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RESENHA CRÍTICA

GRAMSCI E SUA PERSPECTIVA CONTRA HEGEMÔNICA PARA


EDUCAÇÃO.
Rosana Fernandes da Silva

SOUZA, Herbert Glauco de. Contra-hegemonia: um conceito de Gramsci? 2013. 89 f.


Dissertação / (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.

MARTINS, Marcos Francisco. Conhecimento e disputa pela hegemonia: Reflexões em


torno do valor ético-político e pedagógico do senso comum e da filosofia em Gramsci.
In: LOMBARDI, José Claudinei SAVIANI, Dermeval (orgs.). Marxismo e educação:
debates contemporâneos. Campinas, SP: Autores Associados, 2005, p. 123- 160.

O autor Herbert Glauco de Souza é Doutor e Mestre em Educação pelo Programa


de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social da FaE/UFMG, possuí
Graduação em Pedagogia pela UFMG. É Professor Substituto do Departamento de
Administração Escolar da Faculdade de Educação da UFMG. Realiza estudos nas áreas
de Filosofia da Educação, Ciência Política, Trabalho e Educação, Cinema e Educação.
O autor Marcos Francisco Martins, é Graduado em Filosofia pela PUCCAMP,
com mestrado e doutorado em Educação pela UNICAMP. É Professor Associado da
UFSCar, possuí vários artigos, capítulos e livros publicados, tem experiência na área da
pesquisa em educação, com ênfase nos fundamentos.
A presente resenha pretende discutir sobre Gramsci e sua perspectiva contra
hegemônica para educação, sob a visão de duas obras: a primeira é a dissertação de
mestrado intitulada “Contra-hegemonia: um conceito de Gramsci?” de Herbert Glauco de
Souza, na qual analisa a origem do conceito de contra-hegemonia e a vinculação deste
conceito ao Antonio Gramsci. E a segunda é um artigo que está contido no capítulo quinto
da obra “Marxismo e educação: debates contemporâneos”, intitulado “Conhecimento e
disputa pela hegemonia: Reflexões em torno do valor ético-político e pedagógico do
senso comum e da filosofia em Gramsci” de Marcos Francisco Martins, no qual versa
sobre a estreita relação existente entre o conhecimento, a política e a educação na
produção teórico-prática gramsciana.
A dissertação de mestrado “Contra-hegemonia: um conceito de Gramsci?” de
Herbert Glauco de Souza está dividia em três capítulos: no primeiro deles, que tem como
título “o conceito de hegemonia em Gramsci”, o autor apresenta a origem deste conceito
a partir da conjuntura de mudanças históricas ocorridas na sociedade de capitalismo
avançado, pontuando as manifestações do Estado no final do século XIX e a primeira
metade do século XX. Nesta análise ele fala sobre o conceito de hegemonia desenvolvido
por Gramsci na atuação da burguesia, que não mais se baseava na repressão e na coerção
como nos Escritos de Marx e Engels do Manifesto (1848) e sim na combinação de força
e consenso a medida em que se avançava o capitalismo. Neste capítulo o autor também
identifica as influências teóricas e práticas sobre a formulação gramsciana de hegemonia,
onde aponta as influências de Croce e Lênin.
No segundo capítulo, intitulado “Estratégias para a construção da hegemonia por
parte dos grupos sociais subalternos: um ‘conhece-te a ti mesmo’”, o autor fala das
reflexões gramscianas sobre as alternativas e as condições para que os grupos sociais
subalternos possam construir a sua hegemonia. Essas alternativas apontadas por Gramsci,
segundo Souza seria o enfrentado ao novo modelo de Estado, através de uma nova
estratégia de “luta” ao qual denominou guerra de posição, que consiste na aquisição de
espaços de força na sociedade civil, onde a construção da hegemonia seria efetivada pelo
processo de elevação intelectual e moral das massas populares, e pela “cisão” com as
concepções de mundo dominantes. Porém isso só seria possível se existir a organização
da cultura pelos intelectuais, tendo como “norte” a filosofia da práxis, na qual dependia
de meios e condições para que se concretizar, o que faz surgir a concepção de escola
unitária de Gramsci, fundamental para à educação das massas populares e dirigentes, e
para a elevação do processo de reforma intelectual e moral.
No capítulo 3, intitulado “Contra-hegemonia”, Souza faz a discussão central de
seus estudos, pois aqui ele discute e contesta a vinculação realizada entre o conceito de
contra-hegemonia e o nome de Antonio Gramsci. O autor diz que o conceito de contra-
hegemonia foi difundido em diversas áreas como se fosse integrante do corpus teórico
gramsciano, ele apresenta essas disseminações e tentar encontrar justificativas que as
liguem com o pensamento gramsciano. Em seus estudos Souza chega ao consenso de que
o conceito de contra-hegemonia não tem origem ou vínculo com o conceito de hegemonia
de Gramsci. Para Souza a formulação desse conceito ligando-o a Gramsci vem de
Raymond Willims, a partir do livro Marxismo e literatura (1977), em que faz diversas
críticas ao pensamento de hegemonia de Gramsci, ao qual diz que a hegemonia nunca é
pacífica, que sofre resistências, contestações e apresenta aspectos contraditórios. Souza
conclui que esse pensamento de Willims não leva em consideração o fato de que o
conceito de hegemonia em Gramsci já contempla essas constatações.
O autor finaliza enfatizando a complexidade do processo de construção da
hegemonia, ao qual destaca o desenvolvimento de um planejamento, de estratégias para
a educação intelectual e moral das massas populares e engajamento político por partes
dos intelectuais comprometidos com as transformações sociais.
Os apontamentos de Souza em sua exposição, nos remete a perceber o quanto
estamos desaproximados da real busca pela emancipação social e o quanto a hegemonia
burguesa avança no sentido de inculcar nas massas populares sua posição. Seu estudo nos
traz o entendimento de que a abordagem da hegemonia em Gramsci ainda não foi
assimilada, e seu entendimento poderia nos dá um direcionamento de como travar a luta
contra a hegemonia burguesa. As reflexões do Gramsci ao qual busca a ruptura do poder
hegemônico, a articulação política, o entendimento das relações sociais em torno da
disputa pela hegemonia, nos leva a considerar que é preciso defender a criação de uma
nova hegemonia baseada na aliança dos grupos subalternos.
Sendo assim a hegemonia de Gramsci busca a unidade de todo o bloco histórico,
e a defesa de um projeto de sociedade que considera possível a instauração do socialismo
e de uma sociedade sem classes, em que o próprio partido e a atividade política
desapareceriam. Então é aqui que se encontram as maiores críticas em torno de sua teoria,
pois alguns acreditam que esse tipo de sutura é impossível, ou que não há possibilidade
de uma reconciliação final, uma vez que o antagonismo é constitutivo do social e que ele
apresenta um caráter aberto e incompleto, também afirmam que a democracia não tem
lugar num terreno neutro e que o estabelecimento de uma nova hegemonia requer a
criação de novas fronteiras políticas e não a sua desaparição. Esses são só alguns
argumentos para não aceitação do conceito de hegemonia em Gramsci.
Porém ao analisarmos o que foi exposto por Souza sobre uma nova hegemonia
em Gramsci nada tem a ver com esses argumentos equivocados. Sendo assim com estudo
deste autor podemos concluir que a ampla utilização do conceito de contra-hegemonia, e
a críticas ao conceito de hegemonia de Gramsci, só vem afirmar que suas reflexões não
foram compreendidas em sua totalidade, e que isso torna-se um obstáculo para desagregar
o bloco histórico dominante.
Então essa dissertação de Souza torna-se um estudo muito significativo para a
compreensão e disseminação do real conceito de hegemonia de Gramsci, tornando-se
muito importante para os que buscam entender esse conceito e a desmistificação do
conceito de contra-hegemonia.
O outro estudo de grande relevância para compreendermos o conceito de
hegemonia em Gramsci e sua contribuição para a educação é o estudo “Conhecimento e
disputa pela hegemonia: Reflexões em torno do valor ético-político e pedagógico do
senso comum e da filosofia em Gramsci” de Marcos Francisco Martins, que se dividi em
três partes.
A primeira parte “as mudanças da realidade na passagem do século XIX ao XX
e algumas de suas consequências”, Martins aborda os novos desafios ético-políticos e
epistemológicos advindo das mudanças na relação de produção verificadas na passagem
desses séculos. Assim como no estudo de Souza, o autor diz que a realidade vivida por
Marx e Engels incidiu de maneira estratégica a “guerra dos movimentos”, e que a teoria
e a prática Gramsciana reformulou essas ideias de Marx e Engels, porque a realidade
econômica, social, política e cultural se mostrava diferente, buscando assim novas
interpretações e estratégias, na qual estabelece um novo método para superar essa
realidade agora imposta pelo capitalismo, o da “guerra de posição”, Martins a descreve
como uma concepção que enriquece a elaboração marxiana sobre a luta social e também
a ciência política contemporânea.
Na segunda parte intitulada “a politização da epistemologia e a epistemologia da
política em Gramsci”, Martins afirma que o paradigma teórico-metodológico de Gramsci
assegura a relação entre conhecimento e política, o que comunga nitidamente com o
paradigma teórico-metodológico marxiano, na qual essa relação é chamada “filosofia da
transformação”. Outra situação aponta por Martins é que jamais Gramsci deixou a
perspectiva de classe afastada de suas concepções. Nessa discussão Martins procura então
demonstrar que Gramsci ciente da politização da epistemologia, ou seja, sabendo que há
toda uma sistemática de criação e difusão do conhecimento colocada em funcionamento
para favorecer a hegemonia burguesa, ele procura inovar a estratégia contra-hegemônica
politizando as categorias e os conceitos epistemológicos, e ao mesmo tempo procura fazer
uma epistemologia da política.
Na terceira parte intitulada “o valor ético-político e pedagógico das concepções
de mundo: filosofia e senso comum, uma dimensão epistemológica e pedagógica”,
Martins destaca que Gramsci compreendeu que as visões de mundo de um indivíduo, de
um grupo ou de uma classe social, no caso, o senso comum e a filosofia, ganham uma
dimensão de destaque na disputa pela hegemonia, na disputa por formular e efetivar novos
modelos de civilização ou consolidar os já existentes. Martins explica que muito embora
o senso comum seja um elemento cultural e ideológico, ético-político e social, ele não se
desvincula das relações econômicas, ao contrário garante seu bom funcionamento,
legitimando e reproduzindo elementos de acordo com os interesses das classes
dominantes, que tem como consequência a geração de uma estranheza das classes
subalternas, pois a visão de mundo não é delas e sim tomadas de empréstimo pela classe
burguesa. O autor sinaliza que aí se encontra o ponto de proposição filosófica-
epistemológica de Gramsci, onde é necessário criticar esse senso comum até que possa
superá-lo mediante um novo senso comum entre os subalternos, ao qual este seja forjado
por eles próprios e seus intelectuais orgânicos tendo em vista seus interesses como classe.
Enfim neste capítulo Martins analisa especialmente, o lugar e o papel do
conhecimento, e neste sentido da educação escolar, na luta pela hegemonia em Gramsci
e também procura responder negativamente à polêmica sobre o suposto idealismo
gramsciano.
O estudo de Martins contempla uma série de elementos que nos leva a refletir
sobre a escola não como um ambiente neutro e sim como um ambiente de embate político
ideológico, pois como aponta foi apontado por Gramsci, que mesmo o senso comum é
considerado uma visão de mundo montada historicamente, o que dizer então da escola.
Essa noção de ideologia como falseamento da realidade é refutada por ele, que a
compreende como uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente, em todas
as manifestações de vida individuais e coletivas. Para Gramsci, a ideologia não reflete
simplesmente o interesse da classe econômica, não é algo determinado pela estrutura
econômica ou pela organização da sociedade, mas um espaço de luta , uma representação
da realidade própria de um grupo social. Além disso é notório a presença da ideologia
como mecanismo que orienta a formação cultural e cognitiva da sociedade, mas também,
como elemento contra hegemônico capaz de corroborar na construção duma crítica
contrária a configuração ideológica hegemônica.
Sendo assim, se conclui o quão importante é uma consciência autônoma que saiba
conviver sem se deixar conduzir aleatoriamente por mãos invisíveis e bem intencionadas.
Conhecer melhor os conceitos de hegemonia e contra hegemonia pode trazer uma visão
crítica desse embate que hora se apresenta no cenário educacional brasileiro. Entender os
principais aspectos constitutivos, a natureza filosófica e as diretrizes de conservação e
resistência da ideologia, produz com toda certeza, uma fundamentação para o
entendimento crítico e autônomo da sociedade como um todo e da educação em
particular.
Então não só este capítulo, mas a obra toda em si, “Marxismo e Educação:
debates contemporâneos”, traduz a contribuição do pensamento marxiano para a história
e para o entendimento dos mecanismos do sistema capitalista de produção, sua leitura é
recomendada para todos que tem interesse na área da educação.

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