processo.
Dessa forma, uma determinada prova da materialidade e de autoria de um
crime só será válida para condenar o acusado após submetida ao contraditório em
juízo. Ou seja: o réu deve ser intimado da prova apresentada contra ele e também
deve ter a oportunidade de se manifestar sobre ela. Só então haverá validade de tal
prova para fundamentar uma decisão sobre o caso.
O contraditório traduz-se basicamente no binômio ciência/participação efetiva.
Deve-se garantir à parte a possibilidade real de influir na formação do resultado final
do processo, que é a decisão judicial trazida no corpo do texto constitucional em seu

9
Art. 5º. LV – “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes”.
Desta feita, o contraditório entendido como posição de simétrica paridade entre
os afetados pela decisão (Cf. FAZZALARI, 1994) é entendido não como a ação e
reação ou o dizer e o contradizer, mas sim como a estrutura argumentativa que
propicia as partes intervirem de maneira participativa em toda a construção do
provimento jurisdicional juntamente com o juiz. Ou seja, não será apenas a decisão
final (sentença) que será construída participadamente, mas toda a estrutura
procedimental que gera o provimento final que garante a simétrica paridade entre os
afetados.
A ampla defesa, com os meios inerentes, decorre da necessidade de defesa
técnica ao acusado, devendo a mesma se dar efetivamente, ainda que contra a
vontade do acusado (art. 261, CPP), tanto é verdade que a sua falta acarretará
nulidade absoluta e a sua deficiência a nulidade relativa, neste caso depende de
prova de prejuízo efetivo “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade
absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
(Súmula 523 STF).
Apesar de os autores distinguirem contraditório de ampla defesa, a
compreensão da segunda como uma garantia do jurisdicionado face ao Estado
jurisdição, não se adequa a uma compreensão do processo no Estado Democrático
de Direito, pois acaba mitificando os direitos fundamentais e garantias constitucionais
como proteção do indivíduo face ao Estado, numa acepção própria do paradigma
Liberal, no qual cabe ao Estado a garantia da certeza nas relações sociais, no respeito
dos direitos individuais (Cf.CATTONI, 2002, p.55).
Em decisão de habeas corpus o STF traz sustento ao princípio acima trazido:
O acervo probatório que efetivamente serviu para condenação
do paciente foi aquele obtido no inquérito policial. Segundo
entendimento pacífico desta Corte, não podem subsistir
condenações penais fundadas unicamente em prova produzida
na fase do inquérito policial, sob pena de grave afronta às
garantias constitucionais do contraditório e da plenitude de
defesa. [HC 103.660, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 30-11-

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2010, 1ª T, DJE de 7-4-2011.] Vide RE 287.658, rel. min.
Sepúlveda Pertence, j. 16-9-2003, 1ª T, DJ de 3-10-2003
Nota-se que com aludido acima o simples inquérito policial não pode ser
usado para condenação do réu, devido ao fato de que uma das principais
características do inquérito policial, como seu próprio nome já diz, é o caráter
inquisitório que impossibilita o exercício da ampla defesa, assim seria uma afronta
direta a um dos princípios do direito processual penal uma decisão condenatória
baseado apenas em inquérito policial.
Assim, tomando estes dois conceitos como base – direito de ação e
contraditório –, a ampla defesa será compreendida como garantia das partes de
amplamente argumentarem, ou seja, as partes além de participarem da construção
da decisão (contraditório), têm direito de formularem todos os argumentos possíveis
para a formação da decisão, sejam estes de qualquer matiz. Isto, pois a recorrente
afirmação da distinção entre argumentos de fato e de direito, aqui estão
compreendidos como indissociáveis. Assim, a ampla argumentação garante como
consequência lógica a possibilidade de ampla produção de prova para a reconstrução
do fato e circunstâncias relevantes para o processo.

PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO


O princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere, nemo
tenetur ipsum accusare, privilegie against self-incrimination etc.), inerente à ampla
defesa e à presunção de inocência, assegura ao suposto autor de crime (investigado,
denunciado, testemunha) o direito de não produzir prova contra si mesmo.

Significa que o possível acusado de infração penal pode (livremente)


colaborar ou não colaborar com a investigação, já que é sujeito de direito e não
simples objeto da prova; mas, se não quiser cooperar, ninguém poderá obrigá-lo a
tanto, razão pela qual, quando houver ilegal constrangimento, a confissão ou prova
assim obtida será ilícita e arbitrária a eventual prisão.

Embora a Constituição (art. 5°, LXIII) se limite a dizer que o “preso será
informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado”, o direito ao
silêncio constitui apenas uma das possíveis manifestações do princípio, não a única,
talvez nem a mais importante, inclusive.

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Quanto as consequências do silencio do acusado durante o julgamento o
CPP trás em seu corpo as seguintes regras:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do


inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo
juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de
permanecer calado e de não responder perguntas que lhe
forem formuladas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de
1º.12.2003)

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em


confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
(Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003) (...)

Art.198. O silêncio do acusado não importará confissão,


mas poderá constituir elemento para a formação do
convencimento do juiz. (...)

Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob


pena de nulidade, fazer referências: (Redação dada pela Lei nº
11.689, de 2008)

I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que


julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de
algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou
prejudiquem o acusado;
(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório
por falta de requerimento, em seu prejuízo.
(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

Uma consequência direta do princípio da não autoincriminação é o direito


do investigado ou do acusado de não praticar qualquer comportamento ativo que
possa incriminá-lo. Dessa forma, é importante se tecer algumas considerações sobre
a legalidade da participação do investigado no exame de reconstituição de crime, nos
exames grafotécnicos e no exame de DNA analisando dois tipos de provas as
invasivas e as não invasivas.
Provas não invasivas
Provas não invasivas “são aquelas em que sua produção no máximo
tangencia os direitos fundamentais, mas nunca os atingem de forma direta”.
(ALBUQUERQUE, op. cit., p.99.)

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A contribuição do acusado em uma prova não invasiva limita-se a tolerar
a intervenção, ou quando muito, a fornecer materiais ou objetos, de modo que sua
participação se concretize de maneira simples e rápida, dispensando, por isso, a
utilização de procedimentos médicos e quaisquer invasões à esfera íntima do
acusado.
Dito isto, a colaboração do acusado na produção de provas não invasivas
não há que encontrar óbice nos seus direitos fundamentais, uma vez que estes não
sofrem qualquer dose de lesão durante a realização do procedimento. A recusa do
sujeito passivo em colaborar em ato que não agride os seus direitos fundamentais,
portanto, é considerada ilegítima, uma vez que o acusado deve acatar as
determinações do Estado enquanto este estiver no pleno exercício de seu papel na
perseguição da justiça e respeitando os direitos fundamentais dos cidadãos.
(ALBUQUERQUE, op. cit., p.100).
Provas invasivas
“A produção de determinados meios de prova, por outro lado, se
caracteriza pela administração de substâncias ou pela introdução de instrumentos em
cavidades naturais do corpo humano”. (FELICIONI, Paola. 2012)
“Estas provas, em virtude de se efetivarem mediante ingerências sobre a
esfera íntima do sujeito passivo, dependem da adoção de procedimentos dotados de
maior complexidade e da contratação de um profissional devidamente especializado
para atender este fim. E é pelo fato destes procedimentos acarretarem alguma dose
de intromissão na integridade física e moral do indivíduo que se diz que estas provas
são invasivas.” ( ALBUQUERQUE, op. cit., p. 108-9).
Em sede de matéria processual penal, as provas invasivas, via de regra,
são ilícitas, obedecendo, portanto, ao que dispõe o artigo 5º, inciso LVI da
Constituição Federal. Exceções à regra, no entanto, impõem presença também nesta
matéria. A interceptação telefônica (exceção expressa aos direitos de intimidade e
privacidade) e a busca e apreensão (exceção expressa ao princípio da inviolabilidade
do domicílio), em decorrência da aplicação do princípio da proporcionalidade, poderão
ser realizadas desde que observado o procedimento previsto para a sua execução. O
aludido princípio, ao ponderar o interesse social e o interesse individual, atenua o
princípio da proibição da prova ilícita em prevalência do interesse público na
persecução penal.

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Segue cordão de repercussão geral do STF exemplificando ocasiões em
que a coleta de provas invasivas se faz inconstitucional:
A Lei 12.654/2012 introduziu a coleta de material biológico para
a obtenção do perfil genético, na execução penal por crimes
violentos ou por crimes hediondos (Lei 7.210/1984, art. 9-A). Os
limites dos poderes do Estado de colher material biológico de
suspeitos ou condenados por crimes, de traçar o respectivo
perfil genético, de armazenar os perfis em bancos de dados e
de fazer uso dessas informações são objeto de discussão nos
diversos sistemas jurídicos. Possível violação a direitos da
personalidade e da prerrogativa de não se autoincriminar – art.
1º, III, art. 5º, X, LIV e LXIII, da CF. Tem repercussão geral a
alegação de inconstitucionalidade do art. 9- A da Lei
7.210/1984, introduzido pela Lei 12.654/2012, que prevê a
identificação e o armazenamento de perfis genéticos de
condenados por crimes violentos ou por crimes hediondos. [RE
973.837-RG, rel. min. Gilmar Mendes, j. 23-6-2016, P, DJE de
11-10-2016, tema 905, mérito pendente.]
Ante o aludido até o momento cabe-se ponderar que o limite para obtenção
de provas invasivas e não invasivas se limita à razoabilidade das ações no momento
de obtê-las, respeitando sempre a dignidade da pessoa humana.
PRINCIPIO DO JUIZ NATURAL
É aquele que assegura que o autor só poderá ser processado e julgado perante
o órgão que CF, implícita ou explicitamente, atribuiu à competência (art.5º, XXXVII
CF), este princípio no Processo penal, representa a dupla garantia de proibição de
tribunais de extraordinários (fora da organização judiciária) e de transferência de uma
causa para outro órgão judiciário após os fatos, “CF/1988 Art. 5º. LIII – ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
Um exemplo de um tribunal de exceção: O Tribunal de Nuremberg, que foi
o tribunal criado pelos aliados para julgar os nazistas por seus crimes de guerra.
Independentemente das justificativas históricas para tal e dos horrendos crimes
praticados durante o nazismo, é bastante óbvio que um tribunal criado para julgar um
caso específico dificilmente terá garantida a sua imparcialidade. Como consequência

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dessa parcialidade, historicamente, os tribunais de exceção só costumam ser criados
quando há interesse em direcionar o resultado das decisões por ele tomadas.
Para se contrapor a esse tipo de ameaça é que surge o princípio do juiz
natural, que tem a função primordial de vedar a existência de tribunais de exceção.
Tendo uma sumula do STF que trata de uma exceção ao princípio, que a
súmula 704.
“Súmula 704/STF, Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do
devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu
ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.”
O princípio do Juiz Natural, como se sabe, vem complementado, de perto, pela
regra do inciso XXXVIII, do artigo 5º da CF/88, isto é, “não haverá juízo ou tribunal de
exceção”. Por evidente, as regras refletem, até pela sua topografia, garantia
fundamental do cidadão.

Nasce vinculado ao pensamento iluminista e, consequentemente, à Revolução


Francesa. Em função dela, como se sabe, foram suprimidas as justiças senhoriais e
todos passaram a ser submetidos aos mesmos tribunais. Afinal, a primeira de suas
leis processuais, em 11.08.1789, foi exatamente no sentido de vetar qualquer
manipulação nesse sentido (extinguindo a justiça senhorial), consolidando-se o
princípio do juiz natural na Constituição de 3 de setembro de 1791 e na legislação
subsequente. Antes, contudo, o princípio já viera expressamente previsto na Lei de
16-24.08.1790:
“Art. 17, tit. II, 1. 16-24 aôut 1790, previene tali abusi: ‘l’ordre
costitutionnel des jurisdictions ne pourra être troublé, ni des
justiciables distraits de leurs juges naturels par aucune
commission, ni par d’autres attributions ou evocations que celles
qui seront determines par la loi’. ( Ar. 17, tit. II, l. 16-24 de agosto
de 1790, previne tais abusos: ‘a ordem constitucional das
jurisdições não poderá ser turbada, nem os jurisdicionados
afastados dos seus juízes naturais por nenhuma comissão, nem
por outras atribuições ou avocações senão as que determinadas
pela lei.’)(CORDERO, 1986, p. 112).
Se faz extremamente necessário ante aos precedentes que o mundo já teve,
garantindo assim que jamais aconteça novamente.

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PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL
O princípio do promotor natural ou legal, também chamado de promotor
imparcial, é um princípio constitucional implícito que decorre do princípio do juiz
natural previsto no artigo 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, in verbis: “ninguém
será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. Assim como
o imputado tem o direito de ser processado por um juiz competente e previamente
constituído, sendo vedada a criação de juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, inciso
XXXVII, da Constituição Federal), também terá o direito de ser acusado por Órgão
previamente indicado por lei.
Para Guilherme de Souza Nucci, “o indivíduo deve ser acusado por órgão
imparcial do Estado, previamente designado por lei, vedada a indicação de acusador
para atuar em casos específicos” (Manual de Processo Penal e Execução Penal, ed.
11, pag. 81).
Outrossim, segundo Fernando Capez, “ninguém será processado senão pelo
órgão do Ministério Público, dotado de amplas garantias pessoais e institucionais, de
absoluta independência e liberdade de convicção e com atribuições previamente
fixadas e conhecidas” (Curso de Processo Penal, ed. 21, pag. 72).
Histórico
O princípio do promotor natural já era contemplado por alguns doutrinadores,
antes mesmo da promulgação da Carta de 1988. Como adverte Nelson Nery Junior,
a ideia do promotor natural surgiu, embrionariamente, das conjecturas doutrinárias
pela mitigação do poder de designação do procurador-geral. Passando por uma
evolução, para significar a necessidade de haver cargos específicos com atribuições
próprias a serem exercidos pelo promotor de justiça, vedada as designações
arbitrárias, pelo Procurador-Geral.

Alguns doutrinadores sustentam, que o princípio do promotor natural surgiu


pela primeira vez no Ordenamento Jurídico brasileiro de forma implícita, na
Constituição Federal de 1967, alterada pela Emenda Constitucional n° 1 de 17 de
Outubro de 1969, ou como prefere a maioria dos doutrinadores, a Constituição
Federal Outorgada de 1969, no seu art. 153, §§ 1º e 15, e, posteriormente, vinha
afirmado no art.7º, V, da revogada Lei Complementar n.º 40/81 ( Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público).

16
Pode-se citar como precursores do princípio do promotor natural, Sérgio
Demoro Hamilton, Hugo Nigro Mazzilli, Jaques de Camargo Penteado e Paulo Cezar
Pinheiro Carneiro.

Entretanto, a maioria da doutrina que se dedica à análise do tema, é coerente


em admitir que foi a Magna Carta de 1988 que real e induvidosamente erigiu o
princípio do promotor natural a nível constitucional, devendo este ser observado por
todo ordenamento jurídico.
Legislação
Nos termos da lei complementar Nº 8.625 de 12 de fevereiro de 1993, em seu
artigo 32 destaca-se as atribuições do promotor de justiça baseados no princípio do
promotor natural e da independência funcional que relata:

Art. 32º Além de outras funções cometidas nas Constituições


Federal e Estadual, na lei Orgânica e demais leis, compete aos
Promotores de Justiça, dentro de suas esferas de atribuições:

I – impetrar habeas corpus e mandado de segurança e requerer


correição parcial, inclusive perante os Tribunais locais
competentes;

II – atender a qualquer do povo, tomando as providências


cabíveis;

III – oficiar perante a Justiça Eleitoral de primeira instância, com


as atribuições do Ministério Público Eleitoral previstas na Lei
Orgânica do Ministério Público da União que forem pertinentes,
além de outras estabelecidas na legislação eleitoral e partidária.

Este artigo vincula-se ao princípio do promotor natural devido a relação de sua


legitimidade, tendo em vista que o membro do parquet esta livre para propor qualquer
medida, baseado a lei a fim de atingir o bem estar social, tanto como fiscal da lei,
como parte processual.

Ressalta-se sobre a referência em que faz o artigo 32 em seu inciso III da Lei
Complementar Nº 8.625 de 12 de fevereiro de 1993, do Ministério Público da União
do qual o mesmo possui as suas próprias atribuições pautadas na lei complementar

17
Nº 75 de 20 de maio de 1993 no seu artigo 8º, seguindo primordialmente o princípio
do promotor natural no contexto dos procuradores-gerais, in verbis:

Art. 8º Para o exercício de suas atribuições o Ministério Público


da União poderá, nos procedimentos de sua competência:

I – notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva,


no caso de ausência injustificada;

II – requisitar informações, exames, perícias e documentos de


autoridades da Administração Pública direta ou indireta;

III – requisitar da Administração Pública serviços temporários de


seus servidores e meios materiais necessários para a realização
de atividades específicas;

IV – requisitar informações e documentos a entidades privadas;

V – realizar inspeções e diligências investigatórias;

VI – ter livre acesso a qualquer local público ou privado,


respeitadas as normas constitucionais pertinentes à
inviolabilidade do domicílio;

VII – expedir notificações e intimações necessárias aos


procedimentos e inquéritos que instaurar;

VIII – ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de


caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;

IX – requisitar o auxílio de força policial.

§ 1º O membro do Ministério Público será civil e criminalmente


responsável pelo uso indevido das informações e documentos
que requisitar; a ação penal, na hipótese, poderá ser proposta
também pelo ofendido, subsidiariamente, na forma da lei
processual penal.

18
§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob
qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da
subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do
dado ou documento que lhe seja fornecido.

§ 3º A falta injustificada e o retardamento indevido do


cumprimento das requisições do Ministério Público implicarão a
responsabilidade de quem lhe der causa.

§ 4º As correspondências, notificações, requisições e


intimações do Ministério Público quando tiverem como
destinatário o Presidente da República, o Vice-Presidente da
República, membro do Congresso Nacional, Ministro do
Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de
Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou
chefe de missão diplomática de caráter permanente serão
encaminhadas e levadas a efeito pelo Procurador-Geral da
República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa
atribuição seja delegada, cabendo às autoridades mencionadas
fixar data, hora e local em que puderem ser ouvidas, se for o
caso.

§ 5º As requisições do Ministério Público serão feitas fixando-se


prazo razoável de até dez dias úteis para atendimento,
prorrogável mediante solicitação justificada.

A luz da Constituição Federal de 1988 as funções de Ministério Público só


podem ser exercidas por integrantes da carreira (art. 129, § 2º, CF). O preceito
constitucional afasta definitivamente do ordenamento jurídico brasileiro a figura do
promotor ad hoc. Sendo inadmissível em face da Ordem Constitucional vigente a
designação de pessoas estranhas aos quadros do parquet para o exercício das
funções próprias da Instituição.

A nomeação de promotor ad hoc tem como consequências à ilegitimidade ad


causam e ad processum do promotor ad hoc, além, de violar frontalmente o princípio
do promotor natural.

19
Como assevera Sergio Demoro Hamilton, em ocorrendo à designação de
promotor ad hoc, haverá carência de ação, por manifesta ilegitimidade ad causum,
caso a ação penal venha a ser proposta, ensejando a rejeição da inicial. Caso o
magistrado não venha a rejeitar a peça inicial de acusação, nos termos do art. 43, III,
do C.P.P, em razão da manifesta ilegitimidade da parte, poderá o réu opor a exceção
da ilegitimidade de parte (art. 95, IV, do C.P.P) ou, ainda, poderá adotar a via mais
eficiente e sumária do habeas corpus(art.648, VI, do C.P.P), com o objetivo de obter
o trancamento da ação penal em virtude do que dispõe o art. 564, II, do C.P.P.

A fixação do promotor natural tem em vista a distribuição constitucional das


atribuições, segundo a matéria e a função. Para que o Ministério Público possa
exercitar legalmente suas funções no processo é imprescindível que o órgão atue nos
limites das atribuições que lhes são conferidas por Lei. O Código de Processo Penal
determina em seu art. 564, II, que a ilegitimidade de parte é causa de nulidade
absoluta do processo.
Do exposto, pode-se concluir que a consequência do vício de falta de atribuição
do membro do Ministério Público para atuar no processo determina a nulidade
absoluta do ato praticado pelo mesmo, bem como dos atos que dele decorram ou
dependam, devendo a nulidade ser declarada de ofício pelo juiz, caso este não o faça,
qualquer outro interessado que esteja atuando no processo deverá requerê-la.

PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (DUE PROCESS OF


LAW)

Breves aspectos históricos

O due process of law é tão antigo que remonta ao período medieval. No século
XIII, em 15 de junho do ano de 1215, denominou-se “law of the land” a “Magna Charta”
do rei João Sem Terra. Criada para ser “garantia dos nobres contra os abusos da
coroa inglesa” (NERY JR. 1997, pág. 32) trazia em seu artigo 392 o que, no direito
contemporâneo e moderno, seria chamado de devido processo legal e representaria
a garantia principal do indivíduo e da coletividade contra o arbítrio do Estado.

20
No século seguinte, no reinado de Eduardo III, um legislador desconhecido
editou no Parlamento Inglês, em 1354, uma lei que se utilizou pela primeira vez do
termo “due process of law”.(MIRANDA, 1990. pág. 15)

Sendo cláusula constante e notável pela sua relevância constitucional nas


instituições saxônicas, sempre esteve presente na legislação das colônias inglesas
da América do Norte, tornando-se mais tarde, parte da Constituição dos Estados e da
Federação dos Estados Unidos, que o recepcionaram em sua íntegra e o
aperfeiçoaram.

A Declaração de Direitos de Virgínia (1776) tratava do princípio na secção 8ª e


foi a pioneira em utilizar uma Constituição escrita para dar garantia aos direitos
individuais.

Outras constituições estaduais (Delaware – 1776, Maryland – 1776, Carolina


do Norte – 1776, Massachussetts – 1780, New Hampshire – 1784) também
consagraram o princípio antes da Constituição dos Estados Unidos. As dez primeiras
emendas da Constituição dos Estados Unidos, denominadas Bill of Rights, foram
editadas em 1791, na Filadélfia, e fazia constar na V Emenda o princípio do devido
processo legal da seguinte maneira:

Ninguém será detido para responder por crime capital ou outro


crime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um
Grande Júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de
guerra ou de perigo público, ocorriam nas forças de terra ou mar,
ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo
mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde;
nem ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de
testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida,
liberdade, ou bens, sem processo legal; nem a propriedade
privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa
indenização. (SOARES, 1999, pág. 106) (grifo nosso).

Já no direito brasileiro, a nossa Constituição de 1988, a primeira a adotar


expressamente o modelo do direito anglo-saxão, garante Simone Silva Prudêncio

21
(Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 57, p. 297-320, jul./dez. 2010 305) em
seu artigo 5º, inciso LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens
sem o devido processo legal”.

Princípio processual

Colocando-se, para os interessados, a par ou à margem do direito à jurisdição,


o ônus de demandar consoante preciso magistério de Joaquim Canuto Mendes de
Almeida, por nós sobrelevado na Apresentação do livro intitulado Processo penal,
ação e jurisdição - por certo que o adimplemento deste, com a propositura da ação,
origina a formação do processo, que, segundo entendemos, se presenta como
instrumento, técnico e público, de realização de Justiça, pelos órgãos jurisdicionais.

Isso significa, outrossim, que o processo consiste, precipuamente, numa


garantia outorgada pela Lei das leis à efetivação do direito (subjetivo, material e
público) à jurisdição.
E, por via de consequência, que, constitucionalmente assegurado a todos os
integrantes da sociedade (a teor do art. 5e, LIV, da Constituição Federal: "ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal"), se impõe
sua consideração como encartado no due process of law.
Trata-se está em vernáculo “devido processo legal”, e como explicitado na já
referida Constituição de 1988 e processo - de difundida locução mediante a qual se
determina a imperiosidade, num proclamado Estado de Direito, de:
a) elaboração regular e correta da lei, bem como sua razoabilidade, senso de
justiça e enquadramento nas preceituações constitucionais (substantive due process
of law, segundo o desdobramento da concepção norte-americana);
b) aplicação judicial das normas jurídicas (não só da lei, como tal própria e
estritamente concebida, mas, por igual, de toda e qualquer forma de expressão do
direito), através de instrumento hábil à sua interpretação e realização, que é o
processo (judicial process); e,
c) asseguração, neste, de paridade de armas entre as partes, visando à
igualdade substancial.

22
Ao estudarmos as regras jurídicas processuais que garantem os direitos dos
indivíduos, a explicação de José Augusto DELGADO (1993, págs. 63-78) enfatiza a
extrema importância dos princípios para a ordem jurídica, na medida em que “após
se articularem com normas de diferentes tipos e características, passam a ser facho
que ilumina a compreensão das regras processuais constitucionais e às de posição
hierárquica menor”.
Explicam-nos CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO (2002, pág. 80): “a própria
Constituição incumbe-se de configurar o direito processual não mais como mero
conjunto de regras acessórias de aplicação do direito material, mas, cientificamente,
como instrumento público de realização da justiça”.
O Direito Processual Penal, num Estado Democrático de Direito, deve pautar-
se pela aplicação efetiva dos princípios delineados pela Constituição Federal, de
cunho nitidamente garantista. Nenhuma regra processual pode estar em desacordo
com a Letra Maior.
Pelo Decreto nº 678, de 6/11/1992, a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, integrou o nosso
ordenamento jurídico. Ratificado pelo Brasil, desde então, os direitos e garantias
processuais constantes de seu artigo 8º, que fala das garantias judiciais, passaram a
complementar a Lei Maior, especificando ainda mais as regras do devido processo
legal, pois, o artigo 5º, § 2º, prescreve que “os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte”.

PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO


A razoável duração do processo deve ser compreendida como direito do
cidadão, a resolução dos direitos colocados em juízos em tempo procedimental e
judicial legalmente estabelecidos. Isso significa que os atos das partes e dos juízes
devem ser pautados pelo tempo. Sustenta-se a ideia de que a lei tenha que fixar o
conceito para a expressão razoável, permitindo, assim, delimitar quando um processo
durou razoavelmente ou não.

23
Por estar catalogada dentro do rol do art. 5º da CRFB/88, LXXVIII, a razoável
duração do processo, com certeza, é um direito fundamental, além de ser um
verdadeiro direito público subjetivo, autônomo, de índole constitucional.
A expressão prazo razoável indica uma relação com o tempo, ou seja, um meio
termo entre a celeridade e a morosidade procedimental. No entanto, a expressão
razoável é imprecisa e subjetiva, e não contribui para afastar dúvidas sobre a
aplicação nos casos concretos e muito menos permite a possibilidade de uma
discussão objetiva sobre a fixação de um termo de duração mínimo e máximo para
os procedimentos judiciais civis, penais ou trabalhistas.

O termo duração razoável do processo para a sua definição como elemento


necessário para a garantia da democracia e de instrumento de proteção aos direitos
fundamentais deve levar em consideração duas perspectivas. A primeira, voltada para
as partes, indicando o tempo necessário para a realização dos atos procedimentais.
A segunda é voltada para a atuação do órgão jurisdicional, indicando o tempo
necessário para se proferir decisões judiciais de mérito ou interlocutórias.

Observa-se que a duração razoável do processo é conceito vago e que


depende da análise de critérios tais como "a complexidade da causa, o
comportamento das partes e a atuação dos órgãos estatais, não só os órgãos
jurisdicionais diretamente envolvidos em um dado processo, mas também, de um
modo geral, as autoridades administrativas e legislativas, a quem incumbe a
responsabilidade de criar um sistema judicial ágil, inclusive dotado de aparato material
necessário".

Disto resulta o caráter dúplice desse direito fundamental, pois se manifesta


como direito individual e, simultaneamente, prestacional, conforme a dicção do inciso
LXXVIII, acrescentado pela Emenda n. 45 ao art. 5º da Constituição Federal: "a todos,
no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo
e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação"

Muitas vezes, a demora na realização de um único ato procedimental não


causa a violação razoável do processo. No entanto, a demora ou a rapidez em praticar
um conjunto de atos procedimentais, invariavelmente, pode trazer uma violação ao
direito razoável ao processo e à prestação jurisdicional ou à violação do devido
processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

24
Aplicação de tal princípio em decisão do STF:

Não há constrangimento ilegal por excesso de prazo, quando a


complexidade da causa justifica a razoável demora para o
encerramento da ação penal e a prisão preventiva foi decretada
para fins de extradição pela Justiça argentina, que não tem os
seus atos judiciais sujeitos à jurisdição brasileira. [HC 101.053,
rel. min. Cármen Lúcia, j. 31-5-2011, 1ª T, DJE de 25-8-2011.]

PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
A publicidade da atuação dos órgãos estatais é exigência da democracia. A
transparência no trato da coisa publica é condição para que o povo compreenda e
controle a atuação de seus representantes e para que possa nortear suas escolhas
quando é chamado a elege-los ou eventualmente deliberar sobre assuntos de
interesse da coletividade.
O funcionamento do judiciário também deve ser transparente. Os juízes
brasileiros, embora não sejam eleitos pelo povo, exercem parcela de poder estatal e,
por isso, estão sujeitos a escrutínio público, devendo prestar contas da forma como
exercem suas atribuições jurisdicionais e administrativas. Juízes não eleitos
legitimam-se perante a sociedade através da publicidade de seus atos e das
motivações de suas decisões. trata-se de dar a conhecer seu modo de procedes e o
porquê de as questões submetidas a sua apreciação estarem sendo decididas desta
ou daquela maneira.
A propósito do dever de transparência do Poder Judiciário em atos e
julgamentos de seus órgãos, a Constituição da República assegura ao cidadão a
garantia fundamental da publicidade de seus atos (artigo 5º, LX).

Na estrutura sistêmica da Constituição, o artigo 93, inciso IX, ainda preceitua


que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente
a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no
sigilo não prejudique o interesse público à informação.

25
Classificação da publicidade dos atos processuais

Há de trazer-se à tona a classificação de publicidade apresentada por Tucci,


para melhor compreensão do tema: a) publicidade ativa: quando os atos de processo
tornam-se involuntariamente conhecidos pela sociedade; b) publicidade passiva:
quando os atos de processo tornam-se conhecidos por iniciativa da própria
sociedade; c) publicidade imediata: quando o conhecimento de atos do processo é
franqueada pelos juízes livremente aos cidadãos; d) publicidade mediata: quando o
acesso ao processo se dá por meio de certidões, cópias, mass media (imprensa) etc.;
e) publicidade absoluta ou externa: quando todos os atos de processo são acessíveis
ao público; f) publicidade restrita ou interna: quando o acesso aos atos de processo
é exclusiva às pessoas diretamente interessadas no processo e aos seus
procuradores.

O sigilo no procedimento investigatório criminal do Ministério Público

Com o julgamento do RE 593.727, em 14/5/2015, no Plenário do STF, em sede


de repercussão geral, a Corte Constitucional reconheceu, por maioria de votos, a
legitimidade do Ministério Público para promover, por autoridade própria,
investigações de natureza penal e fixou parâmetros para atuação do parquet.
No âmbito funcional dos órgãos de execução do Ministério Público, as
investigações desenvolvidas se orientavam por regulamento próprio, qual seja a
Resolução 13, do Conselho Nacional do Ministério Público, cujo artigo 13 determinava
que os atos e peças eram públicos, salvo disposição “legal” em contrário, ou por
razões de interesse público, ou por conveniência da investigação. O artigo 14 da
mesma Resolução especificava a exceção da publicidade quando a elucidação do
fato ou interesse público exigir, garantida ao investigado a obtenção, por cópia
autenticada, de depoimento que tenha prestado e dos atos de que tenha,
pessoalmente, participado. Atualmente, a Resolução 13 do CNMP está
expressamente revogada pela Resolução 181, de 7/8/2017, sendo que seu artigo 15
contempla idênticas disposições.
Por corolário, não há mais espaço para decisões ministeriais lacônicas, vazias
de conteúdo a explicitar a razão da quebra da publicidade, visto que a exceção que

26
caminha para o sigilo de uma investigação deve sempre vir acompanhada de decisão
assaz convincente.
TEORIA GERAL DO DELITO
O crime é uma ação ou omissão humana, típica, antijurídica e culpável. Essa
é uma das máximas do direito penal que corresponde ao conceito analítico de crime,
que remonta ao modelo clássico Liszt-Beling-Radbruch. Mas por que conceituar o
delito dessa maneira e não de outra?
Muitas foram as respostas já oferecidas sobre o que seria o crime, dentre as
quais se destacam: a ação ou omissão proibida por lei, sob a ameaça de pena
(conceito formal); ou a ação ou omissão que contraria valores ou interesses do corpo
social, exigindo sua proibição com ameaça de pena (conceito material). Esses
conceitos, entretanto, não ajudam em nada a tarefa de verificar no mundo dos fatos
se determinadas condutas podem ou não serem consideradas crime. Basta pensar
que crime seria simplesmente, no conceito formal, o que a lei diz que é ou ainda, com
base no conceito material, aquilo que a sociedade considera crime.
Na história do Direito Penal surgiram ao longo do século XIX as escolas penais,
que foram conjuntos de princípios e teorias que procuravam explicar o objeto do
Direito Penal, a finalidade da pena, além de compreender o autor do crime.

Exatamente com o intuito de permitir essa verificação foi criado um conceito


que implicasse numa análise sistemática do delito, dividindo-o em elementos
dispostos em ordem de avaliação. Esses elementos são as características essenciais
que todo o crime deve ter para ser considerado como tal. Eles podem ser dispostos
segundo algumas perguntas direcionadas ao fato, sem o qual não se verifica o crime:

a) Houve alguma conduta humana?

b) Essa conduta é individualizada em algum tipo penal (algum dos crimes


previstos pela legislação penal)?

c) Essa conduta individualizada em algum tipo penal é antijurídica (não possui


alguma causa de justificação, ex. legítima defesa)?

d) Essa conduta individualizada em algum tipo penal e que não possui


nenhuma causa de justificação, é imputável ao agente/reprovável ao autor?

27
Assim, se não houver conduta, não há que se perguntar se o fato é típico. Se
o fato não é previsto em lei como crime não há que justificá-lo, e assim por diante.
Esse é um conceito que vai da conduta (ação, típica e antijurídica — que formam o
injusto penal) ao autor (culpabilidade — que se refere à reprovabilidade da conduta
do agente). Conforme ensina a doutrina (ver nesses termos: ZAFFARONI, Eugênio
Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro: parte geral. 7.
ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2007, p.340-341): Delito é uma conduta humana
individualizada mediante dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que
por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é
contrária à ordem jurídica (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que agisse de
maneira diversa diante das circunstâncias, é reprovável (culpável).

Com base no positivismo de Augusto Comte, no evolucionismo de Charles


Darwin no determinismo de Spencer, e nos estudos antropológicos de Cesare
Lombroso, surgiu a escola positiva, com os estudiosos que pretendiam descobrir as
causas dos crimes. A escola surge em reação à chamada escola clássica ou idealista,
que surge, por sua vez, a partir da publicação, em 1764, na Itália, de um tratado sobre
crimes e punições (Dei Delitti e delle pene) por Cesare Beccaria. Uma característica
fundamental desta escola era a preconização de que o jurista deveria usar o método
dedutivo em suas análises, no sentido de que princípios absolutos se sobrepunham
às leis em vigor.

A pena tinha por fim a exemplaridade e, de acordo com Francesco Carrara, o


principal expoente desta escola no século XIX, um princípio fundamental era o de que
o crime não é um ente de fato, mas um ente jurídico, no sentido de que o crime não
era uma ação, mas sim uma infração, por um ato humano externo, positivo ou
negativo (por omissão), e moralmente imputável, de uma lei do Estado promulgada
para proteger a segurança dos cidadãos. Assim, o crime não era um fato do homem
em sua realidade natural, mas como um ser moral e a pena seria uma retribuição pelo
mal praticado pois o homem, dotado do livre arbítrio, deveria sofrer as consequências
de suas escolhas erradas.

No que diz respeito ao positivismo no direito penal, uma importante medida


preventiva considerando-se que o meio social pode ser um importante fator
criminógeno foi o sostitutive penali, instrumentos de defesa social que se apresentam
como soluções para os fatores sociais do crime.

28
Do ponto de vista epistemológico, com influência do Modelo Neokantista, como
demonstra Bitencourt, em seu Tratado do Direito Penal, a Teoria Clássica do Crime,
também conhecida por Teoria Naturalista ou Teoria Causal, foi, de forma pioneira,
desenvolvida pelo jurista austríaco Franz von Liszt, em sua obra Das Deutsche
Reichsstrafrecht, ainda no século XIX, tendo como um de seus principais defensores
Ernest von Beling. De acordo com a teoria de von Liszt, o Fato Típico é resultado da
comparação entre a conduta objetivamente realizada e a descrição legal do crime,
sem analisar qualquer aspecto de ordem interna, ou seja, sem questionar a
subjetividade. Sustentava ainda que o Dolo e a Culpa se sediavam na culpabilidade
e não pertenciam ao tipo. Para os seus defensores, crime só pode ser Fato Típico,
Ilícito e Culpável, uma vez que o Dolo e a Culpa eram imprescindíveis para a sua
existência e estando ambos na Culpabilidade.

Data vênia, a Teoria Clássica se mantém como corrente majoritária, inclusive,


sendo escudada pelos principais doutrinadores pátrios, quais sejam, Nelson Hungria,
Edgard Magalhães Noronha, Francisco de Assis Toledo, Heleno Fragoso, Anibal
Bruno, Frederico Marques, Cezar Bitencourt, Juarez Tavares, Guilherme Nucci, Paulo
José da Costa Júnior, Luís Régis Prado, Rogério Greco, Fernando Galvão, João
Mestieri, David Teixeira de Azevedo etc. Sendo assim, em respeito à lição de von
Liszt e amparada pela banca dos mais respeitados juristas, para fins do presente
parecer, considerar-se-á crime o Fato Típico, Ilícito e Culpável, Sendo o Fato Típico
aquele que possui uma Conduta, seja ela dolosa ou culposa – sendo, no caso do
crime de estelionato, artigo 171 do Código Penal Brasileiro, necessariamente, dolosa;
que gere um resultado; que, entre a conduta e o resultado haja um nexo causal; e,
por fim, que tenha tipicidade. Ademais, como segundo elemento do crime, o fato deve
ser ilícito, ou antijurídico. Por fim, como terceiro elemento constitutivo do crime, o
fato também deve ser culpável.
No que tange a conduta do agente no direito penal pode-se estabelecer três
tipos quais são conduta Comissiva (ação), Omissiva e Comissão por Omissão.
Os crimes comissivos, os mais comuns e mais fáceis de se conceber são
aqueles em que o fato típico define como conduta criminosa uma ação, isto é, um
comportamento positivo, como matar, estuprar, furtar etc.
“Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.”

29
Por outro lado, os crimes omissivos são os que o modelo de conduta definido
pelo fato típico indica um comportamento negativo, ou seja, um “não fazer”, como, por
exemplo, omissão de socorro, contido no artigo 135 do código penal:
“Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco
pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao
desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da
autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão


corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.”

Nos crimes comissivos por omissão, ou omissivo impróprio, o agente,


através de uma omissão produz um resultado criminoso comissivo, isto é, um crie de
ação. Neste caso, o omitente é garantidor e possui o dever jurídico de agir para evitar
o resultado, sendo certo que a sua omissão é a causa do resultado criminoso
configurado, como, por exemplo, o pai que deixa de prestar os devidos cuidados ao
filho quando tem a obrigação legal de faze-lo:

“Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou
autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do
abandono:

Pena - detenção, de seis meses a três anos.

§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 2º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.”

CRIME DOLOSO E CRIME CULPOSO


Crime doloso

Dolo direto de primeiro grau - composto pela consciência de que a conduta


pode lesar um bem jurídico + a vontade de violar (pela lesão ou exposição a perigo)
este bem jurídico.

30
Dolo direto de segundo grau - também chamado de “dolo de consequências
necessárias”. O agente não quer o resultado, mas sabe que o resultado é um efeito
colateral NECESSÁRIO, e pratica a conduta assim mesmo, sabendo que o resultado
(não querido) ocorrerá fatalmente.

Dolo eventual - consiste na consciência de que a conduta pode gerar um


resultado criminoso + a assunção desse risco, mesmo diante da probabilidade de algo
dar errado. Trata-se de hipótese na qual o agente não tem vontade de produzir o
resultado criminoso, mas, analisando as circunstâncias, sabe que este resultado pode
ocorrer e não se importa, age da mesma maneira. OBS.: diferença em relação ao dolo
direto de segundo grau: aqui o resultado não querido é POSSÍVEL OU PROVÁVEL;
no dolo direto de segundo grau o resultado não querido é CERTO (consequência
necessária).

O dolo pode ser, ainda:

• Dolo genérico – É, basicamente, a vontade de praticar a conduta descrita no


tipo penal, sem nenhuma outra finalidade.

• Dolo específico, ou especial fim de agir – Em contraposição ao dolo genérico,


nesse caso o agente não quer somente praticar a conduta típica, mas o faz por
alguma razão especial, com alguma finalidade específica.

• Dolo geral, por erro sucessivo, ou aberratio causae – Ocorre quando o agente,
acreditando ter alcançado seu objetivo, pratica nova conduta, com finalidade diversa,
mas depois se constata que esta última foi a que efetivamente causou o resultado.
Trata-se de erro na relação de causalidade, pois embora o agente tenha conseguido
alcançar a finalidade proposta, somente o alcançou através de outro meio, que não
tinha direcionado para isso.

• Dolo antecedente, atual e subsequente – O dolo antecedente é o que se dá


antes do início da execução da conduta. O dolo atual é o que está presente enquanto
o agente se mantém exercendo a conduta, e o dolo subsequente ocorre quando o
agente, embora tendo iniciado a conduta com uma finalidade lícita, altera seu ânimo,
passando a agir de forma ilícita.

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Crime culposo
No crime culposo a conduta do agente é destinada a um determinado fim (que
pode ser lícito ou não), mas pela violação a um dever de cuidado, o agente acaba por
lesar um bem jurídico de terceiro, cometendo crime culposo. Pode se dar por:

• Negligência – O agente deixa de tomar todas as cautelas necessárias para


que sua conduta não venha a lesar o bem jurídico de terceiro.

• Imprudência – É o caso do afoito, daquele que pratica atos temerários, que


não se coadunam com a prudência que se deve ter na vida em sociedade.

• Imperícia – Decorre do desconhecimento de uma regra técnica profissional


para a prática da conduta.

O crime culposo é composto de:

• Uma conduta voluntária

• A violação a um dever objetivo de cuidado

• Um resultado naturalístico involuntário – O resultado produzido não foi


querido pelo agente (salvo na culpa imprópria).

• Nexo causal

• Tipicidade – Adoção da excepcionalidade do crime culposo. Só haverá


punição a título de culpa se houver expressa previsão legal nesse sentido.

• Previsibilidade objetiva - O resultado ocorrido deve ser previsível mediante


um esforço intelectual razoável. É chamada previsibilidade do “homem médio”.

MODALIDADES DE CULPA
• Culpa consciente e inconsciente – Na culpa consciente, o agente prevê o
resultado como possível, mas acredita que este não irá ocorrer (previsibilidade
SUBJETIVA). Na culpa inconsciente, o agente não prevê que o resultado possa
ocorrer (há apenas previsibilidade OBJETIVA, não subjetiva).

• Culpa própria e culpa imprópria – A culpa própria é aquela na qual o agente


NÃO QUER O RESULTADO criminoso. É a culpa propriamente dita. Pode ser
consciente, quando o agente prevê o resultado como possível, ou inconsciente,
quando não há essa previsão. Na culpa imprópria, o agente quer o resultado, mas,

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por erro inescusável, acredita que o está fazendo amparado por uma causa
excludente da ilicitude ou da culpabilidade. A culpa, portanto, não está na execução
da conduta, mas no momento de escolher praticar a conduta.

OBS.: crime preterdoloso (ou preterintencional): O crime preterdoloso ocorre


quando o agente, com vontade de praticar determinado crime (dolo), acaba por
praticar crime mais grave, não com dolo, mas por culpa.

CRIME CONSUMADO, TENTADO E IMPOSSÍVEL


Crime consumado – ocorre quando todos os elementos da definição legal da
conduta criminosa estão presentes.

Crime tentado – há crime tentado quando o resultado não ocorre por


circunstâncias alheias à vontade do agente. Adoção da teoria objetiva da punibilidade
da tentativa: como regra, o agente responde pela pena do crime consumado,
diminuída de um a dois terços. EXCEÇÃO: (1) crimes em que a mera tentativa de
alcançar o resultado já consuma o delito. Ex: art. 352 do CP (Evasão mediante
violência contra a pessoa); (2) outras exceções legais.

Crime impossível (tentativa inidônea ou crime oco) – o resultado não ocorre


por ser absolutamente impossível sua ocorrência, em razão: (1) da absoluta
impropriedade do objeto; ou (2) da absolutaineficácia do meio. Adoção da teoria
objetiva da punibilidade da tentativa inidônea: a conduta do agente não é punível.

Desistência voluntária - Na desistência voluntária o agente, por ato


voluntário, desiste de dar sequência aos atos executórios, mesmo podendo fazê-lo.
FÓRMULA DE FRANK: (1) Na tentativa – O agente quer, mas não pode prosseguir;
(2) Na desistência voluntária – O agente pode, mas não quer prosseguir. Se o
resultado não ocorre, o agente não responde pela tentativa, mas apenas pelos atos
efetivamente praticados.

Arrependimento eficaz - Aqui o agente já praticou todos os atos executórios


que queria e podia, mas após isto, se arrepende do ato e adota medidas que acabam
por impedir a consumação do resultado. Se o resultado não ocorre, o agente não
responde pela tentativa, mas apenas pelos atos efetivamente praticados.

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ARREPENDIMENTO POSTERIOR
- Não exclui o crime, pois este já se consumou. Ocorre quando o agente repara
o dano provocado ou restitui a coisa. Consequência: diminuição de pena, de um a
dois terços. Só cabe:

• Nos crimes em que não há violência ou grave ameaça à pessoa;

• Se a reparação do dano ou restituição da coisa é anterior ao recebimento da


denúncia ou queixa

CAUSAS DE EXCLUDENTES DE ANTIJURIDICIDADE


As causas de exclusão da antijuridicidade estão previstas no artigo 23 do
Código Penal: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento
do dever legal, exercício regular de direito.

Estado de necessidade (artigo 24, caput, do Código Penal)

Estado de necessidade é uma situação de perigo atual de interesses


legítimos e protegidos pelo Direito, em que o agente, para afastá-la e salvar um
bem próprio ou de outro, não tem outro meio senão lesar o interesse legitimo de
terceiro. Ex.: o agente para socorrer pessoa gravemente enferma, furta automóvel
para transportá-la ao hospital.

Os requisitos para o estado de necessidade são: a) ameaça a direito próprio


ou alheio; b) a existência de um perigo atual, c) inexigibilidade de sacrifício do
interesse ameaçado, d) situação não causada voluntariamente pelo sujeito; e)
inexistência de dever legal de enfrentar o perigo; f) conhecimento da situação de
fato justificante.

Quanto a forma, o estado de necessidade pode ser: a) quanto à titularidade


do interesse protegido; b) quanto ao aspecto subjetivo do agente; c) quanto ao
terceiro que sofre a ofensa.

Legítima defesa (artigo 25 do Código Penal)

Legítima defesa é a repulsa a agressão injusta, atual ou iminente, a direito


seu ou de outrem, usando moderadamente os meios necessários.

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Seus requisitos são: agressão injusta, atual ou iminente; b) direito próprio ou
de terceiros; c) utilização dos meios necessários; d) utilização moderada de tais
meios; e) conhecimento da situação de fato justificante;

Quanto à forma a legítima defesa pode ser classificada: a) quanto à


titularidade do interesse protegido; b) quanto ao aspecto subjetivo do agente; c)
quanto à reação do sujeito agredido.

Existem três espécies de legítima defesa: a) legitima defesa subjetiva; b)


legítima defesa sucessiva; legítima defesa recíproca

Estrito cumprimento do dever legal (artigo 23, inciso II, do Código Penal)

Ocorre quando a lei impõe ao agente um comportamento, ou seja, quando


existe um dever imposto pelo direito, seja em regulamento, decreto ou qualquer
ato do poder público.

Exercício regular de direito (artigo 23, inciso III, do Código Penal)

É a realização de uma faculdade de acordo com as normas jurídicas. Ex. O


pugilista que desfere golpes no adversário em uma luta de boxe não poderá ser
processado por Lesão corporal, pois exerce um direito legal de praticar o esporte.

O agente deve obedecer rigorosamente aos limites do direito exercido, sob


pena de abuso. Quando há excesso, doloso ou culposo, o agente responderá pelo
mesmo.

PARTICIPAÇÃO
Participação é contribuir na conduta criminosa do autor, praticando atos que
não se amoldam diretamente à figura típica ou não possuam o domínio final da
ação criminosa.

O partícipe responde pelo crime, na medida de sua participação (art. 29 do


CP)

A participação pode ser: a) participação moral (determinação ou


induzimento); b) participação material (cumplicidade).

Participação de menor importância (art.29, §I)

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Evidenciada a menor contribuição para o delito é obrigatória a redução da
pena, variando de acordo com a maior ou menor participação.

Cooperação dolosamente distinta (art. 29, §2)

Quando o agente concorre para crime menos grave, e o resultado é mais grave,
responderá pelo menos grave, se o resultado mais grave não era previsível. Se
previsível o resultado mais grave, responderá pelo menos grave, com a elevação
da pena até a metade.

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13ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, Capítulo II — Princípios Limitadores do Poder
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BRASIL. Código de processo penal, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: . Acesso
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