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MATERIAL COMPLEMENTAR

SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE


PONTOS RELEVANTES DA
LEI Nº 14.133/2021

1
Agradecemos sua participação no Zênite Online e, para apri-
morar seus estudos, disponibilizamos este material complemen-
tar, que envolve uma série de artigos doutrinários, além de per-
guntas e respostas divulgadas na ferramenta eletrônica Zênite
Fácil, tratando de aspectos relevantes da nova lei de licitações,
apresentando as polêmicas e desafios do novo regime legal e
caminhos para solução.

Esperamos que o conteúdo aqui exposto, o material da apostila,


a apresentação e solução dos casos práticos e os ensinamentos
dos professores contribuam para seu aperfeiçoamento profis-
sional, bem como para a resolução das dificuldades vividas no
exercício de sua atividade.

A revisão linguística do conteúdo desta apostila é realizada de acordo com a norma culta
da Língua Portuguesa. As citações doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas são repro-
duzidas conforme o original. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo desta
2
apostila sem a permissão expressa da Zênite.
SUMÁRIO

DOUTRINAS

Lei nº 14.133/21: A nova lei de licitações está vigente e é


aplicável................................................................................................ 05

Aplicação da Lei nº 14.133/2021 depende da edição de novos


regulamentos?..................................................................................... 10

Pode a Administração licitar pela Lei nº 8.666/1993 e realizar


dispensas em razão do valor pela Lei nº 14.133/2021?................... 16

A aplicação da nova lei de licitações depende da criação do


Portal Nacional de Contratações Públicas?....................................... 20

Nova lei de licitações: o princípio do planejamento........................ 26

A polêmica da singularidade como condição para a


inexigibilidade de licitação que visa à contratação de serviço
técnico especializado de natureza predominantemente
intelectual............................................................................................. 31

A dispensa de licitação eletrônica é modalidade de licitação


disfarçada: reflexões sobre a Instrução Normativa Seges/ME nº
67/2021................................................................................................. 43

Nova lei de licitações: algumas inovações........................................ 53

Nova lei de licitação e contratação pública – A hora e a vez de


estados e municípios........................................................................... 62

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PERGUNTAS E RESPOSTAS

Existirá um período de convivência entre 2 regimes, o da Lei nº


8.666/1993 e o da nova Lei de Licitações. Qual será esse período?
Como escolher entre a aplicação de um ou outro regime? ............... 66

Quais órgãos, entidades e contratações estão vinculados à


nova Lei de Licitações e quais não são abrangidas por ela?........... 69

Se já realizada dispensa por valor com fundamento na Lei nº


8.666/1993 no exercício de 2021, é possível realizar novas
dispensas por valor com base na Lei nº 14.133/2021 no mesmo
exercício?.............................................................................................. 74

Como comprovar a exclusividade do fornecedor para a


inexigibilidade na nova Lei de Licitações? Quais as novidades
em relação a esse tema?...................................................................... 78

Quais são as novidades da nova Lei de Licitações em relação à


dispensa por emergência?.................................................................. 81

Em relação à instrução das contratações diretas, o que prevê a


nova Lei de Licitações?........................................................................ 84

Em relação às modalidades de licitação, quais são as principais


novidades da nova Lei de Licitações?................................................ 88

O orçamento será sigiloso na Nova Lei de Licitações?..................... 96

Qual a novidade da nova Lei de Licitações em relação à ordem


da fase de habilitação e apresentação da proposta? Qual o
impacto dessa novidade no pregão e na concorrência?................. 98

Quais riscos serão preferencialmente transferidos ao


contratado de acordo com a nova Lei de Licitações?....................... 101

É possível a formalização de termo aditivo a contratos com


efeitos retroativos, de acordo com a nova Lei de Licitações?......... 104
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

DOUTRINAS

LEI Nº 14.133/21: A NOVA LEI DE LICITAÇÕES ESTÁ VIGENTE E


É APLICÁVEL1-2
EQUIPE TÉCNICA ZÊNITE

Uma questão tem gerado discussões nos últimos dias, desde


que a nova Lei de Licitações nº 14.133/2021 foi sancionada:
a nova lei já seria aplicável?

A Lei entrou em vigor no dia 1º de abril último (art. 194). Ainda, nos
artigos 190 e seguintes criou algumas regras de transição: (i) contra-
tos firmados antes do dia 1º.04.2021 continuarão sendo regidos pela
Lei nº 8.666/1993 (art. 190); (ii) até o dia 1º.04.2023 a Administração
poderá optar por licitar/contratar diretamente conforme o regime da
legislação até então vigente ou a nova, cumprindo indicar, uma des-
sas 2 opções, na instrução pertinente (art. 191 c/c art. 193, inc. II); (iii)
a seção “Dos crimes e das Penas” prevista na Lei nº 8.666/1993 ficou
revogada em 1º.04.2021 (art. 193, inc.I); e (iv) as Leis nº 8.666/1993,
Lei nº 10.520/2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011 estarão
revogados em 1º.04.2023 (art. 193, inc. II).

Ao definir que a nova Lei passou a viger em 1º.04.2021 e que em 2


anos, a contar dessa data (até 1º.04.2023, portanto), a Administração
1 Artigo publicado originalmente no Blog Zênite. Disponível em: https://www.zenite.blog.br/lei-no-14-133-21-a-nova-lei-de-
-licitacoes-esta-vigente-e-e-aplicavel/.
2 ZÊNITE, Equipe Técnica. Lei nº 14.133/21: a Nova Lei de Licitações está vigente e é aplicável. Zênite Fácil, categoria Doutrina,
22 mai. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

poderá optar pelo regime jurídico que observará em cada processo de


contratação, fica muito clara a intenção do legislador no sentido de:

1º – anunciar a existência de um novo regime jurídico para as


licitações e contratos da Administração Pública, que já está
vigente; e,

2º – definir um período para “exercitar” esse novo regime


jurídico, para um adequado aprendizado e internalização
correspondente pelos agentes públicos, de modo que, entre
1º.04.2021 e 1º.04.2023 estes poderão, mediante aposição
expressa em cada processo administrativo de contratação,
optar pelo novo regime ou pelo regime até então vigor.

Um argumento que tem sido colocado como óbice à possibilidade de


aplicar o novo regime, desde o dia 1º.04.2021, tem em vista o disposto
no art. 94, caput, da Lei nº 14.133/2021, segundo o qual a “divulgação
no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indis-
pensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos”.

A nova Lei cria o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP),


enquanto sítio eletrônico oficial destinado à divulgação centraliza-
da e obrigatória dos atos exigidos pela Lei (art. 174, inc. I, da Lei nº
14.13320/21), a exemplo dos avisos de contratação direta e editais de
licitação e respectivos anexos, bem como minutas contratuais.

Por ser uma Lei muito preocupada com governança, fica bastante clara
a intenção do legislador pela transformação num governo fortemente
digital e com mecanismos de centralização. O PNCP compreenderá,
sem sombra de dúvida, importante instrumento nesse sentido.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Agora, não se pode confundir o “instrumento” com a “nor-


ma”, esta subjacente ao dispositivo.

E a “norma”, ao tratar do uso do PNCP como instrumento de pu-


blicidade dos atos praticados nos processos de contratação, antes
de qualquer outro fator, pretendeu materializar o dever de pu-
blicidade dos atos praticados nos processos de contratação,
e todos os reflexos a ele inerentes (transparência, controle,
prestígio à competitividade etc.).

Logo, até que seja criado o PNCP, cabe aos órgãos e entidades que
optarem por já adotar o regime da Lei nº 14.133/2021 (conforme ex-
pressamente autorizado no art. 191 c/c art. 193, inc. II e art. 194) obser-
varem, enquanto instrumento de publicidade, os veículos de
divulgação oficial atualmente existentes e que têm cumpri-
do a finalidade normativa, inclusive o próprio sítio eletrôni-
co oficial do órgão ou entidade.

E há outro aspecto que não pode passar despercebido. A Lei nº


8.666/1993 perderá a vigência apenas em 1º.04.2023. Portanto, en-
quanto o PNCP não estiver disponível, continua regendo a publicidade
dos atos praticados nos processos de contratação, em termos legais
e materiais, o disposto no art. 6º, inc. XIII, da Lei nº 8.666/1993, se-
gundo o qual, é a “Imprensa Oficial – veículo oficial de divulgação da
Administração Pública, sendo para a União o Diário Oficial da União, e,
para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, o que for definido
nas respectivas leis”.

Sabe-se que, na forma do art. 191 c/c art. 193, inc. II, da Lei nº
14.133/2021, cumprirá à Administração optar, em cada processo

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

de contratação, por um dos 2 regimes (Lei nº 14.133/2021 ou Lei nº


8.666/1993 e legislações correlatas), não sendo possível mesclá-los.
Contudo, frise-se, não se deve confundir o “instrumento”
com a “norma”. O que ambas as legislações pretendem, com os dis-
positivos da Lei nº 14.133/2021 que tratam do PNCP e o art. 6º, inc. XIII,
da Lei nº 8.666/1993, é indicar, no que tange à publicidade dos
atos praticados nos processos de contratação, qual será o ve-
ículo oficial de divulgação da Administração Pública, ou seja,
qual deve ser o instrumento por meio do qual ocorrerá a divulgação
oficial da Administração Pública.

Se o instrumento indicado pelo novo regime – PNCP – não existe, até


que seja criado e esteja disponível, para cumprir a norma, deve-se
empreender a divulgação pelos instrumentos de divulgação oficial em
vigor e disponíveis (dever de publicidade), na forma do art. 6º, inc.
XIII, da Lei nº 8.666/1993, somado à divulgação no sítio eletrônico oficial.

Não fosse assim, daqui a um ano, ao lançar um pregão, por exemplo,


adotando o regime da Lei nº 8.666/1993, ainda que já disponível e
operante o PNCP, este instrumento não poderia ser utilizado para di-
vulgação do procedimento, o que seria completamente questionável.
Eventual raciocínio nesse sentido colocaria em xeque um dos objeti-
vos de criação do PNCP, não somente enquanto veículo de divulgação
oficial das contratações públicas, mas igualmente de centralização,
transparência e controle.

Portanto, a partir do instante em que o PNCP estiver dispo-


nível, a veiculação nele será obrigatória, conforme disposto
no art. 54 da Lei nº 14.133/2021. Até lá os atos praticados nas

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

licitações e contratos serão publicados nos órgãos oficiais de


publicidade, como Diário Oficial e sítios eletrônicos oficiais
dos órgãos e entidades da Administração Pública. 

Reforça esse alinhamento o disposto no art. 8º, parágrafo 1º, inc. IV, e
parágrafo 2º, da Lei de Acesso à Informação, segundo o qual, ao tratar
do dever dos órgãos e entidades públicas de promover a divulgação de
informações de interesse coletivo ou geral, citam as “informações con-
cernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais
e resultados, bem como a todos os contratos celebrados”, de modo
que, para o cumprimento desse dever, “deverão utilizar todos os
meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo
obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial
de computadores (internet).” (Grifamos.)

Importante reforçar: adotar racionalidade diversa, além de ir de encon-


tro à autorização expressa na Lei que possibilita, desde logo, adotar o
novo regime que inaugura, seria desarrazoado, uma vez que é possível
cumprir a norma  (finalidade de publicidade) pelos veículos de
Imprensa oficial/sítio eletrônico oficial, e legítimos, até que o PNCP
seja criado e esteja disponível.

Em suma, para a Zênite a Lei nº 14.133/2021 está vigente e já


pode ser aplicada.

Aspectos que dependem de regulamentação (sendo, nessa medida,


normas de eficácia contida), serão tratados em novo post, em breve.

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APLICAÇÃO DA LEI Nº 14.133/2021 DEPENDE DA EDIÇÃO DE


NOVOS REGULAMENTOS?3-4
EQUIPE TÉCNICA ZÊNITE

A nova Lei de Licitações nº 14.133/2021 prevê expressões


como regulamento, regulamentação, ato do Poder, ato nor-
mativo/ato, num total de 53 vezes. 

A questão que fica: em todas essas referências é possível concluir que a Lei
ainda não é aplicável, compreendendo, desse modo, normas de eficácia
limitada? A resposta, no entendimento da Zênite, é negativa.

Sobre a aplicabilidade das normas, José Afonso da Silva comenta que,


“uma norma só é aplicável plenamente, se estiver aparelha-
da para incidir, o que suscita várias questões, além da interpretação,
como: estará em vigor; será válida ou legítima; é apta para pro-
duzir os efeitos pretendidos, ou precisará de outras normas
que lhe desenvolvam o sentido, em outras palavras, tem, ou
não tem, eficácia? Se a norma não dispõe de todos os requisitos para
sua aplicação aos casos concretos, falta-lhe eficácia, não dispõe de apli-
cabilidade. Esta se revela, assim, como possibilidade de aplicação. Para
que haja essa possibilidade, a norma há que ser capaz de produzir efei-
tos jurídicos.” (AFONSO DA SILVA, José. Aplicabilidade das normas cons-
titucionais. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 41 e 50.)  

3 Artigo publicado originalmente no Blog Zênite. Disponível em: https://www.zenite.blog.br/aplicacao-da-lei-no-14-


-133-2021-depende-da-edicao-de-novos-regulamentos/.
4 ZÊNITE, Equipe Técnica. Aplicação da Lei nº 14.133/2021 depende da edição de novos Regulamentos? Zênite Fácil, categoria
Doutrina, 22 mai. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Na Lei nº 14.133/2021 há normas que, apesar de vigentes e válidas,


não têm eficácia. Ou seja, sua aplicação pressupõe prévia atividade re-
gulamentar ou normativa (são normas de eficácia limitada). Outras,
no entanto, são vigentes, válidas e plenamente aplicáveis/eficazes.
Em outros termos, há normas na nova Lei de Licitações que
estão aparelhadas para plena aplicação.

Para fundamentar juridicamente essa conclusão partiremos de algu-


mas premissas interpretativas.

Conforme o art. 2º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Nor-


mas do Direito Brasileiro), “Não se destinando à vigência temporária, a lei
terá vigor até que outra a modifique ou revogue.” Ainda: “A lei posterior
revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja
com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria
de que tratava a lei anterior” (parágrafo 1º); e “A lei nova, que esta-
beleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,
não revoga nem modifica a lei anterior” (parágrafo 2º). 

Logo, a lei nova (a exemplo do que ocorre com uma mudança constitu-
cional) recepciona a normatividade legal e infralegal anterior desde
que: (i) não tenha sido expressamente revogada; (ii) seja compatível
com o novo regime legal; (iii) não tenha sido objeto de total regulação
pela nova lei. Observados esses elementos, temos aqui a aplicação da
chamada “teoria da recepção”, comumente citada em análises en-
volvendo normas constitucionais, mas que não se restringem a elas.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Portanto, se a lei anterior ou, mesmo, uma norma infralegal anterior (de-
creto, instrução normativa, ou outro) é compatível materialmente
com a lei nova; não adota “rótulo normativo” (decreto, instrução
normativa ou outro) incompatível com a nova lei (de modo que
teria rito diferente de elaboração/aprovação); e, ainda, a aplicação per-
tinente não gera conflito de competência à luz da nova lei (in-
suscetível de validação pela autoridade indicada na nova lei), então essa
normatização legal/infralegal anterior foi recepcionada. 

É essa análise que se exigirá relativamente a cada ponto indicado na


nova Lei de Licitações, como sujeito à regulamentação/edição de ato.  

Vejamos alguns exemplos.  

O art. 23, parágrafo 1º, da Lei nº 14.133/2021 pontua que, no “processo


licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral,
conforme regulamento, o valor estimado será definido com base
no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâ-
metros, adotados de forma combinada ou não: I – composição de cus-
tos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente
no painel para consulta de preços ou no banco de preços em saúde
disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP); II –
contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução
ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa
de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observa-
do o índice de atualização de preços correspondente; III – utilização
de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de
referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que con-


tenham a data e hora de acesso; IV – pesquisa direta com no mínimo
3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde
que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e
que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) me-
ses de antecedência da data de divulgação do edital; e V – pesquisa na
base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.”  

Essa é uma matéria que, no nosso entendimento, não depende de


nova regulamentação para ser aplicada. É válida, vigente e eficaz. Fica
muito evidente que a teleologia da nova Lei é a mesma presente na
Instrução Normativa nº 73/2020, a qual dispõe sobre o procedimento
administrativo para a realização de pesquisa de preços para a aquisi-
ção de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da admi-
nistração pública federal direta, autárquica e fundacional. Logo, toda
a disciplina prevista nessa Instrução Normativa que não conflitar/con-
trariar a nova Lei, foi recepcionada e, nesse sentido, sem sombra de
dúvida, compreenderá o norte de aplicação da nova Lei, até que um
novo regulamento seja editado.  

O mesmo se diga relativamente às terceirizações, sobretudo aquelas


envolvendo mão de obra em regime de exclusividade. O tratamento
conferido pela nova Lei de Licitações está alinhado com a discipli-
na presente no Decreto nº 9.507/2018 e na Instrução Normativa nº
05/2017, de modo que, possível entender, estes normativos foram re-
cepcionados pela nova Lei de Licitações, até que novos normativos se-
jam elaborados e publicados. Aliás, será um importante alicerce para
o tratamento de aspectos não disciplinados pela nova Lei, cobrindo

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

essas lacunas, bem como porque compreende, na atualidade, o marco


normativo que encerra as boas práticas em terceirizações de serviços
amplamente recomendadas pelos órgãos de controle. Evidentemente,
não serão aplicadas as disposições que contrariarem/conflitarem com
a Lei nº 14.133/2021.  

Por outro lado, podemos citar um exemplo de disciplina da nova Lei de


Licitações cuja aplicação depende do exercício do poder normativo, sen-
do norma de eficácia limitada: “Art. 26. No processo de licitação, poderá
ser estabelecida margem de preferência para: I – bens manufaturados e
serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras; II – bens
reciclados, recicláveis ou biodegradáveis, conforme regulamento. § 1º A
margem de preferência de que trata o caput deste artigo: I – será defi-
nida em decisão fundamentada do Poder Executivo federal, no caso do
inciso I do caput deste artigo; II – poderá ser de até 10% (dez por cento)
sobre o preço dos bens e serviços que não se enquadrem no dispos-
to nos incisos I ou II do caput deste artigo; III – poderá ser estendida a
bens manufaturados e serviços originários de Estados Partes do Merca-
do Comum do Sul (Mercosul), desde que haja reciprocidade com o País
prevista em acordo internacional aprovado pelo Congresso Nacional e
ratificado pelo Presidente da República. § 2º Para os bens manufatura-
dos nacionais e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e
inovação tecnológica no País, definidos conforme regulamento do Po-
der Executivo federal, a margem de preferência a que se refere o caput
deste artigo poderá ser de até 20% (vinte por cento).”  

Em conclusão: a Lei nº 14.133/2021 está vigente e é aplicável, desde


1º.04.2021. E apesar de em diversas vezes sujeitar determinada discipli-

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

na a regulamento/edição de ato, nem todas essas regras podem ser con-


sideradas “normas de eficácia limitada”.  Pela “teoria da recepção”, utili-
zada até mesmo para amparar a receptividade de normas anteriores a
novo texto constitucional (quiçá, novo texto legal, como é o caso),
devem ser acolhidas instruções, orientações normativas e, mesmo, de-
cretos, desde que exista identidade de teleologia/compatibilidade ma-
terial (e observadas as demais diretrizes indicadas no texto) e, é claro,
naquilo que não conflitar materialmente com o novo regime jurídico. 

Com a sobrevinda de novos normativos, o que deve acontecer e é


de todo recomendável, é que esses deixarão de ser aplicados. 

Esse encaminhamento, além de operar em favor da eficiência e da se-


gurança jurídica, potencializa a aplicação da nova Lei de Licitações por
parte dos órgãos e entidades da Administração Pública, prestigiando
o novel regime jurídico das contratações públicas. 

O que se orienta, de toda forma, sobretudo em razão da grande polê-


mica envolvendo a temática, é que o edital da licitação seja expresso
relativamente às normas utilizadas no processo de contratação.

POST ATUALIZADO: o racional desenvolvido no texto envolve as


normas de eficácia limitada e não contida, como constava da re-
dação anterior.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

PODE A ADMINISTRAÇÃO LICITAR PELA LEI Nº 8.666/1993


E REALIZAR DISPENSAS EM RAZÃO DO VALOR PELA LEI Nº
14.133/2021?5-6
EQUIPE TÉCNICA ZÊNITE

Consoante dispõe o art. 191 da Lei nº 14.133/2021, durante o


prazo de dois anos em que a nova lei de licitações coexistirá
com a legislação antiga que disciplina o assunto, a Adminis-
tração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de
acordo com o novo regime ou de acordo com as leis do regi-
me antigo. Qualquer que seja a opção escolhida, esta deverá
ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instru-
mento de contratação direta, sendo vedada a aplicação com-
binada entre os regimes.

A Lei nº 14.133/2021 não confere nenhum parâmetro ou requisito para


a escolha do regime jurídico que será aplicado. Significa dizer, confere
margem de discricionariedade para que a autoridade competente
pela aprovação do processo de contratação proceda essa escolha.

Ao que nos parece, a intenção do legislador ao adotar essa fórmula


para promover a transição entre o regime antigo e o novo teve o obje-
tivo de permitir que cada órgão e entidade da Administração Pública,
submetidos à novel legislação, possam aos poucos “treinar” a sua apli-
cação.
5 Artigo publicado originalmente no Blog Zênite. Disponível em: https://www.zenite.blog.br/pode-a-administracao-licitar-
-pela-lei-no-8-666-1993-e-realizar-dispensas-em-razao-do-valor-pela-lei-no-14-133-2021/.
6 ZÊNITE, Equipe Técnica. Pode a Administração licitar pela Lei nº 8.666/1993 e realizar dispensas em razão do valor pela Lei nº
14.133/2021? Zênite Fácil, categoria Doutrina, 22 mai. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago.
2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Sob esse enfoque, parece possível indicar que um primeiro critério


para a escolha entre os regimes deve se basear, entre outros fatores,
na capacidade de a Administração colocar em prática as disposições
da Lei nº 14.133/2021. Os servidores envolvidos com o processamen-
to da contratação pública estão a par das disposições da nova lei? Os
processos de trabalho já foram adequados às exigências que a nova
lei impõe? Questões dessa ordem, dentre outras, devem informar a
capacidade de a Administração atender aos mandamentos da Lei nº
14.133/2021.

Feita a análise sugerida, pode a Administração concluir ser mais ade-


quado neste momento continuar licitando pelo regime da Lei nº
8.666/93, Lei nº10.520/2002 e Decreto nº 10.024/2019. Sem prejuízo
a essa decisão, pode entender que, quanto às dispensas em razão do
valor (art. 75, inc. I e II), possível já implementar o novo regime.

Note-se, porém, que ao decidir nesse sentido, toda a instrução do pro-


cesso de contratação direta cumprirá se dar na forma do art. 72 da Lei
nº 14.133/2021. Ainda, de acordo com o disposto no parágrafo único
deste artigo, “O ato que autoriza a contratação direta ou o extrato de-
corrente do contrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do
público em sítio eletrônico oficial”.

O aspecto controvertido girará em torno do contido no art. 94, inc. II,


da Lei nº 14.133/2021, o qual exige a divulgação no Portal Nacional
de Contratações Públicas (PNCP) como condição indispensável para
a eficácia do contrato, em 10 dias úteis da assinatura do contrato, na
hipótese de contratação direta.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Ocorre que o aludido Portal ainda não foi disponibilizado pelo Poder
Executivo federal, o que enseja controvérsia a respeito da aplicabilida-
de material da Lei nº 14.133/2021. Sem ignorar o caráter controvertido
que norteia a questão, a Consultoria Zênite sustenta a tese de que a
Lei nº 14.133/2021 se encontra válida, perfeita e aplicável, não depen-
dendo, para tanto, da regulamentação e criação do PNCP. É certo que
a nova Lei, em diversos momentos, se reporta a regulamentos; porém,
nem todos os pontos dependerão de prévia regulamentação. Alguns
sim, outros não.

Conforme já aduzimos em outras oportunidades (post aqui), para a


Zênite, enquanto o portal citado não for criado, a publicidade dos atos
e contratos descritos deverá ocorrer nos termos em que o são na atua-
lidade, ou seja, nos órgãos oficiais de publicidade, como Diário Oficial
e sítios eletrônicos oficiais dos órgãos e entidades da Administração
Pública.

Adotada essa linha de interpretação, desde que atendidas as condi-


ções fixadas na Lei nº 14.133/2021 para a contratação direta por dis-
pensa de licitação em razão do valor, em especial os requisitos fixados
para a instrução do processo administrativo de contratação direta (art.
72) e para a aplicação dessa hipótese de exceção ao dever de licitar
(art. 75, inciso II c/c § 1º), possível promover a contratação direta com
base na nova lei.

Em outros termos, ao concluir ser mais razoável e adequado à sua rea-


lidade neste momento, nada impediria a Administração optar por ad-
quirir bens e serviços por meio de licitações por hora utilizando a Lei nº

18
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

8.666/93, Lei nº 10.520/2002 e Decreto nº 10.024/2019 e, relativamen-


te aos processos de contratação direta via dispensa em razão do valor,
adotar a Lei nº 14.133/21.

Para tanto, o ideal é que exista uma decisão motivada e chancelada


pela autoridade superior a respeito, de modo que todas as dispensas
em razão do valor, daqui para frente, sejam fundamentadas no novo
regime. Isso até para fins de controle do limite de gastos com objetos
de mesma natureza ao longo do exercício, e o limite definido legal-
mente para dispensa.

19
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

A APLICAÇÃO DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES DEPENDE


DA CRIAÇÃO DO PORTAL NACIONAL DE CONTRATAÇÕES
PÚBLICAS?7
JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS

Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito Admi-


nistrativo pela UFPR.

Uma questão jurídica da maior relevância, e que pode produzir


importantes impactos na Administração Pública brasileira é: a
aplicação da Lei nº 14.133/2021 (nova lei de licitações) depen-
de da criação do Portal Nacional de Contratações Públicas?

O Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é sítio eletrônico


oficial destinado à: I - divulgação centralizada e obrigatória dos atos
exigidos por esta Lei; II - realização facultativa das contratações pelos
órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de
todos os entes federativos (art. 174).

À toda vista se trata de norma geral, aplicável, por disposição expressa


normativa, para todos os entes federados. A corroborar esta tese, tem-
-se que o PNCP será gerido pelo Comitê Gestor da Rede Nacional de
Contratações Públicas, que conta com a participação de representan-
tes de todos os entes da federação (art. 174, §1º).
7 SANTOS. José Anacleto Abduch. A aplicação da nova Lei de Licitações depende da criação do Portal Nacional de Contratações
Públicas? Zênite Fácil, categoria Doutrina, 09 abr. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago.
2021.

20
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Com a edição da Lei nº 14.133/2021, o veículo oficial de divulgação dos


atos relativos às licitações e contratações públicas passa a ser o PNCP.

Dentre outras referências, duas normas versando sobre publicidade


dos atos licitatórios e contratuais podem ser destacadas na nova lei.

Primeira, a contida no art. 54, que preceitua:

Art. 54. A publicidade do edital de licitação será realizada mediante di-


vulgação e manutenção do inteiro teor do ato convocatório e de seus
anexos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).

E aquela contida no art. 94:

Art. 94. A divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas


(PNCP) é condição indispensável para a eficácia do contrato e de seus
aditamentos e deverá ocorrer nos seguintes prazos, contados da data
de sua assinatura:

I - 20 (vinte) dias úteis, no caso de licitação;

II - 10 (dez) dias úteis, no caso de contratação direta.

§ 1º Os contratos celebrados em caso de urgência terão eficácia a par-


tir de sua assinatura e deverão ser publicados nos prazos previstos nos
incisos I e II do caput deste artigo, sob pena de nulidade.

Referidas normas podem induzir a duas conclusões distintas, ambas,


claro, defensáveis, afinal, interpretação implica a busca do melhor signi-
ficado, dentre os vários possíveis, de um determinado texto normativo.

21
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

A interpretação literal das normas pode, com efeito, levar à conclusão


hermenêutica no sentido de que somente após a criação do PNCP a
nova lei pode ser aplicada, pois (i) a publicidade dos editais de licita-
ção deve ser feita no Portal; e (ii) a publicação do extrato do contrato
no Portal é condição de sua eficácia.

Não parece ser esta a melhor interpretação.

Primeiro: porque o art. 194 determina que a Lei entra em vigor na


data de sua publicação, o que ocorreu no dia 1º de abril de 2021.

Segundo: porque o art. 1º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 estabelece


que “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país
quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”.

Terceiro: a eficácia de uma norma somente pode ser limitada ou con-


tida mediante disposição expressa – ou, como defendem alguns, no
mínimo implícita.

Por fim, não parece atender o interesse público vincular a eficácia de


uma lei à implementação de um banco de dados – a não ser que o
objeto da lei fosse unicamente a criação deste banco de dados, ou que
a sua aplicação dependesse materialmente dele – o que não é o caso.

Tem-se, assim, que a Lei nº 14.133/2021 é válida, vigente e eficaz (à


exceção de eventuais normas que dependam de regulamentação, o
que demanda indicação expressa, como dito).

Ora, se a Lei é vigente, pode ser aplicada. Ademais, a própria Lei estabe-
lece que “até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art.

22
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente


de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido in-
ciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital
ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação
combinada desta Lei com as citadas no referido inciso” (art. 191).

O legislador, em momento algum, vinculou a vigência da lei à cria-


ção do Portal Nacional de Contratações Públicas, o que pode levar
a outra conclusão no que tange à aplicabilidade imediata da Lei nº
14.133/2021.

E esta outra conclusão decorre de uma interpretação sistemática ou


sistêmica das normas contidas na nova lei de licitações.

Partindo-se da premissa de que a Lei tem vigência, e tem, como visto.


E de que não se pode admitir eficácia contida ou limitada de nenhuma
de suas normas sem expressa previsão também legal – ainda que im-
plícita -, é possível deduzir conclusão no sentido da possibilidade de
aplicação imediata do regime jurídico da Lei nº 14.133/2021.

O primeiro argumento em favor da eficácia imediata da Lei nova tem


relação com a função do Portal Nacional de Contratações Públicas.
Trata-se de um banco de dados que conterá informações relevantes e
indispensáveis sobre licitações e contratações públicas.

Será, também como visto, o veículo oficial de publicidade dos atos re-
lativos às licitações e contratos da Administração Pública – à exceção
das empresas estatais.

23
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Ora, esta função pode ser suprida, sem qualquer prejuízo de publicida-
de, pelo sistema de publicidade oficial dos atos administrativos. Nor-
malmente a publicação em Diário Oficial. A publicidade dos atos re-
lativos a licitações e contratos pode e deve ocorrer também por meio
dos sítios eletrônicos oficiais – para conferir eficiência às publicações.

O relevante e de interesse público é que ocorra efetivamente a publi-


cação dos instrumentos convocatórios e dos extratos dos contratos –
cumprindo o princípio constitucional da publicidade.

Nem se diga que esta sistemática ensejará prejuízos ou riscos de pu-


blicidade, pois é a sistemática de que se vale a Administração Pública
com fundamento na Lei nº 8666/93.

Nesta medida, a interpretação sistemática das normas que exigem a


publicação no Portal Nacional de Contratações Públicas leva à conclu-
são de que (i) enquanto não for criado referido Portal, a publicidade
dos atos e contratos se dará por intermédio dos veículos oficiais de
publicação e sítios eletrônicos dos entes e órgãos da Administração
Pública; e (ii) a publicação no Portal somente será condição para eficá-
cia dos contratos após a sua efetiva criação.

O segundo argumento em favor da eficácia imediata da nova Lei é de


ordem lógico-jurídica. Não há sentido jurídico em vincular a vigência
e a eficácia de uma Lei à criação de um banco de dados informatizado,
que se presta a uma finalidade – conferir publicidade aos atos – que
pode ser atingida por outros meios jurídicos legítimos e válidos.

24
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Por hipótese, imagine-se que, transcorridos os dois anos de que trata


o art. 193, II da nova Lei tenhamos a revogação da Lei nº 8.666/1993,
mas ainda não tenhamos um Portal Nacional de Contratações Públi-
cas.

Neste caso, lamentavelmente não poderemos mais realizar licitações


ou contratações públicas, pois não haverá lei vigente ou eficaz, para,
nos estreitos limites da legalidade administrativa, amparar a Adminis-
tração Pública. Porque não foi criado um banco de dados informatiza-
do...

Acompanhe também novidades sobre contratações públicas no


instagram: joseanacleto.abduch.

25
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

NOVA LEI DE LICITAÇÕES: O PRINCÍPIO DO PLANEJAMENTO8


JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS

Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito Admi-


nistrativo pela UFPR.

“Não há bons ventos para quem não sabe para onde vai” (Sêneca). Para
saber para onde ir, é preciso planejar. Planejamento é o conjunto de
providencias e de decisões adotadas previamente à execução de uma
determinada ação. Planejar uma contratação implica uma pluralidade
de providências preliminares, basicamente destinadas a identificar a
necessidade que deve ser satisfeita com a execução do contrato, a so-
lução ou objeto que seja o mais adequado para satisfazer esta neces-
sidade pública e estimar o preço a ser pago por esta execução, sempre
com vistas à melhor relação custo-benefício (“value for Money”).

Embora tenhamos algumas normas infralegais tratando do plane-


jamento das contratações públicas, como a Instrução Normativa nº
05/07 da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desen-
volvimento e Gestão, o trato substancial do planejamento não estava
previsto em uma Lei contendo normas gerais de licitações e contra-
tos. O Projeto de Lei (PL) nº 4.253/2020 aprovado no Senado Federal,
que cria um marco legal para substituir as Leis: 8.666/93, 10.520/02
e 12.462/11 traz uma disciplina específica sobre o planejamento das
licitações e dos contratos públicos, e com ela, um dever legal de bem
planejar as contratações a partir do princípio do planejamento.

8 SANTOS, José Anacleto Abduch. Nova lei de licitações: o princípio do planejamento, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 18 dez.
2020. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

A nova lei passa a prever, no art. 5º, que o planejamento é um dos prin-
cípios que devem ser observados na sua aplicação.

O princípio do planejamento tem duplo conteúdo jurídico.

Por primeiro, o de fixar o dever legal do planejamento. A partir deste


princípio, se pode deduzir que a Administração Pública deverá plane-
jar toda a licitação e toda a contratação pública. Mas não é só isso. Não
é a realização de qualquer planejamento que atenderá dito princípio.
O planejamento que se exige é aquele que seja eficaz e eficiente, e que
se ajuste a todos os outros princípios, regras e valores jurídicos previs-
tos na Constituição Federal e na Lei.

O dever jurídico é de um planejamento adequado, suficiente, tecnica-


mente correto e materialmente satisfatório.

Este planejamento adequado pressupõe a adoção de todas as provi-


dências técnicas e administrativas voltadas a identificar com precisão
a necessidade a ser satisfeita com a execução do contrato, a correta
definição do objeto ou solução técnica, e a precisa estimativa do preço
de referência, bem como todas as demais definições indispensáveis
para configurar de modo eficaz e eficiente a licitação e o contrato.

O segundo conteúdo jurídico extraível do princípio do planejamento


diz respeito com a responsabilidade por omissão própria. A omissão se
evidencia quando “o agente não faz o que pode e deve fazer, que lhe é
juridicamente ordenado”.1 A ação determinada pela Lei, nesta medida,
é a de planejamento correto, suficiente e adequado da licitação e da

27
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

contratação. O descumprimento desta determinação legal, de bem


planejar, pode caracterizar conduta omissiva própria2.

Assim, não existindo justificativa para realizar o planejamento adequa-


do da licitação e do contrato, a falta ou insuficiência dele pode ensejar
a responsabilidade

Nos termos do disposto no art. 28 do Decreto-Lei nº 4.657/42, “o agen-


te público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões
técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.

O Decreto nº 9.830/18 prevê que “considera-se erro grosseiro aquele


manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracte-
rizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, impru-
dência ou imperícia”.

A omissão de planejamento, para ensejar responsabilização pessoal


do agente público será apenas aquela de maior gravidade, que supere
a simples falta de diligência, de pequena imprudência ou de imperícia
que não seja grave.

A conduta descuidada, equivocada, incorreta, apressada, desidiosa,


ineficiente, se não for dolosa, somente ensejará responsabilidade pes-
soal se for grave de modo a caracterizar o erro grosseiro.

ERRO GROSSEIRO NO PLANEJAMENTO DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA

A inexistência de estudos e avaliações técnicas mínimas caracteriza


erro grosseiro no que tange à necessidade pública que se pretende
resolver pela via do contrato.

28
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Também caracteriza erro grosseiro a inexistência de registros formais


descrevendo (ainda que de modo sucinto) em documentos técnicos
com conteúdo técnico proporcional à complexidade da situação fá-
tica, como requisições, termos de referência, estudos preliminares e
congêneres.

Esta etapa de definição da necessidade a ser satisfeita pela via do con-


trato deve incluir, pena de caracterização de erro grosseiro, o levan-
tamento de todas as providências a cargo da Administração Pública
imprescindíveis para o início da execução contratual, como: licencia-
mento ambiental prévio, adaptação dos prédios ou da estrutura física
da organização pública (rede lógica, elétrica, hidráulica, etc.), licença ou
autorização da vigilância sanitária ou do Corpo de Bombeiros, quando
for o caso, dentre outras. A falta ou insuficiência de estudos prelimina-
res, análises, medições, avaliações técnicas ou jurídicas envolvendo a
necessidade a ser suprida pela via do contrato pode ensejar erro gros-
seiro – a depender da gravidade da conduta - e a responsabilização
pessoal do agente público a quem foram designadas tais atribuições.

Noutro prisma, o objeto da contratação adequado será aquele que


tem potencialidade de satisfação plena da necessidade identificada e
que demanda a contratação de particulares para ser satisfeita. A con-
tratação de um objeto que não tem, no mínimo, a potencialidade de
satisfazer tal necessidade caracteriza um erro grosseiro.

Terá potencialidade para tal desiderato o objeto descrito na conformi-


dade do mercado em que está inserido. Conhecer o mercado em que
se insere o objeto da contratação é um dos deveres elementares e fun-

29
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

damentais dos agentes públicos quando da definição da solução téc-


nica que será licitada. Caracteriza erro grosseiro licitar um objeto sem
conhecimento mínimo do mercado concorrencial (de suas particulari-
dades essenciais) em que se insere ele. A licitação de um objeto fora
dos padrões de mercado pode levar a licitações desertas ou fracassa-
das, ou a execuções contratuais insatisfatórias e mesmo desastrosas.

Estes alguns dos desdobramentos jurídicos do princípio do planeja-


mento previsto na nova lei de licitações.

Acompanhe também novidades sobre contratações públicas no insta-


gram: joseanacleto.abduch.

1
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1.
16ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 279.

2
Há, portanto, a omissão de um dever de agir imposto normativamente,
quando possível cumpri-lo, sem risco pessoal. (BITENCOURT, Cezar
Roberto. Ob. Cit. p. 280.

30
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

A POLÊMICA DA SINGULARIDADE COMO CONDIÇÃO PARA A


INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO QUE VISA À CONTRATAÇÃO
DE SERVIÇO TÉCNICO ESPECIALIZADO DE NATUREZA
PREDOMINANTEMENTE INTELECTUAL9
JOEL DE MENEZES NIEBUHR

Advogado, Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP.

Armou-se uma bela controvérsia em torno da inexigibilidade de licita-


ção contida no inciso III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021, especial-
mente ao comparar a sua redação com a do inciso II do artigo 25 da
Lei n. 8.666/1993, que, de certa forma, lhe é equivalente, porque am-
bas tratam da contratação de serviços técnicos prestados por notórios
especialistas. Sucede que o inciso II do artigo 25 da Lei n. 8.666/1993
exige, literalmente, que o serviço objeto da inexigibilidade seja qua-
lificado como singular. Por sua vez, o inciso III do artigo 74 da Lei n.
14.133/2021, também literalmente, exige apenas que o serviço seja
considerado técnico especializado de natureza predominantemente
intelectual e não menciona a expressão singular nem algo do gênero.
O dispositivo da nova Lei, pelo menos em sua literalidade, não restrin-
ge a inexigibilidade ao serviço singular.

O mesmo ocorreu, é bom lembrar, com o inciso II do artigo 30 da Lei


n. 13.303/2016, que trata da hipótese equivalente de inexigibilidade
para as empresas estatais, cujo teor não prescreve expressamente a
singularidade como condição para a inexigibilidade, bastando que o
9 NIEBUHR, Joel de Menezes. A polêmica da singularidade como condição para a inexigibilidade de licitação que visa à contra-
tação de serviço técnico especializado de natureza predominantemente intelectual, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 11 mai.
2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

31
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

contratado seja notório especialista e que o serviço seja técnico es-


pecializado. A controvérsia já se abriu diante da Lei n. 13.303/2016 e
agora se se intensifica, pela semelhança, na Lei n. 14.133/2021.

Leiam-se os dispositivos, lado a lado:


Lei nº Lei nº
Lei nº 8.666/1993
13.303/2016 14.133/2021
Art. 25.  É inexigível Art. 30. A contra- Art. 74. É inexigível
a licitação quando tação direta será a licitação quando
houver inviabilidade feita quando houver inviável a competi-
de competição, em inviabilidade de com- ção, em especial nos
especial: [...] II - para petição, em especial casos de: [...] III - con-
a contratação de ser- na hipótese de: [...] tratação dos seguin-
viços técnicos enu- II - contratação dos tes serviços técnicos
merados no art. 13 seguintes serviços especializados de na-
desta Lei, de natureza técnicos especiali- tureza predominan-
singular, com profis- zados, com profis- temente intelectual
sionais ou empresas sionais ou empresas com profissionais ou
de notória especia- de notória especia- empresas de notória
lização, vedada a lização, vedada a especialização, veda-
inexigibilidade para inexigibilidade para da a inexigibilidade
serviços de publici- serviços de publicida- para serviços de pu-
dade e divulgação; de e divulgação: [...] blicidade e divulga-
(grifo acrescido) ção: [...]

32
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Em síntese, a questão é se, nas hipóteses do inciso II do artigo 30 da Lei


n. 13.303/2016 e do inciso III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021, a ine-
xigibilidade depende ou não da singularidade do objeto do contrato.

Vozes gabaritadas da doutrina defendem que a inexigibilidade não


depende da singularidade; apenas da qualificação do objeto do con-
trato como serviço técnico especializado e do contratado como notó-
rio especialista. Destacam-se, nessa direção, três argumentos:

i. Literalidade - O inciso II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016 e o


inciso III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021 não prescrevem a singu-
laridade como condição para a inexigibilidade, o que decorre da von-
tade clara do legislador, especialmente se compararmos os referidos
dispositivos com o inciso II do artigo 25 da Lei n. 8.666/1993.1 As leis
mais recentes, Lei n. 13.303/2016 e Lei n. 14.133/2021, não deveriam
ser interpretadas com excessivo apego à Lei n. 8.666/1993.

(ii) Indeterminação – O conceito de singularidade é indeterminado,


bastante subjetivo e, por via de consequência, de difícil aplicação, o
que abre espaços para excessos dos órgãos de controle que acabam
por inviabilizar hipóteses de inexigibilidade legítimas previstas pelo
legislador e por responsabilizar agentes administrativos e pessoas
contratadas que atuam de boa-fé e em acordo com a legalidade.2

(iii) Distinção entre necessidade e objeto – O objeto do contrato


não precisa ser singular, porém a necessidade da Administração que
motiva a contratação é que deve sê-lo, o que demanda a caracteriza-

33
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

ção da necessidade administrativa e da proporcionalidade da solução


dada.3

Refutam-se os argumentos, com a máxima deferência aos que os de-


fendem.

i. Refutação do argumento da literalidade – A inexigibilidade


pressupõe inviabilidade de competição. Os próprios caput do artigo
30 da Lei n. 13.303/2016 e caput do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021
condicionam as hipóteses previstas nos seus incisos à inviabilidade de
competição. O decisivo é que não há inviabilidade de competição para
a contratação de serviços que não sejam singulares, que sejam ordiná-
rios e comuns, ainda que eventualmente se pretenda contratar pro-
fissional ou empresa de notória especialização. Sucede que serviços
ordinários e comuns, que não são serviços singulares, podem ser pres-
tados por quaisquer profissionais ou empresas e não necessariamen-
te por profissionais ou empresas de notória especialização. Portanto,
todos os profissionais ou empresas, qualificados para prestar tais ser-
viços, por força do princípio da isonomia, têm o direito de disputar os
respectivos contratos com igualdade, o que depende da licitação pú-
blica. A inviabilidade de competição somente se configura se o serviço
a ser contratado por meio da inexigibilidade requeira os préstimos de
alguém que possa ser qualificado como notório especialista, a ponto
de recusar critérios objetivos de julgamento. A existência de critérios
objetivos para comparar propostas impõe a obrigatoriedade de licita-
ção pública, sendo que a inexigibilidade ocorre somente nas hipóteses
em que o serviço pretendido pela Administração Pública é apreciado

34
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

por critérios subjetivos. Logo, não basta que o profissional seja repu-
tado notório especialista, porque, antes de levá-lo em consideração, é
essencial que o serviço visado requeira os préstimos de alguém assim
qualificado.4 Dito de outro modo, se o serviço é ordinário ou comum e
quaisquer profissionais ou empresas podem prestá-lo, não se visualiza
a inviabilidade de competição, que é a premissa lógica de qualquer
hipótese de inexigibilidade de licitação. Dessa forma, as hipóteses
de inexigibilidade do inciso II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016 e do
inciso III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021 são sim condicionadas e
dependem de serviços singulares, não encontrando lugar para a con-
tratação de serviços ordinários e comuns. O fundamento legal literal
não reside no inciso II do artigo 30 da Lei n. 13.303/2016 ou no inciso
III do artigo 74 da Lei n. 14.133/2021, porém nas cabeças dos referidos
artigos, que condicionam qualquer inexigibilidade à inviabilidade de
competição e, sendo assim, ainda que não o façam de forma expressa,
remetem à singularidade. De mais a mais, como sabido, a eventual e
suposta vontade do legislador não é o que deve prevalecer, porém sim
o teor dos enunciados normativos, sobremodo em acordo com a Cons-
tituição Federal, em que se destaca a parte inicial do inciso XXI do seu
artigo 37, cujo teor prescreve a licitação como regra e a contratação
direta como exceção.5

(ii) Refutação do argumento da indeterminação – O conceito


de serviço singular é sim indeterminado. Conceitos jurídicos indeter-
minados são frequentes e permeiam o Direito Administrativo e o uni-
verso das licitações e contratações. O conceito de interesse público,
que corresponde à pedra de toque do Direito Administrativo, também

35
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

o é, da mesma forma que outros centrais para as licitações e contratos,


como os de normas gerais, emergência, e bens e serviços comuns.
Alegar que um conceito jurídico é indeterminado e que ele causa pro-
blemas em razão da sua indeterminação não é razão suficiente para
negá-lo e para defender o seu oposto. O problema, na verdade, não
é a indeterminação do conceito de singularidade, porém os supostos
excessos dos órgãos de controle, que, muitas vezes, não respeitam as
competências dos agentes administrativos e o atributo da presunção
de legitimidade e da legalidade dos atos administrativos. Esse é o ver-
dadeiro problema que precisa ser enfrentado, de solução difícil e com-
plexa, e não o fato de a inexigibilidade depender da qualificação do
objeto do contrato como singular.

(iii) Refutação do argumento da distinção entre necessidade


e objeto – Necessidade (demanda) e objeto são sim coisas diferentes,
porém diretamente ligadas. O objeto singular depende da necessida-
de (demanda) singular. Dizendo de outra forma, a necessidade (de-
manda) singular é o que justifica a contratação de um objeto singular,
sendo que a singularidade presente na necessidade (demanda) deve
ser a mesma presente no objeto, porque necessidade (demanda) e ob-
jeto andam juntos, não se dissociam. Por exemplo, a Administração
identifica a necessidade (demanda) singular de contratar parecer ju-
rídico sobre a matéria A, considerada de elevada complexidade. Não
seria plausível que, para atender a tal demanda, o objeto do contrato
fosse parecer jurídico sobre a matéria B, considerada de baixa comple-
xidade. Por evidente, o objeto precisa seguir a necessidade (deman-
da) e o cerne da questão continua o mesmo: a singularidade. Mudar

36
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

o endereço da discussão sobre a singularidade do objeto para a da


necessidade (demanda) não resolve problema prático algum. Afora
não resolver, não faz sentido, porque a discussão sobre a singularida-
de do objeto sempre trouxe consigo a discussão sobre a singularidade
da necessidade (demanda). E, nesse passo, a necessidade (demanda)
singular não justifica a contratação de objeto não singular, dado que,
insista-se, o objeto deve atender à necessidade (demanda). A singu-
laridade da necessidade (demanda) e a do objeto devem ser justifica-
das sob a mira do princípio da proporcionalidade, nas suas facetas da
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Dar
ênfase ao princípio da proporcionalidade é útil, mas, em sua essência,
não altera o fato que a inviabilidade da competição depende da singu-
laridade do objeto da contratação, o que pressupõe a singularidade da
necessidade (demanda).

Convém frisar que o Tribunal de Contas da União já se posicionou


acerca da controvérsia com vistas ao inciso II do artigo 30 da Lei n.
13.303/2016, exigindo para a configuração da inexigibilidade a carac-
terização do serviço como singular. Por coerência, porque a redação
é praticamente idêntica, é de esperar que mantenha o entendimento
em face do inciso III do artigo 174 da Lei n. 14.133/2021. Leia-se:

A contratação direta de escritório de advocacia por empresa estatal


encontra amparo no art. 30, inciso II, alínea “e”, da Lei 13.303/2016,
desde que presentes os requisitos concernentes à especialidade e à
singularidade do serviço, aliados à notória especialização do contra-
tado.6

37
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

O debate é bem-vindo e, em que pese as discordâncias, põe luz sobre


aspectos relevantes, notadamente os excessos dos órgãos de contro-
le no tocante à análise das contratações firmadas por inexigibilidade
diante da indeterminação do conceito do vocábulo singular. Infeliz-
mente, é frequente que os órgãos de controle apenas substituam o
juízo sobre a singularidade empreendido pela Administração pelo seu
próprio juízo, tudo impregnado por grau elevado de subjetividade,
causando insegurança jurídica, inviabilizando inexigibilidades legíti-
mas e penalizando agentes públicos e pessoas contratadas que atuam
de boa-fé e dentro da legalidade. A atuação dos órgãos de controle,
nesse e em muitos outros assuntos, precisa ser aprumada à presunção
de legitimidade e de legalidade dos atos administrativos, com defe-
rência aos juízos administrativos e em postura de autocontenção.

Os eventuais desacertos de órgãos de controle não justificam hipótese


de inexigibilidade que prescinda da singularidade, para a contratação
de serviços que possam ser prestados com técnica comum, julgados
por critérios objetivos e que não dependam da intervenção de notó-
rios especialistas. A inexigibilidade, qualquer que seja, é fundada na
inviabilidade de competição e, por consequência, na singularidade do
seu objeto. Não se trata de apego à Lei n. 8.666/1993. O apego, bem in-
tenso por sinal e com uma pitada de orgulho vintage, é à parte inicial
do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal.
1
Murilo Queiroz Melo Jacoby Fernandes enfatiza o tratamento distinto dispensa-
do pelo legislador com mira na Lei n. 13.303/2016: “Na inexigibilidade, destaca-
-se a supressão da singularidade como condição para contratação do notório
especialista. Na Lei n. 8.666/1993, para a contratação de especialista, exigia-se

38
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

tanto a notoriedade deste quanto a singularidade do objeto. Para as estatais,


a partir de agora, basta que o serviço se enquadre entre algum daqueles trazi-
dos no inciso II do artigo 30” (FERNANDES, Murilo Queiroz Melo Jacoby. Lei n.
13.303/2016: novas regras de licitações e contratos para as Estatais. Revista IOB
de Direito Administrativo, São Paulo, v. 12, n. 134, p. 9-15, fev. 2017).

2
É a opinião sempre abalizada e contundente de Ivan Barbosa Rigolin: “Uma
importantíssima novidade desta L. 13.303/16 nesta questão é a de que a lei não
mais se refere à natureza singular do objeto como requisito para a contratação
direta. Eliminou-se um pesadelo da legislação, nunca compreendido nem por
iminentes juristas, juízes e estudiosos, nem por quem quer que seja - sobretudo
por quem tem competência para ingressar com ações civis públicas contra con-
tratantes de objetos com ou sem natureza singular – quem sabe? –, e que o faz
a torto e a direito contra culpados e contra inocentes em igual medida, e que
quanto aos últimos rouba a saúde, destrói a economia e arruína reputações pro-
fissionais como um tornado que eclode sem aviso prévio. Ao não prestigiar essa
praga asquerosa que a lei de licitações denomina natureza singular do objeto e
que ninguém jamais soube o que significa nem com mínima nitidez – porque é
um conceito abstrato, indeterminado, necessariamente impreciso e inteiramen-
te subjetivo, etéreo como o fogo de santelmo e na prática similarmente fantas-
magórico -, exalçou-se o legislador, nesse passo, a uma grandeza inesperada.
Pode ter sido boa a intenção do legislador ao referir-se à natureza singular do
objeto, porém o que ensejou foi uma genuína desgraça na prática da lei, que
dura ainda e não se sabe por quanto tempo. Lei não é poesia nem discurso fi-
losófico, e também o inferno legislativo está cheio de boas intenções [...]. Cum-
pre entretanto, aqui novamente, dizer algo sobre aqueles específicos serviços.
O primeiro a repisar é que na lei das estatais não existe a figura da natureza
singular do serviço, como requisito à sua contratação direta. Assim, por exemplo,
qualquer treinamento e aperfeiçoamento de pessoal pode ser contratado dire-
tamente, desde apenas que o contratado seja notoriamente especializado nesse
assunto” (RIGOLIN, Ivan Barbosa. As licitações nas empresas estatais pela Lei n.
13.303, de 30 de junho de 2.016. Rigolin Advocacia. Disponível em: https://rigo-
linadvocacia.com.br/artigos/detalhes/14. Acesso em: abril 2018).

39
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

3
Luciano Ferraz, um dos grandes nomes do Direito Administrativo nacional, sus-
tenta: “Logo, qualquer cogitação sobre se a Administração deveria ou não ter
contratado um profissional notório especializado para a execução de dado obje-
to (serviço) — juízo sobre a conveniência da contratação — não é uma discus-
são que reside no conteúdo em si do objeto do contrato, senão no âmbito da
necessidade administrativa a ser satisfeita por seu intermédio. Com a previsão
da hipótese de contratação por inexigibilidade baseada fundamentalmente em
notória especialização do prestador, o legislador democrático objetivou afastar
o teste, a experimentação, o risco, optando pela qualificação certa e comprova-
da de profissionais experts que se podem colocar a serviço da Administração
Pública. O diferencial subjetivo é que prepondera nesse caso, mercê da vincu-
lação da atividade administrativa ao princípio da eficiência (artigo 37, caput,
da Constituição). [...] O que se quer significar, com o exemplo, é que discussões
sobre a necessidade da contratação vis-à-vis aos meios que se colocam à dis-
posição da Administração para cumprir a finalidade pública subjacente, com
o mesmo grau de certeza, segurança e qualidade (eficiência), não dizem
respeito à singularidade do objeto (que no novo dispositivo legal encontra-se
implicitamente pressuposta à hipótese de contratação direta do artigo 74, III),
reclamando embates de outra ordem (sobre a necessidade administrativa e a
proporcionalidade da solução dada). É que a identificação da necessidade pú-
blica e a definição quanto ao meio mais eficiente para o seu provimento são, no
exame das situações de inexigibilidade, um processo avaliativo de matriz qua-
litativa e não quantitativa. A razão de ser é singela: nesse tipo de contratação
predomina o aspecto subjetivo, a ver a balança pesar em favor da garantia de
qualidade e eficiência do serviço, que decorrem essencialmente do diferencial
técnico do executor.” (FERRAZ, Luciano. ‘The walking dead na Administração’ –
temporada final (nova lei de licitações). https://repositorio.ufsc.br/bitstream/
handle/123456789/222440/%5Bartigos%5D%20the%20walking%20dead%20
na%20administração%20pública%20-%20temporada%20final%20-%20conjur.
pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: maio 2021).

4
“E esse outro dado conceitual importante é o de que a notória especialização, que
serviu para que determinado contratante fosse selecionado com escudo e o man-

40
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

to da inexigibilidade da licitação, seja em si um dado essencial para a satisfação


do interesse público a ser atendido. Se o serviço é daqueles em que a notória es-
pecialização é absolutamente acidental, apenas uma moldura que enfeita o pres-
tador de serviços, mas não integra a essência da realização, tal como desejada, do
objeto contratual, nesse caso sua invocação será viciosa e viciada, e, portanto, ata-
cável através de todas as figuras de vício do ato administrativo, com a consequente
apenação do administrador” (FIGUEIREDO, Lúcia Valle e FERRAZ, Sérgio. Dispensa
e Inexigibilidade de Licitação. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 46).

5
“Afinal, a legitimidade da contratação direta via inexigibilidade de licitação
pressupõe a motivação quanto à ‘inviabilidade de competição’. E essa – a
“inviabilidade de competição”  -, se faz presente especialmente em duas
hipóteses: (i) diante de fornecedor ou prestador de serviço exclusivo –  invia-
bilidade absoluta de competição; ou (ii) diante da impossibilidade de definir
critérios objetivos de comparação e julgamento entre propostas – a chamada
“singularidade do objeto” – inviabilidade relativa de competição. Portanto,
afora as situações envolvendo exclusividade da solução a ser contratada, bem
como de credenciamento (em que o adequado atendimento da demanda da
Administração pressupõe a contratação de todos os possíveis interessados), os
demais casos passarão pela análise de singularidade”. (Disponível em: https://
www.zenite.blog.br/nova-lei-de-licitacoes-inexigibilidade-e-a-ausencia-da-ex-
pressao-singularidade/. Acesso em: maio 2021).

“Por decorrência lógica, ao vincular a ideia de singularidade à impossibilidade


de fixação de critérios objetivos de julgamento, é possível concluirmos que a
exclusão do rótulo ‘de natureza singular’ em nada muda o cenário e o campo
de incidência do permissivo legal. Em outras palavras, a supressão do termo na
Lei n. 13.303/2016 não trouxe consigo qualquer nova hipótese apta a ser funda-
mentada no inciso II de seu art. 30, pois, caso a estatal necessite contratar ser-
viço técnico-profissional especializado outrora classificado como ‘não singular’,
a situação não culminaria em inexigibilidade de licitação, tendo em vista que
não poderia escapar da verificação acerca da possibilidade de definição de crité-
rios objetivos para a disputa e, notadamente, da comprovação do pressuposto
comum a qualquer inexigibilidade: a inviabilidade de competição.” (BARCELOS,

41
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Dawison; TORRES, Ronny Charles. Licitações e Contratos nas empresas estatais.


Salvador: Juspodivm, 2018. p. 199).

“Ademais, precisamos deixar claro que não é qualquer serviço técnico profissio-
nal que pode ser contratado diretamente com empresas ou profissionais noto-
riamente especializados. Em que pese à lei não fazer menção expressa, é forçoso
concluir que o serviço, além de técnico profissional espeicializado, deve ser de
natureza singular, ou seja, deve ser excepcional, incomum ao cotidiano adminis-
trativo, diferenciando-se de outros similares a ponto de ser considerado pecu-
liar” (GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Lei das Estatais. Belo
Horizonte: Fórum, 2017. p. 83).

“Com efeito, parece óbvio que a contratacão direta de um profissional ou empresa


notoriamente especializada para execucão de serviço ordinário ou que não exija,
por suas peculiaridades, a expertise própria de um especialista, nos termos do §
3° do art. 74, não se justifica. Aparentemente, não há razões para entendimen-
to diverso no caso da Lei n° 14.133/2021”. (PERCIO, Gabriela. A inviabilidade de
competição relativa na nova lei de licitações e contratos administrativos (lei nº
14.133/2021): principais mudanças e proposta de interetação para maximizar a
eficiência da contratação direta. Diálogos sobre a nova lei e licitações e contrata-
ções. Coord. Julieta Mendes Lopes Vareschini. Pinhais: JML, 2021. p. 151).

“Por tais razões, não obstante o texto legal da nova Lei de Licitacões não possua
tal previsão (de observância da singularidade), entendemos que a singularidade é
requisito que deve ser mantido pela Administracão quando da verificacão da con-
tratacão direta por inexigibilidade em serviços técnicos executados por notórios
especialistas, mesmo porque, o que justifica a contratacão de um profissional que
detenha qualificacão diferenciada é a complexidade do objeto, ou seja, a singula-
ridade” (ÁVILA, Diego. Inexigibilidade: serviços técnicos, notória especialização e
a ausência de singularidade.  Diálogos sobre a nova lei e licitações e contratações.
Coord. Julieta Mendes Lopes Vareschini. Pinhais: JML, 2021. p. 165).

6
TCU, Acórdão nº 2.761/2020, Plenário. Rel. Min. Raimundo Carreiro. Julg.
14.10.2020.

42
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

A DISPENSA DE LICITAÇÃO ELETRÔNICA É MODALIDADE DE


LICITAÇÃO DISFARÇADA: REFLEXÕES SOBRE A INSTRUÇÃO
NORMATIVA SEGES/ME Nº 67/202110
JOEL DE MENEZES NIEBUHR

Advogado, Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP

O § 3º do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 prescreve que as hipóteses


de dispensa dos seus incisos I e II devem ser “preferencialmente pre-
cedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo
mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendi-
do e com a manifestação de interesse da Administração em obter pro-
postas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada
a proposta mais vantajosa.”

O dispositivo foi regulamentado pela Instrução Normativa nº 67, da


Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital
do Ministério da Economia, que se aplica no âmbito da Administra-
ção Pública Federal direta, autárquica e fundacional. Os demais entes
da federação, na forma do artigo 2º da Instrução Normativa, também
devem aplicá-la nas situações em que executarem recursos da União
decorrentes de transferências voluntárias. O § 2º do artigo 3º da Ins-
trução Normativa ainda preceitua que os demais entes federativos, se
quiserem, a depender das suas vontades, podem valer-se do sistema
do Governo Federal, denominado atualmente de Comprasnet 4.0, dis-
ponibilizado por meio da celebração de Termo de Acesso.
10 NIEBUHR, Joel de Menezes. A dispensa de licitação eletrônica é modalidade de licitação disfarçada: reflexões sobre a Instrução
Normativa SEGES/ME nº 67/2021, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 03 ago. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br.
Acesso em: 06 ago. 2021.

43
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Pois bem, o procedimento prescrito no § 3º do artigo 75 da Lei nº


14.133/2021 e regulamentado pela Instrução Normativa nº 67 é o que
se vem chamado de dispensa de licitação eletrônica.1 Não se trata,
diga-se de início, de mera faculdade para a Administração Pública
federal. Os incisos I e II do artigo 4º da Instrução Normativa nº 67/2021
exigem a dispensa de licitação eletrônica para as contratações que não
ultrapassam os limites indicados nos incisos I e II do artigo 75 da Lei
nº 14.133/2021, respectivamente, R$ 100.000,00, para obras e serviços
de engenharia e serviços de manutenção de veículos automotores, e
R$ 50.000,00, para os demais serviços e compras.

 A dispensa de licitação eletrônica não é destinada apenas às dispensas


fundamentadas nos incisos I e II do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021, mas
é obrigatória para todas as contratações cujos valores não ultrapassem
os limites prescritos nos referidos incisos, ainda que fundamentadas
em outras hipóteses de dispensa de licitação. Ressalva-se, com perdão
pela redundância, que a dispensa de licitação eletrônica vale apenas
para as dispensas de licitação, não para as inexigibilidades.

A propósito, é de destacar os casos de suposto duplo enquadramen-


to em inexigibilidade e dispensa de licitação pública. Por exemplo, a
Administração pretende contratar capacitação para os seus agentes, o
que se encaixa na hipótese de inexigibilidade de licitação da alínea “f”
do inciso III do artigo 74 da Lei nº 14.133/2021. Sucede que o valor da
capacitação é inferior ao limite da dispensa de licitação do inciso II do
artigo 75, também da Lei nº 14.133/2021.

 Sem embargo, a rigor jurídico, não é certo falar de duplo enquadramento.


Sucede que a inexigibilidade pressupõe inviabilidade de competição e

44
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

a dispensa o oposto, a viabilidade de competição. Então, inexigibilidade


e dispensa se repelem, por efeito do que o mesmo caso concreto não
pode ter duplo enquadramento. O fato é que a inexigibilidade se
sobrepõe à dispensa, porque a competição que é inviável não pode
também, concomitantemente, ser viável. As situações de suposto
duplo enquadramento são, na verdade, de inexigibilidade de licitação.
Contudo, apesar de equivocado, não é raro que a Administração prefira
formalizar a contratação como dispensa de licitação, para se ver livre
das justificativas que são próprias à inexigibilidade de licitação acerca
da inviabilidade de competição. Ou seja, na prática, acaba sendo mais
fácil contratar como dispensa de licitação.

Ora, contratando caso de inexigibilidade como dispensa de licitação e


com fundamento nos incisos I ou II do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021,
poder-se-ia cogitar sobre a obrigatoriedade da dispensa eletrônica de
licitação. Afirma-se que ela não é devida, porque, ainda que se indique
formalmente como fundamento os incisos I ou II do artigo 75 da Lei nº
14.133/2021, o fundamento verdadeiro é a inexigibilidade de licitação,
sendo que o critério predominante para a escolha do contratado não
é o preço e sim a técnica, o aspecto qualitativo. O mesmo raciocínio
se aplica às situações em que a Administração indica a inexigibilidade
e a dispensa de licitação como fundamentos cumulativos. Vale, pela
mesma lógica e aí com mais facilidade, a inexigibilidade de licitação,
de modo que não se realiza a dispensa de licitação eletrônica.

O melhor e o correto seria indicar que se trata de inexigibilidade de


licitação e não dispensa de licitação, afastando-se a confusão. Diga-se,
novamente, com perdão pela redundância duplicada, a dispensa de

45
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

licitação eletrônica é para casos de dispensa de licitação e não para


casos de inexigibilidade de licitação pública.

Para as demais hipóteses de dispensa de licitação previstas no artigo


75 da Lei nº 14.133/2021, mesmo que os valores ultrapassem os limi-
tes dos incisos I e II do mesmo artigo, a dispensa de licitação eletrônica
deve ser utilizada “quando cabível”, na expressão do inciso III do arti-
go 4º da Instrução Normativa nº 67/2021. Ressalta-se que, quando for
cabível, os agentes administrativos não estão livres para deixarem de
utilizar a dispensa de licitação eletrônica, que passa a ser a regra, cujo
não emprego demanda a existência de algum motivo ou razão. Suce-
de que a dispensa de licitação eletrônica é cabível nas situações em
que a escolha do futuro contratado for pautada no critério preço, sem
que aspectos qualitativos sejam determinantes ou relevantes, o que
constitui a maioria expressiva dos casos de dispensa de licitação. Sen-
do assim, a não utilização da dispensa de licitação eletrônica passa a
ser a exceção, que tem lugar em casos específicos, como os que envol-
vem emergências, inovação tecnológica, serviços técnicos especializa-
dos de natureza predominantemente intelectual e outras situações de
dispensa, insista-se, em que o fator determinante ou relevante para a
Administração escolher o futuro contratado seja o qualitativo.

A dispensa de licitação eletrônica, desta feita com fundamento no in-


ciso IV do artigo 4º da Instrução Normativa nº 67/2021, também deve
ser empregada em “registro de preços para a contratação de bens e
serviços por mais de um órgão ou entidade, nos termos do § 6º do art.
82 da Lei nº 14.133, de 2021.” Com efeito, o § 6º do artigo 82 da Lei nº
14.133/2021 prescreve que o “sistema de registro de preços poderá, na

46
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

forma de regulamento, ser utilizado nas hipóteses de inexigibilidade e


de dispensa de licitação para a aquisição de bens ou para a contrata-
ção de serviços por mais de um órgão ou entidade.”

Reforça-se, diante do conjunto das considerações acerca do artigo 4º


da Instrução Normativa nº 67/2021, que a dispensa de licitação eletrô-
nica não é de uso meramente facultativo, pelo menos não é para a Ad-
ministração Pública Federal, em linha um tanto diversa do preceituado
no § 3º do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021, cujo texto assinala que ela
deve ser empregada preferencialmente. Dito de outro modo, o artigo
4º da Instrução Normativa nº 67/2021 fez obrigatório o que o § 3º do
artigo 75 da Lei nº 14.133/2021 qualificou como meramente preferen-
cial. Não há ilegalidade nisso, porque é legítimo que a Administração
Pública, por sua vontade, como é o caso, se obrigue a algo que o legis-
lador determinou ser preferencial, é legítimo fazer mais do que lhe foi
prescrito. Só haveria ofensa à legalidade se a Administração Pública
fizesse menos, não desse a devida preferência à dispensa de licitação
eletrônica, o que não ocorreu, bem ao contrário.

O procedimento da dispensa de licitação eletrônica segue o fluxo es-


tabelecido no artigo 72 da Lei nº 14.133/2021 para as contratações
diretas, com a particularidade de realizar-se em ambiente eletrônico,
acrescido de exigências relevantes no tocante à seleção do futuro con-
tratado: (i) o órgão ou entidade administrativa insere no sistema do
Governo Federal as informações relativas ao procedimento de contra-
tação (artigo 6º da Instrução Normativa nº 67/2021); (ii) daí um avi-
so de contratação direta é divulgado no sistema do Governo Federal
e no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), sendo que os

47
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

fornecedores registrados no Sistema de Registro Cadastral Unificado


(SICAF) são comunicados diretamente por meio de mensagem eletrô-
nica (artigo 7º da Instrução Normativa nº 67/2021); (iii) abre-se, então,
o prazo de, no mínimo, três dias úteis para o envio de lances (parágrafo
único do artigo 5º da Instrução Normativa nº 67/2021), que devem ser
encaminhados por meio do sistema eletrônico, acompanhados dos
demais requisitos exigidos no aviso de contratação direta e com o pre-
enchimento das declarações exigidas no próprio sistema eletrônico
(artigo 8º da Instrução Normativa nº 67/2021); (iv) segue-se uma eta-
pa de lances, praticamente idêntica a de uma licitação, que fica aberta
pelo tempo de seis a dez horas (artigo 11 da Instrução Normativa nº
67/2021); (v) encerrada a etapa de lances, verifica-se a conformidade
da proposta de menor preço e se avaliam documentos de habilitação
(artigo 15 da Instrução Normativa nº 67/2021), que são os constantes
do Sistema de Registro Cadastral Unificado (SICAF) e outros que sejam
exigidos e que devem ser enviados pelo sistema eletrônico (§ 3º do
artigo 19 da Instrução Normativa nº 67/2021); (vi) aceita a proposta
e atendidas as exigências de habilitação, o processo de contratação
direta vai à autoridade competente para adjudicação e homologação
(artigo 23 da Instrução Normativa nº 67/2021).

A conclusão vem ao natural: a rigor jurídico, esse processo de dispen-


sa de licitação eletrônica é uma espécie de modalidade simplificada
de licitação, embora não seja assim denominado pelo legislador nem
pela Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digi-
tal do Ministério da Economia. Vê-se que ela segue o mesmo procedi-
mento das licitações exigido no artigo 17 da Lei nº14.133/2021, com
apenas duas diferenças mais significativas. A primeira é que não há

48
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

propriamente edital, mas há algo que equivale a edital, que é o aviso


de contratação direta previsto no artigo 7º da Instrução Normativa nº
67/2021, que tem a mesmíssima utilidade. A segunda é que não há
fase recursal, exigida para as licitações no inciso VI do artigo 17 da Lei
nº 14.133/2021. Os efeitos da ausência de fase recursal, no entanto,
podem ser supridos pelo direito de petição que é reconhecido a todas
as pessoas, inclusive àquelas que participam de processos de dispensa
de licitação eletrônica. A única particularidade é que o direito de peti-
ção não tem efeito suspensivo, em razão do que se pode comparar a
petição a um recurso sem efeito suspensivo.

Aliás, uma das críticas que se faz à Lei nº 14.133/2021 é que ela instituiu
procedimento de licitação muito pesado e burocrático. Nesse sentido, o
legislador não previu uma modalidade de licitação mais simples e célere
para ser usada nos contratos de menor repercussão econômica e com-
plexidade. A dispensa de licitação eletrônica é, por um caminho envie-
sado, essa modalidade de licitação mais simples e mais célere. O defeito
dela é a sua delimitação apenas às hipóteses qualificadas pelo legislador
como de dispensa de licitação pública. Poderia, em tese, se o legislador
tivesse permitido, ser usada de modo bem mais abrangente.

Pondere-se que a licitação pública é obrigatória em razão da obriga-


ção da Administração Pública de tratar com igualdade todos os inte-
ressados em contratar com ela. Noutras palavras, licitação pública é o
processo administrativo necessário para tratar todos com igualdade.
E o fato é que a dispensa de licitação eletrônica trata todos os interes-
sados com igualdade, porque dá oportunidade a todos para apresen-
tarem propostas, cuja seleção se dá pelo preço, portanto por meio de

49
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

critério objetivo também respeitante da igualdade. A dispensa de lici-


tação eletrônica é na verdade uma modalidade de licitação disfarçada.

Isso tudo leva à reflexão sobre a utilidade da dispensa de licitação, pelo


menos da maior parte dos casos de dispensa de licitação prescritos
pelo legislador, que se submetem ao processo de dispensa de licitação
eletrônica na forma da Instrução Normativa nº 67/2021. Ora, a dispensa
de licitação existe porque há casos em que a realização da licitação im-
poria sacríficos ao interesse público. O legislador dispensa a licitação,
aceita agravos à isonomia, para proteger outros valores pertinentes ao
interesse público. Dessa maneira, o processo de dispensa de licitação
eletrônica da Instrução Normativa nº 67/2021 revela o desacerto e os
excessos do legislador, porque na maior parte dos casos qualificados
como dispensa de licitação é sim possível realizar processo administra-
tivo que assegure igualdade aos interessados sem maiores prejuízos
ao interesse público. Isso significa que não se precisava de tantas e tão
largas hipóteses de dispensa de licitação, mas sim de uma modalidade
de licitação que fosse mais simples e célere. Atualmente, por um cami-
nho enviesado, dispõe-se dessa modalidade de licitação mais simples
e célere, que, em tributo à grande confusão provocada pelo Legisla-
tivo, foi qualificada como dispensa de licitação eletrônica. Tirando de
lado a confusão conceitual, o que vale é a essência e não o nome que
se atribui às coisas, por efeito do que a dispensa de licitação eletrônica
merece aplausos dado que é em essência licitação e, sendo em essên-
cia licitação, melhor contempla o princípio da isonomia e a regra da
obrigatoriedade de licitação prescrita na parte inicial do inciso XXI do
artigo 37 da Constituição Federal.

50
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

É preciso fazer um último registro sobre a Instrução Normativa nº 67/2021,


mais precisamente sobre a inusitada faculdade outorgada pelo seu artigo
9º aos participantes da dispensa de licitação eletrônica de parametrizarem
o valor final de seu lance. Ou seja, o interessado pode apresentar uma
proposta inicial e, junto com ela, já apresentar a proposta final, que apenas
deve ser considerada pela Administração Pública se outras pessoas
oferecerem lances inferiores à sua proposta inicial.

Acontece que muitos interessados utilizam softwares para o envio au-


tomático de lances, que, na sua maior parte, frustram o caráter com-
petitivo da licitação, porque praticamente retiram as chances de êxito
dos outros interessados que não dispõem dos mesmos recursos tecno-
lógicos. A Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo
Digital do Ministério da Economia, com pragmatismo acentuado, de-
sistiu de combater o uso de tais softwares e preferiu institucionalizá-
-los, inclusive incorporando-os ao próprio sistema do Governo Federal
e os oferecendo a todos os interessados. Pelo menos assim, esse deve
ter sido o raciocínio dos autores da Instrução Normativa, todos aca-
bam sendo tratados com igualdade.

Ressalva-se, entretanto, que pode vir a ocorrer situações delicadas. Ima-


gine-se que interessado registra valor inicial e final com diferença ex-
pressiva, o que equivale dizer que o preço inicial caracteriza sobrepreço.
Na sequência, a dispensa de licitação eletrônica em que isso ocorre não
atrai muita atenção e nenhum outro interessado oferece lance inferior
à tal proposta inicial. Ele é o vencedor da etapa de lances, porém fica
registrado no sistema, praticamente confessado, o sobrepreço. O § 2º do
artigo 9º da Instrução Normativa nº 67/2021 determina o sigilo do preço

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

mínimo consignado no sistema para os demais interessados e para a


Administração Pública, com exceção dos órgãos de controle externo e
interno. Não é crível que os órgãos de controle, tendo ciência do sobre-
preço, fiquem inertes. O interessado e os próprios agentes administrati-
vos acabam vulneráveis, a situação é, no mínimo, estranha.

1
Convém registrar que o Governo Federal já de bom tempo dispõe de
instrumento de cotação eletrônica de preços, chamado de dispensa
de licitação eletrônica pelo artigo 51 do Decreto 10.024/2019, que re-
gulamenta o pregão eletrônico da Lei nº 10.520/2002. De acordo com
o aludido Decreto, ele deve ser utilizado pelas unidades gestoras inte-
grantes do SISG para a contratação de bens e serviços comuns, inclu-
sive de engenharia, nas hipóteses em que os valores não ultrapassam
os limites das dispensas dos incisos I e II do artigo 24 Lei nº 8.666/1993
e nas demais hipóteses de dispensa de licitação do mesmo artigo 24,
desde que os objetos sejam qualificados como comuns e não envol-
vam engenharia. Em resumo, trata-se de um meio para ampliar a cota-
ção de preços, estendendo-o para um número expressivo de fornece-
dores, de maneira rápida e eficaz. A dispensa é registrada no sistema
e os fornecedores cadastrados são avisados e podem oferecer propos-
tas. O sistema recebe as propostas e seleciona a mais vantajosa.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

NOVA LEI DE LICITAÇÕES: ALGUMAS INOVAÇÕES11


JOSÉ ANACLETO ABDUCH SANTOS

Advogado, Procurador do Estado, Mestre e Doutor em Direito Admi-


nistrativo pela UFPR.

Foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) nº 4.253/2020,


que cria um marco legal para substituir as seguintes Leis: 8.666/1993,
10.520/2002 e 12.462/2011.

Trata-se de uma importantíssima medida legislativa que produz pro-


fundas inovações no regime jurídico das licitações e das contratações
públicas.

Em síntese, se tratará de algumas das inovações significativas.

1ª inovação significativa: relativa ao planejamento das lici-


tações

A nova lei incorpora de modo expresso alguns princípios que deverão


nortear a aplicação da legislação, como o do planejamento.

A previsão de que o planejamento é um princípio cria um correlato


e imediato dever jurídico para os administradores públicos, que des-
cumprido ensejará a responsabilidade. Vale dizer, agora é expresso o
dever de planejamento correto, suficiente e adequado da licitação e
do contrato público.
11 SANTOS, José Anacleto Abduch. Nova lei de licitações: algumas inovações, Zênite Fácil, categoria Doutrina, 12 dez. 2020. Dis-
ponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Há, dentre outras, definições de serviços contínuos e serviços não con-


tínuos, o que pode auxiliar, em muito, o planejamento da licitação, seja
no que tange às obrigações principal e acessória, seja no que tange à
definição do prazo contratual.

Desaparece a modalidade de convite, e é criada a modalidade de “dia-


logo competitivo”.

A contratação direta por intermédio do credenciamento passou tam-


bém a ser expressamente prevista, assim como a pré-qualificação, ob-
jetiva e subjetiva.

Foi aprimorada a figura do seguro-garantia. O seguro garantia, numa


das hipóteses legais, deverá garantir o fiel cumprimento das obriga-
ções contratadas. O custo do seguro será integrado ao preço ofertado.

A Administração Pública poderá prever a obrigação de a seguradora


assumir a execução e concluir o objeto do contrato.

A Lei prevê ainda que o contrato “poderá identificar os riscos de riscos,


alocando-os entre contratante e contratado, mediante indicação da-
queles a serem assumidos pelo setor público ou pelo setor privado ou
daqueles a serem compartilhados” (art. 102).

A alocação de riscos considerará, em compatibilidade com as obriga-


ções e os encargos atribuídos às partes no contrato, a natureza do risco,
o beneficiário das prestações a que se vincula e a capacidade de cada
setor para melhor gerenciá-lo. Serão preferencialmente transferidos ao
contratado os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradoras.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

No que tange ao orçamento estimativo da contratação, a nova lei con-


tém regras bem interessantes. Prevê que o valor estimado da contratação
deve ser compatível com o mercado “considerados os preços constantes
de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, ob-
servadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de
execução do objeto (art. 23)” e oferece um protocolo administrativo para
a obtenção do preço de referência das contratações.

O orçamento estimado da contratação poderá ser sigiloso, tal qual já


ocorre no plano das licitações e contratações das empresas estatais,
com a ressalva de que no âmbito da Lei nº 13.303/16 o orçamento esti-
mativo deverá ser sigiloso, enquanto que no plano da nova lei, o sigilo
do orçamento deverá ser justificado (art. 24).

2ª inovação significativa: definição do prazo do contrato

Há previsão de que os contratos de serviços e de fornecimento con-


tínuo poderão ser celebrados por prazo de até cinco anos (lembre-se
que este prazo era exclusivo para os contratos de prestação de servi-
ços contínuos). Os contratos de locação de equipamentos e utilização
de programas de informática também poderão ser celebrados por até
cinco anos.

Estes contratos de prestação de serviços e de fornecimento contínuo


podem ser prorrogados até o limite máximo de dez anos “desde que
haja previsão em edital e que a autoridade competente ateste que as
condições e os preços permanecem vantajosos para a Administração,

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

permitida a negociação com o contratado ou a extinção contratual


sem ônus para qualquer das partes” (art. 106).

Os contratos de receita e os contratos de eficiência podem ser celebra-


dos por até dez anos, caso não tenham investimentos, e os contratos
com investimento (aqueles que impliquem a elaboração de benfeito-
rias permanentes, realizadas exclusivamente a expensas do contrata-
do, que serão revertidas ao patrimônio da Administração Pública ao
término do contrato – art. 109) podem ser celebrados com prazo de
até 35 anos.

3ª inovação significativa: fase de execução dos contratos

O retardamento imotivado da execução do contrato passa a ser ex-


pressamente vedado, mesmo na hipótese de troca de chefia do Poder
Executivo ou de novo titular do órgão ou entidade contratante (art.
114).

Quando da contratação de obras a expedição da ordem de serviço será


obrigatoriamente precedida de depósito, em conta vinculada, dos re-
cursos financeiros necessários para custear as despesas relativas à eta-
pa a ser executada, e estes recursos são impenhoráveis (art. 114, § 2º).

A obtenção do licenciamento ambiental prévio, quando for de atribui-


ção da Administração Pública, obrigatoriamente se dará antes da di-
vulgação do instrumento convocatório (art. 114, § 4º).

Há uma importante determinação de sustentabilidade social no que


diz respeito as contratações de pessoal pelo contratado: “ao longo de

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

toda a execução do contrato, o contratado deverá cumprir a reserva de


cargos prevista em lei para pessoa com deficiência, para reabilitado da
Previdência Social ou para aprendiz, bem como as reservas de cargos
previstas em outras normas específicas” (art. 115).

De modo bastante suficiente, a nova lei disciplina a figura e as atribui-


ções do “fiscal do contrato”.

O fiscal do contrato “será auxiliado pelos órgãos de assessoramento


jurídico e de controle interno da Administração, que deverão dirimir
dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos
na execução contratual (art. 116, § 3º)”.

Há importante disciplina legal também para a contratação de terceiros


para assistir e subsidiar a fiscalização oficial da execução do contrato
(art. 116, § 4º).

Restou pacificada a questão relacionada à responsabilidade subsidi-


ária por encargos trabalhistas do contratado quando da execução de
contratos de prestação de serviços com dedicação exclusiva de mão
de obra. Na linha do entendimento já manifestado pelo Supremo Tri-
bunal Federal e pelo Tribunal Superior do Trabalho, “exclusivamente
nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação ex-
clusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente
pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos
trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das
obrigações do contratado (art. 120, § 2º).

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Para o fim de evitar o descumprimento de obrigações trabalhistas por


parte do contratado, nos casos de contratação de serviços com dedica-
ção exclusiva de mão de obra “a Administração, mediante disposição em
edital ou em contrato, poderá, entre outras medidas: I – exigir caução,
fiança bancária ou contratação de seguro-garantia com cobertura para
verbas rescisórias inadimplidas; II – condicionar o pagamento à com-
provação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas relativas ao
contrato; III – efetuar o depósito de valores em conta vinculada; IV – em
caso de inadimplemento, efetuar diretamente o pagamento das verbas
trabalhistas, que serão deduzidas do pagamento devido ao contratado;
V – estabelecer que os valores destinados a férias, a décimo terceiro sa-
lário, a ausências legais e a verbas rescisórias dos empregados do con-
tratado que participarem da execução dos serviços contratados serão
pagos pelo contratante ao contratado somente na ocorrência do fato
gerador (art. 120, § 3º)”. Esta nova disposição legal contempla rotinas
e exigências que já vinham sendo implementadas por grande parte da
Administração Pública, por força de entendimento do Tribunal de Con-
tas da União, ou de normas infralegais, como a Instrução Normativa nº
05/17 da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento. Mas, se
deve reconhecer que a previsão legal delas constitui inegável avanço.

No que diz respeito às alterações contratuais, se deve salientar que (i)


se forem decorrentes de falhas de projeto, as alterações de contratos de
obras e serviços de engenharia ensejarão apuração de responsabilidade
do responsável técnico e adoção das providências necessárias para o res-
sarcimento dos danos causados à Administração (uma regra de fomento
do planejamento adequado das contratações!); e (ii) a elevação extra-

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

ordinária do preço de insumo específico que tenha impacto em todo o


custo de produção, será avaliada mediante novo exame de preço dos
principais insumos do contrato, e pode ensejar a revisão do contrato.

Há previsão de que o pedido de recomposição do equilíbrio econômico-


-financeiro do contrato (reajuste, revisão ou repactuação) deve ser for-
mulado durante a vigência do contrato, antes de eventual prorrogação,
sob pena de preclusão. Trata-se de previsão expressa do instituto da pre-
clusão lógica de muito defendido pelo Tribunal de Contas da União.

4ª inovação significativa: meios alternativos de resolução de


controvérsias

Avançou a nova lei para conferir segurança jurídica para a adoção de


meios alternativos de resolução de controvérsias, ao prever que “poderão
ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvér-
sias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de dis-
putas e a arbitragem”, e que tais meios alternativos podem ser aplicados
às controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as
questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-fi-
nanceiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por
quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações” (art. 150).

5ª inovação significativa: apuração de responsabilidade, ti-


picidade e aplicação de sanções

No plano da Lei nº 8666/93, um dos grandes desafios jurídicos é o da


apuração da responsabilidade e o da aplicação de sanções, especial-
mente por lacunas normativas acerca da tipicidade.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

De muito vinha se debatendo a doutrina acerca da validade e da legi-


timidade de sanções, diante da falta de previsão legal de fatos típicos
e da correspondente sanção.

A nova lei contempla um elenco de fatos típicos e de sanções a eles


correspondentes, bem como o instituto da desconsideração da perso-
nalidade jurídica, ao dispor que “a personalidade jurídica poderá ser
desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facili-
tar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei
ou para provocar confusão patrimonial, e, nesse caso, todos os efeitos
das sanções aplicadas à pessoa jurídica serão estendidos aos seus ad-
ministradores e sócios com poderes de administração, à pessoa jurídi-
ca sucessora ou à empresa do mesmo ramo com relação de coligação
ou controle, de fato ou de direito, com o sancionado, observados, em
todos os casos, o contraditório, a ampla defesa e a obrigatoriedade de
análise jurídica prévia” (art. 159).

6ª inovação significativa: disposições sobre controle das con-


tratações

A Lei nova estabelece determina a adoção de mecanismos de com-


pliance e de integridade nas contratações públicas, instituindo ex-
pressamente as denominadas “três linhas de defesa do compliance”:
“as contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e
permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive
mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além
de estar subordinadas ao controle social, sujeitar-se-ão às seguintes
linhas de defesa: I – primeira linha de defesa, integrada por servidores

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam


na estrutura de governança do órgão ou entidade; II – segunda linha
de defesa, integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de
controle interno do próprio órgão ou entidade; III – terceira linha de
defesa, integrada pelo órgão central de controle interno da Adminis-
tração e pelo tribunal de contas (art. 168)”.

São estas, dentre outras, algumas das muitas inovações legislativas


produzidas pela nova lei de licitações.

Acompanhe também novidades sobre contratações públicas no


instagram: joseanacleto.abduch.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

NOVA LEI DE LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PÚBLICA – A HORA E


A VEZ DE ESTADOS E MUNICÍPIOS12
EDGAR GUIMARÃES

Advogado. Pós-Doutor em Direito pela Università del Salento (Itália).


Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP. Presidente do
Instituto Paranaense de Direito Administrativo. Árbitro da CAMFIEP/
PR. Conselheiro da OAB/PR.

O Senado Federal aprovou a redação final do Projeto de Lei nº


4.253/2020, substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei
nº 1.292-E de 1995 do Senado Federal (PLS nº 163/95 na Casa de ori-
gem), que estabelece normas gerais de licitação e contratação para a
Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

De acordo com o devido processo legislativo, o Presidente da Repúbli-


ca, no exercício dos poderes que lhe são conferidos, deverá apreciar a
matéria apondo a respectiva sanção e, com isso, estabelecer um novo
regime jurídico para as licitações e contratações públicas por meio da
publicação da lei na Imprensa Oficial.

Além de novas regras para as licitações e contratos, o novel Diplo-


ma legal altera as Leis nº 13.105/2015, (Código de Processo Civil),
8.987/1995 (Lei das Concessões), 11.079/2004 (Lei das PPPs), o De-
creto-Lei 2.848/1940 (Código Penal), revoga dispositivos da Lei nº
12 GUIMARÃES, Edgar. Nova Lei de Licitação e contratação pública - a hora e a vez de estados e municípios, Zênite Fácil, categoria
Doutrina, 31 mar. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

12.462/2011 (Lei do RDC), bem como a íntegra das Leis nº 8.666/1993


(Lei de licitações e contratos) e 10.520/2002 (Lei do Pregão).

A nova lei incorpora grande parte dos dispositivos da Lei 8.666/1993, da


Lei 12.462/2011 (RDC) e da Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão), bem como
de diversas Instruções Normativas expedidas pelo Governo Federal.

O que se percebe é uma consolidação das leis antes mencionadas e de


diversas instruções normativas em um único texto legal, o que pode
ser considerado algo positivo, pois, até então, o que se tinha no âmbi-
to federal era uma verdadeira “colcha de retalhos” com diversas leis,
decretos, portarias e outros atos regulamentares estabelecendo regras
para o processo de contratação pública.

Todavia é lamentável que, depois de anos em tramitação e discussão


no Congresso, o resultado não tenha sido aquele aguardado pela Ad-
ministração Pública e por parte da comunidade jurídica. Esperava-se
uma lei enxuta, menos formalista, menos burocrática, moderna, ade-
quada aos dias de hoje e, sobretudo, que indicasse expressamente
todas as prescrições consideradas como “normas gerais” de licitação
e contratação, criando um ambiente propício e seguro para que Es-
tados, Municípios e Distrito Federal legislem de forma concorrente e
suplementar tratando das suas peculiaridades locais.

A teor do que dispõe o artigo 22, inciso XXVII da Constituição Federal,


é inegável que compete à União legislar de forma privativa sobre nor-
mas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas
Diretas, Autárquicas e Fundacionais da União, Estados, Distrito Federal

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

e Municípios, competindo ainda editar normas específicas estas, po-


rém, de observância obrigatória tão somente na órbita federal.

Ademais, por óbvio, a mencionada competência da União para legislar


privativamente sobre normas gerais não exclui, nem poderia excluir,
a competência suplementar dos Estados, Municípios e do Distrito Fe-
deral para disporem sobre normas específicas sobre a temática lici-
tatória e contratual.

Em razão dos níveis de poderes políticos, independentes e autônomos


estabelecidos pelo regime jurídico-constitucional, bem como das dife-
rentes realidades socioeconômicas do nosso País, as normas gerais
de licitação e contratação pública editadas pela União necessitam de
leis estaduais e municipais versando sobre normas específicas ade-
quadas, como dito anteriormente, ao trato de peculiaridades locais..

É lamentável que no Brasil, uma república federativa formada pela


união de 26 estados federados, 5.568 municípios e do Distrito Federal,
apenas os Estados do Paraná, Bahia, Sergipe, São Paulo e o Municí-
pio de São Paulo tenham editado leis de licitação e contratação públi-
ca. Os demais entes federativos que até o momento não exerceram a
competência suplementar que a Constituição lhes assegura adotam
integralmente as vetustas disposições da Lei nº 8.666/93.

Ao editar uma lei, para além de considerar a sua realidade socioeco-


nômica, o Estado, o Município ou o Distrito Federal poderá, por exem-
plo, promover a gestão por competências e designar agentes públicos

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

para o desempenho de funções essenciais ao processo de contratação,


de acordo com a estrutura física e de recurso humano de que dispõe.

Enfim, é chegada a hora e a vez de Estados e Municípios, no gozo dos


poderes que a Constituição da República lhes assegura, legislarem so-
bre a matéria licitatória e contratual, disciplinando normas especí-
ficas que atendam às respectivas organizações administrativas, cui-
dando sobretudo das peculiaridades locais e respeitando sempre as
normas gerais fixadas pela União.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Existirá um período de convivência entre 2 regimes,


o da Lei nº 8.666/1993 e o da nova Lei de Licitações.
Qual será esse período? Como escolher entre a
aplicação de um ou outro regime? 13

A Lei nº 14.133, publicada no Diário Oficial da União de 1º de abril de


2021, estabelece normas gerais de licitação e contratação para os órgãos
e entidades dos 3 Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios e determina a revogação da Lei nº 8.666/1993, da Lei nº
10.520/2002, e dos arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011, após decorridos
2 (dois) anos da sua publicação (art. 193).

Importante destacar que a Lei nº 14.133/2021 está em vigor desde a data


da sua publicação e, conforme dispõe seu art. 191, durante o prazo de dois
anos a nova Lei de Licitações coexistirá com a legislação antiga que dis-
ciplinava o assunto. Assim, a Administração poderá optar por licitar
ou contratar diretamente de acordo com o novo regime ou com as
leis do regime antigo. Qualquer que seja a opção escolhida, ela deverá ser
indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contra-
tação direta, sendo vedada a aplicação combinação entre os regimes.
13 Existirá um período de convivência entre 2 regimes, o da Lei nº 8.666/1993 e o da nova Lei de Licitações. Qual será esse
período? Como escolher entre a aplicação de um ou outro regime? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, mai. 2021.
Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

O parágrafo único do art. 191 da Lei nº 14.133/2021 ainda define que, op-
tando por licitar de acordo com a legislação antiga, o contrato celebrado
será regido pelas regras do regime escolhido durante toda a sua vigência.

Desse modo, caso seja celebrado um contrato com base na Lei nº


8.666/1993 no último dia do prazo de 2 anos, ele vigerá observando as
disposições da Lei nº 8.666/1993 até o seu encerramento.

A Lei nº 14.133/2021 não confere nenhum parâmetro ou requisito obje-


tivo para a escolha do regime jurídico que será aplicado. Significa dizer
que confere margem de discricionariedade para que a autoridade com-
petente pela aprovação do processo licitatório proceda a essa escolha.
Trata-se, portanto, de uma competência discricionária, ou seja, a lei con-
cede ao administrador a liberdade para decidir com base em critérios
de conveniência e oportunidade qual regime jurídico adotará em cada
caso: o novo, instituído pela Lei nº 14.133/2021 ou o antigo, formado
pela Lei nº 8.666/1993, pela Lei nº 10.520/2002 e pela Lei nº 12.462/2011.

Atente-se que, de acordo com o art. 1º do Decreto-Lei nº 4.657/1942,


a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: “Salvo disposição
contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias
depois de oficialmente publicada”. Trata-se do vacatio legis, ou seja, pe-
ríodo previsto entre a publicação e o início de sua vigência. Sua finalida-
de é permitir que os destinatários da nova norma possam conhecê-la,
adaptar-se, preparar-se para sua aplicação. Regra geral, com o início da
vigência da nova lei, a lei antiga é revogada, ou seja, não se estabelece
um período de concomitância das duas leis em vigor, tal como previsto

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

pela Lei nº 14.133/2021. Isso, contudo, não denota um defeito da nova


Lei de Licitações, mas uma opção não usual do legislador.

E, ao que tudo indica, a intenção do legislador ao adotar essa fórmula para


promover a transição entre o regime antigo e o novo teve o objetivo de
permitir que cada órgão e entidade da Administração Pública, submeti-
dos à novel legislação, possam aos poucos “treinar” a sua aplicação.

Tomada a situação sob esse enfoque, parece possível indicar que um


primeiro critério para a escolha entre os regimes deve se basear, entre
outros fatores, na capacidade de a Administração colocar em prática
as disposições da Lei nº 14.133/2021. Os servidores envolvidos com o
processamento da contratação pública conhecem as disposições da
nova lei? Os processos de trabalho já foram adequados às exigências
que a nova lei impõe? Questões dessa ordem informam a capacidade
de a Administração atender aos mandamentos da Lei nº 14.133/2021.
Ademais, importante avaliar eventual necessidade de regulamentação
prévia, já que a nova Lei se reporta, em diversos momentos, a regula-
mentos; porém, nem todos os pontos dependerão de prévia regula-
mentação para sua aplicação. Alguns sim, muitos não.

Julgando-se capaz e sendo viável do ponto de vista procedimental


e regulamentar promover a contratação de acordo com a nova lei, a
Administração poderá, então, avaliar, em face da situação concreta,
se será mais adequado promover a contratação com base na Lei nº
14.133/2021, ainda que não se tenha esgotado o prazo de 2 anos pre-
visto no seu art. 191 c/c 193.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Quais órgãos, entidades e contratações estão


vinculados à nova Lei de Licitações e quais não são
abrangidas por ela?14

Logo no seu art. 1º a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) esta-


belece normas gerais de licitação e contratação para as administrações
públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, e abrange:

I – os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados


e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios,
quando no desempenho de função administrativa;

II – os fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou


indiretamente pela Administração Pública.

Ainda que não faça remissão expressa às entidades do Sistema S, a re-


dação permite facilmente concluir que a nova lei não se aplicará a elas,
haja vista não se enquadrarem na condição de “entidades controladas
direta ou indiretamente pela Administração Pública”. Logo, em relação
às entidades integrantes do Sistema S a sanção da nova lei não produ-
zirá efeito direto algum, na medida em que não são alcançadas pelo
14 QUAIS ÓRGÃOS, ENTIDADES E CONTRATAÇÕES estão vinculados à nova Lei de Licitações e quais não são abrangidas por ela?
Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jan. 2021. Atualizada em 09.04.2021, considerando a redação final da Lei nº
14.133/2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

69
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

novo diploma legal e têm suas licitações e contratos regidos por seus
regulamentos próprios de licitação e contratos.

As empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidi-


árias, igualmente, não são alcançadas pela nova lei, pois suas licitações e
contratações continuarão sendo regidas pela Lei nº 13.303/2016. Ressal-
vado o disposto no art. 178, que trata dos crimes definidos pela nova lei.
Essas disposições, por força de previsão expressa, vinculam as estatais.

A nova Lei de Licitações dispensou atenção para as contratações reali-


zadas no âmbito das repartições públicas sediadas no exterior, ao dis-
por que esses ajustes “obedecerão às peculiaridades locais e aos prin-
cípios básicos estabelecidos nesta Lei, na forma de regulamentação
específica a ser editada por Ministro de Estado” (art. 1º, § 2º).

De acordo com a disciplina consagrada na nova Lei de Licitações, fica


claro que suas disposições não exercem efeito vinculante sobre as re-
partições públicas sediadas no exterior, que ficam sujeitas à observân-
cia apenas dos princípios básicos estabelecidos na Lei. Mas, a novel
legislação passa a exigir a expedição de regulamentação específica a
ser editada por Ministro de Estado.

Outra hipótese de afastamento das disposições contidas na nova lei


envolve as licitações e contratações realizadas com recursos prove-
nientes de empréstimo ou doação oriundos de agência oficial de co-
operação estrangeira ou de organismo financeiro de que o Brasil seja
parte. Nesses casos, o § 3º do art. 1º torna possível admitir:

70
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

“I – condições decorrentes de acordos internacionais aprovados pelo


Congresso Nacional e ratificados pelo Presidente da República;

II – condições peculiares à seleção e à contratação constantes de nor-


mas e procedimentos das agências ou dos organismos, desde que:

a) sejam exigidas para a obtenção do empréstimo ou doação;

b) não conflitem com os princípios constitucionais em vigor;

c) sejam indicadas no respectivo contrato de empréstimo ou doação e


tenham sido objeto de parecer favorável do órgão jurídico do contratan-
te do financiamento previamente à celebração do referido contrato;

d) Vetado”.

Importante ressaltar que, de acordo com o § 4º do artigo em comento,


“a documentação encaminhada ao Senado Federal para autorização do
empréstimo de que trata o § 3º deste artigo deverá fazer referência às
condições contratuais que incidam na hipótese do referido parágrafo”.

A nova lei também assegura que “As contratações relativas à gestão,


direta e indireta, das reservas internacionais do País, inclusive as de
serviços conexos ou acessórios a essa atividade, serão disciplinadas
em ato normativo próprio do Banco Central do Brasil, assegurada a
observância dos princípios estabelecidos no caput do art. 37 da Cons-
tituição Federal” (art. 1º, § 5º). Trata-se de mais uma hipótese de afas-
tamento do regime instituído.

71
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

No que diz respeito aos processos de contratação nos quais a nova lei
deverá ser aplicada, vejamos o previsto no art. 2º:

“Art. 2º Esta Lei aplica-se a:

I – alienação e concessão de direito real de uso de bens;

II – compra, inclusive por encomenda;

III – locação;

IV – concessão e permissão de uso de bens públicos;

V – prestação de serviços, inclusive os técnico-profissionais especiali-


zados;

VI – obras e serviços de arquitetura e engenharia.

VII – contratações de tecnologia da informação e de comunicação”.

Esse dispositivo permite concluir que a nova lei não disciplinará os


processos de contratação de serviços de publicidade prestados neces-
sariamente por intermédio de agências de propaganda, no âmbito da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que continu-
arão sendo regidos pela Lei nº 12.232/2010.

Como bem se sabe, “A lei posterior revoga a anterior quando expressa-


mente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule
inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. No caso, a nova lei
não declara expressamente a revogação da Lei nº 12.232/2010 e, tão

72
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

pouco, é com ela incompatível ou regulou inteiramente as contrata-


ções de serviços de publicidade.

Em vez disso, entendemos que a nova lei assume caráter de norma


geral, ou seja, legislação mais ampla sobre a matéria licitações e con-
tratos, enquanto a Lei nº 12.232/2010 encerra disposições especiais,
sobre tema específico - licitações e contratações pela administração
pública de serviços de publicidade prestados necessariamente por in-
termédio de agências de propaganda. Por essa razão, não se cogita a
revogação da Lei nº 12.232/2010.

Inclusive, considerando que os serviços de publicidade – prestados


necessariamente por intermédio de agências de propaganda – são re-
gidos por legislação própria, essa conclusão parece ser reforçada pela
disciplina prevista no art. 3º da nova Lei nº 14.133/2021, que prevê as
situações em que a nova lei não será aplicada:

“Art. 3º Não se subordinam ao regime desta Lei:

I – contratos que tenham por objeto operação de crédito, interno ou


externo, e gestão de dívida pública, incluídas as contratações de agen-
te financeiro e a concessão de garantia relacionadas a esses contratos;

II – contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria”.

Vimos, então, a incidência e alcance da nova Lei de Licitações e Contra-


tos (Lei nº 14.133/2021).

73
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Se já realizada dispensa por valor com fundamento


na Lei nº 8.666/1993 no exercício de 2021, é possível
realizar novas dispensas por valor com base na Lei nº
14.133/2021 no mesmo exercício?15

O art. 75 da Lei nº 14.133/2021 define as hipóteses em que será dis-


pensável a licitação e, nos seus incisos I e II, trata da dispensa de licita-
ção em função do valor:

“Art. 75. É dispensável a licitação:

I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00


(cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de servi-
ços de manutenção de veículos automotores;

II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cin-


quenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;”

A primeira novidade que se observa é a atualização dos valores para


R$ 100.000,00 para dispensa de licitação para contratação de obras e
serviços de engenharia e R$ 50.000,00 para compras e outros serviços.
Desde a publicação do Decreto nº 9.412, em 19 de junho de 2019, os
valores limites para dispensa previstos nos incisos I e II do art. 24 da Lei
15 SE JÁ REALIZADA DISPENSA POR VALOR com fundamento na Lei nº 8.666/1993 no exercício de 2021, é possível realizar novas
dispensas por valor com base na Lei nº 14.133/2021 no mesmo exercício? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jun.
2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: dd. 06 ago. 2021.

74
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

nº 8.666/93 são, respectivamente, R$ 33.000,00 para obras e serviços de


engenharia e R$ 17.600,00 para compras, outros serviços e alienações.

A Lei nº 14.133/2021 também prevê novidades em relação ao controle


para evitar o fracionamento indevido de despesas, resultante das con-
tratações realizadas por dispensa em razão do valor.

De acordo com o Manual de Licitações do Tribunal de Contas da União,


fracionamento “à luz da Lei de Licitações, caracteriza-se quando se di-
vide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior à reco-
mendada pela legislação para o total da despesa ou para efetuar con-
tratação direta”.1

A fim de evitar o fracionamento, a Lei nº 14.133/2021 traz a seguinte


orientação no § 1º do seu art. 75:

“Art. 75. (...)

§ 1º Para fins de aferição dos valores que atendam aos limites referidos
nos incisos I e II do caput deste artigo, deverão ser observados:

I – o somatório do que for despendido no exercício financeiro pela res-


pectiva unidade gestora;

II – o somatório da despesa realizada com objetos de mesma nature-


za, entendidos como tais aqueles relativos a contratações no mesmo
ramo de atividade”.2

De acordo com essas disposições, cada unidade gestora de recursos


do orçamento deverá, no início do exercício orçamentário, estimar o

75
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

valor anual a ser despendido com objetos de mesma natureza – assim


entendidos os objetos de um mesmo ramo de atividade – para iden-
tificar o cabimento da contratação direta por dispensa de licitação em
razão do valor.

Considerando que a Lei nº 14.133/2021 encontra-se em vigor desde


a data da sua publicação, 1º de abril de 2021, pode-se entender que,
desde essa data, os limites para as contratações diretas por dispensa
de licitação em razão do valor, formalizadas no novo marco legal, são
aqueles definidos nos incisos I e II do art. 75 da aludida lei.

Sendo assim, caso determinado órgão ou entidade da Administração


Pública, no ano de 2021, já tenha celebrado contratações diretas por
dispensa de licitação em razão do valor, com base no art. 24, incisos
I e II da Lei nº 8.666/1993, nos valores de R$ 33.000,00 para obras e
serviços de engenharia e R$ 17.600,00 para compras e outros serviços,
não poderá mais promover novas contratações diretas com base nesse
fundamento legal.

Mas isso não impede celebrar novas contratações diretas por dispensa
de licitação com base nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133/2021,
observando, nesse caso, os limites de R$ 100.000,00 para contratação
de obras e serviços de engenharia e R$ 50.000,00 para compras e ou-
tros serviços, considerando, para fins da aferição desses limi-
tes, tanto as contratações formalizadas com base na Lei nº
8.666/1993 quanto as com fundamento na Lei nº 14.133/2021.

76
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Nesse caso, esses limites deverão ser aferidos e atendidos observadas


as disposições do § 1º do art. 75 da Lei nº 14.133/2021, ou seja, o so-
matório despendido no ano de 2021 pela unidade gestora, com a con-
tratação de objetos de mesma natureza – entendidos como tais aque-
les relativos a contratações no mesmo ramo de atividade – não poderá
ultrapassar os limites de R$ 100.000,00 para contratação de obras e
serviços de engenharia e R$ 50.000,00 para compras e outros serviços.

Diante do exposto, concluímos que se já foi realizada dispensa pelo va-


lor com fundamento na Lei nº 8.666/1993 no exercício de 2021, será
possível realizar novas dispensas por valor com base na Lei
nº 14.133/2021 nesse mesmo exercício, desde que o somató-
rio despendido no ano de 2021 pela unidade gestora, com a con-
tratação de objetos de mesma natureza – entendidos como tais aque-
les relativos a contratações no mesmo ramo de atividade – não poderá
ultrapassar os limites de R$ 100.000,00 para contratação de obras e
serviços de engenharia e R$ 50.000,00 para compras e outros serviços
(considerando para esse fim tanto as dispensas formalizadas com base
na Lei nº 8.666/1993 quanto as fundadas na Lei nº 14.133/2021).
1
Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 4. ed. rev., atual. e
ampl. Brasília: TCU, Secretaria Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria
Especial de Editoração e Publicações, 2010. p. 104.

2
Consoante dispõe o § 7º do aludido art. 74, “Não se aplica o disposto no § 1º
deste artigo para as contratações de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) de serviços de
manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade con-
tratante, incluído o fornecimento de peças”.

77
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Como comprovar a exclusividade do fornecedor para


a inexigibilidade na nova Lei de Licitações? Quais as
novidades em relação a esse tema?16

Dentre as hipóteses de inexigibilidade previstas no art. 74 da Lei nº


14.133/2021, tem-se a contratação envolvendo “aquisição de mate-
riais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que
só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante co-
mercial exclusivo”.

O dispositivo abriga situação envolvendo inviabilidade absoluta de


competição, na medida em que a demanda da Administração – por
materiais, equipamentos, gêneros ou serviços – é atendida por solução
comercializada por apenas um agente econômico (exclusividade).

E aqui um primeiro comentário relativamente à nova Lei, que dirimiu


discussão que havia relativamente ao art. 25, inc. I, da Lei nº 8.666/1993,
que trata apenas da contratação direta de “fornecedor exclusivo”, por-
tanto, ao menos textualmente, dirigia-se apenas às compras da Ad-
ministração. Eventuais contratações diretas de serviços prestados com
exclusividade vinham sendo fundamentadas no caput do art. 25, con-
forme orientação do TCU e AGU. Na nova Lei de Licitações, tanto as
16 Como comprovar a exclusividade do fornecedor para a inexigibilidade na nova Lei de Licitações? Quais as novidades em
relação a esse tema? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, mai. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br.
Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

compras como os serviços disponibilizados com exclusividade podem


ser contratados pelo art. 74, inc. I, da Lei nº 14.133/2021.

A outra novidade fica por conta da comprovação da condição de


exclusividade. Conforme o parágrafo primeiro do art. 74 da Lei nº
14.133/2021, “Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo, a
Administração deverá demonstrar a inviabilidade de competição me-
diante atestado de exclusividade, contrato de exclusividade,
declaração do fabricante ou outro documento idôneo capaz
de comprovar que o objeto é fornecido ou prestado por pro-
dutor, empresa ou representante comercial exclusivos, veda-
da a preferência por marca específica.” (Grifamos.)

Aqui também o legislador dirimiu discussão envolvendo a parte final


do inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, segundo o qual deveria “a
comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido
pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a lici-
tação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confedera-
ção Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes”.

Ocorre que nenhuma das entidades indicadas pela Lei nº 8.666/1993


como aptas para emitir o atestado em questão possui, dentre as suas
competências, a de certificar que os particulares fornecem bens em
regime de exclusividade. No mais das vezes, o que essas entidades fa-
zem é simplesmente arquivar ou declarar informações prestadas pelos
próprios interessados.

79
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Isso significava que a simples apresentação do atestado emitido pelas


entidades em questão não era capaz de, por si só, comprovar a exis-
tência de uma situação de inviabilidade absoluta de competição. Daí
porque, nesses casos, a orientação seguia no sentido de o processo ad-
ministrativo ser instruído com outros elementos capazes de demons-
trar que a solução pretendida era prestada em regime de exclusivida-
de por esse ou aquele particular (vide Súmula nº 255, TCU).

A nova Lei de Licitações recepcionou essa diretriz, na medida em que,


para fins de justificar a exclusividade, apenas citou exemplos de do-
cumentos – atestado de exclusividade, contrato de exclusividade,
declaração do fabricante ou outro documento idôneo –, contanto
que capaz de comprovar que o objeto é fornecido ou presta-
do por produtor, empresa ou representante comercial exclu-
sivos.

Portanto, de acordo com o art. 74, inc. I, da Lei nº 14.133/2021, a ine-


xigibilidade de licitação, decorrente da exclusividade de fornecedor
causadora da inviabilidade absoluta de competição, poderá envolver
tanto o fornecimento de bens como a prestação de serviços. Para jus-
tificar a condição de exclusividade do fornecedor/executor a Adminis-
tração poderá se valer de todo e qualquer documento, contanto que
idôneo e, sobretudo, capaz de comprovar, efetivamente, que o objeto
é fornecido ou prestado por produtor, empresa ou representante co-
mercial exclusivos.

80
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Quais são as novidades da nova Lei de Licitações em


relação à dispensa por emergência?17

A hipótese de dispensa de licitação para casos de emergência ou


de calamidade pública está prevista no inciso VIII do art. 75 da Lei nº
14.133/2021, que institui um novo regime jurídico para disciplinar as
contratações da Administração Pública direta, autárquica e fundacional:

“Art. 75. É dispensável a licitação:

(...)

VIII – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando carac-


terizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar pre-
juízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segu-
rança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos
ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao aten-
dimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de
obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um)
ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade,
vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de
empresa já contratada com base no disposto neste inciso;”
17 QUAIS SÃO AS NOVIDADES da nova Lei de Licitações em relação a dispensa por emergência? Zênite Fácil, categoria Perguntas
e Respostas, fev. 2021. Atualizada em 09.04.2021, considerando a redação final da Lei nº 14.133/2021. Disponível em: http://
www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

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SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Conforme ensina Renato Geraldo Mendes: “A razão que justifica a dis-


pensa na referida hipótese é a urgência de atendimento da situação,
a qual se revela totalmente incompatível com o rito procedimental da
licitação. A adoção da licitação quando estiver presente o elemento
“urgência” atentaria contra a ideia de eficiência, e daria ensejo à ile-
galidade. Esse é um exemplo típico de que o valor eficiência preside o
regime jurídico da contratação pública”.1

Nesse sentido, a nova Lei de Licitações não se diferencia em relação


ao disposto na Lei nº 8.666/1993, mantendo a possibilidade de o ad-
ministrador dispensar a licitação nos casos de emergência ou de ca-
lamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de
situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuida-
de dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços,
equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.

Também, tal qual admitido pela Lei nº 8.666/1993, a nova Lei de Licita-
ções permite apenas a aquisição dos bens necessários ao aten-
dimento da situação emergencial ou calamitosa. Contudo, em
relação às contratações de obras e serviços, a Lei nº 14.133/2021 passa a
admitir a contratação das parcelas que possam ser concluídas no prazo
máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência
ou da calamidade. Na Lei nº 8.666/1993 esse prazo era de até 180 dias.

Assim como a Lei nº 8.666/1993, a nova Lei de Licitações e Contratos


veda a prorrogação dos contratos firmados por dispensa de licitação
emergencial e vai além, vedando a “recontratação de empresa já con-
tratada com base no disposto neste inciso”2.

82
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Outra novidade, envolve definição de situação emergencial. De acor-


do com a previsão contida no § 6º do art. 75, para efeito de aplicação
da hipótese de dispensa de licitação em questão, “considera-se emer-
gencial a contratação por dispensa com objetivo de manter a continui-
dade do serviço público”. Inclusive, nesses casos, “deverão ser observa-
dos os valores praticados pelo mercado na forma do art. 23 desta Lei
e adotadas as providências necessárias para a conclusão do processo
licitatório, sem prejuízo de apuração de responsabilidade dos agentes
públicos que deram causa à situação emergencial”.

A nova Lei de Licitações estabelece mais uma novidade em relação a


essa e outras formas de contratação, que é o dever de, ao suspender
cautelarmente o processo licitatório, os tribunais de contas deverão
se pronunciar definitivamente sobre o mérito da irregularidade que
tenha dado causa à suspensão no prazo de 25 (vinte e cinco) dias úteis,
contado da data do recebimento das informações, prorrogável por
igual período uma única vez (art. 171, § 1º). Nesses casos, os órgãos de
controle deverão definir objetivamente o modo como será garantido
o atendimento do interesse público que foi impedido com a suspen-
são da contratação (art. 171, § 1º, inciso II).

1
MENDES, Renato Geraldo. Zênite Fácil, nota ao art. 24, inc. IV, catego-
ria Doutrina. Disponível em: . Acesso em: fev. 2021.

2
Essa vedação pode causar controvérsia e, em determinadas situações,
trazer uma série de problemas e entraves para o atendimento da neces-
sidade pública, o que precisará ser ponderado circunstancialmente.

83
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Em relação à instrução das contratações diretas, o


que prevê a nova Lei de Licitações?18

Diferente da Lei nº 8.666/1993, a nova Lei de Licitações aborda em de-


talhes da instrução dos processos de contratação direta.

O art. 72 da Lei nº 14.133/2021 indica que o processo administrativo


deve ser instruído com os seguintes atos:

1. documento de formalização de demanda;

2. se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de


referência, projeto básico ou projeto executivo;

3. estimativa de despesa, que deverá ser calculada na forma estabele-


cida no art. 23 da Lei;

4. parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem


o atendimento dos requisitos exigidos;

5. demonstração da compatibilidade da previsão de recursos orça-


mentários com o compromisso a ser assumido;

6. comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habili-


tação e qualificação mínima necessária;

7. razão da escolha do contratado;


18 EM RELAÇÃO À INSTRUÇÃO DAS CONTRATAÇÕES DIRETAS, o que prevê a nova Lei de Licitações? Zênite Fácil, categoria Per-
guntas e Respostas, jul. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

84
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

8. justificativa de preço;

9. autorização da autoridade competente.

O primeiro passo na instrução do processo de contratação direta é ofi-


cializar a demanda. Cabe ao setor requisitante formalizar a necessi-
dade em torno da contratação, indicando a justificativa pertinente, o
quantitativo necessário de bens/serviços e indicar a data limite para o
atendimento da necessidade.

No que diz respeito aos estudos técnicos preliminares, análises


de riscos, termo de referência ou projeto básico e executivo,
em que pese estejam presentes na instrução dos mais variados pro-
cessos de contratação, será necessário ponderar a pertinência de cada
um deles no caso concreto, sobretudo em razão das particularidades
da hipótese de contratação direta a ser realizada.

Uma fase prévia de estudos técnicos preliminares se justifica,


por exemplo, em contratações nas quais há necessidade de olhar
para o mercado e ponderar soluções disponíveis, para então defi-
nir a opção que melhor se ajusta aos objetivos da Administração.
Caso a contratação seja de baixo custo ou não envolva complexidade e
riscos significativos a serem geridos (o que pode ser verificado a partir
da experiência da Administração em contratações anteriores), é possí-
vel afastar a etapa de análise de riscos.

Já o termo de referência – ou Projeto básico e Projeto Exe-


cutivo, na hipótese de obras e serviços de engenharia – deverá ser
observado. Afinal, é o instrumento que sintetiza as principais decisões

85
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

e informações acerca da contratação a ser realizada, inclusive no que


diz respeito à fundamentação legal da contratação direta.

Quanto à estimativa da despesa, conforme o parágrafo 4º do art.


23 da Lei nº 14.133/2021, nas “contratações diretas por inexigibilidade
ou por dispensa, quando não for possível estimar o valor do objeto
na forma estabelecida nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo, o contratado
deverá comprovar previamente que os preços estão em con-
formidade com os praticados em contratações semelhantes
de objetos de mesma natureza, por meio da apresentação de
notas fiscais emitidas para outros contratantes no período
de até 1 (um) ano anterior à data da contratação pela Admi-
nistração, ou por outro meio idôneo.” (Grifamos.)

Com base na adequada aferição do valor estimado da contratação é


que possível: (i) demonstrar a compatibilidade da previsão de recur-
sos orçamentários com o compromisso a ser assumido; (ii) propiciar
condições concretas para a autoridade competente autorizar a con-
tratação direta e (iii) justificar o preço frente à realidade de mercado.

Quanto ao particular/empresa a ser contratado diretamente, é neces-


sário elencar os fatores que determinaram a escolha. Deve-se verificar,
ainda, se atende aos quesitos de habilitação considerados indispen-
sáveis à aferição da capacidade para assumir a execução contratual
(dentre aqueles previstos nos artigos 66 a 69 da nova Lei). Para essa
análise, interessante observar que a Lei nº 14.133/2021, no art. 70, inc.
III, prevê a possibilidade de dispensar a documentação de habilitação,
total ou parcialmente: (i) nas contratações para entrega imediata; (ii)
nas contratações em valores inferiores a 1/4 (um quarto) do limite

86
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

para dispensa de licitação para compras em geral; (iii) e nas contra-


tações de produto para pesquisa e desenvolvimento até o valor de R$
300.000,00 (trezentos mil reais).

A adequada instrução do processo de contratação direta pressupõe,


igualmente, o controle prévio de legalidade mediante emissão de pa-
recer pela assessoria jurídica, conforme o art. 53, parágrafo 4º, da
Lei nº 14.133/2021. A Lei dispensa “a análise jurídica nas hipóteses
previamente definidas em ato da autoridade jurídica máxi-
ma competente, que deverá considerar o baixo valor, a baixa
complexidade da contratação, a entrega imediata do bem ou
a utilização de minutas de editais e instrumentos de contrato,
convênio ou outros ajustes previamente padronizados pelo
órgão de assessoramento jurídico” (art. 53, parágrafo 5º, grifamos).

Por fim, é necessário conferir a devida publicidade ao ato da autoridade


competente que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente
do contrato. E o meio eleito pela Lei nº 14.133/2021 para instrumen-
talizá-la compreende o sítio eletrônico oficial1  (art. 72, parágrafo
único). Note-se que, assim que disponível o PNCP, a Administração de-
verá providenciar a publicação do contrato em 10 dias úteis da sua
assinatura (art. 94, inc. II, da Lei nº 14.133/2021).
1
Na forma art. 6º, LII, da nova Lei de Licitações, trata-se do “sítio da internet,
certificado digitalmente por autoridade certificadora, no qual o ente federativo
divulga de forma centralizada as informações e os serviços de governo digital
dos seus órgãos e entidades”.

87
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Em relação às modalidades de licitação, quais são as


principais novidades da nova Lei de Licitações?19

A Lei nº 14.133/2021 promove alterações nas modalidades de licitação.


De acordo com o disposto no seu art. 28, foram excluídos o convite a
e tomada de preços do novo regime e restaram apenas as seguintes
modalidades:

“I – pregão;

II – concorrência;

III – concurso;

IV – leilão;

V – diálogo competitivo”.

Além dessas modalidades de licitação, a Administração pode servir-se


dos seguintes procedimentos auxiliares:

“Art. 78. São procedimentos auxiliares das licitações e das contrata-


ções regidas por esta Lei:

I – credenciamento;
19 EM RELAÇÃO ÀS MODALIDADES DE LICITAÇÃO, quais são as principais novidades da nova Lei de Licitações? Zênite Fácil, cate-
goria Perguntas e Respostas, jan. 2021. Atualizada em 09.04.2021, considerando a redação final da Lei nº 14.133/2021. Dispo-
nível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

88
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

II – pré-qualificação;

III – procedimento de manifestação de interesse;

IV – sistema de registro de preços;

V – registro cadastral.”

Tal como já previsto pela Lei nº 8.666/1993 (art. 22, § 8º), é vedada a
criação de outras modalidades de licitação ou, ainda, a combinação
daquelas referidas no art. 28 da Lei nº 14.133/2021 (art. 28, § 2º).

Em relação às modalidades que remanescem da legislação anterior,


também há novidade. A maior delas, prevista no art. 29 da nova Lei de
Licitações, prevê que “A concorrência e o pregão seguem o rito proce-
dimental comum a que se refere o art. 17 desta Lei”.

Isso significa que a concorrência assumirá a mesma dinâmica procedi-


mental atualmente empregada para o pregão, de acordo com a qual
ocorre, primeiro, a seleção da oferta mais vantajosa, depois a habilita-
ção e, por fim, a concentração da fase recursal.1

Atente-se, no entanto, que o § 1º do art. 17 permite, desde que me-


diante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, pro-
mover a inversão das fases, fazendo com que o processo licitatório as-
suma a dinâmica prevista para a concorrência pela Lei nº 8.666/1993.

Sobre o cabimento das modalidades de licitação, o já citado art. 29 pre-


vê que o pregão será adotado “sempre que o objeto possuir padrões

89
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos


pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado”.

No seu parágrafo único, também deixa claro os casos em que não se


admite a adoção da modalidade pregão:

“Art. 29. (...)

Parágrafo único. O pregão não se aplica às contratações de serviços


técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual
e de obras e serviços de engenharia, exceto os serviços de engenharia
de que trata a alínea a do inciso XXI do caput do art. 6º desta Lei”.

Além disso, a nova Lei de Licitações deixa claro que o pregão poderá
ser aplicado para contratação de bens e serviços comuns, cujo critério
de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto.

A concorrência, por sua vez, terá cabimento para contratação de bens


e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de enge-
nharia. Além disso, nas licitações processadas pela modalidade con-
corrência, a Administração poderá adotar qualquer um dos seguintes
critérios de julgamento:

a) menor preço;

b) melhor técnica ou conteúdo artístico;

c) técnica e preço;

d) maior retorno econômico;

90
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

e) maior desconto;

Nos certames processados pela modalidade concurso, objetiva-se a


escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, cujo critério de jul-
gamento será o de melhor técnica ou conteúdo artístico, e para con-
cessão de prêmio ou remuneração ao vencedor.

Se o objetivo do concurso for selecionar a elaboração de projeto, o


vencedor deverá ceder à Administração Pública, nos termos do art. 93
da Lei nº 14.133/2021, todos os direitos patrimoniais relativos ao pro-
jeto e autorizar sua execução conforme juízo de conveniência e opor-
tunidade das autoridades competentes.

Sobre a modalidade leilão, a nova Lei de Licitações prevê ser modali-


dade aplicada na alienação de bens imóveis ou de bens móveis inser-
víveis ou legalmente apreendidos a quem oferecer o maior lance.

Sua condição poderá ser designada tanto a leiloeiro oficial quanto a


agente designado pela autoridade competente da Administração, e
caberá a regulamento dispor sobre seus procedimentos operacionais.

A maior novidade a respeito das modalidades de licitação talvez seja a


criação da modalidade diálogo competitivo.

Trata-se “modalidade de licitação para contratação de obras, serviços


e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com lici-
tantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o
intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender

91
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final


após o encerramento dos diálogos”.

Sua adoção é restrita a contratações em que a Administração:

“I – vise a contratar objeto que envolva as seguintes condições:

a) inovação tecnológica ou técnica;

b) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satis-


feita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e

c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com


precisão suficiente pela Administração;

II – verifique a necessidade de definir e identificar os meios e as alter-


nativas que possam satisfazer suas necessidades, com destaque para
os seguintes aspectos:

a) a solução técnica mais adequada;

b) os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida;

c) a estrutura jurídica ou financeira do contrato;

III – Vetado”.

A respeito do seu processamento, a Lei nº 14.133/2021 traz a seguinte


previsão no § 1º de seu art. 32:

“Art. 32. (...)

92
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

§ 1º Na modalidade diálogo competitivo, serão observadas as seguintes


disposições:

I – a Administração apresentará, por ocasião da divulgação do edital


em sítio eletrônico oficial, suas necessidades e as exigências já defini-
das e estabelecerá prazo mínimo de 25 (vinte e cinco) dias úteis para
manifestação de interesse de participação na licitação;

II – os critérios empregados para pré-seleção dos licitantes deverão


ser previstos em edital, e serão admitidos todos os interessados que
preencherem os requisitos objetivos estabelecidos;

III – a divulgação de informações de modo discriminatório que possa


implicar vantagem para algum licitante será vedada;

IV – a Administração não poderá revelar a outros licitantes as soluções


propostas ou as informações sigilosas comunicadas por um licitante
sem o seu consentimento;

V – a fase de diálogo poderá ser mantida até que a Administração, em


decisão fundamentada, identifique a solução ou as soluções que aten-
dam às suas necessidades;

VI – as reuniões com os licitantes pré-selecionados serão registradas


em ata e gravadas mediante utilização de recursos tecnológicos de áu-
dio e vídeo;

93
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

VII – o edital poderá prever a realização de fases sucessivas, caso em


que cada fase poderá restringir as soluções ou as propostas a serem
discutidas;

VIII – a Administração deverá, ao declarar que o diálogo foi concluído,


juntar aos autos do processo licitatório os registros e as gravações da
fase de diálogo, iniciar a fase competitiva com a divulgação de edital
contendo a especificação da solução que atenda às suas necessida-
des e os critérios objetivos a serem utilizados para seleção da proposta
mais vantajosa e abrir prazo, não inferior a 60 (sessenta) dias úteis, para
todos os licitantes apresentarem suas propostas, que deverão conter
os elementos necessários para a realização do projeto;

IX – a Administração poderá solicitar esclarecimentos ou ajustes às


propostas apresentadas, desde que não impliquem discriminação
nem distorçam a concorrência entre as propostas;

X – a Administração definirá a proposta vencedora de acordo com cri-


térios divulgados no início da fase competitiva, assegurada a contrata-
ção mais vantajosa como resultado;

XI – o diálogo competitivo será conduzido por comissão de contrata-


ção composta de pelo menos 3 (três) servidores efetivos ou empre-
gados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Adminis-
tração, admitida a contratação de profissionais para assessoramento
técnico da comissão;

XII – Vetado”.

94
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Vimos, então, as principais novidades em relação às modalidades de


licitação da nova Lei de Licitações.

1
Essa compreensão se forma em face do que dispõe o art. 17 da Lei nº
14.133/2021:

“Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em se-


quência:

I – preparatória;

II – de divulgação do edital de licitação;

III – de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;

IV – de julgamento;

V – de habilitação;

VI – recursal;

VII – de homologação.”

95
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

O orçamento será sigiloso na Nova Lei de


Licitações?20

O art. 13 da nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) disciplina que


os atos praticados no processo licitatório são públicos, ressalvadas as
hipóteses de informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança
da sociedade e do Estado, na forma da lei.

Apesar de assegurar a publicidade dos atos praticados no desenvolvi-


mento dos processos licitatórios, o parágrafo único do art. 13 da nova
lei determina que essa publicidade será diferida, nos seguintes casos:

“I – quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura;

II – quanto ao orçamento da Administração, nos termos do art. 24 desta Lei”.

Especificamente sobre o tratamento a ser dado ao orçamento da licita-


ção, o art. 24 da nova lei dispõe:

“Art. 24. Desde que justificado, o orçamento estimado da contratação


poderá ter caráter sigiloso, sem prejuízo da divulgação do deta-
lhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias
para a elaboração das propostas, e, nesse caso:
20 O ORÇAMENTO SERÁ SIGILOSO na Nova Lei de Licitações? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, mar. 2021. Atualizada
em 12.04.2021, considerando a redação final da Lei nº 14.133/2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em:
06 ago. 2021.

96
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

I – o sigilo não prevalecerá para os órgãos de controle interno e externo;

II – VETADO.

Parágrafo único. Na hipótese de licitação em que for adotado o critério


de julgamento por maior desconto, o preço estimado ou o máximo
aceitável constará do edital da licitação”. (Grifamos.)

Vemos que a nova lei estabelece uma competência discricionária, de


forma que a autoridade responsável pela licitação decida se o orçamen-
to estimado da contratação será ou não sigiloso. Isso porque, o art. 24
não obriga a adoção do caráter sigiloso, mas apenas prevê que:
“Desde que justificado, o orçamento estimado da contratação poderá
ter caráter sigiloso”. A palavra “poderá” materializa a discricionariedade
do agente responsável, que decidirá por divulgar ou não o orçamento.

Essa orientação encontra amparo no inciso XI do art. 18 da nova Lei, o


qual prevê que a fase preparatória do processo licitatório deverá com-
preender, dentre outras informações, “a motivação sobre o momento da
divulgação do orçamento da licitação, observado o art. 24 desta Lei”.

Optando por manter em sigilo o valor orçado da contratação, conso-


ante dispõe o inciso I do art. 24 em comento, “o sigilo não prevalecerá
para os órgãos de controle interno e externo”.

Por fim, destacamos que uma vez adotado o critério de julgamento


por maior desconto, o preço estimado ou o máximo aceitável deverá
constar, obrigatoriamente, do edital da licitação, conforme dispõe o
parágrafo único do art. 24 da nova Lei de Licitações.

97
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Qual a novidade da nova Lei de Licitações em relação


à ordem da fase de habilitação e apresentação da
proposta? Qual o impacto dessa novidade no pregão
e na concorrência?21

Diferente da Lei nº 8.666/1993, a nova Lei de Licitações e Contrato (Lei


nº 14.133/2021) opta por uma sequência de fases no processo licita-
tório semelhante à prevista no Regime Diferenciado de Contratações
- RDC (Lei nº 12.462/2011) e na Lei do Pregão (Lei nº 10.520/2002).

De acordo com o art. 17, o processo de licitação observará as seguintes


fases, em sequência: I – preparatória; II – de divulgação do edital de
licitação; III – de apresentação de propostas e lances, quando
for o caso; IV – de julgamento; V – de habilitação; VI – recursal; VII
– de homologação.

Portanto, a regra geral é licitar observando essa sequência de fases,


de modo que a habilitação será realizada depois do julgamen-
to das propostas.

Porém, o § 1º do art. 17 autoriza antecipar a fase de habilitação, an-


tecedendo as fases de apresentação de propostas, lances e do julga-
mento, desde que expressamente previsto no edital e, importante,
21 QUAL A NOVIDADE da nova Lei de Licitações em relação à ordem da fase de habilitação e apresentação da proposta? Qual o
impacto dessa novidade no pregão e na concorrência? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, fev. 2021. Atualizada em
09.04.2021, considerando a redação final da Lei nº 14.133/2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06
ago. 2021.

98
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

mediante ato que explicite os benefícios decorrentes dessa


decisão.

Com essa diretriz do novo regime, poderemos ter um cenário diferente


do que estamos acostumados.

O rito procedimental do pregão - conforme art. 29 combinado com o


art. 17 da Lei nº 14.133/2021 - permanecerá muito próximo do estabe-
lecido atualmente pela Lei nº 10.520/2002. Porém, na forma do citado
§ 1º do art. 17, será possível realizar um pregão, com a excepcio-
nal e motivada inversão de fases, em que primeiro se realiza
a habilitação e, depois, a apresentação de lances.

Diferente da Lei nº 8.666/1993, a regra geral do art. 17 do nova Lei de


Licitações prevê que na concorrência1 primeiro serão avaliadas
as propostas e, após, a habilitação. Lembrando que o § 1º do art.
17 autoriza, mediante ato motivado, a inversão correspondente2.

Para a Zênite, embora a nova Lei de Licitações tenha definido o julga-


mento das propostas como prioritário, é necessário cautela.

Em muitas contratações, nas quais a qualificação do contratado for de-


terminante para a boa execução do objeto, a estratégia de seleção em
que a habilitação antecede a seleção das propostas pode ser mais efi-
ciente, calibrando e qualificando melhor a disputa entre os licitantes.

Lembrando que a próprio Lei nº 14.133/2021, no art. 18, inc. VIII, ao


descrever a fase preparatória do processo de licitação, ou seja, o plane-
jamento da contratação, indica, como fatores a serem observados: “a

99
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

modalidade de licitação, o critério de julgamento, o modo de disputa e


a adequação e eficiência da forma de combinação desses parâmetros,
para os fins de seleção da proposta apta a gerar o resultado de contra-
tação mais vantajoso para a Administração Pública, considerado todo
o ciclo de vida do objeto”.

Percebamos que o objetivo desse dispositivo é indicar a necessidade


de a Administração avaliar a estratégia de seleção – inversão de fases,
as modalidades, o modo de disputa e outros – apta a propiciar um
resultado ótimo para a Administração.

1
Destinada à contratação de bens e serviços especiais e de obras e
serviços comuns e especiais de engenharia.

2
Percebe-se um desvirtuamento da lógica procedimental do pregão,
consolidada no regime jurídico, que certamente levará a uma série de
dúvidas e polêmicas sobre o cabimento das modalidades pregão e
concorrência.

100
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Quais riscos serão preferencialmente transferidos ao


contratado de acordo com a nova Lei de Licitações?22

Nos termos da Lei nº 14.133/2021, a cláusula contratual de matriz de


riscos atribuirá à Administração contratante, ao contratado ou, ainda,
estabelecerá o compartilhamento entre ambos, da responsabilidade
pelos ônus financeiros decorrentes dos eventos futuros e incertos (ris-
cos) que possam promover o desequilíbrio dessa equação depois da
apresentação da proposta na licitação.

Desse modo, conforme prevê o § 5º do art. 103 da lei em exame:

“Sempre que atendidas as condições do contrato e da matriz de alo-


cação de riscos, será considerado mantido o equilíbrio econômico-fi-
nanceiro, renunciando as partes aos pedidos de restabelecimento do
equilíbrio relacionados aos riscos assumidos, exceto no que se refere:

I - às alterações unilaterais determinadas pela Administração, nas hi-


póteses do inciso I do caput do art. 124 desta Lei;

II - ao aumento ou à redução, por legislação superveniente, dos tribu-


tos diretamente pagos pelo contratado em decorrência do contrato”.

Para efeito de distribuição entre a Administração contratante e o con-


tratado, da responsabilidade pelos ônus financeiros decorrentes dos
22 Quais riscos serão preferencialmente transferidos ao contratado de acordo com a nova Lei de Licitações? Zênite Fácil, catego-
ria Perguntas e Respostas, mai. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06 ago. 2021.

101
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

eventos futuros e incertos (riscos) que possam promover o desequilí-


brio da equação econômico-financeira do contrato, o § 1º do art. 103
da Lei nº 14.133/2021 define que a alocação de riscos “considerará, em
compatibilidade com as obrigações e os encargos atribuídos às partes
no contrato, a natureza do risco, o beneficiário das prestações a que se
vincula e a capacidade de cada setor para melhor gerenciá-lo”.

Para tanto, de acordo com a previsão contida no § 6º desse mesmo


artigo, para efeito de alocação de riscos entre os contratantes, “pode-
rão ser adotados métodos e padrões usualmente utilizados por enti-
dades públicas e privadas, e os ministérios e secretarias supervisores
dos órgãos e das entidades da Administração Pública poderão definir
os parâmetros e o detalhamento dos procedimentos necessários a sua
identificação, alocação e quantificação financeira”.

Ainda, de acordo com o § 2º, “Os riscos que tenham cobertura ofere-
cida por seguradoras serão preferencialmente transferidos ao contra-
tado”. Essa orientação segue o princípio básico para distribuição dos
riscos, segundo o qual eles devem ser suportados pela parte que tem
as melhores condições para avaliar, controlar e gerenciar ou a parte
com melhor acesso a instrumentos de cobertura, a maior capacidade
para diversificar, ou o menor custo para suportá-los.

Na medida em que os efeitos financeiros decorrentes da ocorrência


do risco possam ser ressarcidos pela apólice de seguro providenciada
pelo contratado, reconhece-se que este possui melhor acesso a instru-
mentos de cobertura para suportar com esse risco.

102
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Destacamos, por fim, que considerando os efeitos que a alocação de


riscos ao contratado tende a gerar na formação dos preços, inserindo-
-se nesse contexto a própria contratação de apólice de seguro, o § 3º
do artigo em exame define que “A alocação dos riscos contratuais será
quantificada para fins de projeção dos reflexos de seus custos no valor
estimado da contratação”.

Com base nesse cenário, concluímos que a Lei nº 14.133/2021 define,


expressamente, que “Os riscos que tenham cobertura oferecida por se-
guradoras serão preferencialmente transferidos ao contratado”. Para
além destes, deve-se considerar a compatibilidade com as obrigações
e os encargos atribuídos às partes no contrato, a natureza do risco, o
beneficiário das prestações a que se vincula e a capacidade de cada se-
tor para melhor gerenciá-lo, consoante estabelece o princípio básico
para distribuição dos riscos.

103
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

É possível a formalização de termo aditivo a


contratos com efeitos retroativos, de acordo com a
nova Lei de Licitações?23

O art. 132 da Lei nº 14.133/2021 prevê que a “formalização do termo


aditivo é condição para a execução, pelo contratado, das prestações
determinadas pela Administração no curso da execução do contrato,
salvo nos casos de justificada necessidade de antecipação de seus efei-
tos, hipótese em que a formalização deverá ocorrer no prazo máximo
de 1 (um) mês”.

A partir desse dispositivo, fica claro que a formalização prévia do aditi-


vo contratual é condição para a modificação das cláusulas e condições
previamente ajustadas entre as partes.

Assim, para promover alterações nos contratos, ainda que unilaterais,


a Administração contratante deve, antes da execução das alterações
pretendidas, instruir o processo administrativo com as justificativas ne-
cessárias para tanto, submetê-lo a controle prévio de legalidade pelo
órgão de assessoramento jurídico (art. 53, § 4º da Lei nº 14.133/2021),
providenciar a expedição do correspondente termo aditivo e, na for-
ma do art. 94, atentar que a “ divulgação no Portal Nacional de Con-
23 É POSSÍVEL A FORMALIZAÇÃO DE TERMO ADITIVO a contratos com efeitos retroativos, de acordo com a nova Lei de Licita-
ções? Zênite Fácil, categoria Perguntas e Respostas, jun. 2021. Disponível em: http://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 06
ago. 2021.

104
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

tratações Públicas (PNCP) é condição indispensável para a eficácia do


contrato e de seus aditamentos”.

Em relação à publicidade, enquanto não instituído o PNCP: “para a Zê-


nite, enquanto o portal citado não for criado, a publicidade dos atos e
contratos descritos deverá ocorrer nos termos em que o são na atua-
lidade, ou seja, nos órgãos oficiais de publicidade, como Diário Oficial
e sítios eletrônicos oficiais dos órgãos e entidades da Administração
Pública1.

Contudo, a regra acima se aplica para as situações em que o adita-


mento pretendido pela Administração não se reveste de urgência e
essencialidade, a ponto de justificar a antecipação de seus efeitos. Para
casos urgentes, o art. 132 da Lei nº 14.133/2021 admite que, demons-
trada a necessidade de antecipação dos efeitos do aditamento, a sua
formalização ocorra no prazo máximo de um mês.

A teoria da antecipação dos efeitos do aditamento contratual não era


desconhecida. Pelo contrário, Joel de Menezes Niebuhr já postulava
sua aplicação quando da aplicação da Lei nº 8.666/1993, nos seguintes
termos:

“Como sabido por aqueles que militam na área, grande parte


dos órgãos e entidades administrativas não conseguem con-
cluir os procedimentos para a formalização de termo aditivo
em prazo razoável. É bastante comum que a formalização comple-
ta, na forma da lei, requeira meses. Sem embargo, muitas das de-
mandas administrativas são urgentes e não podem aguardar

105
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

os meses que se leva até a publicação na Imprensa Oficial do


termo aditivo.

A título ilustrativo, suponha-se que para executar uma parcela da obra


seja necessário proceder a alterações no contrato, realizando ajustes
na planilha inicial. A rigor jurídico, a Administração deveria dar cum-
primento ao procedimento descrito no tópico anterior com o objetivo
de firmar termo aditivo e publicá-lo na Imprensa Oficial. Depois disto,
com a publicação do termo aditivo na Imprensa Oficial, é que o contra-
tado poderia dar execução aos ajustes.

Em que pese o procedimento estabelecido para a formali-


zação das alterações contratuais, frisando-se o estatuído
no parágrafo único do artigo 61 da Lei nº 8.666/93, ocorre
usualmente que a Administração, diante de situações urgen-
tes, para não paralisar a execução das obras, forma acordo
de vontades com o contratado para alterar o objeto do con-
trato e determina que o mesmo dê execução à alteração de
imediato, independentemente da devida formalização do
termo aditivo.

(...)

Explicando melhor, o contrato existe a partir do momento que se for-


ma o acordo de vontades entre as partes. O instrumento de contrato
é o modo que a legislação administrativa prescreve para que o mes-
mo seja formalizado (parágrafo único do artigo 61 da Lei nº 8.666/93).
Daí que a ausência do instrumento de contrato não significa

106
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

ausência de contrato. A ausência de instrumento de contra-


to importa vício procedimental, haja vista o desrespeito de
formalidade prescrita em lei, que é um dos pressupostos de
validade do ato administrativo. Ou seja, o contrato existe in-
dependentemente do modo como é formalizado.

O mesmo raciocínio deve ser aplicado em relação às altera-


ções contratuais. Importa dizer que a formação do acordo de
vontades entre os Contratantes importa por si na alteração
contratual. Esta, a alteração contratual, deve ser formalizada por
meio de termo aditivo, como expressa o parágrafo único do artigo 61
da Lei nº 8.666/93. A ausência do termo aditivo não significa
ausência de alteração contratual. A ausência de termo aditi-
vo implica vício de formalidade.

(...)

A antecipação dos efeitos da alteração contratual é medida


legítima e encontra amparo na legalidade, desde que funda-
mentada nos princípios jus administrativos, especialmente
no princípio da proporcionalidade, evidenciando-se a ne-
cessidade da imediata execução da alteração contratual sob
pena de perecimento dos interesses públicos e a impossibili-
dade de cumprir ao tempo as formalidades legais pertinen-
tes ao termo aditivo. Trata-se de espécie de tutela de urgência, que
remete ao princípio da razoável duração do processo, que é de alçada
constitucional e estruturante para a Teoria Geral do Processo”.2 (Grifa-
mos.)

107
SELEÇÃO DE MATERIAIS SOBRE PONTOS RELEVANTES DA LEI Nº 14.133/2021

Considerando a previsão contida no art. 132, da Lei nº 14.133/2021,


nos casos em que a Administração demonstre, justificadamente, a ne-
cessidade de antecipação dos efeitos do aditivo contratual, a formali-
zação deverá ocorrer no prazo máximo de 1 (um) mês e será atribuído
efeito retroativo.

Sugerimos, como boa prática, a formalização mínima da alteração an-


tes da execução como, por exemplo, por troca de mensagem eletrôni-
ca entre gestor e contratado, indicando que a formalização do termo
aditivo ocorrerá oportunamente, conforme previsão do dispositivo le-
gal acima comentado..
1
Confira post de autoria da Equipe Técnica Zênite: https://www.zenite.blog.br/
pode-a-administracao-licitar-pela-lei-no-8-666-1993-e-realizar-dispensas-em-
-razao-do-valor-pela-lei-no-14-133-2021/

2
NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e contrato administrativo. 4. ed.
rev. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2015, págs. 992-998.

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