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DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL

1. USUCAPIÃO

É modo originário de aquisição da propriedade pela posse prolongada


aliada à inércia. Diz-se que é modo originário, pois não há ato de transferência.

Trata-se de uma forma de prescrição aquisitiva, razão porque “estende-


se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam,
suspendem ou interrompem a prescrição” (art. 1.244 do CC).

Note que a usucapião garante a estabilidade da propriedade, fixando


um prazo, além do qual não se podem mais levantar dúvidas a respeito de ausência
ou vícios do título de posse. Neste particular, a função social da propriedade acaba
sendo atendida por meio da usucapião.

A. REQUISITOS

Para que se configure a usucapião são necessários os seguintes


requisitos:

 - Posse ad usucapionem com animus domini: a posse deve ser


externada com vontade de ser dono;

 - Tempo: o tempo necessário será variável de acordo com a


espécie de usucapião.

A posse ad usucapionem possui algumas características, dentre as


quais destacamos:

a) posse com intenção de dono (animus domini);


b) posse mansa e pacífica;
c) posse contínua e duradoura;
d) posse justa;
e) posse de boa-fé e com justo título, em regra.

É possível haver “soma de posses” para efeito de reconhecimento da


usucapião. É a denominada acessio possessionis (art. 1.243 do CC). Por fim, vale
registrar que nem todo bem é passível de ser usucapido.

B. PRINCIPAIS ESPÉCIES DE USUCAPIÃO DE BEM IMÓVEL

O CC/2002, quanto à propriedade imóvel, consagra as seguintes modalidades de


usucapião de bem imóvel:

a) usucapião ordinária (art. 1.242 do CC);


b) usucapião extraordinária (art. 1.238 do CC);
c) usucapião especial rural (art. 1.239 do CC, já prevista
anteriormente na Constituição Federal); e
d) usucapião especial urbana (art. 1.240 do CC, do mesmo
modo constante do Texto Maior), o que inclui a usucapião
especial urbana por abandono do lar, introduzida pela Lei
12.424/2011.

Além dessas formas de usucapião, serão analisadas:

a) usucapião indígena (Lei 6.001/1973– Estatuto do Índio), a


usucapião coletiva (Lei 10.257/2001 – Estatuto da Cidade)

b) usucapião administrativa decorrente da legitimação da posse


(atualmente com previsão na Lei 13.465/2017, arts. 25 a 27)

1. Usucapião Extraordinária (art. 1.238 do CC)

Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir
como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-
fé, por meio da usucapião extraordinária.

Nessa espécie, não há necessidade de justo título ou boa-fé, sendo


indiferente a intenção do possuidor (também chamado de prescribente).

O prazo poderá ser reduzido para dez anos se o possuidor houver


estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou, ainda, se nele houver realizado
obras ou serviços de caráter produtivo, o que se denominou de “posse-trabalho”.

Assim, é requisito essencial da usucapião extraordinária a existência,


em regra, de uma posse mansa e pacífica, ininterrupta, com animus domini e sem
oposição por 15 anos. O prazo cai para 10 anos se o possuidor houver estabelecido
no imóvel sua moradia habitual ou houver realizado obras ou serviços de caráter
produtivo, ou seja, se a função social da posse estiver sendo cumprida pela
presença da posse-trabalho.

2. Usucapião Ordinária (art. 1.242 do CC)

Adquire, também, a propriedade do imóvel aquele que, contínua e


incontestadamente, com justo título e boa-fé, possuí-lo por dez anos. O prazo
poderá ser reduzido para cinco anos se o imóvel houver sido adquirido,
onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelado
posteriormente, desde que os possuidores nele tivessem estabelecido a sua
moradia, ou realizado investimento de interesse social e econômico (posse-
trabalho).

Em razão da exigência do registro, ainda que cancelado, ao lado da


posse-trabalho, convencionou-se designar tal instituto de usucapião tabular ou de
livro. Trata-se de forma ordinária de prescrição aquisitiva, prevista no CC.

3. Usucapião Constitucional (ou Especial) Rural ou Pro Labore (art. 191 da CF;
art. 1.239 do CC)
Adquire a propriedade aquele que, não sendo proprietário de imóvel
rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área
de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por
seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia.

Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é
possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a
dimensão do que se quer usucapir (Enunciado 313 do CJF).

Sublinhe-se que, entre os autores do Direito Agrário, a categoria é


denominada como usucapião agrário ou agrária.

4. Usucapião Constitucional (ou Especial) Urbana ou Pro Misero (art. 183 da


CF; art. 1.240 do CC)

Também de matriz constitucional, adquire a usucapião urbana ou pro


misero, aquele que possuir como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta
metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a
para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário de outro imóvel
urbano ou rural.

Não pode ser conferido mais de uma vez ao mesmo possuidor.

Em suma, são requisitos da usucapião constitucional ou especial


urbana:

a) - Área urbana não superior a 250 m2.


b) - Posse mansa e pacífica de cinco anos ininterruptos, sem
oposição, com animus domini.
c) - O imóvel deve ser utilizado para a sua moradia ou de sua família,
nos termos do que prevê o art. 6.º, caput, da CF/1988 (pro misero).
d) - Aquele que adquire o bem não pode ser proprietário de outro
imóvel, rural ou urbano; não podendo a usucapião especial urbana
ser deferida mais de uma vez.

Não há menção quanto ao justo título e à boa-fé pela presunção


absoluta ou iure et de iure de suas presenças.

5. Usucapião Especial Urbana Coletiva (art. 10 do Estatuto da Cidade)

Conforme dispõe o Estatuto da Cidade (art. 10):

“Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e
cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e
cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos
coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel
urbano ou rural.”

É possível a “soma da posse” a fim que se cumpra o requisito temporal


de cinco anos, contanto que ambas sejam contínuas.
A sentença, de natureza declaratória, além de servir como documento
hábil ao registro da propriedade, também terá o condão de criar um condomínio
especial indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável
tomada por, no mínimo, dois terços (2/3) dos condôminos, no caso de execução de
urbanização posterior à constituição do condomínio.

6. Usucapião Familiar (art. 1.240-A do CC)

Aquele que exercer, por dois anos, ininterruptamente e sem oposição,


posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até duzentos e cinquenta
metros quadrados cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que
abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

O dispositivo foi incluído no CC pela Lei 12.424/2011, instituindo a


chamada usucapião familiar, pró-família ou por abandono de lar conjugal, cujo direito
somente poderá ser reconhecido ao possuidor uma vez.

7. Usucapião Indígena (art. 33 da Lei 6.001/73)

O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos
consecutivos, trecho de terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a
propriedade plena. A previsão legal não se aplica às terras do domínio da União,
ocupadas por tribais, às áreas reservadas de que trata o Estatuto do Índio, nem às
terras de propriedade coletiva de grupo tribal.

Atualmente, a expressão “indígena” é considerada a mais adequada.

8. Art. 1.228, §§ 4º e 5º, do CC: desapropriação ou usucapião?

A doutrina diverge quanto à natureza jurídica do art. 1.228, §§ 4º e 5º,


do CC.

Parte da doutrina entende se tratar de nova espécie de usucapião


onerosa.

Nesse sentido, GAGLIANO e PAMPLONA FILHO asseveram que “uma


vez que a perda da propriedade se dá pela posse exercida pela coletividade de
pessoas, dentro de um lapso de tempo previsto em lei (5 anos), não há, em nosso
sentir, como negar a nota característica da prescrição aquisitiva, razão pela qual a
tese da usucapião nos parece mais atrativa”.

Em sentido diverso, Flávio Tartuce compreende tratar-se de


desapropriação.

Assim, sustenta o autor: “Não há dúvidas de que o instituto aqui


estudado constitui uma modalidade de desapropriação e não de usucapião, como
pretende parcela respeitável da doutrina (nesse sentido: GAGLIANO, Pablo Stolze).
Isso porque o § 5º do art. 1.228 do CC estabelece o pagamento de uma justa
indenização, não admitindo o nosso sistema a usucapião onerosa”.

A tese da desapropriação judicial é corroborada pelos Enunciados 308


e 311 das Jornadas de Direito Civil, que expressamente fazem menção ao instituto
como espécie de “desapropriação”.

Ainda sobre o tema, a lei apenas determina que “o juiz fixará a justa
indenização”, mas não estabelece a quem compete o efetivo pagamento. Com isso,
surgem duas correntes: a primeira, entendendo que o pagamento deve ser feito
pelos próprios possuidores; em sentido diverso, uma segunda corrente defende que
o pagamento seja feito pelo Município, quando se tratar de imóvel urbano, ou pela
União, quando se tratar de imóvel rural.

Os Enunciados 84 e 308 são no sentido de que o pagamento seja feito


elos possuidores, salvo na hipótese de serem estes de baixa renda, quando, então,
o pagamento seria feito pela Administração.

Há entendimento, ainda, no sentido de que, em se tratando de


desapropriação, seria aplicável a bens públicos dominicais.

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