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CURSO DE

DIREITO PENAL

MÓDULO I

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SUMÁRIO

MÓDULO I
1 INTRODUÇÃO
1.1 DO CONCEITO DE DIREITO PENAL
1.2 CARACTERISTICAS DO DIREITO PENAL
1.3 OBJETO DO DIREITO PENAL
1.4 FONTES DO DIREITO PENAL
1.4.1 Material ou Substancial
1.4.2 Fonte Formal ou de Conhecimento
1.5 CLASSIFICAÇÃO DA LEI
1.5.1 Leis Penais Incriminadoras
1.5.2 Leis Penais não Incriminadoras
1.5.3 Leis não Incriminadoras Permissivas ou Normas Penais Permissivas
1.5.4 Leis Penais não Incriminadoras Finais, Complementares ou Explicativas
1.5.5 Normas Penais em Branco/Normas Cegas ou Abertas
1.6 INTERPRETAÇÃO DO DIREITO PENAL
1.6.1 Espécies de Interpretação da Lei Penal
1.7 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA X PRINCÍPIO IN DUBIO PRO
REO
1.8 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL
1.8.1 Princípios do Direito Penal
1.9 O PRINCÍPIO DO NO BIS IDEM E O LIMITE DO PODER PUNITIVO DO
ESTADO

MÓDULO II
2 APLICABILIDADE DO DIREITO PENAL
2.1 ANALOGIA
2.1.1 Conceito
2.1.2 Espécies de Analogia
2.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

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2.3 ÂMBITO TEMPORAL DA LEI PENAL
2.3.1 Irretroatividade da lei Penal
2.4 CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO
2.4.1 Hipóteses de Conflitos de Leis Penais no Tempo
2.5 LEI EXCEPCIONAL OU TEMPORÁRIA
2.6 TEMPO DO CRIME
2.7 CONFLITO APARENTE DE NORMAS
2.7.1 Conceito
2.7.2 Elementos
2.8 LEI PENAL NO ESPAÇO

MÓDULO III
3 TEORIA GERAL DO CRIME
3.1 CONCEITO DE CRIME
3.1.1 Conceito no Aspecto Material, Formal e Analítico
3.2 FATO TÍPICO
3.2.1 Elementos do Fato Típico
3.3 TEORIA DO TIPO
3.3.1 Elementos do Tipo
3.3.2 Objetos do Crime
3.3.3 Sujeitos do Crime
3.4 SUPERVENIÊNCIA CAUSAL
3.4.1 Espécies de Causas
3.4.2 Espécies de Causa Absolutamente Independente
3.4.3 Espécies de Causa Relativamente Independente
3.5 CRIME DOLOSO
3.5.1 Espécies de Dolo
3.6 CRIME CULPOSO
3.6.1 Modalidades de Culpa
3.6.2 Espécies de Culpa
3.7 CRIME PRETERDOLOSO
3.8 CONTAGEM DE PRAZO NO DIREITO PENAL

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3.9 PENA CUMPRIDA NO ESTRANGEIRO
3.10 EFICÁCIA DA SENTENÇ ESTRANGEIRA

MÓDULO IV
4 INTRODUÇÃO
4. 1 ITER CRIMINIS
4.1.1 Cogitação
4.1.2 Preparação
4.1.3 Execução
4.1.4 Consumação
4.2 CRIME CONSUMADO
4.3 TENTATIVA
4.3.1 Crimes que não Admitem a Tentativa
4.3.2 Espécies de Tentativa
4.3.3 Pena de Tentativa
4.4 DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ
4.4.1 Desistência Voluntária
4.4.2 Arrependimento Eficaz
4.4.3 Consequência Penal para a Desistência Voluntária e o Arrependimento Eficaz
4.5 ARREPENDIMENTO POSTERIOR
4.5.1 Requisitos do Arrependimento Posterior
4.6 CRIME IMPOSSIVEL
4.6.1 Hipóteses em que ocorre o Crime Impossível
4.7 CRIME IMPOSSÍVEL X DELITO PUTATIVO
4.8 ESPÉCIES DE DELITO PUTATIVO
4.9 DO ERRO NO DIREITO PENAL
4.9.1 Erro de Tipo
4.9.2 Erro de Tipo X Erro de Direito
4.9.3 Formas de Erro de Tipo

MÓDULO V

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5 INTRODUÇÃO
5.1 CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES
5.2 CONCURSO DE CRIMES OU DE DELITOS
5.3 CONCURSO MATERIAL OU REAL
5.4 CONCURSO FORMAL OU IDEAL
5.5 CRIME CONTINUADO
5.6 CONCURSO DE PESSOAS OU CONCURSO DE AGENTES
5.6.1 Tipos de Crimes Quanto ao número de Pessoas que Deles Participam
5.6.2 Autoria, Coautoria e Participação
5.6.3 Requisitos do Concurso de Pessoas
5.6.4 Punibilidade no Concurso de Pessoas

MÓDULO VI
6 INTRODUÇÃO
6.1 EXCLUDENTES DE ILICITUDE OU DE ANTIJURICIDADE
6.1.1 Causas Supralegais que Excluem o Ilícito Penal
6.2 EXCLUSÃO DE ILICITUDE, ERRO DE PROIBIÇÃO E ERRO DE TIPO
PERMISSIVO
6.2.1 Erro de Proibição ou Erro sobre a Ilicitude do Fato
6.2.2 Erro de Tipo Permissivo ou Descriminante Putativa
6.2.3 Descriminantes Putativas por Erro de Proibição
6.3 CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNICÁVEIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MÓDULO I

1 INTRODUÇÃO

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 5º, 1988).

1.1 DO CONCEITO DE DIREITO PENAL

Primeiramente faz-se necessário ter uma noção do conceito de Direito.


Segundo Miguel Reale, “Direito é o conjunto de regras que visam garantir a
convivência dos homens em uma sociedade”. Com base na sua definição, o convívio
em sociedade só será possível com normas reguladoras, disciplinadoras. Assim, o
Direito regula o convívio social, estabelecendo as mínimas condições de existência
do próprio homem.
A denominação de Direito Penal não é antiga. Talvez o primeiro a usá-la
tenha sido o Conselheiro de Estado Regnerus Engelhard, em 1756. O Código Penal
da República de 1890 de forma inovadora trouxe a denominação do Direito Penal e
assim sucederam outras legislações, como o nosso atual Código (1940). Traremos
abaixo alguns conceitos doutrinários:

1º) Mirabete: O direito positivo trás em si um conjunto de regras que


disciplina o convívio em sociedade, prevendo as consequências e sanções aos que
violarem. Para ele o Direito Penal consiste no conjunto de normas jurídicas nas
quais o Estado aplica sanções penais aos indivíduos que praticarem condutas
proibidas.
2º) Fernando Capez: O Direito Penal possui a função de selecionar o
comportamento humano mais grave e perigoso que pode colocar os valores

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fundamentais em risco para a sociedade, passando tais condutas a serem infrações
penais, aplicando-lhe uma sanção penal.

3º) Luis Regis Prado: O Direito Penal, no seu conceito formal, seria a parte
do ordenamento jurídico que enumera as ações ou omissões delitivas, aplicando-
lhes certas penas ou medidas de segurança. Em seu conceito material refere-se às
condutas consideradas reprováveis ou danosas à sociedade que atingem bens
jurídicos indispensáveis à sua própria existência.

4º) Damásio: A noção de Direito tem como base o fato social, que se
mostra contrário à norma de Direito e forja o ilícito jurídico, cuja forma mais séria é o
ilícito penal, que atenta contra os bens mais importantes da vida social, sendo que
este direito nasce das necessidades basilares da humanidade. É direito que
estabelece as normas que formam o alicerce das condições da existência da
humanidade.

Ainda existem os conceitos de DIREITO PENAL POSITIVO, DIREITO


PENAL OBJETIVO E SUBJETIVO:

a) Direto Penal Positivo: conjunto de leis criadas ou reconhecidas pela


comunidade politicamente organizada, cuja vontade do Estado impõe a todos os
cidadãos o cumprimento, através da coerção, que é a pena.

b) Direito Penal Objetivo: conjuntos de leis que definem os crimes, aplicam


penas e disciplinam as demais leis de natureza penal.

c) Direito Penal Subjetivo: é o direito do estado de punir o infrator da lei


penal, cujo titular é o Estado. Dessa forma, o Estado é o único titular do “direito de
punir” (jus puniendi). Em razão do Estado Democrático de Direito o Direito Penal
possui sua base legal na Constituição Federal de 1988. Através do conjunto de
normas e disposições jurídicas é que o Estado aplica as medidas de segurança e as
sanções Penais.

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1.2 CARACTERISTICAS DO DIREITO PENAL

a) Positivo: O conjunto de leis criadas ou reconhecidas pelo Estado em que a sua


vontade soberana é imposta aos cidadãos através das sanções penais. Esta
característica não impede a existência de outros princípios (ex: princípio da
dignidade da pessoa humana - CF/88).

b) Natureza pública: Interessa toda a sociedade.

c) Normativo: Estudo da lei, da norma, do direito positivo. Observância obrigatória.

d) Caráter finalista: Visa à proteção de bens e interesses jurídicos que merecem


proteção mais coerente através de aplicação de sanções mais eficientes.

e) Ordem de paz pública e de tutela das relações sociais: Proteger a convivência


humana através da coação do Estado, aplicando penas e medidas de segurança às
condutas lesivas aos bens jurídicos fundamentais; assinalando a lei penal uma
função de proteção.

f) Natureza autônoma: independente em seus efeitos (pena), porém é relativamente


dependente em seu preceito incriminador.

g) Sancionador: Em princípio, não se pode falar em autonomia do ilícito penal, e,


portanto, do caráter constitutivo do Direito Penal. A contrariedade do fato ao direito
não é meramente de ordem penal; sua ilicitude resulta da infração a todo o
ordenamento jurídico. Apesar disso, a tutela penal alcança também bens jurídicos
que não são objeto das leis extrapenais, como a integridade física e a vida, por
exemplo, no crime de omissão de socorro, em que a infração a uma simples regra
de solidariedade humana é elevada à categoria de ilícito penal. Também as
tentativas e os crimes de perigo em que não haja qualquer dano restariam sem
sanção jurídica se não fosse a existência do Direito Penal positivo.

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h) Caráter dogmático: Como ciência jurídica o direito Penal tem caráter dogmático,
já que se fundamenta no direito positivo, exigindo o cumprimento de todas suas
normas pela sua obrigatoriedade.

i) Finalidade preventiva: Antes de punir o infrator do ordenamento jurídico, procura


motivá-lo para que dela não se afaste, estabelecendo normas proibitivas e
cominando as respectivas sanções penais, visando assim evitar a prática do crime.
Falhando a função motivadora da norma penal, transforma-se a sanção
abstratamente cominada, através do devido processo legal, em prevenção especial,
constituindo a manifestação mais autêntica de seu caráter coercitivo.

j) Caráter dogmático: O Direito Penal, como ciência jurídica, tem natureza


dogmática, uma vez que as suas manifestações têm por base o Direito Positivo;
expõe o seu sistema através de normas jurídicas, exigindo o seu cumprimento. A
adesão aos mandamentos que o compõem se estende a todos, obrigatoriamente.

k) Exclusividade: Somente a lei penal pode definir crimes e cominar sanções,


aplicando-se apenas a fatos futuros (Princípio da Irretroatividade).

l) Impessoalidade: O seu mandamento proibitivo é endereçado a pessoas


indeterminadas.

1.3 OBJETO DO DIREITO PENAL


Hordienamente compreende-se que o Direito Penal tem por finalidade
proteger os bens jurídicos fundamentais. No crime de homicídio, por exemplo,
protege a vida como bem jurídico. Em relação ao objeto, o Direito Penal dirige-se
exclusivamente aos seus subordinados enumerados pela lei, ordenando ou
proibindo que se faça algo, ao ser humano, pois o homem é o único ser capaz de
cumprir atos com consciência do resultado.
É importante notar que o Direito Penal apoia-se na vontade da conduta
humana, ou seja, na capacidade do homem para um fim específico. O professor

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Fernando Capez, ao abordar o objeto do Direito Penal, traz o ensinamento de
Welzel:

O objeto de las penales es la ‘conducta humana, esto es la actividad o


passividad corporal Del hombre sometida a la capacidad de direccioón final
de la voluntad. Esta conducta puede ser uma acción, esto es, el ejercicio
efectivo de actividad final, o la omisión de una acción, esto es, el no
ejercicio de una actividad final posible. Para las normas del Derecho Penal
la acción está con mucho en primer plano, mientras que la omisión queda
notoriamente en un segundo plano. (WELZEL)

1.4 FONTES DO DIREITO PENAL

Gramaticalmente, como bem ensina Capez (2006), a definição de fonte para


o Direito seria compreendida como local de onde ela provém. Já para Luis Regis
Prado (2009), o termo seria um termo equivocado, pois não se refere apenas à
origem primária do Direito e, sim, também à validade da ordem jurídica. As principais
fontes do Direito Penal são o Código Penal, o Código de Processo Penal e a
legislação penal complementar de cada país.

1.4.1 Material ou Substancial

Nada mais do que o órgão competente para a elaboração, conforme


prescreve o art. 22, inciso I da Constituição Federal Brasileira de 1998; a União é
fonte de toda produção do Direito Penal, ou seja, o Estado é a fonte material do
Direito Penal, uma vez que os legisladores (Deputados Federais e Senadores) são
os responsáveis pela criação das normais penais.
A Constituição Federal determina as matérias sobre as quais cada um dos
seus entes federativos (estados, Distrito Federal e municípios) pode legislar (criar
leis). Em se tratando de Direito Penal, é matéria de competência privativa da União,
que legisla por meio de Lei Ordinária. Sobre questões específicas de Direito Penal a
delegação para legislar pode ser deferida aos Estados e ao Distrito Federal. Isto,

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conforme art. 22, inciso I, parágrafo único da Constituição Federal, ocorre mediante
Lei Complementar.

1.4.2 Fonte Formal ou de Conhecimento

Modo pelo qual o Direito Penal se manifesta, exterioriza. Em sentido


genérico seria a lei. Ela pode ser imediata (a lei) ou mediata (costumes, equidade,
princípios gerais do direito e analogia).

a) Fonte Imediata: É a lei. É importante estabelecer algumas diferenças


entre Norma e Lei.
Norma: ordem de uma conduta normal, extraída do senso-comum de justiça
de cada coletividade, ou seja, regra de proibição não escrita que se retira do senso
de justiça de cada indivíduo. Ex: Não matar, Não roubar.
Lei: regra escrita criada pelo legislador com o fim específico de moldar o
comportamento considerado perigoso para a coletividade. Somente através dela o
Estado pode definir crimes e cominar sanções (princípio da legalidade). A lei é
descritiva e a norma é proibitiva.
Partes da Lei:
Preceito: Conduta (proibição, obrigação).
Sanção: (punição, pena).

b) Fontes mediatas: São as que explicam, interpretam ou aplicam as fontes


imediatas. São os costumes e os princípios gerais do direito. É importante esclarecer
a diferença entre fontes formais imediatas e fontes formais mediatas. A primeira
revela o direito que vigora, como a Constituição Federal de 19988, enquanto que a
segunda interpreta e aplica a primeira.

b.1. Costumes: Conjunto de regras não escrita que antecede a lei, cuja
conduta é praticada de modo geral, igual, constante e uniforme e em razão da sua

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reiteração torna-se juridicamente obrigatória, imperativa. Não pode definir crimes,
cominar penas e revogar norma penal.

Luiz Regis Prado (2008), ao lecionar sobre costumes, entende que se trata
de uma regra de conduta criada espontaneamente pela consciência comum do povo
que a observa por modo constante e uniforme e sob a convicção de corresponder a
uma necessidade jurídica. Para ele o costume é formado de dois elementos; o
primeiro seria o objetivo (uso constante e prolongado) e o segundo seria o
subjetivo (convencimento de sua obrigatoriedade).
No mesmo sentido Fernando Capez (2006), em seus ensinamentos,
enumera os elementos do costume da seguinte forma:

1. Objetivo: Constância e uniformidade dos atos;


2. Subjetivo: convicção da obrigatoriedade jurídica.

A doutrina divide os costumes em três espécies, quais sejam: o secundum


legem, o contra legem e o praeter legem.

1. Secundum legem: Aquele dotado de maior prestígio e universalmente


aceito, aquele que está previsto na lei, possuindo eficácia obrigatória.

2. Contra legem: Costume que se forma em sentido contrário à lei,


buscando de forma implícita revogá-la, mas não revoga, em face do que dispõe o
artigo 2º, § 1º da Lei de Introdução do Código Civil (Decreto-lei nº 4657/42), uma lei
só pode ser revogada por outra lei (há uma corrente na jurisprudência que entende
que a contravenção do Jogo do Bicho teria sido revogada em razão do costume
Contra legem, a proibição caiu em desuso, o normal passou a ser jogar no bicho).

3. Praeter legem: Modalidade de costume que substitui a lei, nos casos em


que a silenciou, ou seja, supre as lacunas deixadas pela lei. Portanto, estas são as
três espécies de costumes, sendo que no presente estudo o que possui maior
relevância é o Praeter legem, já que este, de forma específica, visa o preenchimento
de lacunas na lei.

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Observação: O costume não cria crimes (delitos), nem aplica sanção
(pena), somente a lei cria e aplica sanção (Princípio da reserva lega).

b.2 Princípios Gerais do Direito: Princípios são ideias ou proposições


básicas e fundamentais que condicionam estruturações subsequentes. Os princípios
gerais de direito são proclamados como fonte subsidiária do direito pela legislação
civil de quase todos os países latinos inspirados no Código de Napoleão.
Exemplos de Princípios Gerais do Direito no nosso ordenamento jurídico:
Exemplo 1: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. (Artigo 4º - Lei de
Introdução do Código Civil);

Exemplo 2: A propriedade deve cumprir sua função social. Deve se orientar


pela moralidade administrativa (Constituição Federal de 1988).

Miguel Reale classifica os Princípios Gerais do Direito como princípios


monovalentes, pois são enunciações de valor genérico que condicionam e orientam
a compreensão do ordenamento jurídico, em sua aplicação e integração ou mesmo
para a elaboração de novas normas. São estes princípios a base da ordem jurídica,
não estando definidos em nenhuma norma. São exemplos:
 Falar e não provar é o mesmo que não falar;
 Ninguém pode causar dano e quem causar terá que indenizar;
 Ninguém pode se beneficiar da própria torpeza;
 Não há crime sem lei anterior que o descreva.

Fernando Capez (2006) faz a seguinte observação: “A analogia não é fonte


formal mediata do Direito Penal mas, sim, método em que se aplica a fonte de forma
imediata, ou seja, a aplicação da lei no caso semelhante”. Exemplo: Artigo 4º da Lei
de Introdução do Código Civil, que em primeiro lugar será aplicada outra lei
(analogia/caso análogo, semelhante) quando ocorrer a lacuna da ordem jurídica da
lei, caso não seja possível esta aplicação recorre-se nesta ordem aos costumes e
aos princípios gerais do direito.

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A equidade (o juiz procura a solução mais justa ao caso concreto), a doutrina
(instrumento mediato, resultado do estudo jurídico-científico) e a jurisprudência (ao
interpretar as leis em um sentido/decisões judiciais comuns, torna uniforme o seu
entendimento) são procedimentos interpretativos do direito.

1.5 CLASSIFICAÇÃO DA LEI

1.5.1 Leis Penais Incriminadoras

São as que descrevem condutas puníveis e impõem as respectivas sanções.


Possui preceito e sanção. Não é proibitiva e sim descritiva. Exemplo: o artigo 155 do
Código Penal (crime de furto) não diz “não furte” e, sim, “subtrair coisa alheia móvel”.
A proibição está na reunião da conduta praticada (subtrair coisa móvel) com a pena
(reclusão de 4 anos a 10 anos e multa).

1.5.2 Leis Penais Não Incriminadoras

Não descrevem crimes, nem aplicam penas. Exemplo: Artigo 22 do Código


Penal (coação irresistível e obediência hierárquica), não descreve crime e nem
aplica sanção penal.

1.5.3 Leis Não Incriminadoras Permissivas ou Normas Penais Permissivas

Tornam legais (lícitas) determinadas condutas que seriam punidas em leis.


Exemplo: art. 23 do Código Penal, que trata das excludentes de ilicitude, como a
legítima defesa.

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1.5.4. Leis Penais não Incriminadoras Finais, Complementares ou Explicativas

São as que esclarecem o conteúdo de outras normas, delimitando o campo


de sua aplicação. Exemplo: o artigo 1º do Código Penal trata da anterioridade da lei.

1.5.5 Normas Penais em Branco/Normas Cegas ou Abertas

São Leis Penais incriminadoras que apresentam PRECEITO INCOMPLETO.


São normas em que a pena encontra-se determinada, o que esta incompleto é o seu
conteúdo, ou seja, a conduta precisa de complementação legal ou regulamentar.
Exemplo: artigo 237 do Código Penal (conhecimento prévio de impedimento para
casar trata do impedimento para contrair casamento) que é completado pelo artigo
1521, I a VII do Código Civil (enumera as pessoas que não podem casar).
Uma boa definição de Normas Penais em branco é trazida por Rogério
Greco, que conceitua como:

Aquelas em que há uma necessidade de complementação para que se


possa compreender o âmbito de aplicação de seu preceito primário. Isto
significa que, embora haja uma descrição da conduta proibida, essa
descrição requer, obrigatoriamente, um complemento extraído de outro
diploma, leis, decretos e regulamentos para que possam, efetivamente, ser
entendidos os limites da proibição ou imposição feitos pela lei penal, uma
vez que, sem esse complemento, torna-se impossível a sua aplicação.
(GRECO)

O Direito Penal define de modo independente os pressupostos de suas


normas, evitando buscar em outras normas ou regulamentos a sua
complementação.

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1.6 INTERPRETAÇÃO DO DIREITO PENAL

O que seria interpretar a lei penal? Seria somente ler a norma? Seria retirar
da lei penal seu exato alcance e seu significado real? Sim, isso é interpretar a lei
penal? O Art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) traz a resposta a esta
indagação, “a interpretação da Lei sempre deve buscar a finalidade da Norma”.
Portanto, interpretar uma norma significa captar seu significado, compreender,
esclarecer o seu sentido e sua finalidade. É importante salientar que a atividade de
interpretação da lei não pode sair do ordenamento jurídico, dissociando-se das
fontes do direito, tampouco do contexto histórico-cultural.
Para alcançar o seu fim a interpretação da lei utiliza-se de muitos métodos
ou processos, tais como:

1. Filológico, literal ou gramatical: Consiste na reconstrução do


pensamento do legislador legislativo através das palavras da lei. É a primeira
atividade que deve praticar quem quer interpretar a lei, recorrendo ao que as
palavras dizem.

2. Lógico-sistemático e Teológico: Primeira etapa do processo


interpretativo, pois as palavras podem não espelhar a vontade da lei. Consiste em
indagar a vontade ou a intenção objetiva da lei; ocorrendo contradição entre as
conclusões da interpretação literal e lógica esta deve prevalecer, em razão do bem
comum e a finalidade social que a lei se destina.

3. Interpretação Analógica: Esta interpretação é permitida toda vez que


uma cláusula genérica se segue a uma forma casuística, devendo entender-se que
aquela só compreende os casos análogos aos mencionados por esta. Incumbe ao
jurista perseguir sempre o escopo (objetivo) da lei, ou seja, o resultado prático que a
lei se propõe a realizar (a melhor interpretação é aquela feita no sentido de atender
a determinadas finalidades/necessidades). O intérprete não pode se limitar apenas
às operações de lógica, mas sim aplicar apreciações de interesse localizadas no
interior da norma. Portanto, devem levar em consideração os momentos lógicos e

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teológicos da norma jurídica.

1.6.1 Espécies de Interpretação da Lei Penal

a) Quanto ao sujeito que elabora:

1. Autêntica ou legal: Aquela feita pelo próprio órgão encarregado da


criação do texto, ou seja, parte do próprio sujeito que criou o preceito interpretado. É
a única que tem força de lei. As outras (Judicial e Doutrinária) servem de apoio ao
operador do Direito. O Art. 150, § 4º do Código Penal (Violação de Domicílio) define
o que é “casa” (termo utilizado no crime de invasão de domicílio). A interpretação
autêntica subdivide-se em: Contextual (feita dentro do próprio texto interpretado,
exemplo do artigo 327 do Código Penal, que define o que vem a ser Funcionário
Público para os efeitos penais) e Posterior (a lei interpretadora entra em vigor
depois da interpretada).
Neste momento do estudo é importante estabelecer a diferença entre efeitos
ex nunc e ex tunc, vejamos:

Ex nunc: expressão de origem latina que significa “desde agora”. Assim, no


meio jurídico, quando dizemos que algo tem efeito ex nunc significa que seus
efeitos não retroagem, valem somente a partir da data da decisão tomada. Por
exemplo, a revogação de atos administrativos tem efeito ex nunc.
Ex tunc: expressão de origem latina que significa “desde então”, “desde a
época”. Assim, no meio jurídico, quando dizemos que algo tem efeito ex tunc,
significa que seus efeitos são retroativos à época da origem dos fatos a ele
relacionados. Por exemplo, a norma interpretada tem efeito ex tunc.

2. Doutrinária ou Científica: Realizada pelos estudiosos do direito. A


Exposição de Motivos constante no Código Penal é exemplo de interpretação
Doutrinária, uma vez que não é lei.

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3. Judicial: Realizada pelos órgãos jurisdicionais (Juízes e Tribunais)
quando aplica a lei ao caso concreto, não tem força obrigatória, somente valor para
as partes (eficácia inter partes).

b) Quanto aos meios empregados:

1. Gramatical, literal ou sintática: Leva em conta as regras de


interpretação do texto para descobrir o sentido da norma, ou seja, o sentido das
palavras.

2. Lógica ou Teológica: Preocupa-se com a vontade da lei, buscando


atender os fins da lei.

c) Quanto ao resultado:

1. Declarativa: Há correspondência entre a palavra da lei e a sua vontade.

2. Restritiva: Quando a lei disser mais do que queria usa-se a interpretação


restritiva para restringir o alcance da lei até o sentido real. Ela diminui o alcance do
texto, em face de sua linguagem impropriamente excessiva. Exemplo: o Artigo 28,
inciso I do Código Penal, que trata da emoção e da paixão.

3. Extensiva: A lei ficou aquém da sua vontade, ou seja, a lei disse menos
do que queria. Neste caso usa-se a interpretação extensiva para ampliar o seu
significado. Exemplo: artigo 235 do Código Penal, que trata da do crime de Bigamia.
Por fim, a interpretação é um só: o que realmente difere são apenas os
métodos, pois somente no caso in concreto que o magistrado poderá preferir este ou
aquele método.

1.7 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA X PRINCÍPIO IN DUBIO PRO


REO.

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Os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo não são
sinônimos. O que se pode concluir é que existe uma relação entre eles, pois o
princípio in dubio pro reo decorre de dois princípios: presunção de inocência e do
princípio do favor rei, que proclama que “no conflito entre o jus puniendi do Estado,
por um lado, e o jus libertatis do acusado, por outro lado, a balança deve inclinar-se
a favor deste último se quiser assistir ao triunfo da liberdade”. (TOURINHO FILHO,
2003). Segundo Fernando Capez (2006), o princípio da presunção de inocência para
muitos só se aplica no campo da apreciação das provas, nunca para interpretar a
norma, outros ao contrário entendem que o princípio pro reo aplica-se na
interpretação da lei, ao usar a interpretação mais favorável ao réu.
O princípio da presunção de inocência encontra-se inserido na Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LVII que prescreve: “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Para alguns doutrinadores e juristas o princípio in dúbio pro reo não vem sendo
aceito implicitamente em razão da distribuição do ônus da prova. Tourinho Filho
(2001), ao falar do assunto, diz que a regra do ônus da prova cabe ao autor da tese
(acusação). Cabe ao Promotor de Justiça na denúncia o ônus de provar que
determinado agente é o autor do crime, por exemplo, de lesão corporal. À defesa
cabe provar a inocência do agente, invertendo assim o ônus probandi.

1.8 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL

Assim como as demais ciências jurídicas o Direito Penal fundamenta-se em


certos princípios jurídicos, seja em normas constitucionais ou não. Os princípios
penais formam o centro fundamental do Direito Penal, servindo de base para a
construção da definição do delito, estabelecendo limites ao poder de punição por
parte do Estado, sustentando-se para a interpretação e aplicação da lei penal.
Assim, definir quais são os princípios fundamentais de Direito Penal significa
determinar de que forma ele poderá interferir no conteúdo das regras jurídicas da
norma penal.

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Faz-se necessário diferenciar Princípios de Direito Penal Constitucional dos
Princípios Propriamente Penais. Os primeiros estão previstos na Carta Magna
(Princípio da Legalidade, Princípio da Culpabilidade, etc), enquanto o segundo
integra o ordenamento do Direito Penal (Princípio da Reserva Legal).

1.8.1 Princípios do Direito Penal

1. Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal: O Princípio da Legalidade


possui enorme importância para o Direito Penal, servindo de certa forma como restrição
ao poder do Estado, garantindo os direitos do indivíduo. Assim, a legalidade não se
subsume apenas à observância da lei, mas sim a todo o sistema jurídico. Tem
origem na obra Dei delitti e delle pene de Beccaria e cujo termo foi traduzido pela
fórmula Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege por Paul Johann Anselm von
Feuerbach.
O Princípio da Legalidade é um dos instrumentos normativos de controle do
poder punitivo do Estado quando do estabelecimento de normas incriminadoras,
bem como na fixação e execução das penas. Previsto no artigo 5º, inciso XXXIX da
Constituição Federal e no artigo 1º do Código Penal Brasileiro, assim prescreve:
“não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação
legal”. Este princípio também está previsto no art. 37º, caput, do nosso diploma
maior, que estabelece a vinculação de todo o ato administrativo do agente público à
legalidade.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 já tratava do
Princípio da Legalidade: “A lei não deve estabelecer senão penas estritas e
evidentemente necessárias e ninguém pode ser castigado senão em virtude de uma
lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada”. Para
Mirabete (1999), trata-se da mais importante conquista de índole política, sendo a
norma básica do Direito Penal. Este princípio assegura que não pode ser
considerado crime (infração penal) nem sanção penal (pena ou medida de
segurança) o fato que não estiver contido na norma.

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Assinala ainda o jurista que o princípio da legalidade previsto no artigo 1º do
Código Penal Brasileiro compreende os princípios da reserva legal e da
anterioridade. Damásio de Jesus (2000) entende que no aspecto político o Princípio
da Legalidade serve como garantidor constitucional dos direitos do homem, somente
a lei pode fixar limites que destacam a atividade criminosa da legítima defesa. Não
haveria segurança ou liberdade se a lei punisse condutas consideradas lícitas e se
os magistrados punissem fatos ainda não considerados crimes pelo legislador.
Francisco de Assis Toledo, ao falar do Princípio da Legalidade, entende que
sem ele nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser
aplicada sem que antes desse mesmo fato tenham sido instituídos por lei os tipos
delitivos e a pena respectiva constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir
na esfera das liberdades individuais.
Alguns juristas entendem que o Princípio da Legalidade se desdobra em
quatro postulados:
 nullum crimen, nulla poena sine lege praevia;
 nullum crimen, nulla poena sine lege scripta;
 nullum crimen, nulla poena sine lege stricta;
 nullum crimen, nulla poena sine lege certa.

Luis Regis Prado (2008) preleciona que o Princípio da Reserva Legal possui
três Garantias:

1. Garantia Criminal e Penal: Não há crime nem pena sem lei em sentido
estrito, elaborada na forma constitucionalmente prevista.

2. Garantia Jurisdicional: Ninguém será processado nem sentenciado


senão pela autoridade competente, art. 5º, inciso LIII CF/88).

3. Garantia Penitenciária: A pena será cumprida em estabelecimento


distinto, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, art. 5º,
inciso XLVIII, CF/ 88), a terceira Garantia é a da Irretroatividade (a lei penal não
retroagirá, salvo quando para beneficiar o réu, art. 5º, inciso XL, CF/88) a da Lei e
sua Exceção (em razões de política criminal).

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Princípios Inerentes ao Princípio da Legalidade:

a) Princípio da Reserva Legal: O princípio da Reserva legal possui a


função de delimitar o conteúdo das leis penais, pois somente a lei pode definir
crimes e aplicar sanções. Esta função de legislar as matérias, conforme diretriz
constitucional, cabe ao legislador. A nossa Carta Magna reserva o seu artigo 5º,
inciso XXXIX, ao Princípio da Reserva Legal e o Código Penal Brasileiro dispõe no
artigo 1º. Este princípio consiste no fato de que só há crime e pena se há lei anterior
que o determine: nullum crimen, nulla poena sine praevia lege. Para Mirabete
(1999), o Princípio da Reserva Legal possui três características:

A. Reserva Absoluta da Lei: Nenhuma fonte inferior pode criar normas


penais, uma vez que a Constituição Federal de 1988 reserva tal função de forma
absoluta à lei. Assim, somente a lei aprovada pelo Poder Legislativo pode criar
crimes e impor sanções penais. É importante deixar claro que Medida Provisória,
apesar de possuir força de lei, não constitui lei, uma vez que não emana do Poder
Legislativo e, sim, do Poder Executivo.
A própria lei maior reconhece que as medidas provisórias não são leis e
proíbe materialmente que elas tratem sobre matérias de Direito Penal ou
Processual, ou seja, é expressamente vedada ao Poder Executivo a inclusão de
matérias criminais penais em seus atos normativos. Esta proibição constitucional
encontra base legal no Princípio da Reserva Legal, que tem como escopo a
proteção do cidadão contra a arbitrariedade do poder estatal. Tal entendimento se
estende às leis delegadas.

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B. Taxatividade e vedação ao emprego da analogia: Em razão do
Princípio da Reserva Legal é que surgiu a afirmação de que o Direito Penal positivo
é um sistema fechado. A Lei Penal (norma incriminadora) estabelece com a esfera
do ilícito uma incriminação taxativa, precisa. Impedindo sua atuação além dos
limites estabelecidos, mesmo através da analogia. A norma penal tem que ser exata,
precisa, como uma adição matemática de números inteiros, pois um fato só poderá
ser delito (criminoso) se estiver perfeitamente moldado na lei que o criou (descreve).
A lei penal não permite que uma conduta delitiva que fora cominado uma
pena seja estendida à outra por ser assemelhada. Isto ocorre em razão da lei penal
(Princípio da Legalidade), que ao frisar que não há crime sem lei que o defina exigiu
da lei a descrição da conduta criminosa com todos os elementos. A taxatividade na
descrição da conduta típica para uma exata identificação do fato, como corolário da
legalidade, proíbe, portanto, a incriminação vaga e indeterminada do fato, e se não
fosse assim a elasticidade na tipificação do fato permitiria o livre arbítrio do juiz.
Mirabete trás a lição de Silva Franco:

Cada figura típica constitui, em verdade, uma ilha no mar geral do ilícito e
todo o sistema punitivo se traduz num arquipélago de ilicitude. Daí a
impossibilidade do Direito Penal atingir a ilicitude na sua totalidade e de
preencher, através dos processos integrativos da analogia, eventuais
lacunas. (FRANCO, 1999)

Em relação ao emprego da analogia é necessário, antes de tudo,


entendermos nem que seja superficialmente o seu conceito, uma vez que
reservamos um estudo mais minucioso no Módulo II. Vejamos sua definição:
Analogia é o meio pelo qual o intérprete, percebendo uma lacuna (espaço, vazio) no
corpo da lei, integra a norma penal, avaliando em cada caso concreto uma situação
assemelhada em outro ordenamento jurídico. Por esta razão, segundo os
ensinamentos de Cernicchiaro, o Princípio da Reserva Legal proíbe por inteiro o uso
da analogia em matéria de Direito Penal incriminador, encontrando-se esta limitação
no tipo penal (legal) correspondente.
Em razão, é vedada a aplicação da Analogia in malam partem (prejudica o
indivíduo), uma vez que amplia o número das infrações penais, ao contrário sensu,
permite o uso da Analogia in bonam partem (favorece o indivíduo).

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24
C. Taxatividade e Descrição Genérica: O Princípio da Reserva Legal
determina que a descrição da conduta delitiva (criminosa) é específica, não se
admitindo tipos genéricos. O que adiantaria exigir da lei a prévia definição do crime
se fosse permitido o uso de termos demasiadamente amplos, como por exemplo
“qualquer conduta contrária aos interesses nacionais”. Não se aplicam a crimes
culposos, em que a conduta que leva ao resultado pode ser infinitamente variável,
uma vez que o legislador não poderá descrever todas as condutas humanas que
coadunam com o tipo culposo, o que limita o legislador a dizer: “se o crime é
culposo, pena de tanto a tanto. A esses tipos penais a Doutrina definiu como
exemplo claro o crime de Homicídio Culposo (artigo 121, § 3º, do Código Penal
Brasileiro)”.

D. Conteúdo Material do Princípio da Reserva Legal: Mirabete (1999),


trazendo a lição de Silva Franco, assevera que no Estado Democrático de Direito o
simples respeito formal ao princípio da legalidade não é suficiente. Necessário é,
também, um conceito material ontológico de crime, segundo o qual somente podem
ser consideradas pelo legislador como delituosas as condutas que efetivamente
coloquem em risco a existência da coletividade. Seria absurdo, por exemplo, que
fosse considerado crime o ato de sorrir. Assim, a instituição de figura delitiva que
venha a afrontar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana colide com um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito.

2. Princípio da Anterioridade da Lei: Garantia constitucional do indivíduo


diante do poder punitivo do Estado, estabelecendo que os crimes e as penas,
respectivamente, serão considerados somente nos termos da lei vigente ao tempo
da prática do crime. Ou seja, para que uma ação ou omissão seja tida como crime é
preciso que a norma seja anterior ao fato.
A lei é editada para o futuro e não para o passado, aí está presente a
Irretroatividade da Lei (Módulo II). Faz-se necessário que a lei já esteja em vigor
(valendo) no momento (data) em que o fato delitivo é praticado. Segundo
Cernicchiaro: “Dado o princípio da reserva, a relação jurídica é definida pela lei
vigente à data do fato”.

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Na legislação brasileira este princípio está regulado pelo artigo 5º, inciso
XXXIX da Constituição Federal de 1988 e no Código Penal em seu artigo 1º: “não há
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, ou
nullum crimen, nulla poena sine lege praevia.

3. Princípio da Insignificância ou da Bagatela: Princípio formulado por


Claus Roxin, relacionado com o axioma (sentença ou proposição que não é provada
ou demonstrada é considerada como óbvia ou como um consenso inicial necessário
para a construção ou aceitação de uma teoria) mínima non cura praeter, as
infrações ínfimas não devem ser levadas ao conhecimento do Judiciário, eis que de
somenos relevância se mostra a danosidade ao bem jurídico protegido.
Luis Regis Prado (2008) é categórico ao afirmar que lesões a bens jurídicos
de menor valor não justificariam a aplicação de sanção penal. Este princípio é
tratado nos dias de hoje pela Teoria da Imputação Objetiva como critério para a
determinação do injusto penal, ou seja, é, utilizado como um meio para a exclusão
da Imputação Objetiva de Resultados. Para Damásio de Jesus (2000), a Teoria da
Imputação Objetiva seria atribuir uma conduta ou um resultado normativo ao
indivíduo cujo comportamento apresenta um risco legalmente proibido.
Seria uma conduta proibida antecipando um evento jurídico, por exemplo, o
pai que mata o assassino da filha quando este seria morto pelo Estado (um exemplo
típico de países em que a pena de morte é adotada). Enfim, consiste em analisar a
gravidade de uma conduta e a necessária intervenção do Estado. Alguns
doutrinadores estabelecem uma equiparação entre o instituto da adequação social
de Welzel com o critério da insignificância (orientada no bem jurídico protegido, ex:
furto de bagatela) criado por Roxin. O que seria realmente insignificante?
A adequação social não fora superada pelo critério da insignificância, como
no caso de furto de bagatela, pois não pode ser considerado como socialmente
adequado ou útil, sendo assim inaplicável será o seu uso. A solução está no uso do
Princípio da Insignificância, em razão do mínimo valor da coisa furtada. É de
observar que a aplicação desse princípio não deve ser utilizado com falta de
critérios, nem de interpretações subjetivas.

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1.9 O PRINCÍPIO DO NO BIS IDEM E O LIMITE DO PODER PUNITIVO DO
ESTADO

 Ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo crime;


 Impedir mais de uma punição individual (pena ou agravante) pelo
mesmo fato delitivo;
 Tríplice identidade entre sujeito (aquele que pratica o crime), fato e
fundamento (lei);
 Serve de base à aplicação das leis penal, em especial ao concurso de
pessoas;
 Fundamentação: artigo oitavo, inciso IV da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado
não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.

FIM DO MÓDULO I

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MÓDULO II

2 APLICABILIDADE DO DIREITO PENAL

2.1 ANALOGIA

2.1.1 Conceito

A analogia é uma forma de autointegração do direito (ou norma),


funcionando como mecanismo de preenchimento das lacunas da lei. Consiste em
aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso
semelhante. Um fato A é regulado pela lei X, um fato B não possui lei Y
regulamentando. O magistrado, percebendo que a lei X que regula o fato A possui
pontos semelhantes com o fato B, equaciona o problema utilizando a analogia.
Trata-se de relação de equivalência entre duas outras relações (de
semelhança entre duas coisas). No Direito consiste em aplicar uma norma a um
caso não previsto diretamente em lei para regular um fato distinto. O artigo 5º da Lei
de Introdução do Código Civil (LICC) assevera: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá
aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Neste sentido Mirabete, leciona:

Consiste em aplicar-se a uma hipótese não regulada por lei disposição


relativa a um caso semelhante. Na analogia o fato não é regido por qualquer
norma e, por essa razão, aplica-se uma de caso análogo. Exemplo: o art.
128, II dispõe que o aborto praticado por médico não é punido “se a
gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Trata-se de causa
de exclusão da ilicitude prevista exclusivamente para a hipótese de gravidez
decorrente de estupro”. (MIRABETE, 2006)

A fundamentação encontra sustentação no brocardo ubi eadem ratio, ibi


eadem jus (a mesma razão autoriza o mesmo direito, onde houver o mesmo
fundamento haverá o mesmo direito). A analogia não é fonte mediata da lei, pois
cabe ao magistrado fazer uso dela para solucionar um fato sem norma, através da

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semelhança de outro fato com tipificação legal (autointegração), ou seja, a analogia
possui como Natureza Jurídica à autointegração da lei, mas não é fonte do Direito.
Diante do exposto podemos dizer que o uso da analogia requer os
seguintes preceitos:

a) fato delitivo não possua norma legislada;


b) fato delitivo não legislado possua norma que regule fato semelhante;
c) esse ponto de contato comum haja sido o elemento determinante ou
decisivo na implantação da regra concernente à situação considerada pelo julgador.

É importante estabelecer a distinção entre analogia e interpretação


extensiva. A analogia não há norma reguladora para o fato enquanto na
interpretação extensiva há norma regulando o fato, entretanto, a norma não
expressa a sua validade (eficácia), cabendo ao magistrado (intérprete) ampliar o seu
significado.

Tourinho Filho assim exemplifica:

O artigo. 34 do Código Processo Penal prescreve que o menor de 21(vinte e


um) anos e o maior de 18 (dezoito) anos pode exercer o direito de queixa.
Será que ele poderá exercer, também, o direito de representação? Sim. Na
análise lógica da amplitude “quem pode o mais pode o menos”. Na verdade,
a representação é um minus em relação à queixa. Se ele pode exercer o
direito de queixa, isto é, se ele pode praticar o ato instaurador da instância
penal, então também é possível dar o seu assentimento
(permissão/representação) para processar o sujeito ativo do crime. Já o
professor Hermes de Lima, ao explicar a distinção entre Analogia e
Interpretação Extensiva, enumera que a primeira aplica-se ao caso não
contemplado em lei, enquanto que a segunda pressupõe que o caso esteja
compreendido no regulamento jurídico. (TOURINHO FILHO, 1994)

2.1.2 Espécies de Analogia

1ª) Legal ou Legis: Fato regulado por lei de caso (hipótese) semelhante, ou
seja, a Analogia Legis consiste na aplicação de uma regra jurídica existente a caso

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semelhante, não previsto pelo legislador. Ao falar de Analogia Legis Maria Helena
Diniz, salienta:

A analogia legis apoia-se em um dispositivo legal existente, que é aplicável


à hipótese similar, constituindo-se, portanto, em um argumento lógico, em
uma autêntica reconstrução normativa, produto, por um lado, de uma
segurança e estabilidade jurídica e, de outro lado, da flexibilidade do direito.
Procura encontrar um fundamento valorativo na norma que permita que nela
se englobe a situação não regulada, que, por sua vez, apresenta certa
semelhança com o fato contido nessa norma. (DINIZ)

2ª) Jurídica ou júris: A hipótese é regulada por princípio extraído do


ordenamento jurídico em seu conjunto. Em síntese, esta espécie de analogia ocorre
no momento em que o operador do Direito está diante de um fato concreto não
regulamentado por lei e que não é possível a aplicação da espécie Analogia Legis.
Vale dizer, consoante define Carlos Maximiliano (1981), só ocorre a analogia legis
quando não existe nenhum dispositivo aplicável à espécie, sequer de modo indireto,
e, em razão disso, encontra-se o magistrado em face de um instituto inteiramente
novo. Para o jurista Miguel Reale (1988), não existe a espécie Analogia Júris, uma
vez que ela é apenas a aplicação dos princípios gerais do Direito, e isto significa
interpretação e não integração do Direito.

3ª) In bonam partem: A analogia é empregada em benefício do agente.

4ª) In malam partem: Aquela que, de alguma maneira, prejudica o agente.

Observação: não se admite o uso de analogia para normas incriminadoras,


uma vez que não se pode violar o princípio da reserva legal (não pode a analogia
criar crime não previsto expressamente ou pena que o legislador não haja
determinado. Contra isso vige o princípio da reserva legal. Ex: um sujeito subtrai
coisa alheia móvel para uso próprio. Por força da aplicação analógica seria um crime
previsto no artigo 155 (furto) do Código Penal. Assim, um fato não considerado
delituoso passaria a sê-lo, afrontando o princípio da reserva legal expressamente
previsto na Constituição Federal).

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2.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O Princípio da Legalidade já foi estudado no Módulo I.

2.3 ÂMBITO TEMPORAL DA LEI PENAL

A lei penal só será obrigatória após a sua publicação, isto se chama vigência
da lei. Em vigor, a lei regula fatos presentes e futuros. O lapso de tempo entre a sua
publicação e a sua vigência chama-se Vacatio Legis. A morte da lei (perda da
vigência) ocorre com a sua revogação total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). O
problema da sucessão de leis penais está relacionado aos princípios que regulam a
validade da lei penal no tempo. O Princípio da Irretroatividade da Lei existe para
regular o conflito temporal de normas penais que se sucedem.

2.3.1 Irretroatividade da lei Penal

É a qualidade de não retroagir, não ser válido o fato para o passado. O


princípio da irretroatividade da lei penal aplica-se às novas hipóteses de crime,
contravenção penal, aumento de pena ou nova agravante. Trata de segurança
jurídica ao indivíduo, pois ele terá condições de valorizar de antemão se um fato por
ele praticado é considerado crime ou não.
Aplica-se aqui o princípio universalmente aceito do nullum crimen nulla
poena sine lege, que o Código Penal colocou no seu artigo 1º, nos seguintes termos:
“Art.1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal”. (Princípio da anterioridade). O Princípio da Irretroatividade da
Lei Penal está previsto no artigo 2º do Código Penal, vejamos: Art. 2º - “Ninguém

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pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em
virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.
Parágrafo único: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente,
aplica-se as fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória
transitada em julgado”. A nossa carta prevê em seu artigo 5º, inciso XL que a lei
somente se aplica ao passado (retroage) para beneficiar o acusado, ou seja, a
Irretroatividade da Lei Penal, pois a lei é criada para aplicação no futuro. É a
chamada retroatividade benigna. Em resumo, temos:

REGRA: A lei penal não pode retroagir;


EXCEÇÃO: A lei penal poderá retroagir quando trouxer algum benefício para
o réu/agente/acusado.

Temos então o Princípio da irretroatividade da lei mais severa e da


retroatividade da lei mais benigna. A norma de caráter processual penal (não
possui caráter de sanção, ex: regras que disciplinam a prisão provisória) não se
submete ao Princípio da Retroatividade. Nos termos do artigo 2º do Código de
Processo Penal, a lei de caráter processual penal terá validade imediata, inclusive
aos processos em curso, pouco importa se o crime fora cometido antes ou após a
vigência da lei, ou se ela é ou não mais benéfica ao agente. O que interessa é que o
processo penal esteja em curso.
Atualmente é entendimento que a prisão provisória é norma processual
penal, em razão de originar de processo, tendo vigência imediata. O Superior
Tribunal de Justiça já decidiu que as normas que regulam o regime de cumprimento
da pena (pena ou medida de segurança) são normas de caráter penal e não
processual, por isso se submetem ao Princípio da Retroatividade. No caso de
ocorrer norma mista penal e processual prevalece a primeira para fins de
retroatividade em benefício do agente.
É importante compreender em que tempo a lei começa a viger no País. Nos
termos do artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, “salvo disposição
em contrário, a lei começar a vigorar em todo o País 45 (vacância) dias depois de
oficialmente publicada. Já o artigo 2º da mesma lei diz que a lei vive até que outra
posterior a revogue.

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Nos termos do artigo 8º, caput da Lei Complementar nº 95/98 (Dispõe sobre
a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme, determina
o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a
consolidação dos atos normativos que menciona), as leis de pequena repercussão
não possuem período de vacância, entrando em vigência na data de sua publicação,
em relação às leis que estabelecem período de vacância o artigo 8º, § 1º da mesma
lei complementar diz que neste caso a lei entrará em vigor no dia seguinte.
O que seria Revogação da Lei? Seria sua morte, retirada, cessação da sua
vigência. A revogação da lei somente acontece por meio de outra lei. O costume e a
falta de uso não revogam a lei, nem derrogam a lei. A revogação da lei pode ser:

1ª) Revogação Expressa: quando lei posterior declara expressamente que


a lei anterior não vai mais produzir efeito.

2ª) Revogação Tácita: quando a lei posterior não determina expressamente


a revogação da lei anterior, mas em razão de sua incompatibilidade material revoga
a anterior.

3ª) Revogação Total: também conhecida como ab-rogação. Consiste em


revogar toda a lei.

4ª) Revogação Parcial: também conhecida como derrogação. Consiste em


revogar parte da lei.

OBSERVAÇÃO:

1. Atividade da Lei: ocorre quando a lei regula todas as situações durante


sua eficácia (vida). A regra para o Direito Penal é a Atividade da Lei.
2. Extra-atividade da lei: ocorre quando a lei mais benéfica tem eficácia,
mesmo depois de cessada sua vigência. Configura a exceção para o Direito Penal.
Ela pode ser:
2.1 Retroatividade da Lei: quando a lei regula situações passadas
ocorridas antes de sua vigência.

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2.2 Ultra-atividade da Lei: quando a lei regula situações mesmo após
perder sua vigência.

2.4 CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO

O Princípio tempus regit actum prescreve que em regra a lei rege os fatos
praticados durante sua vigência, combinando de forma harmoniosa com os
princípios da reserva legal e da Anterioridade da Lei Penal, respectivamente artigos
1º do CP e 5º, XXXIX da Constituição Federal. MIRABETE (1999) entende que,
apesar do que define o princípio tempus regit actum, por disposição expressa do
próprio Código Penal Brasileiro, é possível a ocorrência da retroatividade e da
ultratividade da lei penal.
Pelo Princípio da Anterioridade da Lei Penal a regra é a Irretroatividade da
Lei Penal, entrando em vigor lei mais severa que a lei anterior, a lei posterior não vai
alcançar o fato praticado anteriormente, continuando a ser aplicada a lei anterior,
ocorrendo a ultratividade da lei penal mais benigna. É o que diz o artigo 5º, inciso
XL da Constituição Federal: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
A retroatividade e a ultratividade são, portanto, fenômenos que excepcionam o
princípio da irretroatividade. Magalhães Noronha (1991) fala com maestria do
assunto ao explicar que é o próprio Direito Penal que estabelece a exceção: “a lei
penal que beneficiar o acusado (lex mitior) retroage”.

2.4.1 Hipóteses de Conflitos de Leis Penais no Tempo

Para uma melhor compreensão do item faz-se necessário o conhecimento


de alguns termos em latim, vejamos:
 lex mitior: lei melhor
 lex gravior: lei mais grave
 Novatio legis: nova lei

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 Abolitio criminis: Abolição do crime

São 4 (quatro) as hipóteses de conflito da lei penal no tempo, vejamos:

1ª) Abolitio Criminis: Surge este fenômeno toda vez que uma lei nova
(posterior) deixa de incriminar um fato anteriormente considerado crime. A Abolitio
Criminis está prevista no artigo 2º, caput do Código Penal, que diz: “Ninguém pode
ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude
dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.

Segundo ensinamentos de Mirabete sobre Abolitio Criminis:

Com exceção ao princípio da irretroatividade da lei penal, prevê a


Constituição Federal a retroatividade da lei mais benigna ao dispor que a lei
penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL). Em
consonância com esse princípio da retroatividade da lei mais benigna, de
aplicação obrigatória por se tratar de imposição constitucional, dispõe o
artigo sobre a denominada abolitio criminis, prevendo que ninguém será
punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime. (MIRABETE,
1999)

Consequência da Abolitio Criminis:


 Inquérito Policial e Processo Penal imediatamente trancados e extintos;
 Sentença Condenatória cessam execução, efeitos penais principais e
secundários, os efeitos extrapenais (fora do Direito Penal, ex:
Indenizações) não cessam;
 Não é possível Abolitio Criminis através de Medida Provisória e
Costumes.

2ª) Novatio legis Incriminadora: Nasce este fenômeno toda vez que lei
posterior (nova) tornar fato anteriormente não considerado crime pelo Direito Penal
como fato incriminado, ou seja, lei posterior cria um tipo até então inexistente no
ordenamento jurídico. É de observar que a lei posterior (nova) que cria novos fatos
incriminadores é irretroativa.

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Neste sentido Francisco de Assis Toledo (1994) é contumaz em afirmar:

A lei penal mais grave não se aplica aos fatos ocorridos antes de sua
vigência, seja quando se limita a agravar as consequências jurídico-penais
do fato, isto é, a pena ou a medida de segurança. Há, pois, uma proibição
de retroatividade das normas mais severas de direito penal material.

3ª) Novatio legis in pejus: Trata-se de fenômeno jurídico em que a lei


posterior (novatio legis/lei nova) agrava a situação do agente no caso concreto (in
pejus). Portanto esta hipótese de conflito surge no ordenamento jurídico toda vez
que lei nova, que não cria novos tipos criminosos, vem piorar a situação do agente
(réu, acusado). Esta lei posterior não atinge fatos praticados antes do início de sua
vigência (Princípio da Irretroatividade da lei mais severa).
Ante o princípio da retroatividade da lei penal benigna, a novatio legis in
pejus não tem aplicação na esfera penal brasileira. Excelente exemplificação da
ocorrência da Novatio legis in pejus nos é dada pelo ensinamento do Professor
Mirabete:

Nessa situação (novatio legis in pejus) estão as leis posteriores, em que se


comina pena mais grave em qualidade (reclusão em vez de detenção, por
exemplo) ou quantidade (de 2 a 8 anos, em vez de 1 a 4, por exemplo); se
acrescentam circunstâncias qualificadoras ou agravantes não previstas
anteriormente; se eliminam atenuantes ou causas de extinção da
punibilidade; se exigem mais requisitos para a concessão de benefícios
(MIRABETE, 1999)

4ª) Novatio legis in mellius: É a lei posterior (lei nova/novatio legis) que de
qualquer maneira favorece o agente no caso concreto (in mellius). A lex mitior (lei
melhor) é a mais benéfica, seja anterior (lei velha) ou posterior (lei nova) ao fato. É
de se notar que tanto na hipótese de abolitio criminis como na novatio legis in
mellius, a lei penal retroage aplicando imediatamente aos processos em curso e
aqueles com sentença transitada em julgado. Assim, lei nova é mais favorável ao
agente, retroage em razão do princípio da retroatividade da lei mais benigna.
Observações: Em se tratando de aplicação de lei poderiam surgir os
seguintes questionamentos:

AN02FREV001/REV 4.0

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1. Quem seria competente para aplicar a novatio legis in mellius?

Resposta: Processo em curso na 1ª Instância: Compete ao juiz de 1º Grau


a aplicação da lei mais benéfica. Processo 2º Grau (grau de recurso): cabe ao
tribunal responsável pelo julgamento do recurso.

2. A quem compete a aplicação da novatio legis in mellius após a


sentença transitada em julgado?

Resposta: Compete ao juiz da execução da pena e não ao tribunal. Tudo


conforme o artigo 66, inciso I da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/98), que diz:
“compete ao juiz da execução: I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de
qualquer modo favorecer o condenado” e artigo 13 do Decreto-Lei nº 3.931/41 (Lei
de Introdução ao Código de Processo Penal) que diz: “A aplicação da lei nova a fato
julgado por sentença condenatória irrecorrível, nos casos previstos no artigo 2º e seu
parágrafo, do Código Penal, far-se-á mediante despacho do juiz, de ofício, ou a
requerimento do condenado ou do Ministério Público”. Também no mesmo sentido é
a Súmula 611 do STF, de 17/10/1984, que diz “Sentença Condenatória Transitada
em Julgado - Competência na Aplicação de Lei Mais Benigna. Transitada em julgado
a sentença condenatória compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais
benigna”.

3. No campo do Direito Penal é possível a combinação de leis?

Resposta: A doutrina se divide em relação à possibilidade da combinação


de leis, vejamos:
Para aqueles que não admitem: Fernando Capez (2006) não é possível,
uma vez que, ao retirar parte de uma lei para usá-la em beneficio do agente, o seu
aplicador estaria estabelecendo uma terceira regra. Outros estudiosos do Direito,
como Nelson Hungria (1979), também caminham neste sentido, entendendo não ser
possível a combinação de lei anterior e posterior para efeito de extrair de cada uma
delas as partes mais benignas ao agente, porque, nesse caso, o juiz estaria

AN02FREV001/REV 4.0

39
legislando.
Para aqueles que admitem: Damásio de Jesus e Basileu Garcia aceitam a
combinação de leis. Justificam a possibilidade da combinação em razão de que o
magistrado não estaria legislando, mas apenas integrando normas, pois se o
magistrado pode aplicar o todo porque não aplicar uma parte.
Posição do STF: No HC 95.435, a Segunda Turma do STF entendeu pela
possibilidade de combinação de leis no tempo para favorecer o réu:

EMENTA: AÇÃO PENAL. Condenação. Pena. Privativa de liberdade.


Prisão. Causa de diminuição prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006.
Cálculo sobre a pena cominada no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76, e já
definida em concreto. Admissibilidade. Criação jurisdicional de terceira
norma. Não ocorrência. Nova valoração da conduta do chamado “pequeno
traficante”. Retroatividade da lei mais benéfica. HC concedido. Voto vencido
da Min. Ellen Gracie, Relatora original. Inteligência do art. 5º, XL, da CF. A
causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, mais
benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no
art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76”. (STF, HC 95.435, rel. Min. Cezar Peluso,
j. 21.10.08).

No entanto, neste RHC (94.802), a Primeira Turma do STF entendeu não ser
possível a combinação de leis penais no tempo, nem mesmo para beneficiar o réu,
sob o fundamento de que isto implicaria na criação de uma terceira lei pelo judiciário.
O STF deve levar o tema para o Pleno, porque divergências entre suas duas turmas
geram insegurança total.

4. Lei Benéfica (lex mitior) em vacância pode retroagir?

Resposta: É entendimento quase unânime de que não é possível, pois se a


lei ainda não está vigente (começou a produzir efeitos), não pode ser aplicada
(eficácia) e nem retroagir. É salutar citar o exemplo de Fernando Capez:

[...] até porque é possível a sua revogação antes mesmo de entrar em vigor,
como aconteceu com o art. 263 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), revogado pela Lei de Crimes Hediondos em pleno período de
vacatio legis. Por essa razão, não haverá aplicação retroativa até a entrada
em vigor da lei. (CAPEZ, 2006)

AN02FREV001/REV 4.0

40
5. Qual o tempo do crime para a fixação da lei penal aplicável?
Resposta: Depende do crime, vejamos:

Nos Crimes Permanentes: caso a execução tenha início sob a vigência de


uma lei, e continuando sob a vigência de outra lei, neste caso aplica-se a segunda
(mais nova), ainda que menos benéfica, uma vez que a conduta delitiva se prolonga
no tempo, então a todo instante renovam-se a ação e a incidência da nova lei.
Nos Crimes Continuados: uma lei nova deve ser aplicada, ainda que mais
grave, na sequência delitiva (série de crimes).

2.5 LEI EXCEPCIONAL OU TEMPORÁRIA

Previstas no artigo 3º do Código Penal. Possuem como características a


ultratividade e a autorrevogação, pois o seu próprio texto determina o prazo final de
sua vigência. Comportam duas espécies, a saber:
I. Leis temporárias: tem vigência previamente fixada pelo próprio texto da lei.
II. Leis excepcionais: são as destinadas a viger em situações de emergência.

Existe a hipótese da retroatividade da lei posterior para atingir fatos


regulados pela lei excepcional e temporária, qual seja, quando esta lei posterior for
mais benéfica e fizer expressa menção ao tempo (período) anormal de vigência. É
importante citar neste momento de estudo noções sobre crimes permanente,
habitual e continuado. Segundo o ensinamento de Mirabete:

Considerando-se que nos crimes permanentes e nos crimes habituais a


conduta e o resultado se prolongam no tempo, sobrevindo no decorrer da
execução do delito uma lei nova mais benéfica, será o agente beneficiado.
Entretanto, a superveniência de lei mais severa obriga a aplicação desta
com relação aos fatos e circunstâncias ocorridas já em sua vigência. Essa
regra não se aplica aos crimes instantâneos de efeitos permanentes, pois o
tempo do crime é o da ação, pouco importando que seus efeitos
permaneçam. Vigoram aqui as regras de aplicação da lei penal no tempo,
ou seja, de ultratividade e retroatividade da lei mais benéfica. Quanto ao

AN02FREV001/REV 4.0

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crime continuado, também será aplicada a lei mais severa sobrevinda à
anterior quando, na forma do art. 71, dois ou mais crimes foram praticados
na vigência desta. (MIRABETE, 1999)

2.6 TEMPO DO CRIME

Necessário se torna saber qual é o tempo do crime, ou seja, a ocasião, o


momento, a data em que se considera praticado o delito para a aplicação da lei
penal. O artigo 4º do Código Penal trás a solução: “Considera-se praticado o crime
no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”.
Três são as teorias a respeito da determinação do tempo do crime, vejamos:

1ª) Teoria da Atividade: considera-se como tempo do crime o momento da


conduta comissiva ou omissiva;

2ª) Teoria do Resultado: o crime é praticado no momento da produção do


resultado (consumação);

3ª) Teoria da Ubiquidade ou Mista: é a somatória das duas teorias acima,


ou seja, considera como tempo do crime tanto o momento da conduta como o do
resultado.

O Código Penal Brasileiro, nos termos do seu artigo 4º, adotou a Teoria da
Atividade que traz como principal consequência a imputabilidade do agente ser
aferida no instante em que o crime é praticado, não importando a data em que
venha o resultado ocorrer. O Professor Fernando Capez assim explica a aplicação
da Teoria da Atividade:

Um menor com 17 anos e 11 meses esfaqueia uma senhora, que vem a


falecer em consequência desses golpes três meses depois. Não responde
pelo crime, pois era inimputável à época da infração. No caso de crime
permanente, como a conduta se prolonga no tempo, o agente responderia
pelo delito. Assim, se o menor, com a mesma idade da hipótese anterior,
sequestrasse a senhora, ao invés de matá-la, e fosse preso em flagrante

AN02FREV001/REV 4.0

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três meses depois, responderia pelo crime, pois o estaria cometendo na
maioridade. (CAPEZ, 2006)

2.7 CONFLITO APARENTE DE NORMAS

2.7.1 Conceito

São situações antagônicas, ou melhor, conflito entre duas ou mais normas


que parecem aplicáveis ao mesmo fato. Assim surge o conflito pelo fato de mais de
norma desejar regular o fato. O estudioso do direito perguntaria: por que aparente?
A resposta seria bem simples: em razão de apenas uma delas ser de fato aplicada.

2.7.2 Elementos

Não seria totalmente errado referir-se a requisitos do Conflito Aparente de


Normas, pois sem a presença deles não há que falar em conflito. Vejamos estes
elementos:

1. Unidade do fato (uma só infração);


2. Pluralidade de normas (duas ou mais normas desejando reger);
3. Aparente aplicação de todas as normas (a incidência de todas não é
verdadeira é aparente);
4. Efetiva aplicação de apenas uma delas.

Para a solução do Conflito Aparente de Normas há três princípios que


buscam estabelecer qual seria a melhor norma aplicável àquele caso, os quais, ao
mesmo tempo em que excluem uma norma determinada indicam àquela que melhor
regula o caso concreto. Vejamos estes princípios:

AN02FREV001/REV 4.0

43
a) Princípio da Especialidade (Lex specialis derogat generall ou a lei
especial derroga a geral): É a norma que apresenta todos os elementos da geral e
mais outro denominado especializante, que traz um mínimo (minus) ou uma grande
(plus) severidade. É como irmãos gêmeos, em que um se distingue do outro em
razão de um sinal, uma cicatriz ou qualquer detalhe que o torne diferente, especial.
Na prática do Direito Penal temos a figura do infanticídio, que em tudo se
assemelha com o homicídio, mas possui alguns elementos especiais: a vítima tem
que ser o próprio filho da autora do crime e deve o delito acontecer durante o parto
ou logo após. O importante é destacar que a consequência do Princípio da
Especialidade é que a lei especial prevalece sobre a lei geral, em que esta última
não terá mais eficácia (incidência) sobre aquele fato.
Rogério Greco, tratando do assunto, diz que:

Em determinados tipos penais incriminadores há elementos que os tornam


especiais em relação a outros, fazendo com que, havendo uma comparação
entre eles, a regra contida no tipo especial se amolde adequadamente ao
caso concreto, afastando, desta forma, a aplicação da norma geral.
(GRECO, 2003)

É importante mencionar que o Princípio da Especialidade está


expressamente previsto no art. 12 do Código Penal: “As regras gerais deste Código
aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo
diverso”. Assim, as normas contidas na Parte Geral do Código Penal e em outros
artigos da Parte Especial do mesmo diploma legal – como, por exemplo, o artigo
150, §§ 3º e 4º (violação de domicílio) – possuem caráter geral e, nos termos do
artigo 12 do Código Penal, devem ser aplicadas aos fatos incriminados por lei
especial (Lei de Imprensa, Lei de Falências e outras).
Poderia se indagar como distinguir se é normal geral ou especial. A resposta
passaria por uma análise do fato praticado, comparando as descrições contidas nos
tipos penais, ou seja, basta uma leitura dos tipos penais incriminadores para saber
qual é a norma especial. Sendo de observar que a norma especial pode conter a
enumeração de crime mais leve ou mais grave. Outra não menos importante
observação refere-se ao tipo fundamental (caput do artigo, ou seja, aquele que

AN02FREV001/REV 4.0

44
descreve uma conduta típica), pois em relação a ele prevalecem os tipos
qualificados ou privilegiados, portanto estes dois tipos excluem o tipo fundamental.
É o que acontece com o artigo 155 do Código Penal, que trata do crime de
furto, quando fosse deixada de aplicar a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro)
anos e multa, no caso de incidir quaisquer dos tipos privilegiados contidos nos § 2º
ou qualificados previstos nos §§ 1º, 4º e incisos.

b) Princípio da Subsidiariedade (Lex primaria derogat subsidiariae ou


A Lei Primária Derroga a Subsidiária): Existirá a relação de primariedade e
subsidiariedade entre normas quando elas descreverem graus de violação de um
mesmo bem jurídico, de forma que a subsidiária descreve um grau de violação de
menor gravidade que a principal (lex primaria derogat subsidiariae). Como
consequência desse princípio temos que a norma primária prevalece sobre a
subsidiária, ou seja, primeiro aplica-se a norma primária e, em seguida, a subsidiária
será utilizada no caso da primária não se moldar ao fato.
Exemplo ímpar é balizado por Fernando Capez:

O agente efetua disparos de arma de fogo sem, no entanto, atingir a vítima.


Aparentemente três normas são aplicáveis: o art. 132 do Código Penal
(Periclitação da vida ou saúde de outrem); o art. 15 da Lei n. 10.826/2003
(disparo de arma de fogo); e o art. 14, II do Estatuto Repressivo (homicídio
tentado). O tipo definidor da tentativa de homicídio descreve um fato mais
amplo e mais grave dentro do qual cabem os dois primeiros. Assim, se ficar
comprovada a intenção de matar, aplica-se a norma primária, qual seja, a
da tentativa de homicídio; não demonstrando a voluntas sceleris (animus
necandi), o agente responderá pelo crime de disparo, o qual é considerado
mais grave do que a periclitação. (CAPEZ, 2006)

O princípio da subsidiariedade subdivide-se em duas espécies:

1. Subsidiariedade Expressa ou Explícita: A própria norma reconhece


expressamente o seu caráter subsidiário. Ela admite incidir somente se não ficar
caracterizado o fato de maior gravidade. Como exemplo da subsidiariedade,
expressa o crime de perigo para a vida ou saúde de outrem previsto no artigo 132 do
Código Penal: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena –
detenção, de 3 meses a 1 ano, se o fato não constituir crime mais grave”.

AN02FREV001/REV 4.0

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2. Subsidiariedade Tácita ou Implícita: A norma silencia diante do caso
concreto ocorrendo a subsidiariedade. Como exemplo da Subsidiariedade Tácita há
o crime de roubo previsto no artigo 157 do Código Penal, em que a vítima, mediante
emprego de violência, é constrangida a entregar o seu celular ao agente.
Aparentemente, incidem o tipo definidor do roubo (norma primária) e o do
constrangimento ilegal (norma subsidiária), sendo que o constrangimento ilegal, no
caso, foi apenas uma fase do roubo, além do fato de este ser mais grave. Da
simples comparação entre o crime de Constrangimento Ilegal (artigo 146/pena:
detenção de 3 meses a 1 ano, ou multa) e o crime de Roubo (artigo 157/pena:
reclusão, de 4 a 10 anos, e multa), ambos do Código Penal, prevalece o artigo 157
em razão da maior gravidade.

c) Princípio da Consunção (Lex consumens derogat consumptae ou A


Lei Mais Ampla Abrange a Mais Restrita): Trata-se do princípio em que um
determinado fato maior (mais amplo) e mais grave absorve outros fatos menos
amplos e graves, que atuam como etapa normal de preparação ou execução ou
exaurimento. O peixão engole o peixinho. É importante distinguir a Consunção da
Subsidiariedade. Na Subsidiariedade comparam-se normas para se saber qual será
aplicada, enquanto que na Consunção a comparação é estabelecida apenas entre
fatos (condutas) e não entre normas, ou seja, o fato mais grave absorve todos os
demais, o fato principal absorve o acessório, sobrando apenas a norma que o
regula. Como exemplo da Consunção compete citar os crimes de direção perigosa e
homicídio culposo no trânsito. Neste exemplo o fato (delito) menor (direção perigosa)
é absorvido pelo delito maior (homicídio culposo no trânsito), restando então apenas
o crime de homicídio culposo e, por conseguinte, a norma que o define.

d) Princípio da Alternatividade: Alguns tipos penais possuem mais de uma


forma de descrever o tipo, em que para a realização do crime é independente que
uma ou todas as figuras descritas apareçam. São os chamados crimes de ação
múltipla, como é exemplo o crime de Suicídio, artigo 122 do Código Penal: “Induzir
ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça”. O agente

AN02FREV001/REV 4.0

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responderá por um só delito. Apenas alguns doutrinadores reconhecem o crime de
ação múltipla como uma modalidade de conflito de normas.

2.8 LEI PENAL NO ESPAÇO

Cuida do lugar onde o crime é praticado, servindo como parâmetro para


solucionar situações em que um crime inicia sua execução em um determinado
território e a consumação dar-se em outro. Para esclarecer estas possíveis situações
o Direito Penal utiliza-se de alguns princípios, vejamos:

1. Princípio da Territorialidade: Previsto no artigo 5º, §§ 1º e 2º do Código


Penal Brasileiro:

Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de


direito internacional, ao crime cometido no território nacional. § 1º - Para os
efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as
embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do
governo brasileiro, onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e
as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se
achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
§ 2º - É também aplicável à lei brasileira aos crimes praticados a bordo de
aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-
se àquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo
correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil. (CÓDIGO
PENAL BRASILEIRO, art. 5°).

Fazendo uma análise simples do artigo acima, o Princípio da Territorialidade


afirma que a lei penal somente pode ser aplicada no espaço (território) do Estado
que a criou, não atendendo à nacionalidade do sujeito ativo ou passivo do delito ou o
titular do bem jurídico lesado. Para este princípio, os países devem aplicar as suas
leis aos crimes cometidos dentro de seu território jurídico. Este critério não é
absoluto. Para tanto, o Brasil adotou o Princípio da Territorialidade Temperada,
que diz:

AN02FREV001/REV 4.0

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A lei penal brasileira aplica-se, em regra, ao crime praticado em seu
território, porém a lei estrangeira será aplicada em crimes praticados em
parte ou total em nosso território, quando assim exigirem tratados e
convenções internacionais (Intraterritorialidade/de fora para dentro).

É importante analisar as situações de extensões do território nacional, uma


vez que o alto-mar não está sujeito a qualquer soberania dos Estados, vejamos:

A. Princípio do Pavilhão ou da Bandeira: As embarcações e aeronaves


são extensões do território do país em que estiverem registradas (bandeira). Os
navios e aeronaves de guerra são extensões do território nacional. Assim, os crimes
cometidos no interior deles terão aplicação das leis dos respectivos países. Isto não
se aplica aos delitos praticados fora das embarcações pelos tripulantes. Neste caso
estarão sujeitos à jurisdição penal do Estado em cujo território se encontram.

B. Navios e Aeronaves Públicas ou Privadas: Os navios oficiais (chefe de


Estado/representantes diplomáticos) são considerados extensões do território
nacional (mesmo comando do Princípio do Pavilhão). Já aos navios privados
(mercantes ou de propriedade privada) em mar de território estrangeiro aplica-se a
lei do país estrangeiro em alto-mar, e em mar territorial brasileira, a lei brasileira é a
aplicável.

Casos em que a legislação brasileira não tem incidência:

1. Imunidades Diplomáticas: Não pode ser preso nem processado sem


autorização de seu país. As sedes diplomáticas não são extensões do território do
país, mas são invioláveis (embaixador, corpo técnico da embaixada, familiares do
agente diplomático, chefes de Estado Estrangeiro que visitam o país, os
empregados particulares não gozam de imunidade);

2. Imunidades dos Parlamentares: Garantia dos parlamentares para o


exercício de suas funções. Previstas no artigo 53 da Constituição Federal: “Os
Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas

AN02FREV001/REV 4.0

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opiniões, palavras e votos”. A imunidade é irrenunciável, entretanto, não alcança os
parlamentares licenciados para ocupar outro cargo.

Seguem os tipos de imunidades previstas para os Parlamentares:

a) Imunidade Material ou Inviolabilidade Parlamentar: Os deputados e


senadores são invioláveis, civil e penalmente nos crimes de opinião (verbi gratia,
injúria, difamação, calúnia, entre outros), quando praticados no exercício de suas
funções (art. 53, caput da Constituição Federal). Nélson Hungria (1979) entende que
nas suas opiniões, palavras ou votos jamais se poderão identificar, por parte do
parlamentar, quaisquer dos chamados crimes de opinião ou crimes da palavra, como
os crimes contra a honra, incitamento a crime, apologia de criminoso e vilipêndio oral
a culto religioso, pois a imunidade material exclui o crime nos casos admitidos.
O fato típico deixa de ser crime porque a Constituição Federal afasta no
caso concreto a incidência da norma penal (excludente da antijuridicidade da
conduta típica). A Inviolabilidade, por opiniões, palavras e votos abrange os
parlamentares federais (art. 53, CF 88), os deputados estaduais (art. 27, § 1º, CF 88)
e, nos limites da circunscrição de seu Município, os vereadores (art. 29, VIII, CF 88).

b) Imunidade Formal: Imunidade que garante a quem está no exercício de


mandato eletivo a impossibilidade de ser ou permanecer preso ou ser processado
sem autorização de sua Casa Legislativa respectiva. Veja o que diz a Constituição
Federal:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por


quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

Foro Privilegiado: § 1º - Os Deputados e Senadores, desde a expedição do


diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal (não
alcança a causa de natureza civil).

Prisão: § 2º - Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso


Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse

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49
caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva,
para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão (nos crimes
afiançáveis jamais serão presos, nos inafiançáveis somente presos em flagrante
delito).

Processo: § 3º - Recebida à denúncia contra o Senador ou Deputado, por


crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa
respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da
maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação;
§ 4º - O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo
improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora; § 5º
- A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato. 8º -
Estas imunidades persistem no estado de sítio, somente 2/3 dos membros da
respectiva casa suspendem.

c) Imunidade para servir como Testemunha: § 6º - Os Deputados e


Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou
prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes
confiaram ou deles receberam informações.

2. Princípio da Extraterritorialidade: Princípio que possibilita a aplicação


da lei penal brasileira a fatos criminosos ocorridos em territórios de outros Estados.
Encontra-se previsto no artigo 7º do Código Penal:
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de
Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista,
autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;
II - os crimes:

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a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de
propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.
§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que
absolvido ou condenado no estrangeiro.
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das
seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a
extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar
extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.
§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra
brasileiro fora do Brasil, se reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.

Fernando Capez (2006) assim explica o princípio da extraterritorialidade:

Consiste na aplicação da lei brasileira aos crimes cometidos fora do Brasil.


A jurisdição é territorial, na medida em que não pode ser exercida no
território de outro Estado, salvo em virtude de regra permissiva, emanada
do direito internacional costumeiro ou convencional. Em respeito ao
princípio da soberania, um país não pode impor regras jurisdicionais a outro.
(CAPEZ, 2006)

O Princípio da Extraterritorialidade apresenta os seguintes tipos:

A) Incondicionada: A lei brasileira será aplicada, ainda que o agente seja


absolvido ou condenado no exterior, ou seja, não se subordina a qualquer condição.
São os previstos no artigo 7º, inciso I, a, b, c e d do Código Penal.

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B) Condicionada: São as hipóteses previstas no inciso II e § 3º. Para a lei
brasileira ser aplicada nestes casos faz-se necessário que satisfaça os requisitos
previstos no artigo 7º, § 2º, a, b e § 3º:

Para a aplicação do Princípio da Extraterritorialidade são necessários os


seguintes princípios:

1º) Princípio da Nacionalidade ou Personalidade Ativa (art. 7º, II, b, CP):


A lei do Estado do autor do crime é aplicada em qualquer lugar que o crime tenha
ocorrido, ou seja, a lei brasileira é aplicada em razão da nacionalidade do autor do
crime (sujeito ativo);

2º) Princípio da Nacionalidade ou Personalidade Passiva (art. 7º, § 3º,


CP): A lei brasileira é aplicada ao crime praticado por estrangeiro contra brasileiro.
Importa a nacionalidade do sujeito passivo;

3º) Princípio da Defesa Real ou Proteção (art. 7º, I, a, b, c): Importa à


nacionalidade do bem jurídico. Aplica-se a lei brasileira ao crime cometido fora do
Brasil, que afete interesse nacional;

4º) Princípio da Justiça Universal ou da Universalidade da Justiça

Cosmopolita (art. 7º, I, d, II, CP): Direito de todos os países em punir qualquer

crime;

5º) Princípio da Representação (art. 7º, II, c, CP): A lei brasileira será
aplicada aos crimes cometidos no estrangeiro em aeronaves e embarcações
privadas, desde que não sejam julgados no local do crime.

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FIM DO MÓDULO II

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MÓDULO III

3 TEORIA GERAL DO CRIME

3.1 CONCEITO DE CRIME

3.1.1 Conceito no Aspecto Material, Formal e Analítico

A doutrina do Direito Penal tem procurado definir o ilícito penal sob três
aspectos. É esta a inteligência nos ensinamentos de Mirabete:

Em um conceito formal, crime é toda conduta proibida por lei sob ameaça
de pena. No aspecto material, o ilícito penal pode ser conceituado como a
conduta definida pelo legislador como contrária a uma norma de cultura
reconhecida pelo estado e lesiva de bens juridicamente protegidos. No
aspecto analítico, a doutrina finalista moderna tem considerado o crime
como conduta típica, antijurídica e culpável. (MIRABETE, 1999)

Em tese não há como existir a figura delitiva se ela não for típica e
antijurídica, caso contrário teríamos a atipicidade do tipo. Os requisitos do crime são
genéricos (fato típico e antijuricidade) e específicos (maneiras como os requisitos
genéricos se manifestam no enquadramento da lei). A punibilidade não é requisito
do crime e, sim, consequência jurídica.
Para dirimir dúvidas faz-se necessário tentar explicar, se possível, a
diferença entre tipicidade e adequação típica. A primeira preocupa-se em
corresponder a conduta delitiva ao tipo legal sem levar em consideração a vontade
do agente, enquanto a segunda surge antes do enquadramento da conduta no tipo
legal, procurando verificar se houve de fato vontade do agente e, em seguida,
providencia o enquadramento. Para Fernando Capez (2006) é desnecessária essa
distinção, pois nada muda em termos de efeitos jurídicos. Fernando Capez (2006)
classifica a adequação típica em:

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1. Adequação Típica de Subordinação Imediata: aquela em que há
perfeita correspondência entre a conduta do agente e o tipo legal. Exemplo: agente
A dispara um projétil de arma de fogo contra a vítima B, que vem a morrer. Há
perfeita correspondência entre a conduta e o tipo legal de homicídio previsto no
artigo 121, CP.

2. Adequação Típica de Subordinação Mediata: aquela que não há


perfeita correspondência entre a conduta do agente e o tipo legal. Para resolver esta
situação utiliza-se do recurso de outra norma com o objetivo de alcançar a conduta
do agente, ou seja, existe uma conduta, porém ela de imediato não é enquadrada ao
tipo legal. Exemplo: no caso dos crimes tentados em que o agente querendo matar
não consegue o resultado pretendido.

3.2 FATO TÍPICO

Comportamento humano comissivo (ação) ou omissivo (omissão) que


provoca um resultado tipificado na lei como crime. Exemplo: A furta uma bicicleta de
B (art.155/Furto, CP). Seguem alguns conceitos importantes relacionados ao fato
típico:

1ª) Conduta Típica: ação praticada com dolo ou culpa que se enquadra no
tipo penal.
2ª) Antijurídica: no caso da conduta típica contrariar o ordenamento
jurídico.
3ª) Culpável: ação reprovável pelo ordenamento jurídico.

3.2.1 Elementos do Fato Típico

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1º) Conduta (ação ou omissão): toda ação ou omissão humana,
consciente e voluntária dirigida a um fim. Para a teoria finalista a conduta é o
comportamento humano dirigido a determinada finalidade (alteração das coisas do
mundo). Dolosa ou culposa. Em relação à conduta leciona Fernando Capez (2006):

Não se preocupa o direito criminal com os resultados decorrentes de caso


fortuito ou força maior, nem com a conduta praticada mediante coação
física, ou mesmo com atos derivados de puro reflexo, porque nenhum deles
poderia ter sido evitado. (CAPEZ, 2006)

Elementos da Conduta:

1. Vontade
2. Finalidade
3. Exteriorização (fora do pensamento)
4. Consciência

OBSERVAÇÕES:

1ª observação: Somente realizam condutas os seres dotados de vontade e


consciência, assim só as pessoas praticam condutas. Estão excluídos animais
irracionais e fenômenos da natureza.
2ª observação: Não exclui a conduta a coação moral irresistível (vis
compulsivas).
3ª observação: Exclui a conduta a coação física (vis absolutas).

Formas de conduta:

1. Ação: comportamento positivo, praticar um movimento;


2. Omissão: comportamento negativo, abster de praticar um movimento.

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Formas de condutas omissivas:
1. Crimes omissivos próprios: não existe o dever jurídico de agir. O
agente só responderá penalmente se houver tipo penal incriminador descrevendo a
omissão. Ex: Artigo 135 do Código Penal (omissão de socorro).
2. Crimes omissivos impróprios: neste caso o agente tem o dever de agir.
Existe a norma que de forma imperativa manda o agente agir.
3. Omissivos por omissão: neste tipo de crime existe uma ação que
provoca a omissão.

O caso fortuito e a força maior excluem o dolo (o agente tem a intenção de


praticar o fato e produzir determinado resultado) e a culpa (o agente não possui a
intenção de prejudicar o outro, ou produzir o resultado). Portanto, como o caso
fortuito e a força maior excluem o dolo e a culpa, a conduta também fica excluída,
não havendo crime. É importante destacar que sem conduta não há fato típico.

2º) Resultado: modificação do mundo exterior causada pela conduta. O


resultado só existe nos crimes de mera conduta (aquele em que o resultado não é
relevante, a lei se contenta apenas com a ação ou omissão do agente. Exemplo:
porte ilegal de arma, violação de domicílio).

3º) Nexo Causal: relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado


(salvo nos crimes de mera conduta e formais/não há necessidade de ocorrer aquilo
que o agente pretende Ex: art. 147 do Código Penal). Neste delito, a consumação
dá-se com a prática do fato, (não se exigindo que a vítima realmente fique
intimidada).

4º) Tipicidade: é a correspondência exata, a adequação perfeita entre o fato


natural, concreto e a descrição contida na norma penal incriminadora.

Fernando Capez (2006) assim define tipicidade:

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É a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral
correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo
descritivo constante na lei (tipo legal). Para que a conduta humana seja
considerada crime é necessário que se ajuste a um tipo legal. (CAPEZ,
2006)

Aqui se faz necessário definir o que seja conduta comissiva e omissiva,


vejamos:
Condutas Comissivas: São comportamentos que denotam uma ação. A
norma manda não fazer e o agente fez.
Condutas Omissivas: Denotam uma inação. A norma manda o agente agir
e ele não age. Como bem leciona Fernando Capez (2006):

Existem normas jurídicas que ordenam a prática de ações para a produção


de resultados socialmente desejados ou para evitar resultados indesejáveis
socialmente. Assim, quando a norma impõe a realização de uma conduta
positiva, a omissão dessa imposição legal gera a lesão da norma
mandamental. Logo, a norma é lesionada mediante a omissão da conduta
ordenada. (CAPEZ, 2006)

3.3 TEORIA DO TIPO

Em razão do objetivo do curso em si, aqui será apresentada uma


abordagem não superficial, mas sim lógica. A parte especial do Código Penal
Brasileiro encarrega-se de enumerar os tipos que incriminam as condutas delitivas
com as suas respectivas sanções. Estes tipos incriminadores são simples (básicos),
neste sentido, para uma melhor compreensão é salutar citar a figura do artigo 147
do Código Penal Brasileiro, que trata do crime de ameaça, em que se constata um
tipo básico. Ainda existem nos tipos incriminadores circunstâncias que aumentam ou
diminuem a pena (Exemplo: artigo 121, Crime de Homicídio/qualificado/privilegiado,
do Código Penal).
As causas que aumentam ou diminuem a pena têm funcionalidade de
agravantes ou atenuantes. As primeiras atribuem um aumento matemático preciso
(exemplo: artigo 136, § 3º, do Código Penal, crime de maus-tratos) ou número com

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limite variável (exemplo: artigo 37, parágrafo único, Crime de Rixa, Código Penal). É
importante deixar claro que existem também causas que aumentem ou diminuem a
pena prevista na parte Geral do Código Penal.
No caso do magistrado deparar-se com fato concreto em que ocorrerá
aplicação concomitante de causas de aumento da pena na parte geral e na parte
especial; o juiz aplicará a que mais aumente a sanção (mesmo raciocínio para causa
de diminuição na parte geral e especial). Não confunda causas de aumento com
agravantes e nem causas de diminuição com atenuantes.
Em termos de circunstâncias o Código Penal faz referência às objetivas
(reais) e às subjetivas (sujeito). Assim, as circunstâncias objetivas seriam aquelas
que não tratam da qualidade do sujeito, enquanto que as circunstâncias subjetivas
tratam. Somente as circunstâncias subjetivas atingem outros agentes participantes
do tipo incriminador (coautores e partícipes).

3.3.1 Elementos do Tipo

O núcleo, geralmente o comportamento reprovável, vem designado por


verbos (ex: artigo 121, Crime de Homicídio, matar alguém, CP).

3.3.2 Objetos do Crime

Aquilo lesionado pela conduta criminosa do agente.

1º) Objeto Jurídico: É o bem juridicamente protegido pela norma penal. É


importante compreender o objeto jurídico, pois ele de certa forma pode vir a ser
confundido com o objeto material. No artigo 121 do Código Penal (homicídio) o
objeto jurídico é a vida; no crime previsto no artigo 155 do Código Penal (furto) o
objeto jurídico é o patrimônio.

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2º) Objeto material da figura delitiva são coisas e pessoas que são
atingidas de alguma forma pela conduta criminosa do sujeito ativo. No artigo 121 do
Código Penal (homicídio) o objeto material é vida; no crime previsto no artigo 155 do
Código Penal (furto) o objeto material é a coisa alheia.

3.3.3 Sujeitos do Crime

1º) Sujeito Ativo: Segundo os ensinamentos de Luis Regis Prado (2008):

Sujeito ativo, autor ou agente, é todo aquele que realiza a ação ou omissão
típica, nos delitos dolosos ou culposos. Ou seja, é aquele cuja atividade é
subsumível ao tipo legal incriminador. O conceito penal de autor stricto
sensu deve ser deduzido de cada um dos tipos de injusto. Apenas pode ser
sujeito ativo do delito a pessoa humana e não os animais ou as coisas
inanimadas como ocorria na Antiguidade ou na Idade Média. (PRADO,
2008)

Diante das colocações do eminente jurista, não há dúvida da definição do


que vem a ser sujeito ativo do tipo incriminador, ou seja, aquele que prática a figura
típica incriminadora descrita nos artigos da lei penal. O Código Penal não traz em
seus tipos incriminadores quem seja o sujeito ativo, neste caso os doutrinadores do
Direito Penal chamam de delito comum, pois o sujeito ativo pode ser qualquer
pessoa (exemplo: artigo 121, crime de Homicídio, CP), porém certos tipos
incriminadores especificam o sujeito ativo, são os chamados crimes próprios, pois os
sujeitos ativos são aqueles especificados na lei (exemplo: artigo 317, Corrupção
Passiva, praticado por funcionário público, CP).
Os animais irracionais não podem praticar crimes. O cão, por exemplo, não
é sujeito ativo de crime e sim instrumento dele.

2º) Sujeito Passivo: Aproveitando os ensinamentos de Luis Regis Prado


(2008):

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Sujeito passivo do delito, a seu turno, é o titular do bem jurídico lesado ou
ameaçado de lesão: aquele que tem a titularidade do bem jurídico protegido
pela norma penal. Ou, ainda, é o titular do interesse cuja ofensa constitui a
essência do crime. Podem figurar como sujeitos passivos vítimas,
ofendidos, a pessoa física ou o indivíduo, mesmo incapaz, o conjunto de
indivíduos, a pessoa jurídica, a coletividade, o Estado ou a comunidade
internacional, de acordo com a natureza do delito. (PRADO, 2008)

Sujeito Passivo do tipo incriminador nada mais é do que o titular do bem


protegido pela norma. Não existe nenhum impedimento legal para que em
determinado tipo incriminador ocorra que dois ou mais sujeitos passivos sejam
atingidos pela conduta delitiva de um ou mais sujeitos ativos. Importante observação
se faz necessário no momento em razão da similitude entre objeto material do tipo
incriminador com o Sujeito Passivo, pois em alguns fatos concretos eles se
confundem, como ocorre com o crime de homicídio (artigo 121, CP).

QUESTÕES IMPORTANTES

1ª) Uma questão importante a ser levantada se refere à passividade do


morto. Ele não pode ser sujeito passivo de nenhum crime, pois não é titular de
direitos, podendo ser objeto material do crime. No caso de alguma conduta que seja
praticada contra o morto estará tipificado o crime previsto no artigo 209
(impedimento ou perturbação de cerimônia funerária), do Código Penal, e o sujeito
passivo não será ele e, sim, seus entes ou a própria coletividade.

2ª) Outra questão levantada diz respeito à possibilidade da pessoa jurídica


vir a ser titular do bem jurídico lesado (sujeito passivo). É entendimento doutrinário
que a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de certos crimes, desde que a
descrição típica não pressuponha uma pessoa física (exemplo artigo 155/crime de
furto, CP). Assim, não é possível que a pessoa jurídica seja vítima do crime de
homicídio.
Não existe possibilidade no mundo do direito de ocorrer no mesmo tipo
incriminador os elementos do sujeito ativo e do sujeito passivo (ninguém pode
cometer crime contra si mesmo). O estudante mais atento poderia questionar: e no

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crime de suicídio previsto no artigo 122 do Código Penal, quem seria o sujeito ativo
e passivo? Para esta resposta trago os ensinamentos do Professor Mirabete (1999):

O tipo previsto no art. 122, participação em suicídio alheio, é crime comum,


podendo ser praticado por qualquer pessoa que execute uma das condutas
descritas no tipo. Sujeito passivo é o ser humano que, tendo alguma
capacidade de resistência à conduta do sujeito ativo, possa ser induzido,
instigado ou auxiliado. (MIRABETE, 1999)

O que se pune nos crimes de suicídio é a conduta do terceiro que, de


alguma forma, instiga ou auxilia o suicida. Caso o possível suicida sofra alguma
lesão corporal, a sua conduta não será punida, mas a do terceiro sim. Para dirimir
quaisquer dúvidas em relação a estes conceitos, seguiremos com exemplo
explicativo:
Artigo 155 do Código Penal/Crime de Furto
Núcleo: Subtrair
Objeto Jurídico: Patrimônio
Objeto Material: Coisa móvel alheia sobre a qual incide a subtração.
Sujeito Ativo: Realiza a ação.
Sujeito Passivo: titular do bem protegido pela norma.

3.4 SUPERVENIÊNCIA CAUSAL

Na definição de Fernando Capez (2006), superveniência causal seria toda e


qualquer condição que de alguma forma atua paralelamente à conduta, interferindo
no processo causal. O Código Penal adotou a Teoria da Equivalência dos
Antecedentes conditio sine qua non (artigo 13, caput do Código Penal). Assim,
toda e qualquer conduta que tenha de alguma forma contribuído para o resultado
deve ser considerada como causa.
O que se deve analisar em cada caso concreto – como leciona Fernando
Capez (2006) – é o critério da eliminação hipotética, segundo o qual toda vez que se
exclui um fato, e mesmo assim o resultado ocorrer, é sinal que o fato não foi causa

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do resultado. Em relação à responsabilidade, ela é limitada na cadeia da causa, uma
vez que o empresário que trabalha na legalidade de vendas de arma de fogo não
pode ser responsabilizado pelos crimes de Homicídio.

3.4.1 Espécies de Causas

1. Causa Dependente: Aquela em que causa e efeito (resultado) estão


intimamente ligados. Exemplo: conduta de atirar em direção à vítima X. Em relação
à causa, insere-se na linha de desdobramento da causa da conduta de atirar em X
os seguintes efeitos: hemorragia de algum órgão vital de X, morte de X... Logo,
conclui-se que há uma relação de interdependência entre conduta e resultado e só
existe o posterior se existir o anterior e vice-versa.

2. Causa Independente: Aquela em que o resultado ocorre independente


da conduta do agente.

Segundo Fernando Capez (2006):

É aquela que foge ao desdobramento causal da conduta, produzindo, por si


só, o resultado. Seu surgimento não é uma decorrência esperada. Lógica
natural do fato anterior, mas, ao contrário, um fenômeno totalmente
inusitado, imprevisível. (CAPEZ, 2006)

É exemplo de causa independente a pessoa que vem a falecer de parada


cardíaca em razão de um susto. Inserida como subespécies das causas
independentes, são:

1ª) Causa absolutamente independente: Não possui nenhuma relação


com a conduta;

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2ª) Causa relativamente independente: Tem relação com a conduta.

Em seguida, para ocorrer um aproveitamento maior no curso, serão


introduzidos exemplos esclarecedores como forma prática de aprendizagem:

3.4.2 Espécies de Causa Absolutamente Independente

São as seguintes as espécies de causa absolutamente independente:

1. Preexistente (existe causa que atuou antes da conduta): Exemplo:


Fulano A atira em Fulano B, mas este não vem a morrer dos tiros e, sim, de uma
causa anterior que poderia ser um envenenamento provocado pelo Fulano C.

2. Concomitante (existe causa que atuou juntamente com a conduta):


Exemplo: Fulano A está envenenado por Fulano B, de repente outro Fulano C surge
no mesmo instante, atira e mata o Fulano A.

3. Superveniente (existe causa que atuou depois da conduta): Exemplo:


Fulano A envenenou Fulano B, antes do Fulano B falecer em razão do
envenenamento o Fulano C atira e mata o Fulano B.

Consequências das Causas Absolutamente Independentes: Por


romperem totalmente com o nexo causal o sujeito ativo do fato só responderá pelos
atos até então praticados. Nos três exemplos acima, o Fulano A não foi responsável
pela morte do Fulano B; assim, não pode ser tipificada sua conduta no artigo 121
(homicídio) do Código Penal. A conduta do Fulano A é tipificada no artigo 121
combinado com o artigo 14, parágrafo único, do Código Penal (tentativa de
homicídio).

3.4.3 Espécies de Causa Relativamente Independente

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São as seguintes as espécies de causa relativamente independente:

1ª) Preexistente: Exemplo: Fulano A desfere golpes de facadas em Fulano


B e este, que é hemofílico, vem a falecer em razão do golpe de faca desferido pelo
Fulano A, somado à sua condição de saúde.

2ª) Concomitante: Exemplo: Fulano A atira em Fulano B e ele vem a falecer


em razão de uma parada cardíaca.

3ª) Superveniente: Exemplo: Fulano A atira no Fulano B e imediatamente o


Fulano B é socorrido e transportado em uma ambulância, no trajeto para o hospital a
ambulância colide com um poste e o Fulano B vem a falecer.
Consequências das Causas Relativamente Independentes:

1ª) Preexistente e Concomitante: Não há eliminação do nexo causal. Nos


exemplos das causas Preexistente e Concomitante com base na Teoria da
Equivalência dos Antecedentes o Fulano A responderá pelo resultado (morte).

Teoria da Equivalência dos Antecedentes (conditio sine qua non): Toda e


qualquer conduta que, de algum modo, tiver contribuído para a produção do
resultado deve ser considerada sua causa. Está é a teoria adotada pelo Código
Penal Brasileiro.

2ª) Superveniente: Neste caso o Código Penal adotou o artigo 13, § 1º:

Artigo 13: O resultado, de que depende a existência do crime, somente é


imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão
sem a qual o resultado não teria ocorrido. § 1º - A superveniência de causa
relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu
o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.
(CÓDIGO PENAL, art. 13, § 1º).

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Há, portanto, o rompimento do nexo causal. Neste caso a nossa legislação
adotou a Teoria da Condicionalidade Adequada. Trata-se de uma exceção à
Teoria da Equivalência dos Antecedentes. O nexo causal foi rompido, uma vez que
ele não produziu por si só o resultado.
Teoria da Condicionalidade Adequada: Um determinado evento somente
será produto da ação humana quando tiver sido apto e idôneo a gerar o resultado.
No exemplo supra a conduta do atirador não é adequada à morte da vítima a
caminho para o hospital.
É de se observar através da análise do uso da exclusão hipotética que
nenhuma causa relativamente independente tem força para eliminar o nexo causal.
No caso da causa relativamente superveniente deu-se a exceção em razão do artigo
13, § 1º, do código Penal ter adotado a Teoria da Condicionalidade adequada, pela
qual o Fulano A não responderá pelo crime de Homicídio, mas sim pelo crime de
homicídio tentado.

Observação: Segundo o Professor Fernando Capez (2006), no caso das


complicações cirúrgicas e infecção hospitalar, cujas causas supervenientes
estiverem na mesma linha de desdobramento físico ou anatomopatológico da ação,
os seus resultados serão atribuídos a quem os causou (agente). Continua o
professor em seu magistério trazendo exemplo da jurisprudência para deixar bem
clara esta observação proposta. Exemplo: Choque anestésico por excesso de éter
ou imprudência dos médicos operadores. Neste caso, por não romperem com o
nexo causal, o agente causador responderá pelo resultado a título de dolo ou culpa.

3.5 CRIME DOLOSO

Segundo o professor Luis Regis Prado:

Age dolosamente o agente que quer a realização dos elementos da


situação fática ou objetiva, sejam descritivos ou normativos, que integram o
tipo legal de delito. O dolo é, de certo modo, a imagem reflexa subjetiva do
tipo objetivo da situação fática representada normativamente. A conduta

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dolosa é mais perigosa e deve ser punida mais gravemente do que a
culposa. (PRADO, 2008)

O Código Penal brasileiro define de modo expresso o dolo em seu artigo 18,
inciso I: “[...] quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”.
Para Fernando Capez (2006), dolo é a vontade, a consciência de realizar os
elementos constantes do tipo legal. Mais amplamente, dolo é a vontade manifestada
pela pessoa humana de realizar a conduta. São elementos do dolo a vontade
(elemento volitivo de realizar esse fato) e a consciência (do fato, do resultado, do
nexo causal).

O artigo 18, I, CP adotou, em relação ao dolo, as seguintes teorias:

1ª) Teoria da Vontade: define o dolo como a vontade de realizar a conduta


e produzir o resultado.

2ª) Teoria do Assentimento: dolo é a previsão do resultado com a


aceitação do risco de produzi-lo.

3.5.1 Espécies de Dolo

1º) Dolo Direto ou Determinado: Aquele em que o agente deseja


determinado resultado. O agente quer o resultado.
2º) Dolo Indireto ou Indeterminado: Aquele em que o resultado desejado
não é preciso. Este tipo de dolo inclui o dolo alternativo (o agente quer entre dois ou
mais resultados, qualquer um deles serve. Ex: Fulano A atira em Fulano B para
matar ou ferir) e o dolo eventual (o agente não quer o resultado, mas sabendo que
ele possa ocorrer aceita o risco de causá-lo).
3º) Dolo de Dano: O agente quer ou assume o risco de causar lesão ao
bem jurídico.

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4º) Dolo de Perigo: O agente apenas quer expor o bem jurídico a um perigo
efetivo.

5º) Dolo Genérico: O agente tem vontade de realizar a conduta sem um


resultado (fim) específico (não previsto no tipo legal).
6º) Dolo específico: O agente tem vontade de realizar a conduta agora com
um resultado (fim) específico (previsto no tipo legal).

3.6 CRIME CULPOSO

Tipo previsto no artigo 18, inciso II do Código Penal brasileiro que diz: “[...]
culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou
imperícia”. Para Mirabete, o conceito de culpa no sentido estrito é:

De acordo com o art. 26 do Código Penal, age com culpa em sentido estrito
quem realiza o fato legalmente descrito por inobservância do dever de
cuidado que lhe incumbe, de acordo com as circunstâncias e suas
condições pessoais e, no caso, representá-lo como possível, se conduz na
confiança de poder evitá-lo. Segue a doutrina segundo a qual o crime
culposo é a conduta voluntária (ação ou omissão) que produz o resultado
antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que
podia, com a devida atenção ser evitado. (MIRABETE, 1999)

Assim como o dolo, a culpa possui seus elementos, a saber:

1. A conduta (ação ou omissão voluntária).


2. A inobservância do dever de cuidado objetivo (cautela que todo ser
humano deve obedecer, respeitando suas condições pessoais).
3. O resultado lesivo.
4. A relação de causalidade.
5. A previsibilidade (possibilidade de prever o evento).
6. A tipicidade. Na ausência de um dos elementos da culpa surge o caso
fortuito ou a força maior.

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3.6.1 Modalidades de Culpa

1ª) Imprudência: o agente atua com precipitação. Ex: Ultrapassagem


proibida.
2ª) Negligência: o agente não atua. Ex: Deixar arma ao alcance de criança.
3ª) Imperícia: falta de conhecimentos teóricos ou práticos no exercício de
arte ou profissão. Ex: Prática de curandeirismo.

Aqui é importante diferenciar a imperícia do erro médico: este acontece


quando o médico, conhecendo o exercício teórico e prático de sua profissão chega,
por exemplo, à conclusão errada em laudos ou procedimentos, não sendo o fato
incriminador (típico). Somente será considerado crime culposo as faltas exorbitantes
dos médicos. A imperícia não é praticada somente por médicos, mas também por
outros profissionais.

3.6.2 Espécies de Culpa

1ª) Culpa Inconsciente: É a culpa em que o agente não prevê o que era
previsível. O agente não tem conhecimento do que sua conduta lesiva provocou ao
bem jurídico protegido pela norma. O sujeito ativo não prevê o resultado.

2ª) Culpa Consciente: É a culpa em que o agente prevê, embora não


aceite. O agente tem conhecimento de que sua conduta lesiva poderia provocar um
perigo ao bem jurídico protegido pela norma, mas ele afasta de imediato por
entender que é hábil o bastante para impedir o evento lesivo. O sujeito ativo prevê o
resultado, mas espera que ele não aconteça. A culpa consciente aproxima-se do
dolo eventual, mas na realidade são diferentes. Na Culpa Consciente o agente prevê
o resultado, mas o afasta por confiar em sua habilidade, já no Dolo Eventual o

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agente não quer o resultado, mas sabendo que ele possa ocorrer aceita o risco de
causá-lo.

3ª) Culpa Imprópria ou Culpa por Extensão, por Equiparação ou por


Assimilação: O agente quer o resultado, porém acredita que sua conduta é legal,
ou seja, pensa por erro inescusável (o agente sabe que sua conduta lesa um bem
jurídico, mas falta por parte dele o emprego normal de diligências) que sua conduta
está protegida por uma causa que justifique. O sujeito ativo pratica a conduta ilícita
pensando que ela está protegida por uma das causas de exclusão de ilicitude
(estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e
exercício regular do direito).
Segue abaixo exemplo do Professor Fernando Capez para facilitar a
compreensão da Culpa Imprópria:

“A” está assistindo a um programa de televisão quando seu primo entra na


casa pela porta dos fundos. Pensando tratar-se de um assalto, “A” efetua
disparos de arma de fogo contra o infortunado parente, certo de que está
praticando uma ação perfeitamente lícita, amparada pela legítima defesa. A
ação em si é dolosa, mas o agente incorre em erro de tipo essencial (pensa
estarem presentes elementares do tipo permissivo da legítima defesa), o
que exclui o dolo, subsistindo a culpa, em face da evitabilidade do erro.
(CAPEZ, 2006)

Na conduta culposa imprópria o sujeito ativo responde pelo crime culposo,


se no caso for previsto pelo Código Penal. Incide o erro de tipo evitável, que exclui o
dolo, subsistindo a culpa na forma do artigo 2º, § 1º do Código Penal (assunto a ser
discutido a seguir). Em posição divergente da doutrina Luis Flávio Gomes entende
que não existe a culpa imprópria. O agente neste caso atua dolosamente.

Observação: O Direito Penal, diferentemente do Direito Civil, não admite a


compensação de culpa. Assim, se dois agentes agem culposamente um contra o
outro cada um responderá por sua culpa.

4ª) Culpa Presumida: Não é mais prevista na nossa legislação.

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A respeito da participação nos crimes culposos Luis Flávio Gomes (2005)
assim discorre sobre esta questão no seguinte sentido:

Quando várias pessoas participam de um crime doloso, na atualidade, tudo


pode ser resolvido pela chamada teoria do domínio do fato, distinguindo-se
com clareza a autoria, a coautoria e a participação. O crime doloso admite
coautoria, participação, autoria mediata (uma pessoa se vale de outra para
cometer o crime) e atuação dolosamente distinta (quem quis participar de
crime menos grave, responde pelo crime menos grave – CP, art. 29, § 2º).
Rege o assunto a teoria monista ou monística que diz: quem concorre para
o resultado responde por ele (CP, art. 29). Algumas exceções existem (são
as chamadas exceções pluralísticas à teoria monista). O denominado crime
de mão própria (crime que exige a atuação pessoal do agente – v. g: falso
testemunho) também já não apresenta tanta dificuldade porque se sabe que
ele não admite coautoria, mas é compatível com a participação; não se
concilia com a autoria mediata e tampouco com a atuação dolosamente
distinta. Problemático é o tema da participação de várias pessoas no crime
culposo, que é uma espécie de “crime de dever” (visto que exige o dever de
observância do cuidado objetivo necessário). Os caminhos possíveis para
solucionar a questão passam: (a) pela coautoria nos crimes culposos; (b) ou
pela participação ou (c) pelo instituto da autoria colateral. (GOMES, 2005)

Observação: Em relação à participação em crime culposo a jurisprudência é


quase unânime em não admiti-la. Há duas posições diferentes. Veja o seguinte
exemplo: no caso de passageiro instigar motorista de veículo para que ele aumente
a velocidade, ultrapassando o limite previsto na via, vindo a atropelar e matar um
transeunte.
1ª Posição: Não admite participação em crime culposo. Ambos (motorista e
passageiro) respondem como autores do crime de homicídio. Não seria correto o
motorista responder como sujeito ativo do crime culposo e o passageiro como
partícipe.
2ª Posição: Admite participação em crime culposo. Quem pensa nesse
sentido entende que para a conduta principal, só é autor aquele que pratica a
conduta principal. No exemplo, somente o motorista responderia como sujeito ativo
do crime de homicídio culposo, enquanto o passageiro responderia como partícipe.
Luis Flávio Gomes (2005) tem a seguinte posição para o exemplo em tela:
Solução penal: concorrência de culpas na forma de “crimes culposos paralelos”
(cada um responde pelo seu crime culposo, pela sua culpa).

AN02FREV001/REV 4.0

73
3.7 CRIME PRETERDOLOSO

Antes de ser apresentada a definição do crime preterdoloso, faz-se


necessário entender o que vem a ser Crime Qualificado pelo resultado. Para
Fernando Capez (2006), o crime qualificado pelo resultado é aquele em que a
norma incriminadora, após detalhar com todos os elementos essenciais em uma
conduta típica, vai mais além para inserir uma agravante da sanção. O crime
qualificado pelo resultado é constituído de duas fases:

1ª Fase: prática de um crime completo (ex: Roubo/art. 157, caput, CP).


2ª Fase: prática de um resultado agravado (ex: Roubo seguido de
morte/Latrocínio/art. 157 § 3º, 2ª parte, CP).

É importante salientar que no caso de latrocínio, quando a morte é causada


por apenas um dos agentes, e houver a participação de outros, a doutrina entende
que é irrelevante identificar quem desferiu o golpe que matou a vítima. Ainda mais,
não importa que a pessoa morta seja a mesma que tinha a posse do bem subtraído
e que o agente tenha previsto o resultado final.
O crime qualificado pelo resultado é um só crime que se dá pelo somatório
de duas ou mais condutas criminosas independentes. Agora sim é possível definir o
crime preterdoloso: crime qualificado pelo resultado em que a conduta do agente
produz um resultado mais grave que o pretendido. Como diz a doutrina, o agente
atua com dolo no antecedente e culpa no consequente.

3.8 CONTAGEM DE PRAZO NO DIREITO PENAL

O artigo 10 do Código Penal prescreve a contagem de prazo no Direito


Penal: “O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os
meses e os anos pelo calendário comum”. Este artigo disciplina a contagem de

AN02FREV001/REV 4.0

74
prazo no Direito Penal, que é empregada nos casos de duração de pena, do
livramento condicional, do sursis, da decadência e da prescrição, todos institutos do
direito penal.
Existe crítica doutrinária à contagem penal prevista no artigo 10 do Código
Penal, uma vez que não define qual seria o calendário comum a ser adotado
(gregoriano, Juliano, judaico, romano, árabe, islâmico). Para a contagem penal no
que tange ao dia não importa a que horas do dia o prazo começou a contar (correr).
Para este efeito, o dia termina às 24 (vinte e quatro) horas. No caso de uma
determinada pena iniciar o seu cumprimento às 23h55min, os cinco minutos são
considerados para a contagem da pena como sendo o dia todo.
Em relação ao mês, não importa se são de 30 (trinta) ou 31 (trinta e um)
dias. No que se refere ao ano o modo de contagem é o mesmo usado para o mês,
ou seja, não importa se o ano é bissexto ou com 365 dias. Exemplo prático é
lecionado por Fernando Capez (2006), em que cita o caso de alguém que foi
condenado à pena de 6 anos, 9 meses e 23 dias para cumprir. O condenado
começa a cumprir pena às 19h27min do dia 5 de agosto de 2003. Qual seria a data
do término?

Fase 1ª: Primeiro acha-se o número de anos que ele tem a cumprir:
2003 (início da pena) + 6 (condenação) = 2009 (término da pena). Assim, no
primeiro passo o condenado terminaria de cumprir a pena em 05 de agosto de 2009,
mas ainda falta encontrar os números de meses.

Fase 2ª: Segundo acha-se o número de meses:


Agosto (mês de início da pena) de 2009 (resultado 1º passo) + 9 meses
(número de meses condenado) = maio de 2010 (somando 9 meses a agosto resulta
o mês de maio em outro ano). Assim, no segundo passo o condenado terminaria de
cumprir a pena em 5 de maio de 2010, mas ainda falta encontrar o número de dias.

Fase 3ª: Terceiro acha-se o número de dias:


5 (dia do início do cumprimento da pena) de agosto + 23 (número de dias da
condenação) = 28.

AN02FREV001/REV 4.0

75
Analisando os resultados obtidos nas etapas concluímos que o agente que
foi condenado à pena de 6 anos, 9 meses e 23 dias e que iniciou o seu cumprimento
em 5 de agosto de 2003 terá a pena totalmente cumprida no dia 27 de maio de 2010
(não seria no dia 28 de maio, uma vez que o dia do começo nos termos do artigo 10
do código Penal deve ser computado).

3.9 PENA CUMPRIDA NO ESTRANGEIRO

Antes de qualquer coisa faz-se necessário transcrever o artigo 8º do Código


Penal, que trata da pena cumprida no Estrangeiro: “A pena cumprida no estrangeiro
atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é
computada, quando idênticas”. Este artigo dispõe sobre a não incidência do bis in
idem, ou seja, o agente não pode cumprir a pena de mesma natureza duas vezes.
O agente que praticou um crime no estrangeiro e outro no Brasil, sendo
condenado à pena de mesma natureza, a pena cumprida pelo agente no estrangeiro
será descontada no Brasil. Assim, caso a pena cumprida pelo agente seja maior do
que a pena a ser cumprida no Brasil, nada restará a cumprir. Caso as penas sejam
de natureza diversa, a pena cumprida pelo agente no estrangeiro atenua, a critério
do juiz, a pena que deve ser cumprida no Brasil. A doutrina costuma denominar a
pena cumprida no estrangeiro como “detração da pena cumprida no estrangeiro”.

3.10 EFICÁCIA DA SENTENÇA ESTRANGEIRA

Art. 9º - A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz


na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para:
I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros
efeitos civis;
II - sujeitá-lo à medida de segurança.
Parágrafo único - A homologação depende:
a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada;

AN02FREV001/REV 4.0

76
b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país
de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de
requisição do Ministro da Justiça.
Mirabete assim comenta sobre a eficácia de sentença estrangeira no Brasil:

Por força da lei penal, a sentença estrangeira produz alguns efeitos no


Brasil, independentemente de qualquer condição. Assim ocorre no instituto
da reincidência, que considera como antecedente condenação em país
estrangeiro (art. 63), na detração que manda computar tempo de prisão no
exterior (art. 42), nas condições impostas a respeito da extraterritorialidade
(art. 7º, § 2º, d e c etc.). É ela considerada, nesses casos, como fato jurídico
capaz de produzir efeitos jurídicos perante a lei brasileira. Bastará, pois,
uma prova documental idônea (certidão devidamente traduzida) para que a
sentença estrangeira produza aqueles efeitos previstos expressamente na
lei brasileira. (MIRABETE, 1999)

Homologar significar ratificar, aprovar ou confirmar determinados atos


praticados por particulares. No caso da sentença estrangeira esta homologação
cabe ao STJ, nos termos do artigo 105, inciso I, alínea i da Constituição Federal que
diz: “Art. 105: Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar,
originariamente: i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de
exequatur às cartas rogatórias”.
A homologação da sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça é
o de reconhecer a validade jurídica da sentença estrangeira perante o ordenamento
jurídico brasileiro. Somente a sentença estrangeira que de algum modo necessita
ser executada no Brasil é que precisa da homologação do Superior Tribunal de
Justiça. Para tanto são estabelecidas algumas exigências pela norma penal, tais
como: obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições, existência de
tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença,
ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.
Exequatur: espécie de autorização expedida pelo STJ para que se cumpra
ato processual requisitado por autoridades estrangeiras no Brasil.

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77
FIM DO MÓDULO III

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78
MÓDULO IV

4 CRIME

4.1 ITER CRIMINIS

É o percurso, caminho, fase do crime. No total são 4 (quatro) fases que o


crime deve percorrer:

4.1.1 Cogitação

Nesta fase o agente está apenas pensando, idealizando, planejando o


crime. O aluno mais atento perguntaria: nesta fase o agente é punível? Há lei que
puna tal atitude do agente? A resposta para os dois quesitos seria simples, pois
cada ser humano tem o pensamento livre de qualquer regra, é o que diz aquele
brocardo em latim Pensiero non paga gabella, cogitationis poena nemo patitur (o
pensamento não paga imposto ou direito).

4.1.2 Preparação

São atos externos, preparatórios para a prática do crime. Como já foi


explicado anteriormente, para que a conduta do agente seja tipificada em um
determinado tipo legal (artigo) faz-se necessário que ela seja moldada no núcleo do
tipo (verbo como, subtrair, matar). Assim, conclui-se que também nesta fase o

AN02FREV001/REV 4.0

81
agente não responde por crime nenhum. Como exemplo de atos preparatórios o
magister Mirabete, no âmbito de sua didática, exemplifica:

A aquisição de arma para a prática de um homicídio ou a de uma chave


falsa para o delito de furto e o estudo do local onde se quer praticar o roubo.
Ressalte-se, porém, que o legislador, por vezes, transforma atos
preparatórios em tipos penais especiais quebrando a regra. Exemplos:
“petrechos para falsificação de moeda” (art. 291), que seria apenas ato
preparatório do crime de moeda falsa (art. 289). (MIRABETE, 2006)

4.1.3 Execução

Agora o agente começa a praticar atos ligados ao crime. Para distinguir os


atos de execução dos atos preparatórios o Código Penal adotou o critério do início
da realização do tipo, ou seja, a execução inicia-se com a realização do núcleo do
tipo (verbo como, subtrair, matar). Nesta fase o agente já responde penalmente por
sua conduta delitiva. A jurisprudência assim se pronuncia:

TJSP: Ato executivo (ou de tentativa) é o que ataca efetiva ou


imediatamente o bem jurídico. Ato preparatório é o que possibilita, mas não
é ainda, sob o prisma objetivo, o ataque ao bem jurídico. A mera cogitatio
não basta para configurar o conatus (RT 605/287).

4.1.4 Consumação

Fase em que todos os elementos do tipo legal foram realizados pela conduta
delitiva do agente.

4.2 CRIME CONSUMADO

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82
Para o artigo 14, inciso I do Código Penal, ocorre o crime consumado
quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal. Na bela lição de
Mirabete (1999), o crime está consumado totalmente quando o fato concreto se
amolda no tipo legal descrito na norma penal. Para que o crime de furto se consuma
é necessário que o agente pratique a conduta que subtraia a coisa alheia móvel.
Distingue ainda o crime consumado do exaurido, uma vez que neste há um
resultado a mais que no crime consumado, ou seja, no crime exaurido após a
consumação o agente continua a sua conduta lesiva ao bem jurídico protegido pela
norma penal.
Exemplo prático do crime exaurido é o tipo legal previsto no artigo 317 do
Código Penal, em que a conduta do funcionário público vai além da primeira figura
do núcleo do tipo (solicitar), ou seja, para que se consuma o crime de corrupção
passiva basta solicitar. Caso o funcionário público receba, aí se enquadra o crime
exaurido. Fernando Capez (2006) cita a consumação nas seguintes espécies de
crimes:

a) Materiais: com a produção do resultado naturalístico;


b) Culposos: com a produção do resultado naturalístico;
c) De Mera Conduta: com a ação ou omissão delituosa;
d) Formais: com a simples atividade, independente do resultado;
e) Permanentes: o momento consumativo se protrai no tempo;
f) Omissivos Próprios: com a abstenção do comportamento devido;
g) Omissivos Impróprios: com a produção do resultado naturalístico;
h) Qualificados pelo resultado: com a produção do resultado agravador;
i) Complexos: quando os crimes componentes estejam integralmente
realizados;
j) Habituais: com a reiteração de atos, pois cada um deles, isoladamente, é
indiferente à lei penal. O momento consumativo é incerto, pois não se sabe
quando a conduta se tornou um hábito, por essa razão, não cabe prisão em
flagrante delito nos crimes habituais.

4.3 TENTATIVA

AN02FREV001/REV 4.0

83
Para o artigo 14, inciso do Código Penal, ocorre o crime tentado quando,
iniciada a execução, o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade
do agente. Reforçando o entendimento do Código Penal brasileiro Luis Regis Prado
(2009) diz que crime tentado é aquele em que a realização do tipo não é totalmente
concluída por situações alheias à vontade do agente. São, portanto, elementos da
tentativa: ato de execução, não consumação do crime e o dolo.
Para o Professor Fernando Capez (2006), no lugar do dolo seria melhor
colocar a interferência de circunstâncias alheias à vontade do agente. Para a
configuração do ato de execução é necessário que o agente tenha praticado atos
que levem a entender a vontade de praticar a conduta descrita no tipo legal. Assim,
caso um estranho apenas tenha sido apanhado subindo a escada de certa pessoa,
nesta situação não é possível tipificar como crime de furto, pois o estranho ainda
não tinha iniciado nenhuma subtração. Poderia, sim, responder pelo crime de
violação de Domicílio (artigo 150 do Código Penal).
A este respeito a jurisprudência assim se pronuncia:

Necessidade de risco de lesão - TJMG: Para que haja tentativa de um


crime, é necessário que o bem tutelado pelo ordenamento jurídico tenha
corrido o risco de lesão em consequência da conduta do sujeito ativo (RT
510/435).

Aqui o aluno poderia perguntar: se a consumação não ocorre agora por


vontade do agente, ainda configuraria a tentativa? Não, e sim o Arrependimento
Eficaz ou a Desistência Voluntária, assuntos a serem ainda abordados.

4.3.1 Crimes que não Admitem a Tentativa

1º) Crime Culposo: A tentativa tem como um de seus elementos o dolo.

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84
2º) Crime Preterdoloso: O resultado mais grave (morte da vítima) é
atribuído ao agente como culpa (dolo no antecedente e culpa no consequente,
assunto abordado no módulo III).

3º) Crime Unissubsistente: Não é possível o fracionamento dos atos de


execução (é uno e indivisível, assunto abordado no módulo III).

4º) Crime Habitual: Os atos são penalmente indiferentes em razão da


habitualidade (assunto abordado no módulo III).

5º) Crimes Omissivos Próprios.

6º) Contravenções Penais.

4.3.2 Espécies de Tentativa

Em relação às espécies de tentativa, a doutrina diverge. Para o Professor


Mirabete (1999), somente existem a Tentativa Perfeita e a Tentativa Imperfeita. Já o
Professor Fernando Capez (2006) vai mais além ao acrescentar a Tentativa Branca
e a Tentativa Cruenta.

1ª) Tentativa Imperfeita: O agente do crime não pratica todos os atos de


execução em razão de circunstâncias alheias à sua vontade.
2ª) Tentativa Perfeita ou Crime Falho: O agente do crime pratica todos os
atos de execução, mas consegue que o crime se consuma em razão de
circunstâncias alheias à sua vontade.
3ª) Tentativa Branca: Tipo de tentativa que inclui a tentativa perfeita e a
tentativa imperfeita. A única observação importante é que na tentativa branca o
agente não consegue atingir a vítima.

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4ª) Tentativa Cruenta: Tipo de tentativa que inclui a tentativa perfeita e a
tentativa imperfeita. A única observação importante é que na tentativa cruenta o
agente consegue atingir a vítima.

4.3.3 Pena da Tentativa

Em relação à pena a ser aplicada ao crime tentado, assim estabelece o


Código Penal, artigo 14 parágrafo único: “Salvo disposição em contrário, pune-se a
tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois
terços”. Luis Regis Prado, ao analisar a pena nos crimes tipificados como tentado,
assim comenta:

Em relação à pena de tentativa, a própria Lei Penal, salvo disposição em


contrário (art. 14, parágrafo único, CP), possibilita a equiparação punitiva,
desde que existente dispositivo expresso. Exemplo é o artigo 352, CP
(evasão mediante violência contra pessoa). (PRADO, 2009)

Para os crimes de tentativa a norma penal decidiu aplicar uma pena inferior
ao crime consumado, levando em consideração a não ocorrência do resultado maior
(lesivo). Na redução de um a dois terços previstos para o crime de tentativa o
magistrado, ao aplicá-la, afere não as circunstâncias do crime e, sim, o iter criminis,
ou seja, o quantum o agente se aproximou ou distanciou do resultado.
Para a aplicação da pena nos crimes de tentativa o Código Penal adotou a
Teoria Objetiva (o que se pune é o iter criminis, assim os crimes tipificados como
tentado devem ser punidos com penas menores que os crimes consumados). Neste
sentido a jurisprudência assim se pronuncia:

Redução da pena pelo iter criminis percorrido (STF): A fixação do


percentual no caso concreto, tendo em vista causa de diminuição da pena –
tentativa – não se faz aleatoriamente. Há de ser levado em conta o iter
criminis, ou seja, os atos que chegaram a ser praticados pelo agente. (HC
69.342-3-DJU).

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4.4 DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ

O artigo 15 do Código Penal reza que: “O agente que, voluntariamente,


desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só
responde pelos atos já praticados”. A doutrina entende que por motivos de política
criminal o Código Penal brasileiro criou o artigo 15 como forma de estimular o
agente que, podendo chegar à consumação de um crime, por sua vontade impede o
resultado.

4.4.1 Desistência Voluntária

Fernando Capez assim define a Desistência Voluntária:

São espécies de tentativa abandonada ou qualificada. Como o próprio


nome diz, havia uma tentativa, que foi abandonada. Em outras palavras, o
agente pretendia produzir o resultado consumativo, mas acabou por mudar
de ideia, vindo a impedi-lo por sua própria vontade. Desse modo, o
resultado não se produz por força da vontade do agente, ao contrário da
tentativa, na qual atuam circunstâncias alheias a essa vontade. (CAPEZ,
2006)

Exemplo: agente que possuindo arma de fogo toda municiada dispara


apenas um projétil contra o seu desafeto, acertando-o e ferindo-lhe com gravidade,
mas por vontade própria presta socorro eficaz, impedindo a morte de seu inimigo.
Na desistência voluntária o resultado não se consuma pela própria vontade do
agente, enquanto na tentativa o resultado não se consuma por circunstâncias
alheias à vontade do agente. O agente que não consegue praticar o crime de furto
porque não consegue é exemplo de tentativa; se o mesmo agente não furtar porque
não quis, é desistência voluntária. A diferença da tentativa para a desistência
voluntária está no ânimo do agente.

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Para o professor Luis Regis Prado (2009), a desistência voluntária
apresenta dois requisitos essenciais: primeiramente, o objetivo do agente em
interromper definitivamente o processo de execução e, em seguida, o requisito
subjetivo da vontade própria do agente em desistir do resultado (não é necessário
que seja espontâneo). Já o professor Fernando Capez (2006) entende que os
requisitos são o início da execução, não consumação e interferência da vontade do
próprio agente.

4.4.2 Arrependimento Eficaz

Mirabete assim define o Arrependimento Eficaz:

É o arrependimento eficaz também hipótese de inadequação típica de


tentativa, pois o agente, após ter esgotado os meios de que dispunha para
a prática do crime, arrepende-se, evitando que o resultado ocorra. Também
não se exige que o agente atue espontaneamente, bastando sua vontade
de evitar o resultado, praticando atos para impedir o evento. É o que chama
ponte de ouro para o agente retroceder. (MIRABETE, 1999)

Exemplo: agente que possuindo arma de fogo toda municiada dispara


apenas um projétil contra o seu desafeto. Não acerta e desiste por vontade própria
de efetuar novos disparos. A diferença entre a desistência voluntária e o
arrependimento eficaz consiste em que no segundo o agente conclui a execução do
crime, porém o próprio agente impede o resultado, enquanto que no primeiro o
agente interrompe a execução do crime por sua própria vontade.
A Doutrina tem usado a fórmula de Hans Frank para estabelecer diferença
entre Tentativa e Desistência Voluntária. Para Hans Frank, na Tentativa (art. 14, II,
CP) o agente quer prosseguir na execução do crime, mas não pode, enquanto que
na Desistência Voluntária (art. 14, II, CP) o agente, embora pudesse prosseguir na
execução do crime, desiste.

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4.4.3 Consequência Penal para a Desistência Voluntária e o Arrependimento Eficaz

Tanto na Desistência Voluntária como no Arrependimento Eficaz o agente


abandonou sua conduta evitando a consumação do crime por sua própria vontade.
Nestas hipóteses afasta-se a tentativa e o agente responde somente pelos atos até
então praticados. É o que prescreve o artigo 15 do Código Penal, in fine: “O agente
que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado
se produza, só responde pelos atos já praticados”.
Embora não seja unânime o pensamento doutrinário no sentido de que tanto
a desistência voluntária como o arrependimento eficaz são causas pessoais de
exclusão de punibilidade ou isenção de pena, a jurisprudência, neste sentido, assim
se pronuncia:

Caso de exclusão de tipicidade (TJMT): A desistência voluntária e o


arrependimento eficaz não são hipóteses de atipicidade, mas sim causas
pessoais de exclusão da punibilidade não enumeradas no artigo 107 do CP.
Trata-se de um benefício concedido por razões de política criminal, o que
não importa em dizer que o agente ficará isento de responsabilidade pelos
crimes ou contravenções menos graves, já consumados. (RJDTACRIM
1/92).

Observação: No caso do agente, apesar de atuar voluntariamente, seu


arrependimento é ineficaz, uma vez que o resultado se consumou. Neste caso o
agente responderá pelo crime praticado.

4.5 ARREPENDIMENTO POSTERIOR

O arrependimento posterior consiste em aplicar um quantum de um a dois


terços de redução na pena nos casos dos crimes praticados sem que o agente faça
uso da violência ou de grave ameaça contra a vítima, reparando o dano até o
recebimento da peça processual pelo magistrado. Assim prescreve o artigo 16 do
código Penal: “Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa,

AN02FREV001/REV 4.0

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reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa,
por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”.
Fernando Capez assim conceitua arrependimento posterior:

Causa de diminuição de pena que ocorre nos crimes cometidos sem


violência ou grave ameaça à pessoa, em que o agente, voluntariamente,
repara o dano ou restitui a coisa até o recebimento da denúncia ou queixa.
(CAPEZ, 2006)

A própria Exposição de Motivos da parte geral do Código Penal Brasileiro


refere-se ao arrependimento Posterior como forma de Política Criminal, estimulando
o agente causador de um dano ao patrimônio da vítima a sua reparação. O instituto
do Arrependimento Posterior não é causa de extinção da pena nem tampouco causa
de atipicidade da conduta do agente e sim causa obrigatória de redução da pena.
Para que o Arrependimento Posterior seja concedido ao sujeito ativo (agente) de um
crime contra o patrimônio da vítima, além de que não tenha atuado com violência ou
grave ameaça é preciso que o agente atue sem provocação (iniciativa própria).
Neste sentido a jurisprudência assim se pronuncia:

TACRSP: Para que o arrependimento previsto no art. 16 do CP seja


reconhecido é preciso que o agente aja sem provocação, consubstanciando
a iniciativa própria, sem nenhum estímulo. (RJDTACRIM 8/114).

A doutrina achou por bem estabelecer a diferença entre Arrependimento


Posterior e Arrependimento Eficaz. Segundo Fernando Capez (2006), o
arrependimento eficaz aplica-se aos crimes cometidos com violência ou grave
ameaça; o arrependimento posterior, ao contrário, somente se aplica aos crimes
praticados sem violência ou grave ameaça. O arrependimento eficaz é anterior à
consumação, enquanto o arrependimento posterior é posterior à consumação.

4.5.1 Requisitos do Arrependimento Posterior

AN02FREV001/REV 4.0

90
1. O crime cometido pelo agente não pode ser com violência ou grave
ameaça, porém pode ser aplicada a diminuição da pena nos crimes culposos,
apesar de o agente atuar com violência ou grave ameaça (exemplo do homicídio
culposo).

2. A reparação do dano ou a restituição da coisa tem que ser completa


(integral).

3. Na reparação do dano ou restituição da coisa a legislação não é tão


rigorosa, pois admite que o ato voluntário do agente seja oriundo de conselho ou
sugestão de terceira pessoa ou que esta reparação seja até praticada por outra
pessoa devidamente autorizada pelo agente.

4. Até o recebimento pelo magistrado da denúncia ou queixa.

Observações:

1. No caso de concurso de agentes (mais de um agente sujeito ativo), o


arrependimento posterior aproveita-se aos coautores e partícipes;
2. No instituto do arrependimento posterior o juiz deve reduzir a pena de um
terço a dois terços;
3. A reparação do dano ou a restituição da coisa tem que ser até o
despacho judicial do recebimento da denúncia (peça privativa do Ministério Público)
ou da queixa (peça privativa da vítima); caso seja posterior não é caso de
arrependimento posterior e sim circunstância atenuante genérica.

4.6 CRIME IMPOSSIVEL

O crime impossível também é denominado de tentativa impossível, tentativa


inidônea, tentativa inadequada ou quase crime. O artigo 17 do Código Penal assim

AN02FREV001/REV 4.0

91
define: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por
impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. O crime impossível é
uma forma de delito putativo (imaginário), uma vez que o agente imagina que está
praticando um crime, mas que na verdade não existe.

4.6.1 Hipóteses em que ocorre o Crime Impossível

1. Crime impossível por ineficácia absoluta do meio: Neste caso o crime


é impossível em razão do agente utilizar, empregar instrumentos ou meios
incapazes (inidôneos) para a obtenção do resultado. Exemplo prático da doutrina é
aquele em que o agente utiliza-se de um palito de dente para matar um adulto. Note-
se que a ineficácia do meio tem que ser absoluta para poder configurar o crime
impossível, caso contrário, se a ineficácia for relativa configura-se Crime de
Tentativa e não Crime Impossível. No mesmo exemplo, caso o agente utilizasse do
mesmo palito, mas agora visasse matar um recém-nascido, este meio empregado
(palito) não seria absolutamente ineficaz para matar o recém-nascido e, sim,
relativo. Caso não configura o crime de homicídio, o agente responderá pelo crime
na forma tentada.

2. Crime Impossível por Absoluta Impropriedade do Objeto: Para


Fernando Capez (2006), o Crime Impossível pela absoluta impropriedade do objeto
é aquele em que a conduta do agente é atípica por recair sobre pessoa ou coisa
absolutamente inidônea para a produção de algum resultado lesivo. Exemplo
prático: Agente “A”, pensando que seu desafeto está dormindo, passa a golpeá-lo
com uma arma branca (faca), porém na verdade fere um cadáver. Caso a
impropriedade do objeto seja relativa o agente responderá pelo crime na forma
tentada. Exemplo doutrinário da impropriedade relativa do objeto: punguista
(ladrões) que enfia a mão no bolso errado da vítima.
Damásio de Jesus assim se pronúncia em relação ao crime impossível:

AN02FREV001/REV 4.0

92
A teoria objetiva pura, adotada pelo Código Penal vigente, tornou claro o
fundamento da atipicidade do crime impossível: “quando absoluta a
ineficácia do meio ou a impropriedade do objeto material, o fato é atípico a
título de tentativa, subsistindo esta quando meramente relativa”. (JESUS,
2001)

Conclusão: O Código Penal adotou para o crime impossível a Teoria


Objetiva Temperada, ou seja, o crime será impossível se forem absolutas a
ineficácia do meio e a impropriedade do objeto (fato atípico). Caso seja relativa, o
agente responderá por tentativa.

4.7 CRIME IMPOSSÍVEL X DELITO PUTATIVO

Na análise simples das palavras, delito é fato praticado por alguém que
constitui crime, e putativo é aquele em que o agente, ao praticar certa conduta,
imagina que seja crime. Este existe na mente do agente, por isso também é
conhecido como crime putativo. Ocorre quando o sujeito ativo pratica uma conduta e
acredita erroneamente tratar-se de crime quando, na verdade, é um fato atípico, ou
seja, só existe na imaginação do agente; sua conduta constitui um fato atípico. O
agente acredita que sua conduta é punível (crime), mas na verdade é fato atípico.
Exemplo: Mulher que comete aborto sem estar grávida.
No crime impossível ocorre a atipicidade do fato por razões objetivas, quer
pela inidoneidade do meio ou a impropriedade do objeto. Para você fixar a diferença
entre delito putativo e crime impossível basta relacionar o primeiro com a conduta
que não constitui fato típico e o segundo com a ineficácia do meio e a
impropriedade do objeto.

4.8 ESPÉCIES DE DELITO PUTATIVO

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93
1. Delito Putativo por erro de tipo: O agente, ao apreciar a realidade de
maneira errada, não sabe que está cometendo um crime, ou seja, o agente se
engana não sobre a norma mas sim sobre os elementos do crime. Exemplo
doutrinário é aquele em que o agente compra cocaína imaginando que seja talco. O
delito putativo por erro de tipo nada mais é do que o crime impossível pela
impropriedade do objeto.

2. Delito Putativo por obra do agente provocador: Também denominado


crime de flagrante preparado ou delito de ensaio. Consiste no fato em que a polícia
ou qualquer agente provocador prepara de forma insidiosa uma situação em que o
agente é levado a cometer um crime. Há uma encenação para que o agente venha a
praticar o crime. Exemplo de Fernando Capez (2006): “investigadora grávida pede
para médico fazer aborto ilegal e depois o prende em flagrante”. O Supremo
Tribunal Federal, através da Súmula 145, trata do delito putativo por obra do agente
provocador e entende não haver crime ante a atipicidade do fato. O delito putativo
por obra do agente provocador nada mais é do que o crime impossível pela
ineficácia do meio empregado.
Veja abaixo a transcrição da Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal:

Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna


impossível a sua consumação. Não se confunde com o “delito de flagrante
esperado”, em que alguém, vítima ou terceiro, normalmente a polícia,
tomando conhecimento de que um delito vai ser praticado, espera sua
execução para prender o delinquente em flagrante. (SÚMULA 145 DO
STF).

No caso de flagrante esperado a conduta do agente é típica e ilícita, caso


ocorra a prisão ela será legal e válida. Neste caso não houve na vontade do agente
qualquer tipo de induzimento para a prática do crime. Não se trata de crime putativo,
pois não existe qualquer provocação. É exemplo corriqueiro trazido da rotina policial
a situação em que investigadores de polícia ficam de tocaia até que determinando
traficante chegue com a droga para poder efetuar a sua prisão.

AN02FREV001/REV 4.0

94
3. Delito Putativo por Erro de Proibição: Neste caso o agente pratica
determinada conduta pensando que é permitida (legal), mas na verdade a lei proíbe.
Exemplo: O agente comete o crime de furto pensando que a norma não proíbe.

4.9 DO ERRO NO DIREITO PENAL

Antes da reforma do Código Penal de 1984 o erro era tratado como de erro
de fato, mas hoje existem três tipos de erros na legislação penal: erro de tipo (artigo
20, caput do Código Penal), erro de proibição ou erro sobre a ilicitude do fato (artigo
21 do Código Penal) e erro de tipo permissivo ou de descriminantes putativas (artigo
20, § 1º do Código Penal).

4.9.1 Erro de Tipo

O erro de tipo está previsto no artigo 20, caput do Código Penal, que assim
prescreve: “O erro sobre o elemento do tipo legal de crime exclui o dolo, mas
permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”. Assim se preocupou o
legislador especificamente pelo dolo do agente ao criar o instituto do erro do tipo, ou
seja, se o sujeito ativo de um crime não conhece ou até mesmo se engana sobre os
elementos que estruturam legalmente um crime responderá somente a título de
culpa, isto se o crime que cometeu admitir a modalidade culposa.
A respeito do erro de tipo Damásio de Jesus assim se pronuncia:

É o que incide sobre as elementares, circunstâncias da figura típica, sobre


os pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários
da norma penal. (JESUS, 1994)

AN02FREV001/REV 4.0

95
No erro de tipo o agente desconhece a existência de uma condição de fato
que integra a figura penal. É, por exemplo, o que ocorre no caso do crime de Furto
previsto no artigo 155 do Código Penal, em que o agente desconhece que a coisa
que subtraiu é alheia (condição de fato que integra a figura penal). Luiz Regis Prado
em seu livro Curso de Direito Penal Brasileiro assim conceitua erro de tipo:

O erro sobre o fato típico diz respeito ao elemento cognitivo ou intelectual


do dolo, sendo sua contraface. É aquele que recai sobre os elementos
essenciais ou constitutivos – fáticos ou normativos – do tipo de injusto, em
os quais deixa de existir (coisa alheia, no delito de furto, art. 155, CPP).
Nele o agente não sabe o que está fazendo; falta representação mental
exigível para o dolo típico (lado inverso do dolo do tipo). (PRADO, 2009, p.).

Portanto, o erro de tipo é aquele que incide sobre as elementares ou


circunstâncias de tipo incriminador (fato típico), sobre os pressupostos de fato de
uma causa de justificação e sobre dados acessórios da norma penal incriminadora.

4.9.2 Erro de Tipo X Erro de Direito

O erro de tipo é aquele em que o agente erra sobre a realidade concreta, ou


seja, o agente ao praticar determinada conduta não se engana a respeito de tipos
legais. Os seus erros incidem sobre a realidade do cotidiano. Para encurtar a
discussão é só compreender que no erro de direito o agente se engana (ignorância
ou falso conhecimento) na compreensão do texto da lei, enquanto que no erro de
tipo o agente se engana sobre a situação de fato ou jurídica.
Abaixo seguem exemplos práticos do magistério do Professor Fernando
Capez (2006):

a) Exemplo de erro de tipo que incide sobre situação de fato descrita como
elementar do tipo incriminador: caso do aluno que pega uma caneta alheia
imaginando ser a sua. O erro do aluno não incide sobre nenhuma regra legal e, sim,
em um dado concreto da realidade. Esta realidade desconhecida pelo aluno está

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96
descrita no artigo 155 do Código Penal (crime de furto) como sua elementar (coisa
alheia móvel). Em razão do erro o agente (aluno) ficou impedido de saber que
estava cometendo o crime de furto (subtração de coisa alheia móvel), pois a falta de
conhecimento eliminou a sua vontade. Neste caso, por ser erro incidente sobre
situação de fato definida como elemento do tipo incriminador (coisa alheia móvel),
exclui o dolo.

b) Exemplo de erro de tipo que incide sobre relação jurídica descrita como
elementar do tipo incriminador: o agente casa-se com mulher já casada, supondo
ser ela solteira. Neste exemplo, o erro do agente não incidiu sobre uma situação de
fato e, sim, sobre uma situação jurídica. Esta situação encontra-se prevista no artigo
235 do Código Penal que trata do crime de bigamia: “Contrair alguém, sendo
casado, novo casamento”. Ao ser confundido pela realidade o agente não tinha
condições de conhecer um elemento indispensável para a caracterização do crime
de bigamia, eliminando assim a sua consciência. Neste caso, por ser erro incidente
sobre relação jurídica definida como elemento do tipo incriminador exclui o dolo.

c) Exemplo de erro de tipo que incide sobre situação de fato descrita como
elementar do tipo permissivo (são as causas de excludentes de ilicitude: legítima
defesa, assunto a ser abordado): a vítima enfia a mão no bolso para tirar um lenço e
o agente, supondo que ela vai sacar uma arma de fogo, imagina-se em legítima
defesa e atira. Neste caso, por ser erro incidente sobre situação de fato definida
como elemento do tipo permissivo, exclui o dolo.

d) Exemplo de erro de tipo que incide sobre circunstância de tipo


incriminador: Ladrão que com sua conduta delitiva pretendia furtar um relógio de
ouro, mas por erro seu furta um relógio de lata. Neste caso o erro incide sobre uma
situação concreta descrita como circunstância privilegiadora do tipo de furto (furto de
pequeno valor ou privilegiado). Assim, não há que se falar em exclusão do dolo,
porque o erro do agente não incidiu sobre dado essencial da existência do crime
(exemplo item a), mas sim sobre mera circunstância privilegiadora, que apenas
diminui a pena. O dolo, nesse caso, não é excluído, ficando eliminada apenas a
circunstância.

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e) Exemplo de erro de tipo que incide sobre dado irrelevante: Pai que,
desejando matar seu filho, assassina um sósia. Percebe-se que o erro do pai incidiu
sobre dado irrelevante para tipificar sua conduta como homicídio (para que ocorra o
crime previsto no artigo 121 do Código Penal Matar alguém, isto é, basta que a
vítima seja pessoa humana viva). O dolo, nesse caso, não é excluído, o agente (pai)
responde pelo crime de homicídio, incidindo na pena as características da vítima
que pretendia atingir (seu filho).

4.9.3 Formas de Erro de Tipo

1. Erro de tipo essencial: O erro de tipo essencial é aquele que incide


sobre elementares e circunstâncias do tipo legal, levando o agente a não
compreender a sua conduta delitiva. Neste sentido Fernando Capez (2006) comenta
que o erro essencial “tem como característica impedir o agente de compreender o
caráter criminoso do fato ou de conhecer a circunstância”. Exemplo clássico
doutrinário é a conduta do advogado que por engano pega o guarda-chuva do
colega. O erro do advogado configura erro de tipo na forma do erro essencial, haja
vista, tivesse ele percebido o erro não teria cometido o crime de furto previsto no
artigo 155 do Código Penal.
O erro de tipo essencial pode ser vencível ou invencível:

a) Erro de tipo essencial vencível ou inescusável: O agente poderia ter


evitado o resultado ser fosse mais prudente (evitável). O erro de tipo essencial
vencível exclui o dolo, mas não a culpa. Neste caso o agente responderá pela
modalidade culposa se houver previsão legal. Caso não haja previsão legal na
modalidade culposa para o tipo a consequência será a exclusão do crime por
ausência do tipo legal. A conduta do agente que subtrai coisa não sabendo que era
alheia exclui o dolo, como todo erro de tipo. Responderia por furto culposo, porém
como o Código Penal não prevê a modalidade culposa para o tipo legal de crime de
furto não há que se cogitar em crime. Existem tipos legais que admitem a

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modalidade culposa, é o caso do crime de homicídio culposo previsto no artigo 121
§ 3º do Código Penal.

b) Erro de tipo essencial invencível ou escusável: O agente não tinha


condições de evitar o resultado mesmo se fosse mais prudente (inevitável). O erro
de tipo essencial invencível ou escusável exclui o dolo (o dolo é sempre excluído no
erro de tipo) e a culpa. A conduta do agente é excluída pela ausência simultânea do
dolo e da culpa e, consequentemente, sem elas não há fato típico. Caçador dispara
sua garrucha naquilo que imagina ser um cervo, mas na verdade trata-se de uma
pessoa que estava vestida com pele de um animal campestre. Analisando a conduta
do caçador ela seria atípica, pois ele não poderia evitar o erro. Neste caso, por erro
de tipo essencial invencível, o caçador praticou um fato atípico, pois não houve dolo
e culpa em sua conduta.
No caso do erro essencial que recai sobre circunstâncias (genéricos,
agravantes) desconhecidas. Neste caso, tais circunstâncias serão excluídas, ou
seja, não incidirão no cômputo da pena. Exemplo: agente furtar relógio de lata
pensando ser de ouro. Ele não poderá fazer jus ao privilégio do artigo 155, § 2º do
Código Penal: “se o criminoso é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz
pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços,
ou aplicar somente a pena de multa”.

2. Erro de Tipo Acidental: Segundo Luiz Regis Prado (2009), o erro de tipo
acidental atinge aspectos ou dados secundários do delito, sendo irrelevante para os
efeitos da figura típica. Na oportuna síntese de Mirabete:

Se for acidental, recaindo sobre circunstâncias acessórias da pessoa ou


coisas estranhas ao tipo, o ilícito permanece íntegro. Assim é o erro relativo
à pessoa, e por isso não se consideram na apreciação do fato concreto as
condições e qualidades da vítima real e sim as daquelas que o agente
pretendia agir, fazendo-se incluir ou excluir agravantes, atenuantes, causas
de aumento e causas de diminuição de penas. (MIRABETE, 1999)

No erro de tipo acidental não há erro na apreciação do fato. O agente sabe e


quer cometer um crime. O erro incide sobre dados acessórios que não constituem o

AN02FREV001/REV 4.0

99
tipo legal. No erro acidental não há exclusão do dolo ou da culpa respondendo o
agente pelo crime. Exemplo: A, desejando matar B, acerta C por engano.

2.1 Espécies de erro acidental:

a) Erro sobre o objeto (erro in objecto): Neste tipo de erro acidental o


agente se engana sobre o objeto (coisa), ou seja, o agente que praticar uma
conduta contra objeto material A (coisa), mas por erro acaba atingindo o objeto
material B (coisa). Não existe artigo no Código Penal prevendo a figura do erro
acidental sobre o objeto. A consequência jurídica da conduta do agente que atua por
erro de tipo acidental sobre o objeto: não há exclusão do dolo nem da culpa e não
há isenção de pena. Exemplo: agente quer furtar açúcar e subtrai farinha. Não
confundir erro de tipo acidental sobre o objeto com o erro de tipo essencial. Neste o
erro atua sobre as elementares e circunstâncias do crime enquanto naquele o erro
atua sobre o objeto material de um crime.

b) Erro sobre a Pessoa (erro in persona): O art. 20, § 3° do Código Penal


prevê o erro sobre a pessoa da vítima: o erro quanto à pessoa contra a qual o crime
é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou
qualidades da vítima atingida, senão a da pessoa contra quem o agente queria
praticar o crime. Diferentemente do erro sobre o objeto o erro sobre a pessoa possui
previsão legal.
No erro de tipo acidental sobre a pessoa o agente quer atingir a pessoa X,
mas por engano atinge pessoa Y (o agente confunde a vítima real/Y a com a
pretendida/X). Neste tipo de erro o agente não tem o dolo excluído nem a culpa, e
não é isento de pena. Sua responsabilidade penal será tipificada como se tivesse
atingido a vítima pretendida e não a vítima real (efetiva), ou seja, para a aplicação
da pena leva-se em consideração a qualidade da pessoa que o agente desejava
atingir, e não da vítima real.
Exemplo: certo assassino de aluguel recebe volumosa quantia em dinheiro
para matar certo empresário. No dia marcado para a execução o assassino avista a
vítima e efetua um disparo fatal, mas na verdade confundiu a vítima com um

AN02FREV001/REV 4.0

100
transeunte. Neste exemplo o assassino de aluguel responderá pelo crime de
homicídio doloso qualificado, previsto no artigo 121, § 2º, I do Código Penal
(mediante paga ou promessa de recompensa).

c) Erro na execução do crime (aberratio ictus): Damásio de Jesus assim


compreende o erro na execução do crime:

Essa espécie de erro de tipo acidental é também conhecida como desvio no


golpe, uma vez que ocorre um verdadeiro erro na execução do crime. O
agente não se confunde quanto à pessoa que pretende atingir, mas realiza
o crime de forma desastrada, errando o alvo e atingindo vítima diversa. O
erro na execução do crime pode dar-se de diversas maneiras: “por acidente
ou erro no uso dos meios de execução, como p. ex., erro de pontaria,
desvio da trajetória do projétil por alguém haver esbarrado no braço do
agente no instante do disparo, movimento da vítima no momento do tiro,
desvio de golpe de faca pela vítima, defeito da arma de fogo, etc”. (JESUS,
2000)

No erro na execução do crime o agente não se confunde quanto à vítima


como ocorre no erro sobre a pessoa. O que o agente erra é o alvo (execução) ao
atingir outra pessoa. O erro na execução apresenta previsão legal prevista no artigo
73 do Código Penal: “Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução,
o agente, invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa,
responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao
disposto no parágrafo 3º do artigo 20 deste Código. No caso de ser também atingida
a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”.
O artigo 73 do Código Penal conduz à interpretação de que existem duas
espécies de erro na execução:

1ª) Aberratio ictus com unidade simples: O agente não atinge a pessoa
pretendida, vindo a acertar outra pessoa. Note-se que somente uma pessoa é
atingida, por isso a doutrina classificou o erro como aberratio ictus com unidades
simples. A sua previsão legal está prescrita no artigo 73, primeira parte, e artigo 20,
§ 3º, do Código Penal. Neste caso aplica-se a regra do erro sobre a pessoa, em que
o agente responde como se estivesse praticado o crime contra a pessoa visada, ou
seja, consideram-se as condições da vítima pretendida. Exemplo: certo assassino

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101
de aluguel recebe volumosa quantia em dinheiro para matar certo empresário. No
dia marcado para a execução o assassino avista a vítima e efetua um disparo fatal,
mas no momento do disparo espirrou e sua mira não foi precisa, vindo a
atingir um transeunte. Neste exemplo o assassino de aluguel responderá da
mesma forma que no erro sobre a pessoa, pelo crime de homicídio doloso
qualificado, previsto no artigo 121, § 2º, I do Código Penal (mediante paga ou
promessa de recompensa).

2ª) Aberratio ictus com unidade complexa: O agente atinge a vítima


pretendida e outra pessoa (vítima real). Note-se que mais de uma pessoa é atingida,
por isso a doutrina classificou o erro como aberratio ictus com unidade complexa. A
sua previsão legal está prescrita no artigo 73, segunda parte, e artigo 70 do Código
Penal. Neste caso aplica-se a regra do concurso formal. Aqui se faz necessário
entender o concurso formal ou concurso ideal de crimes. O agente com uma só
conduta (ação ou omissão) pratica dois ou mais crimes idênticos (homogêneos) ou
não (heterogêneos). Por hora é necessário apenas entender que no concurso formal
homogêneo os crimes são idênticos, enquanto no concurso formal heterogêneo os
crimes são distintos (em momento posterior haverá uma discussão mais acentuada
do assunto).
Mirabete, a propósito da aberratio ictus, com unidade complexa entende:

Se também for atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, pela


unidade aberratio ictus com unidade complexa, aplica-se a regra do art. 70,
ou seja, do concurso formal, com emprego da pena do crime consumado ou
tentado, aumentada de um sexto até a metade. (MIRABETE, 1999)

O que se nota na aberratio ictus com unidade complexa é que o agente


almejou somente um resultado, porém produziu dois: o almejado e outro não
querido. Para facilitar o entendimento aproveitarei o exemplo do assassino de
aluguel com algumas adaptações. Certo assassino de aluguel recebe volumosa
quantia em dinheiro para matar determinado empresário. No dia marcado para a
execução o assassino, armado de uma pistola, avista a vítima e efetua diversos
disparos em sua direção, matando-a e atingindo também outro transeunte. Neste

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102
exemplo o assassino de aluguel responderá pelo resultado duplo (um almejado e
outro não desejado). Aplica-se ao agente (assassino de aluguel) a regra do
concurso formal exasperando a pena.
Caso tanto a vítima pretendida como a não querida venham a falecer o
assassino responderá pela regra do concurso formal homogêneo (crimes idênticos),
a pena a ser aplicada será a de um dos homicídios, aumentada de um sexto até a
metade. Caso a vítima pretendida morra e a vítima não desejada sofra lesões, o
assassino responderá pela regra do concurso formal heterogêneo (crimes distintos),
a pena a ser aplicada será a do crime mais grave (homicídio), aumentada de um
sexto até a metade. O quantum do aumento depende da quantidade de vítimas
atingidas pelo erro.

d) Resultado diverso do Pretendido (aberratio criminis ou aberratio


delicti): Aqui o erro na execução não é sobre a pessoa atingida e, sim, sobre outro
crime. O agente deseja atingir um bem jurídico, mas atinge outro de natureza
distinta. O resultado diverso do pretendido apresenta previsão legal prescrita no
artigo 74 do Código Penal: “Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente
ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente
responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o
resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”. O artigo 74 do
Código Penal conduz à interpretação de que existem duas espécies de aberratio
criminis:

1. Aberratio criminis com unidade Simples: O agente só atinge bem


jurídico diverso, não alcançando o bem jurídico pretendido. Nos termos do artigo 74,
primeira parte do Código Penal, o agente somente responde pelo resultado
produzido a título de culpa, observando a existência legal de tal previsão.
Hipóteses de aberratio criminis com unidade simples:

1ª Hipótese: O agente pretende atingir um objeto, mas atinge bem jurídico


diverso. Neste caso uma pessoa. De acordo com o Código Penal o agente
responderá pelo resultado produzido a título de culpa (homicídio culposo ou lesão

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103
corporal culposa). Exemplo: o agente joga uma pedra na janela de seu vizinho,
porém acerta um transeunte provocando lesões.

2ª Hipótese: O agente pretende ofender uma pessoa, mas atinge bem


jurídico diverso. Neste caso uma coisa. Como não há previsão legal para o dano
culposo, o agente responderá penalmente por tentativa de homicídio ou tentativa de
lesão corporal. O Professor Fernando Capez (2006) entende que se o agente
pretende atirar e matar seu desafeto, mas acerta uma vidraça, a conduta é atípica,
pois não há previsão legal para o dano culposo, e este não tem forças para absorver
a tentativa branca.
Conclusão: No caso de aberratio criminis com unidade simples o agente
responde somente pelo resultado produzido, no caso de culpa se houver previsão
legal.

2. Aberratio criminis com unidade complexa: O agente atinge além do


bem jurídico pretendido o bem jurídico diverso. No exemplo acima seria o caso do
agente que quebra a vidraça e atinge a pessoa ou vice-versa. Nos termos do artigo
74, segunda parte, do Código Penal o agente responderá pela regra do concurso
formal. Hipóteses de aberratio criminis com unidade complexa:

1ª Hipótese: O agente pretende agredir seu vizinho, mas atinge ele e um


objeto. O agente não responderá pelo resultado produzido a título de dano culposo
no objeto, uma vez que não há previsão legal para este crime. Em relação ao
vizinho atingido o agente responderá no caso por lesões corporais dolosas.

2ª Hipótese: O agente pretende atingir uma coisa, mas acaba atingindo a


coisa e uma pessoa. Existem dois delitos: o crime de dano doloso (art. 163, CP) e
homicídio culposo ou lesão corporal culposo (depende do resultado). Neste caso
aplica-se ao agente a regra do concurso formal, a pena será a do crime mais grave,
com o acréscimo de um sexto até a metade.
Conclusão: No caso de aberratio criminis com unidade complexa o agente
responde pela regra do concurso formal prevista no artigo 70 do Código Penal. A

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104
pena aplicada será a do crime mais grave aumentada de um sexto à metade,
variando de acordo com o número de resultados diferentes produzidos.

e) erro sucessivo ou dolo geral (aberratio causae): Tipo de erro que


ocorre quando o agente alcança o resultado pretendido, porém com uma conduta
distinta da prevista. Exemplo: o agente quer matar a vítima por afogamento e para
tanto joga a mesma da ponte, porém, tal pessoa bate a cabeça em um poste da
ponte e morre por traumatismo craniano. A consequência jurídica da conduta do
agente que por erro sucessivo pratica determinado crime é irrelevante, pois não
exclui o dolo, o fato é típico. No exemplo citado o agente responderá por homicídio
doloso.

FIM DO MÓDULO IV

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105
MÓDULO V

5 INTRODUÇÃO

5.1 CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES

É importante entender a diferença entre crime e contravenção penal. Para


tanto, o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (LICP) diz:

Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão


ou de detenção, quer isolada, alternativa ou cumulativamente com a pena
de multa; contravenção penal, a infração penal que a lei comina,
isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou
cumulativamente. (LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO PENAL, art. 1º).

Assim, para LICP, crime é toda infração penal que é aplicada pena de
reclusão ou detenção, enquanto para a contravenção penal é aplicada prisão
simples ou multa. Segue abaixo a definição de alguns crimes:

1º) Crime Comum: Aquele que pode ser praticado por qualquer sujeito
ativo. Ex: Crime de Roubo, etc.

2º) Crime Próprio: Aquele que pode ser praticado por determinado sujeito
ativo. Ex: Crime de Infanticídio (sujeito ativo só pode ser a mãe).

3º) Crime de Mão Própria: Aquele crime que somente pode ser praticado
pelo sujeito pessoalmente. Ex: Crime de falso testemunho, em que o sujeito ativo
tem que estar presente em juízo para prestar testemunho falso.

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108
4º) Crime de dano: Aquele que atinge certo bem jurídico protegido pela
norma penal. Ex: Crime de Furto.
5º) Crime de Perigo: Para que ocorra o crime de perigo basta a existência
possível do dano.

Nos crimes materiais, formais e de mera conduta é de bom alvitre as


definições de Fernando Capez:

Crime Material: o crime só se consuma com a produção do resultado


naturalístico, como a morte, para o homicídio; a subtração para o furto; a
destruição, no caso de dano, a conjunção carnal, para o estupro, etc.
Crime Formal: o tipo não exige a produção do resultado para a consumação
do crime, embora possível, é irrelevante para que a infração penal se
consume. É o caso, por exemplo, da ameaça, em que o agente visa
intimidar a vítima, mas essa intimidação é irrelevante para a consumação
do crime.
Crime de mera conduta: o resultado naturalístico não é apenas irrelevante,
mas impossível. É o caso do crime de desobediência ou da violação de
domicílio, em que não existe absolutamente nenhum resultado que
provoque modificação no mundo concreto. (CAPEZ, 2006)

6º) Crime Comissivo: Aquele em que se faz necessária a prática de uma


ação por parte do sujeito ativo. Novamente o crime de homicídio é um bom exemplo,
ele exige a ação constituída no verbo matar.

7º) Crime Omissivo: Aquele em que não se faz necessária a prática de


uma ação por parte do sujeito ativo. Exemplo claro é o crime de omissão de socorro
previsto no artigo 135 do Código Penal.

8º) Crime Instantâneo: Aquele que se consuma de imediato não se


arrastando no tempo. O crime de homicídio é um bom exemplo.

9º) Crime Permanente: Ao contrário do crime instantâneo ele não se


consuma de imediato e, sim, se arrasta no tempo. Um bom exemplo é o crime de
sequestro previsto no artigo 148 do Código Penal.

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109
10º) Crime Principal: É o tipo de crime que não necessita de outro tipo legal
(crime). Exemplo: crime de Furto.

11º) Crime Acessório: Ao contrário do crime principal, necessita de outro


tipo legal para sua existência. Exemplo prático é o crime de receptação, que precisa
do crime de furto para existir.

12º) Crime Unissubsistente: Tipo de crime em que o resultado acontece


com apenas um ato (a conduta do agente é única e indivisível). Exemplo: Crime de
Injúria Verbal.

13º) Crime Plurissubsistente: Tipo de crime em que o resultado acontece


com mais de um ato (a conduta do agente não é única e nem indivisível). Exemplo:
Crime de Estelionato.

14º) Crime Habitual: O agente reitera a conduta delitiva dia a dia. Exemplo
prático é o crime previsto no artigo 282 do Código Penal (exercício ilegal da
medicina, arte dentária ou farmacêutica).

15º) Crime Simples: Tipo de crime que apresenta apenas um tipo penal.
Exemplo: Crime de Homicídio (artigo 121 do Código Penal).

16) Crime Complexo: Tipo de crime que ocorre pela união entre dois ou
mais tipos. Exemplo: Crime de latrocínio (artigo 157, § 3º, 2ª parte do Código Penal),
resulta da união entre o crime de roubo mais o crime de roubo.

17) Crime Vago: Tipo de crime que possui como sujeito passivo do delito
entidade sem personalidade jurídica. Exemplo: Crime Obsceno (artigo 233 do
Código Penal). O crime de ato obsceno possui como sujeito ativo qualquer pessoa
que pratique a conduta descrita no tipo (no artigo) e como sujeito passivo a
coletividade, o público (o próprio Estado), e eventualmente aquele que foi ofendido
pelo ato.

AN02FREV001/REV 4.0

110
18) Crime Falho: Nada mais é do que a tentativa perfeita ou acabada em
que se esgota a atividade de execução do delito sem que o agente chegue ao
resultado.

19) Crime de Opinião: Trata-se do crime de abuso de liberdade de


expressão do pensamento. Exemplo: Crime de Injúria (artigo 140 do Código Penal).

5.2 CONCURSO DE CRIMES OU DE DELITOS

Com uma ou mais ações o agente pratica mais de um delito. Na doutrina


Luis Regis Prado (2008) assim define concurso de delitos: “Verifica-se o concurso de
delitos quando o agente, por meio de uma ou mais ações ou omissões, pratica dois
ou mais delitos”. Três são as hipóteses previstas de concursos delictorum: o
concurso material (real), o concurso formal (ideal) e o crime continuado
(continuidade delitiva).
Segundo Leal (1991), o concurso de crime ocorre quando o agente, por meio
de uma ou mais condutas (ações ou omissões), pratica dois ou mais crimes,
idênticos ou não. Para a aplicação da pena nos diferentes delitos no concurso de
crimes são os seguintes os sistemas propostos:

1. Sistema do cúmulo material: Determina que a pena de cada um dos


crimes deve ser somada. Previsto no concurso material (artigo 69, caput do código
Penal) ou real e no concurso formal impróprio (artigo 70, caput, 2ª parte do Código
Penal).

2. Sistema do cúmulo jurídico: Determina que a pena a ser aplicada deve


ser superior a cada um dos crimes praticados.

3. Sistema da Absorção: A pena mais grave absorve a pena do delito


menos grave.

AN02FREV001/REV 4.0

111
4. Sistema da Exasperação: A legislação prevê a pena do crime mais grave
aumentada de certa quantidade (de x a y). Prevista no concurso formal (artigo 70,
caput do Código Penal) e no crime continuado (artigo 71 do Código Penal).

Em relação ao concurso de crimes o Código Penal adotou os seguintes:

5.3 CONCURSO MATERIAL OU REAL

Previsto no artigo 69 do Código Penal, que assim prescreve: “Quando o


agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes,
idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em
que haja incorrido”. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de
detenção, executa-se primeiro àquela.

§ 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena


privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será
incabível a substituição de que trata o Art. 44 deste Código.
§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado
cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as
demais.

Tipo de concurso de crime em que o agente, mediante mais de uma conduta


(ação ou omissão), pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Neste tipo de
concurso de crime a legislação penal determina que sejam somadas as penas
cominadas aos diversos crimes. Assim, no concurso material adota-se o sistema de
cúmulo material, em que a pena a ser aplicada ao agente que cometeu dois ou mais
delitos mediante mais de uma conduta será a soma das sanções de cada um crime.
Em relação à identidade dos crimes o concurso material pode ser:

AN02FREV001/REV 4.0

112
1. Concurso Material Homogêneo: Quando os crimes praticados pelo
agente são da mesma natureza. Exemplo: Agente que mata sua esposa e em
seguida sua cunhada que presenciou a morte da irmã.

2. Concurso Material Heterogêneo: Quando os crimes praticados pelo


agente são de naturezas distintas. Exemplo: O agente furta a vítima e em seguida a
estupra.

5.4 CONCURSO FORMAL OU IDEAL

Previsto no artigo 70 do Código Penal, que assim prescreve:

Quando o agente, mediante uma ação ou omissão, pratica dois ou mais


crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou,
se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso de um
sexto até a metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a
ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios
autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. (CÓDIGO PENAL, art.
70).

Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra
do art. 69 deste código. Veja o que diz a jurisprudência:

Concurso formal: uma ação e vários crimes (TACRSP): “O concurso formal,


como se depreende da própria literalidade do art. 70 do CP, ocorre quando
o agente, mediante uma só ação, pratica dois ou mais crimes”. (JTACRIM
89/30).

Tipo de concurso de crimes em que o agente, mediante uma conduta (ação


ou omissão), pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Neste tipo de concurso
de crime a legislação penal determina que seja aplicada a pena do delito mais grave,
aumentado de determinado quantum. Assim, no concurso formal adota-se o sistema

AN02FREV001/REV 4.0

113
de exasperação da pena, em que a sanção a ser aplicada ao agente que com uma
só conduta (ação ou omissão) cometeu dois ou mais delitos idênticos, ou não, será a
pena do crime mais grave aumentada de certa quantidade.
Em relação à aplicação da pena é de se observar que no concurso formal
homogêneo (exemplo abaixo), a sanção a ser aplicada ao agente é a de um dos
delitos, tem sentido uma vez que eles são de mesma natureza, aumentada de um
sexto até a metade. No concurso formal heterogêneo a sanção a ser dada ao agente
será a do crime mais grave aumentada de um sexto até a metade.
Exemplo de concurso formal é o caso da conduta de um agente que com um
só disparo de arma de fogo atinge e mata duas pessoas. Assim, temos um exemplo
de concurso formal homogêneo (uma conduta com dois crimes idênticos). A
diferença entre concurso material e formal está no número de condutas praticadas
pelo agente. No concurso material o agente pratica mais de uma conduta e no
concurso formal somente uma conduta.

Observações:

1. No concurso formal não é importante a natureza dos crimes;


2. A legislação penal admite concurso formal entre crimes dolosos e
culposos;
3. A quantidade do aumento da pena, de um sexto até a metade, no
concurso formal depende do número de vítimas e de resultados;
4. Como no concurso formal heterogêneo, possivelmente após o magistrado
aplicar a soma das penas dos delitos praticado pelo agente, este resultado pode ser
superior ao limite previsto. Neste caso o juiz individualiza a pena de cada crime e em
seguida aplica a regra do concurso formal. A doutrina denomina esta hipótese de
aplicação da pena de cúmulo material benéfico. Neste sentido é mister Dotti (2002)
ao afirmar que “a pena a ser aplicada no concurso de crimes não tem limite
prefixado, a variação depende do número de infrações cometidas pelo agente e as
respectivas penas previstas para cada crime praticado”.

Adverte Dotti (2002) pela impossibilidade legal do resultado da operação, no


caso das penas privativas de liberdade não ultrapassarem os 30 (trinta) anos

AN02FREV001/REV 4.0

114
previstos no artigo 75 do Código Penal. Luis Regis Prado (2008) classifica o
concurso formal em perfeito (ou próprio), sendo aquele que o agente com uma só
conduta dolosa ou culposa pratica dois ou mais crimes com unidade de desígnios e
concurso formal imperfeito (ou impróprio).
No concurso formal próprio o agente pratica dois ou mais crimes com uma
só conduta, porém sua vontade e consciência são dirigidas para um único crime, o
segundo resulta a título, enquanto no concurso formal impróprio o agente com uma
só conduta deseja a prática de dois ou mais crimes, tendo vontade e consciência
dirigida a cada um deles, por isso, que todos são de conduta dolosa.
No concurso formal próprio a pena a ser aplicada ao agente será a mais
grave, ou se estas sanções forem iguais, somente será aposta uma das penas, mas
em todos os dois casos será aumentada de um sexto até a metade (regra da
exasperação da pena). Enquanto no concurso formal impróprio a pena a ser
aplicada será nos termos do artigo 70, caput, 2ª parte do Código Penal, ou seja,
cumulativamente (soma/regra do cúmulo material das penas).

5.5 CRIME CONTINUADO

Modalidade de concorrência delitiva prevista no artigo 71 do Código Penal,


que assim prescreve:

Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou


mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira
de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos
como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes,
se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso,
de um sexto a dois terços.

Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos


com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do
agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um
só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo,
observadas as regras do parágrafo único do Art. 70 e do Art. 75 deste
Código. (CÓDIGO PENAL, art. 71).

AN02FREV001/REV 4.0

115
Assim é o crime continuado, que para sua existência faz-se necessário que
o mesmo agente – através de uma ou mais ação ou omissão – pratique dois ou mais
delitos idênticos ou não. O professor Mirabete assim define o crime continuado:

Adotando a teoria objetiva pura, como se diz expressamente na exposição


de motivos do projeto que se transformou na Lei nº 7.209/94, que entende
ser o crime continuado uma realidade apurável objetivamente por meio dos
elementos circunstâncias exteriores, independentemente da unidade de
desígnios, o Código conceitua o crime continuado como o conjunto de
ilícitos praticados nas mesmas condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes. (MIRABETE, 1999)

Nos crimes continuados, atendendo a conveniência político-criminal (CP,


art. 71), o Supremo Tribunal Federal, acompanhando a doutrina majoritária, editou a
súmula 711, com o seguinte teor: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime
continuado ou ao permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da
continuidade ou da permanência”.
Com está súmula o Supremo Tribunal Federal passou a estabelecer ao
crime continuado o mesmo entendimento dos crimes permanentes. Assim, caso o
agente pratique o crime continuado durante meses seguidos, esta continuação
criminosa será regida, no caso de sucessão de leis, não pela lei que vigora à época
do primeiro crime, mas da lei que estiver em vigência no último crime, isto é, da
cessação da continuidade, ainda que seja a lei mais grave. Para a aplicação da
pena nos crimes continuados a doutrina entende que existem três teorias:

1. Teoria da Unidade Real: Entende que no crime continuado somente


ocorre um único crime.
2. Teoria da Ficção Jurídica: Idealizada por Francisco Carrara. Entende
que no crime continuado ocorrem vários crimes, em concurso material, mas que por
razões de política-criminal é tratado como crime único.
3. Teoria da Unidade Jurídica ou Mista: Ao contrário das anteriores
entende que no crime continuado não há unidade ou pluralidade de crimes, mas sim
a existência de um terceiro delito.

AN02FREV001/REV 4.0

116
Para efeito de aplicação da pena no crime continuado o Código Penal
adotou a teoria da ficção jurídica. Já em relação aos elementos que constituem o
crime continuado existem as seguintes teorias:

1. Teoria Subjetiva: O crime continuado apresenta-se com unidade de


desígnios.
2. Teoria Objetiva: O crime continuado apresenta-se com elementos
externos (lugar do crime, tempo do crime, execução do crime, etc.).
3. Teoria Objetiva-Subjetiva: Coexistência de unidade de desígnios e de
outros elementos externos (lugar do crime, tempo do crime, execução do crime,
etc.).

O Código Penal não traz em qualquer de seus artigos referências a uma ou


outra teoria. Isto ficou na incumbência da Exposição de Motivos da Parte Geral, que
adota a Teoria Objetiva Pura no item 59: o critério da teoria puramente objetiva não
revelou na prática maiores inconvenientes a despeito das objeções formuladas pelos
partidários da teoria objetiva-subjetiva. O Projeto optou pelo critério que mais
adequadamente se opõe ao crescimento da criminalidade profissional, organizada e
violenta, cujas ações se repetem contra vítimas diferentes, em condições de tempo,
lugar, modos de execução e circunstâncias outras, marcadas por evidente
semelhança.
Estender-lhe o conceito de crime continuado importa em beneficiá-la, pois o
delinquente profissional tornar-se-ia passível de tratamento penal menos grave que
o dispensado a criminosos ocasionais. De resto, com a extinção, no Projeto, da
medida de segurança para o imputável, urge reforçar o sistema destinando penas
mais longas aos que estariam sujeitos à imposição de medida de segurança
detentiva e que serão beneficiados pela abolição da medida.
A Política Criminal atua, neste passo, em sentido inverso, a fim de evitar a
libertação prematura de determinadas categorias de agentes, dotados de acentuada
periculosidade. Posicionamento da Jurisprudência em relação à teoria objetiva nos
crimes continuados:

Indispensabilidade de unidade de desígnios (STF): “O Código Penal

AN02FREV001/REV 4.0

117
brasileiro, no tocante ao crime continuado, adotou a teoria objetiva. Todavia,
no exame de cada caso, não se pode afastar a unidade de desígnios, que
leva de qualquer modo o legislador a penetrar no elemento subjetivo do
agente” (RT 576/482).

STJ: “Para a caracterização da continuidade delitiva é imprescindível o


preenchimento dos requisitos objetivos (mesmas condições de tempo,
espaço e modus operandi) e subjetivo (unidade de desígnios).
Precedentes”. (STJ - Quinta Turma - REsp 819743/PR).

STJ: “Para a caracterização da continuidade delitiva, faz-se imprescindível a


comprovação da unidade de desígnio do agente, não se satisfazendo com a
só convergência dos requisitos objetivos”. (STJ - Sexta Turma - HC
33263/SP).

Para o professor Luiz Regis Prado (2008), o crime continuado possui duas
espécies, a saber: o delito continuado comum previsto no artigo 71, caput, do
Código Penal e o delito continuado específico, este com previsão no artigo 71,
parágrafo único do Código Penal. Apresenta, ainda, o professor Luiz Regis Prado
(2008), requisitos distintos para cada espécie de crime continuado. Requisitos
essenciais para a existência do crime continuado comum (artigo 71, caput, do
Código Penal):

1. Pluralidade de condutas: Para a existência do crime continuado comum


faz-se necessário que o agente pratique duas ou mais condutas.

2. Crimes da mesma espécie: Para a existência do crime continuado


comum faz-se necessário que o agente com mais de uma conduta ofenda o mesmo
bem jurídico.

3. Circunstâncias semelhantes: Para a existência do crime continuado


comum faz-se necessário que o agente com mais de uma conduta ofenda o mesmo
bem jurídico e com aproximação do nexo de continuidade delitiva das circunstâncias
de tempo, lugar, modo de execução e outras.

Requisitos essenciais para a existência do crime continuado específico


(artigo 71, parágrafo único, do Código Penal):

AN02FREV001/REV 4.0

118
Além dos requisitos essenciais previstos para o crime continuado comum
(pluralidade de condutas, crimes de mesma espécie e circunstâncias semelhantes),
o crime continuado específico exige o concurso de mais três condições:

1. Crimes dolosos: Somente existe crime continuado específico em delitos


dolosos. Não existe crime continuado específico em delitos culposos.
2. Pluralidade de vítimas: Para a existência de crime continuado específico
faz-se necessário que sejam diversas vítimas. Caso seja a mesma vítima trata-se de
crime continuado comum.
3. Emprego de violência ou grave ameaça à pessoa: Para a existência de
crime continuado específico faz-se necessário o emprego de violência física ou
ameaça contra pessoa e não contra coisa (casa, carro).
Aplicação das penas nos crimes continuados:

1. Crime continuado comum: a pena a ser aplicada no caso delas possuírem


iguais valores será uma delas aumentada de um sexto até a dois terços, caso os
valores das penas sejam diferentes será aplicada a pena do crime mais grave (maior
valor), aumentada de um sexto até a dois terços.

2. Crime continuado específico: o juiz pode aumentar a pena de um só dos


crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo.

É importante para uma maior compreensão estabelecer a diferença entre o


crime continuado e o crime habitual. Neste existe a reiteração de atos que fazem
parte da vida cotidiana do agente, por exemplo, o exercício ilegal da medicina, arte
dentária ou farmacêutica (artigo 282, do Código Penal), enquanto que no crime
continuado a conduta do agente não revela o seu estilo de vida. Ocorre, por
exemplo, o crime continuado no caso de um funcionário de um supermercado que
furta, diariamente, pequenas quantias de dinheiro, para não despertar suspeitas do
gerente.

5.6 CONCURSO DE PESSOAS OU CONCURSO DE AGENTES

AN02FREV001/REV 4.0

119
O Código Penal vigente estabelece as regras do concurso de pessoa nos
termos do artigo 29, que assim prescreve:

Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 1º Se a participação for de
menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º
Se algum dos concorrentes quis participar de crimes menos grave, ser-lhe-á
aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a metade, na
hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (CÓDIGO PENAL,
art. 29).

No concurso de pessoas não se fala em números de condutas, e nem de


quantidades de delitos, e sim no número de agentes que de qualquer forma
participam da mesma ação delitiva. Ocorre o concurso de pessoas quando vários
agentes, não sendo necessário que um conheça previamente a conduta do outro,
concorrem para a prática de uma infração penal. Normalmente os tipos legais
previstos no Código Penal referem-se a condutas praticadas por uma pessoa, mas
nada impede que estes tipos legais também sejam praticados por diversas pessoas.

Para o professor Mirabete, concurso de pessoa é:

Pode o crime ser praticado por uma ou várias pessoas em concurso, que
colaborem moral ou materialmente para sua execução. Este concurso de
pessoas, ou concurso de agentes, ou coautoria, ou participação criminosa,
pode ser definido como a ciente e voluntária colaboração de duas ou mais
pessoas na prática da mesma infração penal. Há convergência de vontades
para um fim comum, que é a realização do tipo penal, sem que haja
necessidade de ajuste prévio entre os colaboradores. Mesmo que não se
apure a quem atribuir a produção direta do evento, no que se convencionou
chamar de autoria incerta, todos os que colaboram para o resultado
respondem por ele. (MIRABETE, 1999)

5.6.1 Tipos de Crimes Quanto ao Número de Pessoas que Deles Participam

AN02FREV001/REV 4.0

120
1 Monossubjetivos ou de concurso eventual: Tipos de crimes que
podem ser praticados por uma ou mais pessoas. Exemplo: Homicídio. Assim, o
agente pode praticar um delito sozinho, em coautoria com alguém ou, ainda, se
favorecido pela participação de outro agente que auxilie, instigue ou induza.

2 Plurissubjetivos ou de concurso necessário: Tipos de crimes que


podem ser praticados por uma pluralidade de pessoas. Exemplo: Crime de Rixa.

5.6.2 Autoria, Coautoria e Participação

1 Conceito de Autoria: Sujeito que pratica a conduta contida no verbo do

tipo legal, por exemplo, no crime de homicídio, “sujeito quem mata alguém”.

Formas de Autoria:

1.1 Autoria Mediata ou Indireta: Para Luiz Regis Prado, autor mediato ou

indireto é:

Aquele que, possuindo o domínio do fato, serve-se de terceiro que atua


como mero instrumento (geralmente inculpável-menor/doente mental;
hipótese de coação moral irresistível e de obediência hierárquica). Não cabe
autoria mediata nos casos de: o autor direto (intermediário) é inteiramente
responsável; nos delitos especiais (instrumento não qualificado) e de mão
própria – só pode haver participação (ex: art. 342, CP, falso testemunho ou
falsa perícia). (PRADO, 2008)

Autor mediato é aquele que para praticar o crime utiliza-se de terceiro como
se fosse instrumento do crime.

1.2 Autor Imediato ou Direto: Tipo de autoria que ocorre nos crimes em
que o próprio agente pratica sozinho sem a ajuda de um terceiro. O agente neste

AN02FREV001/REV 4.0

121
tipo de autoria é denominado de autor executor (aquele que realiza o núcleo do
verbo do tipo) e autor intelectual, o chefe da quadrilha (quem pensa, arquiteta, o
núcleo do verbo do tipo para que outro agente realize o núcleo do verbo do
tipo/autor executor). A autoria mediata surge nas hipóteses abaixo:

I. Coação Moral Irresistível (art. 22 do Código Penal): Responde o coator


(quem faz a coação) pelo crime, ficando o coato (quem sofre a coação) isento de
culpa pela impossibilidade de conduta diversa (objeto de estudo do módulo VI);
II. Na obediência hierárquica (artigo 22 do Código Penal): Responde pelo
crime o superior hierárquico autor da ordem, ficando o inferior hierárquico isento de
culpa pela impossibilidade de conduta diversa (objeto de estudo do módulo VI);
III. Na indução a erro;
IV. No uso do inimputável (objeto de estudo do módulo VI);
V. No uso como instrumento do crime de pessoa protegida por causa de
excludente de ilicitude (objeto de estudo do módulo VI).

1.3 Coautoria: Todos os agentes são autores do crime previsto no tipo


legal. Dois ou mais agentes realizam de comum acordo o núcleo do verbo previsto
no tipo legal. Cada autor do crime sabe de sua tarefa. Exemplo: No crime de roubo o
agente A emprega violência contra a vítima, enquanto o agente B subtrai a coisa.

2 Conceito de Participação: Na autoria temos a figura do sujeito,


agente. Na participação o agente recebe a denominação de partícipe: aquele que
sem praticar a conduta descrita no verbo do tipo legal ajuda de algum modo o autor
para a produção do resultado. O partícipe não tem nenhum poder de comando sobre
o crime (ele instiga, auxilia o autor). Exemplo: agente (partícipe) que no crime de
roubo (artigo 157, CP) não subtrai a coisa móvel alheia com violência e, sim, fica de
vigilância para que seus comparsas pratiquem o crime.
A diferença marcante entre autor e partícipe centraliza-se na conduta, uma
vez que na autoria o sujeito realiza a conduta descrita no tipo incriminador (verbo:
matar, subtrair), enquanto que o partícipe não realiza a conduta descrita no tipo
incriminador (verbo: matar, subtrair), mas concorre para o resultado.
A diferença marcante entre coautor e partícipe centraliza-se na conduta,

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122
uma vez que na coautoria o sujeito realiza a conduta descrita no tipo incriminador
(verbo: matar, subtrair), enquanto que o partícipe não realiza a conduta descrita no
tipo incriminador (verbo: matar, subtrair), mas concorre para o resultado.

Formas de Participação:

I. Participação Moral: O partícipe instiga, induz o autor.

II. Participação Material: O partícipe auxilia o autor de alguma forma, por exemplo,
emprestando a sua arma.

Em relação à natureza jurídica do concurso de pessoas o Código Penal


adotou, nos termos do artigo 29, caput, do Código Penal, como regra a teoria
unitária ou monista (todos os agentes que contribuírem para a execução do crime
cometem o mesmo delito), ao determinar que coautores e partícipes respondam por
um único crime, ou seja, todos aqueles que de alguma forma contribuíram para o
resultado do delito devem responder.
O artigo 29, § 2º, do mesmo diploma legal prevê exceção à regra da adoção
da teoria unitária ou monista, ao adotar a teoria pluralista ou pluralística (cada
partícipe responde pelo crime que quis praticar) para determinar a natureza jurídica
do concurso de pessoas, ao dispor: Se algum dos concorrentes quis participar de
crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste... Exemplo: Agente (partícipe)
que no crime de furto (artigo 155, CP) não subtrai a coisa móvel alheia e, sim, fica
de vigilância para que seus comparsas pratiquem o crime não pode ser
responsabilizado pelo crime de estupro. O partícipe somente responderá pelo crime
de furto.

Observação:

 Autoria Colateral: Não faz parte do concurso de pessoas. Ocorre toda vez
que duas ou mais pessoas, atuando com condutas autônomas (independentes, um
não sabe da conduta do outro), praticam um delito com tipificação legal. Exemplo: A

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123
e B pretendem matar C os dois atiram no mesmo instante. Sendo que A e nem B
sabe um da vontade do outro de matar C.
 Autoria Incerta: Surge quando na autoria colateral não se sabe quem foi o
responsável. Ocorre toda vez que duas ou mais pessoas, atuando com condutas
autônomas (independentes, um não sabe da conduta do outro), praticam um delito
com tipificação legal sem que seja possível identificar o executor (agente). No
exemplo da Autoria Colateral seria o caso de não ser possível identificar qual dos
dois executores (A ou B) efetuou o disparo que matou C. Nesse caso aplica-se o
princípio in dubio pro reo, e os executores (A e B) responderão por homicídio
tentado.
 Multidão Delinquente: Existem crimes tipificados no Código Penal que
só podem ser praticados com a participação de vários agentes, por exemplo, artigo
288 do Código Penal (bando ou quadrilha). A este tipo de crime que exige a
participação de vários agentes a doutrina denomina de participação necessária
imprópria.
 Participação Impunível: Prevista no artigo 31 do Código Penal, que
assim prescreve: “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo
disposição expressa em contrário, não são puníveis se o crime não chega, pelo
menos, a ser tentado”. O que o artigo diz é que se o crime não chegou ao ato de
execução, não se pode falar em responsabilidade penal, por inexistir fato típico, se
não existe crime não há que se falar em participação.

5.6.3 Requisitos do Concurso de Pessoas

1 Pluralidade de condutas: Para que ocorra o concurso de pessoa é


necessária mais de uma conduta, por exemplo, uma conduta do autor e uma
conduta do partícipe.
2 Relevância causal de cada conduta: Para que ocorra o concurso de
pessoas é necessário que cada conduta tenha de alguma forma contribuído para o
resultado, caso contrário não será integrante do concurso de agentes. Exemplo: O
agente A atira e mata a vítima B, cinco dias depois do fato o agente C esconde o

AN02FREV001/REV 4.0

124
corpo.
3 Liame Subjetivo: Para que ocorra o concurso de pessoas é
necessário que cada agente tenha consciência que quer e vai concorrer para o
crime. Exemplo: faxineira que ao sair da residência em que trabalha deixa a porta
aberta para que seu comparsa entre e furte os eletrodomésticos. Não é necessário
acordo de vontades, basta que uma vontade adira à outra. Não há participação
dolosa em crime culposo e vice-versa. Exemplo: doutrinário de Fernando Capez
(2006), é o caso do pai que abandona o filho menor na autoestrada, propiciando
para que ele seja atropelado e morto; neste caso o pai responderá por homicídio
doloso e não como partícipe do crime de homicídio culposo do motorista.

4 Identidade do ilícito Penal: Todos que em concurso de pessoas


pratiquem determinado delito por ele devem responder (coautores, partícipes).

5.6.4 Punibilidade no Concurso de Pessoas

1 Participação de menor importância: Prevista no artigo 29, § 1º do


Código Penal, que assim prescreve: “Se a participação for de menor importância, a
pena pode ser diminuída de um sexto a um terço”. A princípio todos os autores,
coautores e partícipes respondem pelas sanções do crime cometido, porém caso um
dos agentes tenha desejado participar de crime menos grave a pena pode ser
reduzida de um sexto a um terço. O quantum da redução fica a critério do juiz, mas
sempre distinguindo a atuação de cada agente no delito nos termos do artigo 29,
caput do Código Penal, que trata da culpabilidade.

2 Cooperação Dolosamente Distinta: Prevista no artigo 29, § 2º do


Código Penal que assim prescreve: “Se algum dos concorrentes quis participar de
crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até
a metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”. Aqui fica claro
que o legislador quis beneficiar um dos partícipes durante o iter criminis no concurso
de pessoas – por questões de política-criminal – e desviou sua conduta para o delito

AN02FREV001/REV 4.0

125
menos grave e não mais grave realizado por outro agente (partícipe).
Neste caso o agente que quis participar do delito menos grave responderá:
 Pelo crime menos grave;
 Pelo crime menos grave, aumentada a pena até a metade, se previu
o resultado e não o aceitou;
 Pelo crime mais grave, aumentada a pena até a metade, se previu o
resultado e o aceitou.

Exemplo Prático:

A contrata B para que este aplique uma surra em C, porém B acaba


matando C. A responderá pelo crime menos grave de lesão corporal se não tinha
previsão do resultado, se A tinha previsão do resultado responderá pelo crime
menos grave aumentado até a metade, enquanto B responderá pelo crime mais
grave (homicídio) aumentado até a metade. Evidentemente, o previsto no artigo 29,
§ 2º do Código Penal não se aplica aos crimes culposos, uma vez que nos crimes
culposos não há que se falar em desejar o resultado diferente (diverso) do
pretendido.
Assim se posiciona a doutrina:

Responsabilidade pelo crime menos grave (TJSP): Se o intuito do agente


era de participar tão somente de roubo e se não foi ele o autor dos disparos
letais, inviável a sua responsabilização pelo latrocínio. Nesta hipótese,
impõe-se a desclassificação para o delito de menor gravidade com
agravamento da pena em razão da previsibilidade do resultado, conforme
art. 29 § 2º do CP (RT 672/309).

AN02FREV001/REV 4.0

126
FIM DO MÓDULO V

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127
MÓDULO VI

6 INTRODUÇÃO

6.1 EXCLUDENTES DE ILICITUDE OU DE ANTIJURICIDADE

A conduta do agente que se amolda ao tipo legal (exemplo: Crime de


Homicídio, tipo legal: artigo 121 do Código Penal) denomina-se ilicitude, ou seja, há
uma relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico. A doutrina
pátria denomina a ilicitude também como antijuricidade. Fernando Capez (2006)
assim conceitua ilicitude ou antijuricidade: “É a contradição entre a conduta e o
ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típica tornam-se ilícitas”.
Em primeiro lugar, dentro da fase inicial de seu raciocínio, o intérprete
verifica se o fato é típico ou não. Na hipótese de atipicidade, encerra-se, desde logo,
qualquer indagação acerca da ilicitude. É que, se um fato não chega sequer a ser
típico, pouco importa saber se é ou não ilícito, pois, pelo princípio da reserva legal,
não estando descrito como crime, cuida-se de irrelevante penal. Exemplo: no caso
do furto de uso, nem se indaga se a conduta foi ou não acobertada por causa de
justificação (excludente de ilicitude).
O fato não se amolda a nenhum tipo incriminador, sendo, por isso, um “nada
jurídico” para o Direito Penal. Ao contrário, se nessa etapa inicial contata-se o
enquadramento típico, aí sim passa-se à segunda fase de apreciação, perscrutando-
se acerca da ilicitude. Se, além de típico, for ilícito, haverá crime. O Código Penal
prevê no seu artigo 23 as excludentes de ilicitude ou como a doutrina pátria também
denomina de excludentes de antijuricidade, que nada mais são do que hipóteses em
que apesar de existir fato típico o crime não existe, ou seja, o fato típico não é mais
ilícito.

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130
O artigo 23 do Código Penal traz as excludentes de ilicitude: “Não há crime
quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima
defesa; III - em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.
Excesso punível: Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste
artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”.
Assim leciona o Professor Mirabete sobre o artigo 23 do Código Penal que
trata da exclusão de ilicitude:

Prevê a lei as causas que excluem a ilicitude do fato típico, chamadas de


causas excludentes da criminalidade, ou excludentes da antijuricidade, ou
excludentes da ilicitude, ou justificativa, ou descriminante. Dispondo a esse
respeito, diz a lei brasileira, no art. 23, em caráter geral, que “não há crime”
quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima
defesa, em estrito cumprimento de dever legal e no exercício regular de
direito. (MIRABETE, 1999)

O Código Penal enumera 4 (quatro) excludentes de ilicitude e cada uma com


seus requisitos próprios.

6.1.1 Causas Supralegais que Excluem o Ilícito Penal

1. Estrito Cumprimento do Dever Legal

O seu fundamento legal está previsto no artigo 23, inciso III, 1ª parte, que
assim prescreve: “Não há crime quando o agente pratica o fato em estrito
cumprimento do dever legal”. Fica claro que aqui a lei refere-se ao agente
específico, ou seja, crime próprio, que é aquele que somente pode ser praticado por
determinada pessoa. No caso do Estrito Cumprimento do Dever Legal, só pode ser
sujeito ativo do crime o agente público, funcionário ou particular no exercício de
função pública.

AN02FREV001/REV 4.0

131
A excludente de ilicitude do estrito cumprimento de dever legal alcança
funcionários e agentes públicos que atuem por determinação legal. Alcança também
o particular que exerce função pública; casos de mesários da justiça eleitoral, jurado
do tribunal do júri, etc. É este também o entendimento de Mirabete:

Não há crime quando o agente pratica o fato no “estrito cumprimento de


dever legal”. Evidentemente, como a lei não contém contradições, quem
cumpre regularmente um dever não pode, ao mesmo tempo, estar
praticando um ilícito penal. Essa excludente pressupõe no executor um
funcionário ou agente público que atua por ordem da lei, não se excluindo o
particular que exerça, eventualmente, uma função pública. (MIRABETE,
1999)

Caso fosse necessário conceituar Estrito Cumprimento de Dever Legal,


uma vez que o Código Penal pátrio não o faz, diria que se trata da conduta do
agente público, funcionário ou qualquer particular que esteja no exercício da função
pública, que com sua conduta tenha praticado um fato típico como causa de
exclusão de antijuricidade.
Uma conceituação doutrinária de estrito cumprimento de dever legal é de
Fernando Capez (2006), que assim o define: “É a causa de exclusão da ilicitude que
consiste na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma
obrigação imposta por lei, nos exatos limites dessa obrigação”.

Requisitos do Estrito Cumprimento do Dever Legal:

I. A conduta do agente tem que ser imposta por lei (decreto, regulamento ou
qualquer ato administrativo infralegal);

II. Conhecimento da situação justificante: O agente tem que ter consciência


que sua conduta típica nada mais é do que uma imposição da lei. Não atua com
conhecimento da situação justificante o policial que prende determinado criminoso

AN02FREV001/REV 4.0

132
por questões de vingança, mesmo que em seguida descubra que ele tem mandado
de prisão.

III. O agente não pode atuar com excesso, caso sua conduta configure
excesso responderá na forma dolosa ou culposa.
Exemplo: Investigador de Polícia que prende em flagrante delito certo
criminoso, privando-o de sua liberdade. Nesse caso, aquele não comete o crime
previsto no artigo 146 do Código Penal (constrangimento ilegal) e nem o crime de
abuso de autoridade previsto na Lei Federal nº 4.898/65, pois o artigo 292 do Código
de Processo Penal obriga todo policial que, ao presenciar uma situação de flagrante
delito, efetue a prisão do respectivo autor. É de se observar que o Investigador de
Polícia deve limitar sua conduta exatamente no que a lei determina.

Exemplo da jurisprudência:

Estrito cumprimento do dever legal em lesão corporal (TACRSP): “Age no


estrito cumprimento de dever legal e, destarte, não pratica crime algum o
policial que, em perseguição a delinquente em fuga, atira contra a sua perna
para obstar aquela, ao receber ordem, nesse sentido, da autoridade
hierarquicamente superior”. (RT 402/276).

É de se observar que a excludente de ilicitude do estrito cumprimento de


dever legal alcança os coautores e partícipes do fato, pois se determinado fato não é
ilícito para o autor não pode ser também para os demais que participaram em
concurso de pessoa. A única hipótese é que os coautores e partícipes do fato não
serão beneficiados com as excludentes de ilicitude (estrito cumprimento do dever
legal, exercício regular de direito, estado de necessidade e legítima defesa; e no
caso de não conhecerem a causa justificadora da conduta). Exemplo: Alguém do
povo que auxilia a polícia na prisão em flagrante de certo criminoso.

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133
2. Estado de Necessidade

Causa de exclusão de ilicitude prevista no artigo 24 do Código Penal, que


assim prescreve:

Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de


perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo
evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era
razoável exigir-se.
§ 1º Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de
enfrentar o perigo.
§ 2º Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena
poderá ser reduzida de um a dois terços. (CÓDIGO PENAL, art. 24).

Causa de exclusão da ilicitude da conduta típica do agente que, não tendo o


dever imposto por lei para enfrentar uma situação de perigo atual que não foi o
responsável, salva o bem jurídico ameaçado em detrimento de outro alheio ou
próprio, ou seja, na excludente de ilicitude do estado de necessidade existem dois
ou mais bens jurídicos em situação de perigo. Como não foi o agente que os pôs em
perigo poderá o agente optar qual salvará e qual sacrificará. Fernando Capez assim
conceitua estado de necessidade:

Causa de exclusão da ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal


de enfrentar uma situação de perigo atual, a qual não provocou por sua
vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar
outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir. No estado de
necessidade existem dois ou mais bens jurídicos postos em perigo, de
modo que a preservação de um depende da destruição dos demais. Como
o agente não criou a situação de ameaça, pode escolher, dentro de um
critério de razoabilidade ditado pelo senso comum, qual deve ser salvo.
(CAPEZ, 2006)

Posição da jurisprudência:

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134
Preservação de direito próprio ou alheio (TACRSP): O estado de
necessidade se caracteriza pela absoluta necessidade de delinquir para
salvaguarda de direito próprio ou alheio que não possa ser por outro meio
protegido. (JTACRIM 36/319).

Requisitos do estado de necessidade:

I. Situação de Perigo:

A. Atual: O agente está autorizado a destruir um bem jurídico que está em


perigo.
B. Ameaçar direito próprio ou alheio: Qualquer bem protegido pelo
ordenamento jurídico como o patrimônio, a vida.
C. Perigo não pode ter sido causado voluntariamente pelo agente: Aqui a
doutrina pátria diverge, pois uns entendem que somente o perigo que o agente
causou dolosamente impede que o autor alegue estado de necessidade, outros
entendem que não apenas o perigo doloso impede que o autor declare estado de
necessidade, mas também o perigo provocado por culpa.
D. Inexistência do dever legal de arrostar o perigo: O agente somente
poderá alegar estado de necessidade caso não tenha o dever legal de enfrentar o
perigo. Assim, os Bombeiros Militares não podem alegar estado de necessidade,
pois a lei impõe o dever legal a eles de enfrentar o perigo, ou seja, caso o autor
tenha o dever legal de enfrentar o perigo deve salvar o bem jurídico ameaçado sem
destruir qualquer outro bem jurídico.

II. Conduta Lesiva:

A. Inevitável o comportamento para a destruição do bem: O agente somente


poderá sacrificar o bem jurídico tutelado pelo ordenamento caso não exista qualquer
outro meio de salvá-lo. O agente deve verificar antes de destruir o bem se não há
outra maneira menos lesiva para afastar o perigo.

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135
B. Sacrifício razoável: Aqui a lei trata do senso comum do agente em
avaliar o valor do bem jurídico a ser sacrificado para salvar outro bem jurídico. O
agente, ao considerar bens jurídicos, usando o seu senso comum, deve saber que a
vida humana tem mais valor que os bens materiais (carro, casa, etc.).
Posição da jurisprudência:

Razoabilidade da conduta do agente (TACRSP): Identifica-se o estado de


necessidade sempre que, nas circunstâncias em que a ação foi praticada,
não era razoavelmente exigível a sacrifício do direito ameaçado. (RT
603/354).

Caso o agente, ao destruir o bem jurídico protegido pelo ordenamento para


salvar outro bem jurídico que se encontrava ameaçado de perigo, e caso seja
verificado que a destruição do bem jurídico não era razoável, faltando um dos
requisitos para que ele alegue o estado de necessidade a seu favor, fica claro que
não haverá exclusão da ilicitude do estado de necessidade.
O agente que destruiu o bem jurídico cujo seu sacrifício não era razoável
responderá pelo fato nos termos do artigo 24, § 2º, do Código Penal, que diz:
“Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser
reduzida de um terço a dois terços”.

C. Conhecimento da situação justificante: Para que o agente alegue estado


de necessidade ao destruir um bem jurídico, para salvaguardar outro de uma
situação de perigo atual que não criou por sua vontade, deverá conhecer os
pressupostos do estado de necessidade.

Exemplos de estado de necessidade do professor Luiz Regis Prado (2008):

a) A está em um lago afogando-se. Seu amigo B, empunhando um revólver,


obriga C, proprietário de um barco, a lhe entregar a embarcação que, empregada
para salvar A, sofre consideráveis danos;

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136
b) A casa de A incendiou-se. B, para evitar a propagação do incêndio a uma
casa vizinha, de menor dimensão, derruba uma parte da casa em chamas;

c) Durante uma cerimônia religiosa anuncia-se no povoado um incêndio. A


interrompe a cerimônia para avisar aos vizinhos;

d) Os náufragos A e B agarram-se a uma salva-vidas, insuficiente para os


dois. A joga B na água e este morre afogado.

3. Legítima Defesa

Causa de exclusão de ilicitude prevista no artigo 25 do Código Penal que


assim prescreve: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente
dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou
de outrem”. Neste tipo de excludente de ilicitude o aluno tem que centralizar a sua
aprendizagem na palavra chave injusta agressão. Não há como confundir legítima
defesa com estado de necessidade, pois neste existe uma situação de perigo, que
coloca em conflito dois ou mais bens, enquanto na legítima defesa há uma agressão
injusta.
A legítima defesa, então, vem a ser a repulsa ou o impedimento de uma
agressão injusta, ilegítima, atual ou próxima de acontecer, realizado por quem sofre
a agressão ou está próximo de sofrer ou mesmo um terceiro que repele a agressão
injusta para defender o agredido.

Fernando Capez assim conceitua legítima defesa:

Causa de exclusão da ilicitude que consiste em repelir injusta agressão,


atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos
meios necessários. Não há, aqui, uma situação de perigo pondo em conflito
dois ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado. Ao contrário,
ocorre um efetivo ataque contra o agente ou terceiro, legitimando a repulsa.
(CAPEZ, 2006)

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Requisitos da Legítima Defesa:

I. Agressão

A. Injusta

É toda conduta humana injusta, ilícita, que atinge um bem protegido pelo
ordenamento jurídico. Observações importantes:

 Ataque de animal não configura legítima defesa. A defesa de uma pessoa


contra um animal configura estado de necessidade;
 Para configurar a legítima defesa não há necessidade que a agressão
seja um crime;
 Pode se agir em legítima defesa contra a repulsa de agressão injusta de
doentes mentais, menores de 18 (dezoito) anos;
 Quem agir em legítima defesa contra a repulsa de agressão injusta deve
aferir a gravidade da provocação do agente (agressões verbais de brincadeiras não
autorizam a legítima defesa).

B. Atual ou Iminente

É aquela agressão que está ocorrendo ou está prestes a ocorrer.

Observações importantes:
 A reação à agressão injusta deve ser imediata;
 Não existe legítima defesa em agressões futuras nem passadas;
 Não existe legítima defesa contra legítima defesa ou outra causa de
exclusão de ilicitude (estado de necessidade, exercício regular de direito, estrito
cumprimento de dever legal).

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138
III. Agressão a Direito Próprio ou de Terceiro

É autorizada a legítima defesa no caso de agressões injustas ao direito


individual alheio. Todo direito, seja do próprio indivíduo ou de terceiro, está protegido
contra ataque injusto. Exemplo clássico de legítima defesa de terceiro é quando
alguém bate em um suicida para impedi-lo que ponha fim à própria vida.
Posição da jurisprudência:

Legítima defesa de qualquer bem jurídico (TJSP): Não é só a vida ou a


integridade física que goza da proteção da legítima defesa. Todos os
direitos podem e devem ser objeto de proteção, incluindo-se a posse e a
propriedade. (JTJ 204/262).
Legítima defesa de terceiro (TJSP): Age em legítima defesa de terceiro
quem se vê na contingência de eliminar o próprio pai, ébrio habitual, em
socorro da mãe, por ele agredida. (RT 581/294).

IV. Repulsa necessária e moderada

A legítima defesa não deve ultrapassar os limites necessários para compelir


a agressão injusta. O agente que age em legítima defesa deve usar os meios
necessários para afastar a agressão injusta. Caso o agente ultrapasse os limites
necessários para repelir a agressão injusta a legítima defesa resta descaracterizada,
respondendo pelos excessos causados. Exemplo: Agente que mata alguém que o
agredia, mas bastava a lesão, responde por homicídio doloso.
Exemplo da jurisprudência:

Exigência de proporcionalidade entre o mal causado e o evitado (TJPR):


Havendo flagrante desproporção entre a ofensa ao patrimônio do recorrente
e a reação por ele posta em prática, não se pode cogitar de absolvição
liminar pela excludente da legítima defesa. (RT 542/377).

V. Conhecimento da Situação justificante

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139
Para que o agente tenha sua conduta acobertada pela legítima defesa é
necessário que ele queira se defender, caso contrário na sua mente ele somente
queira praticar um crime, a legítima defesa estará afastada. Hipóteses que não é
possível a legítima defesa, em razão da ausência de agressão injusta:

 Legítima defesa real contra Legítima defesa real


 Legítima defesa real contra estado de necessidade
 Legítima defesa real contra exercício regular de direito
 Legítima defesa real contra estrito cumprimento do dever legal;

Exemplos de legítima defesa do professor Luiz Regis Prado (2008):

a) O proprietário que altas horas da madrugada percebe rumores em sua


casa, arma-se de revólver para constatar os fatos, surpreende o assaltante dentro
de seu automóvel, pronto para sair, ato contínuo, alveja-o em legítima defesa;

b) A, agredido fisicamente por B e C, em via pública, reage com disparo de


arma de fogo, que portava licitamente, e acaba por matar um de seus agressores;

c) Aquele que se encontra em sua residência durante a noite e, percebendo


que alguém tenta a força ingressar no seu interior, desfecha disparo contra quem
pretendia invadi-la.

4. Exercício Regular de Direito

Como ocorre com o estrito cumprimento de dever legal, o Código Penal não
reservou um artigo especial para o exercício regular de direito, apenas o fez de
maneira geral no artigo 23, que assim prescreve: “Não há crime quando o agente
pratica o fato: II – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de
direito.

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140
Como nas outras causas de exclusão de ilicitude, aqui também o agente
pratica um fato típico, porém lícito. Excelente conceito de exercício regular de direito
é trazido pelo Professor Mirabete (1999): “Não responde por crime, também, aquele
que pratica o fato típico em exercício regular de direito”. Qualquer pessoa pode
exercer um direito subjetivo ou faculdade, já que ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei (art. 5º, II da CF). Exclui-se a
ilicitude da conduta típica nas hipóteses em que o sujeito está autorizado a esse
comportamento. Estão incluídas na descriminante as ofensas à integridade corporal
na prática dos esportes, nas intervenções médicas ou cirúrgicas, etc.
Fica claro que o agente que está no exercício de um direito nunca poderá
cometer um ilícito. Neste mesmo sentido coaduna Luiz Regis Prado (2008) ao
afirmar que não se pode considerar ilícita a prática de ato em que a própria lei
permite, por exemplo, a lesão ocasionada nos pugilistas nos combate, ambos têm
excluídas as ilicitudes de suas condutas previstas no artigo 129 do Código Penal,
em razão do exercício regular de direito.

O exercício regular de direito como causa de exclusão de antijuricidade nada


mais é do um privilégio estabelecido pelo ordenamento jurídico ao agente que atua
no exercício de um direito (direito penal, extrapenal, etc.). Caso o agente exceda no
exercício regular de direito responderá pelo excesso a título de dolo ou culpa. É este
o entendimento dominante da jurisprudência:

Excesso no exercício regular de direito (TACRSP): O exercício do direito


deve manter-se nos limites da lei em que se fundamenta, pois que, quando
deles se exorbita não se tem “exercício”, mas abuso de direito. (RT
587/340).

Requisitos de exercício regular de direito:

I. O agente tem que atuar efetivamente no exercício regular de direito

II. Conhecimento da situação justificante

Observações:

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141
 O exercício regular de direito alcança qualquer agente;
 O Código Penal prevê exemplos de estrito cumprimento de dever legal,
como o artigo 142, I, que trata da exclusão do crime de injúria ou difamação no caso
de ofensa irrogada em juízo;
 A doutrina pátria divide-se em relação a que tipo de causa de exclusão de
ilicitude pertence os ofendículos (aparelhos predispostos para a defesa da
propriedade, como: cacos de vidros, arame farpado, animais, etc.). Uma parte
considera como exercício regular de direito e outra como legítima defesa
preordenada.

Exemplos de estrito cumprimento de dever legal:

a) Prisão em flagrante delito por particulares (qualquer do povo);


b) Castigos impostos aos alunos pela direção de estabelecimento de ensino
com base em regulamentos;
c) O poder de polícia conferido às autoridades sanitárias para o fechamento
de estabelecimentos;
d) As intervenções cirúrgicas no caso do consentimento do paciente.
Ausente este consentimento pode ocorrer estado de necessidade de terceiros.

6.2 EXCLUSÃO DE ILICITUDE, ERRO DE PROIBIÇÃO E ERRO DE TIPO


PERMISSIVO

Como forma de facilitar a aprendizagem foi reservado para este módulo o

estudo do erro de proibição ou erro sobre a ilicitude do fato (artigo 21 do Código

Penal) e erro de tipo permissivo ou descriminantes putativas (artigo 20, § 1º do

Código Penal).

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142
6.2.1 Erro de Proibição ou Erro sobre a Ilicitude do Fato

Assim prescreve o artigo 21 do Código Penal sobre erro de proibição ou erro


sobre a ilicitude do fato:

O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se


inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um
terço. Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se
omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas
circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. (CÓDIGO PENAL, art. 21).

Na primeira parte do artigo 21 do Código Penal “o desconhecimento da lei é


inescusável”. O legislador deixa claro que se o agente comete um determinado delito
que a lei penal proíbe, não pode ele alegar que não conhecia o preceito, ou seja,
ninguém pode deixar de ser responsabilizado penalmente por alegar que não
conhece a norma. É o que diz Júlio Fabbrini Mirabete:

O legislador fez constar da primeira parte do art. 21 a antiga regra de que o


desconhecimento da lei é inescusável, querendo dizer que, se o agente
desconhece a existência da lei penal que proíbe aquele determinado
comportamento, tal ignorância não o exime de responsabilidade pelo fato
praticado, pois, de acordo com o art. 3º da LICC, ninguém pode escusar-se
de cumprir a lei, alegando que não a conhece. (MIRABETE, 1999)

É importante mencionar que o desconhecimento da lei não exclui a culpa,


mas é circunstância que atenua a pena, conforme preceitua o artigo 65, II do Código
Penal: “São circunstâncias que sempre atenuam a pena: II - O desconhecimento da
lei”. Na segunda parte do artigo 21 do Código Penal: “O erro sobre a ilicitude do fato,
se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”.
O legislador tratou do erro sobre a ilicitude do fato, que ocorre quando o
agente por erro plenamente justificado não tem ou não possui o conhecimento da
ilicitude do fato que praticou. O agente exerce uma conduta imaginando que atua
licitamente, ou seja, o seu erro incide sobre a ilicitude do fato (imagina que o fato
não é ilegal). O agente acredita que sua conduta ilícita é licita. Exemplo: Turista de
certo país da Europa que ao chegar ao Brasil foi preso por uso de maconha, mas

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143
alegou em sua defesa que em seu país é permitido o uso e que não sabia que no
Brasil era proibido.
No caso do artigo 21, segunda parte, o agente, apesar de sua
voluntariedade, ou seja, o dolo, é de se observar que seu erro não incide sobre
elementos do crime e sim sobre a antijuricidade do fato que praticou, por isso não há
culpabilidade. Para Luiz Flávio Gomes, o erro é:

Por erro que concorre uma norma justificante, por desconhecer os limites
jurídicos de uma causa de justificação admitida ou supor a seu favor uma
causa de justificação não acolhida pelo ordenamento jurídico. (GOMES,
2008)

1. Erro de Proibição Escusável: Caso o agente não tenha condições de


mensurar o injusto do fato que praticou estará diante do erro de proibição inevitável
previsto na segunda parte do artigo 21 do Código Penal: “O erro sobre a ilicitude do
fato, se inevitável, isenta de pena”, que sempre exclui a culpabilidade e, por
conseguinte, isenta de pena.

Clara é a jurisprudência neste sentido:

Erro sobre a ilicitude do fato em contravenção (TACRSP): A contravenção,


como o crime, também exige para a sua configuração a consciência e a
vontade para a prática da conduta proibida e, se as características
valorativas do agente não o permitem conhecer a ilicitude do fato, é de se
aplicar a excludente de punibilidade do art. 21 do CP. (RJDTACRIM 1/73).

2. Erro de Proibição Inescusável: Caso o agente tenha condições de


mensurar o injusto do fato que praticou estará diante do erro de proibição evitável.
Neste caso responderá pelo crime a título de dolo, tendo direito à causa de
atenuação da pena prevista na terceira parte do artigo 21 do Código Penal: “Se
evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”. Clara é a jurisprudência neste
sentido:

Existência de erro evitável (TACRSP): Em se tratando do crime de


apropriação de coisa achada, se o agente tem condições de saber se a
coisa é abandonada ou furtada, o erro sobre a ilicitude do fato é inevitável,

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144
caso em que a sua pena será apenas reduzida, já que o erro é inevitável.
(RJDTACRIM 24/60-1).

6.2.2 Erro de Tipo Permissivo ou Descriminante Putativa

Reza o artigo 20, § 1º, do Código Penal: “É isento de pena quem, por erro
plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se
existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de
culpa e o fato é punível como crime culposo”. Aqui o agente, ao avaliar o fato,
imagina por erro que pode agir licitamente ao supor estar diante de uma causa que
justifique sua conduta.
Neste sentido leciona Bittencourt (2002) que as descriminantes putativas
ocorrem quando o objeto do erro for pressuposto de uma causa de justificação.
Putativa: significa errar, imaginar. O magistério de Luiz Regis Prado entende que as
descriminantes putativas:

No que respeita às descriminantes putativas (em que o agente imagina, por


erro, sua conduta lícita, supondo situações que se existente torná-la-ia
legítima), deve-se proceder a uma separação quando o erro versa os
pressupostos fáticos – situação de fato – ou a existência ou os limites
normativos – está permitido, autorizado – de uma causa de justificação (art.
23, CP), isso em virtude da concepção acolhida pelo legislador pátrio.
(PRADO, 2008)

Assim o agente supõe que sua conduta é legal, pois estaria amparado por
uma das causas que permitem o delito (estudo a seguir), ou seja, o agente imagina
que sua conduta está protegida pela causas de exclusão da ilicitude prevista no
artigo 23 do Código Penal; legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular
de direito e estrito cumprimento do dever legal. A doutrina também denomina de
descriminantes putativas por erro de tipo permissivo. As descriminantes putativas
passam a se denominar:

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1. Legítima Defesa Putativa: o agente imagina por erro que está diante de
legítima defesa. Exemplo do Professor Fernando Capez (2006):

O sujeito está assistindo à televisão quando um primo brincalhão surge à


sua frente disfarçado de assaltante. Imagina uma situação de fato, na qual
se apresenta uma agressão iminente a direito próprio, o agente dispara
contra o colateral, pensando estar em legítima defesa. A situação
justificante está só em sua cabeça, por isso diz-se legítima defesa
imaginária ou putativa (imaginária por erro).

2. Estado de Necessidade Putativo: o agente imagina por erro que está


diante de estado de necessidade. Exemplo doutrinário do Professor Fernando
Capez:

Durante a queda de um helicóptero em pane, o piloto grandalhão joga o


copiloto para fora da aeronave, imaginando haver apenas um para-quedas,
quando, na realidade, havia dois. Supôs, equivocadamente, existir uma
situação de fato, na qual se fazia necessário sacrificar a vida alheia para
preservar a própria. A excludente só existia na sua imaginação. (CAPEZ,
2006)

3. Exercício Regular de Direito Putativo: o agente imagina por erro que


está diante de exercício regular de direito. Exemplo do Professor Fernando Capez
(2006): o sujeito corta os galhos da árvore do vizinho, imaginando falsamente que
eles invadiram sua propriedade.

4. Estrito Cumprimento do Dever Legal Putativo: o agente imagina por


erro que está diante de estrito cumprimento do dever legal. Exemplo de estrito
cumprimento de dever legal putativo do Professor Fernando Capez (2006): Um
policial algema cidadão honesto, sósia de um fugitivo.

As excludentes de ilicitude previstas no artigo 23 quando comparadas às


descriminantes putativas são chamadas de legítima defesa real, estado de
necessidade real, exercício regular de direito real e estrito cumprimento do dever
legal real. Nas descriminantes putativas (artigo 20, § 1º do Código Penal) o agente
imagina a agressão injusta, enquanto que nas excludentes de ilicitude (artigo 23 do

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Código Penal) a agressão é realmente injusta, por isso que a primeira é putativa
(imaginária), enquanto que a segunda é real.

Para que ocorra alguma das espécies de descriminantes putativas é


necessário que se apresente situação de fato que leve o agente a supor que tornaria
sua conduta legítima. No erro de tipo permissivo ou descriminante putativa o agente
responderá penalmente da seguinte forma:

1. Inevitável: Elimina o dolo e a culpa (artigo 21, § 1º, primeira parte do


Código Penal).

2. Evitável: Elimina o dolo subsistindo a culpa (artigo 21, § 1º, segunda


parte do Código Penal).

Exemplo de legítima defesa putativa trazida pela jurisprudência pátria:

Casos de legítima defesa putativa (TJSP): Age em legítima defesa putativa


aquele que, já tendo tido sua casa invadida por ladrões, atira num vulto que
à noite se movia no quintal, supondo ser um deles, matando-o. (RT
554/348).

6.2.3 Descriminantes Putativas por Erro de Proibição

Aqui não ocorre nenhum engano por parte do agente. O agente não pratica
sua conduta por erro. Na verdade o agente cria na sua mente uma causa que exclui
o crime que o ordenamento jurídico não prevê. O agente pensa que a lei permite que
ele pratique a conduta, mas na verdade a lei proíbe. O agente imagina que está
diante de legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever
legal e exercício regular de direito.

Exemplo clássico do rústico aldeão que agrediu sua esposa adúltera,


causando sérias lesões a ela, ao imaginar que sua conduta é plenamente lícita no
meio social. Não confundir com descriminante putativa, pois nela o agente imagina

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uma realidade que não existe, enquanto que nas Descriminantes Putativas por Erro
de Proibição o agente não se engana em relação à realidade e sim em relação à
existência de uma norma permissiva. Exemplo do Professor Fernando Capez:

Uma pessoa de idade avançada recebe violento tapa em seu rosto,


desferido por um jovem atrevido. O idoso tem perfeita noção do que está
acontecendo, sabe que seu agressor está desarmado e que o ataque
cessou. Não existe, portanto, qualquer equívoco sobre a realidade concreta.
Nessa situação, no entanto, imagina-se equivocadamente autorizado pelo
ordenamento jurídico a matar aquele que o humilhou, atuando, assim, em
legítima defesa de sua honra. Ocorre aqui uma descriminante (a legítima
defesa é causa de exclusão da ilicitude) putativa (imaginária, já que não
existe no mundo real) por erro de proibição (pensou que a conduta proibida
fosse permitida). (CAPEZ, 2006)

Nas Descriminantes Putativas por Erro de Proibição o agente responderá


penalmente nos termos do artigo 21 do Código Penal, que trata do erro sobre a
ilicitude do fato:

1. Inevitável: Apesar da conduta dolosa o agente não responderá pelo


crime cometido.

2. Evitável: Neste caso o agente responderá pelo crime doloso com a pena
reduzida de um sexto a um terço.

6.3 CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNICÁVEIS

O artigo 30 do Código Penal prevê a incomunicabilidade ou não das


circunstâncias ou condições. Assim dispõe: “Não se comunicam as circunstâncias e
as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

Aqui se faz necessário entender alguns conceitos:

1. Circunstâncias do crime: Particularidade que acompanha algum fato.


Dados acessórios, dados sem importância para a existência do tipo legal. A

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circunstância existe como forma de influenciar na sanção. São dados materiais que
acompanham o crime (Exemplo: lugar do crime, parentesco). Assim entende
Fernando Capez:

São dados acessórios, não fundamentais, para a existência da figura típica,


que ficam a ela agregados, com a função de influenciar na pena. Como o
próprio nome diz, apenas circundam o crime, não integrando a sua
essência. Dessa forma, sua exclusão não interfere na existência da infração
penal, mas apenas a torna mais ou menos grave. (CAPEZ, 2006)

As circunstâncias são encontradas na Parte Geral e Parte Especial (aqui


localizadas nos parágrafos dos artigos) do Código Penal. Exemplo de circunstâncias
encontradas na Parte Especial: No crime de roubo a circunstância é prevista no
artigo 157, § 2º, inciso I do Código Penal, em que o agente ao exercer a violência ou
ameaça a vítima empregou arma de fogo. Neste caso a pena será aumentada de
um terço até a metade. O que se nota no exemplo aqui tratado é que caso seja
retirada a circunstância (emprego de arma de fogo) o crime de roubo continuará
existindo. Espécies de circunstâncias:

A. Circunstâncias de caráter pessoal ou subjetivo: refere-se à pessoa do


agente e não ao fato delitivo. São as seguintes circunstâncias de caráter pessoal: os
antecedentes do agente, personalidade, a conduta social, motivos do crime e
reincidência, menoridade...

B. Circunstâncias de caráter real ou objetivo: Refere-se ao fato e não ao


agente. São as seguintes circunstâncias de caráter real: tempo do crime (Exemplo:
circunstância do crime ter sido praticado à noite), meio para a execução (veneno),
lugar do crime (Exemplo: local ermo)...

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2. Elementares do crime: Ao contrário das circunstâncias do crime, as
elementares são dados principais, sem os quais o tipo penal não existe. Assim
entende Fernando Capez:

Provém de elemento, que significa componente básico, essencial,


fundamental, configurando assim todos os dados fundamentais para a
existência da figura típica, sem os quais esta desaparece (atipicidade
absoluta) ou se transforma em outra (atipicidade relativa). (CAPEZ, 2006)

Para facilitar o entendimento pense no crime de roubo, em que ocorre a


subtração da coisa móvel alheia sem a violência ou grave ameaça à pessoa. Neste
caso, deixará de existir o crime de roubo (atipicidade absoluta) por ausência de
elementar da violência ou grave ameaça à pessoa, subsistindo o crime de furto.
Atirar em alguém que já se encontrava morto não existiria a elementar do crime de
homicídio “matar alguém”. Neste caso não há crime por atipicidade absoluta. Outros
exemplos: Funcionário público (artigo 312, CP, crime de peculato), mãe (crime de
infanticídio).

As espécies de elementares do crime são objetivas e subjetivas.

Análise da comunicabilidade das circunstâncias previstas no artigo 30 do


Código Penal:

I. Circunstâncias de caráter pessoal do agente: Não se comunicam ao


coautor ou partícipe independentemente se eles conheciam ou não. Cada um
responderá pelas suas circunstâncias. Exemplo: a menoridade do agente não será
aproveitada ao partícipe.

II. Circunstâncias de caráter real: Estas circunstâncias se comunicam,


mas se faz necessário que o coautor ou partícipe saibam de sua existência.

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Exemplo: crime cometido por emprego de veneno, o coautor ou partícipe só
responderá por essa circunstância de caráter real se tiver conhecimento dela.

III. Circunstâncias elementares Objetivas e Subjetivas: Estas


circunstâncias se comunicam, mas faz-se necessário que o coautor ou partícipe
saibam de sua existência. Exemplo: Funcionário público facilita que terceiro (não
funcionário público) subtraia um computador de uma repartição pública, situações
penais que podem ocorrer no exemplo:

 O funcionário público responderá por peculato-furto (artigo 312, §1º do


Código Penal);
 O terceiro se souber que o seu comparsa é funcionário público
responderá por peculato-furto (artigo 312, §1º do Código Penal);
 O terceiro não sabe que o seu comparsa é funcionário público;
 Responderá por furto (artigo 155 do Código Penal).
Posicionamento jurisprudencial:

Comunicabilidade das circunstâncias elementares de caráter pessoal


(TJMG): No concurso de pessoas são incomunicáveis as circunstâncias e
as condições de caráter pessoal dos infratores, mas, quando elementares
do crime, isto é, pertencentes ao próprio tipo, comunicam-se aos
participantes desde que delas tenham tido conhecimento. (RT 683/333).

Observação:

 Qualificadora: Mais importantes das circunstâncias previstas no tipo que


alteram o cálculo da pena. Exemplo do crime de roubo com emprego de arma de
fogo;
 Circunstâncias em espécie ou propriamente ditas: São as judiciais (artigo
59 do CP) ou legais (artigos 61, 62, 65 e 66 do CP);

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 Concurso de pessoas no infanticídio: Elementares do crime de
infanticídio: ser mãe; matar o próprio filho durante o parto ou logo após e sob a
influência do estado puerperal. Caso se exclua algum dos elementos citados o crime
deixa de ser infanticídio, podendo ser homicídio. O terceiro que ajuda a mãe a matar
o próprio filho sob a influência do estado puerperal (circunstância de caráter
pessoal), mas desconhecia esta elementar no momento do crime, responderá por
homicídio.

FIM DO MÓDULO VI

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FIM DO CURSO

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