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DIREITO

CIVIL
DIREITO CIVIL

LINDB

FUNÇÃO

A respeito da aplicação da lei no tempo e no espaço, dispõe o Decreto-Lei 4.657, de 04 de setembro de 1942, co-
nhecido outrora por Lei de Introdução ao Código Civil, que, em razão da Lei 12.376 de 30 de dezembro de 2010, foi re-
nomeado para ‘Lei de Introdução as Normas do Direito’ (LINDB). O diploma normativo conta com 19 artigos e não pos-
sui aplicação unicamente ao Direito Civil, mas universalmente a todos os ramos do direito, razão porque, diferentemen-
te das demais leis, que recaem sobre o comportamento do homem, a UNDB tem por objeto as leis ou as normas.

Funções da ‘Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro’:


▪ Regular a vigência e a eficácia das normas jurídicas, disciplinando os conflitos de leis no tempo e no espaço
(LINDB, arts. 1°, 2°, 6° e 7° a 19)
▪ Apresentar as soluções para a integração das lacunas normativas (LINDB, art. 4°).
▪ Fornecer os critérios de hermenêutica (LINDB, art. 5°)
▪ Preservar a efetividade global do sistema, não admitindo o erro de direito, bem como consolidando a segurança ju-
rídica (LINDB, art. 3° e 6°).

A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro não é parte integrante do Código Civil e consiste em um diplo-
ma que disciplina a aplicação das leis em geral.
Sua função é reger as normas, indicando como interpretá-las ou aplicá-las, determinando-lhe a vigência e a eficá-
cia. É Estatuto de Direito Internacional Privado, é norma cogente brasileira, por determinação legislativa da soberania
nacional, aplicáveis a todas as leis.
O Direito Internacional Privado é o conjunto de normas internas de um país, instituídas especialmente para definir
se a determinado caso se aplicará a lei local ou a lei de um Estado estrangeiro.

VIGÊNCIA, VALIDADE, EFICÁCIA E VIGOR DAS NORMAS

Validade da norma significa sua identificação como compatível ao sistema jurídico que integra. O descumprimento
das regras de validade importará ao reconhecimento da inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma estabelecida,
considerando-a não pertinente ao sistema. A validade pode ser:
a) Formal: observância das normas referentes a seu processo de criação.
b) Material: se houve observância da matéria passível de normatização por parte das entidades federativas.
Vigência refere-se ao período de validade da norma, ou seja, ao lapso temporal que vai do momento em que ela
passa a ter força vinculante até a data em que é revogada ou que se esgota o prazo prescrito para sua duração (leis
temporárias).

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Eficácia é qualidade da norma que se refere à possibilidade de produção concreta de efeitos. A eficácia pode ser:
a) Social: produção concreta de efeitos, porque presentes as condições fáticas exigíveis para seu cumprimento.
b) Técnica: produção de efeitos, porque presentes as condições técnico-normativas exigíveis para sua aplicação.
A eficácia, no sentido técnico, tem a ver com a aplicabilidade das normas no sentido de uma aptidão mais ou me-
nos extensa para produzir efeitos. Para aferir o grau da eficácia, no sentido técnico, é preciso verificar quais as funções
da eficácia no plano de realização normativa (funções eficaciais):
a) Função de bloqueio: é o caso das normas que visam a impedir ou cercear a ocorrência de comportamentos con-
trários a seu preceito. Ex.: normas punitivas e proibitivas.
b) Função de programa: é o caso de normas que visam à realização de um objetivo do legislador. Observam um in-
teresse público relevante.
c) Função de resguardo: é o caso de normas que visam a assegurar uma conduta desejada. Ex.: direito autorais.
Vigor (força da norma) diz respeito à força vinculante da norma, à impossibilidade de os sujeitos subtraírem-se ao
seu império. É possível a norma ser válida, mas ainda não vigente (caso da vacatio legis).

Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmen-
te publicada.
§ 1º Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de
oficialmente publicada.
§ 2º (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).
§ 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo
e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
§ 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando
regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei
anterior.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

Vacatio Legis

A vacatio legis é o período em que a lei, embora publicada, aguarda a data de início de seu vigor, em função de
três hipóteses:
I – ter sido fixada uma data posterior para o momento de início de seus feitos;
II – deva entrar em vigor 45 dias após publicada, em face de omissão de norma explícita;
III – estar pendente de regulamento, explícita ou implicitamente (normas de eficácia limitada).
Se uma lei for republicada, os direito adquiridos com a redação anterior são respeitados, produzindo a disposição
corrigida os mesmos efeitos de uma lei nova, levando-se em consideração a boa-fé do agente.

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Revogação

Em um ordenamento jurídico, as normas podem perder a sua vigência, deixando de pertencer ao sistema, fato que
é denominado revogação.
A revogação pode ser:
▪ quanto à forma:
a) Expressa: quando a nova norma enuncia a revogação dos dispositivos anteriores.
b) Tácita: quando a nova norma disciplina a matéria de forma diferenciada da regra original, tornando ilógica a sua
manutenção.
▪ quanto à abrangência:
a) Total: ab-rogação;
b) Parcial: derrogação.

Regras reguladoras da revogação:


▪ Lex superior: a norma que dispõe forma e materialmente, sobre a edição de outras normas prevalece sobre estas.
▪ Lex posterior: se normas do mesmo escalão estiverem em conflito, deve prevalecer a mais recente.
▪ Lex specialis: a norma especial revoga a geral no que esta dispõe especificamente.

APLICAÇÃO DE NORMAS JURÍDICAS

Quando determinado fato individual se enquadrar perfeitamente no conceito abstrato da norma, estará o aplicador
realizando o que se convencionou chamar de subsunção do fato à norma, o que impõe uma adequada interpretação do
conteúdo normativo.
Nem sempre é possível encontrar uma norma aplicável ao caso concreto, devendo o juiz valer-se das fontes do Di-
reito para, nos casos de lacunas da lei, realizar a integração normativa.
A finalidade da interpretação normativa é:
a) revelar o sentido da norma;
b) fixar o seu alcance.

FORMAS DE INTERPRETAÇÃO

a) Literal (gramatical): exame de cada termo utilizado na norma, isolada ou sistematicamente, de acordo com as
regras do vernáculo.
b) Lógico: utilização de raciocínios lógicos para a análise metódica da norma em toda a sua extensão, desvendan-
do seu sentido e alcance.

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c) Sistemático: análise da norma a partir do ordenamento jurídico de que é parte, relacionando-se com todas as
outras com o mesmo objeto, direta ou indiretamente.
d) Histórico: análise da norma a partindo da premissa dos seus antecedentes históricos, verificando-se as circuns-
tâncias fáticas e jurídicas que lhe antecederam, bem como o próprio processo legislativo correspondente.
e) Finalístico (teleológico): análise da norma tomando como parâmetro a sua finalidade, adaptando-a às novas
exigências sociais.

Outra forma de classificação de interpretação

▪ quanto à origem: pode ser - doutrinária, jurisprudencial, autêntica (realizada pelo próprio legislador por meio de lei
interpretativa).
▪ quanto aos resultados: declarativa (declara o alcance da norma); extensiva (estende o alcance da norma); restri-
tiva (restringe o alcance da norma) e ab-rogante (reconhece que o preceito interpretado é inaplicável).
Nenhum desses métodos se impõe necessariamente sobre o outro. Dispõe o art. 5º, LINDB: Na aplicação da lei, o
juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Quando inexiste lei a aplicar diretamente ao caso, deve o juiz se valer das outras fontes do Direito para encontrar a
regar que efetivamente deve disciplinar a relação jurídica submetida à sua apreciação (Art. 4º, LINDB: Quando a lei for
omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito). A essas fontes
somam-se a doutrina, a jurisprudência e a equidade.
Para que uma lei seja aplicada, em regra, é necessário que esteja vigente. A publicação da lei no D. O. enseja a
presunção de que todos a conheçam (Art. 3º, LINDB: Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhe-
ce).

CONFLITO DE NORMAS

Conflito de Normas no Tempo (Direito Intertemporal)

Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada.
§ 1º. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º. Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cu-
jo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º. Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

As leis civis não têm retroatividade, uma vez que esbarram no ato jurídico perfeito, no direito adquirido e na coisa
julgada (art. 5º, XXXVI, CF). Nem mesmo o Estado pode retroagir os efeitos de uma nova lei para atingir situações defi-
nitivamente constituídas.

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Aplicação espacial de normas

A norma deve ser aplicada dentro dos limites territoriais do Estado que a editou (Soberania) – Princípio da territoria-
lidade.
No entanto, a extraterritorialidade é a admissão de aplicabilidade, no território nacional, de leis de outro Estado, se-
gundo princípios e convenções internacionais. Assim, a lei nacional deve ser aplicada ordinariamente a todas as rela-
ções travadas em seu âmbito espacial de incidência, embora, no caso de interferirem estrangeiros sobre relações jurí-
dicas constituídas no território nacional ou de nacionais terem bens ou negócios jurídicos em território estrangeiro, pos-
sam surgir exemplos de extraterritorialidade ou de aplicação extraterritorial do Direito.

Conflito de normas no espaço

a) Sobre o começo e fim da personalidade, nome, capacidade e direito de família, aplica-se a lei do país de domicí-
lio da pessoa (art. 7º).
b) Sobre a qualificação e regulação das relações concernentes a bens, deve ser aplica a lei do país onde estiverem
situados (art. 8º).
c) Sobre obrigações, deve ser aplicada a lei do país onde foram constituídas, reputando-se constituída no lugar em
que residir o proponente (art. 9º, §2º).
d) Sobre sucessão por morte (real ou presumida), deve ser aplicada a lei do país de domicílio do de cujus, ressal-
vando-se que, quanto à capacidade para suceder, aplica-se a lei do domicílio do herdeiro ou legatário. Se a sucessão
incidir sobre bens do estrangeiro situados no Brasil, aplica-se a lei brasileira em favor do cônjuge brasileiro e dos filhos
do casal, sempre que não lhes for mais favorável a lei do domicílio do falecido (art. 10 §§1º e 2º).
e) Sobre empresas estrangeiras no Brasil, devem elas obedecer à lei do Estado em que se constituíram (art. 11,
caput).
Para aplicação do Direito estrangeiro no Brasil, deve o juiz exigir de quem o invoca prova do seu texto e vigência,
no forma do art. 14, LINDB e art. 376, CPC.
Art. 13, LINDB: A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar quanto ao ônus e
aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça. É competente a
autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação, sendo
que somente ela poderá conhecer ações relativas a imóveis situados no Brasil (art. 12, §1º = art. 8º).
Compete ao Superior Tribunal de Justiça, não mais ao Supremo Tribunal Federal, a homologação das sentenças
estrangeiras e a concessão do exequatur às cartas rogatórias (art. 105, I, i, CF) – redação dada pela emenda constitu-
cional 45/2004.
Art. 15, LINDB: Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos:
a) haver sido proferida por juiz competente;
b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;
c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi pro-
ferida;
d) estar traduzida por intérprete autorizado;

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e) ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (conforme emenda constitucional 45/2004).
Sendo concedido o exequatur, a autoridade brasileira as cumprirá segundo a forma estabelecida na lei brasileira,
observando, porém, a lei do país estrangeiro quanto ao objeto das diligências.
Na aplicação da lei estrangeira, deve o juiz se limitar ao seu conteúdo isoladamente, não sendo possível considerar
qualquer remissão feita a outras leis (art. 16).
Ao casamento realizado no Brasil será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalida-
de de celebração. Vale lembrar que o § 6º, do artigo 7º, foi modificado pela Lei 12.036/09, visando adequar a sua reda-
ção à Constituição Federal, ficou assim redigido: “§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges
forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido ante-
cedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as
condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma
de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de
homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos le-
gais.”
Art. 18, LINDB: Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes cele-
brar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos fi-
lhos de brasileiros ou brasileiras nascidos no país da sede do consulado.
A extraterritorialidade da lei pode ser limitada, pois atos, sentenças e leis de países estrangeiros não serão aceitos
no Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes (art. 17).
Atenção aos artigos 20 a 30 abaixo, pois foram acrescentados em 2018 pela Lei nº 13.655.

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos
sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato,
contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.
Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato,
ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para
que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor
aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais
do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa,
serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela
provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.
§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e
relativas ao mesmo fato.
Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre
norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de
transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcio-

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nal, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.


Parágrafo único. (VETADO).
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste,
processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época,
sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente cons-
tituídas.
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de
caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa
reiterada e de amplo conhecimento público.
Art. 25. (VETADO).
Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, in-
clusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, q uando for o
caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os
interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.
§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo:
I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais;
II – (VETADO);
III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orienta-
ção geral;
IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em
caso de descumprimento.
§ 2º (VETADO).
Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por
benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos.
§ 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e,
se for o caso, seu valor.
§ 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos.
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro
grosseiro.
§§ 1º, 2º e 3º (VETADOS).
Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera
organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por
meio eletrônico, a qual será considerada na decisão.
§ 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, obser-
vadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver.
§ 2º (VETADO).
Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive
por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.

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PESSOAS NATURAIS

PESSOA NATURAL

Pessoa natural é o ser humano a quem se atribuem direitos e obrigações. Os animais e seres inanimados, assim,
não podem ser sujeitos de direito, mas objeto de relações ou situações jurídicas.

PERSONALIDADE. CAPACIDADE. LEGITIMAÇÃO

▪ personalidade: significa a aptidão jurídica de exercer direitos e contrair obrigações


▪ capacidade: divide-se em jurídica (de direito! gozo) e de fato (de exercício/ação). A primeira decorre da personali-
dade, significa capacidade de aquisição de direitos, reconhecida a qualquer ser humano, como o doente mental, a
criança. A segunda é a aptidão de exercer os atos da vida civil por si mesmo, sem outra pessoa que o assista ou
represente.
▪ capacidade plena e limitada: diferença que se faz caso o sujeito reúna as capacidades de direito e de fato ou so-
mente a de direito.
▪ legitimação: aptidão especial exigida para a prática de determinados atos. Ex. CC, arts. 496, 1.749, 1, 1.687.

Começo da personalidade. Nascituro. Teorias

Marca o início da personalidade jurídica o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os di-
reitos do nascituro (CC, art. 2°). O ser humano nasce com vida ao respirar, ainda que segundos depois lhe sobrevenha
a morte, de acordo com a LRP, art. 53, § 2°. Não é assim em outros diplomas alienígenas, que exigem, por exemplo, a
sobrevida mínima de 24 horas (CC espanhol).
Natimorto é aquele que “nasceu sem vida”, não respirou; por tal condição, não possui personalidade jurídica. No
entanto, para ele, segundo o Enunciado 01 da I Jornada de Direito Civil do CJF: “A proteção que o Código defere ao
nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura”
Para determinar biologicamente se houve “respiração” procede-se ao exame clínico chamado de docimasia hidrostática
de Galeno.
Nascituro é o ser concebido, mas não nascido. Em razão do provável nascimento com vida, o nascituro é protegido
pelo ordenamento jurídico em função daquela projeção futura, por exemplo, nos arts. 542 (doação) e 1.779 (curatela do
nascituro), todos do CC/2002. Vimos acima que a personalidade jurídica inicia com o nascimento com vida. Com rela-
ção ao nascituro, a lei põe a salvo seus direitos desde a concepção. No entanto, os momentos “concepção e “nasci-
mento” são distintos, e somente o último é atributivo de personalidade. Para explicar a posição jurídica do nascituro em
relação à personalidade formaram-se, principalmente, três teorias, são elas:

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a personalidade pode ser adquirida antes do nascimento, no momento da concepção, daí o


Concepcionista nome que lhe é conferido. Todavia, os direitos patrimoniais oriundos de doação e herança, por
exemplo, condicionam-se ao nascimento com vida.
a personalidade jurídica é marcada pelo nascimento com vida, O nascituro, portanto, não tem
Natalista
personalidade, mas proteção legal e direitos, que são amparados desde a concepção.
Personalidade o nascituro é uma pessoa condicional, porque sua personalidade jurídica está sob condição
condicionada suspensiva do nascimento com vida, momento a partir do qual a personalidade se define.
não há uma posição certa a respeito da teoria adotada. No julgamento da ADI 3.510, afirmou-se:
“...a proteção constitucional do direito à vida e os direitos infraconstitucionais do embrião pré-
implanto. O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante
Posição do STF
em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem
jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria “natalista”,
em contraposição às teorias “concepcionista” ou da “personalidade condicional)...”
o nascituro é sujeito de direitos, admitindo-se contra ele, por exemplo, lesão a direito da perso-
Posição do STJ
nalidade e a caracterização de dano moral, à luz da teoria concepcionista. (ARESp 150297).

ATENÇÃO
Nascituro é o concebido; concepturo, o não concebido. Com relação a este, na sucessão testamentária, podem ainda
ser chamados a suceder os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao
abrir-se a sucessão; são chamados de prole eventual (CC/art. 1.799,1 e 1.800).

INCAPACIDADES

Incapazes são as pessoas dotadas de capacidade de direito (de aquisição de direitos ou jurídica), mas que, por ra-
zões diversas, não dispõem de capacidade de fato (de ação). Inexiste incapacidade de direito, pois a incapacidade será
sempre de fato, de acordo com o CC, art. 1º. Incapaz, por outro lado, é todo aquele que possui restrição em relação
aos atos da vida civil.
De acordo com o grau de incapacidade, que varia entre absoluta (grau máximo) e relativa (grau mínimo), haverá, con-
forme uma ou outra, representação ou assistência para a prática do ato. Será representado quem não possuir qualquer dis-
cernimento para a prática do ato. E assistido quando estiver presente algum discernimento. De maneira geral, o ato praticado
por absolutamente incapaz é nulo (CC, art. 166, I), e o feito por relativamente incapaz, anulável (CC, art. 171, II).

Incapacidades no CC/2002
capazes são aqueles dotados de capacidade de direito e de fato. A
capacidade de direito é a aptidão que todos possuem de adquirir direi- Lembre-se: Exercem os
Plenamente tos e deveres da ordem civil (CC, art. 1°). Já a capacidade de fato ou atos que serão válidos por
de ação pode faltar em algumas pessoas, em razão da idade ou de- si só,
senvolvimento mental, por exemplo.
incapazes são os possuidores de capacidade de direito, mas SEM dis-
Lembre-se: fala-se em re-
cernimento para a prática dos atos da vida civil. Logo, não dispõem de
Absolutamente presentação sem a qual o
capacidade de fato ou de ação. Por tal falta, a capacidade é limitada,
ato será nulo
sendo necessário que outra pessoa o substitua nos atos da vida civil.
incapazes são os possuidores de capacidade de direito, mas com dis-
Lembre-se: fala-se em as-
cernimento REDUZIDO para a prática dos atos da vida civil. Logo,
Relativamente sistência sem a qual o ato
não dispõem de capacidade de fato ou de ação. Por tal falta, é neces-
será anulável
sário que outra pessoa complete o ato praticado.

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O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2016) alterou substancialmente os artigos do Código Civil que
tratam das capacidades absoluta e relativa:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.

EMANCIPAÇÃO

Como vimos acima, cessa a menoridade aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de to-
dos os atos da vida civil (CC, art. 5°, caput). A emancipação, assim, é a aquisição da capacidade de fato antes daquela
idade legal, ou seja, com ela antecipa-se a capacidade de exercício.

Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da
vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de
homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos comp letos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o
menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Em relação à origem, a emancipação poderá ser:


Voluntária ou direta:
• concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro
• mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial
• se o menor tiver 16 anos completos (CC, art. 5°, parágrafo único, 1, la parte).
Judicial:
• menor sob tutela
• por sentença do juiz, ouvido o tutor
• se o menor tiver 16 anos completos (CC, art. 5°, parágrafo único, 2 parte).
Tácita ou legal: decorre dos seguintes fatos (CC, art. 5°, parágrafo único, II a VI):
• casamento: mesmo que ocorra anulação ou divórcio, remanesce o efeito da antecipação (CC, art. 5°, § único).

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• exercício de emprego público efetivo: exige-se a nomeação em caráter efetivo.


• colação de grau em curso de ensino superior: aqui fica evidente o amadurecimento do menor.
• estabelecimento civil ou comercial ou existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor de
16 anos completos tenha economia própria: aquele que se mantém por seus próprios meios demonstra maturidade
e experiência para conduzir o próprio negocio dai por que a razão da emancipação tácita.

EXTINÇÃO DA PESSOA NATURAL. ESPECIES DE MORTE. COMORIÊNCIA

A existência da pessoa natural termina com a morte presume se esta quanto aos ausentes nos casos em que a lei
autoriza a abertura de sucessão definitiva (CC art 6°)

Espécies de morte:
• extinção da pessoa natural: a existência da pessoa natural termina com a morte. (CC, art. 6°).
• morte real ou física: ocorre com a cessação das atividades encefálicas, conforme o art. 3° da Lei 9.434/97. A pro-
va da morte é feita mediante certidão de óbito, ou mediante justificação para o assento de óbito. (LRP, art. 77 e 88).
• morte presumida com declaração judicial de ausência: haverá morte presumida com declaração de ausência
nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva, conforme os arts. 22 a 39 do CC, observadas os
ritos dos arts. 1.161 a 1.168, todos do CPC. Assim, teremos sucessão definitiva do ausente em dois casos:
a) 10 anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os
interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas (CC, art. 37);
b) provando-se que o ausente conta 80 anos de idade, e que de 5 anos datam as últimas notícias dele (CC, art.
38).O que se pretende, aqui, é a declaração de ausência, tendo em vista que o desaparecido sumiu e não dei-
xou representante (CC, art. 22).
• morte presumida sem declaração de ausência: as hipóteses dessa modalidade estão elencadas no CC, art. 7°, I
e II, e são elas:
a) se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida (ex. acidente aéreo)
b) se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até 02 anos após o término da
guerra. Trata-se de procedimento judicial que segue o procedimento da justificação (1..RP, art. 88). Aqui a
ação é voltada a declarar a morte.
• morte simultânea ou comoriência: ocorre quando, em um só momento (identidade de tempo, ocasião, e não
mesmo evento), dois ou mais indivíduos falecerem, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu
aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos (CC, art. 8°). Para que se reconheça juridicidade a tal fato, é
necessário que entre os indivíduos mortos se verifique relação sucessória, ou seja, que um deles seja herdeiro ou
beneficiário de outro. A presunção de morte simultânea afasta a possibilidade de sucessão entre eles, Importa dizer
que um não herda do outro. Por outro lado, o momento que ocorreu a morte é determinado por perícia médica, que
se for inconclusiva incide a presunção legal. Trata-se de presunção relativa (juris tantum).
• morte civil: presente na idade média e moderna, sobretudo para os apenados por longos períodos, como aqueles
que recebiam prisão perpétua, resultava na privação do condenado de todos os direitos civis. Pouco a pouco foi
abolida das legislações, e não mais remanesce no direito moderno. A doutrina aponta um resquício dela no CC, art.
1.816.

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AUSÊNCIA (CC, ART. 22 A 39)

Fixação dos poderes do curador: o juiz ao declarar a ausência e nomear curador fixará os pode res e obrigações
deste, segundo as circunstâncias, observando, ainda, no que for aplicável, as regras a respeito dos tutores e curadores
(CC, arts. 24 e 1.728 a 1.783).
De acordo com a definição legal, a teor do CC, art. 22, desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela ha-
ver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a reque-
rimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência e nomear-lhe-á curador. Ainda que te-
nha deixado mandatário, se não quiser, não puder exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insu-
ficientes também se declarará a ausência (CC, art. 23). Vale lembrar que; se não houver bens, não é necessário a no-
meação de curador, pois o seu papel recai sobre os “bens”, e não sobre a “pessoa” do ausente.
De acordo com a definição legal, a teor do CC, art. 22, “desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela ha-
ver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a reque-
rimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência e nomear-lhe-á curador”.
Ainda que tenha deixado mandatário, se não quiser, não puder exercer ou continuar o mandato, ou se os seus po-
deres forem insuficientes, também se declarará a ausência (CC, art. 23). Vale lembrar que, se não houver bens, não é
necessário a nomeação de curador, pois o seu papel recai sobre os “bens”, e não sobre a “pessoa” do ausente.
Fixação dos poderes do curador: o juiz, ao declarar a ausência e nomear curador, fixará os poderes e obrigações
deste, segundo as circunstâncias, observando ainda, no que for aplicável, as regras a respeito dos tutores e curadores
(CC, art. 24 e 1.728 a 1.783)
Curador: CC, art. 25, § 1º a 3°. Legítimo:
• cônjuge: desde que não esteja separado judicialmente ou de fato por mais de 2 anos, antes da declaração da au-
sência. A disposição é aplicável ao companheiro.
• aos pais ou descendentes
• entre os descendentes, os mais próximos precedem os mais remotos.
• dativo: na falta de todos, o juiz nomeará-curador.

Sucessão provisória

Passado um ano da arrecadação dos bens do ausente (curadoria legitima ou dativa), ou três anos, se deixou
representante ou procurador, os interessados podem requerer a abertura da sucessão provisória (CC, art. 26). Os “inte-
ressados” são aqueles do CC, art. 27 (A: cônjuge não separado judicialmente; B: herdeiros presumidos, legítimos ou
testamentários; C: aqueles que tenham direito sobre os bens do ausente dependente de sua morte e D: credores de
obrigações vencidas e não pagas).
O MP possui legitimidade subsidiária, se os interessados não fizerem nos prazos acima ou se estes forem incapa-
zes (CC, art. 28).
Conversão dos bens: o juiz, se julgar conveniente (faculdade), pode converter os bens móveis, sujeitos a deterio-
ração ou extravio, em imóveis ou títulos da União (CC, art. 29). Por sua vez, os imóveis só poderão ser alienados para
evitar ruína, se ordenados pelo juiz, salvo em caso de desapropriação ou hipoteca (CC, 31).
Imissão na posse: os herdeiros podem imitir na posse dos bens, mas darão garantia, em penhores e hipoteca,

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equivalentes aos quinhões respectivos. Os herdeiros necessários, todavia, ficam dispensados de garantir o quinhão
(ascendente, descendente e ao cônjuge). Caso o herdeiro comum não possa dar garantia, é descabida a imissão na
posse. Nesse caso, as bens ficam sob administração do curador ou outro herdeiro que preste a garantia (CC, art. 30).
Apesar de excluído, por não prestar garantia, o herdeiro poderá ter direito aos rendimentos do quinhão que lhe tocaria,
se justificar que tal valor será utilizado para a sua subsistência (CC, art. 34). Como consequência da imissão na posse
dos bens, os sucessores provisórios representarão ativa e passivamente o ausente nas ações pendentes e futuras (CC,
art. 31).
Frutos e rendimentos: em relação a estes, duas regras:
• para sucessores provisórios ascendente, descendente e cônjuge, serão seus os frutos e rendimentos dos bens do
ausente;
• os demais sucessores farão seus 50% deles, e os outros 50% serão capitalizados, em imóveis ou títulos da União,
segundo o representante do MP, além da obrigação de prestação de contas anual. Tal capitalização visa à restitui-
ção do ausente que, se desaparecer voluntária e injustificadamente, perderá em favor do sucessor, o montante dos
frutos e rendimentos capitalizados (CC, art. 33).
Se provada a data certa do falecimento, considera-se a partir desse momento aberta a sucessão. (CC, art. 35).
Uma vez que retorne o ausente, ou provada sua existência, depois de estabelecida a sucessão provisória, cessa-
rão as vantagens dos sucessores nela imitidos, os quais deverão, ainda, conservar e preservar os bens (CC, art. 36).

Sucessão definitiva

Ocorre em dois casos:


• 10 anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória, os interessa-
dos poderão requerer a definitiva (CC, art. 37).
• pode-se requerer a sucessão definitiva, também, provando-se que o ausente conta 80 anos de idade e que de 5
anos datam as últimas notícias dele (CC, art. 38).
Regresso do ausente ou de seu herdeiro necessário: 10 anos depois de aberta a sucessão definitiva, retornan-
do o ausente, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, todos eles receberão os bens no estado em que se en-
contrarem, os sub-rogados em seu lugar ou o preço que houverem recebido se alienados depois daquele tempo (CC
art. 39)
Vacância: nos 10 anos seguintes à abertura da sucessão definitiva, caso não retorne o ausente ou não promova a
sucessão definitiva, os bens serão arrecadados como vagos, passando a propriedade do Município ou do Distrito Fede-
ral, se neles situado, ou à União, se estiverem em território federal (CC, art. 39, parágrafo único).

REGISTRO E AVERBAÇÃO

De acordo com os arts. 9° e 10 do CC/2002, os atos neles descritos estão sujeitos a registro ou averbação, com a
finalidade de conferir publicidade do estado das pessoas, assegurando eventuais direitos de terceiros. Devem ser ob-
servadas, em tais atos, as disposições da Lei de Registros Públicos (Lei 6.01 5/73).

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Registrados (CC, art. 9º, I a IV) Averbados (CC, art. 10, I e II)
• a sentença declaratória de ausência e de morte • nulidade ou anulação do casamento;
presumida. • divórcio;
• nascimentos • separação judicial
• casamentos • restabelecimento da sociedade conjugal
• óbitos • atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou
• emancipação por outorga dos pais ou por sentença reconhecerem a filiação
do juiz
• interdição por incapacidade absoluta ou relativa;

INDIVIDUALIZAÇÃO DA PESSOA

Individualização da pessoa tem por finalidade distinguir a posição de um titular de direitos e obrigações nas rela-
ções jurídicas, em relação aos demais, importando segurança dos negócios e estabilidade das famílias e sociedade.

Nome (CC, art. 16 a 19)

Nos artigos 16 a 19 o CC/2002 dispõe sobre o nome, nele compreendidos o prenome (simples ou composto) e o
sobrenome apelido familiar ou patronímico bem como o pseudônimo adotado para atividades licitas o qual goza da pro-
teção que se da ao nome (elementos fundamentais) Outros podem ser os elementos componentes do nome, como o
agnome, a partícula, o apelido ou alcunha, o hipocorístico, os títulos nobiliários, os heterônimos, entre outros (elemen-
tos secundários). Todos os preceitos a respeito do nome civil da pessoa natural estão inseridos no campo dos direitos
da personalidade e, em razão disso, são inalienáveis e imprescritíveis, bem como representam o dado exterior que dife-
rencia uma pessoa das demais, tanto na família, quanto nas relações em sociedade.
Natureza jurídica do nome: são variadas as teorias que existem a respeito da natureza jurídica do nome, entre
elas: da propriedade, da propriedade sul generis, negativistas, da personalidade. O nome é um direito de personalida-
de, como o direito à vida, à honra, etc.
Elementos: compõe-se o nome do prenome (simples, composto) e do sobrenome (apelido familiar ou patronímico).
Poderá compor-se, ainda, do agnome, que é o sinal que diferencia uma pessoa de outra, da mesma família, que conte-
nha o mesmo prenome e sobrenome, p. ex, Filho, Neto, Segundo. É importante que sejam observadas as disposições
da Lei 6.015/73 em relação ao nome, especialmente aquela do art. 55 (proibição do registro do nome que expo nha a ri-
dículo o portador).
Ordem dos apelidos de família: a lei não faz nenhuma exigência no que tange à observância de determinada or-
dem quanto aos apelidos de família, seja no momento do registro do nome do indivíduo ou por ocasião da sua posterior
retificação. Ademais, inexiste proibição legal de que a ordem do sobrenome dos filhos seja distinta daquela presente no
sobrenome dos pais (STJ - Info 513).
Títulos nobiliários, eclesiásticos e os honoríficos: são as qualificações de nobreza, religiosas e outras que
acompanham o nome pelo qual a pessoa é conhecida, p. ex., Príncipe, Dom, ou Cardeal; lembramos alguns notáveis
nomes assim grifados: Visconde de Taunay, Duque de Caxias, Príncipe Pedro Luis de Orleans e Bragança e Dom Eva-
rismo Arns.
Pseudônimo: segundo o CC/art. 19, e desde que adotado para atividades lícitas, possui a proteção que se dá ao

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nome. Conhecido por nome fictício ou falso nome, esse elemento goza da proteção legal quando utilizado para certas
atividades nas quais a pessoa é conhecida, como na arte, literatura ou religião. O que importa para invocar a proteção
legal é a sua utilização, mesmo que não ostente a notoriedade, que não é exigida no preceito destacado acima; a pro-
teção conferida ao pseudônimo, enquanto direito de personalidade, não é admitida em toda e qualquer circunstância;
exige-se a licitude das atividades para que se possa reclamar de eventuais perdas e danos, em razão do uso não auto-
rizado; lembramos alguns notáveis conhecidos por seu pseudônimo: Jango (João Belchior Marques Goulart); Chico Xa-
vier (Francisco de Paula Cândido Xavier); Pelé (Edson Arantes do Nascimento); Garrincha (Manuel Francisco dos San-
tos). Lembramos, ainda, que a heterônímio é alcançada pela norma em apreço (CC, art. 19), quando utilizada em ativi-
dades lícitas. Exemplificamos com o poeta e escritor português Fernando Pessoa, que em suas obras literárias se des-
dobrou em múltiplas personalidades, assinando-as como Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Bernardo
Soares, etc.
Regra da imutabilidade relativa do nome: somente por exceção e motivadamente, e caso se apresente necessá-
rio, será admitido alterar o prenome. Assim, não é absoluta a imutabilidade ou definitividade do nome (STJ - Info 513).
Exceção: em relação aos apelidos da família de origem, porque identificadores da estirpe, a imutabilidade é absoluta.
Tratando-se de norma cogente como garantia de segurança jurídica, o sobrenome de família constitui sinal identificador
da origem do indivíduo. Assim, nesse caso, vedam-se as supressões (STJ - Info 460).

Alteração do Prenome

Ilustramos as hipóteses de alteração do nome, diferenciando-as em relação ao prenome e ao sobrenome, termino-


logias adotadas pelo CC, art. 16.
Alteração do nome, sem motivação: de acordo com a LRP, art. 56,0 interessado, no 1° ano após ter atingido a
maioridade civil poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome (prenome e sobrenome), desde que
não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa (obs: admite-se a
forma administrativa ou judicial). Nesse caso, é habitual o acréscimo de apelidos, nome de uso ou sobrenomes.
• prazo: nesse caso, o prazo é decadencial de um ano.
• contagem: a contagem é iniciada a partir da maioridade (CC, art. 5°, caput). Antes dos 18 anos, o menor pode-
rá ser emancipado, o que faz cessar-lhe a incapacidade. Porém, a emancipação não inicia o prazo decadenci-
al.
Alteração por exceção e motivadamente, ouvido o Ministério Público: diz a LRP, art. 57, caput, que a alteração
posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por
sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa,
ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei.
• prazo: não há
• não é absoluta a imutabilidade do nome (STJ - lnfo 145)
• admite-se a alteração por tal fundamento aos menores, observadas as regras de representação
• e assistência (STJ, REsp 345456)
Alteração do nome com erros de pronta verificação: conforme dissemos acima, a parte final do preceito, LRP,
art. 110, refere-se aos erros que não exijam qualquer indagação para a Constatação imediata de necessidade de sua
correção, os quais poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o as-
sentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de
pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público.

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• admite-se a correção pelo próprio oficial, mediante provocação


• poderão fazê-lo o interessado, o representante legal ou convencional
• independe do pagamento de selos e taxas
• exige-se a participação do Ministério Público
Outras situações legais ou jurisprudências de alteração do nome:
• o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em atividade profissional (LRP, art. 57, § 1°);
• substituição ou inclusão por apelidos públicos notórios (LRP, art. 58);
• em razão de fundada coação decorrente de colaboração com a apuração em crime, mediante sentença, ouvido
o MP (LRP, art. 58, parágrafo único);
• se o prenome expor o titular ao ridículo (LRP, art. 55, parágrafo único);
• quando ocorrer erro gráfico (LRP, art. 110);
• homonímia;
• substituição por prenome de uso, aquele pelo qual a pessoa é conhecida;
• em caso de adoção (ECA/art. 47, § 50);
• para a tradução de nome estrangeiro, quando este passe a residir em definitivo no Brasil;
• em decorrência de cirurgia de transgenitalização (mudança de sexo).

Estado das pessoas

Em resumo, são os atributos que a pessoa dentro da sociedade, nos aspectos civil e pessoal. Para o Direito Ro-
mano, eram três os estados da pessoa, a saber: a liberdade (libertatis); a cidadania (civitatis) e o familiar (familiae). Pa-
ra a pessoa, perder esses estados representava a capitis deminutio. O estado da pessoa é um dos elementos de sua
individualização, assim corno são o nome e o domicílio.
Basicamente, são três os estados da pessoa:
• político: as pessoas podem ser nacionais (natos e naturalizados) ou estrangeiras. A situação jurídica do estrangei-
ro é definida pela Lei 6.815/80, regulamentada pelo Decreto 86.715/81.
• familiar: situação da pessoa dentro da família, do cônjuge (vinculo da afinidade) e do parente (vínculo consanguí-
neo).
• Individual: é a posição da pessoa que cria direitos e deveres específicos decorrentes, como ser solteiro, casado,
viúvo, separado.
Características do estado:
• irrenunciabilidade
• inalienabilidade
• imprescritibilidade.
Ações de estado: são aquelas que visam criar, modificar ou extinguir um estado, como ocorre com a interdição,
anulação de casamento, etc.

DIREITOS DA PERSONALIDADE

Aos direitos da personalidade dedica o CC/2002 um capítulo próprio, conforme artigos 11 a 21.

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Os direitos da personalidade são:


• absolutos;
• extrapatrimoniais;
• irrenunciáveis;
• intransmissíveis (Apesar de intransmissíveis - CC, art. 11 -, admite-se a cessão de uso dos direitos da personalida-
de (Ex. direitos autorais, direitos de imagem, etc.), razão pela qual a indisponibilidade quanto a eles é relativa).
• perpétuos ou vitalícios;
• inalienáveis;
• imprescritíveis;
• impenhoráveis;
• quando inatos, não se sujeitam à desapropriação;
Integram essa categoria de direito todos os atributos subjetivos da pessoa, como a vida, a integridade física, a li-
berdade, a honra, a imagem, entre outros.
Origem: enquanto categoria de direitos subjetivos, os direitos da personalidade são recentes. As fontes mais cita-
das na doutrina são as “Declarações dos Direitos do Homem” (1789 e 1948) e a “Convenção Europeia para a proteção
dos Direitos do Homem e das liberdades fundamentais” (1950).
Os direitos fundamentais remontam à Revolução Francesa, que possuía como lemas a liberdade, a igualdade e a
fraternidade. Podem ser divididos em “gerações” (ou “dimensões”):
• 1ª Geração: os “direitos e garantias individuais e políticos clássicos”, as chamadas liberdades publicas, surgidos a
partir da Magna Charta.
• 2ª Geração: desta classe são os “direitos sociais”, econômicos e culturais, como aqueles relacionados ao trabalho,
seguro social, amparo a doença, ao idoso, ao deficiente.
• 3ª Geração: são os direitos de solidariedade ou fraternidade, como o direito ao meio ambiente equilibrado, aos de-
mais direitos difusos.
Os direitos da personalidade conferem a prerrogativa de exigir um comportamento negativo endereçado a todos, ou
seja, seu caráter é geral e legal (“excludendi alios”). A respeito, diz o CC/art. 12: “Pode-se exigir que cesse a ameaça,
ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.
Os direitos da personalidade são divididos em duas categorias, a saber:
• Inatos: aqueles imanentes a qualquer pessoa, desde a concepção, por isso geral, como o direito a vida, a integri-
dade física, a moral.
• Adquiridos: estes, por sua vez, envolvem um comportamento da pessoa. Logo, são direitos individuais e restritos,
como os autorais.
Legitimados aos mecanismos de proteção: segundo o CC, art. 12, as sanções decorrentes das ofensas aos di-
reitos da personalidade, destinadas à proteção da dignidade humana, de tutela especifica ou cautelar, sem prejuízo das
perdas e danos materiais ou morais, devem ser pleiteadas pelo lesado direto (ofendido). Por outro lado, não se afasta
ao lesado indireto (herdeiros, cônjuge, companheiro, membros da família, etc.) aquele que sofreu algum prejuízo pes-
soal, resultado de um dano a um bem jurídico de outrem, de manejar contra o responsável, por direito próprio (CC, art.
12, parágrafo único). Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista nesse artigo o cônjuge
sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o 4º grau. O Enunciado 275 do CJF reconhece igual
legitimidade ao companheiro.

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Disposição do corpo

Disposição do corpo em vida: a respeito da disposição do corpo em vida dispõe o CC, art. 13. O corpo é indispo-
nível quando importar diminuição permanente da integridade física, salvo quando for necessário por exigência médica
para preservar a saúde, como amputar um membro ou extrair um órgão para evitar que um câncer se alastre. Também
é indisponível o corpo se contrariar os bons costumes, como ocorre se verificado o comércio de órgãos e tecidos. Lem-
bramos que, por exceção, o ato previsto nesse artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em
lei especial. A Lei 9.434, de 04 de fevereiro de 1997, regula a disposição em vida de tecidos, órgãos e partes do corpo
humano para fins de transplante ou tratamento, sendo a lei especial mencionada no CC/art. 13, parágrafo único.
Transgenitalização (mudança de sexo): de acordo com a Resolução 1.955/2010 do Conselho Federal de Medici-
na, a cirurgia de transformação plástico-reconstrutiva da genitália externa, interna e caracteres sexuais secundários não
constitui crime de mutilação previsto no artigo 129 do Código Penal brasileiro, haja vista que tem o propósito terapêuti-
co específico de adequar a genitália ao sexo psíquico. Nessa linha, afirma o Enunciado 276 da IV Jornada de Direito
Civil do CJF: “O art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as ci-
rurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medici-
na, e a consequente alteroção do prenome e do sexo no Registro Civil”.
Disposição do corpo após a morte: o CC, art. 14, estabeleceu critérios legais em relação à disposição do corpo de-
pois da morte. Admite-se desde que seja gratuita, de todo o corpo ou parte dele. Quanto aos objetivos, poderá ser cientí-
fico ou altruístico. De acordo com o princípio do consenso afirmativo a pessoa capaz deverá manifestar sua vontade de
dispor de forma gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois de sua morte, com objetivo científico ou altru-
ístico. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo. Segundo o teor do Enunciado 277 da IV Jor-
nada de Direito Civil do CJF: “o art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição do próprio corpo, com objetivo
científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida pre-
valece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 40 da Lei nº 9.434/97 ficou restrita à hipótese de silên-
cio do potencial doador”; pelo Enunciado 402 da, VI Jornada de Direito Civil; “a art. 14, parágrafo único, do Código Civil,
fundado no consentimento informado, não dispensa o consentimento dos adolescentes para a doação de medula óssea
prevista no art. 9º, § 6º, da Lei nº 9.434/1997 por aplicação analógica dos arts. 28, § 2° (alterado pela Lei nº 12.010/2009),
e 45, § 2°, do ECA”. Lembramos que a Lei 8.501/92 regula a disposição de cadáver não reclamado, para fins de estudos
e pesquisas, e a Lei nº 9.434/97, a disposição do corpo post mortem para fins de transplante.
Lei 9.434/97: de acordo com o CC, art. 15, em razão do princípio da autonomia e da recusa ao tratamento ar-
riscado, ninguém pode ser, constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção ci-
rúrgica. Disso decorre o direito à informação do paciente a respeito de seu estado de saúde e tratamento, resultando
nos princípios da transparência e do dever de Informar, os quais devem ser cumpridos pelo profissional da medicina, e
se acham previstos no CDC, arts. 4°, 6°, III e 31. Na impossibilidade da autorização escrita para o tratamento médico,
por analogia à Lei 9.434/97, art. 4°, poderão fazê-lo o cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessó-
ria, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive. Em caso de emergência ou urgência, que importe em iminente risco
de vida, a intervenção médica poderá ocorrer independentemente de autorização, o que se verifica, por exemplo, para
aquele acometido de AVC ou infarto (CP, art. 146, § 3°, 1).
Tratamento e religião: se a recusa ao tratamento for decorrente da liberdade de religião, lembramos o teor do
Enunciado 403 da V Jornada de Direito Civil, pelo qual “o direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto
no art. 50, VI, da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que se nega a tratamento médico inclusive transfu-
são de sangue com ou sem risco de morte em razão do tratamento ou da falta dele, desde que observados os seguin-
tes critérios: a) capacidade civil plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b) manifestação de von-

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tade livre, consciente e informada; e c) oposição que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante”.
Principio da beneficência informa a necessidade de a pratica medica buscar o bem estar do paciente buscando a
ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, comprometendo-se com o máximo de benefícios e
o mínimo de danos e riscos sempre para o bem do enfermo.
Princípio da não maleficência: por ele, existe a obrigação de não causar mais danos ao paciente, devendo bus-
car o tratamento alternativo sempre que houver recusa motivada, por exemplo, em razão de questões religiosas.
Proteção à palavra e à imagem: a palavra e os escritos já eram protegidos pela Lei 9.608/98 (Lei dos Direitos Au-
torais) Com o CC, art. 20 “salvo se autorizadas ou se necessárias a administração da justiça ou a manutenção da or-
dem publica a divulgação de escritos a transmissão da palavra (falada e escrita - CF, art. 50 XXVII, ‘a’) ou a publicação
a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas a seu requerimento e sem prejuízo da in-
denização que couber se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerci-
ais” Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascenden-
tes ou os descendentes. O Enunciado 275 do CJF reconhece igual legitimidade ao companheiro.

ATENÇÃO
Sumula 403 do STJ: Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pes-
soa com fins econômicos ou comerciais

Uso não lucrativo da imagem: “A obrigação da reparação pelo uso não autorizado de imagem decorre do próprio
uso indevido do direito personalíssimo e não é afastada pelo caráter não lucrativo do evento ao qual a imagem é asso-
ciada. Para a configuração do dano moral pela uso não autorizado de imagem não é necessária a demonstração de
prejuízo, pois o dano se apresenta in re ipsa...” (STJ).
Rol não exaustivo dos direitos da personalidade: de acordo com o Enunciado 274 da IV Jornada de Direito Civil:
“Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral
de tutelo da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em
caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicara técnica da ponderação”.
Paralelo: não raro em concursos são colocados lado a lado os arts. 12, parágrafo único, e o 20, parágrafo único, em
relação aos legitimados para a proteção dos direitos da personalidade e da imagem do morto, surgindo duas regras:

Proteção do morto e do ausente


Regra da personalidade Regra da imagem
(CC, art. 12, parágrafo único) (CC, art. 20, parágrafo único)
Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manu-
O direito de exigir que cesse a le- tenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra ou
são ou ameaça a direito da perso- a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão
nalidade e reclamar perdas e da- ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se
nos. Em se tratando de MORTO. lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade ou se se destinarem a
fins comer ciais. Em se tratando de MORTO ou de AUSENTE.
Legitimados: Legitimados:
• cônjuge sobrevivente • cônjuge
• qualquer parente em linha reta • os ascendentes
• colateral até o quarto grau. • descendentes.

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Intimidade e vida privada: dispõe a CF, art. 5°, X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” Por
sua vez, estabelece o CC, art. 21, que “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do inte-
ressado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma’ A intimidade é o
círculo mais reservado e restrito da pessoa, diz respeito ao “eu” individualmente considerado; é o segredo ou os acon-
tecimentos da vida que dizem respeito ao que somos, sentimos ou pensamos, como o pudor, o relacionamento amoro-
so. A vida privada ou a privacidade, também fundada no texto constitucional, é o direito de maior abrangência subjetiva
pois seus aspectos individuais ficam estendidos a um grupo de pessoas escolhidas pelo titular como as comunicações
telefônicas epistolares A intimidade e interna e a privacidade o aspecto externo da existência.
Direito da personalidade das pessoas jurídicas: inicialmente, lembramos ao candidato o teor do Enunciado 286
da IV Jornada de Direito Civil do CJF: “Os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa hu-
mana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos”. Em que pese o verbete,
reconhece o CC, art. 52 que “aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
Não é por acaso que o STF, Súmula 227, admite o dano moral à pessoa jurídica, bem como é a proteção ao nome.
Outrossim, admite-se à pessoa jurídica as medidas judiciais conducentes à preservação dos direitos mencionados, co-
mo cautelares, ações ordinárias, etc. Assim, este é o sentido que se deve conferir ao texto legal. Para as pessoas jurí-
dicas, fala-se em “direitos da personalidade por equiparação”.

PESSOAS JURÍDICAS

Pessoa jurídica é um ente invisível que possui personalidade jurídica. Há três pressupostos existenciais da pessoa
jurídica: (1) a vontade humana que lhe dá origem; (2) observância das condições legais para a sua criação; (3) licitude
do objeto. Trata-se de elementos essenciais à personificação da pessoa jurídica. Há ainda quem acrescente dois outros
requisitos: (a) a capacidade jurídica reconhecida pela legislação e (b) a organização de pessoas ou a afetação de um
patrimônio a um fim específico. Temos, porém, que esses dois já estão implícitos naqueles três pressupostos existen-
ciais retrocitados.
Acerca de sua natureza jurídica, há dois grupos de teorias:
1. teoria negativista: nega a existência concreta da pessoa jurídica e considera-a apenas um patrimônio sem sujeito;
2. teoria afirmativista: preconiza a existência concreta de grupos sociais com interesses próprios com personalidade
jurídica.
Entre os sectários da teoria afirmativista, há outras duas vertentes. A primeira é a teoria da ficção, segundo a qual
só o homem, por essência, pode ser titular de relações jurídicas, pois tem existência real e psíquica, de sorte que as
pessoas jurídicas seriam fruto da criação humana, que lhe atribui direitos por mera ficção jurídica mediante lei (ficção
legal) ou doutrina (ficção doutrinária). Savigny defendia a teoria da ficção legal.
A segunda espécie de teoria afirmativista é a teoria da realidade, à luz da qual a pessoa jurídica é uma realidade
social, com existência própria e distinta da de seus membros. A teoria da realidade se divide em três subespécies. A
primeira é a teoria da realidade objetiva, teoria da realidade orgânica ou teoria organicista, para a qual as pessoas jurí-

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dicas são organismos sociais com existência e vontade próprias. Ela se equivoca ao esquecer-se da relevância da von-
tade dos sócios de uma sociedade.
A segunda é a teoria da realidade técnica, segundo a qual a existência da pessoa jurídica é real e concreta, mas
dependente de atos técnicos, como o registro.
A terceira é a teoria da realidade das instituições jurídicas, que preconiza que a pessoa jurídica é derivada do
direito, assim como a personalidade jurídica da pessoa natural. Sob essa ótica, a pessoa jurídica é uma instituição jurí-
dica, consistente em agrupamentos de pessoas ou massa patrimonial dotadas de objetivos próprios, por força da von-
tade das pessoas naturais que lhe deram vida com base na permissão do Direito. É uma espécie de mistura das de-
mais teorias.
A quarta é a teoria institucionalista, em conformidade com a qual a pessoa jurídica passa a existir desde o mo-
mento em que há uma organização de pessoas ou bem com finalidade comum. Mesmo que a lei não reconheça perso-
nalidade jurídica a essas instituições, o fato é que elas já exercem atos na vida social com base em uma espécie de
“personalidade moral”.

SURGIMENTO DA PESSOA JURÍDICA

No Brasil, as pessoas jurídicas de direito privado surgem com o registro do seu ato constitutivo no órgão com-
petente (art. 45, CC). O ato constitutivo é o ato que incorpora a vontade dos instituidores da pessoa jurídica e pode ser
um contrato social ou um estatuto social. Se se tratar de sociedade empresária, o órgão competente é a Junta Comer-
cial (art. 984, CC); se pessoa jurídica de advogados – sociedade simples de advocacia ou sociedade unipessoal de ad-
vocacia –, a OAB (art. 15, Lei n. 8.906/1994); se demais tipos de pessoas jurídicas, o Registro Civil das Pessoas Jurídi-
cas (art. 114, Lei n. 6.015/1973). Isso vale também para partidos políticos e sindicatos: o seu surgimento enquanto pes-
soa jurídica é com o registro no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, de maneira que o seu registro no TSE ou no Mi-
nistério do Trabalho é apenas uma espécie de “alvará de funcionamento” eleitoral ou sindical, hábil a autorizar o exercí-
cio das atividades.
No caso de empresas públicas e sociedades de economias mistas, por elas serem dotadas de personalidade jurídi-
ca de direito privado e terem natureza empresária, também nascem com o registro na Junta Comercial, mas, como elas
nascem de destaque orçamentário de um ente público para ser usado em atividade econômica, há necessidade de lei
prévia autorizando a sua criação (art. 173, CF/1988, e art. 2º, Lei n. 13.303/2016).
Já as pessoas jurídicas de direito público são criadas por lei, pois só lei pode conferir-lhes os “superpoderes” pró-
prios do regime de direito público. No caso dos entes federativos, a lei criadora é a CF. No caso de pessoas jurídicas
de direito público externo, também é a CF ou algum tratado internacional, segundo as regras de Direito Internacional
Privado.

ESPÉCIES DE PESSOA JURÍDICA

As pessoas jurídicas podem ser de direito público ou de direito privado.


De um lado, as pessoas jurídicas de direito público são previstas nos artigos 40 a 43 e podem ser: (1) de direito
público externo, quando regida por normas de Direito Internacional Público, como a República Federativa do Brasil e

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os organismos internacionais – ONU, OIT etc.; e (2) de direito público interno, quando se cuida dos entes sujeitos ao
regime jurídico do direito administrativo, a saber os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e
as respectivas autarquias (o que abrange as associações públicas disciplinadas na Lei n. 11.107/2005, as agências re-
guladoras, as fundações públicas etc.).
De outro lado, as pessoas jurídicas de direito privado são catalogadas no art. 44 do CC e podem ser: socieda-
des, empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), fundações, organizações religiosas e partidos políticos.
As sociedades são união de pessoas com fins econômicos, ou seja, os seus sócios objetivam auferir lucro por
meio de futura distribuição de dividendos. Em regra, é fundamental haver mais de um sócio, mas, quando houver lei
específica, admitem-se exceções de sociedades unipessoais, a exemplo da subsidiária integral (art. 251, Lei n.
6.404/1976) e da sociedade unipessoal de advocacia (art. 15, Lei n. 8.906/1994). A disciplina das sociedades está deta-
lhada no livro de Direito das Empresas, a partir dos art. 981 do CC.
A EIRELI é uma pessoa jurídica constituída por uma única pessoa (designada de titular) com fins econômicos. O
art. 980-A do CC disciplina esse tipo de pessoa jurídica e impõe limitações, como a vedação de uma mesma pessoa
ser titular de mais de uma EIRELI e a exigência de que o capital social mínimo seja de cem salários mínimos.
Se a EIRELI afundar-se em dívidas, somente o seu patrimônio pode ser penhorado. Os bens dos sócios estão li-
vres de constrições judiciais, pois a responsabilidade deles é limitada ao capital social. O sócio só responderia no caso
de desconsideração da personalidade jurídica ou na hipótese de não ter integralizado o capital social (caso em que
responderá até ao que falta para tanto), como sucede nas sociedades de responsabilidade limitada (artigos 980-A, § 6º,
e 1.052, CC).
As associações consistem na reunião de pessoas sem fins econômicos. Em princípio, uma associação pode ter
lucro com suas atividades, mas esse fato, por si só, não descaracteriza a sua finalidade não econômica. Só haveria fim
econômico se os lucros fossem rateados entre os membros da associação, o que não sucede. O lucro é reinvestido na
própria atividade da associação. Obviamente as associações podem contratar serviços, inclusive de seus associados,
remunerando-os por isso. Essa remuneração, porém, não representa distribuição de lucros, e sim remuneração para
todos os efeitos jurídicos. Se fossem dividendos, o associado poderia, por exemplo, deixar de pagar imposto de renda,
a depender da lei tributária. Mas, como é remuneração, cumpre-lhe pagar a exação de renda pertinente. A disciplina
das associações está a partir do art. 53 do CC.
A fundação é um patrimônio afetado a uma das finalidades do parágrafo único do art. 62 do CC, que lista diversas
hipóteses de fins não lucrativos, como fins de assistência social, de educação, de promoção da democracia, de ativi-
dades religiosas etc. Apesar de o parágrafo único do art. 62 do CC se valer do advérbio “somente”, há corrente no sen-
tido de que esse rol de finalidades é exemplificativo, de maneira que outras finalidades não lucrativas podem autorizar a
criação de uma fundação. É o caso, por exemplo, das “fundações de caráter esportivo”.
Essa corrente de ampliar ilimitadamente o rol de fins para a criação de fundação, todavia parece-nos contrariar ex-
pressamente o próprio CC, que é expresso em usar o advérbio “somente”, além de desconsiderar dois fatos relevantes:
(1) esse entendimento permitiria contornar o veto presidencial ao inciso X do art. 62 do CC, que haveria de autorizar a
criação de fundação para fins de “habitação de interesse social”, mas que foi tida por inconveniente no veto presidenci-
al por autorizar o ingresso de fundações no mercado de habitação com privilégios tributários que distorceriam a concor-
rência com empresas do segmento; (2) há interesse público nas fundações, e o Estado gasta recursos financeiros e de
pessoal na sua fiscalização, como por meio do Ministério Público, de maneira que seria desarrazoado permitir que um
particular imponha gastos ao Poder Público com uma fundação de irrelevante interesse social (ex.: imagine uma funda-
ção para estimular as pessoas a ficarem olhando o vento).
A disciplina das fundações está a partir do art. 62 do CC. Como não há sócios na fundação e como há interesse

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público nelas, o Ministério Público deve fiscalizá-las (art. 66, CC). A criação da fundação dá-se por meio de quatro
etapas:
1. a fase de dotação ou de instituição: por escritura pública ou testamento, o instituidor destina um patrimônio para
a criação de uma fundação na forma do art. 62 do CC;
2. fase da elaboração do estatuto social: o instituidor no ato de instituição ou uma pessoa indicada pelo instituidor
elaborará o estatuto social no prazo indicado pelo instituidor ou, se ausente este, em 180 dias, sob pena de o Mi-
nistério Público efetuar a elaboração, conforme art. 65, CC;
3. fase de aprovação do estatuto: o Ministério Público deve aprovar o estatuto para impedir regras abusivas ou in-
compatíveis com a vontade do instituidor, admitido recurso ao juiz no caso de rejeição do Ministério Público, con-
forme art. 65, CC;
4. fase do registro: o estatuto social deve ser registrado no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, dando início à pes-
soa jurídica.
As pessoas jurídicas que exercem atividade religiosa, independentemente da orientação de fé, são consideradas
organizações religiosas. A opção do legislador de tratar as organizações religiosas como pessoa jurídica diversa possui
cunho mais político e didático, para evitar que os templos em geral tivessem de adaptar-se às inúmeras regras comple-
xas e burocráticas de associação trazidas pelo CC/2002 e para reconhecer que há um regime jurídico peculiar para
elas, com direito à imunidade tributária sobre patrimônio, renda e serviços (art. 150, VI, “b”, CF/1988) e com liberdade
de culto (art. 5º, VI, CF/1988). Seja como for, na prática, o funcionamento das organizações religiosas costumam seguir
o modelo das associações, embora a elas não sejam exigíveis a adaptação às regras de associação do CC/2002 pre-
vistas a partir do art. 53 (art. 2.031, CC). O CC não detalha regras de funcionamento das organizações religiosas, dan-
do liberdade aos seus membros.
A Igreja Católica foge a essa regra por conta de acordo internacional firmado entre o Brasil e a Santa Fé em razão
do qual a Igreja Católica possui personalidade jurídica em conformidade com o direito canônico (Decreto n.
7.107/2010).
Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, que surgem com o registro no Cartório de Registro
Civil das Pessoas Jurídicas e que, após esse seu nascimento enquanto pessoa jurídica, dependem de um registro no
TSE para efeito de viabilizar o exercício da atividade eleitoral, nos termos do art. 7º da Lei n. 9.096/1995. Não se apli-
cam as regras de associações aos partidos políticos por serem espécies de pessoas jurídicas diversas, apesar de o
funcionamento dos partidos costumar ser similar ao das associações.

CLASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS QUANTO À ESTRUTURA

Quanto à estrutura, as pessoas jurídicas podem ser:


1. universitas personarum (universalidade de pessoas): a sua estrutura é decorrente da união de pessoas, como se
dá na sociedade, nas associações, na EIRELI, nos partidos políticos e nas organizações religiosas, cuja composi-
ção envolve necessariamente pessoas;
2. universitas bonorum (universalidade de bem): a estrutura da pessoa jurídica não é composta por pessoas, e sim
por um patrimônio afetado a uma finalidade, a exemplo das fundações, que não possuem “sócios”, e sim um con-
junto de bens destinado a um dos fins do art. 62, parágrafo único, CC.

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REPRESENTAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS

Como ente invisível, a pessoa jurídica depende de algum indivíduo para praticar atos em nome dela. Em regra, o
administrador – assim nomeado segundo as regras internas da pessoa jurídica – tem poderes para praticar atos em
nome da pessoa jurídica, como assinar um cheque, por exemplo, salvo se extrapolar os poderes definidos no ato cons-
titutivo (que pode proibi-lo, por exemplo, de assinar cheques em nome da pessoa jurídica). Cabe aos terceiros verificar
o ato constitutivo da pessoa jurídica para verificar se há ou não vedação ao administrador para a prática do ato.
Se o administrador praticar um ato além (= ultra) dos seus poderes (= vires), esse ato não vinculará a pessoa jurídi-
ca. Trata-se do que se chama Teoria Ultra Vires, especificada nos artigos 47 e 1.015 do CC. O CC não adotou a Teo-
ria da Aparência, que se opõe à teoria ultra vires, por prestigiar terceiros de boa-fé.
Apesar da adoção da teoria ultra vires pelo CC, ela deve ser flexibilizada com as seguintes ressalvas, extraídas do
Enunciado 219/JDC: “(a) o ato ultra vires não produz efeito apenas em relação à sociedade; (b) sem embargo, a socie-
dade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo; (c) o Código Civil amenizou o rigor da teoria ultra vires,
admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os
quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade; (d) não se aplica o art. 1.015 às
sociedades por ações, em virtude da existência de regra especial de responsabilidade dos administradores (art. 158, II,
Lei n. 6.404/1976)”.
O mero fato de ser sócio de uma pessoa jurídica não lhe outorga poderes de representação dela. É preciso que es-
se sócio seja administrador, encargo que pode ser outorgado a quem não é sócio também.

EFEITOS DO REGISTRO

O registro do ato constitutivo no órgão competente, ao criar a pessoa jurídica (PJ), gera os seguintes efeitos:
1. patrimonial: o patrimônio da PJ é diverso do dos seus membros;
2. pessoal: a personalidade jurídica da PJ não se confunde com a pessoa natural dos seus membros;
3. processual: a legitimidade para ser parte em processos é da PJ, e não dos seus membros;
4. obrigacional: as obrigações da PJ não são dos membros.
Assim, ao se fazer um contrato com uma pessoa jurídica, os seus membros não estão se vinculando ao contrato,
de maneira que, em princípio, eventual ação judicial discutindo o contrato deverá ser proposta contra a pessoa jurídica
como polo passivo, e não contra os seus membros.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Noções Gerais

A desconsideração da personalidade jurídica é a suspensão temporária da autonomia patrimonial da pessoa jurídi-


ca, de modo a permitir que o patrimônio dos sócios ou dos administradores respondam por dívidas dela. Não há extin-
ção da pessoa jurídica, mas apenas a suspensão da autonomia patrimonial. O fundamento da teoria da desconsidera-

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ção da personalidade jurídica é o abuso de direito, que é um ato ilícito (art. 187, CC) e que ocorre quando os sócios se
valem abusivamente da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para frustrar credores. A teoria da desconsideração
da personalidade também é conhecida como disregard theory, disregard of legal entity ou teoria do levantamento do
véu.
Despersonificação da pessoa jurídica é fenômeno diverso; é a extinção da pessoa jurídica. Não se confunda des-
consideração com responsabilização pessoal. Esta última hipótese é aquela em razão da qual uma pessoa pode res-
ponder por dívida de outra por força de lei. Passa a haver dois coobrigados pela dívida toda na responsabilização pes-
soal. É o que sucede na responsabilidade pessoal das sociedades integrantes do mesmo grupo econômico em dívidas
trabalhistas (art. 2º, § 2º, CLT) e na responsabilização pessoal do sócio, do administrador ou de terceiros por dívidas
tributárias de pessoa jurídica no caso de infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto social ou em outros casos le-
gais (artigos 134 e 135, CTN). Já na desconsideração da personalidade jurídica, o que há é uma suspensão temporária
da autonomia patrimonial para permitir a excussão de bens do sócio ou administrador que perpetrou abuso de direito.
A doutrina costuma falar que há duas espécies de teoria da desconsideração da personalidade jurídica: a maior e a
menor.

Teoria Maior

A teoria maior da desconsideração jurídica é a regra geral e está no art. 50 do CC. Ela se aplica a qualquer pessoa
jurídica, desde que esteja presente o seguinte requisito: o inadimplemento e o abuso da personalidade jurídica. O mero
inadimplemento não é suficiente. Não há necessidade de insolvência ou falência. Esse abuso da personalidade jurídica
deve necessariamente enquadrar-se em um desvio de finalidade ou em uma confusão patrimonial.
O desvio de finalidade se dá quando os membros da pessoa jurídica desviam o objeto social da pessoa jurídica
com a intenção de fraudar os credores. Como se vê, o desvio de finalidade depende da presença de um requisito sub-
jetivo (a intenção de fraudar), o que autoriza designar essa hipótese como teoria maior subjetiva. Trata--se de situação
difícil de ser provada e caracterizada. Se uma sociedade com o objeto social de prestar cursos de capacitação passa a
exercer a venda de lanches, esse desvio de finalidade só autorizará a desconsideração da personalidade jurídica se
houver intenção de prejudicar os credores. Se essa mudança finalística decorreu de sobrevivência financeira, não há
má-fé e, portanto, é descabida a desconsideração.
A confusão patrimonial ocorre quando, de fato, os bens da pessoa jurídica se confundem com os dos sócios, como
sucede nas hipóteses de sócios que vivem a usar o dinheiro e os bens da pessoa jurídica para proveito próprio. Se a
pessoa jurídica mescla seu patrimônio com o dos sócios, essa mistura deve subsistir também no caso de inadimple-
mento das obrigações: a mixórdia dos bens implica a mistura das dívidas da pessoa jurídica. Aí não há necessidade de
prova de intenção de fraudar; basta a prova do fato objetivo da confusão patrimonial, razão por que essa hipótese é de-
signada de teoria maior objetiva. Isso ocorre, por exemplo, quando o dinheiro das contas bancárias da pessoa jurídica é
usado pelos sócios para fins pessoais.
Encerramento irregular das atividades da PJ não é, por si só, motivo para a desconsideração da pessoa ju-
rídica, pois isso não representa confusão patrimonial nem desvio de finalidade. A dissolução ou encerramento irregular
de pessoa jurídica ocorre quando os seus sócios “fecham” as portas sem adotar o procedimento formal para a extinção
da pessoa jurídica, previsto no art. 51 do CC (dissolução, liquidação e cancelamento do registro). Não se pode presumir
ato abusivo nessa conduta, pois frequentemente esta ocorre em razão da crise financeira da empresa, que não dispõe
de recursos sequer para a contratação de profissionais para a realização dessa operação formal de encerramento. Es-
clareça-se que a Súmula n. 435/STJ cuida de redirecionamento de execução fiscal com base na interpretação dos arti-
gos 134 e 135 do CTN, que versam sobre responsabilização pessoal, e não de desconsideração da personalidade jurí-

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dica.
Não é cabível a desconsideração da personalidade jurídica pela mera mudança de endereço de sede da pessoa ju-
rídica sem comunicação, pois isso não se enquadra em confusão patrimonial nem em desvio de finalidade.

Teoria Menor

A teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica contenta-se com o mero inadimplemento de uma
obrigação pela pessoa jurídica para a suspensão da autonomia patrimonial. Não há necessidade de prova de abuso da
personalidade jurídica. É preciso haver previsão legal expressa ou, ao menos, fundamento principiológico consistente,
pois a teoria menor afasta a regra geral do art. 50 do CC.
A teoria menor é aplicada para dívidas perante consumidor (art. 28, § 5º, CDC), dívidas por danos ambientais (art.
4º, Lei n. 9.605/1998) e dívidas trabalhistas (princípio da vulnerabilidade do trabalhador, que atrai, segundo o TST, por
analogia, o art. 28, § 5º, do CDC em prol dos obreiros).

Casos Especiais

É possível admitir novas formas de desconsideração com fundamento na vedação do abuso de direito prevista no
art. 187 do CC e na aplicação analógica do art. 50 do CC. Afinal de contas, a teoria da desconsideração da personali-
dade nasceu exatamente como reação a condutas abusivas dos devedores em aproveitar-se da autonomia patrimonial
da pessoa jurídica para frustrar credores. Nesse sentido, é possível admitir diversos tipos de variações da desconside-
ração, como as desconsiderações inversa, indireta e a expansiva bem como a teoria da sucessão de empresas, além
de haver doutrinadores a admitir outras situações, como a desconsideração por subcapitalização.
Desconsideração inversa ou às avessas é a suspensão da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para permitir
que os bens destas respondam por dívidas pessoais dos sócios. É preciso haver prova dos requisitos do art. 50 do CC:
abuso de direito por meio de confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Isso pode acontecer até mesmo em direito
de família: o marido que, antes do divórcio, esconde seus bens na pessoa jurídica para ocultar da esposa incorre em
confusão patrimonial com esta, de modo que a esposa, por ocasião da partilha de bens decorrentes de divórcio, poderá
reivindicar penhora de bens da pessoa jurídica para garantir a sua meação sobre o patrimônio ocultado. O fundamento
legal são os artigos 187 e 50, CC.
Desconsideração indireta é permitir que respondam pela dívida de uma pessoa jurídica os bens de uma outra
que, com o objetivo de frustrar credores, mantenha confusão patrimonial ou desvio de finalidade com a pessoa jurídica
devedora. Não importa o vínculo jurídico mantido entre essas pessoas jurídicas (societário, joint venture etc.), pois ele é
meramente formal diante do abuso de direito. Essa hipótese autoriza que entes do mesmo grupo econômico respon-
dam por dívidas uma das outras, desde que seja provado o abuso da personalidade jurídica. O mero fato de ser inte-
grante do mesmo grupo econômico não é suficiente para a desconsideração indireta.
Desconsideração expansiva é a desconsideração de uma pessoa jurídica para atingir o patrimônio de “pessoas”
que, com o intento fraudulento de frustrar os credores, mantêm-se escondidos, atuando como um verdadeiro “sócio es-
condido”. Não se deve empregar a expressão “sócio oculto” aí para não causar confusão com a expressão técnica utiliza-
da em tipos societários legítimos, como a sociedade em conta de participação (formada por sócios ostensivos e ocultos).
Nesse caso, a desconsideração da pessoa jurídica expande-se para atingir os bens desses sócios escondidos. Assim, por
exemplo, se uma pessoa, por algum meio fraudulento, logra criar uma sociedade da qual serão sócios dois “laranjas”
(pessoas que nem sabem disso) para viver a subtrair o patrimônio dessa pessoa jurídica, os credores desta poderão pedir

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a desconsideração para atingir os bens desse indivíduo fraudador, que é um “sócio ardilosamente escondido”.
A teoria da sucessão de pessoas jurídicas é uma sofisticação da desconsideração da personalidade jurídica pa-
ra permitir que os bens de pessoa jurídica que sucedeu uma outra possa ser responsabilizado nos casos em que essa
sucessão ocorreu com abuso de direito, como sucederia na hipótese de a nova pessoa jurídica desempenhar a mesma
atividade e manter a mesma estrutura material e imaterial (móveis, empregados etc.).

EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

A extinção de uma pessoa jurídica deve atravessar três etapas: dissolução, liquidação e cancelamento do registro
(art. 51, CC). Só com esse último ato ocorre a efetiva extinção do ente. Sobre a extinção da PJ, consultem-se os artigos
46, VI (registro da PJ com condições de extinção da PJ e destino do patrimônio), 54, VI (condições de dissolução no
estatuto da associação), 61 (destino do patrimônio da associação), 69 (extinção da fundação) e 1.033 (hipóteses de
dissolução da sociedade) do CC.
A dissolução é a fase de anúncio de que a pessoa jurídica começará o seu processo de encerramento (daí o verbe-
te dissolução). A dissolução deve ser averbada no registro público para divulgação a terceiros. Há as seguintes modali-
dades de dissolução:
1. convencional: decorre de deliberação dos membros, conforme quórum estatutário ou legal;
2. administrativa: ocorre quando há cassação da autorização para funcionamento;
3. legal: ocorre quando a lei determina;
4. judicial: deriva de decisão judicial;
5. natural: falecimento de membro, sem que seja reconstituída a pluralidade de membros.
No caso de associação, o estatuto pode afastar a intransmissibilidade da condição de associado (art. 56, CC), de
maneira que, havendo a morte dos associados (que é uma causa natural), não haverá dissolução da pessoa jurídica.

DIREITOS DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA

Os direitos da personalidade também se estendem, no que couber, às pessoas jurídicas, conforme art. 52 do CC.
Daí decorre o cabimento de dano moral em favor da pessoa jurídica de direito privado no caso de ofensa à sua honra
objetiva, como sucede nas hipóteses de divulgações de mensagens falsas contra a qualidade dos serviços prestados
por uma pessoa jurídica ou na hipótese de negativação indevida do nome de uma pessoa jurídica no cadastro de ina-
dimplentes. A pessoa jurídica possui honra objetiva, assim entendida a reputação social (a reputação perante a coleti-
vidade), mas não a honra subjetiva, que é a percepção que a pessoa tem sobre si mesma. Somente as pessoas natu-
rais possuem honra subjetiva, por serem seres humanos, e não entes invisíveis como a pessoa jurídica.
Nesse ponto, há um tema julgado pelo STJ que merece atenção. O STJ entende que pessoas jurídicas de direito
público não sofrem dano moral, pois não dependem de sua reputação perante a sociedade para subsistir, e sim da
lei. É diferente do que sucede com pessoas jurídicas de direito privado, que, com sua reputação manchada diante da
sociedade (honra objetiva), certamente sofrerá repercussões que poderão comprometer sua própria viabilidade finan-
ceira e funcional. O agente público até pode sofrer dano moral em razão de ser uma pessoa natural, mas jamais a pes-
soa jurídica de direito público.

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DIREITO CIVIL

DOMICÍLIO

NOÇÕES GERAIS

Domicílio é a sede da vida jurídica de uma pessoa, é o lugar onde ela pode ser encontrada para efeitos jurídicos.
Trata-se aqui de domicílio civil, ou seja, de um local que é relevante para relações civis. Esse domicílio também será o
vigente para os demais ramos do direito, se não houver norma em sentido diverso. Por exemplo, no direito tributário, há
o domicílio fiscal, local onde a pessoa deve ser encontrada para efeito jurídico-tributário (art. 127, CTN). No direito elei-
toral, há o domicílio eleitoral como sede da vida jurídica para fins de obrigações e direitos eleitorais (art. 42, Código
Eleitoral – Lei n. 4.737/1965). Os domicílios eleitorais, fiscais e civis não necessariamente coincidem. No caso do domi-
cílio civil, as principais utilidades jurídicas desse conceito é o de que, em regra, as ações judiciais devem ser propostas
no juízo do domicílio do réu (art. 46, CPC) e o de que se aplica a lei do país de domicílio da pessoa para reger ques-
tões inerentes à sua condição de pessoa (art. 7º, LINDB).
Residência, por outro lado, é um mero local físico com o qual o seu titular mantém uma relação de fato sem querer
ser encontrado lá para efeitos jurídicos. Se alguém reside em um lugar onde não tem a intenção de ser encontrado pa-
ra efeitos jurídicos (talvez queira ser encontrada para tomar um café, para conversar, mas não para efeitos jurídicos),
tal local não é domicílio, e sim residência, salvo se houver alguma lei específica em sentido contrário. A residência não
tem relevância jurídica alguma quando se trata do exercício de direitos e deveres do seu titular. Ela não é um atributo
da personalidade. Por essa razão, em contratos, é desnecessária a praxe de, na qualificação dos contratantes, averbar
que eles são “residentes e domiciliados” em determinado lugar, pois o que importa aí é o domicílio, visto que o objetivo
dos contratantes é saber a sede jurídica da vida da pessoa, e não necessariamente a sede lúdica ou de descanso des-
ta. É claro, porém, que convém saber também o local da residência para efeito de conseguir encontrar a pessoa para
citação em uma ação judicial, mas a competência jurisdicional será a do foro do domicílio, que não necessariamente
corresponde à residência.
Domicílio e residência não se confundem, embora uma residência possa se tornar domicílio quando a pessoa pas-
sa a ter o ânimo definitivo, ou seja, o desejo de ser encontrado no local de modo permanente para efeitos jurídicos (art.
70, CC).
Teoricamente é possível a pessoa viver em um local, mas lá não ser seu domicílio por falta do ânimo definitivo. Em
princípio, não se vê obstáculo a que uma pessoa indique uma caixa postal de uma agência dos Correios como o seu
domicílio, de modo que esse local será o considerado para todos os efeitos da sua vida jurídica (como a definição do
foro competente para ações judiciais), ainda que essa pessoa resida em outra cidade. Essa é a interpretação mais
adequada do art. 70 do CC, pois há necessidade de assegurar o direito de qualquer indivíduo de eleger o lugar que lhe
aprouver como seu domicílio, pois, por algum motivo particular relacionado à sua dignidade, ele não deseja ser encon-
trado, para efeito jurídico-civil, no lugar onde reside.
O domicílio é relevante apenas para definir o lugar do exercício de direitos e deveres decorrentes da situação jurí-
dica de pessoa. Para, por exemplo, realizar a citação de uma pessoa, esse ato jurídico se satisfaz com a sua comuni-
cação em qualquer lugar onde ela for encontrada, seja no seu domicílio, seja na rua, seja em outro lugar, salvo proibi-
ções legais, como o local onde estiver ocorrendo um culto religioso do qual esteja participando o citando (art. 244, I,
CPC).

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DIREITO CIVIL

Há, ainda, quem distinga residência de moradia ou habitação. Enquanto aquela é um local físico onde a pessoa
habita com intenção de permanecer, ainda que sem querer que daí decorram efeitos jurídicos, a moradia ou a habita-
ção é o local em que a pessoa está temporariamente, sem intenção de permanecer, como sucede numa hospedagem
de férias em um hotel. Não há relevância prática nessa distinção, pois ambas as situações – a residência e a moradia –
não são a sede da vida jurídica da pessoa, dignidade que é reservada ao domicílio.
Há três conceitos importantes quando se trata de domicílio. O primeiro é o princípio da cogência domiciliar. O
domicílio é um dos atributos da personalidade, assim como são o nome, a capacidade, a fama e o estado civil. O domi-
cílio integra-se à própria individualidade jurídica de uma pessoa. E, como toda pessoa pode ter direitos e deveres em
razão da personalidade jurídica, toda pessoa tem de ter um lugar onde possa ser encontrada para efeitos jurídicos em
razão desses direitos e deveres. Trata-se do princípio da cogência domiciliar: toda pessoa tem um domicílio necessari-
amente (cogentemente).
O segundo é o princípio da pluralidade domiciliar. Nada obsta a que uma pessoa tenha mais de um domicílio, ou
seja, mais de um local de referência para a sua aptidão de ter direitos e deveres. Se, por exemplo, uma pessoa possui
o ânimo definitivo em mais de uma residência, todos esses locais serão considerados domicílios dessa pessoa, con-
forme art. 72, CC. Isso costuma acontecer com empresários que vivem em mais de um local em razão da gestão das fi-
liais da sua empresa. Igualmente uma pessoa pode ter um domicílio voluntário e um domicílio legal, como um servidor
público, que pode ter o local onde vive como seu domicílio voluntário (art. 70, CC) e, ainda, obrigatoriamente terá o lu-
gar onde exerce permanentemente a sua função como domicílio legal (art. 76, CC). Afinal de contas, o domicílio legal
não afasta o(s) domicílio(s) voluntário(s).
Por fim, deve-se falar da teoria do domicílio aparente. Em decorrência do princípio da cogência domiciliar, todas
as pessoas devem ter um domicílio. Mesmo pessoas sem residência habitual, como os circenses, os ciganos, os itine-
rantes ininterruptos, os que dormem nas praças e fazem das estrelas os seus cobertores – os mendigos –, devem ter
um domicílio, razão por que a lei fixa-lhes como domicílio o lugar onde forem encontrados (art. 73, CC). Essa hipótese
do art. 73 do CC é batizada de domicílio aparente ou ocasional e representa um exemplo de domicílio sem residência.
Se, por exemplo, alguém for propor uma ação contra um circense que está em São Luís atualmente, o juízo competen-
te será o de São Luís, considerando que a competência é do foro do domicílio do réu (art. 46, CPC). São Luís é o lugar
que “aparenta” ser o domicílio dessa pessoa sem residência fixa, ou seja, é o lugar em que “ocasionalmente” esse indi-
víduo errante está; daí o nome “domicílio aparente ou ocasional. No referido exemplo, mudanças posteriores de domicí-
lio são irrelevantes para efeito de competência jurisdicional diante do princípio da perpetuatio jurisdictionis: a ação con-
tinuará tramitando em São Luís, ainda que o réu se mude para Teresina (art. 43, CPC).

ESPÉCIES DE DOMICÍLIO

O domicílio pode ser dividido em voluntário e em legal.


O domicílio voluntário ou privatístico é o escolhido livremente pela pessoa. Decorre da sua vontade. Pode ser
de duas espécies: geral ou especial. O domicílio voluntário geral é o que se aplica a todos os atos jurídicos da pes-
soa (aos atos em geral). Ele é definido no art. 70 do CC e retrata a definição geral de domicílio. O domicílio voluntário
geral é a soma de dois elementos: um objetivo (a residência, ou seja, o lugar onde reside) e outro subjetivo (o ânimo
definitivo, ou seja, a intenção de ser encontrado nesse local de forma definitiva para efeitos jurídicos). É, pois, o lugar
onde a pessoa fixa a sua residência com ânimo definitivo.
O domicílio voluntário especial é o que se aplica apenas a determinados atos jurídicos, afastando o domicílio ge-

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ral. Isso ocorre quando, por vontade das partes, os efeitos jurídicos de determinado ato devem levar em conta o domicí-
lio indicado. Um exemplo é o domicílio contratual, que é o local eleito como domicílio para efeito de um contrato, con-
forme permissão do art. 78, CC. Outro exemplo é o foro de eleição, que se destina apenas ao local onde deverão ser
propostas as ações judiciais relativas a questões de um contrato específico. É menos amplo que o domicílio contratual,
que atinge outros efeitos jurídicos vinculados ao domicílio. Se, por exemplo, um brasileiro e um norte-americano se en-
contram em Cancún para celebrar um contrato, eles poderiam estipular que o domicílio a ser levado em conta para es-
se contrato são os EUA, caso em que será aplicada a lei ianque para reger o contrato e será o Poder Judiciário ianque
que terá competência para eventuais ações judiciais. Quanto ao foro de eleição, é possível a declaração de sua nulida-
de pelo juiz quando for constatado abuso de direito na forma do art. 63, CPC, além de ser admissível foro de eleição no
estrangeiro (art. 25, CPC).
A lei pode impor um domicílio a qualquer pessoa. Trata-se do domicílio legal, necessário ou publicístico. As
principais hipóteses estão no art. 76 do CC, que impõe como domicílio:
1. do incapaz o do seu representante ou assistente;
2. do marítimo – que é a pessoa que vive ou trabalha em embarcações, como os comandantes, os tripulantes e os
que vivem a negociar pelos mares (oficiais e tripulantes de marinha mercante) – o local onde está matriculada a
sua embarcação;
3. o do preso o local onde cumpre sentença, abrangendo até mesmo caso de imposição de medidas de internação
em manicômio judiciário por sentença, de maneira que, no caso de prisão cautelar, não haverá domicílio necessá-
rio para o preso por falta de uma sentença penal condenatória;
4. o do militar o local onde serve, salvo para os militares da Aeronáutica e da Marinha, que, por servirem em locais
não terrestres (ar ou água), tem por domicílio legal a sede do comando aos quais estão imediatamente subordina-
dos, de maneira que militar reformado – por não estar na ativa, ou seja, por não estar servindo nem sob subordina-
ção imediata – não tem domicílio legal, mas apenas o voluntário;
5. o do servidor público o local onde exercer permanentemente as suas funções.
No caso do domicílio do servidor público efetivo, o fato de ele assumir uma função de confiança ou ocupar um car-
go comissionado em local diverso da sua lotação não configura um novo domicílio legal do servidor, dada a ausência
do requisito de exercício permanente previsto no parágrafo único do art. 76 do CC: o exercício das funções do servidor
no lugar da função comissionada ou do cargo em comissão não tem caráter temporário. Esse domicílio funcional do
servidor público só se aplica a servidor público efetivo, ou seja, ao servidor concursado, e não temporário, e recai sobre
o lugar de sua lotação e exercício, pois, para os demais tipos de agentes públicos, como os comissionados ou os tem-
porários, a sua atividade não possui a permanência exigida pelo parágrafo único do art. 76 do CC. Para esses agentes
públicos não efetivos, o domicílio será o domicílio voluntário deles ou – pensamos – o domicílio profissional do art. 72
do CC, que somente irradia efeitos para atos relacionados à sua profissão e nada mais.
Outro caso de domicílio legal é do agente diplomático na forma do art. 77 do CC, à luz do qual será seu domicilio o
Distrito Federal ou o último local do Brasil onde ele teve domicílio na hipótese de ele ser citado em uma ação judicial no
exterior e se recusar a responder perante a jurisdição estrangeira diante da sua imunidade diplomática (ou seja, alegar
extraterritorialidade). Nesse caso, considerando que o foro competente é, em regra, o domicílio do réu (art. 46, CPC), a
ação contra o agente diplomático deverá ser proposta no Distrito Federal ou no último local do Brasil onde ele teve do-
micílio.
Mais um caso é o domicilio profissional do art. 72 do CC, que se aplica para as pessoas que, não sendo servidoras
públicas, exercitam uma profissão, como advogados, empregados celetistas, autônomos etc. Nesse caso, o local do
exercício da sua profissão é o seu domicílio apenas para atos relacionados à profissão. Se houver vários locais de
exercício, cada um será domicílio para os atos que lhes corresponderem.

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Assim, se um advogado que vive em Imperatriz/MA e possui escritório em São Luís/MA, não se poderá considerar
que São Luís/MA será seu domicílio para um contrato particular que ele assinou (ex.: um contrato de alimentação), pois
não se trata de uma questão relativa à sua profissão.

DOMICÍLIO DA PESSOA JURÍDICA

No caso de pessoas jurídicas, o seu domicílio está disciplinado no art. 75 do CPC. Quando se trata dos entes fede-
rativos, o seu domicílio serão as capitais (domicílio da União é o DF; domicílio dos Estados e dos Territórios é a respec-
tiva capital) ou, no caso do Município, o lugar da prefeitura (local onde está o “cérebro” do ente federativo, ou seja, a
administração municipal).
Já no caso das demais pessoas jurídicas, o domicílio será onde está a sede delas, o “cérebro” delas, ou seja, o lu-
gar onde funcionam a diretoria e a administração, salvo se o ato constitutivo escolher um outro domicílio para essa
pessoa jurídica.
No caso de pessoas jurídicas com vários estabelecimentos, cada um deles será considerado domicílio, ao menos
para os atos nele praticados, o que é extremamente justo em razão do fato de a pessoa jurídica com várias filiais estar
a fracionar parcialmente a sua administração nas suas várias filiais. E tudo isso sem prejuízo do domicílio da adminis-
tração central, da sede da pessoa jurídica.
A lógica que está por trás desse critério do art. 75 do CC é a de que o domicílio da pessoa jurídica deve estar no
lugar onde esteja a “cabeça” da pessoa jurídica, para permitir que ela possa exercer seus direitos e deveres adequa-
damente. Se, por exemplo, uma empresa celebra o contrato com uma agência do Banco do Brasil em Rio Branco/AC,
essa agência será considerada domicílio do Banco do Brasil, assim como será domicílio o Distrito Federal, onde está a
diretoria e a administração central do Banco do Brasil (a sede).

BENS

BENS E COISAS: DISTINÇÃO

Há controvérsia doutrinária acerca da distinção entre coisa e bem. De um lado, com o apoio de Silvio Rodrigues,
coisa é tida como gênero do qual bem é espécie, por designar tudo quanto existe objetivamente com exclusão do ser
humano, ao passo que bem seria as coisas que podem ser apropriadas por um sujeito de direito por ter valor econômi-
co. De outro lado, com apoio em Clovis Bevilacqua, há quem dê sentido amplo e estrito ao verbete “coisa”. Em sentido
amplo, coisa é tudo quanto existe, com exclusão do homem, ainda que não tenha expressão econômica e não seja
apropriável, de modo que os bens seriam espécie e designariam o que é apropriável pelo ser humano por ter valor
econômico; em sentido estrito, são os bens corpóreos.
O CC, ao tratar de Direito das Coisas, emprega esse termo em sentido estrito, pois, em princípio, as suas regras
não se aplicariam a bens incorpóreos, salvo lei expressa (ex.: penhor de ações de sociedade anônima é expressamen-

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DIREITO CIVIL

te permitida pelos artigos 39 e 40 da Lei n. 6.404/1976). Parece-nos que a concepção de Bevilacqua é mais consentâ-
nea com a nomenclatura utilizada pela legislação, que, ao se valer do verbete “bem” – como no Livro “Dos Bens” (arti-
gos 79 a 103, CC) –, reporta-se a coisas apropriáveis pela pessoa e que, ao se referir a coisas – como no Livro “Direito
das Coisas” e em outras hipóteses (como artigos 188, II, 225 do CC) –, reporta-se primordialmente a bens corpóreos.
Não se nega, porém, que há situações em que o verbete “coisa” é empregado como sinônimo de bem (coisa apropriá-
vel pela pessoa), a exemplo do erro na indicação da coisa no art. 142 do CC e da disciplina de obrigações de dar coisa
(art. 233 e seguintes, CC), mas temos que isso é uma ligeira imprecisão decorrente do uso de um verbete mais genéri-
co: é como se empregar a expressão genérica “ser vivente” quando se está a falar de apenas uma das espécies de se-
res viventes, o ser humano (isso é quase uma metonímia invertida: usar o todo para se referir à parte).

SEMOVENTES

Os animais, embora sejam considerados bens – na categoria de semoventes (bens móveis) –, recebem proteção
especial pelo ordenamento, que os protege de tratamentos degradantes. O STF já vedou práticas culturais que infligem
sofrimento a animais, como a “farra do boi” (RE 153.531), a briga de galos (ADI 1856) e a vaquejada (ADI 4983). A difi-
culdade é, porém, definir os limites das proteções dos animais.
Os animais assumem uma condição especial de bens e, por isso, são batizados de bens sencientes, visto que, ao
contrário dos bens inanimados, eles possuem capacidade de sentir e entender, ainda que precariamente. Há proposi-
ções legislativas que exageram ao querer atribuir personalidade jurídica a animais, o que é despropositado, pois isso
teoricamente impediria relações jurídicas básicas ao ser humano, como abate de animais para alimentação, utilização
de animais para fins domésticos etc.
A proteção aos animais veste-se de inegável verniz antropocêntrico, pois a proteção dos animais dá-se na medida
em que o seu sacrifício ou o seu sofrimento perturba também o ser humano. Isso explica o porquê de praticamente nin-
guém se atordoar com a morte de uma barata, ao contrário do que sucederia com a de um cachorro ou a de um outro
animal de maior porte que atinja a sensibilidade humana. Consideramos plenamente devida a proteção dos animais
sob essa perspectiva, impedindo práticas de sacrifícios por mera diversão ou sem efetiva utilidade de sobrevivência ao
homem. É preciso haver justo motivo, como o sacrifício para alimentação ou para pesquisas científicas. E, mesmo nes-
ses casos, não se devem admitir exageros de sadismo: o sacrifício deve ser feito poupando, ao máximo, o animal de
sofrimentos.
Como consequência prática da tutela especial dos animais no Direito Civil, é cabível a aplicação, por analogia, das
regras de guarda de crianças pelos pais (art. 1.584 e ss, CC) a animais de estimação, no caso de desfazimento de uni-
ões matrimoniais ou estáveis, pois é incompatível com a natureza desses bens sencientes dispensá-los as regras pró-
prias de divisão de bem indivisível (a venda com rateio do dinheiro obtido entre os condôminos). Igualmente, há de ser
tida por abusiva a cláusula de convenção condominial que proíbe animais de estimação nas unidades privativas, espe-
cialmente quando se tratar de animais de pequeno porte, pois, além da relevância desses animais para a individualida-
de dos seus proprietários (dignidade da pessoa humana), é desproporcional esse tipo de invasão no direito de proprie-
dade exclusiva dos condôminos. Há, ainda, quem se insurja contra o uso de animais como meio de transporte, mas tal
defesa parece-nos desprezar que quem costuma servir-se disso são pessoas de baixa renda que dependem do animal
para sua sobrevivência, de maneira que, em nome da função social, o emprego da tração animal é devido desde que
exercido com o máximo de cuidado ao animal.

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DIREITO CIVIL

PATRIMÔNIO: DEFINIÇÃO E TEORIAS

Patrimônio pode ser entendido como o conjunto de todos os bens (ativos) e passivos (dívidas) de uma pessoa. Tra-
ta-se de uma universalidade de direito. Pode-se falar em patrimônio líquido, quando se apura o valor total do patrimô-
nio. Se os passivos excederem aos ativos, ter-se-á um patrimônio negativo. A legislação costuma utilizar essa concep-
ção de patrimônio.
O patrimônio é a garantia do pagamento das dívidas de qualquer pessoa, de maneira que, à luz do princípio da pa-
trimonialidade, sediado no art. 789 do CPC, todos os bens do devedor respondem por suas obrigações, salvo restrições
previstas em lei, a exemplo dos casos de impenhorabilidade legal.
Paira controvérsia doutrinária sobre a definição de patrimônio. De um lado, há a teoria clássica ou subjetiva, de-
senvolvida pelos autores franceses Charles Aubry e Frédéric-Charles Rau no século XIX. A principal característica des-
sa teoria é vincular o conceito de patrimônio à pessoa que o titulariza, por considerar o patrimônio uma projeção da
personalidade humana (daí a teoria ser também designada de subjetiva). E, nesse sentido, todos os bens (incluídos os
direitos) e obrigações integram o conceito de patrimônio, que é uma universalidade de direito. Há sub-rogação real dos
bens no patrimônio, de maneira que um bem substitui outro no patrimônio (ex.: o carro comprado passa a integrar o pa-
trimônio no lugar do dinheiro que foi utilizado como pagamento). Coisas e serviços que não possam ser objeto de direi-
tos e obrigações não compõem o conceito de patrimônio por não poderem ser vinculados à pessoa. E os ativos e pas-
sivos integrantes do patrimônio devem ter expressão econômica, ainda que indireta.
Da teoria clássica decorre que somente pessoas podem ter patrimônio e que toda pessoa necessariamente possui
um único patrimônio, ainda que, na prática, não seja titular de nenhuma posição jurídica, pois se trata de uma universa-
lidade de direito, assim entendida o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, existindo em razão de lei, e não de
uma pluralidade concreta de objetos. Embora a pessoa possa desfazer-se de todos os seus bens, não pode alienar ou
extinguir o seu patrimônio, pois este é uma universalidade de direito, que decorre da potencialidade de bens e deveres
que vierem a ser adquiridos ou contraídos pela pessoa.
De outro lado, há a teoria moderna ou realista, da qual são sectários François Gény e Henry de Page. Essa teoria
critica a versão clássica em razão de esta não corresponder ao real regime jurídico quotidiano e por impedir inovações
jurídicas importantes, como a possibilidade de transmissão de patrimônio e o patrimônio de afetação ou outras formas
de patrimônio especializado. A teoria moderna ou realista desconecta o conceito de patrimônio da pessoa; patrimônio
não é visto como emanação da personalidade. Embora existam diversas formulações da teoria moderna, o essencial
de todas elas consiste em considerar o patrimônio como um conceito parcialmente desligado da pessoa e em admitir
que uma pessoa possa ser titular de vários patrimônios. Sob essa perspectiva, admite-se a “teoria da afetação” ou “teo-
ria da não unidade”, segundo a qual o patrimônio pode ser dividido em massas patrimoniais autônomas destinadas a
um fim específico, como sucede na hipoteca, na alienação fiduciária em garantia, no patrimônio de afetação, na substi-
tuição fideicomissária, na massa falimentar, nas garantias reais, na distinção entre bens comuns e bens particulares por
conta do regime de bem do casamento etc.
O conceito de patrimônio aí não abrange as dívidas (os passivos), mas apenas os bens, as coisas, as res, corpó-
reas ou não (daí o adjetivo “realista”, para a teoria). Há quem afirme haver várias outras teorias do patrimônio que não
podem ser reduzidas a essas duas.
Apesar das divergências, o fato é que a teoria clássica segue sendo o ponto de partida em qualquer discussão so-
bre patrimônio. Parece-nos que ela explica mais adequadamente os fenômenos envolvendo o patrimônio e justifica, por
exemplo, teorias como a do patrimônio mínimo, que vincula a dignidade da pessoa humana a um mínimo existencial de
bens e que, dessa forma, retrata a importância de considerar o patrimônio como uma projeção da personalidade sob

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uma perspectiva constitucional. A teoria clássica, no entanto, deve admitir evoluções e aprimoramentos para acolher si-
tuações indicadas pela teoria da afetação. Afinal de contas, nada impede que parcela do patrimônio de uma pessoa es-
teja afetada a um fim específico.
Os direitos da personalidade, diante de seu caráter extrapatrimonial, não devem ser enquadrados no conceito de
patrimônio como regra geral. Todavia, excepcionalmente, alguns desses direitos podem ter expressão econômica, caso
em que passam a integrar o conceito de patrimônio, como sucede com o direito de imagem e os direitos autorais.
Na leitura da legislação, cabe ao intérprete buscar verificar, em cada caso, a acepção de patrimônio adotada, pois
ora se usa a teoria clássica, ora a teoria objetiva, ora outra concepção. Há, ainda, situações em que a legislação se re-
fere a bens e direitos quando o mais adequado era se reportar a patrimônio.

CLASSIFICAÇÃO DOS BENS

Quanto à Titularidade

Quanto à titularidade, os bens podem ser públicos, quando forem titularizados por entes com personalidade jurídi-
ca de direito público interno, ou privados, quando o forem pelos demais sujeitos de direito. A disciplina do tema está no
art. 98 do CC, sem prejuízo de leis especiais.
Nessa classificação, não são abrangidas as res nullius (coisa de ninguém), como os animais selvagens, nem as res
derelictas (coisa abandonada), como um computador jogado no lixo, pois não há titular desses bens.
Como regra geral, os bens públicos possuem garantias especiais, como a sua impenhorabilidade, visto que o pa-
gamento judicial das dívidas dos entes públicos se dá por meio de precatórios, e a imprescritibilidade, visto que a usu-
capião (que é uma prescrição aquisitiva) é vedada sobre bens públicos (art. 102, CC).
Conforme art. 99 do CC, os bens públicos podem ser divididos em três espécies:
1. bens públicos de uso comum do povo: os que estão afetados a um fim público geral e que, portanto, podem ser uti-
lizados livremente pelos administrados dentro das restrições legais, como os rios, os mares, as estradas, as praças
etc.;
2. bens públicos de uso especial: os afetados a um fim público especial, como os imóveis destinados a repartições
públicas, os veículos oficiais etc.;
3. bens públicos dominicais: os que não estão afetados a fim público algum.
Os bens públicos afetados, ou seja, os de uso comum ou de uso especial, não podem ser alienados enquanto
estiverem afetados. Ocorrendo, porém, a sua desafetação, eles se tornam bens públicos dominicais e, como tais, po-
dem ser alienados na forma da legislação vigente, de que é exemplo a Lei n. 8.666/1993. A desafetação, conforme
doutrina do Direito Administrativo, deve ocorrer mediante edição de lei específica.
O uso de bens públicos por particulares é admissível e pode ser gratuito ou oneroso, mas deve observar a legisla-
ção pertinente (art. 103, CC). Os instrumentos usuais para formalizar esse uso são a concessão, a permissão e a auto-
rização de uso, em relação aos quais inexiste uma lei federal geral. Há, ainda, outros veículos, como contratos adminis-
trativos e alguns direitos reais instituídos em favor dos particulares, como a concessão de uso especial para fins de mo-
radia (MP 2.220/2001) ou a concessão de direito real de uso (art. 7º, DL 271/1967).
Por fim, é importante falar sobre alguns bens privados que recebem proteções próprias de bens públicos.

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Os privilégios indicados para os bens públicos não se estendem aos privados, de maneira que estes, por exemplo,
podem ser penhorados e ser usucapidos. Todavia, quando se tratar de bens pertencentes a entes privados que de-
sempenham serviço público essencial com exclusividade, o STF costuma estender-lhes os privilégios do regime de Di-
reito Administrativo, vedando, por exemplo, a penhora de seus bens, fixando o regime de precatório para o pagamento
de condenações judiciais, censurando o usucapião etc. Isso acontece, por exemplo, com a ECT, que tem a exclusivi-
dade do serviço público de postagem, e a Infraero, que tem exclusividade do serviço de suporte aeroportuário. Nesses
casos, embora haja empresas públicas, que são pessoas jurídicas de direito privado, os seus bens – que são privados
– usufruem dos privilégios do regime jurídico dos bens públicos.
Por fim, há o estranhíssimo parágrafo único do art. 99 do CC, que estabelece que são dominicais os bens das pes-
soas jurídicas de direito público que tenham adotado estrutura de direito privado. Trata-se de dispositivo sombrio, visto
que não existe esse tipo de pessoa jurídica de direito público com estrutura de direito privado no direito brasileiro.

Bens Considerados em Si Mesmos

Classificando o bem em relação a si mesmo, pode-se falar em bens corpóreos/incorpóreos, móveis/imóveis, fungí-
veis/infungíveis, consumíveis/não consumíveis, divisíveis/indivisíveis e singulares/coletivos.

• Corpóreos e Incorpóreos

Embora o CC não preveja expressamente essa classificação de bens corpóreos e incorpóreos, a utilidade dela é
indubitável. São corpóreos os bens que têm existência material, que são tangíveis, como o veículo, o celular, o imóvel
etc. São incorpóreos ou imateriais os que não existem materialmente, os que são intangíveis, os que têm existência
abstrata. É o caso dos direitos autorais, do direito a marca, das ações de Sociedades vendidas na Bolsa de Valores.
Atualmente, grande parte da riqueza do mundo é de bens incorpóreos, expressados em títulos negociados na Bolsa de
Valores, em direitos de exploração de atividades virtuais (como o Facebook), em direitos de exploração de frequências
eletromagnéticas etc.
A utilidade dessa classificação pode ser vista, por exemplo, no fato de que a posse e a detenção somente recai sobre
bens corpóreos, de maneira que não seria cabível ação possessória para a defesa de bens incorpóreos, como os direitos
autorais (Súmula 228/STJ), os quais podem ser protegidos por meio de ações de obrigação de fazer ou não fazer.

• Móveis e Imóveis

Há diversas relevâncias na definição de um bem como móvel ou imóvel, seja para efeitos tributários (ex.: o ITBI só
incide sobre transmissão onerosa de bens imóveis, e não móveis), seja para efeitos civis.
Os bens imóveis podem ser de três espécies: por natureza, por acessão ou por determinação legal. Estão discipli-
nados nos artigos 79 a 81 do CC.
Os bens imóveis por natureza, também designados de bens de raiz, dizem respeito ao solo, o que abrange o
subsolo e o espaço aéreo na profundidade e na altura útil do ponto de vista da função social, sem abranger, porém, as
riquezas minerais, que são bens da União (artigos 1.229 e 1.230 do CC e art. 20, VIII ao X, da CF).
Os bens imóveis por acessão são aqueles que resultam de acréscimos (= acessões) ao solo. Se a acessão de-
correu de conduta humana, tem-se um bem imóvel por acessão artificial, física ou industrial, que abrange as constru-
ções e as plantações (artigos 1.253 e ss, CC).

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Se, porém, a acessão decorre da natureza, tem-se um bem imóvel por acessão natural, no qual se incluem o
aluvião, a avulsão, o álveo abandonado e a formação de ilha, conforme artigos 1.249 a 1.252, CC. As árvores só são
acessões naturais se não tiverem decorrido de trabalho humano; do contrário, serão acessões artificiais por serem
plantações.
A acessão natural ou artificial exige que a coisa acrescida seja incorporada ao solo; não basta estar meramente
dentro do solo. O tesouro, por exemplo, não é bem imóvel por acessão pelo mero fato de estar enterrado, pois ele não
se incorporou ao solo. Ele é um bem móvel, que, aliás, se descoberto, deve ser rateado entre o proprietário do solo e o
achador, caso não se tenha memória do legítimo dono, conforme art. 1.264 do CC. Igualmente, as construções que es-
tiverem presas ao solo, mas apenas apoiadas nele em caráter temporário, como barracas, armações (os stands) de fei-
ras, palcos para shows, etc., não se tornam imóveis por acessão; continuam sendo bens móveis.
As construções devem incorporar ao solo, devem ser definitivas, não podem ser provisórias, para serem considera-
das imóveis por acessão artificial. O mesmo sucede com plantas colocadas em caixas ou vasos, as quais se destinam
a ser deslocadas, e não a serem incorporadas ao solo, razão por que são bens móveis, e não imóveis por acessão na-
tural.
Por ficção legal, não perdem a característica de bens imóveis as edificações removíveis (como as casas removí-
veis) nem os materiais destacados de um prédio temporariamente para ser reempregado nele, conforme art. 81 do CC.
A provisoriedade dessa separação justifica a ficção legal. Trata-se de bens imóveis por determinação legal.
Antes do CC/2002, havia também os bens imóveis por acessão intelectual, que correspondiam a tudo quanto era,
por vontade do titular (acréscimo, ou melhor, acessão intelectual), destinado de modo duradouro ao solo. Com o
CC/2002, essa figura foi absorvida pelo conceito de pertença, prevista no art. 93 do CC.
Por fim, são bens imóveis por determinação legal os casos de bens que, por lei, devem ser havidos por imóveis.
Trata-se de ficção legal e gera várias utilidades, como, por exemplo, tributária (credencia a cobrança, por exemplo, de
ITBI no caso de transmissão onerosa). Geralmente o legislador faz isso com bens incorpóreos, como os direitos, que,
por serem imateriais, não se enquadram em móveis nem imóveis por natureza. Nesse contexto, o art. 80 do CC reúne
dois casos de bens imóveis por determinação legal:
1. os direitos reais sobre imóveis e as respectivas ações e
2. o direito à sucessão aberta, que são os direitos hereditários.
Navios e aeronaves não são bens imóveis, apesar de serem hipotecáveis (art. 1.473, VI e VII, CC). São bens mó-
veis, mas, em razão das elevadíssimas expressões econômicas, a legislação historicamente lhe dedicou regras típicas
de bens imóveis. Assim, por exemplo, diante do elevado valor desses bens, convém permitir que ele sejam oferecidos
em garantia por mais de uma dívida, medida que a hipoteca viabiliza diante das hipotecas sucessivas (art. 1.476, CC).
O penhor não permitiria isso, por exemplo. Em tom metafórico, navios e aeronaves são bens móveis com a bazófia de
um imóvel.
Os bens móveis podem ser: por natureza, por determinação legal ou por antecipação.
Os móveis por natureza são os bens deslocáveis sem perda da sua substância ou da sua destinação econômico-
social. O critério adotado pelo CC é funcional para definir a mobilidade natural da coisa, prestigiando a conservação da
destinação econômico-social da coisa removida. Um prédio não pode ser removido sem que se transforme em escom-
bros, perdendo a sua substância e a sua função. As “casas móveis” são exceções, pois se encaixam em bens imóveis
por determinação legal (art. 81, I, CC). O computador, a mesa, a cadeira etc. são bens móveis por natureza por não
perderem a sua substância. Também se enquadram aí os semoventes, que são móveis que se deslocam por força pró-
pria, como os animais. Materiais de construção, enquanto não empregados na obra, são móveis, assim como os mate-

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riais provenientes de demolição de um prédio, conforme esclarecimento do art. 84, CC.


Os móveis por determinação legal são os assim classificados por lei. Além do art. 83 do CC, há leis especiais
que preveem hipóteses de móveis por determinação legal, a exemplo do art. 5º da Lei n. 9.279/1996 (direitos de propri-
edade industrial) e do art. 3º da Lei n. 9.610/1998 (direitos autorais). O art. 83 do CC reputa como móveis a energia elé-
trica e os direitos pessoais e reais com as respectivas ações que os asseguram. Assim, as quotas e as ações de socie-
dades, os títulos da dívida pública, os títulos mobiliários negociados na Bolsa de Valores e no Mercado de Futuros, os
direitos de crédito são bens móveis por serem direitos pessoais, assim entendidos direitos decorrentes de relações de
natureza obrigacional (como as decorrentes de contratos, de vínculos societários etc.). Igualmente, o direito real de
usufruto sobre um veículo, por exemplo, também é bem móvel.
Os móveis por antecipação são os bens que, embora estejam incorporados a algum imóvel, destinam-se econo-
micamente a serem destacados do imóvel e que passam a ser considerados móveis precocemente no momento em
que, por vontade humana, são objeto de atos jurídicos. É o caso, por exemplo, da venda de safra de frutos naturais
(grãos, tomate etc.) antes da colheita: esses frutos naturais passam a ser considerados móveis por antecipação, pois
foram negociados antes da sua colheita. O mesmo ocorre com as árvores destinadas à corte para produção de lenha
ou de madeira.
Somente enquanto não houver vontade humana que se valha da sua futura natureza móvel, o bem incorporado ao
imóvel continuará sendo imóvel por acessão. Assim, se, por exemplo, alguém aliena uma fazenda com uma plantação,
o ITBI incidirá sobre o preço integral da venda, sem poder destacar o valor correspondente à plantação, pois esse ne-
gócio jurídico não está se valendo da futura mobilidade das coisas plantadas. Se, porém, a venda fosse da futura co-
lheita da plantação, não haveria ITBI, dada a natureza de bem móvel por antecipação.

• Fungíveis e Infungíveis

Quanto à fungibilidade, os bens podem ser fungíveis ou infungíveis.


Bem fungível é aquele que pode ser substituído por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade. A cédula
pecuniária e a moeda (enfim, o dinheiro) costumam ser bens fungíveis em regra, pois podem ser substituídos por ou-
tras cédulas ou moedas que representem o mesmo valor.
Podem, no entanto, se tornar infungíveis se houver vontade humana expressa (ex.: o contrato veda a substituição)
ou alguma particularidade que a individualize, como um valor sentimental (ex.: a moeda ou a cédula pecuniária deixada
por um parente falecido). No comodato ad pompam vel ostentationem, há uma infungibilização de um bem que costu-
meiramente é fungível por envolver um empréstimo de um objeto apenas para fins estéticos, como uma cesta de frutas
para ornamentação de um lugar. Outros exemplos de bens fungíveis são a farinha, o trigo, o açúcar etc. Trata-se de ob-
jetos individualizados a partir do gênero a que pertençam.
Os bens infungíveis são os que não podem ser substituídos por outro. Trata-se das coisas que são individualiza-
das por características próprias, e não por seu gênero e sua quantidade.
O art. 85 do CC apenas se refere à fungibilidade de bens móveis. Realmente, em regra, só bens móveis podem ser
fungíveis. Todavia, excepcionalmente, imóveis também podem ser fungíveis. Um apartamento costuma ser bem infun-
gível, pois não pode ser substituído por outros, que possuem localização diversa. Ele pode, no entanto, ser tido por
fungível se, por vontade das partes, for admitida a substituição do apartamento por outro situado no mesmo prédio e
com o mesmo tamanho, supondo-se que todos estejam com as mesmas características internas, como no caso de pré-
dios recém-construídos. Outro exemplo de infungibilidade de bens imóveis é a partilha de vários lotes pertencentes a
uma sociedade entre os sócios na hipótese de estes terem acordado que cada um terá direito a uma certa quantidade

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de lotes. Outro exemplo é o de uma incorporadora se obrigar a entregar dez lotes em um empreendimento, caso em
que a individualização da coisa deverá ser feita pelo gênero e pela quantidade.
A fungibilidade do bem deve ser analisada no caso concreto, pois um mesmo bem pode ser tido por fungível ou in-
fungível a depender das condições de cada situação.
Direitos e obrigações também são bens por determinação legal e, como tal, também podem ser classificados como
fungíveis ou infungíveis. O art. 369 do CC, por exemplo, estabelece que a compensação só é admissível em obriga-
ções (dívidas) fungíveis. Igualmente, a obrigação de fazer é tida por infungível quando não pode ser prestada por ter-
ceiro, ao contrário da obrigação de fazer fungível (art. 249 do CC), o que repercute na forma de exigência de cumpri-
mento forçado da obrigação, nos termos do parágrafo único do art. 249 do CC.

• Consumíveis e Inconsumíveis

Quanto à consuntibilidade ou à consumibilidade, os bens podem ser consumíveis ou inconsumíveis. Os bens con-
sumíveis são os bens móveis cujo uso implica destruição imediata, como os alimentos. Presumem-se consumíveis os
bens destinados à alienação, como uma bicicleta que está à venda em uma loja especializada (art. 86, CC). Essa pre-
sunção retrata o que se designa de consuntibilidade jurídica, que leva em conta a destinação econômico-jurídica da
coisa.
Os bens não consumíveis são o inverso: não se destroem imediatamente com o uso. É possível que um bem se
torne inconsumível por vontade das partes, como no comodato ad pompam vel ostentationem (ex.: uma cesta de frutas
emprestada apenas para decorar uma festa).
Consuntibilidade não se confunde com fungibilidade, como sucede com uma garrafa de vinho herdada de um pa-
rente, pois aí se tem uma coisa infungível, mas consumível.
A utilidade prática é a de que, na disciplina de determinados institutos, o legislador deve dar tratamento diferencia-
do aos bens consumíveis, estabelecendo, por exemplo, o dever de o usufrutuário restituir coisa similar ou o equivalente
em dinheiro de coisa consumível que já foi usada quando o usufruto recair sobre coisa consumível e fungível (art.
1.392, § 1º, do CC). O usufruto aí é designado de impróprio ou de quase-usufruto, o qual era disciplinado no art. 726 do
CC/1916 e que, no CC/2002, não recebeu disciplina específica a não ser de modo indireto, no § 2º do art. 1.392, que
trata apenas dos acessórios consumíveis.

• Divisíveis e Indivisíveis

Quanto à divisibilidade, os bens podem ser divisíveis ou indivisíveis. A definição dos bens divisíveis é residual: é
aquilo que não é indivisível.
A indivisibilidade pode ser:
1. por natureza;
2. por vontade;
3. por lei.
Diz-se que o bem é naturalmente indivisível quando a coisa não pode ser fracionada sem perda da sua utilidade
socioeconômica ou da sua substância ou sem desvalorização considerável, conforme art. 87 do CC. Como tudo pode
ser materialmente fracionado (até o elétron é fracionável em outras partículas na Física), o CC adotou o critério da utili-
dade socioeconômico, ou seja, um critério utilitarista para definir os bens indivisíveis por natureza. Ex.: um cavalo, uma

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cadeira etc.
A vontade também pode tornar indivisível um bem. Todavia, a legislação impõe limites, estabelecendo o prazo má-
ximo de cinco anos para essa indivisibilidade quando decorrer de ato de vontade, seja do testador, seja do doador, seja
dos condôminos, admitido, porém, prorrogação posterior apenas por nova expressão de vontade dos condôminos (art.
1.320, CC). Aliás, o juiz pode afastar a indivisibilidade antes do prazo se houver graves razões (art. 1.320, § 2º, CC). O
motivo disso é que, como ensinavam os romanos, o condomínio tradicional – aquele em que mais de uma pessoa é ti-
tular da mesma coisa na proporção de uma fração ideal – é a “mãe da discórdia” diante das inevitáveis divergências
procedentes dos interesses egoísticos de cada um, de maneira que a legislação sempre prestigia o retorno à feição uni-
tária da coisa, do que dá exemplo esse limite temporal da indivisibilidade e o direito de preferência ao condômino no
caso de alienação da fração ideal por outro (art. 504, CC).
A lei também pode impor a indivisibilidade dos bens, como sucede com os imóveis de tamanho correspondente à
fração mínima de parcelamento (art. 4º, III, da Lei de Parcelamento Urbano, ou seja, da Lei n. 6.766/1979) ou ao módu-
lo rural (art. 4º, II e III, do Estatuto da Terra, ou seja, da Lei n. 4.504/1964), admitidos imóveis em tamanho inferior com
expressa autorização legal, como costuma acontecer em imóveis destinados a programas sociais de habitação. Outro
exemplo é o art. 1.386 do CC, que tem por indivisíveis as servidões prediais, ainda que os prédios dominante ou servi-
ente sejam divididos, salvo incompatibilidade com a natureza ou a destinação da servidão. A herança também é tida
por indivisível até a partilha (art. 1.791, parágrafo único, CC).

• Singulares

Os bens singulares são os que existem por si só e guardam uma unidade sócio-cultural-econômica, conforme
art. 90 do CC. Em princípio, qualquer bem poderia ser decomposto, fato que não lhe retira a sua condição de bem sin-
gular. Um celular pode ser decomposto em chip, tela, metais etc. e, nem por isso, deixa de ser um bem singular, pois
ele é tido como uma unidade sócio-cultural-econômico. O conceito de bem singular abrange o que os romanos desig-
navam de coisas compostas ex contingentibus, assim entendidas as que eram formadas por outros pequenos móveis
interconectados, a exemplo do telhado, fruto de diversas telhas. Assim, uma cadeira, um veículo e um celular são
exemplos de bens singulares.
O art. 54 do CC/1916 classificava os bens singulares em:
a) simples, quando fossem formados por partes homogêneas – da mesma espécie – unidas em razão da natureza,
como um cavalo ou uma árvore, ou da ação humana, como a folha de papel, o quadro, o vaso ou o direito de crédi-
to, caso em que os componentes perdem a sua individualidade;
b) compostas, quando as suas partes fossem objetos independentes e heterogêneos – de espécies diversas, unidas
pelo engenho humano, como o veículo, composto por rodas, motor etc.; a casa, composta por vários materiais de
construção; o relógio; etc.

• Coletivos

Os bens coletivos são os que não existem por si só. São também chamados de universitas rerum, por envolver
uma coletividade de coisas. Eles podem ser duas espécies: universalidade de fato (universitas facti) e universalidade
de direito (universitas iuris).
A universalidade de fato é a pluralidade de bens singulares com destinação única em razão da vontade do seu ti-
tular, conforme art. 90 do CC. Há duas principais características:

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1. a pluralidade de bens singulares é essencial; não há universalidade de fato se inexistir, de fato, mais de um bem
singular;
2. a destinação única da coisa decorre da vontade do titular; não há universalidade de fato se o titular não quiser tra-
tar o conjunto dos seus bens singulares como uma unidade.
Exemplo de universalidade de fato: biblioteca (conjunto de livros) e rebanho (conjunto de gados). Se só houver um
livro, não há biblioteca, mas apenas um bem singular. Parece-nos haver proximidade do conceito de universalidade de
fato com o de bem singular composto, pois, nestes, há objetos independentes que, pelo engenho humano, constituem a
coisa.
Os conceitos, porém, se distanciam por dois motivos: (1) a universalidade de fato é constituída por bens singulares,
simples ou compostos; (2) a identificação sócio-cultural-econômico da universalidade de fato é diversa da dos bens
singulares compostos: enquanto é usual se entender a biblioteca como um conjunto de bens singulares, de modo a ser
razoável a alienação de livros individualizados, não há a mesma razoabilidade em tratar a casa como um conjunto de
materiais de construção a serem negociados em apartado, como vender apenas o encanamento. Temos que o critério
sócio-cultural-econômico é o mais decisivo nessa distinção.
A doutrina costuma asseverar que os bens singulares da universalidade de fato devem ser homogêneos: na biblio-
teca, por exemplo, há vários livros (ou seja, coisas de gênero similar). Parece-nos, no entanto, que a homogeneidade
não é uma característica inerente, seja porque o art. 90 do CC não exige isso, seja porque o que importa nessa univer-
salidade é a pluralidade de bens singulares com destinação única por vontade do titular. Se alguém decide vender um
“kit” de apoio à viagem composto por mala, roupas, livros e outros objetos diversos, não há homogeneidade entre os
bens, mas há uma universalidade de fato.
Além do mais, a doutrina costuma exigir que as coisas sejam corpóreas na universalidade de fato. Porém, há diver-
sas hipóteses atuais de pluralidade de bens imateriais que assumem destinação única por vontade do titular, a exemplo
da coleção de músicas virtuais que um indivíduo possui em um serviço cibernético (como no Spotify) ou em seu compu-
tador (como o conjunto de vários arquivos virtuais em formato “mp3”). Essas discotecas virtuais são tratadas como uma
unidade, apesar de envolverem vários bens incorpóreos singulares (os direitos sobre cada uma das músicas).
Na universalidade de fato, os bens singulares que o compõe podem ser objeto de negócios jurídicos próprios: é
possível alienar um livro da biblioteca, por exemplo (art. 90, parágrafo único, CC). Se, porém, desaparecer a pluralidade
de bens singulares, desaparece a universalidade de fato. Por fim, a universalidade de fato absorveu o que os romanos
designavam de coisas compostas ex distantibus, que implicam agrupamentos de seres animados distintos, dotados, to-
davia, de uma alma comum.
A universalidade de direito, também batizada de universitas iuris, é um bem formado por uma pluralidade poten-
cial de bens singulares com destinação única por força de lei. Os bens singulares que compõem a universalidade de di-
reito podem ser corpóreos ou incorpóreos, homogêneos ou heterogêneos. Além disso, a pluralidade de bens singulares
é potencial, porque não necessariamente ela existirá, pois o que importa para a universalidade de direito é a existência
de uma lei que atrairá para essa universitas iuris qualquer bem que se enquadrar nessas regras. O que importa é que o
bem se enquadre nas hipóteses de incidência descritos na lei que rege a universalidade de direito.
Há duas características principais:
1. não há necessidade de haver pluralidade de bens, pois a qualidade de bem coletivo decorre de lei, que estabelece
as condições para que passem a integrar essa universalidade qualquer bem singular que se enquadrar nelas;
2. há a sub-rogação real, que, para nós, é a principal utilidade prática dessa classificação.
A sub-rogação real pode ser entendida como a substituição de um ou mais bens por outro ou outros com manuten-

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ção do regime jurídico. É a transferência das qualidades jurídicas que recaem sobre um bem para o outro. Assim, por
exemplo, a herança é um exemplo de universalidade de direito. A sua qualidade de universalidade decorre de lei (art.
1.791, CC). Se uma pessoa deixou apenas um imóvel, mesmo assim haverá aí a herança, que é uma universalidade de
direito. É desinfluente a pluralidade de bens singulares.

Bens Reciprocamente Considerados

Levando-se em conta um bem em relação a outros, podem-se classificar os bens em três espécies:
a) principais;
b) acessórios;
c) pertenças.
Só há essa classificação se for levado um bem em relação ao outro; não há que se falar em bem acessório, princi-
pal ou pertença se não houver mais de um bem a ser cotejado.
Pelo princípio da gravitação jurídica, os bens acessórios seguem o principal, salvo disposição em contrário. Tra-
ta-se da milenar regra romana conhecida como accessorium principale sequitur (o acessório segue o principal). Embora
o texto do art. 59 do CC/16 (“Salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal”) não tenha
sido reiterado no CC/2002, essa regra subsiste com as adaptações deste Codex, que ineditamente previu a figura das
pertenças.
Pertenças não são bens acessórios (embora haja quem assim os enquadre), mas sim uma terceira categoria de
bens, e, por isso, não se sujeitam ao princípio da gravitação jurídica, salvo lei, vontade ou circunstância. Isso significa
que a pertença não acompanha o bem principal em um negócio jurídico que envolva este, salvo circunstâncias do caso
ou disposição legal ou voluntária em contrário (art. 94 do CC). Daí decorre que, se alguém alienar um apartamento,
presume-se que as benfeitorias – que são bens acessórios – estão inclusas, como as pias, a privada, a torneiras etc.,
mas não abrangem as pertenças que guarnecem a casa, como os racks, as cadeiras, as mesas, as televisões etc. Ou-
tro exemplo são os aparelhos de adaptação que são instalados em veículos para viabilizar a sua condução por pessoa
com deficiência física ou com mobilidade reduzida, de modo que, ao ser alienado o veículo, o vendedor não está obri-
gado a entregar também essas pertenças (STJ).
Os bens podem ser incorpóreos, como no caso do direito de crédito, e, por isso, pode haver relação de acessorie-
dade com incidência do princípio da gravitação jurídica. Entre direitos também há relação de acessoriedade. Isso justifi-
ca o porquê de o art. 233 do CC estabelecer que, na cessão de crédito, presume-se que os acessórios – como os juros,
no caso de crédito pecuniário – também foram cedidos, salvo disposição em contrário (art. 287, CC). Também são
acessórios os encargos moratórios (cláusula penal, juros moratórios, correção monetária etc.), as arras, os dividendos,
os direitos reais sobre coisa alheia, como a servidão, a hipoteca etc.

• Principal e Acessório

De um lado, bem principal é o que existe por si só, é o que cumpre sua função social e econômica independen-
temente de outro, conforme art. 92, CC. O critério para definir o seu protagonismo é o da função econômica e social. O
veículo é principal em relação ao pneu por sua finalidade econômica e social: não se trata do valor, e sim da destinação
do bem.
De outro lado, na definição tautológica do art. 92 do CC, bens acessórios são aqueles que supõem um princi-
pal, ou seja, os bens que cumprem a sua função social e econômica quando estão conectados a um bem principal. So-

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zinhos, eles não atendem à sua utilidade socioeconômica. Como os bens incorpóreos, como os direitos de créditos,
também são bens; eles também podem ser acessórios ou principais, a exemplo do direito de crédito perante um fiador,
que é um bem acessório ao direito de crédito perante o devedor principal: a fiança é acessória a um contrato principal
que é garantido.
Frutos são bens extraídos da coisa principal de modo inesgotável. São utilidades produzidas periodicamente pela
coisa sem alteração de sua substância, com possibilidade de serem destacadas da coisa e serem objeto de relações
jurídicas autônomas. A periodicidade da produção dos frutos pela coisa é essencial nessa definição. O bem principal
pode gerar os frutos incessantemente, sem se esvaziar. A fonte dos frutos é inesgotável.
Quanto à origem, os frutos podem ser:
1. naturais, quando decorrem de força da natureza, ou seja, da força orgânica da coisa, ainda que possa haver cola-
boração técnica humana para maximizar a produção, a exemplo das frutas produzidas por uma árvore, das crias de
animais e dos ovos;
2. industriais, quando decorrem de conduta humana, ou seja, do engenho humano, como o lucro de uma empresa,
os pães produzidos por uma padaria, a produção de uma fábrica etc.;
3. civis, quando decorrem da utilização da coisa por terceiros, como o aluguel, os juros, os dividendos, as rendas, os
foros (no caso de enfiteuse, o enfiteuta deve pagar anualmente um valor designado de foro para o senhorio direto).
Os frutos civis são também chamados de rendimentos.
Quanto ao estado, os frutos podem ser:
1. pendentes, quando ainda não foram destacados da coisa;
2. percebidos ou colhidos, quando já foram separados da coisa, mas ainda existem;
3. estandes, quando estão armazenados para futuro deslocamento ou alienação;
4. percipiendos, quando já deveriam ter sido destacados da coisa, mas ainda não o foram;
5. consumidos, quando já não existem mais.
Os frutos naturais e industriais consideram-se percebidos logo quando são separados da coisa principal, ao passo
que os frutos civis presumem-se percebidos a cada dia, conforme art. 1.215 do CC. Isso significa que, se alguém tem
direito a ser indenizado pelos frutos civis (ex.: o invasor de um imóvel deve indenizar o esbulhado pelos frutos percebi-
dos), ele deverá pagar os frutos civis produzidos diariamente (ex.: no caso do invasor, este deve pagar o valor da diária
do aluguel do imóvel).
Produtos são bens extraídos da coisa principal de modo esgotável. Os produtos implicam uma fragmentação da
coisa principal e, portanto, são finitos. São utilidades extraídas da coisa principal, lhe alterando a substância. Ilustrati-
vamente, as pedras, o petróleo, os minérios são produtos em relação ao imóvel do qual são extraídos, pois, em algum
dia, esgotar-se-ão.
Benfeitoria é a despesa ou o trabalho (o esforço) feito para a conservação ou o aperfeiçoamento de um bem prin-
cipal ou para mero deleite. A benfeitoria envolve alteração na estrutura do bem principal. Há uma adesão material ao
bem principal. Benfeitorias são despesas ou condutas voltadas a um bem.
Benfeitoria decorre da aglutinação de um bem, de uma despesa ou de um serviço ao bem principal mediante uma
alteração feita na estrutura física da coisa. Há adesão material da benfeitoria ao bem principal. Assim, a reparação de
um telhado envolve uma despesa com a contratação de um profissional especializado ou um esforço pessoal do pró-
prio benfeitor na conservação da coisa principal. Essa despesa ou esse serviço pessoal são considerados benfeitorias
necessárias.
A benfeitoria necessariamente decorre de conduta humana; não existe benfeitoria natural, conforme art. 97 do CC.

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Se houver algum melhoramento ou acréscimo a um bem por força da natureza, ter-se-á uma acessão natural, e não
uma benfeitoria.
Consideramos que a benfeitoria pode recair sobre bens incorpóreos também.
As despesas que redundem em conservação ou aprimoramento de bens imateriais integrantes do fundo de comér-
cio ou, em outras nomenclaturas do Direito Empresarial, do estabelecimento, também devem ser consideradas benfei-
torias, a exemplo dos gastos com mudança da marca e com o aumento da cartela de clientes etc.
O nosso CC não define benfeitoria, embora distinga as suas espécies quanto à essencialidade.
Não podem ser abrangidas despesas com o mero uso da coisa sem que tenha um benefício ao bem. Só despesas
que se incorporem ao bem para efeito de conservação, aprimoramento ou deleite devem ser tidas por benfeitorias. Por
outro lado, despesas com transporte e deslocamento para chegar à coisa não são benfeitorias por não se incorporarem
à coisa, à semelhança do que decidem os tribunais portugueses.
Conforme art. 96 do CC, as benfeitorias são classificadas quanto à essencialidade em:
1. necessárias: quando se prestam à conservação do bem, a exemplo dos reparos feitos no telhado, na tubulação de
água, na janela, na porta etc.;
2. úteis: quando facilitam ou aumentam o uso, como no caso de instalação de um chuveiro;
3. voluptuária, quando se destinam a mero deleite, como a instalação de uma piscina.
Os reparos de bens são benfeitorias necessárias.
Parte integrante é o bem que se torna inútil sem o principal. É o bem cuja função social e econômica é completar a
funcionalidade do bem principal. Pode ser separado, porém, do bem principal sem a destruição deste. Ex.: o pneu em
relação ao veículo; o controle remoto em relação à televisão; a lâmpada em relação ao bocal; as telhas e as portas em
relação à casa.
A parte integrante integra a coisa principal; entram na unidade desta. Por isso, há doutrinadores a defender que ela
não pode ser negociada em apartado da coisa principal. Além de o art. 94 do CC não excepcionar a parte integrante do
princípio da gravitação, a razoabilidade chancela esse raciocínio. Assim, ao alienar um veículo, uma televisão, um imó-
vel, presume-se que respectivamente seguirão juntos os pneus, o controle remoto, as telhas e as portas. Não há justo
motivo para acrescer uma exceção ao princípio da gravitação jurídica quando o art. 94 do CC foi expresso em só afas-
tar as pertenças.
As pertenças são bens que, embora possuam uma autonomia funcional e não sejam agregadas à estrutura do
bem principal (não há aderência material), destinam-se, de modo duradouro, a este. Pertença etimologicamente signifi-
ca “pertencer à”: no direito, pertença é o bem que passa a “pertencer” a uma coisa principal por vontade do titular. O
regime jurídico peculiar desses bens recomenda-lhes considerar uma terceira categoria, a de pertenças, que guarda
um vínculo de secundariedade – e não de acessoriedade – em relação ao bem principal. Diz-se vínculo de secundarie-
dade, em razão de a pertença guardar certa independência jurídica do principal: ela não segue a sorte do principal em
regra, salvo lei, circunstâncias ou vontade.
As pertenças servem ao bem principal em razão de vontade do seu titular; por isso, antes do CC/2002, diante da
ausência de previsão legal no CC/1916, a doutrina enquadrava as atuais pertenças como bens por acessão intelectual,
pois eram acrescidos (acedidos – daí acessão!) ao bem principal em razão da vontade do seu titular (intelectual – daí
acessão intelectual). O conceito de bens por acessão intelectual foi absorvido pelo de pertenças com o CC/2002.
No conceito de pertença, não há necessidade de comprovação da intenção do proprietário de destinar a pertença à
coisa principal, conforme enunciado n. 5/JDC (“Para a existência da pertença, o art. 93 do CC não exige elemento sub-

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jetivo como requisito para o ato de destinação”). O mero uso efetivo da pertença na coisa principal de modo duradouro
já é suficiente, como se houvesse uma presunção jurídica de vontade do titular nessa destinação.
As pertenças não se confundem com a parte integrante, pois são úteis funcionalmente longe do bem principal, nem
com as benfeitorias, pois não se aglutinam à estrutura do bem principal (não há aderência material).
Bens imóveis também podem ser pertenças, a exemplo de um lote destinado de modo duradouro a servir de esta-
cionamento para um imóvel principal (ex.: lote para estacionamento dos clientes de um banco, cujo prédio está locali-
zado em lote vizinho) ou a exemplo de um imóvel destinado à acomodação de doentes com moléstias contagiosas em
local separado do imóvel sede do hospital. A relação de pertença pode ser aperfeiçoada até mesmo pela formalização
de um direito real de servidão, tornando esse imóvel de estacionamento o prédio serviente. Pode também ser mera-
mente averbado na matrícula do imóvel a condição de pertença, sem um direito real correlato.

FATOS JURÍDICOS

DEFINIÇÃO: FATO JURÍDICO E FATO MATERIAL

Nem todos os fatos da vida são jurídicos, só aqueles que potencialmente podem produzir efeitos jurídicos, ou seja,
só aqueles que possuem relevância para o ordenamento jurídico. Os fatos que não são jurídicos são designados de fa-
tos materiais, aos quais o Direito não alcança. Quando o Direito decide tornar um fato material em um fato jurídico, tem-
se o fenômeno da juridicização, que se opera quando uma norma jurídica incide sobre um fato material.
Há inúmeros fatos materiais, como o carinho em um cachorro, um rompimento de namoro, um rompimento de noi-
vado, a mera chuva. Esses fatos não possuem relevância jurídica por si só; não geram, ainda que potencialmente, efei-
tos jurídicos. Esses fatos, porém, podem vir a ser tidos por jurídicos com elementos adicionais indicados pelo ordena-
mento jurídico, como, por exemplo, eles podem ser a condição suspensiva a que está exposto um determinado contra-
to: doação de um dinheiro se o donatário fizer carinho no cachorro, ou se ele romper o namoro ou o noivado, ou se fizer
chuva. No caso do namoro e do noivado, eles não são fatos jurídicos por si só em razão de existir regra jurídica a repu-
tá-los relevante no Direito. O casamento ou a união estável, porém, já possui efeitos jurídicos.
O Direito não deve abranger todos os fatos da vida. Há fatos que devem ser considerados materiais por questão de
Justiça. Não pode o Direito agir com arrogância para submeter todos os fatos da vida à sua tutela, sob pena de causar
desarmonias na sociedade. Por exemplo, se o Direito imprimisse efeito jurídico ao namoro, isso poderia aumentar a liti-
giosidade entre pessoas que ainda estão se conhecendo e que ainda não se comprometeram reciprocamente, de modo
que eventual “traição” de um dos namorados acabaria parando nos tribunais em ações de indenização por dano moral.
Relacionamentos incipientes como o namoro são mais bem tutelados pela moral do que pelo direito.

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DIREITO CIVIL

CLASSIFICAÇÃO

O ato jurídico, em sentido estrito, tem seus efeitos procedentes de lei. A vontade humana não tem autonomia para
definir os seus efeitos, que decorrem da mera conduta humana; a vontade humana limita-se a ter ou não essa conduta.
Por isso, pode-se falar que a autonomia da vontade não se aplica em ato jurídico stricto sensu.
Em suma, os fatos devem ser classificados em dois grandes grupos:
1) fatos ajurídicos, que são os fatos materiais supracitados; e
2) os fatos jurídicos lato sensu ou em sentido amplo.
Os fatos jurídicos lato sensu abrangem qualquer fato, procedente da natureza ou do ser humano, que potencial-
mente gera efeitos jurídicos. Apesar das divergências de nomenclatura na doutrina, a taxonomia que mais se adéqua à
estrutura adotada pelo CC é a que estabelece que os fatos jurídicos lato sensu podem ser divididos em fato jurídico
stricto sensu, em ato jurídico lato sensu e em ato-fato jurídico.
De um lado, o fato jurídico stricto sensu é qualquer fenômeno da natureza que gera repercussão jurídica, como o
nascimento, a morte etc. A natureza gera fatos, e não atos, no sentido mais estrito da palavra, o que justifica a nomen-
clatura. Há fenômenos da natureza que, por si só, são apenas fatos materiais, e não jurídicos, como a chuva. Esta, to-
davia, pode vir a tornar-se fato jurídico stricto sensu se for aliada a outras circunstâncias de relevância jurídica, como,
por exemplo, no caso da chuva que faz cessar a obrigação de um parque de diversões de continuar prestando o servi-
ço ou da enchente que destrói casas.
Os fatos jurídicos stricto sensu podem ser:
1) ordinários, quando não se cuidam de fenômenos usuais e esperados da natureza, como a chuva, o tempo, o nas-
cimento e a morte; ou
2) extraordinários, quando se tratar de fenômenos naturais marcados pela excepcionalidade e pela imprevisibilidade,
como um terremoto que destrói uma casa.
Geralmente, os casos fortuitos e a força maior podem ser enquadrados como fatos jurídicos stricto sensu extraordi-
nários, se procederem de fenômenos da natureza.
De outro lado, o ato jurídico lato sensu é qualquer conduta humana que gera potencialmente efeitos jurídicos. O ser
humano pratica atos, e não fatos, na acepção mais estrita dos verbetes, o que justifica a nomenclatura. Os atos jurídi-
cos lato sensu podem ser de duas espécies: atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos.
Já no negócio jurídico, os efeitos jurídicos podem ser negociados pela vontade humana, obedecido os limites das
normas de ordem pública. A vontade humana pode definir os efeitos jurídicos (daí a expressão negócios jurídicos). A lei
dá uma margem de liberdade para que a vontade desenhe os efeitos jurídicos do ato, donde dizer-se que os efeitos ju-
rídicos nos negócios são ex voluntate. No negócio jurídico, a vontade pode alterar os efeitos que a lei indica para o ca-
so de omissão da vontade. Ainda que o agente não se valha da possibilidade de alterar os efeitos jurídicos indicados na
lei, essa mera possibilidade já é suficiente para caracterizar um negócio jurídico. Num testamento ou num contrato, os
seus efeitos jurídicos, como o relativo ao momento e à forma de transferência dos bens, são desenhados pela vontade
humana, e não pela lei, razão por que ilustram casos de negócios jurídicos. Os negócios jurídicos exigem indivíduos
com capacidade de autogoverno depurada, pois eles desenharão os efeitos jurídicos de seus atos. Por isso, os arts.
104 ao 184 do CC, ao disciplinar os negócios jurídicos, estabelecem a invalidade dos atos praticados por incapazes,
além de admitir invalidações por vícios de consentimento, como o erro, o dolo, a coação etc.
Continuando, temos também os atos jurídicos stricto sensu ou atos não negociais. Neles, os efeitos jurídicos são

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preestabelecidos pela lei, de maneira que a vontade do indivíduo não pode negociar esses feitos. Os efeitos jurídicos
decorrem da lei, são estritamente legais, são efeitos necessários, são ex lege. Por isso, não se admite termo, condição
e encargo em atos jurídicos stricto sensu. É indiferente se o indivíduo quer ou não a produção dos efeitos jurídicos, pois
eles decorrerão de lei, sem margem negocial ao indivíduo. O que importa, no ato jurídico stricto sensu, é a vontade do
agente de praticar ou não o ato, visto que os efeitos jurídicos serão impostos pela lei. Não há necessidade de uma
“vontade qualificada”. A conduta presta-se apenas a preencher o suporte fático com base no qual serão irradiados os
efeitos jurídicos já predeterminados em lei. O reconhecimento de filiação (paternidade ou maternidade) é uma conduta
humana que gera efeitos jurídicos independentemente da vontade humana, pois estão predefinidos em lei, como o de-
ver de pagar alimentos. O mesmo sucede em relação à fixação de domicílio, cujos efeitos jurídicos serão espargidos
pela lei, e não pela vontade.
O casamento também é um ato jurídico stricto sensu, conforme melhor doutrina (há divergências, de qualquer for-
ma), porque a lei predetermina os efeitos jurídicos desse ato, como os deveres matrimoniais previstos no art. 1.566 do
CC (como o de fidelidade recíproca), sem que os nubentes possam negociar ou mudar esses efeitos. O pacto antenup-
cial, porém, é negócio jurídico, e não ato jurídico stricto sensu, porque ele dá liberdade para os nubentes negociarem
os efeitos patrimoniais do casamento.
Os atos jurídicos stricto sensu podem ser divididos em:
1) atos jurídicos lícitos, que não vulneram a lei e que estão disciplinados no art. 185 do CC, abaixo mencionado;
2) atos jurídicos ilícitos, que reúnem os atos censurados pelo Direito Civil, a saber os previstos no art. 186 (causar
culposamente dano a outrem, violando direito) e 187 (abuso de direito) do CC.
Ao contrário do que sucede nos negócios jurídicos, os atos jurídicos stricto sensu não dependem do mesmo nível
de capacidade de autogoverno, e sim do discernimento mínimo para a compreensão do ato em si, pois a lei é que irra-
diará os efeitos jurídicos. Por essa razão, o art. 185 do CC, que se inspirou no CC italiano, estabelece que as regras de
negócios só se aplicam aos atos jurídicos stricto sensu no que couber. Num caso, por exemplo, de uma adolescente de
14 anos que acabou de dar à luz e que está portando um documento subscrito pelo médico atestando ter feito o parto
dela, como a Declaração de Nascido Vivo — DNV, parece-nos razoável que a jovem tenha pleno discernimento para,
ao menos, afirmar se deu ou não à luz, razão por que deve ser admitido esse ato dela independentemente de represen-
tação.
No tocante aos atos jurídicos stricto sensu lícitos, pode-se falar de diferentes espécies, como:
1) os atos-fatos reclamativos, que envolvem reclamações ou provocações, como na interpelação pela qual o inter-
pelante reclama a constituição do devedor em mora ou indica o objeto que escolheu na obrigação alternativa;
2) os atos-fatos comunicativos, que dizem respeito aos que veiculam uma mera comunicação de uma vontade que
gera efeitos jurídicos, como a comunicação da escolha da prestação pelo devedor na obrigação alternativa;
3) atos jurídicos enunciativos, que envolvem exteriorização (= enunciação) de conhecimento, como na declaração
de reconhecimento de filiação, na confissão, no perdão, na quitação etc.;
4) atos jurídicos mandamentais, que são declarações de vontade que impõem ou proíbem procedimentos, como a
exigência de demolição do prédio vizinho na iminência de ruir (art. 1.280, CC) ou o aviso-prévio de uso temporário
da área do vizinho para a realização de obras (art. 1.313, CC);
5) atos jurídicos compósitos, que são atos de vontade que integram uma parte do suporte fático de uma situação ju-
rídica, mas que dependem de outras circunstâncias fáticas para a completarem, como a gestão de negócios do art.
861 do CC, que envolve a vontade de gerir o negócio alheio (vontade), mas que depende também de que haja a
efetiva gestão (dado fático).
O ato-fato jurídico é qualquer conduta humana para a qual o Direito não reputa significante a vontade humana por

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força de lei, de costumes ou de princípios. Há uma conduta humana (daí se falar em “ato”), mas o Direito desconsidera
a presença de discernimento para o ato, como se o indivíduo estivesse agindo pelo seu instinto natural, pela natureza
(daí se falar em “fato”). Trata-se de uma mescla dos fatos e dos atos jurídicos. O que importa no ato-fato é o resultado
obtido, e não o elemento volitivo. É irrelevante se houve ou não vontade em praticar o ato-fato; basta a prática do ato
pelo indivíduo. É o caso, por exemplo, da ocupação prevista no art. 1.263 do CC, que é apropriação de coisa de nin-
guém (res nullius) ou de coisa abandonada (res derelicta), como a pesca de um peixe ou o assenhoreamento de uma
raquete de tênis jogada no lixo. Não importa se quem se apropriou da coisa era alguém sem discernimento algum do
que estava fazendo, pois o elemento volitivo é irrelevante para o ato-fato.
Os atos-fatos reais, que também são batizados de atos materiais, são os que geram um resultado na realidade
concreta e material (daí atos-fatos reais ou materiais), os que desaguam em um dado fático.
Os atos-fatos indenizativos correspondem aos atos humanos lícitos que geram o dever de indenizar por causar
dano ao patrimônio de terceiros. Eles não abrangem os casos de dever de indenizar por atos ilícitos, pois estes são
classificados como atos jurídicos stricto sensu diante do fato de que a ilicitude pressupõe relevância do elemento voliti-
vo. Os atos-fatos indenizativos são excepcionais, pois fogem à regra de que só há dever de indenizar danos oriundos
de ilicitudes e, por isso, exigem regra jurídica expressa (lei ou princípio jurídico) impondo o dever de indenizar.
Os atos-fatos caducificantes são os que implicam a extinção de direitos ou de pretensões pelo tempo - a caduci-
dade -, a exemplo da prescrição, decadência e preclusão. No caso da prescrição e decadência, a doutrina oscila em
classificá-las como fatos jurídicos stricto sensu ordinário (ênfase no transcurso do tempo), como atos jurídicos stricto
sensu (foco na conduta omissiva do titular do direito) e como ato-fato caducificante (mescla do tempo e da omissão
humana).

PLANOS DOS FATOS JURÍDICOS

Outro tema importantíssimo para concurso é a classificação dos fatos jurídicos. Conforme classificação de Pontes
de Miranda, os fatos jurídicos possuem três planos: o da existência, o da validade e o da eficácia. Essa teoria é co-
nhecida também como “escada ponteana” em homenagem a esse jurista. Para que um fato da vida tenha repercussão
jurídica e, portanto, possa ser tido por jurídico, ele precisa atravessar esses três planos, atendendo aos requisitos le-
gais de cada um deles. Se o fato atravessar apenas o plano da existência, mas não o da validade, ele é um fato jurídico
que será tido por inválido. Se, porém, ele atravessar o plano da existência e o da validade, mas não o da eficácia, ele
será um fato jurídico existente e válido, mas ineficaz.
Nem todos os fatos da vida existem no mundo jurídico. Para existir, é preciso que a ordem jurídica considere esse
fato (esse suporte fático) como relevante no mundo jurídico. Assim, por exemplo, a promessa de dar um petisco a um
cachorro não existe no mundo jurídico diante da falta de norma que estime esse suporte fático.
O plano da validade só se aplica a atos jurídicos lícitos e a negócios jurídicos. Jamais se poderá falar que um ato
da natureza (fato jurídico stricto sensu) ou que um ato ilícito é nulo ou anulável: se esses atos existem, pressupõe-se
que o ordenamento jurídico os valida sempre. O plano da validade verifica se o ato é ou não compatível com o ordena-
mento jurídico. Um contrato de encomenda de assassinato existe no mundo jurídico, mas não é validado pelo nosso
ordenamento. A validade verifica a juridicidade do ato.
Há dois graus de invalidade: a nulidade e a anulabilidade. A primeira impede a entrada do ato jurídico no plano da
eficácia, ao passo que a anulabilidade permite esse ingresso sob a ameaça de, mediante provocação do interessado,
essa eficácia ser cassada diante da declaração posterior de anulação. Há situações de atos nulos que, excepcional-

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mente, podem vir a ter eficácia, como no caso do casamento putativo (art. 1.561, CC).
O plano da eficácia diz respeito à aptidão do fato jurídico para irradiar efeitos jurídicos. Em metáfora, um fato jurí-
dico existente e válido, mas ineficaz, é como uma lâmpada apagada: não irradia raios luminosos.

NEGÓCIOS JURÍDICOS

ELEMENTOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Os negócios jurídicos são compostos por elementos essenciais, naturais e acidentais.


Elementos essenciais ou estruturais são aqueles indispensáveis à existência e à validade do negócio jurídico. A
sua presença é obrigatória (= essencial, estrutural). A legislação determina sua presença, sob pena de inexistência ou
invalidade. A declaração de vontade é um elemento essencial do negócio jurídico de compra e venda, por exemplo.
Sem ela, não há negócio jurídico de compra e venda. O preço, a coisa e o consentimento, igualmente, são elementos
essenciais do negócio de compra e venda. Os elementos essenciais podem ser gerais, os quais se aplicam aos negó-
cios em geral, ou particulares, quando são específicos apenas de determinados negócios. O preço, por exemplo, é um
elemento essencial particular, pois é específico ao contrato de compra e venda. A capacidade de fato, por outro lado, é
geral.
Elementos naturais são aqueles que decorrem da natureza do negócio jurídico. Não há necessidade de serem
mencionados expressamente no negócio jurídico, pois eles são consequências naturais do negócio. Assim, por exem-
plo, a transferência de propriedade do bem é inerente ao contrato de compra e venda e, por isso, é um elemento natu-
ral do negócio. Se alguém celebra um contrato de compra e venda e limita-se a lançar o nome do contrato como título e
os pertinentes dados nos campos do comprador, do vendedor, do objeto, do preço com a assinatura das partes (igual a
um formulário), a transferência do bem é decorrência natural do contrato; não precisa estar expresso no título.
Por fim, os elementos acidentais dos negócios jurídicos são aqueles que influem no plano da eficácia do negócio
jurídico, como o termo, a condição e o encargo (arts. 121 ao 137 do CC). Eles não são de presença obrigatória no ne-
gócio jurídico, razão por que são chamados de “acidentais” (= não essenciais). São, pois, introduzidos facultativamente
no negócio.

TERMO, CONDIÇÃO E ENCARGO

Termo é evento futuro e certo que influi na eficácia do negócio jurídico. Diz-se certo no sentido de que o evento
haverá de acontecer, embora não necessariamente se possa precisar o momento. A certeza aí diz respeito à superve-
niência do evento, e não ao seu momento de ocorrência. O termo pode ser classificado como certo, quando o momento
da ocorrência também é certo (a exemplo de uma data), ou como incerto, quando o momento é incerto, embora a su-
perveniência seja certa (a exemplo da morte de uma pessoa, que certamente sobrevirá, embora não se saiba o mo-

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mento).
Pode ser resolutivo, final ou ad quem, quando faz cessar a eficácia, ou suspensivo, inicial ou a quo, quando impede
o início da eficácia ou quando suspende a eficácia de um negócio por um período após o qual a eficácia é restituída.
Direitos sujeitos a termo suspensivo são direitos atuais, pois já foram adquiridos pelo seu titular, embora o seu
exercício esteja sobrestado até o advento do termo (art. 131, CC). Por isso, se alguém doa um imóvel a partir de pri-
meiro de dezembro do ano seguinte, o donatário já se tornará proprietário da coisa com o registro do contrato, mas só
poderá exercer as faculdades decorrentes dessa propriedade, como morar no bem, após o advento do termo suspensi-
vo. Isso significa que, por exemplo, o fato gerador do ITBI já terá ocorrido e, portanto, já seria viável a cobrança dessa
exação nesse caso.
Condição é evento futuro e incerto que influi na eficácia de um negócio jurídico. Também pode ser suspensivo
ou resolutivo, conforme impeça ou faça cessar a eficácia do negócio.
O direito sujeito à condição suspensiva ou resolutiva é um direito eventual, pois os seus efeitos estão na depen-
dência do eventual implemento de fato incerto. Esse direito eventual, todavia, é direito adquirido e, por isso, é protegido
diante de leis posteriores, que devem respeitá-lo (art. 6º, § 2º, LINDB). É preciso separar o direito eventual do direito a
que ele visa. Uma coisa é o direito a se tornar proprietário de um imóvel com o advento de uma condição suspensiva,
outra coisa é tornar-se efetivamente proprietário do imóvel. A condição suspensiva impede a aquisição desse direito
que é almejado (no exemplo, o direito de propriedade sobre o imóvel). É nesse sentido que o art. 125 do CC estabelece
que a condição suspensiva impede a aquisição do direito a que o negócio visa. Todavia, o direito eventual (que é o di-
reito a se tornar proprietário com a condição suspensiva) é um direito adquirido, protegido diante de retroatividade de
leis nos termos do art. 6º, § 2º, da LINDB.
O direito eventual autoriza o seu titular a praticar atos destinados a conservar o bem, mesmo no caso de condição
suspensiva (art. 125, CC). Aliás, atos praticados em contrariedade à condição suspensiva não terão eficácia caso esta
se implemente (art. 126, CC). Desse modo, quem tem um direito a adquirir um imóvel caso se implemente uma condi-
ção suspensiva teria legitimidade para propor ação contra alguém que esteja a ameaçar destruir a coisa, pois ele pode
praticar atos para conservá-lo. Ele também seria terceiro interessado no pagamento de dívidas oriundas do imóvel, co-
mo o IPTU e o condomínio, caso em que terá direito à sub-rogação legal (art. 346, III, CC). E, no caso de o imóvel ser
vendido a um terceiro, essa venda — por ser incompatível com a condição resolutiva — perderá eficácia com o imple-
mento da condição.
Manipulação da condição pelo interessado é ato de má-fé e, em nome do tu quoque — um dos corolários da boa-fé
—, não reverterá em desfavor do manipulador, conforme art. 129 do CC. Se o donatário assassina o doador com o ob-
jetivo de tornar impossível o implemento da condição resolutiva consistente na sobrevivência deste em relação ao do-
natário, tem-se uma manipulação e, nesse caso, presumir-se-á que a condição resolutiva se implementou: o donatário
perderá o bem doado.
Os arts. 122 ao 123 do CC censuram algumas espécies de condição. Têm-nas como inexistentes se a condição
não ameaçar a eficácia do negócio por ser uma condição resolutiva impossível ou uma condição de não fazer coisa im-
possível. Invalidam o negócio jurídico com condições que:
1) jamais permitam o início da eficácia do negócio jurídico, como nas condições suspensivas impossíveis;
2) sejam ilícitas, como as indicadas no art. 122 do CC;
3) não possam ser compreendidas diante da sua má redação que inspire contradição ou ininteligibilidade.
O art. 122 do CC considera ilícita condição que:
1) viole a lei, a ordem pública e os bons costumes;

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2) prive a eficácia do negócio; e


3) as condições puramente sub-rogação, assim entendidas as que se sujeitam ao puro arbítrio de uma das partes.
Alerte-se que as condições meramente potestativas (ou simplesmente potestativa) são plenamente válidas, pois
não dependem apenas da vontade de uma das partes (do poder, da potestade de uma das partes), mas também de
terceiros ou do acaso, a exemplo da condição de alguém ganhar uma competição de judô (isso depende também do
acaso, e não apenas da vontade do judoca). Nesses casos, não há pura potestade, daí porque não se tem uma condi-
ção puramente potestativa, que é ilícita.
O encargo, o modo ou o ônus é uma obrigação imposta a uma liberalidade. Não representa uma contraprestação
em um contrato. É uma obrigação que influi na eficácia de uma liberalidade. Ele é um limite (do latim, modus). Ele re-
duz a liberalidade. Pode consistir em uma obrigação de dar, fazer e não fazer imposta em uma liberalidade. Se dou um
carro para alguém impondo-lhe o encargo de levar meu filho para escola durante 10 anos, aí eu terei uma doação com
encargo. Se, porém, eu contrato alguém para levar meu filho à escola durante 10 anos e, como pagamento, eu lhe en-
trego um carro, aí eu terei um contrato oneroso de transporte.
O encargo não é uma contraprestação, e sim uma limitação imposta à liberalidade. O descumprimento do encargo
é uma hipótese que autoriza a cessação da eficácia do negócio jurídico. Na doação com encargo, por exemplo, o doa-
dor pode pedir a revogação da doação por inexecução do encargo (art. 555, CC).

RESERVA MENTAL

De acordo com o art. 110 do CC, “A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva
mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”.
A reserva mental é, em regra, irrelevante, pois o que importa é a efetiva declaração de vontade (art. 110, CC). Nes-
se caso, a vontade e a declaração não precisam coincidir, pois a reserva mental é insignificante em regra. Reserva
mental é o pensamento do declarante da vontade de não querer o que declarou. Isso costuma acontecer quando o de-
clarante quer enganar os destinatários, como na hipótese de um escritor que, com o objetivo de enganar o público,
anuncia que doará a uma entidade carente todos os lucros havidos com a venda do seu livro. O fato de, na sua mente,
haver uma reserva mental é insignificante: ele terá de cumprir o que prometeu. Isso é um problema interno da mente do
declarante e, por isso, é irrelevante para o Direito. Trata-se de uma simulação unilateral. Essa declaração de vontade
gerará efeitos jurídicos e credenciará os meios executivos no caso de inadimplemento.
Se, todavia, a reserva mental for conhecida pela outra parte, aí sim terá relevância, pois, na realidade, sequer terá
existido o negócio jurídico. É o que se extrai da parte final do art. 110, CC. Se, no exemplo acima, o outro contratante
sabe que o declarante não quer cumprir a obrigação de pagar os R$ 10.000,00, o negócio não existe no mundo jurídico
por falta de vontade. Trata-se de hipótese de inexistência do negócio jurídico.
Não há aí simulação, pois este presume um acordo expresso de ambas as partes para falsear um negócio jurídico,
o que não sucede na reserva mental conhecida pela outra parte, razão por que, neste último caso, tem-se uma hipóte-
se de inexistência do negócio jurídico, e não de nulidade. Ressalva-se, todavia, a existência de doutrinadores de escol
a sustentar a nulidade diante da presença de simulação absoluta.
Em suma, a divergência entre a vontade e a sua declaração é relevante para o Direito na hipótese de reserva men-
tal conhecida pela outra parte (por gerar inexistência).

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REPRESENTAÇÃO

Os arts. 115 ao 120 do CC cuidam do tema da “representação”.


Para praticar um negócio jurídico, a pessoa pode ser representada por outra, que atuará em nome daquela. Repre-
sentar é alguém se fazer presente em nome de outra. O representante pode celebrar contratos em nome do represen-
tado, que ficará obrigado pelo ato como se pessoalmente o tivesse praticado. Trata-se de uma ubiquidade ficta: juridi-
camente o representado é tido por presente onde o representante estiver exercendo os seus poderes de representa-
ção.
A representação pode decorrer de lei (representação legal) ou da vontade (representação voluntária). Há quem fale
de representação judicial quando decorrer de decisão judicial, mas, como o juiz age de acordo com a lei, aí se tem um
caso de representação legal, a exemplo do inventariante, do tutor, do curador, do síndico da massa falida e do apoiador
(tomada de decisão apoiada).
A representação legal é atividade obrigatória e personalíssima, razão por que não pode ser delegada. Ex.: os
pais, enquanto estiverem sob o poder familiar, devem representar os filhos com idade inferior a 16 anos1 (arts. 1.630
ao 1.633 e 1.690 do CC).
A representação voluntária é facultativa e decorre da vontade. Costuma decorrer de um contrato de mandato,
que é disciplinado a partir do art. 653 do CC.
Quando há conflito de interesse entre o representante e o representado, como no caso de atos relativos a delibera-
ções de sociedades das quais representante e representado são sócios, o negócio será anulável se o terceiro tiver ci-
ência, ainda que potencial, desse conflito, conforme art. 119 do CC. O prazo decadencial aí é de 180 dias. Para que o
representante possa praticar um ato em conflito de interesse com o representado, há necessidade, no caso de repre-
sentação convencional, de previsão específica desse poder no instrumento de outorga da representação ou, no caso
de representação legal, de nomeação de um curador especial pelo juiz, conforme art. 1.692 do CC e art. 72, I, do CC.
Embora esses dispositivos versem sobre conflito de interesses no caso de representação de filho menor ou de incapaz,
temos que eles devem ser aplicados a outros casos de representação legal por analogia, como nos casos de inventari-
ante, síndico da massa falida, apoiador (no caso de tomada de decisão apoiada do art. 1.783-A, CC).
Em regra, o representante pode celebrar um negócio consigo mesmo em nome do representado. Ele não poderia,
por exemplo, vender, para si mesmo, um bem do representado. A expressão “negócio consigo mesmo”, que — quando
envolve contrato — também é chamada de contrato consigo mesmo ou de autocontrato, é atécnica, porque, na realida-
de, em um dos polos do negócio figurará o representado e, no outro, estará o representante. Aparentemente, se esse
negócio foi escrito, ver-se-á uma mesma pessoa assinando os dois polos contratuais do contrato, dando a impressão
aparente de que ela está firmando um negócio consigo mesma.
Todavia, na realidade, essa pessoa assinará o contrato, em um polo contratual, como representante (e, portanto, o
titular desse polo é o representado) e, no outro polo, em nome próprio (e, portanto, o titular desse polo é o próprio re-
presentado, que não está representando ninguém). Apesar de atécnica, a expressão é didática.
O negócio consigo mesmo é anulável em regra, conforme art. 117 do CC, com prazo de decadência de dois
anos (art. 179, CC). Há, porém, duas exceções. Se a lei ou o próprio representado autorizar, esse negócio será válido.
É extremamente comum no quotidiano negócios consigo mesmo com base em mandato que expressamente prevê
essa autorização por meio da famosa cláusula “em causa própria”, que está disciplinada no art. 685 do CC. Trata-se do
mandato ou procuração em causa própria ou in rem suam, que representa uma corrupção do instituto do mandato, por

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autorizar o mandatário a praticar um ato no próprio interesse em nome do mandante. Por conta dessa natureza sui ge-
neris, o mandato em causa própria é irrevogável, dispensa o mandatário do dever de prestar contas e não se extingue
com a morte do mandante.

CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Quanto ao Aperfeiçoamento

Quanto ao aperfeiçoamento, os negócios jurídicos podem ser unilaterais, bilaterais e plurilaterais.


O negócio jurídico unilateral é aquele que depende de apenas uma vontade para se aperfeiçoar. Quando se diz
uma vontade, quer-se dizer a vontade de apenas uma posição jurídica. Ex.: a derrelição (que é o abandono de uma
coisa, a exemplo do que sucede quando você “joga fora” um lápis), a aceitação da herança, a renúncia à herança, a
instituição de uma fundação, a emissão de título de crédito, o testamento, a renúncia em geral.
Diz-se bilateral o negócio jurídico se este depende de duas ou mais vontades para se aperfeiçoar. Os contratos
são os exemplos por excelência, pois só nascem com a confluência de duas vontades em estabelecer o trato (um con-
trato, ou seja, um trato entre duas pessoas). Não se incluem, porém, nessa categoria, os contratos de sociedade por
serem negócios plurilaterais.
Por fim, quando o negócio jurídico depende de três ou mais vontades para se aperfeiçoar, tem-se um negócio plu-
rilateral. É o que sucede no contrato de constituição de uma sociedade ou de uma associação. Para Marco Bernardes
de Mello, ainda que o contrato de sociedade seja subscrito apenas por dois sócios, ele é negócio plurilateral diante da
possibilidade jurídica de esse negócio admitir mais de dois polos negociais.
Temos que a convenção de condomínio também é exemplo de negócio plurilateral por decorrer da manifestação de
vontade dos condôminos dentro dos limites da lei. A convenção não é contrato, e sim um negócio jurídico de natureza
estatutária. Um exemplo de utilidade prática de lembrar que convenção não é contrato vem do STJ, que não admite a
aplicação da exceptio non adimpleti contractus pelo condômino contra o condomínio para reter o pagamento da contri-
buição condominial enquanto não for reparado um dano causado ao imóvel pelo condomínio.

Quanto ao Sacrifício Patrimonial

Levando em conta o sacrifício patrimonial (o desfalque patrimonial) feito pelo indivíduo, o negócio jurídico pode ser
gratuito, oneroso ou neutro.
Se o indivíduo que pratica o negócio jurídico sofrerá um desfalque patrimonial sem buscar um proveito patrimonial,
ainda que potencial, tem-se um negócio gratuito. É o caso da doação: o doador não busca auferir proveito patrimonial
algum.
Se, porém, o indivíduo que pratica o negócio sofre um sacrifício patrimonial em busca de um proveito econômico
ainda que potencial, tem-se um negócio jurídico oneroso. O indivíduo não está celebrando o negócio “de graça”; quer
algo em troca patrimonialmente. É o caso do contrato de compra e venda: o vendedor abre mão de bem, mas faz esse
sacrifício patrimonial em busca de um proveito econômico, o dinheiro como pagamento do preço. O proveito econômico
buscado pode ser potencial, como nos jogos: o jogador paga um valor em busca de receber uma premiação, a exemplo
dos jogos lotéricos.

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DIREITO CIVIL

Por fim, se o indivíduo pratica um negócio jurídico e não sofre sacrifício patrimonial nem busca um proveito econô-
mico, o negócio é neutro. Isso ocorre em atos jurídicos (que são negócios) envolvendo direitos da personalidade, co-
mo no negócio de gestação por substituição — vulgo “barriga de aluguel” —, que não envolve expressão econômica. A
instituição de cláusulas restritivas da propriedade (inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomunicabilidade) e o acor-
do para tornar indivisível um imóvel (art. 1.320, CC) são também exemplos de negócios neutros, pois, ainda que se
possa afirmar que o imóvel clausulado ou tornado indivisível tenha perdido valor econômico, o fato é que esse negócio
não reverte em proveito de ninguém, de maneira que não pode ser tido por gratuito (o Fisco não poderia, por exemplo,
cobrar ITCD, que é um imposto de doação).
Há quem cite também como exemplo a instituição voluntária de bem de família nos termos do art. 1.711 do CC: o
proprietário do bem apenas blinda o seu patrimônio de penhoras. Embora a doutrina dê esse exemplo, parece-nos que
a instituição voluntária de um bem de família é um ato jurídico stricto sensu, pois os efeitos jurídicos disso (a impenho-
rabilidade) decorrem da lei e não podem ser controlados pelo indivíduo.

Quanto à Formalidade

Quanto à forma, o negócio jurídico pode ser informal ou formal.


Diz-se que o negócio jurídico é informal, não solene ou de forma livre quando ele puder se revestir de qualquer
forma não vedada em lei. Essa é a regra geral segundo o art. 107 do CC, de acordo com o qual somente lei pode impor
uma forma ao negócio jurídico. Dessa maneira, ao celebrar um contrato, se não existir lei impondo uma forma, as par-
tes podem externá-lo por qualquer meio admissível em Direito, como a forma escrita, verbal, de gestos etc.
Diz-se formal ou solene o negócio quando a lei impõe uma forma para determinado negócio jurídico. O descum-
primento da forma imposta pela lei gera nulidade, conforme art. 166, IV, CC. Trata-se de um vício gravíssimo — daí a
nulidade, e não anulabilidade —, pois, quando a lei impõe uma forma, isso decorre de um interesse público direto ou
indiretamente envolvido.
Um exemplo são os negócios jurídicos envolvendo direitos reais sobre imóveis valiosos — assim entendidos os de
valor superior a 30 salários mínimos — que devem necessariamente ser formalizados por escritura pública, o que, além
de diminuir os riscos de “grilagem de terra”, que é problema que afeta as políticas públicas de ocupação fundiária e de
moradia, favorece o controle de tributos decorrentes do negócio, como o ITBI e o IR sobre ganho de capital (renda de-
corrente da valorização do imóvel), bem como a fiscalização de possíveis crimes de “lavagem de dinheiro”.
Outro exemplo é a fiança, que deve obrigatoriamente ser escrita (art. 819, CC). A lei não dá liberdade de forma pa-
ra a fiança diante das consequências drásticas desse negócio ao fiador sem que este tenha qualquer benefício econô-
mico em razão do contrato (embora ele possa ter interesses econômicos indiretos ou provenientes de outros contratos
coligados).
Temos que negócios jurídicos envolvendo direitos reais imobiliários de valor inferior a 30 salários mínimos tam-
bém são formais, pois, embora não sejam obrigados a assumir forma pública, devem assumir a forma escrita, visto que
a transmissão da propriedade imobiliária só ocorre, em regra, com o registro do título (art. 1.227 e 1.245, CC). A forma-
lidade aí é implicitamente exigida pela lei, pois não há como registrar as palavras, os gestos ou o silêncio.

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DIREITO CIVIL

VALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Validade do negócio jurídico decorre de uma avaliação valorativa (axiológica) destinada a aferir a sua compatibili-
dade com o ordenamento jurídico. Se o negócio contraria o ordenamento, ele deve ser, em regra, tido por inválido: não
vale nesse ordenamento. Há atos que não valem no Brasil, mas valem em outros países em razão da diversidade dos
ordenamentos jurídicos.
Antes de aferir a validade, é preciso verificar se um negócio existe no mundo jurídico. Para existir, ele deve preen-
cher os seguintes requisitos de existência:
1) sujeito;
2) vontade;
3) objeto;
4) forma.
Um “contrato” feito com um cachorro não existe no mundo jurídico porque cachorro não é sujeito (assim entendido
quem pode ser titular de direitos e deveres), e sim objeto de direito. Um contrato que não foi assinado por uma pessoa
é inexistente no mundo jurídico por falta de vontade: não se poderia cobrar a dívida de quem não expressou a sua von-
tade com o contrato.
A validade do negócio deve observar os seguintes requisitos de validade, os quais estão previstos no art. 104 do
CC e são fruto do acréscimo de um adjetivo aos requisitos de existência:
1) sujeito capaz;
2) vontade livre;
3) objeto lícito, possível e determinado ou determinável; e
4) forma compatível com a lei, que, em regra, admite liberdade de forma, salvo previsão expressa em sentido diverso.
Acresça-se que a invalidade é sempre genética: a causa de invalidade deve ser contemporânea ao ato. Fatos su-
pervenientes jamais atingirão o plano da validade, mas apenas o plano da eficácia, no caso de impossibilidade super-
veniente do objeto, que cassa a eficácia, e não a validade do ato jurídico.
No sistema do Direito Civil, há dois tipos de invalidades (= nulidades lato sensu): a nulidade (= nulidade absoluta) e
a anulabilidade (= nulidade relativa). Trata-se de duas gradações de invalidade conforme o interesse tutelado pelo or-
denamento.
Se o negócio viola norma de interesse público, tem-se uma nulidade, pois se trata de um vício gravíssimo para o
ordenamento. Se, porém, ele viola norma de interesse particular, como as normas que tutelam interesse patrimonial
dos indivíduos, tem-se uma anulabilidade. O Direito Civil adotou o critério do interesse no seu regime de invalidade.
Outros ramos do Direito podem conter regras diversas. Por exemplo, no âmbito do processo civil, não há essa grada-
ção de invalidade: as invalidades só geram nulidade. Além disso, no regime de invalidade do processo civil, o critério ado-
tado é o prejuízo, e não o do interesse: ato processual que não causa prejuízo não gera invalidade, ainda que tenha con-
trariado uma norma, tudo conforme o princípio pas de nullité sans grief (em vernáculo, “não há nulidade sem prejuízo”).

Invalidade e Reconhecimento Judicial

A invalidade de um negócio jurídico precisa ser reconhecida judicialmente, ainda que se trate de nulidade. É que
o juiz é a autoridade competente para reconhecer a incompatibilidade do negócio perante o direito, cassando-lhe a vali-

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dade e os efeitos. É nesse sentido que se pode dizer que mesmo a nulidade absoluta não se opera ipso iure (ou seja,
em razão do direito), e sim se opera mediante declaração judicial. Dessa forma, enquanto não houver pronunciamento
judicial, o negócio produzirá efeitos jurídicos aparentemente queridos pelas partes. Apesar disso, a decisão judicial que
reconhece a nulidade absoluta terá eficácia retroativa e, portanto, haverá de desfazer todos os efeitos jurídicos que fo-
ram produzidos.

Nulidade Absoluta

A nulidade envolve a violação de norma de ordem pública, razão por que é um vício gravíssimo com regras gerais
hospedadas a partir do art. 166 do CC. Daí decorre que o juiz pode, de ofício (ou seja, em razão do próprio trabalho de-
le), reconhecer a nulidade a qualquer momento, pois é agente público que protege o interesse público.
Qualquer interessado ou o Ministério Público — nas causas que lhe compete intervir — podem suscitá-las também
perante o juiz. O negócio jurídico nulo nunca pode convalescer nem pelo tempo — daí por que a nulidade pode ser
reconhecida a qualquer tempo por inexistir prazo decadencial —, nem pela vontade — daí por que as partes não po-
dem, por vontade própria, consertar o vício, de maneira que só lhes resta celebrar um novo negócio jurídico sem o vício
de nulidade do anterior. A sentença de nulidade é declaratória e possui efeitos retroativos (ex tunc).
À luz do art. 166 do CC, é viável classificar as hipóteses de nulidade em duas categorias: as de nulidade textual e
as de nulidade virtual.
Há nulidade textual quando o negócio jurídico vulnera norma de ordem pública que textualmente preveja a nulida-
de como consequência. Por exemplo, o art. 166, I, do CC prevê expressamente a nulidade de negócios praticados por
absolutamente incapaz
Diz-se virtual a nulidade quando o negócio viola norma de ordem pública cujo texto é omisso acerca da nulidade. É
tarefa difícil identificar se aí há uma norma de ordem pública (também batizadas de norma cogente) ou uma mera nor-
ma dispositiva (que não envolve interesse público). O jurista deve investigar se há ou não interesse público.
Assim, por exemplo, o art. 426 do CC, sem expressamente contemplar a nulidade, veda o pacto de corvina ou pac-
to sucessório, assim entendidos os negócios envolvendo herança de pessoa viva. Há interesse público nessa regra ao
tutelar a vida. Pactos de corvina, além de imoral, poderiam estimular homicídios por parte do beneficiário do negócio.
Por isso, o pacto de corvina sofre de nulidade virtual.
Há, porém, normas dispositivas, que servem apenas para preencher a omissão das partes. É o caso, por exemplo,
das regras do art. 233 e seguintes do CC, que estabelecem a resolução da obrigação de dar coisa certa no caso de pe-
recimento da coisa sem culpa do devedor. Não há interesse público aí; as partes podem pactuar em sentido diverso.
Não há nulidade virtual.

Anulabilidade

A anulabilidade envolve violação de norma de interesse privado (e não público) que a preveja expressamente. Por
se tutelar interesse privado, o juiz não a pode decretar de ofício, mas apenas no caso de provocação. O negócio anulá-
vel pode ser convalidado pela vontade das partes ou pelo transcurso do prazo decadencial correspondente.
A sentença que decreta a anulabilidade é constitutiva e gera efeitos retroativos (ex tunc) por — em regra — desfa-
zer os efeitos que foram produzidos pelo negócio desde o seu nascimento. Há, porém, quem sustente que a anulabili-
dade gere efeitos ex nunc pelo fato de o art. 182 do CC exigir sentença para a sua pronúncia; tal corrente, todavia, ig-

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nora que a anulabilidade atinge os efeitos do negócio desde o seu nascimento, o que afasta a tese da eficácia ex nunc.
As hipóteses de anulabilidade estão no art. 171 do CC, que abre espaço para outras hipóteses previstas em outros
dispositivos legais, a exemplo do art. 1.649 do CC, que considera anulável o negócio sem a vênia conjugal nos casos
do art. 1.647 do CC. Em suma, a celebração de negócio por relativamente incapaz sem o devido apoio jurídico, os ví-
cios de consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão) e a fraude contra credores ensejam anulabilidade,
além de outras hipóteses legais.
A anulabilidade depende de previsão expressa; não há anulabilidade virtual.

Princípio da Conservação do Negócio Jurídico

Apesar de inválido, o negócio jurídico sempre deve ser, no que for possível, conservado. Se não for viável a sua
conservação, como nos casos de nulidade absoluta, o ordenamento prestigiará formas de aproveitamento do ato de
vontade encerrada no negócio inválido sob outro rótulo. Trata-se do princípio da conservação do negócio jurídico.
Para os negócios jurídicos nulos, é possível conservar o acordo de vontades por meio da sua conversão substanci-
al ou formal ou por meio da sua redução.
Conforme art. 170 do CC, embora o negócio jurídico nulo não possa ser sanado, o ato de vontade que ele encerra
(a sua substância) deve, se possível, subsistir sob o rótulo de um negócio jurídico presumível que seja válido. Trata-se
da conversão substancial do negócio jurídico, que só é admitida na hipótese de:
1) se puder presumir que as partes teriam celebrado o negócio presumível se tivessem previsto a nulidade do negócio
celebrado;
2) se não houver outro motivo de invalidade do negócio presumível.
Converter o negócio nulo em outro não é saná-lo, e sim aproveitar o seu suporte fático para dar eficácia jurídica
com base em outro negócio presumível.
Há controvérsia acerca da possibilidade de haver conversão de negócio jurídico anulável, pois, nesse caso, a via
adequada seria a convalidação do ato.
Se a forma do negócio (como o instrumento) for inválido, isso não invalidará o negócio jurídico se este admitir ou-
tros meios de celebração. Trata-se da conversão formal, prevista no art. 183 do CC. Assim, p.ex., se alguém celebra
um contrato de prestação de serviço por escritura pública e esta é lavrada por um tabelião cuja delegação estava sus-
pensa, a escritura pública é nula por falta de competência do tabelião para tanto, deixando de lado a tese de validade
por conta da teoria do agente público aparente. A invalidade do instrumento não induzirá a do negócio, pois, nesse ca-
so, a prestação de serviço podia ter sido celebrada por qualquer forma, como a verbal ou o instrumento particular. A
escritura pública nula aí tem o valor de um instrumento particular, com o qual se satisfaz o contrato de prestação de
serviço. Se, porém, nesse exemplo, o negócio tivesse sido uma venda de imóvel de valor superior a 30 salários míni-
mos, a escritura pública era essencial à validade do negócio, de sorte que a invalidade desse instrumento tisnará a va-
lidade do próprio negócio.
O art. 184 do CC prevê a redução do negócio jurídico, assim entendida a possibilidade de reduzir o negócio jurí-
dico apenas para a sua parte válida, invalidando apenas a parte inválida. A ideia é expungir do negócio jurídico apenas
as partes inválidas. A redução do negócio só pode ser aplicada se a parte inválida for separável, ou seja, se não for es-
sencial ao negócio. Se um negócio foi celebrado em caráter unitário, isso significa que todas as suas partes são rele-
vantes e, portanto, não se admite a redução do negócio jurídico. Por exemplo, em um contrato de mútuo bancário com
10 cláusulas, se uma das cláusulas prever a pena de morte no caso de inadimplência, apenas essa cláusula será de-

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clarada nula, de modo que o restante do negócio subsistirá. A cláusula mortal é separável.

Alguns Casos Especiais de Conservação do Negócio Jurídico

Há ainda algumas hipóteses legais que fazem subsistir um negócio anulável ou, ao menos, grande parte dos seus
efeitos. Enquadremo-los como oriundos do princípio da conservação do negócio.
O primeiro caso é o do art. 180 do CC. Se o adolescente com idade superior a 16 anos mente a sua idade ou a
oculta dolosamente, ele não pode pedir a anulação do negócio jurídico diante da sua má-fé, que se enquadra em um
exemplo de tu quoque e que é censurada pelo art. 180, CC. A tutela da boa-fé aí conservará o negócio.
Essa hipótese não se aplica a absolutamente incapaz, pois quem tem idade inferior a 16 anos, em regra, não pode
ser punido civilmente por posturas tidas de má-fé diante da sua inaptidão de discernir entre o bem e o mal.
A segunda hipótese está no art. 105 do CC. Consoante art. 105 do CC, a anulação de um negócio por incapacida-
de relativa é para proteger e beneficiar apenas o incapaz, de maneira que
1) quem contratou com o incapaz jamais poderá pedir a anulação e
2) outras pessoas capazes integrantes do negócio não poderão ser beneficiadas, salvo se isso for material ou juridi-
camente impossível, como no caso de indivisibilidade da obrigação ou do direito.
O terceiro caso é o do art. 181 do CC. Como o incapaz presumidamente não possui adequada aptidão de autogo-
verno, é presumível que ele dará um destino errante aos bens que vier a receber em mãos. Dessa forma, em proteção
ao incapaz, o art. 181 do CC estabelece que, no caso de invalidade do negócio, o incapaz não será obrigado a restituir
os bens que recebeu, salvo se eles não tiverem sido consumidos ou se houver prova de que eles foram usados em
proveito do incapaz (sob pena de prestígio ao enriquecimento sem causa).
Assim, se uma criança gastou o dinheiro recebido por um negócio em jogos e em outras finalidades meramente lú-
dicas ou supérfluas, ela não terá de restituir esse dinheiro em razão da invalidação do negócio jurídico, apesar de a ou-
tra parte ter de restituir ao incapaz a prestação que este lhe deu. Quem contratou com o incapaz ficará no prejuízo ao
final da invalidação. Todavia, se o incapaz usou o dinheiro para compra de comida ou para outra finalidade proveitosa
(pagar a mensalidade da escola), ele terá de restituir o valor recebido para evitar o enriquecimento sem causa; afinal de
contas, o incapaz já tinha de gastar com a comida ou essa outra finalidade proveitosa.
Essa regra vale para qualquer tipo de incapacidade, pois o objetivo é proteger o incapaz. No caso de contrato de
mútuo e de fiança, há regra similar nos arts. 588, 589 e 824, parágrafo único, do CC, abrangendo especificamente os
casos de menoridade. Em suma, o mutuante não pode reaver os bens emprestados ao menor em razão da invalidação
do negócio, salvo nos casos do art. 589 do CC, nem pode cobrar nada do fiador, pois, por se tratar de menoridade, era
dever do mutuante, ao menos, consultar o documento de identidade do mutuário para descobrir a idade. O fiador só
responderia pela dívida no caso de a incapacidade do mutuário não decorrer de menoridade, pois aí a incapacidade
nem sempre é de fácil identificação como no caso de menoridade e o objetivo do mutuante em reclamar um fiador
abrange também esse risco de invalidação.

DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Os negócios jurídicos podem conter defeitos que atingem a sua validade, a saber: vícios de consentimento e vícios
sociais.

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Os vícios de consentimento dizem respeito a casos em que a vontade expressa pelo indivíduo na prática do ne-
gócio jurídico não condiz com a sua real intenção, com o seu íntimo desejo. A vontade declarada está em descompas-
so com a vontade real e interna do indivíduo em razão de algum vício. Os vícios de consentimento são erro, dolo, coa-
ção, lesão e estado de perigo.
Os vícios sociais são defeitos do negócio jurídico consistentes no fato de este estar sendo destinado a burlar a lei
ou a prejudicar terceiros (daí o adjetivo “sociais”). Não há problema no consentimento: a vontade declarada condiz com
a vontade real das partes. O problema aí é que o negócio é utilizado para prejudicar terceiros, ou seja, a sociedade. Os
vícios sociais são a simulação e a fraude contra credores.
Apenas a simulação gera nulidade. A fraude contra credores induz anulabilidade. É preciso ter cuidado: a simu-
lação em assembleias ou reuniões de pessoas jurídicas gera anulabilidade, e não nulidade, por força da regra de exce-
ção do parágrafo único do art. 48 do CC, que prestigia a segurança jurídica a terceiros e à própria pessoa jurídica dian-
te de percalços de validade em questões internas (interna corporis).

Erro ou Ignorância

É irrelevante, na prática, a distinção que a doutrina faz entre erro e ignorância. O próprio CC, ao disciplinar a maté-
ria do art. 138 ao 144, trata os termos como sinônimos. A diferença conceitual é a de que o erro é a falsa representa-
ção da realidade (ex.: alguém acha que um anel é de ouro, mas é apenas banhado a ouro), ao passo que a ignorância
é a completa ausência de conhecimento da realidade (ex.: alguém ignora que o objeto é um anel). Essa distinção é inú-
til, imprecisa e geradora de dúvidas; acertou o CC ao disciplinar o erro e a ignorância conjuntamente.
Não é qualquer erro que anula um negócio jurídico. A segurança dos negócios jurídicos exige que somente erros
relevantes e decorrentes da inobservância da boa-fé objetiva do beneficiado devem anular o negócio. À luz do art. 138
do CC, a anulação do negócio depende destes dois requisitos: erro substancial e cognoscibilidade do erro.
O erro substancial é o erro relevante, ou seja, o negócio não teria ocorrido sem ele, como no caso da compra de
um anel banhado a ouro por quem o achava ser de ouro. Daí decorre que não anula o erro acidental, assim entendido o
erro de somenos importância, ou seja, o erro que não impediria a celebração do negócio jurídico diante da sua insignifi-
cância. Quem, por exemplo, compra um veículo e se engana quanto ao estado civil do vendedor não pode anular o ne-
gócio, pois esse erro é irrelevante para esse negócio. Trata-se de erro acidental. O adjetivo acidental significa algo não
essencial, não relevante, que está presente por acidente.
O erro pode recair sobre vários elementos do negócio jurídico, mas ele só gerará anulabilidade se for substancial,
ou seja, se for relevante. Conforme art. 139 do CC, diz-se que há:
1) error in negotio ou erro sobre a natureza do negócio, quando se crê estar celebrando um negócio, mas se está fa-
zendo outro, como quem doa um bem achando que está vendendo;
2) error in ispo corpore ou erro sobre o objeto do negócio, quando se crê estar negociando um objeto, mas está fo-
cando outro, como quem compra uma passagem aérea para o mês de dezembro achando ser para o mês de feve-
reiro ou como quem hipoteca um apartamento achando estar hipotecando um outro;
3) error in corpore ou erro quanto a qualidade essencial do objeto, como na compra de um anel banhado a ouro
achando que esse objeto era de ouro;
4) error in persona, quando se engana quanto à identidade de uma pessoa, como em doar um dinheiro a uma pes-
soa achando-o ser quem salvou a vida do filho;
5) error juris ou erro de direito, quando se equivoca quanto à adequação jurídica do negócio, como na compra de um
imóvel para parcelamento ignorando que, no dia anterior à compra, sobreveio lei vedando fracionamentos do solo

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na região.
A cognoscibilidade do erro significa que o erro poderia ter sido percebido pelo declaratário nas circunstâncias do
negócio, se ele tivesse o padrão de um indivíduo de diligência média, ou seja, de um homo medius. A cognoscibilidade
decorre do princípio da confiança, que é filho do princípio da boa-fé objetiva, pois quem vai celebrar um negócio jurídico
tem a legítima expectativa que o destinatário da declaração de vontade possui o padrão médio de diligência e, por isso,
agirá de boa-fé para impedir a ocorrência de erro.
O CC rejeitou a escusabilidade do erro como requisito de invalidade e, no seu lugar, adotou a cognoscibilidade. As-
sim, é irrelevante se o indivíduo que praticou o negócio podia ou não ter percebido o erro diante das suas particularida-
des pessoais (ou seja, se o erro que ele praticou foi ou não desculpável, escusável), porque o CC preferiu prestigiar a
confiança que esse indivíduo legitimamente espera ter no declaratário, supondo que este tem uma diligência média e
impedirá erros. É o que dispõe o enunciado 12/JDC (Jornada de Direito Civil).
Em homenagem ao princípio da conservação do negócio jurídico, o erro de cálculo não anulará o negócio, mas
apenas autorizará a sua retificação (art. 143, CC), e o erro de indicação do objeto ou da pessoa não abalará o negócio
se as circunstâncias permitirem identificar o objeto ou a pessoa almejados (art. 142, CC).
Igualmente, o negócio deverá ser mantido se o declaratário concordar em reajustar o negócio à vontade real do de-
clarante, eliminando o erro do negócio (art. 144, CC). Assim, se o vendedor concordar em entregar um anel de ouro a
quem havia comprado um anel banhado sob o engano de que se tratava de um anel de ouro, não haverá anulação do
negócio.

Dolo

Previsto nos arts. 145 ao 150, o dolo consiste em induzir outrem a erro. Configura-se quando alguém ludibria,
ainda que por meio de omissão dolosa, outrem, induzindo-o a erro. A principal distinção conceitual em relação ao erro é
a de que, no dolo, o declaratário provoca propositalmente o erro, ao passo que, no erro, o declaratário não percebeu o
erro do declarante. O dolo presume má-fé subjetiva do declaratário. É o caso de um vendedor que mente ao compra-
dor, informando falsamente que um tablet possui tecnologia de internet móvel (3G, 4G etc.), e o induz a comprar esse
dispositivo eletrônico achando que poderá conectar-se à internet com um chip de internet móvel em qualquer lugar.
Por envolver a má-fé, o dolo autoriza o prejudicado a, além de pedir a anulação, pleitear indenização pelos danos
comprovadamente sofridos (perdas e danos). O dolo pode se manifestar por meio do silêncio intencional, se, de acordo
com as circunstâncias, isso causar a indução ao erro. Ter-se-á aí o que se chama de omissão dolosa, dolo negativo ou
dolo omissivo (art. 147), que se contrapõe ao que a doutrina batiza de dolo positivo ou comissivo (o decorrente de con-
duta comissiva de indução de outrem a erro).
Não é qualquer dolo que anula o negócio. Para anular, o dolo precisa ser malus e essencial.
O dolo malus ou dolo mal é o que envolve malícias reprováveis socialmente. Não se anula o negócio se houver do-
lo bonus ou dolo bom, assim entendida a malícia socialmente admitida, como a afirmação do vendedor de uma roupa
de que o seu produto é o melhor do mundo ou de que a roupa ficou muito bonita no cliente.
Exageros comerciais são tolerados socialmente. A linha divisória entre essas duas espécies de dolo é cinzenta e
exigirá do jurista análise minuciosa do caso concreto sob os olhos da boa-fé objetiva.
O dolo essencial é relevante, é o determinante, é aquele sem o qual o negócio não teria ocorrido. Ele gera anula-
ção e direito à indenização por perdas e danos. Todavia, o dolo acidental não anula o negócio, mas autoriza indeniza-
ção por perdas e danos (art. 146, CC). O dolo é acidental quando o negócio ocorreria independentemente dele, embora

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pudesse assumir outras condições. É o caso, por exemplo, de quem acaba comprando um apartamento a um valor adi-
cional ao preço de mercado por ter acreditado na mentira do vendedor quanto ao fato de a pintura colorida da parede
do banheiro ter sido supostamente feita pessoalmente pelo pintor brasileiro Romero Britto. Nesse caso, o comprador
apenas poderá pleitear indenização pelos danos sofridos, entre os quais está o valor excedente ao de mercado do
apartamento.
O melhor entendimento é o de que não há necessidade de provar prejuízo para a anulação do dolo. Mesmo sem
prejuízo, o dolo pode anular, se ele for malus e essencial. O Código Civil quer garantir a higidez moral do negócio, e
não o resultado: os fins não justificam os meios. O dolo malus e essencial, embora possa não gerar prejuízo material
(patrimonial), é revestido sempre de desvalor moral que atinge a livre vontade da parte ludibriada: o negócio não teria
ocorrido sem o artifício do autor do dolo. Em tese, seria possível afirmar que esse tipo de dolo sempre gera um prejuízo
moral, ainda que não implique prejuízo material. É, todavia, equivocado afirmar que o prejuízo é requisito para a anula-
ção por dolo, pois esse verbete isoladamente (“prejuízo”) remete-se, em regra, a prejuízos patrimoniais.
Em virtude do princípio da incolumidade das esferas jurídicas, ninguém pode ser atingido por conduta alheia, salvo
se tiver participado dela, ainda que potencialmente, ou se houver lei. É o dolo de terceiro. Por essa razão, o dolo de
terceiro somente gerará anulação do negócio se a parte beneficiária tiver participado direta ou indiretamente do dolo, o
que acontece quando ela tem ciência efetiva ou potencial do fato. Haverá nesse caso um dolo conjunto, pois o terceiro
e a parte beneficiária serão coautores do dolo e, nesse caso, além de assistirem à anulação do negócio, responderão
solidariamente também pelas perdas e danos devidos ao prejudicado com fulcro no parágrafo único do art. 942 do CC.
Sem essa ciência, ainda que potencial, o negócio é válido, mas o terceiro obviamente será obrigado a indenizar os pre-
juízos sofridos pelo ludibriado (art. 148, CC).
Assim, se um terceiro, por chacota, convence outrem acerca da raridade de um quadro que está sendo vendido em
uma loja, esse negócio será válido caso o vendedor não tenha ciência, nem mesmo potencial, de que o comprador ha-
via sido ludibriado pelo terceiro. O enganado, porém, poderá pleitear indenização por danos materiais e morais contra o
terceiro chistoso.
O representante tem poderes de praticar atos no nome do representado. Isso significa que, havendo dolo dele, o
negócio sempre será anulado, ainda que o representado nada tenha feito e até mesmo desconheça o dolo. É dolo do
representante legal. Afinal de contas, o negócio só foi concretizado por conta desse ardil.
O problema gira em torno de definir quem será responsável por indenizar os danos sofridos pela parte ludibriada.
No caso de se tratar de representante convencional, essa responsabilidade será solidária do representante e do
representado por força do art. 149 do CC, assegurado, porém, o direito de regresso contra o mentiroso representante,
que foi o causador direto do dolo.
No caso de se cuidar de representante legal, foi a lei que impôs esse representante ao representado, de maneira
que seria absolutamente injusto condenar este a responder por ato de alguém em que não depositou a sua confiança.
Por isso, apenas para vedar o enriquecimento sem causa, o representado só responderá pelos danos sofridos pelo
ludibriado até o limite do proveito obtido. Essa regra, prevista no art. 149 do CC, deve estender-se também ao re-
presentante judicial, pois este, em última análise, o juiz o nomeou por força de lei, razão por que se pode incluir aí o in-
ventariante e o síndico da massa falida. Assim, se o inventariante vende o computador do espólio alegando falsamente
que o produto nunca foi usado com o objetivo de conseguir fechar o negócio, o enganado poderá, além de anular o ne-
gócio, pedir indenização por todos os prejuízos sofridos contra o inventariante e poderá também cobrar do espólio o
pagamento dessa indenização até o limite do valor auferido pelo espólio.
Havendo dolo de ambas as partes (um enganou o outro reciprocamente) — o que é batizado como dolo bilateral
—, o negócio não será anulado: cada um ficará com o seu prejuízo. Trata-se de um exemplo de tu quoque, um dos co-

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rolários da boa-fé objetiva.

Coação

Coação é a ameaça de um mal a outrem, à sua família, aos seus bens ou — sob avaliação judicial — a terceiro. A
coação tem de ser juridicamente relevante.
Nesse contexto, são insignificantes ao Direito ameaças que, nas circunstâncias do caso e as condições pessoais
do coato, não sejam tidas como efetivamente aptas a inspirar fundado temor (arts. 151 e 152, CC). Não é coação a
ameaça de exercício regular de direito (ex.: ameaçar de ajuizar uma ação de cobrança caso o devedor não pague) ou o
temor reverencial (ex.: doação ao pai por respeito familiar), conforme art. 153, CC.
A doutrina costuma distinguir a coação moral da coação física. Coação moral ou relativa é aquela em que o coagi-
do possui a opção de praticar ou não o negócio jurídico, assumindo o risco de a ameaça se concretizar. Diz-se que, na
coação moral, o coator se vale da vis compulsiva, uma violência (vis) para compelir ou coagir a praticar o negócio. Nes-
se caso, há anulabilidade do negócio jurídico. Um exemplo seria o da chantagem moral feita pela amante que exige
uma doação pecuniária do cônjuge adúltero sob a ameaça de revelar publicamente o relacionamento extraconjugal. O
adúltero tem a opção de celebrar ou não o contrato.
Coação física ou absoluta é a que retira totalmente a margem de decisão do coagido, conduzindo-lhe a praticar um
negócio jurídico por não ter a opção de decidir contrariamente. Nesse caso, o negócio seria inexistente por falta de von-
tade. Há doutrinadores que afirmam ser caso de nulidade absoluta diante da ilicitude da coação. Como exemplos, a
doutrina cita quem arremata um bem em um leilão por ter tido sua mão erguida pelo vizinho no momento do lance, as-
sim como quem celebra um negócio sob o efeito de uma hipnose.
A relevância prática da distinção é a de que, na coação moral, o coagido tem o prazo decadencial de 4 anos pa-
ra pleitear a anulação, ao passo que, na coação física, a declaração de inexistência do negócio pode ser pleiteada a
qualquer tempo.
Seguindo a mesma lógica do dolo de terceiro, já explanado, a coação exercida por terceiro só poderá prejudicar
a parte beneficiada se esta tivesse ciência, ainda que potencial, do fato, caso em que será havido por coator e, nessa
condição, sofrerá a anulação do negócio e será responsável pelas perdas e danos sofridos pelo coato de modo solidá-
rio com o coator. Se, porém, o beneficiado não tiver tido ciência, o negócio será válido e remanescerá ao prejudicado
apenas pleitear do coator o pagamento de indenização pelos prejuízos sofridos (arts. 154 e 155, CC).

Lesão

Conforme art. 157 do CC, há lesão quando alguém se obriga a uma prestação manifestamente desproporcio-
nal em razão de inexperiência ou premente necessidade. Não há necessidade de essa inexperiência ou premente
necessidade ser conhecida pela outra parte, ou seja, não há necessidade do que a doutrina batiza de “dolo de aprovei-
tamento”, que é a intenção ardilosa da parte de se aproveitar patrimonialmente da fragilidade alheia. A lesão decorre da
boa-fé objetiva, por censurar a conduta de se aproveitar de um negócio manifestamente desconectado do valor de
mercado em prejuízo de outrem.
A lesão pode ocorrer no caso de alguém que vende um imóvel manifestamente abaixo do preço de mercado por
estar pressionado a conseguir um valor necessário a saldar uma dívida relevantíssima que pode vir a ocasionar a fa-
lência de sua sociedade empresária.

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Em prestígio ao princípio da conservação jurídica, o art. 157, § 2º, do CC é expresso em admitir que a parte benefi-
ciada evite a anulação do negócio concordando com a redução da manifesta desproporção. Temos que essa elimina-
ção da manifesta desproporção se contenta com o reajustamento do negócio a uma condição cuja desproporcionalida-
de não seja superlativizada. Não há necessidade de eliminação total da desproporção, mas apenas a prescrição da
parcela que a torne manifesta. Assim, no exemplo acima, o comprador do imóvel pode manter a venda do imóvel con-
cordando com a redução do preço para um valor que não exorbite, de modo manifesto, o de mercado.
Conforme enunciados 149 e 291/JDC, a manutenção do negócio viciado por lesão deve sempre ser prestigiada pe-
lo juiz mediante a extirpação da manifesta desproporção, assegurado, inclusive ao lesionado, o direito de, no lugar de
pleitear a anulação, reivindicar apenas a eliminação da manifesta desproporção mediante a revisão judicial do negócio.
A propósito, o STJ acolheu a pretensão de um cliente que, com base na lesão, pleiteou a redução — e não a anulação
— dos honorários quota litis pactuados em favor do seu advogado, pois, “embora a lesão conduza à anulabilidade do
negócio jurídico, a vítima optou pela revisão do contrato em lugar de sua anulação, o que permite a revisão do percen-
tual”.

Estado de Perigo

Conforme art. 156 do CC, o estado de perigo ocorre quando alguém se obriga a prestação manifestamente des-
proporcional em razão de uma premente necessidade, conhecida pelo beneficiado (“dolo de aproveitamento”), de sal-
var a vida de alguém. O “dolo de aproveitamento” é essencial para a caracterização do estado de perigo, ou seja, o be-
neficiado precisa ter ciência de que a outra parte está se obrigando a uma prestação flagrantemente desproporcional
por necessitar salvar a vida de alguém. A pessoa cuja vida está em risco pode ser o próprio prejudicado, familiar ou, se
o juiz entender haver razoabilidade, uma terceira pessoa.
Como se vê, o estado de perigo acaba se encaixando dentro da lesão. Se faltar o dolo de aproveitamento, o fato
poderá ser caracterizado como lesão. Os requisitos do estado de perigo são os da lesão com maior especificidade e
com alguns acréscimos: a premente necessidade deve ser a de salvar uma vida e o dolo de aproveitamento é indis-
pensável.
A título de exemplo, alguém que, querendo pagar as despesas médicas da mãe em um hospital, vende um aparta-
mento de um milhão de reais por apenas cem mil reais — que é o valor das despesas médicas — a um “amigo” que
sabia do desespero pratica um negócio viciado por estado de perigo e, portanto, sujeito a ser anulado. Há aí manifesta
desproporção (imóvel de um milhão de reais por apenas cem mil), premente necessidade de salvar a vida de familiar e
dolo de aproveitamento.
A doutrina majoritária, com base no princípio da conservação do negócio jurídico, aplica, por analogia, o § 2º do art.
157 do CC para o estado de perigo, afastando a anulação do negócio por estado de perigo se a parte beneficiada con-
cordar com a eliminação da manifesta desprorcionalidade. O art. 156 do CC, que trata de estado de perigo, é silente
quanto a isso, razão por que a doutrina majoritária importa, por analogia, o que é previsto para lesão.

Fraude Contra Credores

Disciplinada a partir do art. 158 do CC, a fraude contra credores é um vício social e macula o negócio jurídico de
disposição patrimonial praticado pelo devedor insolvente ou que, em razão do negócio, torne-se insolvente.
Conforme o princípio da patrimonialidade sediado no art. 789 do CPC, todos os bens do devedor (o seu patrimônio)
respondem por todas as suas dívidas, salvo exceções legais, como a dos bens legalmente impenhoráveis. Daí decorre

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que o patrimônio do devedor é uma garantia de pagamento das dívidas. Se o devedor dilapida esse patrimônio sem
deixar o necessário para saldar as suas dívidas — tornando-se, portanto, insolvente —, ele está a fraudar os credores,
o que é reprimido pelo instituto da fraude contra credores.
A fraude contra credores também é conhecida como fraude pauliana, e o nome de batismo da sua ação anulatória
é ação pauliana. Um dos requisitos para fraude contra credores é a anterioridade. Em regra, somente haverá fraude
contra credores se, ao tempo da celebração do negócio, o devedor já tivesse contraído dívidas. Não se pode, em prin-
cípio, considerar prejudicial um negócio de disposição patrimonial para credores que surjam posteriormente.
Esses novos credores, no momento do nascimento do seu crédito, já tinham ciência, ainda que potencial, do esta-
do patrimonial do devedor e, por isso, não podem impugnar negócios praticados por ele anteriormente. A anterioridade
da dívida é, portanto, um requisito da fraude contra credores. E essa anterioridade deve levar em conta o momento do
nascimento da causa da dívida (ex.: data da celebração do contrato, data do dano a ser indenizado etc.), e não propri-
amente o seu futuro reconhecimento judicial. Essa é a inteligência expressa do art. 158, § 2º, do CC.
Todavia, em nome da tutela da boa-fé objetiva, esse requisito da anterioridade do crédito pode ser flexibilizado em
situações em que se configure fraude predeterminada contra futuros credores, ou seja, um desfazimento antecipado
dos bens por se antever que se avizinha o surgimento de dívidas, como sucede no caso de uma pessoa jurídica que,
receando o surgimento de dívidas elevadas, antecipa-se a transferir os seus bens para outra pessoa jurídica. Havendo
previsão fraudulenta no sentido de frustrar a satisfação de quem viria a se tornar credor no futuro, o negócio pode vir a
caracterizar fraude contra credores diante da flexibilização do requisito da anterioridade da dívida (STJ).
Outro pressuposto importante para a fraude contra credores é o de que o credor não deve ter garantia suficiente.
Como a fraude contra credores pressupõe negócio que esvazie o patrimônio do devedor em prejuízo aos seus credo-
res, credores com garantias não possuem legitimidade para pleitear a anulação por fraude contra credores, salvo se as
suas garantias se tornarem insuficientes para cobrir a dívida (art. 158, § 1º, CC).
Já os credores sem garantias, nos quais se incluem os credores quirografários, sempre possuem legitimidade.
Além do mais, para haver fraude contra credores em qualquer hipótese, deve haver o eventos damini. De fato, não ha-
verá fraude contra credores se o devedor, após a celebração do negócio, seguir com patrimônio suficiente para saldar a
dívida. A insolvência do devedor é condição essencial. É essa insolvência causada ou — se já existente — agravada
pelo negócio fraudulento que representa o evento do dano (eventos damini) aos credores fraudados.
O eventus damini é o requisito objetivo da fraude contra credores e consiste no fato da insolvência do devedor, que
existia à época do negócio ou que tenha sido provocada em razão do negócio.
O consilium fraudis, também conhecido como scientia fraudis, é o elemento subjetivo da fraude contra credores e
consiste na ciência, pelo outro contratante, do eventus damini. Esse requisito é uma espécie de má-fé do contratante
que será prejudicado com a anulação do negócio fraudulento.
Em razão da função social e da finalidade econômica, o art. 158 do CC dispensa a presença do consilium fraudis
nas hipóteses de negócios fraudulentos gratuitos. É que, ainda que o outro contratante esteja de boa-fé, a sua condição
de beneficiário de um negócio gratuito deve ser tido por menos importante à função social perante os credores que fo-
ram fraudados e que provavelmente obtiveram os seus créditos a partir de negócios onerosos, pois, do ponto de vista
de estímulos ao desenvolvimento socioeconômico, o ordenamento deve, diante do conflito entre negócios gratuitos e
onerosos sem haver outro critério de desempate, prestigiar o oneroso por fazer circular riqueza. Por isso, havendo ne-
gócio gratuito, basta a prova do eventus damini.
Se, porém, o negócio for oneroso, o consilium fraudis é requisito essencial ao lado do eventus damini.
O consilium fraudis deve ser provado, o que é admitido em três situações de ciência do eventus damini pelo outro

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contratante:
1) ciência efetiva, quando o outro contratante efetivamente sabe da insolvência do devedor, como um e-mail trocado
entre as partes poderia comprovar;
2) ciência potencial, quando há prova de elementos que demonstram que o outro contratante devia conhecer a insol-
vência do devedor, como no caso de haver vínculo de parentesco entre as partes;
3) ciência presumida, quando a insolvência do devedor era notória, como na hipótese de haver títulos protestados.
No caso de insolvência notória, o conceito é aberto e dependeria de análise no caso concreto. Em uma cidade pe-
quena, a notoriedade da insolvência poderá ser admitida com base nos rumores da cidade. Em cidades mais populo-
sas, é difícil haver essa notoriedade. Seja como for, o protesto de títulos — que, segundo a Lei 9.492/1997 destina-se a
divulgar, ou seja, a protestar a situação de inadimplemento da dívida — é um parâmetro seguro para demonstrar a no-
toriedade da insolvência, desde que o protesto tenha sido lavrado por cartório do domicílio do devedor ou, no máximo,
por cartório do local do bem objeto do negócio. Não se pode considerar notória a insolvência se o protesto foi lavrado
em qualquer um dos milhares de municípios brasileiros, mas apenas naqueles do domicílio do devedor ou da localiza-
ção do bem.
Por fim, no caso de instituição de garantia por devedor insolvente em favor de um credor, o consilium fraudis é pre-
sumido por lei (art. 163, CC), pois o legislador reputou indevido que o devedor que já está insolvente prestigie um cre-
dor em detrimento dos demais com uma garantia creditícia. É o que caso, por exemplo, de o devedor insolvente hipote-
car um imóvel apenas para um dos credores.

Simulação

Simulação é a declaração enganosa da vontade com o objetivo de produzir efeito diverso do aparentado. O
negócio simulado é aquele que foi falseado pelas partes, é uma farsa, é um negócio fingido, é o que propositalmente
não condiz com a realidade almejada pelas partes. O descompasso entre a vontade declarada (a que é aparentada) e a
vontade interna (o real intento do indivíduo) é proposital.
Recorda-se que a reserva mental é uma espécie de simulação unilateral prevista no art. 110 do CC, a cujo respeito
já deitamos holofotes anteriormente. Geralmente, a simulação é feita com o objetivo de prejudicar terceiros. Trata-se da
simulação maliciosa ou nocente (= prejudicial). Há, porém, simulações que não prejudicam terceiros, como uma escritu-
ra que informe que o preço foi pago em dinheiro, quando o foi em cheque. Trata-se da simulação inocente (= não no-
cente) ou tolerável. Em um ou em outro caso, a simulação gera nulidade, conforme doutrina majoritária esculpida pelo
Enunciado 152/JDC (“toda simulação, inclusive a inocente, é invalidante”). Doutrina minoritária defende a validade da
simulação inocente diante da falta de prejuízo e da inutilidade em invalidá-la; todavia, é adequado reputar sempre nula
a simulação porque, além de o Código Civil ter adotado o critério do interesse, e não o do prejuízo, ao tratar de invali-
dade, qualquer negócio simulado tem o potencial, ainda que remoto, de ocasionar algum prejuízo futuro, ainda que mí-
nimo.
A simulação pode ser absoluta, quando tudo é uma farsa, quando inexiste um negócio jurídico escondido que re-
almente tenha sido feito pelas partes e que esteja acobertado pelo negócio jurídico simulado. Nesse caso, por só haver
um negócio jurídico simulado envolvido, esse negócio é nulo. É o que sucede, por exemplo, no caso de alguém que,
para conseguir dedução no Imposto de Renda, simula que fez uma doação de dinheiro a uma entidade filantrópica em
conluio com o diretor desta.
A simulação também pode ser relativa, a qual também é chamada de dissimulação, quando há um negócio jurí-
dico escondido praticado pelo indivíduo sob a aparência mascarada de um negócio simulado. Diz-se relativa, porque

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nem tudo é uma farsa: um negócio efetivo e real praticado pelo indivíduo, mas que está acobertado pelo simulado. O
indivíduo está a dissimular (= esconder) um negócio com a simulação; daí o nome dissimulação como sinônimo de si-
mulação relativa. Na simulação relativa, o negócio simulado é nulo, mas subsistirá, em seu lugar, o negócio jurí-
dico escondido se inexistir outro motivo de invalidade (ex.: incapacidade das partes) e se os requisitos formais e subs-
tanciais desse negócio jurídico escondido estiverem preenchidos, tudo por força do art. 167, do princípio da conserva-
ção do negócio jurídico e do enunciado 293/JDC. É o que sucede quando, com o objetivo de reduzir a base de cálculo
do ITBI, o comprador e o vendedor declaram na escritura de venda do imóvel um preço inferior ao que efetivamente foi
pago. Nessa hipótese, o negócio simulado é a compra e venda pelo preço declarado; ele é nulo. Subsistirá, porém, o
acordo de vontades sob o negócio jurídico real que foi feito, a saber a compra e venda pelo preço realmente pago. O
Fisco poderá, com base nessa simulação, cobrar a diferença de tributo que havia sido burlado.
A simulação relativa pode ser subjetiva (= ad personam) ou objetiva. A simulação relativa subjetiva consiste na
utilização de um “testa-de-ferro”, de um “laranja”, ou seja, de um indivíduo que, na realidade, não é o que efetivamente
se beneficiará do objeto do negócio. Há aí o que se chama de “interposição de pessoas” ou de “interposição fictícia de
pessoas”: o verdadeiro beneficiado haverá de fruir do benefício por interposta pessoa, que aparenta falsamente ser a
contemplada. A simulação relativa subjetiva é expressamente condenada no inciso I do § 1º do art. 167 do CC. Isso
ocorre, por exemplo, quando um pai, com o objetivo de esconder uma doação de dinheiro a um dos filhos (que poderia
ser obrigado a colacionar essa liberalidade em futura herança), doa o dinheiro a um amigo, que, em oculto, transfere o
dinheiro ao filho privilegiado. A doação feita ao amigo é simulada, por aparentar beneficiar o amigo, embora efetiva-
mente esteja beneficiando o filho preferido.
A simulação relativa objetiva consiste em falsidades em outros elementos do negócio que não os sujeitos. A si-
mulação relativa objetiva é condenada expressamente no inciso II e III do § 1º do art. 167 do CC, prevendo hipóteses
genéricas de cláusulas falsas e também de documentos antedatados ou pós-datados. É o caso do marido adúltero que,
querendo doar um imóvel à amante desconhecida, simula um contrato de compra e venda com ela, com o consenti-
mento da sua desavisada esposa traída, que, por não ter o menor conhecimento da gestão financeira do marido, ignora
que a compradora não haverá de transferir dinheiro algum como pagamento do preço. Nesse caso, a simulação diz
respeito à natureza do negócio (compra e venda para ocultar doação) e, portanto, é uma simulação relativa objetiva.

ATOS ILÍCITOS

Há apenas dois ilícitos civis: o do art. 186 e o do art. 187 do CC. Eles podem ser afastados no caso de se enqua-
drar em alguma excludente de ilicitude prevista no art. 188 do CC.
No caso de incapazes, as condutas danosas deles geram dever de indenizar nos termos do art. 928 do CC, mas
não podem ser classificadas como atos ilícitos, e sim atos-fatos jurídicos (indenizativos). Falta aí o elemento volitivo em
grau relevante para a caracterização do ato ilícito, que é um ato jurídico stricto sensu.
O art. 186 do CC reputa ilícito o ato que, violando um direito, causa dano a outrem com culpa em sentido amplo, a
qual abrange também o dolo. Para esse ilícito, exigem-se três requisitos: dano, culpa e violação de direito. Quem der-
ruba uma casa (dano) propositalmente (culpa em sentido amplo) não comete ato ilícito se foi contratado para tanto pelo
proprietário da casa (não há violação de direito).
Essa regra do art. 186 do CC decorre do princípio do neminem laedere — também batizado de princípio do alterum
non laedere ou de princípio da incolumidade das esferas jurídicas —, que estabelece que ninguém deve lesar outrem.
Conforme art. 187, comete ato ilícito quem incorre em abuso de direito, assim entendido o ato consistente no exer-

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cício de um direito além dos limites impostos pelos bons costumes, pela boa-fé ou pela sua finalidade econômica e so-
cial. Esses limites baseiam-se em conceitos jurídicos indeterminados, de modo que dependerão da análise do caso
concreto e estarão expostos às oscilações interpretativas de praxe. Não há uma delimitação cartesiana do que seja
abuso de direito, portanto.
A culpa não é requisito do abuso de direito. Para caracterizar-se, este não depende, portanto, de nenhum critério
subjetivo (a culpa). O seu fundamento é apenas um critério objetivo-finalístico, conforme enunciado n. 37/JDC (Jornada
de Direito Civil): bastam o fato abusivo (critério objetivo) e a extrapolação dos fins do direito (critério finalístico). Real-
mente, quem tem um direito sempre está exposto ao risco de extrapolar no seu exercício, ainda que sem dolo. Esse
risco deve ser suportado pelo titular do direito — que tem proveito com o direito —, e não por terceiros, o que justifica o
afastamento da culpa como requisito do abuso de direito. O direito é homogêneo nisso.
Ao tratar de infração à ordem econômica, o art. 36 da Lei n. 12.529/2011 (Lei do CADE3) dispensa a prova de cul-
pa para a configuração dessas infrações à livre concorrência e à livre iniciativa, exatamente porque aí se terá um abuso
de direito. Quem, por exemplo, aumenta arbitrariamente o lucro abusa do seu direito de livre iniciativa, ainda que não
haja culpa. É verdade que há outros requisitos nesse tema da infração à ordem econômica, mas, para o presente mo-
mento, basta-nos verificar a dispensa de culpa para esse tipo de abuso de direito.
Não haverá ato ilícito se a conduta se enquadrar em alguma excludente de ilicitude. De fato, o art. 188 do CC arrola
fatos que excluem a ilicitude do ato: a legítima defesa, o exercício regular de direito e o estado de necessidade (evitar
dano iminente). Apesar de o CC ser silente, o estrito cumprimento do dever legal também é excludente, por poder ser
incluído no conceito de exercício regular de direito.
Situações putativas dessas excludentes não afastam a responsabilidade civil: quem causa um dano por imaginar
fantasiosamente estar em situação de legítima defesa responde civilmente, embora, no Direito Penal, o crime possa ser
descaracterizado. A legítima defesa ou o estado de necessidade putativos não são previstos no Direito Civil como ex-
cludentes de ilicitude, exatamente porque a repercussão civil é bem menos gravosa do que a do Direito Penal.
Da ilicitude do ato pode decorrer vários efeitos, que podem ser cumulativos ou não, a depender do caso concreto.
O primeiro é a invalidade do ato, como sucede no caso de cláusulas contratuais tidas por abusivas mesmo fora do
regime do Código de Defesa do Consumidor, a exemplo das cláusulas de eleição de foro em contratos de adesão de
franquia em situação de hipossuficiência do franqueado ou de prejuízo no acesso à justiça (STJ).
O segundo é a criação de direitos e de deveres, a exemplo do dever das partes de não adotarem comportamentos
contraditórios (princípio da venire contra factum proprium). Quem exercer um direito mediante comportamento contradi-
tório extrapola os limites do seu direito à luz da boa-fé.
O terceiro é o dever de indenizar (responsabilidade civil), conforme art. 927 do CC. A responsabilidade civil, em re-
gra, decorre de ato ilícito. Excepcionalmente, desde que haja lei em sentido expresso, é possível haver responsabilida-
de civil (dever de indenizar) mesmo se o ato for lícito, a exemplo do que se sucede nos casos de fatos permitidos em lei
(ex.: passagem forçada é ato lícito que impõe dever de indenizar ao vizinho beneficiado, conforme art. 1.285, CC) e de
responsabilidade objetiva (que, por dispensar a culpa, não caracteriza o ato ilícito do art. 186 e que nem sempre se en-
quadrará como abuso de direito). Outro exemplo de responsabilidade por ato lícito é dever de indenizar que é imposto a
quem, em estado de necessidade ou em legítima defesa, causa dano a terceiro não causador da situação emergencial,
assegurado, no entanto, direito de regresso (arts. 929 e 930, CC). Assim, quem atropela um transeunte na calçada por
ter sido forçado a desviar-se da rodovia para não chocar de frente com um carro na contramão deverá indenizar o tran-
seunte, apesar da licitude do seu ato (estado de necessidade). Terá, no entanto, direito de reembolsar-se perante o
motorista desgovernado que causou a situação emergencial.

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DIREITO CIVIL

PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

PRESCRIÇÃO

Prescrição é a perda da pretensão de um direito pela inércia do titular no prazo previsto em lei. Ela não é a perda
do direito. Daí se colhe que a prescrição apenas se aplica a direitos subjetivos stricto sensu, pois só estes geram pre-
tensões. Quando se trata de direitos potestativos – que não geram pretensões –, não há falar em prescrição, e sim em
decadência.
Na realidade, considerando que a pretensão é o direito de exigir uma conduta do devedor para a satisfação do dé-
bito, seria até possível afirmar que a prescrição implicaria a perda de um direito, ou seja, desse direito especificamente.
Todavia, não é usual essa linguagem na doutrina brasileira, pois a referência a direito não costuma sinalizar para as
pretensões, e sim para os direitos subjetivos.
Desse modo, em suma, é inconveniente afirmar que a prescrição acarreta a perda de um direito. Como a prescrição
não fulmina o direito, mas apenas a sua pretensão, isso significa que a dívida prescrita, embora não possa ser exigida pe-
lo credor pelas vias coercitivas legalmente disponíveis, é uma dívida devida, de maneira que, se o devedor quiser satisfa-
zê-la espontaneamente, ter-se-á um pagamento devido e, portanto, o devedor não poderá pleitear a devolução do seu di-
nheiro (art. 882, CC). No direito obrigacional, chama-se de obrigação civil a obrigação exigível e de obrigação natural ou
moral a não exigível. Como exemplos de obrigações naturais, ou seja, de direitos subjetivos sem pretensão, pode-se citar
não apenas a dívida prescrita, mas também as dívidas de jogo não disciplinados em lei (art. 814, CC).
É possível falar que a prescrição é também a perda da exceção, pois esta nada mais é do que uma defesa utili-
zada para obstruir uma pretensão. Exceção é, grosso modo, uma pretensão utilizada como contra-ataque, e não como
ataque. Por essa razão, o art. 190 do CC explicita que o prazo de prescrição da exceção é o mesmo do da pretensão.
Assim, por exemplo, se alguém tem um crédito já prescrito, ele não poderá exigir o seu pagamento pelas vias coerciti-
vas estatais (pretensão) nem poderá, por exemplo, opor compensação para contra-atacar alguma cobrança de dívida
que vier a sofrer (exceção). Prescrito um direito, o seu titular não o pode excepcioná-lo (usá-lo como exceção) nem exi-
gi-lo (pretensão).

Prescrição extintiva e aquisitiva

A prescrição pode ser extintiva ou aquisitiva. Quando o transcurso do tempo com a inércia do titular de um direito im-
plica a perda da pretensão do direito, tem-se uma prescrição extintiva, que é disciplinada nos arts. 189 ao 206 do CC.
Se, porém, o tempo ocasionar a aquisição de um direito, ter-se-á uma prescrição aquisitiva, que, no Código Civil,
é utilizada especialmente para o usucapião. O usucapião é uma forma de aquisição da propriedade com base em uma
posse exercida no prazo e nas condições legais. É uma prescrição aquisitiva e, como tal, sujeita-se às hipóteses de
suspensão e de interrupção da prescrição extintiva por força do art. 1.244 do CC. Antes do Código Civil de 1916, a le-
gislação civil que vigorava no Brasil costumava utilizar a expressão “prescrição aquisitiva”, e não usucapião, como se
vê no art. 1.319 da Consolidação das Leis Civis, elaboradas por um dos maiores civilistas brasileiros, Teixeira de Frei-
tas.

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Imprescritibilidades

Nem todos os direitos subjetivos se sujeitam à prescrição. Geralmente, a prescrição somente recai sobre direitos
patrimoniais, e não sobre direitos extrapatrimoniais. E, mesmo entre os direitos patrimoniais, a prescrição não recairá
em algumas situações excepcionais, especialmente quando envolver valores constitucionais muito sensíveis ou direitos
patrimoniais indisponíveis.
Nesse sentido, são imprescritíveis direitos subjetivos extrapatrimoniais, como os direitos de personalidade, di-
reitos de estado e os direitos de família, por serem irrenunciáveis e indisponíveis. É verdade, porém, que alguns direitos
patrimoniais podem nascer dos direitos da personalidade, como o direito a uma remuneração pela exploração da ima-
gem ou o direito à indenização, casos em que se poderá falar em prescrição. Ademais, pode haver exceções legais, de
maneira que pode haver, por lei, prazos – que geralmente são de decadência – para o exercício de algum direito extra-
patrimonial, a exemplo do art. 1.614 do CC (que é interpretado restritivamente para somente aplicar o prazo decadenci-
al de quatro anos para a impugnação de paternidade feita sem indicação do pai biológico).
Também são imprescritíveis direitos patrimoniais que envolvam grave ofensa a direitos fundamentais, a
exemplo do direito de indenização por danos materiais e morais por atos de tortura ao longo do regime militar (STJ).
Igualmente a pretensão para a indenização por danos ambientais é imprescritível, embora a jurisprudência
também se sirva do artificioso argumento de que, a cada dia, um dano ambiental se renovaria, o que justificaria a im-
prescritibilidade. Em verdade, o argumento principal é a condição de supremacia constitucional do meio ambiente, cuja
violação representa uma grave violação de direito fundamental.

Reconhecimento ex officio e Momento da Arguição

Há interesse público na prescrição. Um dessas evidências é a de que o Estado mantém uma estrutura dispendiosa
para garantir coercitividade às pretensões de direitos subjetivos. Há expressivos gastos públicos com o aparato do Poder
Judiciário, das polícias, de órgãos públicos etc. Daí decorre que a pretensão dos direitos subjetivos merece tutela na legis-
lação levando em conta que aí não se está cuidando apenas de direitos privados. Isso justifica, por exemplo, a razão de
ser das próprias obrigações morais ou naturais, que não são exigíveis (que não possuem pretensões). O Estado não deve
despender seus recursos para manter um aparato de coercitividade para direitos subjetivos de pouca relevância, como
são aqueles cujo titular demora muito tempo para exigir (prescrição) ou aqueles que são supérfluos (ex.: dívida de jogo).
Com base nisso, tendo em vista o interesse público da prescrição, o juiz pode reconhecer, independentemente
de provocação do interessado (de ofício), a prescrição, extinguindo processos “irrelevantes” que sobrecarregam o
Judiciário. Esse reconhecimento de ofício pode acontecer a qualquer momento e em qualquer grau de jurisdição, tudo
conforme art. 193 do CC e art. 487, II, do CPC.

Renúncia e Mudança do Prazo

Como os prazos prescricionais envolvem também interesse público, as partes não podem alterá-los por acordo
entre si; os prazos decorrem de lei (art. 192, CC). E, também nesse sentido, não é admitida a renúncia à prescrição,
salvo depois de consumada (art. 191, CC). Se fosse possível a alteração dos prazos pelas partes ou se fosse admiti-
da a renúncia precoce à prescrição, é certo que os credores dedicariam a primeira cláusula contratual para tornar mile-
nar o prazo ou para aboli-lo pela renúncia.

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A admissão da renúncia após o transcurso do prazo prescricional é decorrência óbvia do fato de que a obrigação
natural é devida, mas inexigível: quando o devedor a paga voluntariamente, ele está abrindo mão da prescrição. O de-
vedor pode, até mesmo, comprometer-se a pagar, em parcelas, a obrigação, o que reavivaria a pretensão prescrita.

Termo inicial: Teoria da Actio Nata

Conforme art. 189 do CC, a prescrição nasce com a violação do direito, que é o marco do nascimento da pre-
tensão. Assim, com o vencimento de uma obrigação de pagar determinada quantia em uma data, nasce, para o credor,
o poder de exigir o seu cumprimento pelas vias legalmente admitidas de coerção (Poder Judiciário, cartório de protesto,
negativação em cadastros privados de inadimplência etc.). Trata-se da teoria da actio nata (nata = nascimento; actio =
ação no sentido de pretensão).
Há controvérsia para definir se o termo inicial é da efetiva violação do direito ou da ciência desse direito pelo deve-
dor. A jurisprudência majoritária do STJ é no sentido de considerar que o termo inicial é a plena ciência, pelo credor,
da violação do direito, o que exige a ciência da autoria e da exata repercussão. O motivo dessa interpretação não lite-
ral do art. 189 do CC pelo STJ é o de que, em nome da boa-fé objetiva, não se pode admitir o início da fluência do pra-
zo prescricional quando o lesado não tem condições de exercer a sua pretensão por desconhecer, na totalidade, a au-
toria e a extensão da violação do direito, de maneira que a violação do direito pode ser anterior ao termo inicial do pra-
zo prescricional, que corresponde à efetiva ciência da violação do direito pelo lesado.

Interrupção

A prescrição destina-se a punir quem é negligente com o exercício do seu direito, pois, conforme os romanos, o direito
não socorre os que dormem (dormientibus non sucurrit jus). Por isso, caso o titular de um direito pratique um ato que de-
monstra não estar inerte no exercício no seu direito, é aplicável a interrupção do prazo prescricional. Não se trata, porém,
de qualquer ato, mas apenas aqueles taxativamente catalogados em lei, especialmente no art. 202 do CC. Interrupção é
“zerar” a fluência do prazo, é fazê-lo reiniciar do início. Ela só pode acontecer uma vez, conforme art. 202 do CC.
Há uma particularidade na hipótese de interrupção da prescrição por conta do despacho do juiz que ordena a cita-
ção: o reinício da fluência do prazo só ocorrerá após o último ato do processo que a interrompeu, de maneira que a
costumeira demora dos processos por morosidade do próprio Judiciário não autoriza o reinício da fluência do prazo
prescricional (art. 202, parágrafo único, CC).

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar -se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma
da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do
processo para a interromper.

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Art. 203. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado.


Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção ope-
rada contra o co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.
§ 1º A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o
devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros.
§ 2º A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou deve-
dores, senão quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.
§ 3º A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.

Suspensão e impedimento

A diferença conceitual entre impedimento e suspensão da prescrição não gera repercussões práticas: impedimento
consiste em sobrestar o início da fluência do prazo, ao passo que suspensão é sobrestar a fluência de prazo já iniciado.
Ambas as hipóteses recebem o mesmo tratamento a partir do art. 197 do CC. Suspender é apenas paralisar a fluência
do prazo em razão de uma hipótese de suspensão, sem “zerar” a contagem, de maneira que, após a cessação da cau-
sa suspensiva, o prazo volta a fluir de onde havia parado.
O fundamento é o princípio contra non valentem agere non currit praescriptio (contra quem não pode agir, não cor-
re a prescrição), cuja nomenclatura pode ser abreviada para apenas o princípio contra non valentem. Em nome da boa-
fé objetiva, não se pode exigir que o titular de um direito exerça-o quando há relevante obstáculo material, jurídico e
moral, de maneira que ele não poderá ser punido por sua omissão.
Os arts. 197 ao 200 do CC preveem as hipóteses legais de suspensão da prescrição.

Art. 197. Não corre a prescrição:


I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3º;
II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;
III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III - pendendo ação de evicção.
Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes
da respectiva sentença definitiva.
Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for
indivisível.

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As hipóteses legais não são taxativas, pois é admissível, com base na boa-fé objetiva, criar novas hipóteses, a
exemplo do que fez o STJ ao entender que o pedido administrativo do pagamento do seguro suspende o prazo prescri-
cional até a ciência inequívoca da resposta (Súmula 229/STJ).

Suspensão Diante de Cocredores

A suspensão da prescrição é um benefício pessoal e, por isso, não deve ser estendida a terceiros sem justo moti-
vo. Só o beneficiário pode dela desfrutar. Por isso, a regra é a de que a suspensão da prescrição em favor de um
cocredor não aproveita os demais, independentemente de a obrigação ser divisível, indivisível ou solidária.
A única exceção corre à conta das obrigações solidárias quando o objeto da obrigação for indivisível, con-
forme art. 201 do CC. É que, havendo solidariedade ativa (cada cocredor pode cobrar a dívida sozinho), presume-se
haver um vínculo de amizade entre os cocredores (dificilmente alguém confiaria em um desconhecido para ser cocre-
dor solidário com ele), de maneira que, se não for viável dividir a coisa objeto da obrigação solidária, não é razoável
impor a um dos credores o dever de constranger o seu presumível amigo cocredor.
A opção do legislador foi estender a causa suspensiva em favor do cocredor solidário apenas no caso de indivisibi-
lidade do objeto da obrigação diante do presumível constrangimento que um cocredor imporia ao outro. Se, porém, o
objeto da obrigação for divisível, não há motivo juridicamente relevante para impedir que o outro cocredor solidário co-
bre a dívida exigindo apenas o que lhe é de direito.

Prazos

Os prazos prescricionais devem ter previsão legal. Não há prazo de prescrição convencional. No Código Civil, os
prazos estão concentrados nos arts. 205 e 206 do CC, dispositivos que deveriam concentrar todos os prazos prescrici-
onais do CC em razão da sua organização sistemática. Fora desses dispositivos, só haveria prazo de decadência. Essa
sistematização deve ser levada em conta com apenas uma exceção, gerada por advento do Livro de Empresas no CC:
o art. 1.003, parágrafo único, do CC prevê prazo prescricional de dois anos para sócio retirante responder por obriga-
ções que tinha quando era sócio.
O CC prevê dois tipos de prazos. O primeiro é o prazo comum, geral ou ordinário, previsto no art. 205 do CC, que
é de 10 anos e é aplicável sempre que não houver previsão legal específica em sentido contrário. O segundo são os
prazos específicos ou especiais, previstos no art. 206 do CC e que prevê hipóteses de prazos prescricionais em lap-
so temporais menores que variam de 1 a 5 anos.
É evidente que a escolha do prazo decorre de conveniência da política legislativa, mas, em geral, é levado em con-
ta o lapso temporal razoável para que o devedor tenha de guardar provas para se defender diante do exercício da pre-
tensão. Também se leva em conta a natureza do crédito.

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
Art. 206. Prescreve:
§ 1º Em um ano:
I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o
pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

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a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de in-
denização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emo-
lumentos, custas e honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade
anônima, contado da publicação da ata da assembléia que aprovar o laudo;
V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação
da ata de encerramento da liquidação da sociedade.
§ 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.
§ 3º Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos n ão maiores
de um ano, com capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deli-
berada a distribuição;
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a viola-
ção tenha sido praticada, ou da reunião ou assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de
lei especial;
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilida-
de civil obrigatório.
§ 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.
§ 5º Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus hono-
rários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;
III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.

Prescrição para Repetição de Indébito por Descumprimento Contratual, Nulidade ou outra Hipó-
tese de Pagamento Indevido

No caso de descumprimento de um contrato ou da invalidade dele ou de cláusulas dele, nasce o direito da parte in-
teressada pedir, de volta, os valores que já foram pagos (repetição de indébito). O prazo prescricional dessa pretensão
dependerá da presença ou não previsão expressa dessa restituição:
✓ se houver previsão contratual expressa no contrato, o prazo será de 5 anos, por se tratar de dívida líquida

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constante de instrumento particular, nos termos art. 206, § 5º, I, CC;


✓ se não houver essa previsão contratual, o prazo será de 3 anos, pois a repetição de indébito visa a coibir o
enriquecimento sem causa da outra parte, que recebeu o valor sem uma causa jurídica válida, tudo conforme
art. 206, § 3º, IV, CC, que estabelece o triênio prescricional para pretensões de enriquecimento sem causa.
É nesse sentido que o STJ firmou os seguintes entendimentos:
a) [...] nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do con-
sumidor no custeio de construção de rede elétrica, o prazo prescricional é [...] de cinco anos se houver previsão
contratual de ressarcimento e de três anos na ausência de cláusula nesse sentido (Súmula 547/STJ);
b) [...] prescreve em 3 anos a pretensão de reaver valores pagos a maior em razão de reajuste do plano de saúde
baseado em cláusula contratual nula, por inexistir, obviamente, previsão expressa de restituição de valor no
contrato na hipótese de invalidade (STJ, EREsp 1351420/RS, 2ª S., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe
02/09/2016);
c) prescreve em 3 anos a pretensão de reaver valores pagos a título de comissão de corretagem quando essa
comissão não foi claramente informada ao consumidor mediante destaque do valor, pois isso, além de se ba-
sear de cláusula nula ou de não se basear em cláusula alguma (não há causa jurídica), representa repetição de
indébito por conta de enriquecimento sem causa sem previsão expressa de restituição no contrato (STJ, REsp
1551951/SP, 2ª S., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 06/09/2016).
Em razão do exposto, esse prazo de três anos também será o de prescrição para repetição de indébito fundada em
outros casos de pagamento indevido, como se dá na usual situação de o devedor pagar, em duplicidade, uma dívida
(pagamento duplicado de um boleto bancário, por exemplo).

Prescrição para Responsabilidade Contratual e Extracontratual

Pretensões para obter indenização por danos prescrevem em três anos, independentemente de se tratar de res-
ponsabilidade contratual ou extracontratual, pois o sintagma “reparação civil” do art. 206, § 3º, V, do CC deve ser inter-
pretado extensivamente, conforme enunciado 419/JDC e jurisprudência mais recente do STJ (2016).
Havia, contudo, antes de 2016, julgados do STJ a não aplicar esse triênio prescricional para a responsabilidade ci-
vil contratual, encaixando-a no prazo geral de dez anos do art. 205 do CC.

Prescrição para reparação de danos no caso de evicção

É de três anos a ação de indenização movida pelo evicto contra o alienante com o objetivo de pleitear a devolução
do valor pago e de outros prejuízo conexos, pois tal hipótese configura responsabilidade civil contratual, conforme art.
206, § 3º, V, do CC (STJ, 2016).

Prescrição para Reembolso de Alimentos Pagos por Terceiro não Interessado

O terceiro não interessado que paga a dívida de alimentos de outrem poderá pedir o reembolso no prazo prescri-
cional de 10 anos, pois aí não houve sub-rogação e, portanto, aplica-se o prazo ordinário do art. 205 do CC. Aí esse
terceiro não interessado agirá como gestor de negócios, e tem o direito de pagar mesmo sem o consentimento do de-
vedor originário e terá direito ao reembolso, tudo com fundamento no art. 871 do CC: “[...] Quando alguém, na ausência
do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância,

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ainda que este não ratifique o ato”.


Se, porém, o pagamento tivesse sido feito por terceiro interessado, haveria sub-rogação (art. 346, III, CC) e, por is-
so, o prazo prescricional seria o mesmo da dívida originária, ou seja, seria de 2 anos, pois essa é a prescrição para dí-
vidas de alimentos (art. 206, § 2º, CC).
No caso da mãe, que custeia as despesas de sustento do filho diante da omissão do pai em pagar os alimentos
que lhe foram fixados, a mãe está a pagar, aos filhos, os alimentos que eram devidos pelo pai. Ela age como terceira
não interessada que paga dívida alheia. É terceira não interessada, porque ela não poderia ser responsabilizada juridi-
camente pela dívida do pai. Nesse caso, o prazo de prescrição para a mãe pedir o reembolso dos valores que ela de-
sembolsou para “pagar” os alimentos devidos pelo pai será de 10 anos. Assim já decidiu o STJ (2015).

DECADÊNCIA

Decadência é a perda de um direito em razão da inércia do seu titular durante o prazo legal ou convencional. A de-
cadência incide em direitos potestativos ou formativos, e não sobre direitos subjetivos stricto sensu, que se sujei-
tam à prescrição, de maneira que a decadência se aplicará a casos de pretensões de anulação de negócio jurídico, de
desfazimento de contrato por vícios redibitórios etc.
A decadência é inerente ao direito: nasce e morre com ele. Por isso, em regra, o prazo decadencial não se inter-
rompe nem se suspende. No CC, há apenas uma exceção: o prazo se suspende enquanto o seu titular for absolu-
tamente incapaz (arts. 207 e 208, CC).
Em termos de nomenclatura, decadência pode também ser chamada de caducidade em sentido estrito. Em sentido
amplo, caducidade representa a perda de direitos em geral em razão do transcurso do tempo.

Espécies

A decadência pode ser legal, quando decorrer de lei, ou convencional, quando decorrer da vontade (arts. 209 ao
211, CC). Um exemplo comum de decadência convencional é o costumeiro prazo de 15 dias que muitas lojas dão para
os consumidores trocarem roupas que foram compradas. O direito de troca decai com o transcurso desse prazo.
A decadência legal, por envolver interesse público, não pode ser renunciada pelas partes e pode ser reconhe-
cida de ofício pelo juiz. Já a decadência convencional só pode ser reconhecida mediante provocação do interes-
sado, pois não envolve interesse público.

Prazos

Os prazos decadenciais estão espalhados pelo CC. Os principais são os prazos para anulação de negócios jurídi-
cos. Em regra, o prazo para tanto é de dois anos, salvo disposição contrária (art. 179, CC). O art. 178 do CC sujeita os
vícios de consentimento (erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão) e a fraude contra credores ao prazo decadenci-
al de 4 anos.
Um outro exemplo de prazo decadencial específico previsto no CC é para o adquirente de bens exercer os direitos
decorrentes dos vícios redibitórios no art. 445 do CC (a resolução do contrato ou o abatimento do preço).

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OBRIGAÇÕES

Trata-se da relação jurídica-em razão da qual o devedor ou sujeito passivo se obriga a dar, fazer ou não fazer al-
guma coisa (prestação) em favor do credor, ou sujeito ativo. A natureza da prestação é patrimonial.
Elementos constitutivos:
▪ subjetivo ou pessoal: são as partes da obrigação. Pedem ser sujeito ativo (a quem é devida a prestação) ou sujei-
to passivo (quem deve cumprir a prestação)
▪ objetivo ou material: é a prestação devida, ou seja, um dar, um fazer ou não fazer. A prestação deve ser lícita,
possível (física ou juridicamente) determinada ou determinável e de conteúdo econômico.
▪ Ideal, imaterial ou espiritual: é o vínculo jurídico ou legal que sujeita o devedor cumprir a prestação em favor do
credor

CLASSIFICAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES

Classificadas quanto ao objeto

O objeto da obrigação pode ser mediato ou imediato.


▪ Imediato: a conduta humana de dar, fazer ou não fazer (Ex.: Dar a chave do imóvel ao novo proprietário).
▪ Mediato: é a prestação em si. (Ex.: O que é dado? A chave).
De acordo com essa classificação, podemos destacar, as obrigações pode ser divididas em obrigações de dar (coi-
sa certa ou incerta), obrigação de restituir, obrigação de fazer e obrigação de não fazer.

Obrigações de dar coisa certa:


▪ são positivas
▪ o devedor tem o dever de entregar algo ao credor, cumprindo, com isso, a prestação devida por contrato
▪ a coisa, móvel ou imóvel, é certa e deter- minada
▪ antes da tradição ou pendente condição suspensiva, caberá ao devedor os melhoramentos acrescidos a coisa per-
tencem ao devedor que poderá exigir aumento do preço e até resolver a obrigação se não for aceito e os frutos
percebidos

ATENÇÃO
Nas obrigações de dar coisa certa, deve-se conhecer a responsabilidade do devedor pela perda ou deterioração da
coisa antes da tradição:
▪ Se a perda ocorreu com culpa, o devedor responde pelo equivalente mais perdas e danos;
▪ Se a perda ocorrem sem culpa, resolve-se a obrigação, com o retorno das partes à situação anterior;
▪ Se a deterioração ocorreu com culpa, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que
se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos;

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▪ Se a deterioração ocorreu sem culpa, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu
preço o valor que perdeu.

Obrigação de restituir:
▪ equipara-se a de dar, porque importa a devolução de uma coisa, com ocorre na locação.
▪ responsabilidade pela perda antes da tradição pelo devedor sem culpa sofrerá o credora perda (res perit domino), e
a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda; por culpa, responderá o devedor este pe-
lo equivalente, mais perdas e danos.

Obrigação de dar coisa incerta:


▪ objeto indeterminado (relativamente) e genérico, mas indicado, ao menos, pelo gênero e quantidade
▪ a escolha futura, que determinará o objeto a ser entregue, chama-se “concentração”.
▪ com a escolha, aplicam-se as regras vistas acima.
▪ natureza da “concentração”: ato jurídico unilateral
▪ as partes podem indicar qual dela fará a escolha ou cometer o ato a um terceiro
▪ na omissão, a escolha pertence ao devedor, que não poderá dar a coisa pior nem ser obrigado a prestar a melhor
(limites)
▪ antes da escolha, não pode o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, mesmo por força maior ou caso for-
tuito (genus nunquam perit)

Obrigações de fazer:
▪ a prestação ou objeto é uma atividade positiva (serviço, tarefa ou ato)
▪ podem ser personalíssimas (intuito personae, infungível, imaterial) ou impessoais (fungível, material), conforme a
prestação em razão da natureza ou convenção possa ser prestada somente pela parte ou por terceiro
▪ a impossibilidade ou a recusa da prestação acarreta o inadimplemento

Obrigações de não fazer:


▪ o devedor obriga-se a não praticar um ato;
▪ é personalíssima, sempre;
▪ praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, ocorre o descumprimento;
▪ com isso, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado
perdas;

ATENÇÃO
No caso de haver impossibilidade da prestação nas obrigações de fazer:
▪ sem culpa do devedor: resolver-se-á a obrigação;
▪ com culpa na prestação infungível: responderá por perdas e danos, sem prejuízo da execução específica (astreinte);
▪ com culpa na prestação fungível: se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar
à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.
No caso de haver impossibilidade da prestação nas obrigações de não fazer:
▪ sem culpa do devedor: extingue-se a obrigação.
▪ em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial,
sem prejuízo do ressarcimento devido.

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DIREITO CIVIL

Classificadas quanto aos seus elementos

A obrigação é composta por três elementos, que são:


▪ Elemento subjetivo, ou seja, os sujeitos da relação (ativo e passivo),
▪ Elemento objetivo, que diz respeito ao objeto da relação jurídica, e
▪ Vínculo jurídico existente entre os sujeitos da relação.
Dividem-se, portanto, as obrigações em:
▪ Simples: que apresenta todos os elementos no singular, ou seja, um sujeito ativo, um sujeito passivo e um objeto.
▪ Composta ou Complexa: contrária a primeira, apresenta qualquer um dos elementos, ou todos, no plural. Por
exemplo: um sujeito ativo, um sujeito passivo e dois objetos.
Esta, por sua vez, divide-se em:
▪ Cumulativas: os objetos aparecem relacionados com a conjunção "e". Somando-se, então, os dois objetos. (Ex.:
"A" deve dar a "B" um livro e um caderno).
▪ Alternativas: os objetos aparecem relacionados com a conjunção "ou". Alternando então, a opção por um ou outro
objeto. (Ex.: "A" deve dar a "B" R$ 10.000,00 ou um carro).
As obrigações que possuem multiplicidade de sujeitos são classificadas como:
▪ Divisíveis: são as obrigações em que o objeto pode ser dividido entre os sujeitos (Ex.: Determinada quantia em di-
nheiro - R$ 1.000,00).
▪ Indivisíveis: são as obrigações em que o objeto não pode ser dividido entre os sujeitos (Ex.: Um animal, um veícu-
lo etc).
▪ Solidárias: não depende da divisibilidade do objeto, pois decorre da lei ou até mesmo da vontade das partes. Pode
ser solidariedade ativa ou passiva, de acordo com os sujeitos que se encontram em número plural dentro da relação.
Quando qualquer um deve responder pela dívida inteira, assim que demandado, tendo direito de regresso contra o
sujeito que não realizou a prestação. Ex.: "A" e "B" são sujeitos passivos de uma obrigação. "C", sujeito ativo, demanda
o pagamento total da dívida a "A", que cumpre a prestação sozinho e pode, posteriormente, cobrar de "B" a parte que
pagou a mais.

Obrigações de Meio e de Resultado

▪ Obrigação de meio é aquela em que o devedor, ou seja, o sujeito passivo da obrigação, utiliza os seus conheci-
mentos, meios e técnicas para alcançar o resultado pretendido sem, entretanto, se responsabilizar caso este não
se produza. Como ocorre nos casos de contratos com advogados, os quais devem utilizar todos os meios para
conseguir obter a sentença desejada por seu cliente, mas em nenhum momento será responsabilizado se não atin-
gir este objetivo.
▪ Obrigação de resultado é aquela que o sujeito passivo não somente utiliza todos os seus meios, técnicas e co-
nhecimentos necessários para a obtenção do resultado, como também se responsabiliza caso este seja diverso do
esperado. Sendo assim, o devedor (sujeito passivo) só ficará isento da obrigação quando alcançar o resultado al-
mejado. Como exemplo para este caso temos os contratos de empresas de transportes, que têm por fim entregar
tal material para o credor (sujeito ativo) e se, embora utilizado todos os meios, a transportadora não efetuar a en-
trega (obter o resultado), não estará exonerada da obrigação.

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DIREITO CIVIL

Obrigações Civis e Naturais

▪ Obrigação civil é a que permite que seu cumprimento seja exigido pelo próprio credor, mediante ação judicial (Ex.:
a obrigação da pessoa que vendeu um carro de entregar a documentação referente ao veículo).
▪ Obrigação natural permite que o devedor não a cumpra e não dá o direito ao credor de exigir sua prestação. En-
tretanto, se o devedor realizar o pagamento da obrigação, não terá o direito de requerê-la novamente, pois não ca-
be o pedido de restituição (Ex.: Artigo 814 CC - As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas
não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é
menor ou interdito).

Obrigações Puras e Simples; Condicionais; a Termo e Modais

As obrigações possuem, além dos elementos naturais, os elementos acidentais, que acabam muitas vezes por ca-
racterizá-las. Estes elementos são: a alteração da condição da obrigação, do termo e do encargo ou do modo.
▪ Obrigações puras e simples são aquelas que não se sujeitam a nenhuma condição, termo ou encargo (Ex.: Obri-
gação de dar uma maçã sem por que, para que, por quanto e nem em que tempo).
▪ Obrigações condicionais são aquelas que se subordinam a ocorrência de um evento futuro e incerto para atingir
seus efeitos (Ex.: Obrigação de dar uma viagem a alguém quando esta pessoa passar no vestibular (condição)).
▪ Obrigações a termo submetem seus efeitos a acontecimentos futuros e certos, em data pré estabelecida. O termo
pode ser final ou inicial, dependendo do acordo produzido (Ex.: Obrigação de dar um carro a alguém no dia em que
completar 18 anos de idade).
▪ Obrigações modais em que o encargo não suspende a "aquisição nem o exercício do direito, salvo quando ex-
pressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva", de acordo com o artigo
136 do Código Civil (Ex.: Pode figurar na promessa de compra e venda ou também, mais comum, em doações).

Obrigações de Execução Instantânea; Diferida e Periódica

Esta classificação é dada de acordo com o momento em que a obrigação deve ser cumprida. Sendo classificadas,
portanto, em:
▪ Obrigações momentâneas ou de execução instantânea que são concluídas em um só ato, ou seja, são sempre
cumpridas imediatamente após sua constituição (Ex.: Compra e venda à vista, pela qual o devedor paga ao credor,
que o entrega o objeto. "A" dá o dinheiro a "B" que o entrega a coisa).
▪ Obrigações de execução diferida também exigem o seu cumprimento em um só ato, mas diferentemente da an-
terior, sua execução deverá ser realizada em momento futuro (Ex.: Partes combinam de entregar o objeto em de-
terminada data, assim como realizar o pagamento pelo mesmo).
▪ Obrigações de execução continuada ou de trato sucessivo (periódica) que se satisfazem por meio de atos conti-
nuados (Ex.: As prestações de serviço ou a compra e venda a prazo).

Obrigações Líquidas e Ilíquidas

▪ Obrigação líquida é aquela determinada quanto ao objeto e certa quanto à sua existência. Expressa por um alga-
rismo ou algo que determine um número certo (Ex.: "A" deve dar a "B" R$ 500,00 ou 5 sacos de arroz).
▪ Obrigação ilíquida depende de prévia apuração, já que o montante da prestação apresenta-se incerto (Ex.: "A" de-

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DIREITO CIVIL

ve dar vegetais a "B", não se sabe quanto e nem qual vegetal).


Diversos artigos do Código Civil estabelecem essa classificação. Citamos, então, os seguintes: arts. 397, 407, 369,
352, entre outros.

Obrigações Principais e Acessórias

▪ Obrigações principais são aquelas que existem por si só, ou seja, não dependem de nenhuma obrigação para ter
sua real eficácia (Ex.: Entregar a coisa no contrato de compra e venda).
▪ Obrigações acessórias subordinam a sua existência a outra relação jurídica, sendo assim, dependem da obriga-
ção principal (Ex.: Pagamento de juros por não ter realizado o pagamento do débito no momento oportuno).
É importante, portanto, ressaltar que caso a obrigação principal seja considerada nula, assim também será a aces-
sória, que a segue.

Obrigações com Cláusula Penal

Acarretam multa ou pena, caso haja o inadimplemento ou o retardamento do acordo. A cláusula penal tem caráter
acessório e, assim sendo, se considerada nula a obrigação principal, não haverá nenhuma multa ou pena à parte ina-
dimplente. São divididas em:
▪ Compensatórias: quando determinadas para o caso de total descumprimento da obrigação (Ex.: Se "A" não pagar
R$ 500,00 a B, deverá reembolsá-lo no montante de R$ 800,00).
▪ Moratórias: com a finalidade de garantir o cumprimento de alguma cláusula especial ou simplesmente poupar a
mora (Ex.: Se "A" não pagar em determinada data, incorrerá em multa de R$ 1.000,00).

Obrigações Propter Rem

Constituem um misto de direito real (das coisas) e de direito pessoal, sendo também classificadas como obrigações
híbridas. Obrigação propter rem é aquela que recai sobre determinada pessoa por força de determinado direito real.
Existe somente em decorrência da situação jurídica entre a pessoa e a coisa.
Por exemplo, as obrigações impostas aos vizinhos, no direito de vizinhança, por estarem figurando como possuido-
res do imóvel.

SOLIDARIEDADE

Obrigações solidárias ocorrem quando há pluralidade de devedores ou credores, vinculados em uma única obriga-
ção, cada um obrigado ou com direito à dívida toda. Elas não são presumidas, resultam da lei ou vontade das partes.

Solidariedade ativa

▪ O credor pode exigir a dívida por inteiro, a quem devedor deverá pagar.
▪ Enquanto não exigido, o devedor pode pagar a qualquer credor.

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DIREITO CIVIL

▪ A conversão da prestação em perdas e danos não extingue a solidariedade, para todos os efeitos.
▪ O credor que perdoar a dívida ou receber o pagamento responderá aos outros pela parte que lhes caiba.
▪ A oposição de exceção pessoal não é extensiva aos demais credores.
▪ A solidariedade não é sucessível, ou seja, os herdeiros herdam apenas a cota parte, ressalvada a indivisibilidade
da obrigação.
Efeitos do julgamento:
▪ se favorável a um credor, aproveita aos demais, salvo quando se funde em exceção pessoal daquele
▪ se contrária a um credor, não atinge os outros admite-se a desistência

Solidariedade passiva

▪ Pluralidade de devedores, onde cada um responde por toda a dívida, como se fosse único.
▪ O avalista é devedor solidário, vedando-se o aval parcial.
▪ O credor pode cobrar a dívida de um ou alguns devedor, parcial ou totalmente, e não importa renúncia a solidari-
edade a propositura da ação contra um deles, a quem permite-se o chamamento ao processo dos demais.
▪ O credor pode renunciar parcialmente a solidariedade em favor de um ou-alguns devedores, mas subsistirá a dos
demais. Somente desaparece para todos a renúncia total.
▪ Ainda que exonerado (beneficiado pela renúncia), todos os devedores respondem pelo rateio do insolvente.
▪ O pagamento parcial e a remissão (perdão) por um devedor, só aproveita aos demais até à concorrência da quan-
tia paga ou relevada.
▪ O pagamento total de um permite-lhe o direito de regresso contra os demais, mas com rateio por todos do quinhão
do insolvente, presumindo-se iguais as cotas de débito.
▪ Se a dívida solidária interessar exclusivamente a um dos devedores, responderá este por toda ela para com
aquele que pagar.
▪ Qualquer cláusula, condição ou obrigação adicional entre um dos devedores e o credor não pode agravar a posição
dos demais, sem que consintam.
Impossibilidade da prestação:
▪ culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente, mas pelas perdas e
danos só responde o culpado
▪ sem culpa dos devedores, extingue-se a obrigação
▪ pela mora todos respondem, mesmo que acionado um só dos devedores, mas o culpado responde regressivamen-
te aos outros
▪ assim como na ativa, na solidariedade passiva, se um dos devedores solidários falecer deixando herdeiros, ne-
nhum destes será obrigado a pagar senão a quota que corresponder ao seu quinhão hereditário, salvo se a obriga-
ção for indivisível; mas todos reunidos serão considerados como um devedor solidário em relação aos demais de-
vedores.

Solidariedade mista

A solidariedade mista ocorre quando há pluralidade de credores e de devedores. Para tratar do tema é preciso dife-
renciar se se trata de obrigações divisíveis ou indivisíveis.

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DIREITO CIVIL

Obrigações divisíveis:
▪ pluralidade de credores/devedores
▪ comporta fracionamento, sem prejuízo da substância e valor
▪ as obrigações, salvo disposição em contrário, presumem-se divididas entre os credores! devedores em partes
iguais e distintas,

Obrigações indivisíveis:
▪ pluralidade de credores/devedores
▪ o objeto uma coisa ou fato não comportam divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a
razão determinante do negócio jurídico.
▪ se houver pluralidade de devedores e a prestação não for divisível, cada um ficará obrigado pela dívida toda
▪ devedor que paga a dívida, sub-roga-se (legal) no direito do credor em relação aos outros coobrigados.
▪ se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira; mas o devedor ou devedores se
desobrigarão, pagando: 1) a todos conjuntamente 2) a um, dando este caução de ratificação dos outros credores
▪ se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outros assistirá o direito de exigir dele em
dinheiro a parte que lhe caiba no total
▪ se um dos credores perdoar a dívida, bem como efetuar transação, novação, compensação ou confusão, a obriga-
ção não ficará extinta para com os outros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor.
▪ perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos, o que não ocorre na solidariedade
▪ responsabilidade pelo não cumprimento: se houver culpa de todos, os devedores responderão todos por partes
iguais; se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse pelas perdas e danos
▪ não cessa com a morte, diferente do que ocorre com a solidariedade

TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES

Cessão de Crédito

A cessão de crédito é negócio pelo qual o credor transfere sua posição obrigacional; trata-se de negócio jurídico bi-
lateral envolvendo bem incorpóreo ou um crédito, O credor que transfere os direitos é chamado de cedente e aquele
para quem são transferidos de cessionário. O terceiro que não participa da cessão, o devedor, é chamado de cedido.
Uma vez transferida a obrigação, o cedido deverá ser notificado, para que possa pagar a obrigação ao novo credor.
Todavia, sua anuência é desnecessária (CC/art. 288, 290 e 293). Todo crédito poderá ser cedido, total ou parcialmente.
A cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da
obrigação.
Não se admite a cessão de crédito decorrente de direitos personalíssimos ou direito de família, os que contenham
proibição legal, ou em relação àqueles créditos que contenham ajuste vedando sua transmissão (pacto de non ceden-
do); a penhora realizada sobre um crédito é causa de impedimento legal para que seja cedido (CC, art.. 298); por outro
lado, a impenhorabilidade, por si só, não impede a cessão do crédito, pois é reconhecida- mente válida. (STJ).

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DIREITO CIVIL

Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção
com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa -fé, se não constar do instru-
mento da obrigação.
Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios.
Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar -se mediante instrumento
público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1º do art. 654.
Art. 289. O cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel.
Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por noti-
ficado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
Art. 291. Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar com a tradição do título do cré-
dito cedido.
Art. 292. Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no
caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação ce-
dida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação.
Art. 293. Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os atos conserva-
tórios do direito cedido.
Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em
que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente.
Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário
pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito,
se tiver procedido de má-fé.
Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.
Art. 297. O cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não responde por mais do que daquele
recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcir-lhe as despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com
a cobrança.
Art. 298. O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penho-
ra; mas o devedor que o pagar, não tendo notificação dela, fica exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos
de terceiro.

Assunção de divida (ou Cessão de débito)

Assunção de dívida é o negócio bilateral pelo qual o devedor antigo cede lugar ao novo, que assume a posição da-
quele, responsabilizando-se pela dívida, que não é extinta. Para que ocorra, exige-se o consentimento expresso do
credor (exceção ao consentimento tácito previsto no art. 303 do CC: “O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a
seu cargo o pagamento do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em 30 dias a transferência do débi-
to, entender-se-á dado o assentimento”).
Na assunção de dívida, o devedor primitivo fica exonerado (exceção: o devedor permanecerá responsável pela
obrigação quando, ao tempo da assunção, o novo devedor era insolvente, e o credor o ignorava).
São extintas, a partir, da assunção da dívida, as garantias especiais (reais ou fidejussórias) do devedor primitivo,
salvo assentimento expresso. Anulada a assunção, o débito e as garantias são restauradas. Com a assunção, também
são extintas as garantias de terceiros, salvo expressa concordância.

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DIREITO CIVIL

A assunção de dívida não se confunde com a novação subjetiva passiva, que gera obrigação nova, extinguindo a
anterior.
Pode efetivar-se por expromissão (sem participação ou anuência do devedor, pois ocorre entre o terceiro e o cre-
dor) ou por delegação (ocorre entre o terceiro e o devedor, com a concordância do credor).
Por fim, de acordo com o Enunciado 16 do CJF: “O art. 299 do Código Civil não exclui a possibilidade da assunção
cumulativo da dívida quando dois ou mais devedores se tornam responsáveis pelo débito com a concordância do credor”.

Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando
exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.
Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, inter-
pretando-se o seu silêncio como recusa.
Art. 300. Salvo assentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se extintas, a partir da assunção da dívida,
as garantias especiais por ele originariamente dadas ao credor.
Art. 301. Se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o débito, com todas as suas garantias, salvo as
garantias prestadas por terceiros, exceto se este conhecia o vício que inquinava a obrigação.
Art. 302. O novo devedor não pode opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo.
Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito garantido; se o credor,
notificado, não impugnar em trinta dias a transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento.

Cessão de contrato (ou cessão de posição contratual)

Cessão de contrato é a transferência da posição (ativa ou passiva) em um contrato, a um terceiro, com todos os di-
reitos e deveres. Necessariamente ocorre em contratos bilaterais, com execução não concluída.

Regras importantes:
• exige-se o consentimento da outra parte, aplicando-se o CC/art. 299, caput, que trata da assunção de dívida
• é contrato atípico (sem previsão expressa no CC/2002), na forma do CC, art. 425, e aceito no STJ (Informativo 376)
• não importa a extinção da obrigação, mas apenas a liberação do cedente de sua posição no contrato, com a trans-
ferência do crédito ou débito a um terceiro
• a respeito da forma da cessão, o CC/art. 288 é claro ao afirmar que “É ineficaz, em relação a terceiros, a transmis-
são de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido dos soleni-
dades do § 1°do art. 654”; decorre do preceito que não se exige para a validade da cessão de crédito que se faça
sob a forma especial do instrumento público; não é, portanto, um negócio solene; por outro lado, estará sujeita ao
instrumento público ou instrumento particular segundo as formalidades do CC, art. 654, § 1º, a cessão de crédito
que se pretenda conferir eficácia em relação a terceiros (erga omnes).

ADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

Adimplemento significa o cumprimento da obrigação, seu pagamento. O pagamento poderá ser direto (normal) ou
indireto (anormal). Em regra, o devedor é o obrigado pelo pagamento, mas também poderá ser um terceiro que tenha

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DIREITO CIVIL

interesse jurídico-econômico, ou seja, aquele que poderá sofrer os efeitos da obrigação não cumprida no tempo e for-
ma devidos (ex. fiador, avalista). O terceiro não interessado poderá cumprir a obrigação em nome e à conta do deve-
dor (não poderá cobrar o que pagou) ou em seu próprio nome (poderá cobrar o que pagou, mas não sub-roga-se).
O pagamento gera duplo efeito: extingue a obrigação e libera o devedor do vínculo obrigacional (efeito liberatório).
Há 2 modalidades de pagamento. A primeira é o pagamento direto, que ocorre a entrega da prestação no tempo e
forma devidos. A segunda é o pagamento indireto, que se verifica de forma diversa daquela convencionada (ex. da-
ção em pagamento, imputação, etc).
Quanto à natureza jurídica do pagamento, há duas correntes. Alguns o consideram como ato jurídico, assim reco-
nhecido por ter efeitos previamente estabelecidos por lei, enquanto outros o consideram um negócio jurídico bilateral,
por exigir a vontade do credor e do devedor.
Há, ainda, os requisitos do pagamento, que são os subjetivos, que diz respeito aos sujeitos da relação (ex: de
quem deve pagar, a quem se deve pagar, etc.), e os objetivos, que são aqueles não relacionados aos sujeitos (ex.
tempo do pagamento, lugar do pagamento)

De quem deve pagar (“solvens”)

▪ “Solvens”: é qualquer interessado, se a obrigação não for intuito personae.


▪ Se for personalíssima a obrigação, somente o devedor poderá fazê-lo.
▪ Terceiro interessado (com vinculação jurídica, porque o patrimônio pode ser afetado, mas não faz parte da rela-
ção): ex. fiador, avalista.
▪ Terceiro não interessado (sem vinculação jurídica): ex. um amigo que ajuda o outro.
▪ Em nome e à conta do devedor, salvo oposição deste: quando não haverá direito de reembolso.
▪ Em nome próprio: tem direito de reembolso, mas não se sub-roga. Para tanto, deverá manejar “ação in rem verso’
sem direito a perdas e danos. Se pagar antes de vencida a dívida, só terá direito de reembolso no vencimento.
▪ O terceiro, interessado ou não, que paga com desconhecimento ou oposição do devedor, que tinha meios de ilidir a
ação, não terá direito ao reembolso (pagamento invito debitore).
▪ O pagamento que importar transmissão da propriedade, móvel ou imóvel, só terá eficácia se feito por quem possa
alienar.
▪ Exceção: se der em pagamento coisa fungível, valerá o pagamento, desde que o credor, de boa-fé, a recebeu e
consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la.

Daqueles a quem se deve pagar (“accipiens”)

▪ Credor ou quem o represente.


▪ Em razão da teoria da aparência, é válido o pagamento feito de boa-fé ao credor putativo, ainda provado depois
que não era credor. Exige-se, assim, dois requisitos: (1) boa-fé do devedor; (2) erro.

Objeto do pagamento

▪ É a prestação convencionada
▪ O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa (proibição do sol-
vere aliud pro alio).

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DIREITO CIVIL

▪ As dívidas em dinheiro devem ser pagas no vencimento, em moeda corrente, pelo valor nominal (princípio do no-
minalismo).
▪ Permite-se a cláusula de escala móvel ou de atualização nas obrigações pecuniárias (exceção ao princípio do no-
minalismo).
▪ Ainda como exceção ao princípio do nominalismo, por motivo imprevisível, sobrevier manifesta desproporção entre
o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, assegurando o valor real da
prestação.
▪ São nulas as convenções de pagamento em ouro ou moeda estrangeira, com exceção dos casos previstos na le-
gislação especial.
▪ O devedor ou terceiro que paga tem direito a receber a quitação.
▪ As despesas com o pagamento e a quitação são do devedor, mas as despesas eventualmente acrescidas pelo
credor correrão por sua conta.
▪ Os pagamentos por medida e peso, no silêncio das partes, valem pelo lugar da execução.
▪ Presunções de pagamento:
1) para as quotas periódicas, o pagamento da última
2) a quitação do capital, sem a ressalva dos juros, estes presumem-se pagos
3) e entrega do título ao devedor.
▪ Admite-se que o credor prove a falta de pagamento, em 60 dias.

Lugar do pagamento

▪ Se houver cláusula entre as partes, será este o local de cumprimento da obrigação.


▪ O lugar também pode ser determinado pela lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias.
▪ Na omissão, a dívida é quesível (quérable), ou seja, no domicílio do devedor. Será portável (portable) quando
houver de ser paga no domicílio do credor ou terceiro.
▪ Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor a escolha do local.
▪ O pagamento reiterado em outro local, presume a renúncia do credor.
▪ As tradição ou prestações referentes aos imóveis, será feita onde situado.

Tempo do pagamento

▪ O pagamento deve ocorrer no vencimento, conforme ajustado.


▪ Sem ajuste, o credor pode exigir o pagamento imediatamente
▪ Nas obrigações condicionais, deve ser paga assim que ocorrer o implemento
▪ Admite-se que o credor cobre a dívida antes de vencido o prazo ajustado ou marcado no Código Civil:
▪ No caso de falência do devedor ou de concurso de credores;
▪ Se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor
▪ Se cessarem, ouse se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado,
se negar a reforçá-las.

ATENÇÃO
Se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.

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DIREITO CIVIL

FORMAS ESPECIAIS, ANORMAIS OU ESPECIAIS DE PAGAMENTO

Pagamento em consignação

Trata-se do depósito judicial feito pelo devedor, do bem móvel ou imóvel, com o objetivo de libera-se da obrigação
liquida e certa. Se a prestação for em dinheiro, o devedor poderá efetuar o deposito extrajudicial em estabelecimento
bancário oficial, cientificando o credor por carta com aviso de recepção, bem como manejar ação de consignação.
Para que seja possível o pagamento em consignação devem concorrer todos os requisitos sem os quais o paga-
mento não é valido, como pessoas, objetos, modo, tempo. Sendo válido, tem como efeito liberar o devedor do vínculo
obrigacional, bem como das consequências do inadimplemento da obrigação.
As obrigações de fazer e não fazer não admitem o pagamento em consignação. Ele será admitido nas seguintes
hipóteses:
▪ se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma;
▪ se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;
▪ se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente ou residir
▪ em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;
▪ se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;
▪ se pender litígio sobre o objeto do pagamento.

Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da
coisa devida, nos casos e forma legais.
Art. 335. A consignação tem lugar:
I - se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma;
II - se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;
III - se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso
perigoso ou difícil;
IV - se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;
V - se pender litígio sobre o objeto do pagamento.
Art. 336. Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao obje-
to, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.
Art. 337. O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros
da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente.
Art. 338. Enquanto o credor não declarar que aceita o depósito, ou não o impugnar, poderá o devedor requerer o le-
vantamento, pagando as respectivas despesas, e subsistindo a obrigação para todas as conseqüências de direito.
Art. 339. Julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo, embora o credor consinta, senão de
acordo com os outros devedores e fiadores.
Art. 340. O credor que, depois de contestar a lide ou aceitar o depósito, aquiescer no levantamento, perderá a prefe-
rência e a garantia que lhe competiam com respeito à coisa consignada, fic ando para logo desobrigados os co-devedores e
fiadores que não tenham anuído.
Art. 341. Se a coisa devida for imóvel ou corpo certo que deva ser entregue no mesmo lugar onde está, poderá o de-
vedor citar o credor para vir ou mandar recebê-la, sob pena de ser depositada.

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DIREITO CIVIL

Art. 342. Se a escolha da coisa indeterminada competir ao credor, será ele citado para esse fim, sob cominação de
perder o direito e de ser depositada a coisa que o devedor escolher; feita a escolha pelo devedor, proceder -se-á como no
artigo antecedente.
Art. 343. As despesas com o depósito, quando julgado procedente, correrão à conta do credor, e, no caso contrário,
à conta do devedor.
Art. 344. O devedor de obrigação litigiosa exonerar-se-á mediante consignação, mas, se pagar a qualquer dos pre-
tendidos credores, tendo conhecimento do litígio, assumirá o risco do pagamento.
Art. 345. Se a dívida se vencer, pendendo litígio entre credores que se pretendem mutuamente excluir, poderá qual-
quer deles requerer a consignação.

Pagamento com sub-rogação

Em resumo, é a substituição de uma coisa por outra, com os mesmos ônus e atributos (sub-rogação real), ou se
uma pessoa por outra (sub-rogação pessoal). Uma vez paga a obrigação por terceiro, o credor primitivo não poderá re-
clamar o cumprimento, mas o devedor continua obrigado a terceira pessoa. Ocorre, assim, a substituição do polo ativo
da relação obrigacional, passando o terceiro até então estranho na relação, a ostentar a posição de credor. A obrigação
permanece íntegra, pois o novo credor conserva todas as garantias e privilégios que possuía o anterior. A sub-rogação
poderá ser:

Legal Convencional
▪ do credor que paga a dívida do devedor comum ▪ quando o credor recebe o pagamento de terceiro e
▪ do adquirente do imóvel hipotecado que paga ao expressamente lhe transfere todos os seus direitos
credor hipotecário ▪ quando terceira pessoa empresta ao devedor a
▪ do terceiro interessado juridicamente, que paga a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição
dívida pela qual era ou poderia ser obrigado, no to- expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direi-
do ou em parte (ex. avalista, fiador) tos do credor satisfeito

Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:


I - do credor que paga a dívida do devedor comum;
II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamen-
to para não ser privado de direito sobre imóvel;
III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.
Art. 347. A sub-rogação é convencional:
I - quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos;
II - quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de fi-
car o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.
Art. 348. Na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto quanto à cessão do crédito.
Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em re-
lação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.
Art. 350. Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até à soma
que tiver desembolsado para desobrigar o devedor.
Art. 351. O credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida res-
tante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro dever.

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DIREITO CIVIL

Imputação do pagamento

Quando a pessoa, obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a
qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos. Haverá extinção da obrigação para a qual o paga-
mento foi dirigido.
▪ a escolha da dívida a ser imputada pertence ao devedor
▪ se não o fizer, o direito passa ao credor
▪ o devedor poderá reclamar a imputação do credor, se provar violência e dolo
▪ se qualquer deles não fizer a escolha, adotam-se os critério do CC, quais sejam:
▪ havendo capital e juros, imputa-se o pagamento nos juros
▪ depois, nas dívidas liquidas e vencidas mais antigas
▪ por último, imputa-se a dívida mais onerosa

Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o direito de indicar a
qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos.
Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o pagamento, se acei-
tar a quitação de uma delas, não terá direito a reclamar contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele
cometido violência ou dolo.
Art. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo
estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital.
Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a quitação for omissa quanto à imputação, esta se fará nas
dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se as dívidas forem todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação
far-se-á na mais onerosa.

Dação em pagamento

O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida, substituindo a prestação de dinheiro
por móvel ou imóvel, com efeito liberatório (datio in solutum). A dação em pagamento extingue a obrigação, mesmo que
o bem seja de menor valor, sem criar outro vínculo obrigacional, como ocorre na novação. Caso ocorra a evicção do
bem, a obrigação é restabelecida. Outrossim, responde o devedor pelos vícios redibitórios.

Art. 356. O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida.
Art. 357. Determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-se-ão pelas normas
do contrato de compra e venda.
Art. 358. Se for título de crédito a coisa dada em pagamento, a transferência importará em cessão.
Art. 359. Se o credor for evicto da coisa recebida em pagamento, restabelecer-se-á a obrigação primitiva, ficando
sem efeito a quitação dada, ressalvados os direitos de terceiros.

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DIREITO CIVIL

EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES SEM PAGAMENTO

Novação

As partes criam nova relação obrigacional, extinguindo a dívida original, possuindo duplo efeito. Exige-se sempre
acordo de vontades, pois não há novação legal. E ela pode ser expressa ou tácita.
Não se admite novação de obrigação nula ou extinta. Ademais, a novação, assim como a nova obrigação, deve ser
válida. E a novação exonera o fiador e o devedor solidário, salvo se permitirem.

Espécies de novação:
▪ Objetiva (real): devedor contrai nova dívida para extinguir a antiga
▪ Subjetiva (pessoal): ocorre a substituição de um dos sujeitos
▪ Ativa: novo credor sucede antigo, extinguindo o vinculo
▪ Passiva: novo devedor sucede o anterior, que fica liberado da obrigação. O credor não possui ação regressiva
contra o antigo devedor, salvo se este agiu de má-fé. Assim, o credor assume o risco. A substituição passiva pode-
rá ser por:
1) feita com o consentimento do devedor
2) terceiro assume a dívida, sem o consentimento do devedor
3) ocorre a substituição das partes e do objeto.

Art. 360. Dá-se a novação:


I - quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior;
II - quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor;
III - quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.
Art. 361. Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simples-
mente a primeira.
Art. 362. A novação por substituição do devedor pode ser efetuada independentemente de consentimento deste.
Art. 363. Se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação regressiva contra o primeiro, salvo
se este obteve por má-fé a substituição.
Art. 364. A novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação e m contrário.
Não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertence-
rem a terceiro que não foi parte na novação.
Art. 365. Operada a novação entre o credor e um dos devedores solidários, somente sobre os bens do que contrair a
nova obrigação subsistem as preferências e garantias do crédito novado. Os outros devedores solidários ficam por esse fa-
to exonerados.
Art. 366. Importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal.
Art. 367. Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novação obrigações nulas ou extin-
tas.

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DIREITO CIVIL

Compensação

Caso duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se,
desde que sejam dívidas líquidas vencidas e de coisas fungíveis até.
A compensação pode ser legal (independente que seja convencionada), convencional (ocorre por acordo de von-
tades) ou judicial (reconhecida durante a tramitação de um processo).

Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem -se,
até onde se compensarem.
Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis.
Art. 370. Embora sejam do mesmo gênero as coisas fungíveis, objeto das duas prestações, não se compensarão, veri-
ficando-se que diferem na qualidade, quando especificada no contrato.
Art. 371. O devedor somente pode compensar com o credor o que este lhe dever; mas o fiador pode compensar sua
dívida com a de seu credor ao afiançado.
Art. 372. Os prazos de favor, embora consagrados pelo uso geral, não obstam a compensação.
Art. 373. A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto:
I - se provier de esbulho, furto ou roubo;
II - se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos;
III - se uma for de coisa não suscetível de penhora.
Art. 374. (Revogado pela Lei nº 10.677/2003)
Art. 375. Não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a excluírem, ou no caso de renúncia prévia
de uma delas.
Art. 376. Obrigando-se por terceiro uma pessoa, não pode compensar essa dívida com a que o credor dele lhe dever.
Art. 377. O devedor que, notificado, nada opõe à cessão que o credor faz a terceiros dos seus direitos, não pode opor
ao cessionário a compensação, que antes da cessão teria podido opor ao cedente. Se, porém, a cessão lhe não tiver sido
notificada, poderá opor ao cessionário compensação do crédito que antes tinha contra o cedente.
Art. 378. Quando as duas dívidas não são pagáveis no mesmo lugar, não se podem compensar sem dedução das des-
pesas necessárias à operação.
Art. 379. Sendo a mesma pessoa obrigada por várias dívidas compensáveis, serão observadas, no compensá-las, as
regras estabelecidas quanto à imputação do pagamento.
Art. 380. Não se admite a compensação em prejuízo de direito de terceiro. O devedor que se torne credor do seu cre-
dor, depois de penhorado o crédito deste, não pode opor ao exequente a compensação, de que contra o próprio credor dis-
poria.

Confusão

Trata-se de causa extintiva da obrigação que ocorre quando, na mesma pessoa, se confundem as qualidades de
credor e devedor. Ela pode ser total ou própria (quando recai sobre toda a dívida) ou parcial ou imprópria (quando
atinge parte da dívida).

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DIREITO CIVIL

Art. 381. Extingue-se a obrigação, desde que na mesma pessoa se confundam as qualidades de credor e devedor.
Art. 382. A confusão pode verificar-se a respeito de toda a dívida, ou só de parte dela.
Art. 383. A confusão operada na pessoa do credor ou devedor solidário só extingue a obrigação até a concorrência
da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo quanto ao mais a solidariedade.
Art. 384. Cessando a confusão, para logo se restabelece, com todos os seus acessórios, a obrigação anterior.

Remissão de dívidas

Causa da extinção da relação obrigacional, a remissão de dívidas se caracteriza pela liberação graciosa da obrigação
cio devedor pelo credor. Ela pode ser total (toda a dívida) ou parcial (parte da dívida). Ademais, ela pode ser expressa
(quando dada por escrito) ou tácita (quando ocorre uma conduta incompatível com a futura cobrança da dívida).
A restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do credor à garantia real, não a extinção da dívida.
A devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito particular, prova desoneração do devedor e seus co-
obrigados, se o credor for capaz de alienar, e o devedor capaz de adquirir.
Seus efeitos são pessoais, pois concedida ao devedor solidário, a obrigação remanesce para os demais, dos quais
a dívida poderá ser exigida, porém, descontada a cota do credor que perdoou.
A remissão de dívidas tem natureza jurídica de ato bilateral, pois depende de aceitação pelo devedor. E ela possui
por objeto direitos patrimoniais de natureza privada, pois não pode prejudicar terceiros e nem o interesse público.

Art. 385. A remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro.
Art. 386. A devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito particular, prova desoneração do deve-
dor e seus coobrigados, se o credor for capaz de alienar, e o devedor capaz de adquirir.
Art. 387. A restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do credor à garantia real, não a extinção
da dívida.
Art. 388. A remissão concedida a um dos codevedores extingue a dívida na parte a ele correspondente; de modo que,
ainda reservando o credor a solidariedade contra os outros, já lhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida.

INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES

Inadimplir significa o descumprimento de uma obrigação, que poderá ser culposo ou fortuito. De acordo com o CC,
art. 389: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária se-
gundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
São quatro as espécies:
▪ inadimplemento absoluto: ocorre o descumprimento total, nem parte da prestação é entregue.
▪ inadimplemento relativo: é a entrega da prestação, mas feita com atraso (mora).
▪ pagamento incompleto: a prestação é entregue no tempo, mas com defeito
▪ violação positiva do contrato: ocorre quando se descumpre os deveres laterais ou anexos dos contratos, decor-
rentes do princípio da boa-fé objetiva que norteia todos os contratos.

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DIREITO CIVIL

Mora

Mora é cumprimento imperfeito da obrigação, o inadimplemento relativo, por retardo ou inobservância do tempo
ajustado. O que diferencia a mora do inadimplemento absoluto da obrigação é a sua utilidade que ainda remanesce ao
credor ou sua completa inutilidade (fator econômico). Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e
o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer (CC, art. 394).
A mora pode ser:
▪ mora do devedor (solvendi ou debitoris): devedor responde pela impossibilidade da prestação, e todos os prejuí-
zos, mesmo que causada caso fortuito ou de força maior, se ocorrer durante o atraso. Nesse caso, o devedor não
responderá pelos danos se provar isenção de culpa em relação ao atraso, ou que o dano ocorreria ainda que pon-
tualmente cumprida a obrigação. Divide-se em:
▪ mora ex re: a constituição em mora é automática, pois .já prefixado a data de vencimento da obrigação na lei ou no
contrato (dies interpellat pro homine).
▪ mora ex persona: não há uma data determinada para o vencimento da obrigação, exigindo-se interpelação judicial
ou extrajudicial do devedor.
▪ mora do credor (accipiendi ou creditoris): o credor não cumpre a obrigação no tempo, forma e lugar devidos. A
principal consequência é a isenção do devedor da responsabilidade pela conservação da coisa
▪ mora bilateral (simultânea ou sucessiva): aquela atribuída ao credor e ao devedor, resultando na eliminação dos
efeitos da mora, como se não existisse
Em relação à obrigação positiva, a mora ocorre a mora no vencimento. Já na obrigação negativa ela ocorre no
dia que o devedor praticar o ato que deveria se abster. E na obrigação por ato ilícito, a mora ocorre desde o momen-
to de sua prática
Purgação da mora refere-se à neutralização dos efeitos da mora. Admite-se que o faça o devedor e o credor. Por
parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta. Por parte
do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data.

Juros legais

Os juros são os rendimentos do capital, seus frutos civis, para o caso de inadimplemento relativo. São considera-
dos acessórios da obrigação principal.
Os juros podem ser moratórios, quando se prestam a indenizar, como penalidade, decorrente no atraso do paga-
mento (CC, art. 407), legais, quando estipulados em lei, ou convencionais, quando decorrem da vontade das partes,
ou compensatórios, quando servem como remuneração pela utilização do capital alheio (CC, art. 406), como ocorre
no mútuo feneratício. São conhecidos por juros-frutos.

ATENÇÃO
Relacionado ao montante dos juros moratórios legais, temos os seguintes entendimentos:
▪ Entendem alguns que a Selic (taxa referencial do sistema especial de liquidação e custódia) é o fator de atualiza-
ção, sem qualquer incidência de correção monetária, que já compõe o índice (STJ).
▪ No entanto, vale lembrar o Enunciado 20 da I Jornada de Direito Civil do CJF: “A taxa de juros moratórias a que se refere o
art. 406 é a do art. 161, 1°; do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês. A utilização da taxa Selic como índi-
ce de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacio-

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DIREITO CIVIL

nal, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível
com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível
com o art. 192, § 30, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a doze por cento ao ano”.

Perdas e danos

Perdas e danos correspondem ao prejuízo, dano positivo ou negativo, suportado pelo credor em virtude do inadim-
plemento absoluto ou relativo, total ou parcial, de uma obrigação.
As perdas e danos são os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito direto e imediato da falta de execução,
sem prejuízo do disposto na lei processual (CC/art. 403). Danos emergentes (dano positivo) é o aspecto que desponta
de plano da inexecução da obrigação, é o prejuízo efetivo e real. Já lucro cessante (dano negativo ou frustrado) repre-
senta o que o contratante deixou de auferir, razoavelmente, em função da obrigação não cumprida. Deve ser adotado,
quanto ao lucro cessante, o princípio da razoabilidade.
Para que haja direito a perdas e danos, exige-se a relação de causa e efeito entre a inexecução da obrigação e os
prejuízos suportados. Nesse ponto, adota-se a teoria da causalidade direta e imediata, afastada a do dano remoto.
A doutrina admite a teoria da perda da chance, aceitando-se a indenização, diante da certeza da existência de
uma chance perdida pelo lesado por ato culposo, comissivo ou omissivo, do causar do dano.

Arras

As arras constituem uma prestação em dinheiro ou outro bem móvel que objetiva sinalizar o comprometimento das
partes na continuidade do contrato firmado, nos termos do art. 417 do Código Civil – CC.
Se prestadas em dinheiro, devem ser deduzidas no preço a ser pago pelo negócio, integrando o preço do negócio.
Caso sejam prestadas em outro bem, devem ser restituídas quando do cumprimento do contrato.
Na formação do contrato garantido por arras, é possível que as partes pactuem, expressamente, o direito de arre-
pendimento, embora tal possibilidade esteja cada vez em menor desuso. Deste modo, regra geral, não é possível des-
fazer o contrato firmado, por simples arrependimento. Para melhor compreensão, analisemos os efeitos das arras nas
diferentes hipóteses em que pode ser pactuada, classificadas nas espécies que seguem.

• Arras Confirmatórias

As arras confirmatórias são prestadas para indicar o compromisso com o negócio firmado, no qual não se pactua o di-
reito de arrependimento. Ou seja, não é possível a nenhuma das partes voltar atrás à palavra assumida. Em tais hipóte-
ses, se a parte que prestou as arras não mais der continuidade ao contrato, a outra parte terá o direito de retê-las e, sendo
o caso, pedir indenização suplementar. (art. 418 e art. 419 do CC.) Ou seja, as arras servirão de parâmetro mínimo de in-
denização por perdas e danos, sem prejuízo de a parte que não honrou o pacto ter que arcar com valor maior.
Se a inexecução e desfazimento do contrato for motivada por ato de quem recebeu as arras, aquele que as prestou
poderá considerar desfeito o contrato. E, neste caso, terá direito de exigir a devolução das arras (seja em bem ou di-
nheiro), e pedir que o desistente pague o mesmo valor (art. 418 do CC), sem prejuízo de indenização suplementar por
perdas e danos, nos termos do art. 419 do CC.
Chamam-se “confirmatórias” justamente por confirmarem o contrato, tornando-o definitivo entre as partes, de tal

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modo que sua inexecução garante uma indenização suplementar.

• Arras Penitenciais

Penitência é um conceito que introduz uma ideia de arrependimento. Com efeito, as arras penitenciais são típicas
de contratos em que se firma o direito de arrependimento, sendo lícito às partes desfazerem o negócio, e voltarem
atrás com a palavra proferida.
O valor dado em arras servirá para indenizar a outra parte, diante dos prejuízos e transtornos que lhe advirão em
razão do arrependimento daquele que desistiu do negócio. Nesta hipótese, as arras serão perdidas por quem as pres-
tou, ou devolvidas por quem as recebeu, em dobro do seu valor. (art. 420 do CC) Todavia, tendo as partes pactuado
expressamente a possibilidade do desfazimento do negócio, pelo arrependimento, não será possível a outra parte plei-
tear indenização suplementar por perdas e danos, além do valor das arras – que é prestada justamente neste fim, nos
termos do art. 420 do CC.

• Do desfazimento do contrato sem culpa das partes

Em regra, a perda das arras e condenação a perdas e danos opera-se nas hipóteses de culpa de um dos contra-
tantes. Em não havendo culpa, como por exemplo na hipótese de dificuldade financeira superveniente, a questão é
controvertida nos tribunais.
A depender das provas nos autos e do pacto firmado entre as partes, é possível que, em algumas hipóteses a parte
que entregou as arras e tenha que desistir do negócio, obtenha para si, o retorno das arras. Todavia tendo as partes
expressamente convencionado que as arras serão perdidas na hipótese de desfazimento em situações previamente es-
tabelecidas, tal regra deverá ser observada, em atenção aos princípios do pacta sunt servanda e da autonomia da von-
tade, ainda que inexistente culpa ou desinteresse injustificado da parte desistente.

Cláusula Penal

Se, como visto, a arras é prestada como indicativo de interesse no negócio, a cláusula penal é uma condição con-
tratual a qual as partes obrigam-se na hipótese de violarem alguma outra obrigação assumida. Trata-se de obrigação
de natureza acessória que tem por escopo inicial compelir as partes ao cumprimento do contrato ajustado. Não atingin-
do este fim, a cláusula penal terá dupla função: (i) indenizar a parte inocente ante os prejuízos decorrentes do inadim-
plemento de uma condição pactuada; e (ii) penalizar a parte infratora pela violação contratual.
Deste modo, conforme ao fim a que se destina, a cláusula penal classifica-se em compensatória ou moratória, con-
forme se passa a expor.

• Compensatória

A cláusula penal compensatória visa indenizar a parte inocente diante do inadimplemento culposo de uma parte
contratante, sendo devida independente de prova das perdas e danos sofridos (art. 408 e art. 416, caput, do CC). A
grande vantagem desta cláusula é que, uma vez convencionada, o devedor do contrato fica obrigado a seu pagamento,
que consiste em uma fixação estimada de perdas e danos. Ou seja, ainda que o prejuízo suportado seja inferior, ou
inexista provas a respeito, a indenização é devida.

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Por outro lado, se as perdas e danos havidos forem superiores ao valor pactuado na cláusula compensatória, o
credor somente poderá exigir indenização suplementar se foi expressamente convencionado (art. 416, parágrafo único,
do CC). Caso contrário, a indenização ficará restrita ao limite da cláusula penal compensatória.
Ressalta-se que nesta modalidade compensatória, se for convencionada que incidirá ainda que no caso de total
inadimplemento, ao credor restará uma faculdade: cobrar a cláusula penal compensatória ou exigir o cumprimento do
contrato. (art. 410 do CC) Optando por esta última, não poderá exigir a cláusula compensatória de perdas e danos,
sendo cabível, apenas, uma multa moratória (para o caso de mora/ atraso no cumprimento da obrigação).

• Moratória

A cláusula penal moratória constitui-se em uma modalidade que incide na hipótese de inadimplemento parcial ou
cumprimento retardado da obrigação. Incide nas hipóteses em que, embora atrasado, a prestação ainda revela-se útil
para o credor, motivo pelo qual deve ser cumprida, acrescida apenas de uma “punição” pelo atraso. (art. 411 do CC).
Na estipulação da cláusula penal moratória é importante atentar-se às condições, à natureza e à finalidade do ne-
gócio jurídico, disciplinando as hipóteses de cumprimento parcial, e fixando-a em parâmetros razoáveis. Isso porque,
mostrando-se excessiva diante da obrigação parcialmente cumprida, o juiz poderá reduzir o seu montante, nos termos
do art. 413 do CC.

CONTRATOS

CONCEITO DE CONTRATO

Contrato é o acordo de duas ou mais vontades que visa à aquisição, resguardo, transformação, modificação ou ex-
tinção de relações jurídicas de natureza patrimonial.
Discute-se na doutrina a existência do chamado autocontrato, que é o nome dado ao contrato em que a mesma
pessoa age, simultaneamente, revestida nas duas qualidades jurídicas diferentes: ora por si, ora representando um ter-
ceiro. Ex: mandato em causa própria. A confere mandato para B para vender seu apartamento, com autorização para
que B venda o imóvel para ele mesmo (B). Neste caso, quando for feita a escritura, B intervirá, ora representando A
(como mandatário), ora em seu próprio nome (comprando o imóvel).

ELEMENTOS

O contrato é um negócio jurídico bilateral, decorrente de uma ação humana voluntária e lícita, praticada com a in-
tenção de obter um resultado jurídico.

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DIREITO CIVIL

✓ Existência de duas ou mais pessoas (físicas e/ou jurídicas).


✓ Capacidade plena das partes para contratar. Se as partes não forem capazes o contrato poderá ser nulo (ex:
absolutamente incapaz que não foi representado) ou anulável (ex: relativamente incapaz que não foi assistido).
✓ Consentimento: vontades livres e isentas de vícios (erro, dolo, coação, etc.).
✓ Objeto do contrato: é a prestação. Não confundir objeto com a coisa sobre a qual incide a obrigação. O objeto
é a atuação das partes no contrato. Ex: no contrato de compra e venda de um relógio, o objeto não é o relógio.
Este é a coisa em que a prestação se especializa. O objeto de quem compra é pagar o preço e de quem vende
deve entregar a coisa.
Portanto é a ação humana. O objeto deve ser: a) lícito (não pode ser contrário à lei, à moral, aos princípios da
ordem pública e aos bons costumes); b) possível (física e juridicamente); c) certo, determinado ou, pelo menos,
determinável (ou seja, deve conter os elementos necessários para que possa ser determinado – gênero, espé-
cie, quantidade e características individuais) e d) economicamente apreciável, isto é, deverá versar sobre o in-
teresse capaz de se converter, direta ou indiretamente, em dinheiro.
✓ Forma prescrita ou não defesa em lei. A regra é que a forma é livre. No entanto em algumas circunstâncias
exige-se maior formalidade e solenidade (ex: escritura de compra e venda de imóvel). Quando a lei exigir que
um contrato tenha uma determinada forma especial é desta forma que ele deve ser feito (não pode ser feito de
outra maneira). Qualquer vício referente à forma torna o contrato nulo.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

✓ Autonomia da Vontade (ou autonomia privada): os contratantes têm liberdade para estipular o que lhes con-
vier. Inicialmente eles têm a liberdade de contratar ou não e de escolher quem será o outro contratante. Tam-
bém a espécie contratual e o conteúdo das estipulações. Em tese, pode-se contratar sobre o que quiser, mes-
mo que não previsto em lei (contrato inominado). Evidente que há limites para essa autonomia, conforme ve-
remos adiante.
✓ Observância (ou supremacia) das Normas de Ordem Pública: a liberdade de contratar encontra seus limites
inicialmente na própria lei, ou seja, na ordem pública (que são as normas impositivas, que visam o interesse co-
letivo) e também na moral e nos bons costumes. Ex: proibição de contrato envolvendo herança de pessoa viva
(pacta corvina – art. 426, CC).
✓ Obrigatoriedade das Convenções (pacta sunt servanda): Como regra ninguém pode alterar unilateralmente o
conteúdo de um contrato. E não sendo o mesmo observado, haverá a pena de execução patrimonial contra a
pessoa que não o cumpriu (chamado de inadimplente), salvo algumas hipóteses excepcionais. Em regra o sim-
ples acordo de duas ou mais vontades já é suficiente para gerar um contrato válido. E atualmente, cada vez
mais, vem se atenuando a força desse princípio.
✓ Relatividade dos Efeitos do Contrato: um contrato, como regra, vincula somente as partes que nele intervie-
rem. Também não é um princípio absoluto. A exceção é a “estipulação em favor de terceiros” (que veremos
mais adiante), onde pode haver o favorecimento de terceiros.
✓ Boa-fé Objetiva: trata-se de um novo princípio estabelecido pelo atual Código Civil. Segundo ele, as partes
devem agir com lealdade, probidade e confiança recíprocas (art. 422, CC), com o dever de cuidado, coopera-
ção, informando o conteúdo do negócio e agindo com equidade e razoabilidade (usam-se os termos transpa-
rência, veracidade, diligência e assistência).
✓ Função Social do Contrato (art. 421, CC): outra novidade inserida pelo atual Código Civil. Explicando: a liber-

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dade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Na verdade trata-se de um
dispositivo genérico e que deve ser preenchido pelo Juiz dependendo de uma hipótese concreta que lhe é
apresentada. Leva-se em consideração a presença de outros subprincípios tais como: a) Dignidade da Pessoa
Humana – decorrente da aplicação de dispositivos constitucionais no Direito Civil, garantindo-se o direito de se
viver sem intervenção ilegítima do Estado ou de outros particulares; b) Na interpretação do contrato, deve-se
atender mais à intenção do que ao sentido literal das disposições escritas; c) Justiça Contratual (arts. 317 e
478, CC) – protegida por institutos como o da onerosidade excessiva, para dar maior equilíbrio às partes e ao
contrato, estado de perigo, lesão, etc.
A boa-fé objetiva impede o exercício abusivo de direito por parte de algum dos contratantes. A observância deste
princípio deve estar presente não só no momento da elaboração, como também na conclusão e execução do contrato,
que além da função econômica de circulação de riquezas, serve, também, de mecanismo para se atingir a justiça soci-
al, solidariedade, dignidade da pessoa humana, que são objetivos primordiais de nossa sociedade, estabelecidos na
Constituição Federal.
O princípio da função social do contrato tem como funções básicas:
a) abrandar a força obrigatória do contrato;
b) coibir cláusulas abusivas, gerando nulidade absoluta das mesmas;
c) possibilitar, sempre que possível, a conservação do contrato e o seu equilíbrio;
d) possibilitar a revisão do contrato quando o mesmo contiver alguma onerosidade excessiva.
Observem que não foi eliminada a autonomia contratual ou a sua obrigatoriedade, mas apenas se atenuou ou re-
duziu o seu alcance quando presentes interesses individuais.
Portanto, a autonomia da vontade (ou autonomia privada) e a obrigatoriedade contratual, princípios anteriormente
quase que absolutos, perderam muito a importância que tinham. Apesar do Direito Civil fazer parte do Direito Privado,
disciplinando a atividade dos particulares entre si, onde prevalecem os interesses de ordem particulares, não podemos
negar que também neste ramo do Direito “sentimos a presença do Estado”. Em outras palavras: identificamos muitas
normas de Direito Público no Direito Civil.
Podemos dizer que atualmente há uma constante intervenção do Estado nas relações de Direito Privado e até
mesmo nos contratos. Justifica-se esta interferência, pois ao contrário do que sustentava a ideologia do liberalismo, a
desigualdade entre os homens é um fato inegável e o Estado moderno deve agir para tentar buscar um reequilíbrio de
forças entre as pessoas, dando proteção jurídica à parte mais frágil de uma relação, como os consumidores, inquilinos,
empregados, devedores, etc. Isto é chamado pela doutrina de Dirigismo Contratual.

FORMAÇÃO DO CONTRATO

O contrato é fonte de obrigações. Ele nasce da conjunção entre duas ou mais vontades coincidentes. Sem este
mútuo consenso, não haverá contrato. No entanto, antes de se estabelecer o acordo final, é possível que ocorram al-
gumas negociações preliminares (que são as sondagens, as conversas prévias e debates, tendo em vista um contrato
futuro), sem que haja uma vinculação jurídica entre os participantes, não se criando ainda obrigações. É a chamada fa-
se das tratativas (ou puntuação). Apenas no momento em que as partes manifestam a sua concordância é que se for-
mará o contrato, criando obrigações.
Os contratos possuem duas fases: 1) Proposta ou Oferta; 2) Aceitação.

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Proposta

Também é chamada de oferta, policitação ou oblação. É a manifestação da vontade de contratar, por uma das par-
tes, solicitando a concordância da outra. Trata-se de declaração unilateral por parte do proponente. A proposta é recep-
tícia. Assim falamos porque ela só produz efeitos ao ser recebida pela outra parte.
Em regra, feita a proposta, esta vincula o proponente ou policitante (art. 427, CC); caso a proposta não seja
mantida, obriga a perdas e danos.
Porém, uma proposta deixa de obrigar, se (art. 428, CC):
✓ o contrário não resultar dos termos da proposta. Ex: cláusula expressa que lhe retire a força vinculativa; o pró-
prio contrato possui uma cláusula de não obrigatoriedade, etc.
✓ feita sem prazo determinado a uma pessoa presente, não sendo ela imediatamente aceita. Feita uma proposta
entre presentes, a mesma deve ser imediatamente aceita. Se não o for, a proposta já não vincula mais. A no-
ção de presença e ausência, neste contexto, nada tem a ver com distância. Presentes são aqueles que podem
se comunicar diretamente. Ex: telefone, fax, etc. Mas há dúvida quanto aos contratos celebrados por “internet”
(a posição majoritária é a de que configura contrato entre ausentes).
✓ feita sem prazo a pessoa ausente (não foi possível a comunicação imediata ou direta), deve-se aguardar um
lapso de tempo suficiente para que a oferta chegue ao destinatário e a resposta retorne ao conhecimento do
proponente, calculando-se o tempo conforme o meio de comunicação (ex: cartas).
✓ feita a pessoa ausente, com prazo determinado, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo estipulado.
✓ antes da proposta ou juntamente com ela, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.

Aceitação

É a manifestação da vontade do destinatário (também chamado de oblato ou aceitante), anuindo com a proposta e
tornando o contrato concluído. Regras:
✓ se o negócio for entre presentes, a proposta ou oferta pode estipular ou não prazo para a aceitação. Se não
contiver prazo a aceitação deverá ser manifestada imediatamente. Se houver prazo deverá ser pronunciada até
o termo concedido.
✓ se o contrato for entre ausentes, a aceitação deve chegar a tempo, isto é, dentro do prazo marcado. Se a acei-
tação chegar após o prazo marcado, sem culpa do aceitante, deverá o proponente avisar o aceitante, sob pena
de responder por perdas e danos. Se o ofertante (ou policitante) não estipulou qualquer prazo, a aceitação de-
verá ser manifestada dentro de tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente.
✓ aceitação fora do prazo, ou com adições, restrições, modificações, corresponde a uma nova proposta (ou con-
traproposta - art. 431, CC).
✓ a aceitação admite arrependimento se, antes da aceitação ou com ela, chegar ao proponente a retratação do
aceitante.

Momento da Conclusão do Contrato

Um contrato se reputa concluído:

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✓ Entre presentes – no momento da aceitação da proposta.


✓ Entre ausentes (ex: correspondência epistolar - carta) tornam-se perfeitos, como regra, no momento em que a
aceitação é expedida. Existem inúmeras teorias a respeito. O Brasil adotou a Teoria da Expedição da Aceita-
ção, ou seja, o momento em que a aceitação é colocada no correio, real ou virtual (e-mail).

Local da Celebração do Contrato

O negócio jurídico reputa-se celebrado no lugar em que foi proposto (art. 435, CC). Esta é uma regra dispositiva, is-
to é, as partes podem dispor de modo diverso. A regra é que o contrato é celebrado no lugar onde foi proposto. No en-
tanto admite-se previsão em contrário, desde que expressa no contrato.

Contrato Preliminar (arts. 462/466, CC)

Às vezes não é conveniente às partes celebrar, desde logo, o contrato definitivo; assim podem firmar um contrato-
promessa (pactum in contrahendo), sendo que as partes se comprometem a celebrar o contrato definitivo posteriormen-
te (o exemplo clássico é o compromisso irretratável de compra e venda). Apesar disso ele deve ser registrado, presu-
mindo-se irretratável. Se uma das partes desistir do negócio, sem justa causa, a outra poderá exigir-lhe, coercitivamen-
te, o seu cumprimento, sob pena de multa diária, fixada no contrato ou pelo Juiz. As partes se denominam promitentes
(na compra e venda: promitente-comprador e promitente-vendedor). Quanto à forma, não há obrigatoriedade de ser ob-
servada a mesma que figurará no contrato definitivo.

CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS

Contratos Unilaterais ou Bilaterais

O negócio jurídico pode ser classificado em unilateral (ex: testamento) ou bilateral (ex: contratos). Portanto pode-
mos afirmar que o contrato é sempre um negócio jurídico bilateral, uma vez que necessita da participação de duas von-
tades para que fique perfeito. No entanto, o contrato também pode ser classificado em unilateral ou bilateral.
O contrato será unilateral quando apenas um dos contratantes assume obrigações em face do outro. É o que ocor-
re na doação pura e simples. Inicialmente, por ser um contrato temos duas vontades: a do doador (que irá entregar o
bem) e a do donatário (que irá receber o bem). Mas neste concurso de vontades nascem obrigações apenas para o
doador. O donatário, por sua vez irá apenas auferir as vantagens. Outros exemplos: mútuo, comodato, etc. Os contra-
tos unilaterais, apesar de exigirem duas vontades, colocam só uma delas na posição de devedora.
O contrato será bilateral quando os contratantes são simultânea e reciprocamente credores e devedores uns dos
outros, produzindo direitos e obrigações para ambos. O contrato bilateral também é conhecido como sinalagmático. A
compra e venda é o exemplo clássico: o vendedor deve entregar a coisa, mas por outro lado tem o direito ao preço; já o
comprador deve pagar o preço, mas, por outro lado tem o direito de receber o objeto que comprou. Outros exemplos:
troca, locação, etc.

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Contratos Onerosos ou Gratuitos

✓ Contratos onerosos – trazem vantagens para ambos os contratantes, pois estes sofrem um sacrifício patri-
monial, correspondente a um proveito desejado (ex: locação – locatário paga aluguel, mas tem o direito de usar
o bem; já o locador recebe o dinheiro do aluguel, mas deve entregar a coisa para que seja usada por outrem).
Em outras palavras: ambas as partes assumem ônus e obrigações recíprocas.
✓ Contratos gratuitos (ou benéficos) – oneram somente uma das partes, proporcionando à outra uma vanta-
gem, sem qualquer contraprestação (ex: doação pura e simples, depósito, comodato, etc.).

OBSERVAÇÃO
A classificação oneroso/gratuito é muito parecida com a anterior bilateral/unilateral. Em regra, os contratos onerosos
são bilaterais e os gratuitos são unilaterais. Mas pode haver exceção como no caso do mútuo sujeito a juros. O mútuo é
um empréstimo de coisa fungível (ex: um saco de arroz, um maço de cigarros, dinheiro, etc.). Se for empréstimo de di-
nheiro, além da obrigação de restituir a quantia emprestada (contrato unilateral), geralmente deve-se pagar juros (con-
trato oneroso). Portanto este caso é um exemplo de um contrato que é ao mesmo tempo unilateral e oneroso.

Contratos Comutativos ou Aleatórios

O contrato é comutativo (ou pré-estimado) quando as prestações de ambas as partes são conhecidas e guardam re-
lação de equivalência. Ex: compra e venda (como regra). A coisa entregue por uma das partes e o preço pago pela outra
geralmente são conhecidos no momento da realização do contrato e guardam uma relação de equivalência. Eu sei o
quanto eu vou pagar pela coisa e sei qual o bem que me será entregue. E entre as prestações há uma equivalência.
Já o contrato aleatório é aquele em que a prestação de uma das partes (ou de ambas) não é conhecida com exa-
tidão no momento da celebração do contrato. Depende de uma álea (incerteza, risco). O contrato depende de um risco
futuro e incerto, capaz de provocar uma variação e consequentemente um desequilíbrio entre as prestações, não se
podendo antecipar exatamente o seu montante.
Alguns contratos são aleatórios devido à sua natureza (ex: rifa, bilhete de loteria, o jogo e a aposta de uma forma
geral, o seguro de vida, de um carro ou uma casa, etc.), enquanto outros são acidentais, por terem por objeto coisa in-
certa ou de valor incerto (ex: contrato de garimpo, venda de colheita futura, ou dos peixes que vierem na rede do pes-
cador, etc.).
O exemplo clássico é o contrato de seguro de um carro. Sabe-se o quanto paga-se pelo seguro, mas não se sabe
se vai usá-lo algum dia. Portanto, uma das prestações não é conhecida de antemão. Depende de um fato futuro e in-
certo. E pode haver uma não-equivalência entre o valor que eu paguei e aquilo que eu receberei.
Os contratos aleatórios podem ser divididos em:

• Coisas Futuras

1. Emptio Spei – um dos contratantes toma para si o risco relativo à existência da coisa, ajustando um preço, que
será devido integralmente, mesmo que nada se produza, sem que haja culpa do alienante (ex: compro de um
pescador, ajustando um preço determinado, tudo o que ele pescar hoje; mesmo que nada pesque terá direito

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ao preço integral). O vendedor tem direito ao preço, ainda que o objeto futuro não venha a existir.
2. Emptio Rei Speratae – se o risco versar sobre a quantidade maior ou menor da coisa esperada (ex: compro,
por um preço determinado, a próxima colheita de laranjas; se nada colher estará desfeito o contrato).

• Coisas Existentes

O contrato versa sobre coisa existente, sujeitas ao risco de se perderem, danificarem ou, ainda, sofrerem deprecia-
ção. Ex: determinada mercadoria é vendida, mas a mesma será transportada de navio até o seu destino final. O com-
prador então assume o risco de ela chegar ou não ao seu destino; se o navio afundar a venda será válida e o vendedor
terá direito ao preço.

Contratos Nominados ou Inominados

✓ Nominados (ou típicos): são os contratos que têm previsão e denominação prevista na lei (Código Civil ou
Leis especiais). Ex: compra e venda, locação, comodato, etc.
✓ Inominados (ou atípicos): são os contratos criados pelas partes, dentro do princípio da liberdade contratual e
que não correspondem a nenhum tipo contratual previsto na lei; não têm tipificação; não têm um nome com
previsão legal. Ex: cessão de clientela, factoring, etc. O art. 425, CC permite às partes estipular contratos atípi-
cos, observadas as normas gerais fixadas no Código Civil.

Contratos Paritários ou de Adesão

✓ Paritários: são aqueles em que ambos os interessados são colocados em pé de igualdade e podem discutir as
cláusulas contratuais, uma a uma, eliminando os pontos divergentes mediante transigência mútua.
✓ de Adesão (ou por adesão): são aqueles em que a manifestação de vontade de uma das partes se reduz a
mera anuência a uma proposta da outra. Uma das partes elabora o contrato e a outra parte apenas adere às
cláusulas já estabelecidas, não sendo possível a discussão ou modificação dessas cláusulas. Ex: contratos
bancários.
O contrato de adesão deve ser sempre escrito com letras grandes e legíveis. Ele não pode ser impresso com reda-
ção confusa, utilizando terminologia vaga e ambígua, nem com cláusulas desvantajosas para um dos contratantes. A
cláusula que implicar limitação ao direito do consumidor deverá ser redigida com destaque (letras maiores), permitindo
sua imediata e fácil compreensão. Na dúvida vigora a interpretação mais favorável ao aderente. Segundo o art. 424,
CC são nulas as cláusulas que estipulam a renúncia antecipada do aderente a algum direito resultante da natureza do
negócio (ex: “caso o objeto adquirido esteja com algum problema, o aderente abre mão de pedir a substituição do pro-
duto”).

Contratos Consensuais ou Formais

✓ Consensuais ou não solenes: são os contratos que independem de uma forma especial; em geral se perfa-
zem pelo simples acordo ou consenso das partes. Podem ser celebrados inclusive de forma verbal.

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✓ Solenes ou formais: são os contratos em que a lei exige uma forma especial. A falta desta formalidade levará
à nulidade do negócio. Ex: a compra e venda de bens imóveis exige escritura pública e registro.

Contratos Reais

São os que se aperfeiçoam com a entrega da coisa. O depósito somente será concretizado quando a coisa for re-
almente entregue, depositada. Outros exemplos: comodato, mútuo, penhor, etc. Antes da entrega da coisa, tem-se
apenas uma promessa de contratar e não um contrato perfeito e acabado.

Contratos Principais ou Acessórios

✓ Principais: são os contratos que existem por si, exercendo sua função e finalidade independente de outro. Ex:
contrato de compra e venda, de locação, etc.
✓ Acessórios: são aqueles contratos cuja existência supõe a do principal, pois visam assegurar sua execução.
Ex: fiança.

Contratos Pessoais ou Impessoais

✓ Pessoais (personalíssimos ou intuitu personae): são aqueles em que a pessoa do contratante é considerada
pelo outro como elemento determinante de sua conclusão. Ex: Desejo que o advogado “Y” me defenda no Tri-
bunal do Júri. Quero que o cirurgião “X” me opere. Quero comprar um quadro do famoso pintor “Z”.
✓ Impessoais: são os que a pessoa do contratante é juridicamente indiferente para a conclusão do negócio.
Contrato uma empresa para pintar minha casa. Tanto faz que o serviço seja realizado pelo pintor “A” ou “B”.

EFEITOS DO CONTRATO

O contrato válido estabelece um vínculo jurídico entre as partes, sendo que, em princípio, é irretratável unilateral-
mente. Ou seja, depois de celebrado, como regra, uma das partes não pode simplesmente desistir do cumprimento do
contrato. Trata-se da aplicação do pacta sunt servanda. Formado um contrato, assumidas as obrigações, passamos
agora ao cumprimento do seu conteúdo. Porém, um contrato pode produzir diversos efeitos.

Exceção de Contrato Não Cumprido (arts. 476/477, CC)

Também é chamado de exceptio non adimpleti contractus. Nos contratos bilaterais (ou sinalagmáticos) a regra é
que nenhum dos contratantes poderá, antes de cumprir a sua obrigação, exigir a do outro (art. 476, CC). Isso
porque há uma dependência recíproca das prestações que, por serem simultâneas, são exigíveis ao mesmo tempo.
Num contrato as partes devem cumprir exatamente aquilo que combinaram. Por isso não se posso alterar algo que foi
combinado, de forma unilateral. Cada um deve cumprir a sua parte no contrato.

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A mesma regra é aplicada no caso de cumprimento incompleto, defeituoso e inexato da prestação por um dos con-
traentes. Trata-se de uma variação da regra anterior. A doutrina chama isso de exceptio non rite adimpleti contractus.
Neste caso também se pode recusar a cumprir com a obrigação até que a prestação seja realizada exatamente da for-
ma como combinado.
Excepcionalmente será permitido, a quem incumbe cumprir a prestação em primeiro lugar, recusar-se ao seu cum-
primento, até que a outra parte satisfaça a prestação que lhe compete ou dê alguma garantia de que ela será cumprida.
No entanto, isso somente é admissível quando, depois de concluído o contrato, sobrevier diminuição em seu patrimônio
que comprometa ou torne duvidosa a prestação a que se obrigou.
Cláusula solve et repete: a “exceptio” não poderá ser arguida se houver renúncia, impossibilidade da prestação
ou se o contrato contiver a cláusula solve et repete, que torne a exigibilidade da prestação imune a qualquer pretensão
contrária do devedor. Isto é, o contrato pode conter uma cláusula de que o contratante renuncia, abre mão da exceptio.
Isso quer dizer que a qualquer momento a outra parte pode exigir o pagamento integral, mesmo que ele ainda não te-
nha cumprido com a sua parte no contrato. Não se deve pactuar esta cláusula na prática (mas é possível, sem que isso
seja considerado como abusivo).
Rescisão: a parte lesada pelo inadimplemento (não cumprimento) da obrigação pela outra parte pode pedir resci-
são do contrato, acrescido de perdas e danos.

Direito de Retenção

É a permissão concedida pela norma ao credor de conservar em seu poder coisa alheia, já que detém legitimamen-
te, além do momento em que deveria restituir, até o pagamento do que lhe é devido. Digamos que uma pessoa foi pos-
suidora de boa-fé de uma casa, durante quatro anos. Nesse tempo realizou benfeitorias necessárias. No entanto o ver-
dadeiro proprietário moveu uma ação de reintegração de posse e acabou ganhando a ação. O possuidor, embora esti-
vesse de boa-fé, perdeu a ação; deve sair do imóvel. No entanto, tem o direito de ser indenizado pelas benfeitorias ne-
cessárias que realizou no imóvel. Enquanto o possuidor não for indenizado pela benfeitoria necessária que realizou, ele
tem o direito de reter o imóvel até que seja ressarcido ou até o tempo calculado sobre o valor da benfeitoria.
Devem estar presentes os seguintes requisitos:
a) detenção da coisa alheia;
b) conservação dessa detenção;
c) crédito líquido, certo e exigível do retentor, em relação de conexidade com a coisa retida.
Esse direito está assegurado a todo possuidor de boa-fé que tem direito à indenização por benfeitorias necessárias
ou úteis (art. 1.219, CC).

Revisão dos Contratos – Resolução por Onerosidade Excessiva (art. 478/480, CC)

Em princípio os contratos devem ser cumpridos exatamente como foram estipulados (pacta sunt servanda). No en-
tanto, a obrigatoriedade das convenções não é absoluta. Admite-se, excepcionalmente, a revisão judicial dos contratos
de cumprimento a prazo ou em prestações sucessivas, quando uma das partes vem a ser prejudicada sensivelmente
por uma alteração imprevista da conjuntura econômica. A finalidade é restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro
entre os contratantes, lastreada na chamada Teoria da Imprevisão.

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Segundo essa teoria, somente permanece o vínculo obrigatório gerado pelo contrato enquanto ficar inalterado o es-
tado de fato vigente à época da estipulação. Se for alterado o estado de fato, permite-se também a alteração do contra-
to, ficando a parte liberada dos encargos originários, sendo que o contrato pode ser revisto ou rescindido. Esta cláusula
implícita é conhecida pela expressão rebus sic stantibus (“o mesmo estado das coisas”; “as coisas ficam como estão”;
“pelas coisas como se acham”).
Atualmente o instituto se encontra previsto nos arts. 478/480, do CC. Art. 478, CC: Nos contratos de execução conti-
nuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a
outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução (extinção) do
contrato.
Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Art. 479, CC: A resolução poderá ser evitada,
oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato. Para se tornar viável a extinção (ou revisão) do
contrato por onerosidade excessiva, o Juiz, em cada caso, sempre deve verificar a ocorrência dos seguintes elementos:
✓ vigência de um contrato comutativo (as prestações são conhecidas e equivalentes entre si).
✓ ocorrência de alteração das condições econômicas após a celebração do contrato.
✓ a alteração da situação foi imprevisível e extraordinária.
✓ onerosidade excessiva para uma das partes na execução do contrato nas condições originalmente estabeleci-
das.
Como regra, a resolução por onerosidade excessiva cabe nos contratos bilaterais (ou sinalagmáticos), como na
compra e venda. Porém o art. 480, CC dispõe que se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes,
poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade
excessiva.

Regras Aplicáveis aos Contratos Gratuitos

a) O Código Civil estabelece que os contratos gratuitos devem ser interpretados restritivamente.
b) Os contratos gratuitos, se reduzirem o alienante à condição de insolvência (passivo maior de ativo), são anulá-
veis pelos credores quirografários.

Arras ou Sinal (arts. 417/420, CC)

Arras ou Sinal é uma quantia em dinheiro ou outra coisa móvel, fungível (que pode ser substituída por outra igual),
entregue por um dos contratantes ao outro, como prova de conclusão do contrato (bilateral) e para assegurar o cum-
primento da obrigação. Configura-se como princípio de pagamento e garantia para o cumprimento do contrato. As arras
são dadas para significar que as partes chegaram a um acordo final.
Dadas as arras ou sinal, a questão que se põe é quanto à possibilidade de arrependimento. Como dissemos, mais
uma vez, um contrato foi feito para ser cumprido (pacta sunt servanda). Mas às vezes um contrato pode conter uma
cláusula de arrependimento. A questão assim se resume quanto ao arrependimento:

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DIREITO CIVIL

• Se o arrependimento não estiver previsto no contrato

Assina-se um contrato e este nada prevê sobre a possibilidade de arrependimento:


✓ as arras são chamadas de confirmatórias; é a regra em nosso direito; não havendo estipulação em contrário
as arras são confirmatórias. Isto porque a regra é de que o contrato deve ser cumprido da forma em que foi
elaborado.
✓ não é possível o arrependimento unilateral; o contrato torna-se obrigatório, fazendo lei entre as partes.
✓ as arras são uma forma de antecipar parte do pagamento do preço; o seu quantum será descontado do preço;
a quantia entregue é tida como adiantamento do preço.
✓ as arras determinam, previamente, as perdas e danos pelo não cumprimento das obrigações a que tem direito
o contraente que não deu causa ao inadimplemento. De acordo com o art. 418, CC, se a parte que deu as ar-
ras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as. Se a inexecução for de quem rece-
beu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito e exigir sua devolução mais o equivalente, com
atualização monetária, juros e honorários de advogado.
A parte inocente pode exigir uma indenização suplementar (as arras seriam o mínimo do valor). Mas como não há
possibilidade de arrependimento, pode a parte inocente optar por exigir a execução do contrato, mais perdas e danos,
valendo as arras como o mínimo da indenização.

• Se o arrependimento estiver previsto no contrato (art. 420, CC)

Assina-se um contrato e este prevê a possibilidade de arrependimento:


✓ as arras, neste caso, são chamadas de penitenciais, que é a sua função secundária (a primária seria a garan-
tia do cumprimento da obrigação), funcionando apenas como indenização (não se confunde com a multa). O
contrato é resolúvel (pode ser extinto), atenuando-lhe a força obrigatória. Trata-se de mais uma exceção ao
princípio da obrigatoriedade dos contratos.
✓ se quem deu as arras se arrepende do contrato, perde-as em benefício da outra parte.
✓ se quem se arrependeu foi a pessoa quem as recebeu, ficará obrigado a devolvê-las acrescido do equivalente
(em outras palavras: quem recebeu as arras deve devolvê-las em dobro).
✓ em nenhuma das hipóteses haverá indenização suplementar. Ou seja, se forem estipuladas as arras peniten-
ciais, não se pode cumular isso com nenhuma outra vantagem, mesmo que o prejuízo tenha sido superior que
o valor das arras. O contrato simplesmente se desfaz e perde-se o sinal ou o mesmo é devolvido em dobro.
Nada mais. Nada de perdas e danos, juros compensatórios, correção monetária, etc.
Arras X Cláusula Penal: A cláusula penal (ou multa contratual) é pactuada no contrato, mas somente será exigível
em caso de inadimplemento ou mora no cumprimento do contrato. Já as arras ou sinal são pagas por antecipação; é
um adiantamento do preço, para garantia do cumprimento do contrato.

ATENÇÃO
Súmula 412 do Supremo Tribunal Federal: “No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a
devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior a tí-
tulo de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo”.

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DIREITO CIVIL

Estipulação em Favor de Terceiro (arts. 433/438, CC)

Um dos princípios do contrato é que ele não pode prejudicar nem beneficiar a terceiros, atingindo apenas as partes
que nele intervieram (princípio da relatividade). No entanto esse princípio não é absoluto, podendo favorecer terceiros
(nunca criando obrigações ou prejudicando). Ex: A (estipulante) compra uma casa de B (promitente) para que este a
entregue para C (beneficiário). C não é parte do contrato, no entanto é o favorecido pelo mesmo.
Neste caso, tanto o que estipula a cláusula (estipulante) como o terceiro (beneficiário) tem o direito de exigir do
promitente o cumprimento da obrigação.

Vício Redibitório (arts. 441/446, CC)

Nos contratos bilaterais em que há a transferência da posse, uma parte deve garantir a outra que esta possa usu-
fruir o bem conforme sua natureza e destinação (contratos de compra e venda, locação, comodato, doação com encar-
gos, etc.) Assim, vícios redibitórios são falhas ou defeitos ocultos existentes na coisa alienada, objeto de contrato
comutativo, que a tornam imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminuem sensivelmente o valor, de tal modo que o
ato negocial não se realizaria se esses defeitos fossem conhecidos, dando ao adquirente direito para redibir (devolver a
coisa defeituosa) ou para obter abatimento no preço.
O alienante (o vendedor) é sempre o responsável, mesmo alegando que não conhecia o defeito (trata-se da res-
ponsabilidade objetiva = independente de culpa), exceto se o contrário estiver previsto no contrato.
Situações (art. 443, CC):
✓ Alienante sabia do defeito e tentou mascará-lo, agindo de má-fé: restituirá o valor que recebeu, acrescido
de perdas e danos (danos emergentes e eventuais lucros cessantes).
✓ Alienante não sabia do defeito: restituirá apenas o valor recebido, mais eventuais despesas do contrato (sem
perdas e danos).
Há responsabilidade do alienante mesmo que a coisa pereça na posse do adquirente, mas o vício oculto já existia
antes da tradição (art. 444, CC). Por outro lado não há responsabilidade do alienante se o adquirente sabia que a coisa
era defeituosa e mesmo assim quis recebê-la. Também não há responsabilidade se o vício se deu por causa posterior
à entrega.
O adquirente tem a sua disposição as seguintes ações (que os doutrinadores chamam de ações edilícias):
✓ Ação Redibitória: o adquirente rejeita a coisa defeituosa, rescindindo o contrato e reavendo o preço pago mais
o reembolso de despesas, e até as perdas e danos (no caso do alienante conhecer o vício, sendo necessária a
prova da má-fé do alienante).
✓ Ação Estimatória (também chamada de quanti minoris): o adquirente deseja conservar a coisa, reclamando o
abatimento proporcional do preço em que o defeito a depreciou (art. 442, CC). A opção de escolha é de quem
adquiriu a coisa.
Bem adquirido em hasta pública: não se pode redibir o contrato, nem pedir abatimento do preço. No entanto, se
a aquisição do bem for em um leilão de arte ou em uma exposição de animais, a responsabilidade subsiste.
Os contratos objeto do vício redibitório são os comutativos (ex: compra e venda) e os de doação com encargo (do-
ações em que o beneficiário, para receber o bem doado, assume algum ônus).

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Não caberá nenhuma reclamação se as partes pactuarem que o alienante não responde por eventuais vícios ocul-
tos. Neste caso o alienante já avisa que a coisa pode conter alguns defeitos. Ex: vendas de saldão em que se anunci-
am pequenos defeitos.
Decadência: Nos negócios regulados pelo Código Civil, o prazo de reclamação e propositura das ações acima cita-
das, contado da entrega efetiva (tradição), é de (art. 445, CC):
✓ 30 (trinta) dias → bens móveis.
✓ 01 (um) ano → bens imóveis.
✓ Se o comprador já estava na posse da coisa quando foi realizada a venda o prazo é reduzido pela metade (15
dias para móveis e 6 meses para imóveis).

OBSERVAÇÃO
Quando o vício só puder ser conhecido mais tarde, o prazo conta-se a partir do instante em que dele tiver ciência, até o
máximo de 180 dias, se tratar de móveis ou de 01 ano, se tratar de imóveis (aqui não se aplicam as hipóteses de redu-
ções de prazo).

Evicção (arts. 447/457, CC)

Como vimos, o alienante tem o dever de garantir ao adquirente a posse justa da coisa transmitida, defendendo-a
de eventuais pretensões de terceiros.
Por isso a lei a protege de eventual evicção. Evicção é a perda da propriedade de uma coisa para terceiro, em ra-
zão de ato jurídico anterior e em virtude de uma sentença judicial (evincere = ser vencido). A evicção supõe a perda to-
tal ou parcial da coisa, em mão do adquirente, por ordem do Juiz, que a defere a outrem.
Exemplo: A vende para B uma fazenda. Quando B toma posse do imóvel percebe que uma terceira pessoa (C) já
detém a posse daquele imóvel há muitos anos. B Tenta tirar C do imóvel. Mas este além de não sair ainda ingressa
com uma ação de usucapião. Caso C obtenha a sentença judicial de usucapião, B perderá o imóvel. Vejam: B pagou
pelo imóvel e o perdeu em uma ação judicial. Isto é a evicção. Na hipótese concreta, A fica obrigado a indenizar B.
Observem neste exemplo que:
✓ A → é o alienante, aquele que transferiu a coisa viciada, de forma onerosa. Em regra ele não tem conhecimen-
to de que coisa era litigiosa.
✓ B → é o evicto (adquirente ou evencido), aquele que perdeu a coisa adquirida, em virtude da sentença judicial.
✓ C → é o evictor (ou evencente), aquele que adquiriu a coisa porque ganhou a ação judicial.
Toda pessoa, ao transferir o domínio, a posse, ou o uso a terceiro, nos contratos onerosos, deve resguardar o ad-
quirente contra os riscos de evicção. Trata-se de uma obrigação de fazer, a cargo do alienante, que nasce com o pró-
prio contrato. Se ocorrer a evicção estamos diante de uma inexecução contratual.
O alienante, nos contratos onerosos (ex: compra e venda, troca e até nas doações com encargo), responde pelos
riscos da evicção, ainda que se tenha adquirido o bem em hasta pública (art. 447, 2ª parte, CC). A responsabilidade pe-
la evicção não precisa estar expressa no contrato, pois ela decorre da lei. Ou seja, se você compra uma casa e o con-
trato nada fala sobre a evicção, o vendedor (alienante) é o responsável pela evicção. No entanto, o contrato pode ter
uma previsão expressa sobre a evicção, reforçando a responsabilidade, atenuando ou agravando seus efeitos.

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Se o alienante colocar no contrato um item em que simplesmente ele não responde pela evicção, mesmo assim ele
responderá pela evicção, sendo que esta cláusula não terá validade. Isto porque apesar de constar no contrato que o
alienante não responde pela evicção, o adquirente (futuro evicto) não sabia do risco da evicção ou informado sobre ele,
não o assumiu. No entanto, neste caso, a responsabilidade do vendedor consistirá apenas na devolução do preço.
A responsabilidade pode até ser totalmente excluída, desde que tenha sido pactuada expressamente a cláusula de
exclusão e o adquirente foi informado sobre o risco da evicção (sabia do risco e o aceitou). Situações:
✓ Cláusula expressa de exclusão da garantia + ciência específica do risco pelo adquirente + assunção integral do
risco pelo adquirente = isenção do alienante de toda responsabilidade.
✓ Cláusula expressa de exclusão da garantia – ciência do risco pelo adquirente ou de ter assumido o risco = res-
ponsabilidade do alienante apenas pelo preço pago pela coisa evicta.
✓ Omissão da cláusula = responsabilidade total do alienante + perdas e danos.

• Direitos do Evicto

✓ Restituição integral do preço pago.


✓ Despesas com o contrato.
✓ Todos os prejuízos decorrentes da evicção (o evicto deve provar quais foram as perdas e danos).
✓ Indenização dos frutos que for obrigado a restituir.
✓ Obter o valor das benfeitorias necessárias e úteis que não lhe forem pagas pelo evictor.
✓ Custas judiciais, honorários advocatícios e demais despesas processuais.

A evicção pode ser total ou parcial. A parcial ocorre quando a perda é inferior a 100% do valor da coisa. Já o art.
455, CC fala em evicção parcial considerável e não-considerável. Mas não estabelece porcentagem para cada caso.
Portanto, tudo vai depender do bom senso do Juiz em um caso concreto.
A doutrina tem entendido como valor considerável aquele situado entre 50% a 99%. Neste caso o adquirente (evic-
to) pode rescindir o contrato, com todas as perdas e danos ou exigir a restituição do preço da parte evicta (valor do des-
falque). Evicção não-considerável situa-se entre 1% e 49% do valor da coisa, sendo que neste caso o evicto pode plei-
tear somente o valor do desfalque.
O adquirente deve, assim que for instaurado contra si o processo judicial, chamar o alienante para integrar o pro-
cesso (art. 456, CC). Trata-se de um instituto de Direito Processual Civil. É a chamada denunciação à lide. Ela é obriga-
tória para que o evicto (adquirente) possa ao menos ser reembolsado daquilo que pagou pela propriedade, sem rece-
ber a coisa. Se assim não proceder (não denunciar a lide) perderá os direitos decorrentes da evicção, não mais dispon-
do de ação direta para exercitá-los. A denunciação se justifica posto que o alienante precisa saber da pretensão do ter-
ceiro reivindicante, uma vez que irá suportar as consequências da decisão judicial.

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO CONTRATUAL

Há uma grande divergência doutrinária sobre as terminologias referentes aos modos extintivos dos contratos, pois
não há sistematização legal. Adotar-se-á o sistema da Maria Helena Diniz, mais cobrado em concursos.

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O adimplemento (também chamado de execução, cumprimento ou satisfação obrigacional) do contrato é o modo


normal de extinção de um contrato. O devedor executa a prestação e o credor atesta o cumprimento através da quita-
ção (prova de que houve o pagamento). Se a quitação não lhe for entregue ou se lhe for oferecida de forma irregular, o
devedor poderá reter o pagamento (sem que se configure a mora) ou efetuar a consignação em pagamento.
No entanto, um contrato pode ser extinto antes de seu cumprimento, ou no decurso deste. São as chamadas cau-
sas anteriores ou contemporâneas ao nascimento do contrato ou supervenientes à sua formação. Costuma-se dizer en-
tão que Rescisão é o gênero. As demais nomenclaturas seriam as espécies. Vejamos:

Causas Anteriores ou Contemporâneas

✓ Nulidades – trata-se da não-observância de normas jurídicas atinentes a seus requisitos subjetivos, objetivos e
formais (capacidade, objeto, consentimento, forma, etc.). Ex: se uma pessoa menor de 16 anos realiza um contrato,
ou este tem por objeto algo ilícito, temos a nulidade do contrato (arts. 166 e 167, CC).
✓ Arrependimento – previsto no próprio contrato, quando os contraentes estipulam que o contrato será rescindido,
mediante declaração unilateral de vontade, se qualquer deles se arrepender.

Causas Supervenientes

✓ Resolução por inexecução voluntária: a prestação não é cumprida por culpa do devedor. Sujeita o inadimplente
ao ressarcimento por todas as perdas e danos materiais e morais.
✓ Resolução por inexecução involuntária: a prestação não é cumprida, sem que haja culpa do devedor, nos casos
de força maior ou caso fortuito. Não há indenização por perdas e danos; tudo volta como era antes; se houve qual-
quer tipo de pagamento, a quantia deve ser devolvida.
✓ Resolução por onerosidade excessiva: evento extraordinário e imprevisível, que impossibilita ou dificulta extre-
mamente o adimplemento o contrato. Trata-se da aplicação da Teoria da Imprevisão (cláusula rebus sic stantibus).
Provadas as condições pode haver a rescisão contratual ou a revisão das prestações. Têm-se entendido que, em
atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, deve-se conduzir, sempre que possível, à revisão dos
contratos e não à resolução. O art. 478, CC trata da resolução do contrato. O art. 479, CC trata da revisão por
acordo entre as partes. Já o art. 480, CC trata da revisão por decisão judicial.
✓ Resilição bilateral ou distrato: trata-se de um novo contrato em que ambas as partes, de forma consensual,
acordam pôr fim ao contrato anterior que firmaram. O distrato submete-se às mesmas normas e formas relativas ao
contrato, conforme o art. 472, CC.
✓ Resilição unilateral: há contratos que admitem dissolução pela simples declaração de vontade de uma das partes
(também chamada de denúncia vazia). Só ocorre excepcionalmente. Os exemplos clássicos ocorrem no mandato,
no comodato e no depósito. Assume a feição de resgate, renúncia ou revogação. Quem revoga é o mandante, co-
modante ou depositante. Quem renuncia é o mandatário, comodatário ou depositário.
✓ Morte de um dos contraentes: como regra, morrendo um dos contratantes, a obrigação se transmite aos seus
herdeiros, até o limite das forças da herança. No entanto, nas obrigações personalíssimas (intuitu personae) a mor-
te é causa extintiva do vínculo. Digamos que eu tenha contratado uma pessoa famosa para pintar um mural. Mor-
rendo esta pessoa, a obrigação não se transmite a seus herdeiros. Neste caso, o contrato se extingue de pleno di-
reito.

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DIREITO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL

OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará -lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei,
ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem.

Em, porém, acontecendo tal lesão - descumprindo-se a obrigação primária de não lesar ao próximo - há de se falar
na cogente e sucessiva incidência da obrigação secundária e cogente de indenizar. Sendo esse o mecanismo da res-
ponsabilidade civil. Logo, responsabilizar é imputar ao lesado às consequências legais do seu comportamento danoso,
com a obrigação de indenizar.
É comum a ligação dos conceitos de responsabilidade civil e ato ilícito como se fossem indissociáveis. Todavia, não o
são. Com efeito, malgrado o caput do artigo em análise abordar o dever de indenizar como decorrente do ato ilícito, há hi-
póteses legislativas nas quais fala-se em indenização mesmo diante de uma conduta lícita. Exemplifica-se como a desa-
propriação estatal, indenização por passagem forçada (art. 1285 do CC) e as obrigações de indenizar quando terceiros
inocentes são atingidos no exercício da legítima defesa e do estado de necessidade (CC, arts. 929 e 930).
Assim, em uma análise mais ampla da responsabilidade civil, pode-se dizer que ela é a ciência de reparação e/ou
prevenção dos danos. Isso, porém, não afasta a noção segundo a qual a principal função da responsabilidade civil é a
compensatória. Leia-se: principal, porém não exclusiva.
Demais disto, nem sempre a consequência de uma responsabilização civil é a indenização. Há condutas vedadas
na norma codificada cuja incidência gera sanção diversa. A título ilustrativo, o abuso no exercício do Poder Familiar,
com castigos imoderados, tem como consequência a suspensão ou destituição do Poder Familiar, na esteira dos arti-
gos 1.637 e 1.638 do Código Civil.
O campo de atuação da Responsabilidade Civil é cada vez mais amplo e diversificado, abrangendo o público e o
privado, dividindo-se em várias searas, como aéreo, terrestre, individual, coletivo, ambiental... Por conta disso, muitas
vezes a normatização relativa ao assunto ainda é incipiente, havendo o operador do direito de lançar mão da intitulada
lógica do razoável.
Hodiernamente, para que haja responsabilidade civil demanda-se a presença de elementos gerais: conduta huma-
na, dano ou prejuízo e nexo de causalidade. Ademais, a par desses elementos, na regra geral a responsabilização civil
exige, ainda, a presença da culpa (responsabilidade civil subjetiva). Tal culpa é lato sensu, sendo possível verificar-se
no dolo ou na nominada culpa stricto sensu (imprudência, negligência e imperícia).
Fato, porém, que ao lado da regra geral, o legislador civilista disciplina casuísticas de responsabilidade civil objeti-
va, nas quais não se exige a culpa, mas persiste a necessidade da conduta humana, do dano ou prejuízo e do nexo de
causalidade.
O parágrafo único do artigo em comento enuncia algumas hipóteses de responsabilidade civil objetiva. Registra-se

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DIREITO CIVIL

que náo são casuísticas exclusivas de objetivação, pois há outras previstas no Código Civil, como objetivação por abu-
so de direito (art. 187 do CC), na circulação de produtos pelos empresários individuais e empresas (art. 931 do CC) e
na responsabilidade civil indireta (art. 932 e ss.).
No parágrafo do artigo em análise, porém, há notícia sobre a responsabilização sem culpa (objetiva) quando hou-
ver previsão em leis especiais e quando verificada a atividade de risco. Sobre isto que se passará a aprofundar.

Previsão em Leis Especiais (“casos especificados em lei”)

Enumeram-se como principais hipóteses que aparecem em provas concursais sobre responsabilidade civil objetiva
por previsão em leis especiais:
▪ Responsabilidade civil do transportador (art. 734, CC);
▪ Responsabilidade civil do estado (art. 37, § 6°, CF);
▪ Responsabilidade Ambiental (Lei 6938/81, art. 14);
▪ Responsabilidade por Dano Nuclear (art. 21, XXIII, CF);
▪ Responsabilidade civil nas Relações de Consumo (art. 12 e ss. do CDC);
Interessante observar que tais responsabilizações objetivas por previsão em leis específicas possuem como motivo
justificador a nominada teoria do risco. Deve-se entender pela teoria do risco, oriunda da doutrina francesa, que aquele
que pratica atos perigosos, com probabilidade de dano, deve assumir o risco e reparar o dano decorrente.
O risco admite várias modalidades, podendo ser proveito, profissional, excepcional, criado...
Todavia, importante para a hora da prova recordar-se que há alguns riscos denominados de integrais e outros não
integrais. Quando fala-se na teoria do risco integral, o caso fortuito e a força maior não excluem o dever de indenizar.
São exemplos de responsabilidade civil com risco integral a ambiental e por dano nuclear. Já o risco não integral traduz
naquele que possibilita a arguição das excludentes do caso fortuito e da força maior, como ocorre no CDC, contrato de
transporte, responsabilidade civil do estado...
Sistematizando o dito, destaca-se o seguinte esquema para que se diferenciem situações de adoção da teoria do
risco integral:

Adoção da teoria do risco integral (em que o caso for- Sem adoção da teoria do risco integral (caso fortuito e
tuito e a força maior não eliminam a responsabilidade) força maior servem de excludentes de responsabilidade)
▪ Dano ambiental (art. 14 da Lei 6.938/81) ▪ Dano ao consumidor (arts. 12 e 18 do CDC)
▪ Dano causado pela Administração Pública (art. 37, §
▪ Dano nuclear (art. 21, XXIII, d, da CF/88)
6º, CF/88)
▪ Perda ou deterioração da coisa pelo possuidor de má- ▪ Responsabilidade do transportador (arts. 732 a 734
fé (arts. 1.216 e 1.217 do CC/02) do CC/02)
▪ Responsabilidade do comodatário em mora (art. 582,
▪ Risco do desenvolvimento (Art. 931, CC/02)
CC/02)

Todavia, mesmo no risco não integral, a doutrina e a jurisprudência vêm trazendo mitigações, como a distinção, em
contrato de transporte, do fortuito interno e do externo.
Fortuito interno trata-se de acontecimento imprevisível e extraordinário, causador de dano e que incide no processo
de fabricação do produto ou no momento da realização do serviço. Relaciona-se à própria atividade desenvolvida. Ex.

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em contrato de transporte: quebra da barra de direção, mal súbito do motorista, pneu furado. Esse fortuito não exclui a
responsabilidade civil da transportadora (Enunciado 443 do CJF).
Já o fortuito externo consiste no acontecimento imprevisível e extraordinário, causador de um dano, porém exterior
à elaboração do produto ou realização do serviço. Ex. em contrato de transporte: queda de barreira em estrada. Esse
exclui a responsabilidade civil da transportadora.

Por Atividade de Risco (“quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, riscos para o direito de outrem”).

Infere-se uma responsabilidade civil ope iudices, ao passo que o magistrado, no momento da valoração do fato,
haverá de verificar se a atividade desenvolvida-pelo autor do dano implica, ou não, por sua natureza, risco para os di-
reitos de outrem. Em sendo positiva a resposta, impõe-se objetivação da responsabilidade por decisão judicial.
Por atividade de risco não se pode entender a prática de um ato isolado, mas sim de uma série contínua e coorde-
nada de atos que impliquem em um risco para o lesado maior do que o usual (Enunciado 38 do CJF). Para que se con-
figure a atividade de risco não se exige, afirma a doutrina, defeito ou risco essencial da atividade, mas apenas que no
exercício da dita atividade haja risco especial e diferenciado aos direitos de outrem, O risco será avaliado segundo es-
tatísticas, prova técnica e máximas de experiência (Enunciado 448 do CJF).
Infere-se mais um conceito vago ou indeterminado codificado, cabendo ao operador do direito, no caso concreto,
determiná-lo.
Para os dedicados à provas que envolvam, fortemente, o tema responsabilidade civil do Estado, cuidado! O Su-
premo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça divergem sobre a possibilidade de acionar, separadamente, o
agente que casou o resultado danoso e o Estado.
Primeiramente, percebe-se que a responsabilidade do ente estatal é objetiva, enquanto a responsabilidade do
agente é subjetiva. Uma vez demonstrada a culpa deste (agente), responsável será o Estado, objetivamente. Acionan-
do-se diretamente o Estado, contudo, torna-se necessário demonstrar apenas o nexo causal, como bem se vê no STJ
— AgRg no AREsp 403236. Esta situação, porém, desencadeia uma dúvida: seria possível ingressar diretamente con-
tra o agente ou apenas contra o Estado?
O STF se posiciona pelo impossibilidade de ação em apartado em face do funcionário, devendo a vítima acionar o
Estado e este, regressivamente, agir em face do funcionário. Reconhece o Supremo, assim, a existência de um sistema
de dupla garantia em tema de responsabilidade civil estatal. No RE 327904/SP, de relatoria do Min. Carlos Britto e pu-
blicado em 15.8.2006, afirmou-se: “concluiu-se que o mencionado art. 37, § 6°, da CF, consagra dupla garantia: uma
em favor do particular, possibilitando-lhe açáo indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público ou de direito pri-
vado que preste serviço público; outra, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente
perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional pertencer.” Nega, assim, o STF a possibilidade de reconhecimento de
responsabilidade per saltum da pessoa do agente público.
O STJ posicionava-se no mesmo sentido, como bem ilustra o REsp 976730, de 2008, da primeira Turma, de relato-
ria do Min. Luiz Fux, que reconheceu a dupla garantia. Contudo, em recente decisão da Quarta Turma, o STJ reconhe-
ceu, seguindo posicionamento doutrinário majoritário, que “há de se franquear ao particular a possibilidade de ajuizar a
ação diretamente contra o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra ambos, se assim desejar. A
avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o servidor público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto le-
sado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não
se sujeita ao regime de precatórios.” (STJ, REsp 1325862 / PR).

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DIREITO CIVIL

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação
de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário
o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Responsabilidade dos incapazes

A regra geral é que responderá pelo ato dos incapazes os seus responsáveis (vide comentários do art. 932 do Có-
digo Civil). Excepcionalmente, porém, é possível, segundo a dicçáo do artigo em análise, a responsabilidade civil direta
do incapaz, desde que de forma subsidiária, condicional e equitativa, pois:
a) Subsidiária: Apenas incidirá caso os responsáveis não tenham meios para ressarcir (leia-se: valores) ou não te-
nham obrigação de fazê-lo. Pergunta-se: quando se configuram tais hipóteses?
Exemplo usual de prova de concurso sobre ausência de meios diz respeito ao incapaz que recebeu grande heran-
ça de pais pré-mortos, tendo um tutor de poucas posses. Nesse cenário, averiguando-se a prática de um ilícito civil por
parte do incapaz, tem-se como possível a sua direta responsabilização.
Observa-se a ausência de obrigação em reparar pelos responsáveis quando da incidência do art. 116 do ECA, o
qual afirma que no ato infracional, com reflexos patrimoniais, praticado por adolescente (entre 12 e 18 anos), o juiz po-
derá ordenar a responsabilização direta do menor.
b) Condicional e Equitativa: A responsabilização do incapaz não poderá afetar o seu patrimônio mínimo, nem
atingir as pessoas que dependam dele para a sua sobrevivência.
A ideia de equidade indenizatória, segundo o CJF (Enunciado 39), deve se impor a todas as modalidades de res-
ponsabilidade civil, consoante a proteção do valor-fonte da dignidade da pessoa humana.
Registra-se que há uma hipótese no ordenamento jurídico nacional em que o menor de 18 (dezoito) anos de idade
poderá ser diretamente responsabilizado pelos seus atos na vida civil: a emancipação.
Entrementes, é interessante pontuar o posicionamento jurisprudencial (REsp 122.573/PR) e doutrinário (CJF,
Enunciado 41) segundo o qual a emancipação voluntária não é capaz de retirar a responsabilidade civil dos pais, ha-
vendo na hipótese solidariedade entre os pais e o emancipado. Com efeito, caso emancipar voluntariamente fosse si-
nônimo de responsabilização civil apenas do emancipado, a emancipação poderia acabar por servir como mecanismo
de fuga da responsabilidade parental (vide comentários do art. 50 do CC).
Por fim, a inclusão do artigo ora comentado referenda a mudança da ótica da responsabilidade civil: antes, fundada
em filtrar e dificultar a responsabilização e, diuturnamente, baseada na reparação do dano e equilíbrio social. Assim,
prefere o legislador mitigar a inimputabilidade decorrente da incapacidade e responsabilizar, do que deixar danos sem
reparações diante da imputabilidade.

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, as-
sistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Configuração do ilícito. Conforme comentado no art. 188, II, os atos praticados em estado de necessidade não
configuram ilícito. Todavia, a responsabilidade civil nem sempre decorre do ilícito, em vista do dever geral de não lesar
e de reparação (vide comentários do art. 927).

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Nessa esteira de pensamento, a lesão a patrimônio de terceiro inocente (não culpado do perigo) no exercício regu-
lar do direito há como consequência a reparação, na forma do artigo em comento.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano
ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I).

Culpa de terceiro

Como visto nos comentários do art. 929, a reparação impõe-se quando da lesão de direito de terceiro inocente,
ainda que no exercício de estado de necessidade (art. 188, II do CC).
Ora, a reparação será devida por aquele que praticou a conduta. Este, porém, não é o real responsável pelo dano,
pois, lembre-se, estaria agindo em estado de necessidade. Logo, possibilita o artigo 930 do CC a busca, por parte do
real causador do dano, do ressarcimento de seus gastos, como de direito.
O parágrafo único estende essa faculdade aos atos praticados em legítima defesa, sendo devido, principalmente,
quando verificado o excesso culposo.

Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem in-
dependentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em ci rculação.

Fato do produto

Enuncia o Código Civil hipótese de fato do produto (observe que o artigo não fala em serviço), asseverando res-
ponsabilidade objetiva dos empresários individuais e da empresa em virtude dos danos causados pelos produtos pos-
tos em circulação.
O artigo é desprovido de melhor técnica, pois, diferentemente do CDC (art. 12), não afirma a responsabilidade do
fornecedor por atos derivados do produto defeituoso, mas sim pela mera circulação. O que fazer, portanto, com aqueles
produtos cujo uso normal já é arriscado, a exemplo de facas, tesouras e fogos de artifício?
Demais disso, o Código Civil não estabeleceu a excludente de responsabilidades civis na hipótese, o que poderia
levar ao indevido raciocínio de que o artigo elencaria uma responsabilidade civil por risco integral. Não é hipótese de
responsabilidade civil por risco integral.
Outrossim, em vista da norma especial (CDC) que regula a responsabilidade civil nas relações de consumo, enten-
dendo-se o consumidor como destinatário final do produto, acaba a incidência do artigo em análise apenas subsumin-
do-se às hipótese de relações entre empresas, quando da compra de insumos para as atividades comerciais. Consagra
o artigo, portanto, a responsabilidade civil objetiva entre fornecedores ou empresas.
Por fim, há tentativa de ampliar o artigo em comento para englobar o que vem sendo denominado de responsabili-
dade civil pelo risco do desenvolvimento, com a posterior descoberta de que produtos, hoje autorizados, são capazes
de gerar danos futuros, por acumulação, a exemplo de celulares e transgênicos (Enunciado 43 do CJF).

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Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:


I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes compe-
tir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de
educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Responsabilidade civil indireta ou complexa.

O artigo em apreço veicula hipóteses taxativas nas quais há responsabilidade civil indireta ou complexa — pois por
ato de terceiro - e objetiva - leia-se: independentemente de culpa (vide artigo 933 do CC).
Há, portanto, extensão da responsabilidade sobre o ato praticado pelo terceiro, respondendo outrem que possui,
com o terceiro infrator, relação jurídica.
Observa-se que o ato do terceiro, pelo qual se responde, há de ser culposo; sendo, porém, a responsabilidade civil
do garantidor, objetiva. Leia-se: o menor pratica um ato culposo e os pais, que possuem o menor em sua autoridade e
companhia, respondem objetivamente por tal conduta. Justo por isso, apenas haverá responsabilidade civil dos pais
caso o ato praticado pelo menor, se este fosse imputável, fosse capaz de ocasionar sua responsabilidade (Enunciado
590 do CJF).
O rol é orientado no sentido da reparação do dano. Assim, não mais há busca pelas modalidades de culpa (in vigi-
ando, in elegendo ou in contrahendo...), nem há de falar-se na culpa presumida ou em inversão de ônus da prova. Su-
pera, no particular, o Código Civil atual, a presunção de culpa (Enunciado 451 do CJF).
Como o caput do artigo enuncia a expressão “também responsáveis”, há solidariedade no vínculo daqueles enun-
ciados, sendo essa expressão corriqueira em provas concursais.
O futuro aprovado dever ter conhecimento do rol, sendo esse devidamente internalizado, pois não são poucas as
questões cobrando, exatamente a redação dos incisos.
Em relação ao inciso I, atentar-se que a obrigação de indenizar dos responsáveis apenas ocorrerá acaso haja auto-
ridade e companhia. Todavia, o STJ vem entendendo reiteradamente que mesmo aquele que não possui a guarda do
menor, continua com a responsabilidade solidária, por conta do poder familiar, salvo se comprovar que não concorreu
com nenhuma culpa ao evento danoso. Nessa senda, havendo culpa exclusiva de um dos genitores, ambos responde-
rão solidariamente pelo ato do menor, tendo, porém, o genitor inocente, ação regressiva em face do culpado exclusi-
vamente (Enunciado 450 do CJF).
Já no inciso III, entenda por comitente expressão que subsume-se a quaisquer vínculos de trabalho decorrente de
contrato, sendo bastante genérica. Engloba, então, empregados, prestadores, temporários...

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, res-
ponderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

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Responsabilidade indireta e objetiva.

Hodiernamente, por opção legislativa, o rol do artigo 932 supra regula hipóteses de responsabilidade civil indireta
(ou complexa) e objetiva. Logo, o futuro aprovado não há de procurar na hora da prova comprovação da culpa lato sen-
su (seja através do dolo ou mediante negligência, imprudência ou imperícia), nem presunções de culpa e muito menos
modalidades específicas, como a culpa in vigilando, in eligendo e in contrabendo.
A busca, mais uma vez, não é de filtrar a responsabilidade civil, mas sim de reparar o dano.
Nessa linha de raciocínio, atentar-se que a súmula 341 do STF, a qual trazia presunção de culpa do patrão ou co-
mitente por atos culposos de seus empregados ou prepostos, caducou, sendo ineficaz face à novel redação do art. 933
em comento.

Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou,
salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.

Possibilidade do regresso.

Em trazendo o art. 932 do Código Civil responsabilidade civil pelo ato de outra pessoa, nada mais justo que esse
mesmo Código possibilite ao terceiro, responsabilizado indiretamente, a possibilidade de regresso, ou seja: busca do
ressarcimento dos valores pagos em face do real causador do dano.
Tal direito de regresso, porém, encontra uma exceção: não se aplica se o causador do dano for descendente, abso-
luta ou relativamente incapaz, daquele que foi responsabilizado. Imperioso ressaltar, todavia, que a ação em regresso é
pautada na responsabilidade subjetiva, havendo de comprovar-se a culpa daquele que lesou para a devida reparação
do dano.

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do
fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Independência das esferas civis e criminais.

Hodiernamente vige a noção de independência entre as instâncias civil e penal. Isso porque há, em tais instâncias,
tutelas a diferentes bens. A escolha da seara que deverá tutelar um determinado bem jurídico pauta-se, decerto, na re-
levância deste bem socialmente (valor social), o que acaba gerando níveis diversos de intervenção.
O direito penal possui intervenção mais severa, podendo, por vezes, retirar a liberdade de alguém (pena de reclu-
são), obviamente respeitado o devido processo legal. Isso porque tutela o direito penal bens socialmente mais relevan-
tes, a exemplo do direito à vida.
De seu turno, a intervenção civilista é mais branda, pois a sua tutela reside sobre bens jurídicos não tão sensíveis.
Afirma-se, por conseguinte, que o ilícito civil é minus ou residum em relação ao penal, conferindo-se a este a guar-
da dos bens socialmente mais relevantes.
Em virtude da independência, um mesmo fato pode gerar um ilícito civil e penal, concomitantemente, como um
atropelamento que venha a vitimar alguém: homicídio culposo ou doloso e reparação civil. Não há de falar-se em bis in
idem na hipótese, ao passo que são intervenções diferenciadas, apesar de decorrentes da mesma conduta.

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Demais disto, é possível que um mesmo fato gere responsabilidade na esfera civil, mas não na seara penal, como,
por exemplo, os pais de uma criança que mata outrem com arma de fogo e depois vêm a retirar a própria vida.
Quanto à criança, não há que se falar em responsabilidade penal, haja vista ela ser inimputável, bem como ter fale-
cido (princípio da intranscendência). Já quanto aos pais, não responderão criminal- mente, visto que a responsabilidade
penal tem caráter pessoal. Contudo, nos moldes do art. 932 e 948, ambos do Código Civil, poderão os pais ser respon-
sabilizados, indenizando os herdeiros do falecido.
Entrementes, malgrado a supracitada independência de instâncias, há duas hipóteses em que a anterior decisão
no juízo penal tem efeitos na esfera cível, quais sejam: negativa da autoria e ausência da materialidade. Justo por isso,
o ideal não é falar-se em uma independência absoluta de instâncias, mas sim relativa.
Porquanto tal relativização, afirma o art. 200 do CC a suspensão da prescrição da pretensão cível enquanto não
transitado em julgado a decisão de fato que deve, originariamente, ser apurado no juízo criminal. Além disso, sufraga o
art. 265 do CPC (art. 313, 4, CPC) a possibilidade de suspensão do processo cível em curso, pelo prazo máximo de um
ano, para espera da decisão penal. Tudo isso com o escopo de evitar decisões não harmônicas (conflitantes).
Por fim, atentar para o entendimento do STF segundo o qual o MP ainda é parte legitimada para propor ação civil
ex delito nas comarcas nas quais inexista defensoria pública. Trata-se o que vem sendo denominado na doutrina de in-
constitucionalidade progressiva, pois tal assertiva torna-se inconstitucional a cada instalação das defensorias públicas.

Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força
maior.

Responsabilidade pelo animal.

Com base nos estudos oriundos do direito romano, devidamente aprofundados pela doutrina francesa da guarda,
trata o vigente Código Civil no artigo em apreço dos danos causados por animais, imputando responsabilidade objetiva
ao dono do animal ou seu detentor. E a denominada responsabilidade civil por fato de animais.
Com efeito, aquele que detêm o animal, ou o seu dono, possui o poder de comando sobre o mesmo, titularizando,
portanto, a obrigação de não lesar por parte do seu animal, O descumprimento imputa ao dono ou detentor responsabi-
lidade de fundo objetivo, sendo apenas possíveis arguição da excludente da culpa exclusiva da vítima ou força maior
(responsabilidade objetiva por risco não integral).
Vencido, portanto, o sistema legislativo anterior pautado na presunção de culpa, especificamente por violação na
culpa in vigilando. Por isso, na hora da prova, nada de procurar culpa ou presunções desta, mas sim se lembrar qu e no
sistema atual a hipótese é de responsabilização objetiva.
Recorda-se, ainda, que acaso o detentor seja empregado do proprietário, a responsabilidade continuará sendo ob-
jetiva, mas recairá sobre o último, por conta do comentado no art. 932 supra. Já na hipótese de vários animais, de dife-
rentes proprietários, perpetrarem o dano, há de falar-se em responsabilidade solidária entre os proprietários, cabendo a
cada um, individualmente, afastar a responsabilização comprovando que seu animal não participou do fato.

Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta
de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

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Responsabilidade civil por fato das coisas.

Regula o artigo a intitulada responsabilidade civil por fato das coisas. A denominação não é das mais técnicas, pois
o dano, em verdade, não é causado pelo fato da coisa (essa é inanimada), mas sim pela sua equivocada utilização.
Melhor seria, portanto, a denominação responsabilidade civil pela guarda das coisas inanimadas.
Trata-se, assim como o artigo anterior, de mais uma modalidade de responsabilidade civil pautada na teoria da
guarda. Assim, aquele que possui a guarda da coisa há de responder pelos danos causados por ela, pois o dever de
não lesar é do titular da propriedade da coisa.
Lembra-se: o responsável é o proprietário, não é o locatário, comodatário, possuidor ou detentor. A construção ga-
nha em lógica ao pensar que é o proprietário o responsável pelas benfeitorias necessárias. Decerto, ao falar-se em ruí-
na, fala-se em estrutura, logo, em responsabilidade do proprietário.

Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou fo-
rem lançadas em lugar indevido.

Responsabilidade dos coabitantes do prédio

A origem histórica, por vezes questionada em provas concursais, é a effusum et deiectum romana, a qual possuía
contornos parecidos com a redação do artigo atual. Observe que diferentemente da ruína, em havendo queda ou lan-
çamento, a responsabilidade civil será de quem habitar, e não do proprietário. Aqui se pode falar na responsabilidade
civil do locatário, comodatário, possuidor...
A responsabilidade em questão é objetiva, e a ação é denominada de effissis et dejectis, sendo mais uma aplica-
ção atual da teoria francesa da guarda.
O STJ (e a VI Jornada de Direito Civil — enunciado 557), com base na noção de causalidade alternativa, vem reite-
radamente pontuando que quando a queda ocorrer em condomínio vertical e for impossível identificar o apartamento do
qual veio o objeto, a responsabilidade deve recair sobre todos os condôminos, salvo se for possível identificar o bloco
do qual adveio o objeto, quando a responsabilidade será de todos os moradores do respectivo bloco, excluído os habi-
tantes da ala da qual é impossível ter havido a queda do objeto que gerou o dano.

Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará
obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a
pagar as custas em dobro.

Responsabilidade por cobrança antes do pactuado.

Atente-se que a norma em comento não pode ser aplicada em cobranças efetuadas na seara extrajudicial e caso
haja configurado uma das hipóteses de vencimento antecipado da dívida (vide comentários do art. 333 do CC).
Outrossim, infere-se que o artigo em comento já veicula, de forma prévia, a fixação do dano gerado pelo conduta
do credor, permitindo-se, porém, a cobrança de valores por perdas e danos, desde que devidamente comprovado.
Para a maioria da doutrina, a responsabilização em comento apenas haverá de ser imputada caso haja má-fé do
credor, sendo, por conseguinte, hipótese de responsabilidade subjetiva. O posicionamento, porém, não é pacífico.

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Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pe-
dir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no
segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Responsabilidade pela demanda de dívida já paga.

Também aqui, malgrado o silêncio do artigo, vem se entendendo pela necessidade de má-fé do credor, configuran-
do-se uma responsabilidade civil subjetiva. Na mesma linha a súmula 159 do STF.
Mais uma vez, recorda-se que o artigo em comento apenas tem incidência nas cobranças judiciais. Na seara extra-
judicial, porém, torna-se possível a incidência do art. 42 do CDC, o qual pontua a possibilidade de cobrança em dobro,
mais juros legais e correção monetária.
Ademais, nada impendem ainda as sanções decorrentes da má-fé, segundo o CPC (arts. 79 e as do CPC)

Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada
a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.

Permissão da desistência ante da contestação

De forma atenta à normatização do CPC, que permite a desistência da ação ainda não contestada, é possível aqui
a inaplicabilidade das sanções capituladas caso haja a desistência da ação ainda não contestada, ressalvado ao réu di-
reito à indenização, desde que comprove a ocorrência dos danos.
Em analogia, seria o arrependimento eficaz do direito penal aplicado à repetição do indébito.

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano
causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

Responsabilidade patrimonial

Fixando a regra de que a atribuição do direito do credor, inclusive na responsabilidade civil, se dá sobre o patrimô-
nio do devedor, dispõe o legislador, no art. 942, caput, primeira parte do Código Civil, que “os bens do responsável pela
ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado “. Importante complementar a
norma com o dispositivo do Código de Processo Civil de 2015, contido em seu art. 789, que dispõe que “o devedor res-
ponde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e flauros, salvo as restrições esta-
belecidas em lei “. As restrições contêm-se nas impenhorabilidades legais.
Na forma da segunda parte do caput do art. 942 do C6Jigo Civil, “se a ofensa tiver mais de um autor todos respon-
derão solidariamente pela reparação. “Ainda, o parágrafo único do art. 942 dispõe que “são solidariamente responsá-
veis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932 “. Consagra-se, assim, o princípio da solidarie-
dade dos autores da ofensa pela obrigação de indenizar.
A respeito desse dispositivo, é necessário esclarecer que a solidariedade nele prevista obrigará o coautor ou cúm-
plice quando se verificar que a conduta deste se amolda ao mesmo critério acarretador da responsabilidade civil do
principal causador do dano. Vale dizer: se o causador do dano responde por culpa (responsabilidade subjetiva), a con-

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duta do coautor também deverá ser culposa; se responde sem culpa (responsabilidade objetiva), a conduta do cúmplice
não necessitará ser acrescida do elemento subjetivo (culpa ou dolo).
Em interessante julgado sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça considerou que, em caso de infidelidade con-
jugal, da qual resultou a enganação do cônjuge inclusive sobre a paternidade de filho por ele registrado, a responsabili-
dade civil do cúmplice dependerá de ato ilícito (leia-se: culpa), já que a responsabilidade do cônjuge adúltero também é
subjetiva, ou seja, derivada da culpa.

Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.

Transmissibilidade do direito à reparação

O artigo em comento deixa claro a transmissibilidade do direito à reparação e da obrigação de indenizar, ressaltan-
do, destarte, o caráter impessoal (não personalíssimo). A doutrina majoritária, bem como a jurisprudência, afirma a
aplicação dessa norma ainda que na casuística do dano moral.
Digno de nota a aplicação do artigo 1.792 ao artigo 943 do CC, não havendo transmissão da obrigação de indeni-
zar além das forças da herança. Isto porque pelas dívidas do morto, segundo o paradigma da responsabilidade patri-
monial, responde o seu próprio patrimônio.

INDENIZAÇÃO

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.


Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eq ui-
tativamente, a indenização.

A indenização. O artigo em questão traz no seu bojo a nominado princípio da reparação integral (restitutio in inte-
grum) ou princípio do imperador, segundo o qual a indenização mede-se exatamente pela extensão do dano. Assim, a
priori, não se preocupa o direito civil com a intenção, mas sim com a recomposição do status quo ante.
Com efeito, tal indenização será fixada segundo a teoria alemã da diferença, ou seja: faz-se um cálculo matemático
entre a situação hipotética atual e a situação real do lesado, indenizando-se a diferença. Entenda por tornar indemne o
lesado colocar a vítima na situação que estaria acaso não houvesse ocorrido o dano; leia-se: status quo ante.
Justo por isso, a reparação é integral. Indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo resto, pois essa não
será integralmente reparada e, para retornar ao status quo ante, desembolsará valores.
A equação, aparentemente simples no dano material, torna-se tormentosa no dano moral, pois é difícil precisar,
com exatidão, qual a extensão danosa. Justo por isso que os pretórios nacionais recorrem, para os danos morais, à te-
oria do arbitramento judicial.
Pergunta-se: como fica, então, o caráter pedagógico (punitivo) da indenização (punitive damages)?
Sob uma análise do texto frio da norma, não há de falar-se no mesmo, pois ao se trazer a tese do caráter punitivo,
possibilita-se indenização além da extensão do dano, o que, a princípio, não se liga ao comando legislativo em apreço.
Entrementes, forte é a doutrina defensora do caráter punitivo, sendo esse possibilitado pelo CJF no seu enunciado

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379, visando, além da reparação da vítima, educação do ofensor, principalmente àqueles que são contumazes, como
concessionárias de serviços públicos.
O ideal do punitive damages ganha terreno mais fecundo nos danos morais, pois aqui, como já mencionado, é difi-
cultosa a aplicação da teoria da diferença, sendo possível ao magistrado fixar, além do montante ressarcitório, um mon-
tante pelo desestímulo.
O futuro aprovado deve ainda ficar atento à redação do parágrafo único, alvo reiterado de provas concursais. Traz
o aludido dispositivo exceção (Enunciado 46 do CJF) ao paradigma da reparação integral, desde que verificado pelo ju-
iz manifesta desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. Nesse contexto, será possível a equitativa redução do
montante indenizatório.
Aplica-se a norma, portanto, quando há culpa mínima e dano máximo. Exemplifica-se com o cidadão que descarta um
pequena ponta de cigarro e, sem intenção, causa um dano de enormes proporções. O grau de culpa do ofensor ou sua
eventual intenção devem ser consideradas pelo magistrado na eventual redução proporcional (Enunciado 457 do CJF).
Pergunta-se: e se o dano for mínimo e a culpa for máxima, pode o juiz fixar indenização além da extensão do da-
no? A resposta, inicialmente, é negativa, salvo se a questão direcionar para os danos punitivos. Pergunta-se, ainda: a
possibilidade de redução do parágrafo único aplica-se à responsabilidade objetiva?
A questão é extremamente dificultosa, pois, apesar de na responsabilidade objetiva não se falar na culpa como pa-
râmetro de responsabilização, a culpa pode ser utilizada como exclusão de responsabilidade, a exemplo do art. 12 do
CDC. O CJF, no enunciado 380, admite aplicabilidade.

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo -se em
conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

Culpa da vítima

Destina o artigo tratamento à concorrência de culpas, a qual é passível de gerar consequências na quantificação do
montante indenizatório. Frise-se: consequências no montante indenizatório, não é a culpa concorrente hipótese que ex-
clui a responsabilidade civil.
Assim, caso tenha a vítima concorrido culposamente para o evento danoso — a exemplo do motociclista que dirige
sem capacete e, no momento da colisão com outro veículo, sofre dano extremo — há de falar-se em diminuição do
montante indenizatório, por juízo de equidade.
O magistrado deverá buscar o nível de culpa dos agentes (proporcionalidade) e ordenar o dever indenizatório a
partir dessa constatação. Não necessariamente a culpa concorrente vai gerar divisão igualitária da responsabilidade,
pois em percebendo o juiz a responsabilidade de uma das partes com 60% (sessenta por cento) do fato, e a outra com
40% (quarenta por cento) do fato, tais percentuais que seráo considerados.
Lembra-se que na hipótese de responsabilidade objetiva, em tese, a culpa concorrente não possui importante in-
fluência, pois não há de falar-se na culpa. Aqui apenas terá relevância a culpa exclusiva da vítima, essa traduz, inde-
pendentemente da modalidade de responsabilidade civil, excludente de responsabilização.

Art. 946. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização de-
vida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar.

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DIREITO CIVIL

Obrigações indeterminadas e ilíquidas.

Entende-se por obrigação indeterminada a ilíquida, não tendo um valor econômico previamente acertado. Em um
rigor mais técnico, deveria denominar-se tal obrigação de determinável.
Assim, caso não haja nem cláusula contratual (cláusula penal), nem norma legal determinado o montante indeniza-
tório, o magistrado haverá de valer-se da nominada liquidação da sentença, segundo o mecanismo que melhor incidir.

Art. 947. Se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, substituir -se-á pelo seu valor, em moeda
corrente.

Descumprimento voluntário da obrigação

Malgrado a ausência de notícia expressa, trata o artigo de hipótese de descumprimento voluntário da obrigação por
parte do devedor, o qual, em inexistindo outra solução possível, haverá de ser convertido em perdas e danos.
No particular, é importante lembrar que:
a) Caso o descumprimento seja por caso fortuito ou força maior, não há de falar-se em responsabilidade pelo des-
cumprimento, mas sim em resolução da obrigação, conforme os artigos 246 e seguintes.
b) Em havendo descumprimento, o ideal é, inicialmente, a busca de uma tutela específica ou direta, nos moldes de-
lineados do art. 497, CPC e 248 do CC. Na negativa de cumprimento obrigacional in natura, ainda que presentes medi-
das de estímulo — a exemplo da multa diária ou da tentativa de uma tutela sub-rogatória —, não há outro caminho se-
não converter em perdas e danos. Verifica-se a opção primeira do legislador por um sistema existencialista, tentando
garantir ao credor não valores pelo descumprimento, mas sim a obrigação em si. A conversão pecuniária, portanto, é
subsidiária.
c) A aludida conversão não impossibilita ao credor pleito por perdas e danos adicionais experimentados pelo ina-
dimplemento voluntário do devedor, na forma do art. 389 do CC.

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida
da vítima.

Responsabilidade por dano morte ou homicídio.

Visando a reparação integral do dano (CC, art. 944), abrangerá a verba indenizatória não apenas o pagamento das
despesas com o tratamento médico da vítima e seu funeral, mas também as relacionadas ao luto da família e aos ali-
mentos dos dependentes do morto, considerando a provável vida do falecido.
Malgrado a norma enunciar o objeto indenizatório, este não é taxativo, sendo cristalino o caput ao possibilitar o plei-
to de outros valores. A norma autoriza, até mesmo, o pleito de danos morais. Nesse, deve o magistrado analisar a pro-
ximidade e a extensão da lesão à personalidade do autor, em virtude do falecimento. Quando parentes, a constatação
torna-se bem visível.
Em relação ao pensionamento, o artigo estabelece a indenização que cabe aos sucessores, estando legitimados a

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DIREITO CIVIL

postular reparação os que dependiam economicamente do morto, “além dos que sofreram a perda pela morte, geral-
mente os integrantes da sua família, em sentido estrito”. Trata-se de nítida hipótese de dano ricochete ou obliquo, plei-
teando indenização os dependentes financeiros da vítima.
Na fixação dos alimentos o parâmetro balizador será a provável duração da vida da vítima. Aliado a isto, o Superior
Tribunal de Justiça vem trabalhando com limites de idades para verificação do nível de contribuição. Sistematicamente,
as decisões sufragam que:
▪ No período em que o filho falecido teria entre 14 e 25 anos de idade, os pais devem receber pensão em valor
equivalente a 2/3 da remuneração; remuneração esta não inferior a um salário mínimo;
▪ No período em que o filho falecido teria acima de 25 anos, até os 65 anos de idade, os pais devem receber pen-
são em valor equivalente a 1/3 da remuneração; remuneração esta não inferior a um salário mínimo.
Tais parâmetros de idade são utilizados pois presume-se que aos 14anos a pessoa possa começar a trabalhar,
como aprendiz, segundo a CF/88 (art. 70, XXXIII). Antes disso, ela não poderia ter nenhuma atividade laborativa remu-
nerada. Aos 25 anos de idade as pessoas, geralmente, constituem um novo núcleo familiar, reduzindo a ajuda financei-
ra ao núcleo paterno originário. Já aos 65 anos de idade não mais laboram.
Ressalta-se, porém, que o marco da pensão alimentícia há de ser estabelecido no caso concreto, assim como o
seu montante.
No tocante ao 13° salário, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que “o autor do ilícito de-
verá pagar aos pais do falecido, ao final de todos anos, uma parcela extra desta pensão, como se fosse um 13° salário
que teria direito o filho caso estivesse vivo e trabalhando. No entanto, para a inclusão do 13° salário no valor da pensão
indenizatória é necessária a comprovação de que a vítima exercia atividade laboral à época em que sofreu o dano-
morte.
A verba em comento tem nítido caráter alimentar, pois indeniza, justamente, os alimentos que seriam percebidos
pelos dependentes do lesado, acaso não houvesse o dano-morte. Diante desse fato, em regra, a verba indenizatória
será paga por largo período de tempo, estabelecendo o art. 533 do Novo Código de Processo Civil (antigo art. 475 -Q) a
necessidade de constituição de capital e garantias para o pagamento das parcelas, verbi gratia uma hipoteca judicial,
desconto em folha, fiador... Nada impede, até mesmo, que as próprias partes pactuem garantiam obrigacional atípica,
se assim desejarem (Enunciado 582 do CJF).
Tais garantias, consoante a Súmula 313 do Superior Tribunal de Justiça, serão necessárias independentemente da
situação econômica do demandado, com atenção à reparação integral. Voltada à mesma reparação integral, a Súmula
490 do Supremo Tribunal Federal afirma que a pensão deverá considerar o salário mínimo vigente ao tempo da sen-
tença, ajustando-se às variações ulteriores.
Por fim, concorda-se, no particular, com a possibilidade de exigência do pagamento indenizatório, por parte do le-
sado, em parcela única Aplica-se, por analogia, a prerrogativa do art. 950, parágrafo único do Código Civil, desde que
não implique em insolvência pessoal ou falência empresarial (Enunciados 48 e 381 do CJF).

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e
dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Disposição sistemática com o art. 402 do CC que possibilita, em havendo dano, cumulação no pedido dos danos
emergentes e lucros cessantes, bem como outros prejuízos, com de cunho moral e estético — respectivamente súmu-
las 37 e 387 do STJ.

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DIREITO CIVIL

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe di-
minua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da conva-
lescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele so-
freu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Possibilidade de danos emergentes e lucros cessantes

O artigo em tela sistematiza a possibilidade do pedido de danos emergentes e lucros cessantes, veiculando inter-
pretação sistemática dos artigos 402 e 949 do Código Civil.
A expressão defeito não deve remeter apenas a lesões físicas, pois, por vezes, os traumas psicológicos são tão
impeditivos quanto os físicos para o exercício do labor. Observa-se, ainda, que não exige a norma inaptidão para qual-
quer trabalho, mas sim para o oficio do ofendido, sendo que a inaptidão específica para o próprio trabalho já é capaz de
gerar as consequências positivadas. Todavia, caso haja aptidão e exercício de novo trabalho, o montante indenizatório,
obviamente, haverá de ser reduzido.
O magistrado, no momento da fixação do dano, deve considerar também as possíveis promoções e aumentos que
experimentaria o ofendido no decorrer de sua carreira, integrando como lucros cessantes e na perda de uma chance.
A verba em comento tem nítido caráter alimentar, pois indeniza, justamente, a remuneração que seria percebida
pelo lesado acaso não sofresse o dano. Diante deste fato, em regra, a verba indenizatória será paga por largo período
de tempo, estabelecendo o art. 533 do Novo Código de Processo Civil (antigo art. 475-Q) a necessidade de constitui-
ção de capital e garantias para o pagamento das parcelas, verbi gratia uma hipoteca judicial, desconto em folha, fia-
dor... Nada impede, até mesmo, que as próprias partes pactuem garantiam obrigacional atípica, se assim desejarem
(Enunciado 582 do CJF).
Tais garantias, consoante a Súmula 313 do Superior Tribunal de Justiça, serão necessárias independentemente da
situação econômica do demandado, com atenção à reparação integral. Voltada à mesma reparação integral, a Súmula
490 do Supremo Tribunal Federal afirma que a pensão deverá considerar o salário mínimo vigente ao tempo da sen-
tença, ajustando-se às variações ulteriores.
O parágrafo único do artigo em tela confere ao lesado direito potestativo de exigir o arbitramento e pagamento indeni-
zatório em um única prestação. Trata-se de interessante preceito normativo alinhado com a significação da responsabili-
dade civil como ciência da reparação. Entrementes, nenhum direito é absoluto. Nessa senda, se a exigência de pagamen-
to em parcela única for passível de ocasionar a insolvência individual ou falência empresarial, há de ser sopesado pelo
Poder Judiciário, resultando da ponderação o ressarcimento de forma fracionada (Enunciados 48 e 381 do CJF).

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exer-
cício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar -lhe o mal,
causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Indenização no exercício da atividade profissional

Na dicção do Código Civil anterior, havia um artigo correlato ao ora mencionado, que se referia, especificamente, a
responsabilidade civil dos profissionais de saúde (médicos, dentistas, enfermeiras, farmacêuticos e parteiras). No novel
diploma infere-se que não há mais expressa menção a tais profissionais, preferindo o legislador, com acerto, mencionar a

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cláusula geral do exercício profissional. Logo, saímos de uma análise casuística para o festejado arranjo das cláusulas ge-
rais, as quais permitem diuturna atualização do modelo legislativo, alcançando os mais diversos campos de atuação.
Dessa forma, apenas objetiva o artigo em questão deixar cristalina a ideia de que o disposto no art. 948, 949 e 950
também se aplica aos profissionais da saúde, responsáveis civilmente por suas ações e omissões das quais resultem
danos.
Lembra-se, ainda, que a obrigação na seara da saúde é de meio, pois não há como este profissional garantir o êxi-
to do tratamento. Assim, deve p magistrado verificar, no caso concreto, se o médico agiu com a maior prudência e dili-
gência possíveis, não sendo de sua responsabilidade, por exemplo, fatalidades decorrentes de especiais situações
corpóreas do pacientes, como reações a medicamentos nunca dantes ocorridas com o aludido paciente.
Malgrado o dito no parágrafo acima, o futuro aprovado deve lembrar-se que o STJ, reiteradas vezes, entendeu pela
imposição de responsabilidade de resultado no que tange às cirurgias plásticas estéticas ou embelezadoras. Aqui, o
médico, segundo a jurisprudência, obriga-se a produzir o resultado pactuado.
Destarte, lembra-se que a responsabilidade do profissional da saúde é subjetiva, na esteira do art. 951 do CC e 14,
parágrafo quarto do CDC. Já a da instituição, a exemplo de hospital e clínica, será objetiva (art. 14 do CDC), configu-
rando-se relação de consumo.

Art. 952. Havendo usurpação ou esbulho do alheio, além da restituição da coisa, a indenização consistirá em pagar
o valor das suas deteriorações e o devido a título de lucros cessantes; faltando a coisa, dever-se-á reembolsar o seu equi-
valente ao prejudicado.
Parágrafo único. Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa, estimar -se-á ela pelo seu preço
ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se avantaje àquele.

Trata o artigo da responsabilidade civil por desrespeito à posse ou propriedade alheia. Digno de nota é que a codifica-
ção anterior não abordava sobre os lucros cessantes, coisa que a atual o faz, ampliando as possibilidades de pedidos.
Por fim, lembre-se que as ações possessórias já permitem cumulação do pedido com perdas e danos, sendo a via
judicial mais célere e eficaz.

Art. 953. A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao
ofendido.
Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da
indenização, na conformidade das circunstâncias do caso.

Injúria, difamação e calúnia são mecanismos de ofensa à honra. Por conta disso, há repressão sobre eles tanto na
seara cível, quanto penal.
Na esteira do CP, a calúnia consiste na imputação de falso crime; difamação é a imputação de qualquer fato ofen-
sivo à reputação, enquanto que a injúria é a ofensa à dignidade ou ao decoro (artigos 138, 139 e 140 do CP).
Lembre-se que, porquanto a independência de instâncias cível e penal, a condenação penal não se configura pré-
requisito para a indenização na seara cível (vide comentários do art. 935 supra).
Na ótica da independência entre os danos morais e materiais (art. 5D, X, da CF; 186 do CC e súmula 37 do STJ),
vem o parágrafo único possibilitar que, independentemente do prejuízo material, sejam fixados danos morais, segundo

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a equidade. Nada mais se verá senão a aplicação, como já cediço, da técnica do arbitramento para tais indenizações
morais.

Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem
ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal:
I - o cárcere privado;
II - a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé;
III - a prisão ilegal.

Indenização por ofensa à liberdade pessoal

A liberdade é, hodiernamente, um princípio constitucional amplo, responsável por assegurar, em última análise, o
valor-fonte da dignidade da pessoa humana.
Nessa esteira, percebe-se na Constituição Federal a tutela das mais diversas liberdades, como a de crença (art. 50,
VI), expressão (art. 50, IX), associação (art. 50, XVII)... A enumeração é exemplificativa.
Por tudo isso, a proteção ao paradigma da liberdade encontra assento nos mais diversos diplomas legislativos, não
sendo diferente no Código Civil. Assim, nascera ao ofendido pretensão de responsabilidade civil, sendo possível pleite-
ar os danos patrimoniais ou materiais (danos emergentes e lucros cessantes), os extrapatrimoniais ou morais (honra,
imagem, privacidade...), os estéticos, a perda de uma chance... Tudo isso consoante às súmulas 37 e 387 do STJ.
Por fim, deve o futuro aprovado ficar bem atento ao rol de hipóteses delineadas no artigo, pois costumam aparecer
nos certames como possíveis fatos geradores de responsabilidade civil por ofensa à liberdade.

DIREITOS REAIS

POSSE

Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à
propriedade (usar, gozar, dispor e reivindicar). É a exteriorização da propriedade, situação de fato que lei confere juridi-
cidade.

Teorias sobre a posse

Pela Teoria subjetiva, defendida por Savigny, reconhece que a posse se compõe de três elementos, dois subjeti-
vos (affectio tenendi e o animus domini) e um objetivo (corpus). O corpus caracteriza-se pela possibilidade de exercer a
detenção física da coisa, o que importa na permanente disponibilidade direta e imediata, de forma a excluir toda a inter-

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DIREITO CIVIL

venção humana estranha. É o elemento externo. O animus ou elemento subjetivo se converge na intenção de ter a coi-
sa como própria, a intenção de ser dono (animus domini) e o agir como proprietário (affectio tenendi). Para a teoria sub-
jetiva, portanto, é possuidor quem reunir em relação à coisa a seguinte fórmula: elemento físico ou material (corpus) +
agir como proprietário (affectio tenedi) + animus domini (intenção de ser dono). Os elementos subjetivos também são
chamados de morais ou intelectuais. Sem eles, não haverá posse, mas detenção, situação que ocorre para quem tem a
coisa em nome de outrem.
Já na Teoria objetiva, Jhering, em oposição e crítica à teoria subjetiva, diz que a posse nada mais é do que proce-
der como proprietário, ou seja, o animus já está contido no comportamento de agir sobre a coisa na condição aparente,
externa e visível de dono, com ou sem apreensão física da coisa. A intenção de dono, o animus domini, exigência da
teoria subjetiva, é dispensada, motivo pelo qual é chamada de teoria objetiva. A detenção para Savigny ocorre sempre
que não existir a disposição subjetiva sobre a coisa (agir como proprietário “affectio tenendi” + a intenção “animus do-
mini”). Jhering afirma que à detenção e à posse concorrem os mesmos elementos (corpus + animus). O que as distin-
gue é a ausência de conformidade legal que nega à detenção os efeitos possessórios.
A teoria objetiva foi adotada pelo CC, art. 1.196, porque considera possuidor quem, em razão do exercício de uma
posição de fato sobre a coisa, que exterioriza e confere visibilidade de proprietário.

Algumas Classificações da Posse

A posse recebe proteção em nosso sistema como direito autônomo e independente do título, isso para se evitar a
violência e assegurar a convivência social, porque uma situação aparente de dono gera a tranquilidade que o direito re-
quer; se alguém se instala em um imóvel por mais de ano e dia, cria-se um estado de proteção conhecido por jus pos-
sessionis; se além da posse também tiver o título transcrito, ou for titular de outros direitos reais, tem-se o jus possi-
dendi ou posse casual, ou seja, aqui a posse não é autônoma, mas decorrente de um título.
Com relação às espécies, a posse pode ser:
▪ direta ou indireta (CC, art. 1.197)
▪ justa e injusta (CC, art. 1.200). Esta se divide em: 1) violenta; 2) clandestina; 3) precária.
▪ de boa ou má-fé (CC, art. 1.201)
▪ melhor posse (CC, art. 1.211). Não confundir com ação de força nova ou velha; ação de força nova ou velha é
aquela que se baseia no tempo, que decorre desde a turbação ou esbulho, para fins de concessão de liminar
(CPC, art. 924)
▪ posse natural ou civil (titulada, como constituto possessório);
▪ posse ad interdicta e posse ad usucapionem
▪ posse pro diviso e pro indiviso.

ATENÇÃO
De acordo com o CC, art. 1.199: “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre
ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores”. Nessa situação de composse, que
pode surgir de uma convenção ou herança, a proteção possessória (autotutela e heterotutela) é admitida de compos-
suidor contra o outro e contra terceiro. Admite-se a composse pro diviso (com divisão de fato e não de direito sobre o
bem; mas com partes certas e determinadas) e a composse pro indiviso (não há partes certas e determinadas, mas
ideal).

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DIREITO CIVIL

A posse com título se chama jus possidendi ou posse causal. Já a posse sem título, leva o nome de jus possessio-
nis ou posso autônoma.
Detenção é a relação de fato sobre a coisa, mas decorrente de uma situação de dependência econômica ou de
vínculo e subordinação em relação a outra pessoa (ex. zelador, caseiro). O detentor tem a posse natural. Assim, não
pode manjar ações possessórias, mas admite-se a autotutela (legitima defesa da posse e desforço imediato). Os atos
de permissão que conferir sobre a coisa não induzem a posse e nem conferem direitos.
Nosso sistema não distingue a quase posse da posse, porque se equivalem.
A posse natural e a posse civil ou jurídica diferenciam-se, pois, enquanto uma decorre do exercício dos poderes de
fato inerentes à propriedade (CC, art. 1.196 e 1.204), a outra opera por força da lei ou relação jurídica.

Aquisição e perda da posse

A aquisição pode ser originária (sem relação de causalidade) ou derivada (com relação de causalidade à posse an-
terior). Ela pode ser adquirida pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante ou por terceiro sem manda-
to, dependendo de ratificação.
A aquisição da posse ocorre desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer
dos poderes inerentes à propriedade (CC, art. 1.204)
Não há fórmula ou rol de situações de fato em numerus clausus previstas; o CC/2002 adotou a teria objetiva da
posse, de Jhering, segundo a qual é possuidor aquele que aparenta ser dono da coisa, uma impressão objetiva e ex-
terna; como exemplos colhidos na doutrina, citam-se a apreensão (apropriação unilateral de coisa sem dono, porque
abandonada ou não pertencente a ninguém - res derelicta ou res nullius); o exercício do direito; a disposição da coisa;
na tradição, real, simbólica ou ficta; no constituto possessório (clausula constituti); na traditio brevi manu.
A perda da possa caracteriza-se quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, as-
sim considerado todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguma das forças inerentes à propriedade
(CC, art. 1.196).
A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres (CC, art. 1.206)
▪ sucessio possessionis: a posse é contínua e única, e necessariamente somada a anterior, porque não há novo
período possessório, mas o mesmo; a transferência dessa posse é legal ou ex lege (CC, art. 1.207, primeira parte)
▪ acessio possessionis: há mera faculdade de unir a posse, porque o adquirente recebe nova posse, e a união é
uma faculdade (CC, art. 1.207, segunda parte).
Entre presentes, de acordo com o CC, art. 1.223, a posse é perdida quando cessa, embora contra a vontade do
possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196. Já entre ausentes, o CC, art. 1.224 diz que só se consi-
dera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa,
ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.
Animus rem sibi habendi significa a intenção de ter a coisa para si; o animus domini a intenção de ser proprietário.
Em relação à tradição, ela pode ser:
▪ “tradição brevi manu”: ocorre para aquele que possuía em nome alheio passa a possuir em nome próprio, em
decorrência de uma relação jurídica.
▪ “longa manu”: quando ninguém tem a posse ou poder de fato sobre a coisa transmitida, como o adquirente de um
bem que passa a tê-lo a sua disposição.

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DIREITO CIVIL

▪ cláusula constituti (constituto possessório): alguém, possuindo em nome próprio, passa a possuir em nome
alheio, ou seja, era proprietário e depois da venda, apesar do negócio, permanece no bem, porém na condição de
locatário.

Efeitos da Posse

São considerados mecanismo de defesa da posse:


▪ autodefesa ou autotutela: desforço imediato (em caso de esbulho) e legitima defesa da posse (no caso de turba-
ção); são previstos no CC, art. 1.210, § 1º, pelo qual: “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou res-
tituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do
indispensável à manutenção, ou restituição da posse’
▪ heterotutela: as ações possessórias podem ser de reintegração, manutenção e de interdito proibitório. Estão sujei-
tas ao rito processual dos arts. 920 e seguintes do CPC. Anotamos que se diferenciam quanto ao procedimento as
ações de posse nova e as de posse velha, em razão do transcurso de ano e dia a partir do momento que molesta-
da a posse. De acordo com CC, art. 1.212, o possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou de indenização, contra
o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era.

Possuidor de boa-fé Possuidor de má-fé


Direitos:
• aos frutos percebidos
• os frutos pendentes ao tempo em que cessar • responde por todos os frutos colhidos e per-
a boa-fé devem ser restituídos, depois de de- cebidos, bem como pelos que, por culpa sua,
duzidas as despesas da produção e custeio deixou de perceber, desde o momento em
Frutos
• os frutos colhidos com antecipação também que se constituiu de má-fé
devem ser restituídos • terá direito às despesas da produção e cus-
• os frutos civis reputam-se percebidos dia por dia teio
• os frutos naturais e os industriais reputam-se
colhidos e percebidos, logo que são separados
• responde pela perda, ou deterioração da coi-
Perda ou
• não responde pela perda ou deterioração da sa, ainda que acidentais, salvo se provar que
deterioração
coisa, a que não der causa de igual modo se teriam dado, estando ela na
do bem
posse do reivindicante
• tem direito à indenização das benfeitorias ne-
• serão ressarcidas somente as benfeitorias
cessárias e úteis, e, ainda, o direito de reten-
necessárias
ção por elas
Benfeitorias • não lhe assiste o direito de retenção pela im-
• quanto às voluptuárias, se não lhe forem pa-
portância destas, nem o de levantar as volup-
gas, a levantá-las, quando o puder sem de-
tuárias
trimento da coisa

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DIREITO CIVIL

PROPRIEDADE

Direito real mais completo dos direitos reais, pois reúne em si os direitos de usar, gozar e dispor de um bem, ou re-
avê-lo de quem injustamente o possua ou detenha. Possui limitações, algumas ditadas pelos direitos de vizinhança, e
outras, talvez as mais importantes, pela função social da propriedade, ou finalidade econômico-social.
A propriedade se classifica em plena (quando todos os elementos acima estão reunidos numa só pessoa, física ou
jurídica) ou limitada (se algum daqueles direitos estiver destacado a pessoa diversa). Neste caso, a nua-propriedade
ou domínio direto é a situação jurídica do senhorio, titular do bem, aquele que o tem em seu nome. Já no domínio útil, o
titular dos direitos de usar, gozar, como o usufrutuário.

Aquisição da propriedade imóvel

Assim como o posse, a aquisição da propriedade pode ser originária ou derivada. Será originária quando inexistir
qualquer solução de continuidade ou transferência entre os titulares anterior e posterior, o que ocorre na usucapião, por
exemplo, onde a causa da aquisição é desvinculada por completo do domínio que pertencia ao antigo titular. Na deri-
vada ocorre o inverso, pois ocorre a transferência do direito anterior, em função da manifestação da vontade das par-
tes. É importante distinção, em razão dos vícios, atributos e limitações que não acompanham a propriedade na aquisi-
ção originária, mas são transferidos com a coisa ao adquirente na derivada.
Usucapião ou prescrição aquisitiva é modo originário de aquisição da propriedade e outros direitos reais, como as
servidões, em decorrência da posse prolongada de tempo, além de outros pressupostos legais (coisa apta a ser usuca-
pida; posse; boa-fé; tempo; justo título). As causas impeditivas, suspensivas, e interruptivas da prescrição extintiva se
aplicam à aquisitiva, de acordo com o CC, art. 1.244. A sentença na usucapião é declaratória (CC, art. 1.241).

Modalidades de usucapião
Modalidades Fundamento Requisitos
Extraordinária 1 Decurso do tempo que causa a a) posse ad usucapionem
CC, art. 1.238 prescrição aquisitiva b) decurso de 15 anos, ininterruptos.
a) posse ad usucapionem
Prescrição aquisitiva minorada por
Extraordinária 2 b) transcurso de 10 anos sem interrupção
ter o possuidor dado destinação que
(posse-trabalho) c) ter o possuidor constituído sua morada habitual
atende a função social da proprie-
CC, art. 1.238, § único no imóvel, ou nele realizado obras e serviços de ca-
dade
ráter produtivo.
a) posse ad usucapionem
Ordinária 1 b) decurso de 10 anos contínuos
Prescrição aquisitiva
CC, art. 1.242 c) justo título
d) boa-fé
Ordinária 2
a) posse ad usucapionem
(posse-trabalho) usuca-
b) decurso de 5 anos contínuos;
pião tabular: serve não
c) aquisição onerosa do imóvel usucapiendo com
para a aquisição do do-
Prescrição aquisitiva base em registro regular, posteriormente cancelado;
mínio, mas para sanar
d) possuidor tenha estabelecido moradia no imóvel
vícios originais da aqui-
ou tenha realizado nele investimentos de interesse
sição a título derivado
social e econômico.
CC, art. 1.242, § único

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a) posse ad usucapionem
b) decurso de 2 anos, ininterruptamente e sem opo-
sição
c) posse direta, com exclusividade, sobre imóvel ur-
Ordinária 3
Prescrição aquisitiva decorrente do bano de até 250 m².
(familiar)
abandono do lar d) propriedade dividida com ex-cônjuge ou ex-
CC, art. 1.240-A
companheiro, que abandonou o lar, utilizando-o para
sua moradia ou de sua família
e) aquisição do domínio integral, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural
a) posse ad usucapionem
b) transcurso de 5 anos sem interrupção
Especial Rural c) área possuída de no máximo 50 hectares locali-
Prescrição extintiva pelo fato de o
(Constitucional Rural, zada em zona rural (CC 1.239).
proprietário não haver dado cum-
ou Pro Labore) d) propriedade rural que se tornou produtiva pelo
primento à função social da proprie-
CF, art. 191 trabalho do possuidor ou de sua família
dade e prescrição aquisitiva, bene-
CC, art. 1.239 e) haver o possuidor tornado o imóvel sua moradia
fício ao possuidor que a atendeu.
Lei 6.969/81 ou de sua família
f) não ser o possuidor proprietário de imóvel rural ou
urbano.
a) posse ad usucapionem
b) transcurso de 5 anos sem interrupção
c) área maior de 250 m²
Especial Urbana
Sanção ao proprietário por não dar d) destine-se a ocupação à morada da população
(Residencial Coletiva ou
cumprimento à função social da posseira
Constitucional Urbana
propriedade e benefício aos possui- e) Sejam os possuidores de baixa renda
Coletiva)
dores que a atendeu f) Não sejamos possuidores proprietários de imóvel
Lei 10.257/2001
rural ou urbano
g) Seja impossível identificar o terreno de cada pos-
suidor, destacadamente.
a) posse ad usucapionem
Especial Urbana b) decurso de 5 anos ininterruptos
(Residencial individual Sanção ao proprietário por não dar c) área urbana de até 250 m²
ou Constitucional cumprimento à função social da d) utilização para morada própria ou de sua família
Urbana Individual) propriedade ao possuidor que a e) não ser o possuidor proprietário de imóvel rural ou
CF, art. 183 atendeu. urbano
Lei 10.257/2001 f) não ter o possuidor se valido desse benefício ante-
riormente.

A propriedade das coisas móveis não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição (CC, art. 1.267), e
com o registro do título translativo, tratando-se de coisas imóveis (CC, art. 1.245). O contrato, assim, não é o bastante
para a aquisição do bem, e isso fica bem evidente no art. art. 481, do CC, segundo o qual: “Pelo contrato de compra e
venda, um dos contratantes SE OBRIGA a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em di-
nheiro”
Diz o CC, art. 1.227 que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se
adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.2450 1.247), salvo os casos

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expressos neste Código”. Trata-se da aquisição pelo registro do título.


No Direito Romano, o acordo de vontades não era suficiente para a aquisição da propriedade imóvel, como é o sis-
tema nacional. São conhecidos três sistemas de aquisição da propriedade imobiliária:
▪ sistema francês: basta o contrato para a aquisição da propriedade, tendo no registro um mero instrumento de pu-
blicidade.
▪ sistema alemão: não há qualquer vinculação entre o título e o registro. A fase do registro do título ocorre mediante
um processo sumário, perante os juízes do registro imobiliário, pelo qual é formado um novo negócio jurídico, for-
mal, abstrato e desvinculado do título, o qual servirá de registro em um cadastro de imóveis, momento a partir do
qual ocorrerá a aquisição da propriedade.
▪ sistema misto ou eclético: adotado no CC/1 916 e no CC/2002, o registro é constitutivo do direito real sobre a
coisa imóvel, porém, distanciando-se do sistema alemão, onde o título é estranho ao registro, porque dele se desli-
ga em determinado momento, no sistema misto, título é causal, ou seja, permanece vinculado ao registro dele fa-
zendo parte; logo, eventual invalidade do negócio jurídico, contamina o registro. Assim, o Brasil adotou o sistema
misto ou eclético.
São princípios de regência do registro imobiliário a fé-pública, a publicidade, a territorialidade, a continuidade, entre
outros.
A aquisição pela acessão ocorre por formação de ilhas, aluvião, avulsão, abandono de álveo e plantações ou
construções (CC/art. 1.248, l a V); caracteriza-se pelo direito que o proprietário de um bem passa a ter sobre tudo aqui-
lo que aderir ou for unido a ele; dessa forma, haverá acessão em função da aderência de algo em um bem, alterando-o
em quantidade, qualidade, volume ou valor.
A acessão pode ser natural ou industrial/artificial. O que diferencia uma e outra é a ação humana que não ocorre na
natural (aluvião, avulsão, etc.), mas se verifica na artificial (plantações, construções).
A acessão pode dar-se por:
▪ Aluvião: são os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo
das margens das correntes (aluvião própria), ou pelo desvio das águas destas, descobrindo parte do álveo (aluvião
imprópria) que importa na aquisição da propriedade do dono do imóvel a que aderirem essas terras, sem indeniza-
ção; o terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na pro-
porção da testada de cada um sobre a antiga margem (CC, arts. 1.250/51).
▪ Avulsão: é o repentino e abrupto deslocamento de terra, que venha a ocorrer por força natural violenta, resultando
que uma porção de terra se destaque de um prédio e se junte a outro; nesse caso, o dono deste adquirirá a propri-
edade do acréscimo, se: caso não indenize, se, em 01 ano (prazo decadencial) ninguém houver reclamado; ou re-
cusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a
que se remova a parte acrescida.
▪ Formação de ilhas: é acessão natural em correntes comuns ou particulares, em razão de depósitos regulares,
graduais e fragmentados de areia, pedras ou terra, carreados pela própria correnteza ou, ainda, pelo declínio das
águas, resultando na exposição a seco de parte do fundo daquelas correntes (CC, art. 1.248, I e 1.249); a proprie-
dade das ilhas formadas pertence aos proprietários ribeirinhos, de acordo com a disciplina do CC, art. 1.249, I a III;
segundo o Código de Águas, Decreto 24.643, de 10 de julho de 1934, as ilhas que se formarem em águas públicas
pertencem ao domínio público, e ao domínio particular, no caso de águas comuns ou particulares (art. 23).
▪ Abandono do álveo: ocorre quando um rio seca por completo ou se desvia por razões naturais; neste caso, o ál-
veo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indeniza-
ção os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se es-

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tendem até o meio do álveo. É previsto no art. 1.252 do CC, e nos arts. 26 e 27 do Código de Águas (Decreto
24.643/34).
▪ Construções e plantações (acessão industrial ou artificial): duas regras são importantes:
1ª Regra: a propriedade da construção ou da plantação é do dono do imóvel, porque o acessório segue o principal,
ainda que de maior valor.
2ª Regra: toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa,
até que se prove o contrário (presunção juris tantum);
Quem semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propri-
edade destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além de responder por perdas e danos, se agiu de má-fé;
Quem semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e
construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização. Todavia, se a construção ou a plantação exceder
consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo,
mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo;
No caso de má-fé de ambas as partes, adquirirá o proprietário as sementes, plantas e construções, devendo res-
sarcir o valor das acessões. Presume-se má-fé no proprietário quando o trabalho de construção, ou lavoura, se fez
em sua presença e sem impugnação sua;
Se terceiro de boa-fé plantar ou edificar em solo alheio, com sementes e material de outrem, o dono da matéria-
prima perderá sua propriedade, mas será indenizado pelo valor dela. O principal devedor é o plantador ou constru-
tor, e subsidiariamente o dono do solo.
Construção em zona lindeira não superior a 1/20(5%): (1) adquire o construtor de boa-fé a propriedade da parte
do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente,
também, o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente; (2) adquire o construtor de má-fé a
propriedade da parte do solo que invadiu, pagando 10 x (décuplo) as perdas e danos sobre o valor da área perdida
e a desvalorização, mas o valor da construção deve exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder de-
molir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção. (Enunciado 318: “a..) além dos requisitas explícitos
previstos em lei, houver necessidade de proteger terceiros de boa-fé”).
Construção em zona lindeira superior a 1/20(5%): (1) se o construtor estiver de boa-fé: adquire a propriedade da
parte do solo invadido, e responde por per das e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção,
mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente (2) se o construtor estiver de má-fé: é obriga-
do a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro.

Aquisição da propriedade móvel

O bem móvel também pode ser adquirido por usucapião. Ela pode ser:
▪ Ordinária: exigindo-se posse contínua e inconteste durante 3 anos, além de justo título e boa-fé;
▪ Extraordinária: exigindo-se a posse durante 5 anos, dispensando-se o justo título e a boa-fé.
Além da usucapião, os bens móveis pode ser adquiridos de outros modos:
▪ Descoberta: recai sobre coisa móvel perdida e resulta em uma obrigação de restituir; o descobridor que o fizer en-
tregando a coisa ao dono, terá direito a uma recompensa, como prêmio pela honestidade, não inferior a 5% do va-
lor da coisa, chamada de achádego, sem prejuízo de eventual indenização pelas despesas de conservação da coi-
sa. No entanto, se o dono preferir, poderá abandonar a coisa, modo voluntário de perda da propriedade (CC, art.
1.234). Assim, a descoberta não é considerada, inicialmente, como um dos modos de aquisição da propriedade,
em função do dever de restituir. Todavia, se o dono, para eximir-se do pagamento do achádego ou indenização,

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preferir abandonar a coisa, o descobridor adquire a propriedade, por ser res derelictae (coisa abandonada).
▪ Ocupação: trata-se de um dos modos de aquisição da coisa móvel (inanimadas) ou semovente (propriamente di-
ta), e sem dono, compreendendo: a) a res nullius, coisa que nunca teve dono e; b) a res derelicta, que teve dono,
mas foi abandonada, fato que se caracteriza pela disposição física e anímica do bem. Para que seja reconhecida,
exige-se a reunião de requisitos, quais sejam:
1) intenção ou vontade de adquirir (elemento subjetivo, animus)
2) apreensão física da res nullius ou da res derelicta (elemento objetivo)
3) reconhecimento legal do ato como modo originário de aquisição (elemento normativo).
▪ Achado de tesouro: um dos modos de aquisição da propriedade móvel; tesouro é o depósito antigo de coisas pre-
ciosas, oculto e de cujo dono não haja memória. É importante não confundir. A coisa sem dono compreende a coi-
sa de ninguém (res nullius) e a abandonada (res derelicta), conceituações jurídicas afetas à ocupação. No achado
de tesouro, a coisa foi “depositada’ mas há tanto tempo que não se lembra mais quem seja o dono. O tesouro per-
tencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro
não autorizado. Na enfiteuse, pertencerá a metade, se encontrado no terreno aforado pelo descobridor, ou por in-
teiro, se achado pelo enfiteuta.
▪ Tradição: é a entrega do bem móvel ao adquirente, com a intenção de transferir o domínio; o negócio, por si só,
não transfere a propriedade, geram apenas direitos pessoais. Também não transfere a propriedade a tradição,
quando tiver por título um negócio jurídico nulo. A outro giro, a tradição baseada em título de negocial anulável ope-
ra tradição normalmente. A tradição pode ser real (entrega material do bem), simbólica (entrega representativa da
transferência do bem - traditio longa manus, como na entrega de chaves de um imóvel) ou ficta (é uma ficção, co-
mo no caso da constituto possessorio - posse em nome próprio para posse em nome alheio - e da traditio brevi
manu - posse em nome alheio para posse em nome próprio). Pelo Enunciado 77: A posse das coisas móveis e
imóveis também pode ser transmitida pelo constituto possessório’
▪ Venda a non domino: é a venda realizada por quem não é dono. Em regra, não transfere a propriedade. Há duas
exceções: oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais
que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono; se o adquirente estiver de
boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em
que ocorreu a tradição. Nesse caso, os efeitos da tradição são ex tunc.
▪ Especificação: é o modo de adquirir a propriedade mediante a transformação de coisa móvel em espécie nova,
em virtude do trabalho ou da indústria do especificador, de que não seja possível reduzi-la à sua forma primitiva
(Washington de Barros Monteiro). Ex. escultura em relação à pedra, pintura em relação ao quadro (Maria Helena
Diniz). A mescla de coisas (comistão, confusão e adjunção) não importa o nascimento de uma nova espécie, pois
conservam sua unidade. Coisa nova feita com matéria-prima alheia:
1) pertence ao especificador de boa-fé, desde que não possa voltar à forma anterior
2) pertence ao especificador, de boa ou má-fé, possa ou não voltar ao estado anterior, se o valor da espécie no-
va exceder consideravelmente o da matéria-prima.
3) pertence ao dono da matéria prima, se o especificador estiver de má-fé, e desde que não possa volver à forma
primitiva
4) pertence ao dono da matéria-prima, se puder voltar à forma original
▪ Confusão, comistão e adjunção: a propriedade pode ser adquirida pela confusão (mistura de coisas liquidas), pe-
la comistão (mistura de coisas sólidas ou secas) e pela adjunção (justaposição de uma coisa à outra tornando im-
possível destacar o acessório do principal, sem deterioração).Trata-se da doutrina da confusão real. Caracterizam-
se, em comum, pela mescla ou mistura de coisas pertencentes a donos diversos, que poder de boa ou má-fé:
Mistura de boa-fé: se a mistura for intencional (voluntária), os proprietários decidem com quem ficará o produto fi-
nal; se a mistura não for intencional (involuntária), a lei civil determina três situações:

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1) permanece inalterada a propriedade, sendo possível separar a coisa sem deterioração


2) não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo dispêndio excessivo, por ordem natural ou econômica,
subsiste indiviso o todo, cabendo a cada um dos donos quinhão proporcional ao valor da coisa com que entrou
para a mistura ou agregado, ocorrendo na hipótese condomínio forçado
3) se uma das coisas puder considerar-se principal, o dono sê-lo-á do todo, indenizando os outros pelo valor dos
acessórios
Mistura de má-fé: se a confusão, comissão ou adjunção se operou de má-fé, à outra parte caberá escolher entre
adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu, abatida a indenização que lhe for devida; renunciar ao
que lhe pertencer, caso em que será indenizado

Perda da propriedade

A propriedade pode ser perdida por meios voluntários (vontade do titular, como a alienação, o abandono, etc.) ou
involuntários (causas legais, como a usucapião, a desapropriação administrativa ou judicial, o confisco, etc.).
O CC, art. 1.275, I a V, prevê um rol exemplificativo dos modos voluntários (vontade) e involuntários (legal) de per-
da da propriedade imóvel.

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade:
I - por alienação;
II - pela renúncia;
III - por abandono;
IV - por perecimento da coisa;
V - por desapropriação.
Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda da propriedade imóvel serão subordinados ao regis-
tro do título transmissivo ou do ato renunciativo no Registro de Imóveis.
Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patri-
mônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à
propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.
§ 1º O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecadado, como bem vago,
e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.
§ 2º Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar
o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

Propriedade resolúvel e propriedade fiduciária

A propriedade resolúvel é exceção ao caráter perpétuo e irrevogável, é prevista no CC, art. 1.360 e 1.361, e se ve-
rifica quando no título aquisitivo da propriedade há inserção de condição resolutiva ou termo.
Já a propriedade fiduciária é a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de ga-
rantia, transfere ao credor (CC, art. 1.361).

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DIREITOS DE VIZINHANÇA

Uso anormal da propriedade

Caracteriza-se pelas interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde provocados pela utilização de
propriedade vizinha, segundo os critérios de tolerância, zoneamento urbano e anterioridade da posse; em razão destes
comportamentos, o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais;
esse direito de fazer cessar as interferências não prevalece quando justificadas por interesse público, caso em que o
proprietário ou o possuidor, causador delas, pagará ao vizinho indenização cabal; por outro lado, ainda que por decisão
judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas se
tornarem possíveis.
É devida ação de dano infecto para exigir a demolição, ou a reparação de prédio, quando ameace ruína, bem como
que lhe preste caução real ou fidejussória, pelo dano iminente, antes da demolição (CPC, art. 826 a 838).

Árvores Limítrofes

A árvore cujo tronco estiver na linha divisória presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes
(árvore-meia); as raízes e os ramos de árvore que ultrapassarem a estrema do prédio poderão ser cortados, até o pla-
no vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido. Os frutos caídos naturalmente de árvore do terreno vizinho
pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular; os frutos pendentes e aqueles que caí-
rem na via pública são do dono da árvore (CC, art. 1.282 a 1.284).

Passagem Forçada

É o direito assegurado ao dono do prédio encravado de forma absoluta, e por razões naturais, não tem acesso à
via pública, nascente ou porto. Nesse caso poderá, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a
lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário. Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel
mais natural e facilmente se prestar à passagem. O direito não é assegurado se houver saída do prédio, ainda que difi-
cultosa; trata-se de instituto pertencente ao direito de vizinhança. A servidão de passagem difere da passagem forçada
(servidão legal). Aquele é um direito real sobre coisa alheia, constituído finalisticamente para melhor servir a aproveitar
o prédio dominante, potencializando suas qualidades. No presente instituto, o prédio é totalmente encravado, sem
qualquer acesso às vias públicas. Com relação à origem, a servidão de passagem é assetada na vontade das partes, e
a passagem forçada, na lei.

Passagem de cabos e tubulações

O proprietário deverá tolerar que em seu imóvel passem cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de ser-
viços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessiva-
mente oneroso. Para tanto, será devido o recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área
remanescente. Em função no princípio da menor onerosidade, o proprietário prejudicado pode exigir que a instalação
seja feita de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local
do imóvel; pode exigir, também, se as instalações oferecerem grave risco, a realização de obras de segurança.

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Águas

O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não
podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo. Todavia, nada impede que o dono do prédio inferior canalize as
águas que recebe naturalmente do superior. Porém, a condição natural do prédio inferior, não pode ser agravada por
obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior. Quando as águas artificiais levadas ao prédio superior, ou aí
colhidas, correrem dele para o inferior, poderá o dono deste reclamar que se desviem, ou se lhe indenize o prejuízo que
sofrer. O escoamento de água de esgoto não possui o mesmo tratamento conferido as águas naturais, porque estas
são pluviais ou nascentes, conforme o CC, art. 1.288. As águas de esgoto são artificiais. A lei da gravidade é a solução
do CC, art. 1.288 aplicável às águas naturais.
O Código de Águas (Decreto 24.643/34) regula o direito de aqueduto nos arts. 117 a 138, e será aplicado em tudo
aquilo que não contrariar o art. 1.293 do CC/2002, que também disciplina o instituto. A servidão legal de aqueduto é
conceituada como o direito potestativo de conduzir água por prédio alheio, ou deste para o próprio, em benefício ou uti-
lidade pessoal, entre particulares, mediante prévia indenização, por meio de canais. Assim, não é um direito real.

Limites entre prédios e direito de tapagem

O proprietário tem direito a cercar, murar, vaiar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode
constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a
renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas des-
pesas.
Para exercer o direito de demarcar, admite-se ação demarcatória simples (fixação de rumos e aviventação) e a
qualificada (fixação de rumos, aviventação, cumulado com reposição de glebas). Há presunção legal (juris tantum) de
que a obra divisória, os muros, cercas e os tapumes pertencem a ambos os proprietários, salvo prova em contrário. As
sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco divisório, só podem ser cortadas, ou arrancadas,
de comum acordo entre proprietários. Os tapumes especiais para animais de pequeno porte são de responsabilidade
dos proprietários ou detentores destes animais

Direito de construir

O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os re-
gulamentos administrativos. Entre os direitos, destacam-se:
▪ que o prédio não despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho;
▪ é defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de 1,5 m do terreno vizinho;
▪ as janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a
menos de 75 cm.
As limitações acima não abrangem as aberturas para luz ou ventilação, não maiores de 10 cm de largura sobre 20
cm de comprimento e construídas a mais de 2 m de altura de cada piso.
Nesses casos, a ação demolitória deve ser proposta dentro do prazo decadencial de 1 ano e 1 dia após a conclu-
são da obra. Admite-se a ação de nunciação de obra nova, durante a construção, para evitar que se ergam janelas que
firam os direitos acima. Na zona rural, não se permite edificação a menos de 3 m.

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CONDOMÍNIO

Condomínio é o direito de propriedade pertencente a mais de um titular (CC, art. 1.314 a 1.356).
Condomínio voluntário ou convencional é o resultante da vontade dos condôminos, bem como o que ocorre por
vontade de terceiro, quando será eventual (doador, testador).
Condomínio necessário ou legal é o condomínio imposto por lei (CC, arts. 1.297, 1.298, 1.304 e 1.307, conforme o
1.327). Segundo o art. 1.327 do Código Civil: “O condomínio por meação de paredes, cercas, muros e valas regula-se
pelo disposto neste Código (arts. 1.297 e 1.298; 1.304 a 1.307)”. Esses preceitos, inseridos entre outros que dispõem a
respeito dos direitos de vizinhança, são pertinentes, respectivamente, “dos limites entre prédios e do direito de tapa-
gem” e das “paredes divisórias”, O proprietário que tiver direito a estremar um imóvel com paredes, cercas, muros, va-
las ou valados, tê-lo-á igualmente a adquirir meação na parede, muro, valado ou cerca do vizinho, embolsando-lhe me-
tade do que atualmente valer a obra e o terreno por ela ocupado (CC, art.1.328). Não convindo os dois no preço da
obra, será este arbitrado por peritos, a expensas de ambos os confinantes (CC, art..1.329). Qualquer que seja o valor
da meação, enquanto aquele que pretender a divisão não o pagar ou depositar, nenhum uso poderá fazer na parede,
muro, vala, cerca ou qualquer outra obra divisória (CC, art.1 .330).
Condomínio edilício ou em edificações é aquele formado de áreas exclusivas e áreas comuns dos condôminos
(CC/art. 1.331). A Lei 4.591/64 é de aplicação subsidiária ao CC/2002.
O condomínio não é pessoa jurídica, pois a lei não lhe confere personalidade, embora o CPC, art. 12, IX, admita-
lhe a capacidade de ser parte. Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que altera o CC/2002 e a Lei de
Registros Públicos (PL-80/2011), permitindo que os condomínios sejam constituídos em pessoa jurídica, seguindo as
legislações da França e do Chile.
Outras classificações sobre o condomínio são:
▪ pro diviso (comunhão de direito): é o exercido sobre parte certa e determinada da coisa, como se dono exclusivo
da parte ocupada;
▪ pro indiviso (comunhão de direito e de fato): é o ocupado em partes ideais, sem qualquer delimitação da coisa em
porções individualizadas
▪ permanente: não poderá extinguir-se dada a natureza do bem ou em virtude da relação jurídica que o gerou ou do
exercício do direito correlativo.
▪ transitório: denomina-se assim aquele que, oriundo ou não de convenção, vigora durante um certo lapso de tempo
ou enquanto não se lhe ponha termo, mas que sempre e em qualquer momento pode cessar
▪ universal: se compreender a totalidade do bem, inclusive frutos e rendimento
▪ singular ou particular: restringe a determinadas coisas ou efeitos, ficando livres os demais

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