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SOCIETÁRIA
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RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO
LEANDRO SANTOS DE ARAGÃO
(coordenação)
REORGANIZAÇÃO
SOCIETÁRIA
1. Empresarial 2. Direito
FÁBIO NusnEo
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
.
1 1 . Conclusão .............................................................................. 49
1. As Joint Ventures .
........................ ................... . ................................... 124
MARCELO KNoEPFELMACHER
Introdução ................................................................................... 3 10
2 . 1 . Sucessão ........................................................................... 3 1 1
Cisão ...................................................................................... 3 12
APRESENTAÇÃO
Tema de fascínio dos jovens advogados que compõem o Instituto
de Direito Societário Aplicado - IDSA -, o direito societário está a
exigir, hoje, uma outra leitura do seu escopo.
Do direito societário monolítico, existente só para regular os inte
resses que compõe e gravitam em torno de uma solitária sociedade (li
mitada ou anônima), as estruturas atuais da realidade econômico-social
existente na denominada "economia-mundo" (Weftwirtschaft) compe
lem os operadores do direito a ampliar o ferramental jurídico com o
qual laboram, para abarcar, v. g., a hipótese cada vez mais recorrente de
grupos de sociedades.
Somado a isto, encetam novos paradigmas, extraídos de ideologias
presentes no cotidiano econômico-social, algumas criativas e originais,
outras, possíveis depurações de teorias pretéritas, que influenciam, in
tensamente, a hermenêutica jurídica.
O despertar do sono latente do classicismo jurídico, com seu latim
abundante, misterioso e sacro para muitos, posto com o intuito de ins
trumentalizar, politicamente, um arcabouço jurídico-protetivo do indi
víduo contra o Estado, possibilitou que as engrenagens destes "tempos
modernos" processassem a polis e nos dessem, ao final de uma nova "ca
deia produtiva", como objeto sobre o qual se põem as abstrações jurídi
cas, o sempre existente mercado, hoje, como em outras épocas de
liberalismo, difundido como crença ilimitada tal qual o modelo geocên
trico foi outrora.
18 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
Vivenciamos, pois, uma nova "Era dos Direitos", que será "nova"
até o próximo ciclo de novas exigências econômico-sociais, emergentes
em um mundo cada vez mais de igualdade formal aplaudida e endeusa
da e eqüidade inexistente e rechaçada. Enquanto isso, novos centros de
poder político, como as organizações, ditam regras específicas, muitas
vezes desafiadoras, sob a ótica da efetividade, das tradicionais normas
gerais e abstratas, mas, nem por isso, necessariamente ilegítimas.
A realidade, então, de múltiplas faces, passa a exigir um novo direi
to, um novo instrumento político de distribuição das coisas sobre as
quais recaem os interesses.
O que há, entretanto, de "novo" neste "novo" direito? Será que a
novidade é mera repetição da antiguidade? Será que não vivenciamos
coisas novas? Será o homem prisioneiro de idéias aliteradas, que vão e
vêm em movimentos históricos cíclicos? A história pode repetir-se ou
seria, se repetida, mera1cacofonia? Onde está a criatividade e originali
dade neste "novo" direito?
Buscar, na criatividade, a originalidade: crê-se que foi este o objeti
vo dos advogados e associados do IDSA que, nesta coletânea, perfilham
seus interessantíssimos trabalhos. Buscar, na letra fria da lei, a exegese
necessária para um direito societário moderno, capaz de ser um eficaz
instrumento de implementação de políticas públicas no campo econô
mico.
O tema escolhido foi Reorganização Societária, no qual cada um
dos autores deveria imergir, profundamente, para, ao final, trazer à tona
a originalidade desejada.
O resultado está aqui, neste livro, lançado para apreciação e crítica de
todos aqueles que se interessarem pelo tema. Este livro é o ponto de par
tida do Instituto de Direito Societário Aplicado - IDSA -, que pretende,
modestamente, ser um centro vanguardista de debates e produção inte
lectual sobre o direito societário e o mercado de capitais.
Este, que deve ser o primeiro volume de uma série de publicações
acerca de Reorganização Societária, aborda temas relevantes e polêmicos
envolvendo due diligence, a gênese das operações societárias; assimetria
RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO & LEANDRO SANTOS DE A RAGÃO - 1 9
PREFÁCIO
Há cerca de um ano, um grupo de advogados - a grande maioria
bastante jovem - passou a se reunir periodicamente para a discussão de
assuntos de relevância para sua atividade profissional, em grande parte,
centrados no tema das sociedades anônimas, sob a liderança de Rodrigo
Rocha Monteiro de Castro.
É interessante notar que tal iniciativa surgiu de maneira espontâ
nea e fora das salas acadêmicas, representando a preocupação desses
causídicos de, por assim dizer, tomarem uma distância das lides pura
mente profissionais para ganhar uma visão mais ampla e abrangente
dos temas por eles diuturnamente tratados em seus escritórios. Isto os
levou a alçar um vôo a um tempo ambicioso intelectualmente, mas rea
lista e sempre prático no seu endereçamento.
Trabalhos bem pensados, discutidos por vezes acaloradamente,
como este prefaciador teve a oportunidade de testemunhar, como con
vidado a alguns desses encontros, foram temperando e afinando o gru
po, o qual rapidamente amadureceu e se tornou coeso, a ponto de sentirem
os seus integrantes ter chegado o momento de o institucionalizar, pas
sando a se constituir desde janeiro de 2005 como pessoa jurídica sob a
denominação de Instituto de Direito Societário Aplicado - IDSA. Criou
assim uma estrutura simples mas efetiva, destinada a assegurar o j á alto
nível qualitativo de seus trabalhos e, ao mesmo tempo, a sua continui
dade e divulgação, sem descurar perspectivas de expansão no campo de
educação e da pesquisa.
O lançamento da presente publicação vem pois a coincidir com a
referida institucionalização do grupo de estudos, marcando-lhe, por certo,
o surgimento no panorama atual do direito societário do País, dentro do
qual as contribuições trazidas são mais do que oportunas e bem-vindas.
Honram-me os seus autores - dentre eles vários ex-alunos das Ar
cadas - com a solicitação de um Prefácio, missão esta das mais prazero
sas não apenas pela seriedade e riqueza do conteúdo da obra de mão
comum, como também, e, sobretudo, pelas origens do seu aparecimen
to, acima brevemente descritas. O campo é fértil e instigante por co-
FÁBIO Nusom - 23
brir uma série de aspectos relevantes e até mesmo cruciais das leis
societárias brasileiras, bem como de outros diplomas legais que, a toda
hora, tem a ver ou interferem com a aplicação e evolução daquelas.
Assim sucede com a análise da instável fronteira entre o Direito
Societário e o Direito Administrativo no caso das licitações e contra
tos administrativos, análise esta levada a efeito por Glauco Martins
Guerra e Rodrigo R. Monteiro de Castro, quando abordam as exigên-·
cias contidas no art. 78 da Lei 8.666/93 segundo as quais atos de reor
ganização societária de concessionárias, empreiteiras ou fornecedoras
do poder público passam a depender de autorização deste.
Não muito afastado desse enfoque Leandro Santos de Aragão abor
da o regramento cogente quanto ao dever de informar nas operações de
reorganização societária quando surge a delicada questão da assimetria
de informações, procurando demarcar os lindes do dever de informar
dentro do arcabouço legal das sociedades anônimas e, em particular, o
art. 157 da LSA nos casos de tais operações de reorganização.
Ainda em sede de reorganização societária, Luiz Ernesto Aceturi
de Oliveira e Marcelo Guedes Nunes tratam da relação entre as regras
tradicionais de voto irregular e a realidade presente dos grupos plurisso
cietários. Nestes últimos, quebra-se ou se supera a bipartição de planos
de interesse que parece tão clara nas sociedades singulares isoladamente
consideradas: o plano de interesse do acionista e o interesse societário
em s1 mesmo.
No entanto, quando se está em presença de grupo de sociedades,
um terceiro plano de interesse hierarquicamente acima dos demais, co
loca-se, a cobrar a atenção e a acuidade do analista, pois aí o controle, se
por um lado impõe a consideração do interesse social, não permite, por
outro, que se fuja ao interesse coletivo consubstanciado na convenção
do grupo. Daí a tentativa de compatibilização criativamente desenvol
vida para chegar a uma construção funcional do art. 115 da Lei das S.A,
nesses casos.
Alex Prandini Jr. em original enfoque faz um levantamento das
similitudes existentes entre o trespasse de estabelecimento e a cisão
24 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
Advogado
Doutor em Direito
JQ - REORGANIZAÇÃO 50CIETÃRIA
1 POSICIONAMENTO DO TEMA
.
Os temas tratados neste texto estão amplamente examinados no meu Planejamento tributá
rio, Dialética, São Paulo, 2004.
MARCO AURÉLIO GRECO - 31
2 As características específicas exigidas para o planejamento ser inatacável pelo Fisco serão
examinadas adiante quando forem expostas as três fases do debate.
3 Sobre este tema, veja-se a obra de José Casalta Nabais, O dever fundamental de pagar
impostos, Almedina, Coimbra, 2004.
MARCO AURÉLIO GRECO - 33
3. EVOLUÇÃO TEÓRICA
Ao lado dessa mudança de perfil do relacionamento entre socieda
de civil e Estado, ocorreu profunda mudança no modo de compreensão
do fenômeno jurídico.5
Durante muito tempo, o principal foco de preocupação do jurista
apresentava-se como o conceito, pois representaria a parcela da realida
de alcançada pela norma e como esta é a "essência" do debate jurídico
todo exame deveria estar centrado nos conceitos. Esta visão fazia pre
dominar o debate abstrato sobre o que estaria ou não abrangido pela
4 Esta é a natureza que lhes reserva a Constituição Federal na Seção li do Capítulo do Sistema
Tributário Nacional.
5 A respeito desta evolução, vejam-se, dentre outras obras de Ricardo Lobo Torres, "Normas
gerais antielisivas11• Revista Fórum de Direito Tributário nº 1 1 Belo Horizonte e Os direitos
humanos e a tributação. Imunidade e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1 999.
34 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
6 É o campo, dentre outros do denominado 11poder regulatório" cujo exercício cabe ao Esta
do diretamente ou é atribuído a entidades públicas específicas (p.ex., Banco Central, CVM,
ANATEU.
36 - REORGANIZAÇÃO 50CIETÃRIA
agente "quer" é o que ele "diz"; então, se o contribuinte "quis" fazer uma
cisão, isto "é" uma cisão, se "quis" fazer uma venda de participação societá
ria, isto "é" uma venda de participação societária independentemente de
outras perquirições etc.
Esta é a lógica que informa a primeira fase: liberdade absoluta, ili
mitada, salvo atos ilícitos, depois da ocorrência do fato gerador ou cuja
manifestação de vontade esteja viciada por simulação.
Esta visão comporta várias críticas. As principais são as seguintes:
1 . O próprio conceito de "legalidade" enseja divergências, pois com
este termo pode-se designar tanto uma forma de regulação de pressu
postos de emanação de atos ou negócios (legalidade de meios) como
conseqüências ou resultados que deles emanam (legalidade de fins).
Além disso, o adjetivo "estrita" comporta questionamento, posto
que expressa muito mais uma expectativa protetiva do que uma reali
dade normativa. O "quanto" de legalidade exigível como garantia do
contribuinte corresponde apenas ao suficiente para que os elementos
fundamentais das hipóteses de incidência (objetivo, subjetivo, dimen
sional, temporal e espacial) e das eventuais infrações e sanções sejam
compreensíveis.
2. A exigência da "tipicidade" também deve ser vista sem adjetivos
(p.ex., "fechada"), pois o fundamental é a previsão em lei de certo evento
ou de um standard que comporta um conjunto de eventos. Uma tipicida
de "fechada" no sentido formal de só alcançar aquelas hipóteses que pos
suam certo perfil em determinado momento histórico é incompatível com
a realidade do mundo, essencialmente mutável e cheio de nuanças.
Legalidade e tipicidade são exigências inafastáveis quando se trata
de exercício do poder de tributar. São garantias constitucionais do contri
buinte, mas sua adjetivação (estrita e fechada) comporta questionamen
tos, pois o Direito deve acompanhar a evolução da sociedade sob pena de
permanecer estático e distanciado da própria realidade que quer regular.
3. A analogia é vedada pelo artigo 108, § 1° do CTN quando se
trata de exigir tributo sem previsão em lei. Na Constituição Federal não
MARCO AURÉLIO GRECO - 39
1 0. CAUTELAS ESPECIAIS
Apesar de conclusões dependerem do caso concreto, algumas si
tuações, por si só, recomendam especial atenção. A enumeração que se
segue é um singelo rol de hipóteses freqüentes na prática e que mere
cem ser objeto de um especial cuidado e atenção, caso apareçam concre
tamente. O rol não é exaustivo e não significa que os modelos indicados
sejam automaticamente frágeis; como se disse, só o caso concreto, suas
circunstâncias e os motivos reais é que P<?dem apontar a resposta ade
quada. A menção é apenas para chamar a atenção para a necessidade de
cautela na análise.
Repito: o fato de certa figura ser aqui mencionada não significa
que, em si mesma, esteja repelida ou protegida pelo ordenamento; esta
será uma conclusão a ser extraída do caso concreto e não do exame abs
trato. O exame abstrato que é feito a seguir - em relação a condutas que
podem ocorrer na prática - ilumina a complexidade do tema, mas, iso
ladamente considerado, não leva a uma conclusão inexorável. São pon
tos de preocupação, apenas.
(a) operações em seqüência são as step transactions ou seqüências de
-
etapas em que cada uma só tem sentido se existir a que lhe antecede e se
for deflagrada a que lhe sucede. Uma operação estruturada indica a exis
tência de um objetivo único, predeterminado à realização de todo conjun
to e indica a existência de uma causa jurídica única.
Diante de reorganizações societárias em etapas e que tenham o
efeito de reduzir o impacto da carga tributária, por vezes examina-se
separadamente cada uma delas. Diante de uma situação complexa, é
essencial considerar o conjunto como um todo, examinando os vários
aspectos que o cercam. A postura metodológica mais adequada é aquela
que - sem perder de vista as peculiaridades de cada etapa ou dos seg
mentos de que a operação se compõe - visualiza o conjunto formado e
48 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÃRIA
para realizar negócio que se fosse realizado por outra pessoa teria efeito
tributário relevante.
(e) deslocamento da base tributável consistente em fazer com que o
-
resultado que seria auferido por alguém resulte obtido por pessoa jurídica
que se encontre em situação tributariamente mais favorável.
(f) neutralização de efeitos indesejáveis consistente em incluir -
-
1 1 CONCLUSÃO
.
preparator10 e as
informações assimétricas
1 . INTRODUÇÃO
Nas operações de reorganização societária, de um modo geral, é
curial a realização de um procedimento preparatório, implementado com
o escopo de investigar, delimitar e quantificar a eficiência gerada com os
atos operacionais. Das grandes operações internacionais - as M&A
(Mergers andAcquisitions) - até a cadeia simplificada de atos praticados
em operações de fusão, cisão e incorporação envolvendo sociedades li
mitadas de médio/pequeno porte, os atores envolvidos (sócios, acionis
tas, advogados, auditores, executivos, administradores) perseguem, em
todas elas, um elemento essencial: a informação.
Ultrapassadas as conversas preliminares, nas quais os empresários ini
ciam uma eventual e futura operação societária, externando (nem sempre,
amplamente) desejos e motivações negociais\ em exercício de sondagem
sinérgica, passa-se, geralmente, à implementação de estudos investigativos
da viabilidade concreta da operação. Atuando em todas as frentes Gurídica,
contábil, econômica, financeira), os envolvidos neste procedimento prepa
ratório de reconhecimento - conhecido como due diligence - buscam, com
uso de controles próprios, dirimir ou amenizar os efeitos, quase sempre
H á vários motivos para uma cisão, fusão ou incorporação de uma outra sociedade, como,
por exemplo: objetivos estratégicos expansionistas, ganhos si nérgicos, benefícios tributários,
compra de ativos com preços favoráveis, incremento gerencial e tecnológico, proporcionar
incentivos acionários diretos para administradores, elimi nação de divisões corporativas
i neficientes, i ntegrações verticais, ganhos de l iqu idez, proteção contra ameaças
mercadológicas e takeover (cf.: LEMES J Ú NIOR, Antônio Barbosa; RIGO, Cláudio Miessa;
CHEROBIM, Ana Paula Mussi Szabo. Administração financeira: princípios, fundamentos e
práticas brasileiras. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 6S0-656; G RAVA, J. William. Fusões
e aquisições: motivadores econômicos e estratégicos. ln: Fusões e Aquisições: aspectos
jurídicos e económicos. Jairo Saddi [Org.]. São Paulo: 108, 2002, p. 05-42).
LEANDRO SANTOS DE ARAGÃO - 53
2. A INFORMAÇÃO
Não há um conceito jurídico de informação.
O legislador, por maior que fosse seu nível de atrevimento positi
vista, não chegou a uma proposição capaz de dizer o que é informação.
Por certo, a dogmática que impulsiona o nosso sistema jurídico, com
foco preponderante sobre a decidibilidade de conflitos, a exigir uma
constante decomposição analítica, não permite, aqui, uma proposição
declarativa para abarcar este fenômeno.
Por outro lado, é inegável que a informação, como representação de
um dado concreto, a pairar no mundo fático, acaba por merecer tutela
jurídica, haja vista, notadamente, a faceta subjacente na qual repousa sua
natureza instrumental, de transmissão de dados nas relações humanas, o
que, em última análise, acaba lhe dando status de bem jurídico.3
4 CATALÃ, Pierre. Ébauche d'une théorie juridique de /'information. Recuei/ Da/foz, 1 984,
Chronique, p. 97-98, apud FABIAN, Christoph. O dever de informar no direito civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 40
5 VENTU RA, Raúl. Sociedade por quotas. Coimbra: 1 989, vai. 1, p. 280-281 .
LEANDRO SANTOS DE ARAGÃO - 57
9 AZEVEDO, Paulo Furquim de; FARINA, Elizabeth Maria Mercier Querido; SAES, Maria
Sylvia Macchione. Competitividade: mercado, estado e organizações. São Paulo: Singular,
1 997, p. 38.
1O Para Oliver Will iamson, os custos de transação são "[t]he ex ante costs of d rafting, negotiating,
and safeguarding an agreement and, more especial ly, the ex post costs of maladaptation
and adjustment that arise when contract execution is misaligned as a result of gaps, errors,
omissions, and unanticipated disturbances; the costs of running the economic system 11 •
(WILLIAMSON, Oliver E . . The Mechanisms of Covernance. Oxford: Oxford University Press,
1 996, p. 379)
LEANDRO SANTOS DE ARAGÃO - 59
mações deve ser considerada, uma vez que interfere na avaliação dos
custos de transação. A distribuição da informação entre contratantes é
ponto central na conclusão de pactos; tem relevância na distribuição de
ônus e vantagens entre contratantes. Daí que se torna possível prever o
equilíbrio que resultará do contrato (se efetivo ou não), a distribuição
do.s ganhos e perdas, e como interpretá-lo quando evento imprevisto a
incidir sobre as prestações".11 E prosseguem os juristas: "Sabe-se que,
na maioria dos contratos celebrados, as partes detêm informações in
completas, implicando este fato em custos de transação que afetam a
eficiência da estrutura contratual. Se a racionalidade individual leva a
que, como estratégia de negociação, cada contratante tente receber par
cela dos benefícios gerados pelo negócio e que cada uma delas suporte
os custos da operação, é necessária então a existência de incentivos para
as pessoas que negociam. Qyando não houver benefícios a serem parti
lhados entre os operadores é comum que o negócio não seja concluído
porque ambos ficariam em situação pior do que a atual."12
Em razão disto, verifica-se a incompletude contratual, consubstan
ciada em vazios deixados na estrutura negocial, na incapacidade orgâni
ca contratual de salvar, por completo, a si mesmo, de escamotear-se às
necessidades adaptativas vindouras, ocasionando custos de adaptação
ineficiente, ainda que exista, no sistema jurídico, cláusulas gerais, crista
lizadas em valores, princípios, standards, que lhe conferem, por meio de
um pensamento sistemático-dedutivo, uma abertura e uma mobilidade,
mobilidade esta que "deve ser entendida em dupla perspectiva, como
mobilidade externa, isto é, a que 'abre' o sistema jurídico para a inserção
de elementos extrajurídicos, viabilizando a 'adequação valorativa', e como
mobilidade interna, vale dizer, a que promove o retorno, dialeticamente
considerado, para outras disposições interiores ao sistema".13
14 MACEDO JR., Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo:
Max Limonad, 1 998, p. 1 79. Afirma o professor paulista: "O modelo relacional de contratação
não tem apenas uma dimensão descritiva, visando também ampliar a importância de prin
cípios e mecanismos institucionais que promovam o estímulo a valores de solidariedade,
cooperação, e justiça contratual de caráter welfarista. Nesse sentido, a ampliação do cam
po de incidência e abrangência de conceito como o de boa-fé visa não apenas fomentar a
reprodução de laços de solidariedade e associações cooperativas, como também atender a
exigências de justiça social, (. .. )." (Ob. cit., p. 1 87).
15 Cf., ainda, sobre a teoria dos contratos relacionais: MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no
Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4' ed .. São
Paulo: RT, 2002, p. 78-86.
16 MACNEIL, lan. Relational contract theory: challenges and queries. Northwestern University
Law Reviem, spring 2000.
17 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002.
LEANDRO SANTOS DE ARAGÃO - 61
18 Não é diferente a preocupação dos economistas com o elemento confiança (trust), confor
me relata Oliver Wi ll iamson: "Probably the most expansive treatment of trust in a gaming
context is Partha Dasgupta's chapter on 'Trust as a Commodity'. He begins with the claim
that '[t) rust is central to all transactions and yet economists rarely discuss the notion' ( 1 988,
p. 49). He elaborates as fo llows: 'For trust to be developed between individuais they must
have repeated encounters, and they must have some memory oi previous experiences.
Moreover, for honesty to have potency as a concept there must be some cost involved in
honest behavior. And finally, trust is linked with reputation, and reputation has to be acquired'
( 1 988, p. 59)." (CI. WILLIAMSON, Oliver E .. Ob. cit., p. 259.) Cf., ainda: ROSE-ACKERMAN,
Susan, Trust, Honesty, and Corruption: Reflection on the State-Building Process. European
Journal oi Sociology, Vol. 42, 200 1 , p. 27-7 1 .
19 GOMES, Orlando. Contratos. Rio d e Janeiro, Forense, 1 98 1 , p . 48.
20 SALOMÃO FI LHO, Cal ixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de
Direito Mercantil, Industria/, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros Editores, nº
1 32, p. 22, out.-dez. de 2003.
62 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
ou seja, a simpatia e a estima, que recebeu poderes soberanos sobre os homens. A 'vaida
de' - e não o 'estômago' -governa a humanidade" (ln O mercado das crenças: filosofia
econômica e mudança social. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 1 3 1 ) . Empôs,
assere, com maestria, o Prof. Giannetti da Fonseca que, " [p]ortanto, se for verdade, por
um lado, que a) a educação moral e estética ainda é muito necessária para ajudar a
melhorar a capacidade das pessoas para tirar o máximo de proveito dos recursos cultu
rais e ambientais existentes, parece igualmente verdade, por outro lado, que b) apenas o
agente individual sabe quais são suas necessidades e, portanto, não há como uma auto
ridade externa impor a apreciação da 'grande arte' ou suprimir a demanda por 'lixo
cultural e violência'. Enquanto o laissez-faire econômico vulgar dá grande ênfase a b
mas deixa até mesmo de abordar o problema representado por a, os experimentos socia
listas do século XX tenderam a dar uma certa margem à implementas de a e a demonstrar
os enormes perigos de se negligenciar b, ou seja, o fato de que não existe 'ditadura sobre
as necessidades' nem aptidões impostas. Os problemas da i n i ciativa econômica e do uso
eficiente dos recu rsos existentes só podem ser verdadeiramente resolvidos a partir da
base." (Ob. cit., p. 1 40)
25 Alf Ross já advertiu, embora com conotação genérica, que "[a] pressuposição util itarista
é uma enorme distorção racionalista da vida mental. Reduz o fundamento irracional de
nossas ações à valoração única de que o prazer é preferido à dor e transforma tudo o
mais num cômputo racional de quantid ades de prazer e de dor. A situação verdadeira é
que somos motivados por muitas necessidades e considerações diferentes, que se con
frontam e lutam num processo irracional de motivação. Estamos submetidos à influência
de uma diversidade de padrões de valoração e preferência que se desenvolvem e se
estabelecem individual e socialmente". (in: Direito e justiça. Bauru: EDI PRO, 2003, p.
339). De igual forma, admoesta Christopher Lloyd que "a realidade estrutural do mundo
soc i a l não é captada em sua concepção teórica pelas abordagens econôm i cas
reducionistas nem por qual quer outra forma de reducionismo ou i nd i v i d u a l i smo
metodológico. As estruturas devem ser entendidas como sociais, isto é, como regras,
papéis, relações e significados compartilhados dentro dos quais as pessoas necessaria
mente vivem suas vidas e que1 como estruturas generalizadas, existem antes dos indiví
duos e grupos e organizam seus comportamentos. Ações, eventos e padrões de compor
tamento só podem ser compreendidos e explicados por referência a essas estruturas,
como a também a intenções individuais, crenças e imperativos psicológicos problemáti
cos. 'Estrutura social' em geral engloba as chamadas estruturas econômicas e po l íticas,
mas dentro das estruturas sociais há muitos tipos de ação e subestrutura, incl usive econô
micos e pai íticos, que se referem a objetos, produções e alvos mais específicos" (in As
estruturas da histôria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1 995, p. 8 1 )
LEANDRO SANTOS DE ARAGÃO - 65
(que não seja alguma variação ou mais um exemplo daquela exótica con
cepção moral conhecida como 'egoísmo ético')".26
Contudo, mesmo observadas as palavras do economista e filósofo
indiano, com todas as proposições e enunciados jurídicos, aos quais se
somam esforços para inserir deveres de cooperação e solidariedade, não
há um óbice absoluto e intransponível à ação oportunista em algum mo
mento antes, durante ou após as trocas econômicas, notadamente em ra
zão da verdadeira noção de liberdade na esfera contratual.27
Surge, então, um risco, que, na literatura econômica, leva o epíteto
de moral hazard ("risco moral", embora o vernáculo não traduza, corre
tamente, a extensão concreta do significado do termo em inglês), para
expressar o "comportamento pós-contratual da parte que possui uma
informação privada e pode dela tirar proveito em prejuízo à(s) sua(s)
contraparte(s)".28 Pode-se afirmar, logo, avaliado este aspecto compor
tamental, que há moral hazard "quando a ação das partes num contrato
não é diretamente observável, não está sujeita à negociação e tampouco
pode ser incorporada ao contrato."29
As informações assimétricas e, ressalve-se, a capacidade limitada
do ser humano em processar as informações disponíveis, mesmo que
elas fossem plenas, são, portanto, elementos imbricados nos custos de
transação30, entendidos estes como os custos: a) de elaborar e negociar
os contratos (instrumento jurídico das trocas econômicas); b) de men
suração e fiscalização dos direitos de propriedade; c) de monitoramento
do desempenho dos parceiros contratuais; d) organização das ativida-
26 SEN, Amartya Kumar. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1 999, p.
31.
27 Cf. i nteressantíssimo texto do Prof. Tercio Sampaio Ferraz Jr. sobre o esmaecimento do
conceito antigo de l ivre-arbítrio aplicado às relações contratuais e a necessidade de nova
construção desta noção de liberdade ante o sentido moderno de contrato como instrumen
to de alocação de riscos: A liberdade como autonomia recíproca de acesso à informaçao.
ln: Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito.
São Paulo: Atlas, 2002, p. 1 1 9-1 26.
28 Cf. Paulo Furquim de Azevedo et alii, ob. cit., p. 39.
29 SADDI, Jairo. Crise e regulação bancária: navegando mares revoltos. São Paulo: Textonovo,
200 1 , p. 1 46.
30 SADDI, Jairo. Ob. cit., p. 1 44.
66 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
32 FABIAN, Christoph. O dever de informar no direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 54.
68 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
rência, vivo também está o dever de informar (art. 54, §4°, da Lei Fede
ral nº 8.884/1994), elemento importante no controle dos atos que pos
sam macular os ditames da ordem econômica (art. 54, caput e §2°, da
Lei Federal nº 8.884/1994).33
É de registrar a importância do próprio fluxo informacional para a
fluência das práticas concorrenciais, já que, como salienta Calixto Salo
mão Filho, dissertando sobre o conhecimento valorativo ínsito ao direi
to e a necessidade da teoria jurídica concretizar, nas relações sociais e
econômicas, os valores sociais desejados, há necessidade de incutirem
se, nas relações empresariais travadas no mercado, ares de cooperação,
como forma de eliminar as assimetrias informacionais existentes no jogo
concorrencial, reduzindo efeitos econômicos e sociais negativos (p.ex.,
crises de superprodução ocasionadas por ausência de informação entre
os produtores); neste caso, "[a] repartição e discussão das informações,
que nada mais são que o reflexo do princípio democrático na vida eco
nômica, permitem e até sugerem a necessidade de formação coletiva
(ainda que não estatal) do conhecimento".34
Assim é que, conquanto se privilegie a liberdade propagada pelos
civilistas puros, esta amplitude da liberdade de informar obedece a ou
tros parâmetros, até mesmo na parcela jurídica dedicada às relações pri
vadas, como forma de colmatação aos ditames necessários à efetividade
de direitos humanos fundamentais35, exigindo, por conseguinte, em exer
cício de ponderação de interesses sobre a própria dignidade da pessoa
humana, um dever genérico de veracidade nas relações interpessoais,
uma sinceridade recíproca no trato humano, um estado de consciência
em que não se deve mentir para o outro, tampouco enganar a si mesmo.
41 Cf.: SEN, Amartya K .. Ob. cit., p. 74-106; . The Possibility of Social Choice.
America Eonomic Review, nº 89, 1 999.
42 Cf., Hannah Arendt. A condição humana. 1 Oª ed. Rio de Janeiro: Forense Un iversitária,
2004. Assevera a filósofa alemã: "Nenhuma outra atividade humana precisa tanto do dis
curso quanto a ação. Em todas as outras atividades o discurso desempenha papel secundá
rio, como meio de comunicação ou mero acompanhamento de algo que poderia igual
mente ser feito em silêncio. (... ) Na ação e no discurso, os homens mostram quem são,
revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares, e assim apresentam-se ao mun
do humano, enquanto suas identidades físicas são reveladas, sem qualquer atividade pró
pria, na conformação singular do corpo e no som singular da voz. " (Ob. cit., p. 1 92)
43 Cf.: FORGIONI, Paula Andrea. A interpretação dos negócios empresariais no novo códi
go civil brasileiro. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São
·
Paulo: Malheiros Editores, nº 1 30, p . 07-38, abr.-jun. de 2003.
72 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
Tal reforço, advirta-se, não implica eliminação dos riscos, que são
próprios da atividade econômica e, também, da liberdade humana, não
a liberdade egocêntrica dos ideais iluministas, mas a liberdade conec
tiva, a determinar que "a liberdade de um começa onde começa a li
berdade do outro"44• Aliás, para manutenção da eficiência do sistema
econômico, é importante que os atores negociais corram o risco de
"perder", de adotar uma estratégia equivocada, de mover uma peça de
modo inadequado no jogo travado sobre o tabuleiro das relações eco
nômicas; o que é defeso, isso sim, é que esse risco advenha de informa
ções erradas, incompletas, confusas, de comportamentos falsos, de
condutas iníquas e ignominiosas. Existindo a "jogada equivocada" e,
por conseguinte, a perda econômica, desde que decorrentes do embate
legítimo entre os agentes econômicos, impossível adotar interpreta
ções de equalização de ganhos econômicos ou de imposição de perda
àquele que se saiu vencedor no jogo econômico, sob os auspícios de
uma pretensa "justiça" (ainda que se prefira, igualmente, o adorno da
"equidade"), vez que tal adoção levaria a um desvirtuamento da pró
pria boa-fé, com geração de ineficiência ao colocar todos na mesma
tábula rasa da equiparação econômica. 45
Isto não representa, contudo, que a teoria jurídica não deva sopesar
elementos imperiosos a um ideal desenvolvimentista, para colmatação de
um processo de conhecimento social de caráter inclusivo, a configurar, como
salienta Calixto Salomão Filho, uma democracia económica.46 Vige, aqui, a
necessidade de uma teoria jurídica desenvolvimentista, capaz de alcan
çar, por meio de uma mescla de valores e princípios, um "relativismo
jurídico baseado em valores de democracia econômica"47, de derribar
crenças de um determinismo econômico decrépito e, ato contínuo, de
conferir ascensão primordial ao autoconhecimento e à autodefinição
48 Cf., Teoria jurtdica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004, p. 64.
74 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
49 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 5S.
50 Cf.: BORGES, José Souto Maior. Ciência feliz. 2' ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.
51 Cf.: GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 7 988 (interpretação e
crítica). 6ª ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 200 1 , p. 1 77-282.
LEANDRO SANTOS DE ARAGÃO - 75
52 SALOMÃO F I LHO, Calixto. Ú lt. ob. cit., p. 38-39. Afirma, ainda, o Prof. Calixto Salomão
Filho, di ssertando sobre as características regu latórias, o esforço cooperativo e a questão
informacional, que uma das formas de superação do dilema do pdsioneiro (refrega entre
individualismo e cooperativismo), situação na qual a "a solução cooperativa só não é obti
da pela impossibil idade de informação sobre o comportamento esperado da outra parte e
em função do conseqüente comportamento defensivo de um em relação ao outro agente"
(idem, p. 51 ),passa pela necessidade de institu ições e valores que induzam e permitam, de
modo i ntermitente, a cooperação (idem, p. 52), elimi nando o vírus especulatório do merca
do; tal necessidade induz, como característica regu latória, "a capacidade de diferenciar,
entre os estímulos, as formas soc ialmente positivas de cooperação, i.e., aquelas que permi
tem o autocumprimento de regras e criam nos agentes disponibil idades de busca de inte
resses supra-individuais e aquelas negativas para o interesse público, i.e., a cooperação
que visa reforçar posições de poder econômico e abusar do consumidor. A diferenciação
está, exatamente, na ligação da cooperação com a aquisição do conheci mento econômi
co. Compreendida essa ligação, é fácil, de um lado, entender que o estímulo à cooperação,
por assim dizer, 'positiva' se faz através do incentivo de troca ampla de informações entre
agentes econômicos {empresa e consumidores). Como já vi sto, a existência de informação
é condição essencial para a cooperação" (idem, p. 54). Outro ponto sali entado pelo Prof.
Calixto Salomão Filho é a "necessidade de convivência continuada" (idem, p. 55), como
requisito mínimo de existência de regu lação indutora da cooperação positiva; neste caso,
salienta o professor, " [é) aconselhável que a regulação desincentive os agentes especuladores,
aqueles que, por hipótese, têm interesse em entrar, fazer lucro em curto prazo e depois
retirar-se, vendendo sua participação com lucro. Um tal tipo de agente, tipicamente, não
tem compromi sso com a continuidade da relação, ou, na terminologia econômica, 'com a
próxima rodada do jogo'. Seu incentivo para cooperar, cumprindo voluntariamente suas
obrigações, sem adotar comportamentos estratégicos em relação aos concorrentes, é míni
mo" (idem, ibidem). Estas observações percucientes do Cal ixto Salomão F i l ho se aproxi
mam, bastante, da noção de "estado de expectativa de longo prazo" ou "estado de confian
ça" desenvolvida por John Maynard Keynes como fator determinante da escala de eficiên
cia marginal do capital (Cf. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo:
Atlas, 1 982, p. 1 23- i 35).
76 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
53 M U N HOZ, Eduardo Secchi. Ob. cit., p. 27. E prossegue Eduardo Secchi Munhoz: "Nesse
sentido, o modelo societário brasileiro deve necessariamente se orientar à consecução dos
valores consagrados pela Constituição Federal, ao disciplinar o exercício da atividade em
presarial, não se preocupando com as questões de índole exclusivamente privada. Essa
concepção deve estar na base dos estudos e preocupações dos juristas. ( . . . ) Apreendida a
propriedade em seu aspecto dinâmico e funcional, a lei societária deve reconhecer ao
empresário um poder funcional (direito-função), no sentido de que é atribuído ao titular,
não para atender aos seus interesses egoísticos pessoais, mas para a realização de uma
final idade precisa, no caso, não apenas a produção de lucros, mas o desenvolvimento
econômico e social, idéia que está imanente nos valores enunciados pela Constituição
Federal, (. .. )" (idem, p. 29-30). Em idêntico sentido, cf.: PARENTE, Norma. A lei das socie
dades anônimas sob a ótica dos princípios constitucionais. Revista de Direito Mercantil,
Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros Editores, nº 1 34, p. 72-76, abr.
jun. de 2004; SALOMÃO F I LHO, Calixto. Direito empresarial público. Revista de Direito
Mercantil, Industria/, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros Editores, nº 1 1 2, p. 9-
1 8, out.-dez. de 1 998; FERREIRA D E MACEDO, Ricardo. Limites de efetividade do di reito
societário na repressão ao uso disfuncional do poder de controle nas sociedades anôni
mas. Revista de Direito Mercantil, Industria/, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros
Editores, nº 1 1 8, p. 1 67-1 98, abr.-jun. de 2000.
LEANDRO SANTOS DE ARAGÃO - 77
54 SZTAJN, Rachel. Teoria jurldica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo:
Atlas, 2004, p. 1 9 1 .
78 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
Prossegue, mais adiante, Rachel Sztajn: ''A Teoria da Firma visa ex
plicar as organizações econômicas e as razões que levam a sua constitui
ção, com ênfase nas falhas de mercado, nas externalidades, na assimetria
informacional e nas economias de escala. Em mercados perfeitos ou de
informação perfeita e completa, ou se todos os contratos fossem comple
tos, no sentido que os economistas dão à palavra, as empresas ou firmas
não seriam necessárias, não haveria motivação econômica para criá-las."55
Ora, nesse círculo concêntrico de tomada de decisões (firma), pro
cessam-se inúmeras relações intersubjetivas de organização do feixe de
contratos que o caracteriza, estando presente, aqui, também, a assime
tria informacional. A própria incompletude de que se reveste a natureza
contratual da sociedade empresária é decorrente, em parte, dessa mácu
la informacional, a qual se espraia pela face interna daquele círculo con
cêntrico, nas relações travadas no seio societário, entre acionistas e
administradores, entre os próprios acionistas e entre os próprios admi
nistradores, envolvendo, aqui, até, duas importantes questões:
(i) uma, já debatida, sobre a separação entre propriedade e poder de
controle;56 e
(ii) outra, relativa à teoria do agency, por meio da qual se verifica
uma diferença quantitativa e qualitativa do espectro informacional en
tre o principal (parte prejudicada em razão do uso privilegiado de uma
informação) e o agent (detentor de uma informação privada), detento
res de interesses divergentes. 5 7
Rachel Sztajn e Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, aliás, asseve
ram que "[n]o plano da análise dos contratos incompletos, a área mais
promissora de aplicação das sugestões dos economistas, até o momento,
é a das relações internas, isto é, a das relações entre acionistas e, particu-
61 Para um estudo mais aprofundado sobre due di/igence, cf.: BRUNA, Sérgio Varella; NEJM,
Edmundo. Due diligence identificando contingências para prever riscos futuros. ln:
-
Jairo Saddi (Org.). Fusões e Aquisições: aspectos jurídicos e econômicos.São Paulo: IOB,
2002, p. 205-2 1 9.
82 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
66 Para um estudo completo sobre o tema, cf.: COSTA JR., Paulo José; PEDRAZZI, Cesare.
Tratado de direito penal econômico vai. 1: direito penal das sociedades anônimas. São
-
Paulo: RT, 1 9 73. A util ização de informação relevante ainda não divulgada ao mercado
(insider trading) passou, também, com a reforma da Lei de Mercado de Capitais implementada
pela Lei Federal nº 1 0 .303/200 1 , a ser objeto de reprimenda criminal (cf. art. 27-D da Lei nº
6.835/1976 com a alteração da Lei nº 1 0.303/2001 ).
LEANDRO SANTOS DE ARAGÃO - 85
67 LAMY FILHO, Alfredo. O dever de divulgar fato relevante e a obrigação de manter sigilo
na oferta pública para aquisição de controle. ln A Lei das 5.A.: pareceres. 2' ed. Rio de
Janeiro: Renovar, vai. li, 1 996, p. 380-381 .
68 Cf.: BOULOS, Eduardo Alfred Taleb; SZTE RLING, Fernando. O Novo Mercado e as Práti
cas Diferenciadas de Governança Corporativa: exame de legal idade frente aos poderes
das Bolsas de Valores. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro.
São Paulo: Mal heiros Editores, nº 1 25, p. 96- 1 1 3, jan.-mar. de 2002. Sal ientam os auto
res: "O princípio da eficiência pode ser entendido como um princípio jurídico de natureza
86 - REORGANIZAÇÃO 50CIETÁRIA
70 Em Portugal, o art. 72, 1 , do Código dos Valores Mobiliários, diz que "deve ser completa,
verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobili ários, a
ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de
valores mobili ários, a actividades de intermediação e a emitentes, que seja susceptível
de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão
e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados
de valores mobiliários".
71 Cf., sobre o "princípio da proteção d a transparência d e informações" no mercado d e capi
tais: MOSQUERA, Roberto Quiroga. Os princípios informadores do direito do mercado
financeiro e de capitais. ln: (Coord.). Aspectos atuais do direito do mercado
financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 1 999, p. 269-270.
88 - REORGANIZAÇÃO SocrETÃRIA
72 Cf., ai nda, os arts. 1 9, §52, 11, 20, li, 2 1 -A e 22, §12, incisos 1, li, V, VI e VII, da Lei n2 6.835/
1 976. Destaque-se: "Art. 22. ( ... ) § 1 2• Compete à Comissão de Valores Mobiliários expedir
normas aplicáveis às companhias abertas, sobre: 1 natureza das i nformações que devam
-
73 Cf.: SALOMÃO FI LHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros,
1 998, p. 23 2-240.
74 Cf.: SALOMÃO FILHO, Cal ixto. Regulação e desenvolvimento. ln: Regulação e desenvol-
vimento. (Coord.). São Paulo: Malheiros, 2002, p. 54.
LEANDRO SANTOS DE ARAGÃO - 89
Além disso, a CVM editou, recentemente, com lastro no art. 19, § 5°,
II, da Lei de Mercado de Capitais, a Instrução Normativa nº 400 (ICVM
400), em 29 de dezembro de 2003, a qual determina no seu art. 38, caput,
que o prospecto de distribuição de valores mobiliários deve conter "infor
mação completa, precisa, verdadeira, atual, clara, objetiva e necessária, em
linguagem acessível, de modo que os investidores possam formar criterio
samente a sua decisão de investimento". Agregaram-se, aqui, ao dever de
informar determinados caracteres que o qualificam, destacando-se a objeti
vidade e a clareza, que o tornam idôneos para gerar a eficiência almejada no
mercado, porquanto permitem a perfeita avaliação pelo investidor médio,
incapaz, de regra, de fazer uma avaliação pormenorizada da situação econô
mico-contábil da companhia emissora dos valores mobiliários.76
Nesta mesma ICVM 400, aliás, há um conjunto de regras de con
dutas relativas ao aspecto informacional das ofertas públicas de distri
buição de valores mobiliários. Sobressaem-se, como padrões mínimos
de transparência, diligência e de compliance:
(i) o art. 48, I (restrição informacional durante a preparação da oferta,
evitando o uso de informação privilegiada e a existência do .front run
ning), IV (abstenção de manifestação na mídia durante a oferta, sobre
esta ou sobre o ofertante), V (dever de informar relacionado à emissora
ou à oferta, a partir do momento em que a oferta se torne pública, sem
pre observados os princípios relativos à qualidade, transparência e igual
dade de acesso à informação);
(ii) o art. 49, que representa a obrigação da emissora, do ofertante e
das instituições intermediárias em assegurar a precisão e a conformida
de de toda e qualquer informação fornecida aos investidores com as
80 Cf., por todos: LE Ã ES, Luiz Gastão Paes de Barros. Mercado de capitais & "insider trading".
São Paulo: RT, 1 982. Ver, ainda, como marcos legais do insider trading: ( 1 ) no Brasil, art. 1 55,
§§ 1 º, 2º e 4º, da Lei das S/A, o art. 4º, IV, allnea c, e o art. 27-D, ambos da Lei n.º 6.385, de
07. 1 2. 1 976, alínea e artigo acrescentados pela Lei nº 1 0.303, de 3 1 . 1 0.200 1 , sendo que o
artigo incluído passou a tipificar o crime de uso indevido de informação privilegiada; (2)
nos Estados U nidos da América, a seção 1 6(b) da Securities Exchange Act, de 1 934; (3) na
Alemanha, conferir o Wertpapierhandelsgesetz - WpHG, que, em Abschnitt 3, disciplinan
do o lnsiderüberwachung, traz: (a) no § 1 2 WpHG, uma conceituação do lnsiderpapiere; (b)
no § 1 3 WpHG, (1 ), aponta o conceito da informação privilegiada (/nsiderinformation) ["fine
lnsiderinformation ist eine konkrete lnformation über nicht offentlich bekannte Umstande,
die sich auf einen oder mehrere Emittenten von lnsiderpapieren oder auf die lnsiderpapiere
selbst beziehen und die geeignet sind, im Falle ihres offentlichen Bekanntwerdens den
Borsen- oder Marktpreis der lnsiderpapiere erheblich zu beeinflussen. Eine solche Eignung
ist gegeben, wenn ein verstandiger Anleger die lnformation bei seiner Anlageentscheidung
berücksichtigen würde. Ais Umstande im Sinne des Satzes 1 gelten auch solche, bei denen
mit hinreichender Wahrscheinlichkeit davon ausgegangen werden kann, dass sie in Zukunft
eintreten werden. Eine lnsiderinformation ist insbesondere auch eine lnformation über nicht
Offentlich bekannte Umstande im Sinne des Satzes 1, die sich 1. auf Auftrage von anderen
Personen über den Kauf oder Verkauf von Finanzinstrumenten bezieht oder 2.auf Derivate
nach § 2 Abs. 2 Nr. 4 bezieht und bei der Marktteilnehmer erwarten würden, dass sie diese
lnformation in Übereinstimmung mit der zu/assigen Praxis an den betreffenden Markten
erhalten würden'1; (e) no § 1 4 WpHG, a proibição ao insider em negociar (Verbot von
/nsidergeschaften); (d) no § 1 5 WpHG ( Veroffentlichung und Mitteilung von
/nsiderinformationen), as medidas de fui/ disclosure no mercado de capitais alemão (e) as
sanções criminal (Strafvorschriften), no §38 WpHG, e administrativa (Bu6geldvorschrifte n),
no §39 WpHG, ao insider e àquele que não atendeu medidas do fui/ and fair disc/osure no
mercado de capitais.
LEANDRO SANTOS DE ARAGÃO - 97
9. CONCLUSÃO
Pode-se, então, concluir, sucintamente, que a informação é um bem
jurídico, de fundamental importância nas relações interpessoais. Merece,
dada sua natureza eminentemente instrumental, tutela jurídica alicerçada
em valores cooperativos e éticos, premiando comportamentos legítimos
esperados pela outra parte, sem o reducionismo clássico e paradigmático
da inserção da informação na esfera decrépita, difusa e defeituosa da li
berdade iluminista, posta como conseqüência necessária de um obscuro e
exacerbado individualismo.
Até como forma de reduzir custos ínsitos às relações econômicas
(dirimindo a possibilidade do moral hazard), mas muito mais como for
ma de legitimar, sob a ótica valorativa dos deveres de solidariedade e
cooperação, os comportamentos humanos éticos e colaborativos, o di
reito, em seu conglomerado de normas, princípios, valores, enunciados
e proposições, deve eleger, como regra, o intercâmbio permanente de
informações.
Eis um ponto essencial.
No direito societário, o fenômeno da assimetria informacional, de igual
forma, está a exigir tratamentos legislativo e regulatório funcionais, de in
dução permanente à prestação de informação, sendo defesos os comporta
mentos silentes e maledicentes daqueles que a detêm. Por tudo isso, a regra,
no direito societário, há de ser a dofali andfoir disclosure, de modo que todos
os atos praticados no âmbito societário deverão, sempre, ser interpretados
sob esta ótica e, precipuamente, em razão desta.
Sucessão Empresarial -
Declarações e Garantias -
o Papel da Legal Due
Diligence
1. INTRODUÇÃO
O Brasil entrou de forma mais significativa no mundo dos grandes
negócios corporativos no início dos anos 90. Juntamente com essa in
serção, veio a abertura da economia e o conseqüente aumento no volu
me de capital estrangeiro investido no país. Por exemplo, entre 1 994 e
200 1 , ocorreram 2.440 transações de fusões e aquisições, entre as quais
1 .448 tiveram investimento de capital estrangeiro2 •
Com a internacionalização da economia brasileira, as empresas sen
tiram a necessidade de maximizar sua eficiência e escala de produção,
otimizar seus gastos, aumentar a eficiência da sua estrutura, e, ainda,
seguir suas estratégias mercadológicas.
Diante de tais necessidades, a reorganização das empresas e con
centração de capitais passaram a ser cada vez mais comuns, até mesmo
como requisitos essenciais para a sua própria sobrevivência.
Neste contexto, a análise e avaliação dos efeitos das operações
de reorganização passaram a ser de extremo interesse aos investido
res e aos operadores do direito, já que as mesmas culminam necessa
riamente na transferência de um conjunto de ativos3 e passivos4 para
o investidor, especificamente, por força da sucessão empresarial.
advogados gastam mais tempo negociando Declarações e Garantias do Vendedor que qual
quer outra cláusula de um contrato padrão aquisição.
2 BARROS, Betania Tanure. Fusões e Aquisições no Brasil. Entendendo as Razões dos Su
cessos e Fracassos. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2003, p. 1 7.
3 O termo ativo é aqui utili zado no sentido de um conjunto de valores representados pelas
aplicações de patrimônio e de capital de uma empresa.
4 O termo passivo é aqui utilizado no sentido de um conjunto de obrigações e dívidas de
uma empresa.
MARISTELA 5ABBAG ABLA - 1 0 1
desaparición, en sentido físico o en sentido jurídico, de un sujeto, situación que por una
indeclinable exigencia práctica, imponía la creación de un mecanismo que impidiera la
extinción de las relaciones jurídicas en las que intervenía el sujeto desaparecido. Este me
canismo se realizá adecuadamente en un primer momento en la sucesión mortis causa. "
MARISTELA 5ABBAG ABLA - 1 03
7 Na sucessão transl ativa, o titular do direito muda sem que mude o direito, ainda que so
mente no que se transmitiu. A perda por um é seguida, imediatamente, pela aquisição pelo
outro.
8 MIRAN DA, Pontes de (Atualizado por Vilson Rodrigues Alves). Tratado de Di reito Privado.
1 ª edição. Tomo V. Campinas: Bookseller, 2000, p. 45.
9 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. V. 4, São Paulo: Editora Saraiva, 1 998.
1 04 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
Daí por que afirma, Fábio Konder Comparato: ''A sucessão universal,
que tem por objeto um patrimônio, quer de pessoa natural, quer de pessoal
jurídica, somente ocorre validamente nas hipóteses taxativamente previstas
e reguladas em lei, não se admitindo modalidade alguma de 'sucessão de
fato'. As hipóteses legais de sucessão universal são, para os patrimônios de
pessoas naturais, a morte e a ausência declarada judicialmente; para as pes
soas jurídicas, a sucessão integral nos casos de fusão e incorporação societá
ria, e a sucessão parcial na hipótese de cisão"1º .
Em diversos ramos do direito está presente o instituto da sucessão.
No direito tributário, a sucessão está regulada nos artigos 130 a 133 do
Código Tributário Nacional, os quais dispõem acerca da responsabili
dade pelos tributos por sucessão, atribuindo à empresa resultante da
fusão, transformação ou incorporação a qualidade de sucessora das em
presas anteriores pelos tributos.
No direito do trabalho, sucessão de empresas se dá quando uma
empresa é adquirida por outrem, ou vem a sofrer a mudança na sua
estrutura jurídica, sem que haja, contudo, alteração dos seus objetos,
mantendo-se inalteráveis os contratos de trabalho e a continuidade na
prestação do trabalho pelos empregados. Logo o sucessor responde pe
los encargos trabalhistas do antecessor. Conforme dispõem os artigos
10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a modificação
na estrutura jurídica das empresas não acarreta alteração dos contratos
de trabalho.
Já no direito empresarial, objeto do presente trabalho, o processo de
sucessão vem solucionar diversos problemas decorrentes, principalmente,
da rapidez com que se transforma o macroambiente econômico, obrigan
do as empresas a se ajustarem, freqüentemente, às novas tendências do
mercado, tornando, assim, os procedimentos de reestruturação societária
cada vez mais comuns e necessários. A sucessão de pessoas jurídicas de
corre da intenção dos sócios ou acionistas das sociedades envolvidas de
10 COMPARATO, Fábio Konder. Sucessões Empresariais. Revista dos Tribunais, São Paulo.
Ano 87, v. 747, p. 798, jan. 1 998.
MARISTELA 5ABBAG ABLA - 1 05
11 Codice Civile Italiano, art. 2504-bis - "(Effeti dei/a fusione). L a società che risulta dai/a
fusione o que/la incorporante assumono i diritti e gli obblighi dei/e società partecipanti afia
fusione, proseguendo in tutti i /oro rapporti, anche processuali, anteriori afia fusione (. . . ! ".
MARISTELA 5ABBAG ABLA - 1 07
V. DECLARAÇÕES E GARANTIAS
Como discutimos anteriormente, não há como desvincular as re
gras jurídicas empresariais dos interesses econômicos relacionados a
cada caso concreto. Inclusive, as próprias normas jurídicas são cons
tantemente revistas e remodeladas à luz da realidade vivida à época.
Assim, não basta analisar os termos legais, há que se compreender a
realidade dos fatos.
14 MIRANDA, Pontes d e (Atualizado por Vilson Rodrigues Alves). Tratado d e Direito Privado.
1' edição. Tomo V. Campinas: Bookseller, 2000, p. 57.
15 ARJONA, J . M . A. e PERERA, A. C. (Di rectores). Régimen Jurídico de las Adquisiciones de
Empresas. Elcano, Navarra: Aranzadi Editorial, 200 1 , p. 47 - "En una adquisición de acciones
se adquieren directamente todas las responsabilidades y obligaciones includias en la sociedad
objeto, también aquellas que e/ comprador pudiera desconocer. "
110 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
16 MIRAN DA, Pontes de (Atualizado por Vilson Rodrigues Alves). Tratado de Di reito Privado.
1 ª edição. Tomo V. Campinas: Bookseller, 2000, p. 88.
112 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
17 http://www. aig.com/gateway/home
MARISTELA 5ABBAG ABLA - 113
Código Civil, em seus artigos 113, 187 e 422, obrigando as partes con
tratantes ao dever de lealdade, probidade e correção.
O sucessor de boa-fé teria o direito de alegá-la para reaver os pre
juízos ocasionados pelas informações prestadas erroneamente, de forma
dissimulada, ou até omitidas, já que não há como discutir os efeitos da
sucessão empresarial que se operaram de forma definitiva quando do
fechamento do negócio.
Da mesma forma, o Código Civil espanhol reza que os contratos
se aperfeiçoam pelo mero consentimento, e a partir de então obrigam
não apenas ao cumprimento daquilo que foi expressamente pactuado,
mas também a todas as conseqüências que, segundo a sua natureza, es
tejam de acordo com a boa-fé, ao uso e à lei18 •
Caso seja constatada a má-fé por parte de qualquer uma das partes
em relação às suas obrigações contratuais quanto ao fornecimento de
informações e prestação de declarações e garantias, o foco passa a ser
provar a inexatidão ou omissão das informações e a ausência de boa-fé.
Será muito difícil, por exemplo, provar e especificar o que efetivamente
o vendedor permitiu ou deixou de permitir ao comprador o acesso à
informação, e ainda, que esta inexatidão ou omissão decorreu de dolo
por parte do vendedor a qual justifique e permita ao comprador pleitear
por indenização ou mesmo pela anulação do contrato.
Assim, a partir deste momento, a polêmica é transferida para a ques
tão de comprovar a responsabilidade do vendedor por tais declarações
equivocadas e inexatas (misrepresentations). Na grande maioria dos con
tratos há uma previsão expressa de uma vultosa indenização para esses
casos. Trata-se de uma maneira conciliatória das partes tentarem mini
mizar o impacto que pode ser sofrido pelo sucessor induzido a erro por
uma contingência imprevista.
21 O termo razoável é aqui util izado n o sentido do que é justo e compreensível por s e basear
em razões sólidas, exclui ndo-se significação de aceitável, mediano ou suficiente, como
coloquial mente uti lizado.
22 PALMITER, Alan R. Securities Regulation: examples and explanations. New York: Aspen
Law & Busi ness, 1 998, p. 1 64-1 74.
23 Estes argumentos são conhecidos como elementos d e defesas em processos d e due diligence
(due diligence defenses).
MARISTELA 5ABBAG ABLA - 119
24 CARNEY, William J . Mergers and Acquisitions. New York: Foundation Press, 2000, p. 664.
1 20 - REORGANIZAÇÃO 50CIETÃRIA
VII. CONCLUSÃO
Em suma, nos negócios jurídicos que envolvem participação socie
tária, o problema central abrange a questão do grau de divulgação das
informações acerca do conjunto de ativo e passivo a ser sub-rogado ao
sucessor.
Tal questão se torna ainda mais relevante em caso de constatação
de discrepância naquelas informações em relação a real situação da em
presa objeto da negociação.
25 CARN EY, William J. Mergers and Acquisitions. New York: Foundation Press, 2000, p. 635
- "The nature of the purchase investigatian will vary depending upon the individual
circumstances of each transaction. The investigation may have a variety of purposes and
involve many different personnel; it should certainly involve, however, a business history of
the se/ler, its legal structure, current liabilities, and financial commitments. (... ) The extent of
these investigations prior to closing is dependent, in part, upon the nature of the
representations and warranties, whether they will survive the c/osing, and the strength of
any indemnification. 11
MARISTELA 5ABBAG ABLA - 121
BIBLIOGRAFIA
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Empresas. Elcano, Navarra: Aranzadi Editorial, 2001.
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Law Journal Seminar Pr, 1975.
A Arbitragem nas
Joint Ventures
1 As JotNT VENTURES
.
Ver, em especial, "Les Assoc iations d'Entreprises (Joint Ventures) dans le Commerce
lnternational", Luiz Olavo Baptista e Pascal Durand-Barthez, Paris, Feduci, Librairie Générale
de Droit et de Jurisprudence", 2' ed., 1 99 1 .
2 J. Taubman, citado por L.O. Baptista e Durand-Barthez, ob. cit., p. 8.
EDUARDO 5PINOLA E CASTRO - 1 25
3 in Parecer publicado em "Lei das S.A.," 1' ed., 1 º vol., p. 363,ed. Renovar, 1 992
4 L.O. Baptista e Durand-Barthez, ob.cit., p. 56
5 Bortolotti e Marsesi, citados por Al fredo Lamy Filho em Parecer publ icado em "Lei das
S.A.", Parte Ili, 2' ed, 2º vol., ed. Renovar, p. 1 83.
1 26 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
8 Alfredo Lamy Filho, ob. cit., p. 1 86. Ver também Fábio Konder Comparato, in RDM nº 27,
p. 90/91 ( 1 977) e RDM nº 36 (1 979, p. 66).
9 O autor prefere não utilizar a denomi nação "sociedade limitada", adotada pelo Cód. Civil
de 2002, porque limitada é a responsabilidade, não a sociedade . . .
1O Vide L.O. Baptista e Durand-Barthez, ob. cit., p. 5
1 28 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
11 ln "Das obrigações em geral", Coimbra, ed. Almedina, 1 970, págs 85/86 e 1 87.
12 FACES, Bertrand, Le comportement du Contractant, Presses Universitaires d'Aix- Marseille,
1 997, p. 301
13 Article 1 . 7 (Bonne foi):
1 ) Les parties sont tenues de se conformer aux exigences de la bonne foi dans le commerce
international.
2) Elles ne peuvent exclure cette obligation ni en limiter la portée."
14 "A Arbitragem e os Contratos Administrativos", in www.camarbra.com.br (Câmara d e Co
mércio Argentino Brasileira de São Paulo).
EDUARDO 5PINOLA E CASTRO - 1 29
15 Citado por Fábio Konder Comparato in "O Poder de Controle na Sociedade Anônima", 2'
ed., RT, 1 9 77, pág. 89
1 30 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
1ó Ver a decisão no caso CCI nº 1 1 495/KGA, decidido por sentença do árbitro único Dr.
Michael Bühler em 9 . 1 2 . 2002: "Subject to a price adjustment mechanism that was based
upon the results of "X", Claimant was also to contribute up to 50% of the price of the recent
acquisitions of catering services made by "X" up to the time of the 19 . . agreement. Claimant
contends that the contractua/ price adjustment mechanism was wrongly applied by
respondent.11
EDUARDO 5PJNOLA E CASTRO - 131
17 Trata-se de Alternative Dispute Resolution, ADR, recurso que vem se difundindo entre empre
sas internacionais para solução de seus litígios. A CCI publicou, em julho de 200 1 , duas
cláusulas-tipo prevendo a mediação como meio de solução de diferendos, quais sejam: (1 )" Les
parties peuvent, à tout moment et sans préjudice de toutes autres procédures, rechercher un
réglement de tout différend résultant du présent contratou s'y rapportant, conformément au
Réglement AOR de la CC/."; (2) "En cas de différend résultant du présent contratou s'y rapportant
les parties conviennent de discuter et d'envisager de fair appel en premier lieu à la procédure
de réglement des différends prévue par le réglement AOR de la CCf'.
1 32 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÃRIA
18 Carreira Alvim, in ''Tratado Geral da Arbiragem", ed. Mandamentos, Belo Horizonte, 2000, p. 1 4
19 Apud Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bu los, "Lei da Arbitragem Comentada", ed. Saraiva,
2' ed., 1 998, p. 23
20 Alexis Mourre e Priscille Pedone, in Les Cahiers d'Arbitrage, Gazette du Palais, Ed. Juillet
2002, p. 273.
21 Carreira Alvim, ob. cit., p. 57
22 Cuido F.S. Soares, "Arbitragens Comerciais Internacionais no Brasil", in RT 64 1 , 3 1
EDUARDO 5PINOLA E CASTRO - 1 33
23 1 ere. Ch. de la Cour d'Appel de Paris, 21 décembre 2000, in Revue de l'arbitrage, 2001, p. 1 78
24 Wauregan Mill lnc. vs Textile Workers Union oi America, in Black's Law Dictionary, 6th.
edition, p. 1 05
25 Comunicação obrigatória à parte adversa de documentos e dados por ela solicitados no
processo.
1 34 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
26 Diz-se hoje com freqüência que uma das repercussões relevantes da globalização sobre o
direito é a convergência entre os sistemas de direito codificado e a common law. Neste senti
do, Serge Lazareff, nos Cahiers de I'Arbitrage da Revue du Palais, julho de 2002, p. 1 3/14.
27 O autor pode mencionar, sem nomes, o caso de uma joint venture estabelecida no Brasil
entre dois grupos de capital estrangeiro que1 enquanto os sócios discutiam em procedimen
to arbitral na Europa, não só manteve intocadas suas atividades de rotina, como ampliou
sua fatia de mercado e desenvolveu novos produtos.
EDUARDO SPINOLA E CASTRO - 1 35
28 ln "Les Entreprises conjointes dans les Pays en Développement", Genebre, publ. d l'lhel, n.
50, 1 972, p. 1 42.
1 36 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÃRIA
As REGRAS DE ARBITRAGEM
As partes devem escolher as regras processuais disciplinadoras da
arbitragem. Podem escolher somente as regras, optando por uma arbi
tragem ad hoc, ou escolher também um centro de arbitragem, como a
CCI, a London Court oflnternational Arbitration (LCIA) ou, no Bra
sil, a FIESP, qualquer das Câmaras ou Centros de Arbitragem das Câ
maras de Comércio (como as da Câmara Americana, da Câmara
Brasil-Canadá, das Eurocâmaras, etc.), que nestes casos aplicarão seus
próprios regulamentos.
Dentre as regras de arbitragem mais usadas internacionalmente
estão as Regras UNCITRAL, elaboradas pela Comissão da ONU para
o Direito Internacional do Comércio e as Regras da American Arbitra
tion Association (abreviadamente, AAA) . As Regras UNCITRAL não
1 38 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÃRIA
Ü LOCAL DA ARBITRAGEM
A escolha é relevante no caso dasjoint ventlffes internacionais. O
local da arbitragem é importante de três pontos de vista: (i) a aplicação
subsidiária da lei processual do local, em caso de omissão do regula_:
mento de arbitragem; (ii) a competência dos tribunais locais para apre
ciar medidas cautelares e incidentais; e (iii) a exigência da lei brasileira
de arbitragem, de homologação pelo Supremo Tribunal Federal, das
sentenças arbitrais estrangeiras.
Pelas razões acima, uma parte contratante brasileira terá interesse
em realizar a arbitragem no Brasil. Isto sem falar nos custos de viagem,
hospedagem, etc., que uma arbitragem sediada no estrangeiro traria para
a parte brasileira.
those coming from the Roman Civil Law orientation has now become tradition. ln procedural
instruction, it seems as though the decision-maker in an Anglo-Saxon system adopts a more
passive position than the one trained in Roman Law. lt is said that, in contras! to the role
adopted by his Anglo-Saxon colleague, a continental Eu ropean arbitrator plays a bigger
procedural role.
A lawyer whose training is rooted in Roman Law is amazed when confronted with the
claims of an Anglo-Saxon col/eague in discovery material. The requirement of submitting
the documents in his possession, those which favor as wel/ as those which prejudice the
party being represented, is not always interpreted in the sarne way by ai/ concerned. For
some, the cross-examination of witnesses and experts is a guarantee of due process thanks
to the principie of contradiction; for others, it is a real circus ofpure dialectic confrontation
in which the truth is not revealed. These are gray areas in which the difference between
some legal professionals and others is manifested".
1 40 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
Ü IDIOMA DA ARBITRAGEM
32 O autor viveu este problema em caso recente, no qual contratos intimamente ligados con
tinham cláusulas arbitrais disti ntas, quanto às regras, lei aplicável ao mérito, sede, e idioma.
O resultado foi a instauração de três diferentes procedimentos arbitrais, um no Brasil, em
língua portuguesa, lei do país de uma das partes contratantes, e regras UNCITRAL; outro
em Portugal, bilíngüe inglês-português, a mesma lei do caso precedente, e regras UN CITRAL;
o terceiro pr�cedimento teve lugar em Londres, sob a lei inglesa, em l íngua inglesa, e
regras LCIA. E fácil de imaginar o enorme trabalho dos advogados e das partes, obrigados
a duplicar e triplicar o trabalho, com os custos conseqüentes.
1 42 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
33 Caso citado por Arnoldo Wald, "A arbitragem, os Grupos Societários e os Conjuntos de
Contratos Conexos" in Revista de Arbitragem e Mediação, ano 1 , no 2, maio/agosto de
2004, Editora Revista dos Tribunais, p. 53
34 lnterim Award in case nº 7929 of 1 995, disponível no site www. kluwerarbitration.com
EDUARDO 5PINOLA E (ASTRO - 1 43
unified contractual scheme with the Partnership Agreement, but not.from the
Cooperation Agreement on its own". (destaques nossos)
O Tribunal Arbitral fundamentou suas decisões no "unified con
tractual scheme", que foi assim definido: "The phrase 'unified contractual
scheme' in the present context appears to us to rejlect the position.frequently
encountered in international arbitration with, in the words oJ Craig, Park
& Paulsson, 'complex situations where numerous contractual documents rela
te to one organic relationship'. Prima Jacie, it also appears to describe the
situation in this case, to the extent that there is a main contract (the Partner
ship Agreement) which creates a business relationship, and other contracts
(notably the Cooperation Agreement) making changes ofone sort or another
in that relationship. It is generally considered desirab!e that disputes relating
to obligations arising .from the relationship as a whole, i. e., under severa!
contractual documents, should be submitted to one singlejudicial authority: '
it appears inappropriatefor dijferent jurisdictions to deal with necessarily
interrelated issues in a piecemeal andpotentially inconsitent manner."
O cuidado na redação de cláusulas compromissárias de conjunto
de contratos conexos evitará que as questões acima apontadas tenham
que ser levantadas perante tribunais arbitrais ou o Poder Judiciário.
CONCLUSÃO
Para concluir este artigo, o autor pede licença para transcrever um
comentário de Serge Lazareff sobre a arbitragem na atualidade:
"Longtemps conçu comme un simple mode d'apaisement de
contentieu:x, l'arbitrage moderne se caractérise surtout par sa plus
grande technicité et sa flexibilité. I1 permet ainsi de répondre,
non seulement au:x exigences de plus en plus renforcées des usagers
en matiere de sécurité juridique, mais également à la complexité
grandissante des affaires impliquant de plus en plus souvent une
pluralité de parties d'origine et de culture différentes."35
1. INTRODUÇÃO
Na já ampla literatura nacional sobre a disciplina legal das sociedades
anônimas, a operação de redução de capital ocupa papel indevidamente
secundário. Não se trata, por sinal, de peculiaridade do direito brasileiro:
mesmo na Itália, onde os estudos monográficos e sistemáticos sobre o direi
to societário têm volume muito maior, o autor de um dos melhores traba
lhos sobre o tema inicia sua análise destacando também o fato de que se
trata de "instituto negligenciado pela doutrina, que sobre ele oferece uma
interpretação simplista e puramente literal, dedicando-lhe poucas páginas
nos manuais mais difundidos, e pela própria jurisprudência, que recebe
mecanicamente as indicações fornecidas pela praxe societária"1 •
Com efeito, enquanto as operações de aumento de capital das socie
dades anônimas têm sido objeto de estudos de alto nível científico e
grande profundidade2 , a redução de capital continua sendo a verdadeira
Cinderela de um sistema jurídico que mantém ainda - a despeito das
relevantes discussões doutrinárias que se desenvolvem em outros paí
ses3 - o conceito de capital como o fulcro de todo o arcabouço jurídico
das sociedades anônimas.
As operações de redução de capital recebem qualificações críticas,
certamente exageradas, de parte da doutrina. Não se trata, contudo, de
operação de índole anormal e, por isto, indicativa por si só de uma situ
ação delicada da sociedade anônima4 • Talvez, a rigor, tenha sido criado
gislação brasileira não exige que a sociedade anônima tenha capital mí
nimo. Tampouco prevê a nossa lei que, desfalcado o capital social de
forma considerada relevante, sejam obrigatoriamente adotadas provi
dências destinadas a recompô-lo.
Finalmente, é importante não perder de vista as distinções, mesmo
no âmbito do direito brasileiro, entre a legislação aplicável às sociedades
anônimas - regidas por lei especial, como o reconhece o Código Civil,
no art. 1 .089 e o regime das sociedades limitadas de que trata o Códi
-
6 Dois casos particulares de redução do capital - aqui não se aplica obviamente o conceito
de capital excessivo nem o de absorção de prejuízos - ocorrem (i) no pagamento aos
acionistas dissidentes, em caso de exercício do direito de recesso, se não houver lucros ou
reservas livres na sociedade e as ações reembolsadas a débito do capital social não forem
vendidas no prazo de 1 20 dias a contar da publ icação da ata da assembléia geral (Lei nº.
6.404/76, art. 45, §§ 6º e 7º) e (ii) no caso das ações caídas em com isso, pela não realização
do preço de subscrição por parte do investidor, sendo mal sucedida a companhia tanto na
execução judicial quanto na venda em leilão especial (Lei nº. 6. 404/76, a rt. 1 07, § 4º). Em
interessante artigo intitulado "La réduction du capital à la recherche de son régime
-
juridique", Alain Couret questiona a existência, além das formas tradicionais, de uma ter
ceira via de redução de capital, a qual abarcaria, entre outras, as seguintes hipóteses: (i)
sociedade que recolheu seus próprios títulos de capital sob condição de devolução un iver
sal; (ii) sociedade que comprou certo número de seus títulos e deseja conservá-los em
portfólio; (iii) sociedade que comprou certo número de seus títulos sob compromisso de
anulação; (iv) a reaquisição com vistas a facilitar certas operações; (v) exercício por u m
sócio d o d i reito d e recesso (in Alain Couret e Hervé le Nabasque (coord.), Que/ avenir pour
/e capital social?, Paris: Dalloz, 2004, pp. 85-99).
PAULO CEZAR ARAGÃO & GISELA SAMPAIO DA CRUZ - 1 49
9 Cada vez mais, infelizmente, uma legislação casuística e pouco - ou nada - sistemática vai
abrindo brechas neste sistema, com a criação de novos casos de responsabilidade pessoal
do acionista ou do sócio, não necessariamente vinculada ao exercício de cargo de admi
nistração ou ao desempenho da função de acionista controlador.
10 Cesare Yivante, Trattato di diritto commerciale, v. li, 5. ed., Milano: Francesco Yallardi,
1 9 23, p. 1 9 3. Já se disse também, a propósito, que o capital social representa u m dique que
contém as águas (os elementos do ativo) até que este atinja o seu nível, sendo só a partir
deste momento que o excedente poderá beneficiar os acionistas, sob a forma de dividen
dos (Joaquín Garrigues, Tratado de derecho mercantil, v. 1, t. 2, Madrid: Revista de Derecho
Mercantil, 1 947, p. 637).
11 O comentário é pertinente ainda que um imperativo lógico leve à conclusão de que o credor
que também é acionista não poderá manifestar oposição à deli beração assemblear sobre
redução de capital se, na mesma assembléia, houver votado favoravelmente à redução.
PAULO CEZAR ARAGÃO & GISELA SAMPAIO DA CRUZ - 151
a deliberação não poderá ser arquivada, o que significa dizer que não
produzirá efeitos em relação a terceiros, nem poderá ser executada com
a entrega de recursos aos acionistas, salvo se a companhia demonstrar
que o crédito do credor contrário à deliberação teve seu valor pago ou
depositado judicialmente.
O prazo decadencial para a oposição estabelecido na lei é de ses
senta dias e, no caso, a ordem usual seguida na formalização das delibe
rações societárias é invertida: em primeiro lugar, a ata da assembléia
geral extraordinária que deliberou sobre a redução do capital social deve
ser publicada, na forma prevista no art. 98 da Lei nº. 6.404/76, a que
remete o § 2° do art. 135 da mesma lei12•
Transcorrido o prazo decadencial sem oposição, o arquivamento
deve dar-se automaticamente, não sendo necessária - em tese, pelo
menos - qualquer manifestação da companhia no âmbito do Registro
Público das Empresas Mercantis, que deverá ter sido notificado da opo
sição manifestada (Lei nº 6.404/76, art. 174, § 1°), podendo então, num
segundo momento, dar-se execução à deliberação, sem prejuízo da exi
gência de publicação, na imprensa, da certidão do arquivamento da ata
(mas não, novamente, da própria ata) .
A sistemática da lei torna-se de execução problemática no caso das
sociedades sujeitas à autorização para funcionar e cujas atas de assembléia
geral têm sua publicação dependente de aprovação de algum órgão espe
cial: se apenas o arquivamento está condicionado a tal aprovação, a publi
cação pode dar-se desde logo, ainda que a deliberação só possa ser executada
depois de aprovada pelo órgão especial; se, contudo, a própria publicação
está sujeita à aprovação regulamentar, o prazo de sessenta dias só poderá
iniciar-se após obtida a mesma aprovação e regularmente publicada a ata.
Em uma hipótese específica a lei abre mão da distinção entre cre
dores garantidos e credores quirografários: se a companhia houver emiti-
12 Convém notar que, em regra, nada obsta a que a companhia faça publicar desde logo
qualquer deliberação societária e, quando disponível, publique separadamente a certidão
do respectivo arquivamento no Registro Público das Empresas Mercantis. Apenas, neste
caso, essa ordem se torna imperativa.
1 52 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
tecer, por exemplo, que o credor tenha adquirido o título com o único e
exclusivo propósito de exercer o direito à oposição, na tentativa de pre
judicar de alguma forma a companhia.
Na mesma linha da exigência de um fundamento razoável para o
exercício dos direitos, prevista no art. 187 do Código Civil, deve reconhe
cer-se não exigir a lei que o credor manifeste interesse legítimo.
No entanto, e como vem decidindo a jurisprudência no tocante ao
exercício do direito de recesso, a oposição não pode ser exercida à outrance,
apenas em detrimento da companhia. A questão aqui é mais delicada, já
que a lei dá à companhia a solução para o impasse, ou seja, a liquidação do
crédito do credor insatisfeito, mas o problema sempre deverá ser conside
rado à luz do eventual exercício abusivo do direito à oposição14 •
A redução de capital atribui direitos apenas aos credores (quirogra
fários) da companhia, não constituindo fundamento legítimo para o
exercício do direito de retirada pelos acionistas, cabível apenas nos casos
taxativamente previstos na lei societária.
Nada impede que, na redução de capital por exuberância, os acionistas
recebam o pagamento dos seus haveres in natura: respeitada a igualdade de
tratamento entre eles, a operação poderá ser vantajosa por razões fiscais,
notadamente por haver o art. 22 da Lei nº 9.249195, pondo fim a uma
controvérsia antiga, admitido que o acionista venha a receber bens ou direi
tos integrantes do ativo da sociedade, em devolução de capital - o que deve
entender-se incluir também a redução de capital - pelo respectivo valor
contábil, diferindo assim, e já agora sem qualquer risco de uma acusação de
distribuição disfarçada de lucros, a tributação pela diferença entre esse valor
contábil e o valor de mercado dos bens ou direitos recebidos15 •
16 Nessa modalidade de redução do capital, ao ver de Fernando Cardoso, há, ai nda, outro
interesse relevante a ser protegido: "o interesse público de que as sociedades não se apre
sentem com um capital nominal a que não corresponda uma efetiva cobertura do patrimônio.
Em face de tal desequi líbrio, o públ ico, intencionalmente ou não, poderia ser enganado,
uma vez que o capital funciona como o único 'aferidor', porquanto o patrimônio social é
de conhecimento quase inacessível, até pela sua grande mutabilidade. E, para além do
público, os próprios sócios, anal isando melhor, virão muito provavelmente também a be
neficiar da aludida redução do capital. A razão é simples: a redução pode, posteriormente,
viabilizar uma distribuição de lucros de exercício ou de bens que, de outra forma (tendo-se
mantido o capital em montante superior), se destinariam à cobertura de prejuízos" (Fernando
Cardoso, Redução do capital social das sociedades anônimas, Lisboa: Livraria Portugal
Mundo, 1 989, pp. 57-58).
PAULO CEZAR ARAGÃO & G ISELA SAMPAIO DA CRUZ - 157
17 Neste sentido, afirma Tullio Ascarelli que, "para avaliar, rigorosamente, o andamento dos
negócios de uma sociedade, cumpriria ter em conta toda a vida dela, desde o início até a
liqui dação. Entretanto, como é óbvio, tal sistema é praticamente impossível quanto a uma
atividade social destinada a se desenvolver durante anos. Surge, por isto, o conceito de
exercício social" (" Reservas", in Problemas das sociedades anônimas e direito comparado,
São Paulo: Saraiva, 1 945, p. 439).
1 58 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
18 Daí a distinção, expressa nos arts. 1 87, V e VII, 1 89 e 1 9 1 da Lei nº 6.404/76, entre resulta
do do exercício e o lucro do exercício, sendo este último a parcela eventual do resultado
que remanescer depois de compensados tais prej u ízos anteriores e, naturalmente, pagos
todos os impostos devidos.
19 Cite-se, a respeito, a conceituação das reservas de capital da Nota Explicativa à Instrução
CVM nº 59/86: "As reservas de capital representam acréscimos efetivos aos ativos da com
panhia que não foram originados dos lucros auferidos em suas operações, por não repre
sentarem efeitos de seus próprios esfo rços, mas de contribuições de acionistas ou de tercei
ros para o patrimônio líquido da companhia com o fim de propiciar recursos para o capital
(em sentido amplo)".
PAULO (EZAR ARAGÃO & GISELA SAMPAIO DA (RUZ - 1 59
recursos não podem transitar pelo resultado de suas atividades, tal como
sucede com as reservas de lucros, cabendo atribuir-lhes classificação
contábil adequada, sob pena de se ferir o princípio da transparência que
informa as demonstrações financeiras20 •
Como não é formada por recursos gerados pela companhia, mas,
ao revés, por valores resultantes de ingressos e contribuições de tercei
ros, a exigência de compensação dos prejuízos com as reservas, constan
tes do parágrafo único do art. 189 da Lei nº 6.404/76, não abarca a
reserva de capital21 • Nã� é difícil entender o motivo pelo qual o legisla
dor não incluiu a reserva de capital no elenco de reservas em que há
obrigatoriedade de compensação com prejuízos, se, como dito, a reserva
de capital não advém das transações da companhia que, ao final, vão
compor o resultado e, feitas as deduções cabíveis, o lucro líquido.
É que não seria razoável impor a compensação de transferências
patrimoniais que não constituem lucro da companhia com o eventual
prejuízo do exercício. Do contrário, a situação econômico-financeira da
sociedade e, mais do que isso, seu desempenho e resultados, poderiam
ser mascarados, o que causaria a falsa impressão de que a companhia
não é rentável. Prejuízo compensa-se com lucro: como a reserva de ca
pital não resulta de lucro, a compensação não poderia ser exigível. ,
Com efeito, o objetivo primordial das reservas de capital não é o de
cobrir prejuízos, mas, sim, o de reforçar o capital social. Em nenhum
momento o legislador impôs que se proceda a tal absorção. O caput do
art. 200 da Lei nº 6.404/76 apenas confere à sociedade a faculdade de
proceder a tal absorção, mas em nenhum momento a exige. Não se pode
20 Em razão disso, devem tais recursos aparecer em apartado no balanço, como recomenda
Bulhões Pedreira: A Lei nº. 6.404/76 prescreve que as transferências de capital recebidas
"
pela pessoa jurídica devem ser classificadas em conta de reserva de capital (art. 1 82, §12). O
objetivo da lei comercial, ao exigir que o balanço discrimine as reservas de capital das forma
das com lucros, é evitar que di reitos que não integram o fluxo de renda auferida pela compa
nhia sejam computados no lucro l íquido do exercício: de outro modo a demonstração do
resultado do exercício transmitiria a terceiros informação falsa sobre sua rentabilidade" (Im
posto sobre a renda: pessoas j urídicas, v. 2. Rio de Janeiro: Justec, 1 979, pp. 680-681 ).
21 Lei nº 6.404/76, art. 1 89, parágrafo único: " ( ... ) Parágrafo único: O prej uízo do exercício
será obrigatoriamente absorvido pelos lucros acumulados, pelas reservas de lucros e pela
reserva legal, nessa ordem".
-
1 60 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
23 Na lição de Bulhões Pedreira: "Além disso, a lei mantém - em regra - o princípio tradicional de
que os dividendos devem ter origem em lucro realizado pela companhia. Submete, por isso, as
reservas de capital a regime legal especial, dispondo que somente podem ser utilizadas para
absorção de prejuízos, aquisição ou extinção de valores mobiliários de emissão da companhia
ou incorporação ao capital social. A utilização da reserva de capital para pagamento de divi
dendos é admitida apenas para garantir o dividendo cumulativo de ações preferenciais, quan
do essa vantagem lhes for assegurada (arts. 1 7, § 5º e 2º da Lei nº 6.404/76)" (Imposto sobre a
renda: pessoas jurídicas, cit., p. 681 ). Já constava, a propósito, da Exposição de Motivos da Lei
nº. 6.404/76 que "0 art. 201 (art. 200 da Lei) regula a utilização das reservas de capital, que não
têm origem em lucros, e que por isto não devem servir para a distribuição de dividendos, a não
ser como vantagem excepcional atribuída a ações preferenciais".
24 A doutrina reconhece que a concessão do direito ao dividendo cumulativo aos titulares de
ações preferenciais é i nstrumento para estimular a atratividade do i nvestimento e a capita
lização da companhia (cf. Américo Osvaldo Campiglia, Comentários à lei das sociedades
anônimas, v. 5, São Paulo: Saraiva, 1 978, p. 252).
25 Vejam-se, uma vez mais, os ensinamentos de Bulhões Pedreira, para quem "a lei submete
as reservas de capital a regime que é intermediário entre o do capital social e das reservas
de lucros: (a) tal como capital social, não podem ser distribuídas como dividendos, com a
única exceção do dividendo cumulativo das ações preferenciais de que trata o § 5º do art.
1 7; esse tratamento dá aplicação ao princípio de que a companhia somente deve pagar
dividendos à conta do lucro l íquido do exercício ou de lucros acumulados ou em reservas
de lucros (art. 2 0 1 ); (b) essas reservas têm origem em recursos que não são contribuídos
com o fim de formar capital social, e não estão submetidas ao regime desse capital, que a
lei estabelece para garantia de credores" (Finanças e demonstrações financeiras da compa
nhia: conceitos fundamentais, Rio de Janeiro: Forense, 1 989, pp. 427-428).
26 Na decisão conjunta dos processos admin istrativos CVM-RJ2004/4558, 4559, 4569 e 4583,
proferida em 2 1 .09.2004, o Presidente da CVM, Professor Marcelo Trindade, esclarece,
justamente, que pode "haver diversas razões, contratuais, estatutárias, tributárias, ou de
outra natu reza do interesse da companhia, para reduzir-se o capital social sem reduzir-se a
reserva de capital. Imagi ne-se uma companhia que se obrigou a pagar dividendos sobre o
valor de uma determinada reserva de capital quando da emissão de ações com ágio, exclu
sivamente em favor dos acionistas que subscrevessem aquela cl asse de ações emitida. A
redução do capital social não impactaria o dividendo, mas a da reserva sim, e portanto a
companhia poderia deliberar preservar o valor do dividendo, reduzindo o capital social".
1 62 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
27 Nesse sentido, afirma Bul hões Pedreira que o balanço intermediário "não modifica a anui
dade do período de determinação do resultado. É levantado com observância de todas as
prescrições legais e regras contábeis apl icáveis ao balanço anual mas sem encerramento
das contas do resultado do exercício: ainda que a sociedade distribua dividendos com base
no lucro apurado, a demonstração do resultado anual abrange os resultados de todo o
exercício social" (Finanças e demonstrações financeiras da companhia: conceitos funda
mentais, cit., p. 656).
PAULO (EZAR ARAGÃO & GISELA SAMPAIO DA (RUZ - 1 63
28 Na lição sempre esclarecedora de Alfredo Lamy Filho, o balanço intermediário deve ser
considerado definitivo para verificar a existência de prejuízo: 11 0ra, se o balanço interme
diário é definitivo, no entender dos autores, para apurar lucros, e pagar dividendos, mesmo
se, ou quando, ocorreram prejuízos no balanço anual, parece evidente que, correlatamente,
e com maior razão, será definitivo para verificar a existência de preju ízos" e, ainda, em
outra passagem afirma: "O balanço i ntermediário, autorizado no estatuto, é definitivo: os
lucros apurados e distribuídos não têm que ser devolvidos se o balanço anual acusa preju
ízo, e os prej u ízos não serão compensados com eventuais lucros do exercício anual" ("Res
gate de ações preferenciais mediante alteração estatutária", A Lei das 5.A., v. 2, 2. ed., Rio
de Janeiro: Renovar, 1 996, p. 479 e 481 ).
1 64 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
29 Embora não concorde com a tese, o voto do Presidente da CVM, Marcelo Trindade, no
julgamento dos processos administrativos CVM-RJ2004/4558, 4559, 4569 e 4583 (decisão
conjunta proferida em 2 1 .09. 2004), reconheceu que a CVM vinha admitindo o procedi
mento: "Neste ponto, embora eu possa vir a concordar, em tese, com o raciocínio da SEP,
secundado pela SNC, e apoiado pelo Diretor Relator, no sentido de que prejuízos em for
mação, apurados em balanço intermed iário, não se prestam à redução de capital, não
posso fazê-lo no caso concreto, pois estou convencido de que tal entendimento não era
pacífico até aqui na autarquia, havendo, além disto, sinais expressivos de que a CVM vinha
admitindo o procedimento que a manifestação de entendimento condena, ou ao menos
não o vinha coibindo até esta operação".
1 66 - REORGANIZAÇÃO SüCIETÃRIA
30 Carlos Osório de Castro, "Acções preferenciais sem voto", Problemas do Direito das Socieda
des, Coimbra: Almedina, 2003, pp. 3 1 6-320.
PAULO (EZAR ARAGÃO & GISELA SAMPAIO DA (RUZ - 1 67
valor unitário para R$ 7,50 (i.e., R$ 15.000,00 divididos por 2.000 ações)
terá efeito sobre o dividendo da ação preferencial, que passará a R$ 0,75,
sem que daí se tenha jamais cogitado de necessidade de aprovação de
assembléia especial em tais casos.
Figure-se, em outro exemplo, uma sociedade anônima com o mes
mo capital de R$ 10.000,00, dividido em 1 .000 ações, também com
500 ações preferenciais com dividendo correspondente a 1 0% do res
pectivo valor unitário (i.e., uma vez mais, um dividendo de R$ 1 ,00
por ação preferencial) . Alterado o estatuto para, digamos, mudar o ob
jeto social, 100 acionistas exercem o direito de retirada pelo valor eco
nômico apurado na forma dos § § 3° e 4° do art. 45 da Lei nº 6.404/76,
em R$ 20,00 por ação, sendo-lhes pago o valor de R$ 2.000,00, a débito
do capital social (por falta de reservas), levando a companhia a dar por
reduzido o capital de R$ 10.000,00 para R$ 8.000,00 (i.e, R$ 10.000,00
menos R$ 2 .000,00), dividido em 900 ações (i.e, as 1 .000 ações origi
nais menos as 100 canceladas na forma do § 6° do art. 45 da Lei nº
6.404/76).
Nesta última hipótese, depois de realizada a referida operação
societária, o valor unitário será reduzido a R$ 8,88 e o dividendo por
ação preferencial, em conseqüência, para R$ 0,88. Mas será que al
guém sustentaria que, apenas por isto, os titulares de ações preferenci
ais teriam sofrido prejuízo que fizesse a outorga do direito de retirada
aos dissidentes estar sujeita à assembléia especial? Rejeitado o direito
de recesso pelos titulares de ações preferenciais atingidos, a compa
nhia ficaria desobrigada de cumprir o art. 45 da Lei nº 6.404/76?
E se a companhia resgata parte de suas ações nas mesmas condi
ções acima referidas, isto é, por um preço de resgate superior ao valor
unitário? E se a companhia, havendo adquirido ações para manutenção
em tesouraria a um preço superior ao valor unitário e não tendo mais
reservas de capital ou lucro para suportar a manutenção de tais reservas
em tesouraria, é obrigada a cancelar tais ações, como exigido pela Ins
trução CVM nº 10? E se a companhia incorpora outra sociedade, emi
tindo ações a uma relação de troca que faz com que o preço de emissão
PAULO (EZAR ARAGÃO & GtSELA SAMPAIO DA CRUZ - 1 69
Além disso, ainda que não os favorecesse, o fato é que não existe
qualquer direito, por parte dos titulares de ações preferenciais, a que se
mantenha inalterada, para cima ou para baixo, a cifra do capital social.
32 A redução do capital também não prejudica os credores, porque a garantia deles não está
na cifra do capital 1 uma vez que esta representa tão-só uma informação contábil. Para os
titul ares de ações preferenciais, cujos direitos aos dividendos estão atrelados ao patrimônio
da companhia, esta cifra também nada significa. São eles os maiores interessados na per
cepção de dividendos. É o que, de forma enfática, afirma Alfredo Lamy Filho, na seguinte
passagem: "4.4 - A operação de redução do capital social, como se vê, é sempre delibera
da no interesse dos sócios ou acionistas - tanto ordinários quanto preferenciais. Absorven
do os prejuízos existentes no bala nço, reduz-se a cifra do capital social, o que viabiliza o
pagamento de dividendos sociais logo que a sociedade dê lucro. ( ... ) 4.5 Quanto ao
-
A fração ideal do capital social de cada ação sem valor nominal é, por
essência, mutável. As únicas garantias prometidas às ações preferenciais,
como anota Edmond Thaller, dizem respeito à preservação da percen
tagem dos dividendos fixada pelo estatuto e à manutenção de sua prio
ridade de recebimento:
"Em se tratando de ações preferenciais, a sociedade não dá
garantia de manter, em todas as hipóteses, o montante nomi
nal dessas ações, nem da quantidade de certificados que elas
representam. Os acionistas preferenciais consentiram impli
citamente em incorrer o mesmo risco, no mesmo grau que os
acionistas ordinários, de diminuição deste montante ou des
ta quantidade, em conseqüência de maus negócios da empre
sa, sob a condição que este risco atinja de maneira uniforme
os membros das duas categorias. Há neste caso, um risco ao
qual todos estão expostos. A única garantia prometida a essas
ações preferenciais é de ter e de preservar a percentagem dos
dividendos fixada pelo estatuto, assim como a taxa e a ordem
de recebimento; é de conservar o direito de serem reembolsa
dos preferencialmente aos demais, dos montantes pecuniários,
sujeitos a diminuição de montante relativamente ao capital
investido, desde que os demais tenham sofrido perda seme
lhante"33 .
No que tange � prioridade no reembolso, a ausência de prejuízo
também parece evidente. Ora, se, em caso de dissolução, os acionistas só
são pagos depois dos credores, não adianta manter o capital em um
valor que não corresponde ao patrimônio real da companhia. Se as obri
gações para com os credores têm tal porte que, no conjunto, já afetam a
integralidade do capital social, a situação dos titulares de ações prefe
renciais fica comprometida a partir daí, em nada sendo alterada com a
redução do capital.
33 Edmond Thaller, "La réduction du capital d' une société anonyme par soite de pertes en face
d'actions de priorité 111 Anna/es de droit commercia/ français, étranger et internationa/, Paris:
Arthur Rousseau, 1 9 1 1 , p. 281 .
PAULO CEZAR ARAGÃO & GISELA SAMPAIO DA CRUZ - 1 71
34 Nessa linha, se não é exigível a assembléia especial dos titulares de ações preferenciais,
tampouco se deve cogitar da realização de assembléia de debenturistas se as ações em que
podem ser convertidas as debêntures vão ter suas vantagens aumentadas.
35 Sylvio Marcondes, Questões de direito mercantil, São Paulo: Saraiva, 1 977, p. 6 1 . No mes
mo sentido: Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei de Sociedades por Ações, v. li, 3. ed.,
São Paulo: Saraiva, 2003, p. 862.
36 Trajano de Miranda Valverde, Sociedades por ações, v. 1, Rio de Janeiro: Forense, 1 94 1 ,
p. 551.
1 72 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
preferenciais -, razão pela qual não fica sujeita à aprovação dos acionis
tas privilegiados, consoante a lição de Paulo Miguel Cunha:
"A lei não prevê, relativamente às ações preferenciais, nenhuma
solução especial para a hipótese de redução do capital social.
Tratando-se de uma operação que afecta por igual todas as ações
(cf art. 94°, no. 2, in fine), ela não estará sujeita ao consentimen
to dos acionistas privilegiados reunidos em assembléia especial.
Essa é a conclusão a que se chega por analogia com o disposto
no art. 344°, no. 2, infine, referente à conversão de ações ordiná
rias em privilegiadas"37 •
Por idênticas razões, também não cabe aqui discutir direito de reces
so. Como é notório, o direito de recesso é um instrumento jurídico do
qual dispõe o acionista insatisfeito com alguma espécie de "mudança de
rumo" na vida social. Este direito visa à proteção do acionista dissidente,
mas não lhe confere proteção ilimitada, pois, do contrário, o interesse da
companhia, que deve sempre prevalecer sob o interesse individual de seus
acionistas, restaria ameaçado. Por isso, é certo que o direito de retirada se
restringe às hipóteses elencadas em lei, de forma taxativa38 • Qyer isto
37 Paulo Miguel Cunha, Os direitos especiais nas sociedades anônimas: as ações privilegiadas,
Coimbra: Almedina, 1 993, p. 1 65. Em sentido semelhante, Paul Maria atenta para o fato de
que os titul ares de ações preferenciais são acionistas da companhia da mesma maneira que
os demais, de modo a contribuir - uns e outros - para a fo rmação do capital social, do qual
seguirão todas as flutuações, boas ou más. Assim, "o objetivo comum estabelecido entre
todos os sócios estabelece uma certa fo rma de solidariedade no esforço e esta medida da
qual crêem poder fugir [a redução do capital] exigirá realmente um sacrifício da parte dos
mesmos - ao preço deste sacrifício poderão um dia exercer utilmente o privilégio -, mas sem
o qual estará em risco a própria estrutura social" (Des modifications du capital social au cours
de la vie sacia/e dans les societés commerciales par actions, Paris: Arthur Rousseau, 1 9 1 3. p.
1 1 3). Além disso, como bem lembra Joaquín Garrigues, los accionistas ordinários no han
11
consentido antecipadamente en ser e/los quienes suporten las perdidas de la sociedade, sino
unicamente en conceder a los accionistas preferentes un privilegio sobre los benefícios o
sobre la cuota de liquidaciôn que reste una vez saneada la empresa" (Comentaria a la ley de
sociedades anónimas, tomo li, 3. ed., Madrid: Aguirre, 1 976, p. 3 1 5).
38 O di reito de retirada, vale frisar, deve ser interpretado restritivamente e "sujeita-se à de
monstração de justo motivo e à existência de real prejuízo, bem como que a decisão da
maioria se encontra em descompasso com o interesse social", sendo certo que a ausência
de tais demonstrações "transforma o recesso em ato abusivo, corporificando censurável
pretensão ao enriquecimento sem causa" (J. Saulo Ramos, "Descabimento do D i reito de
Recesso", Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo:
Revista dos Tribunais, n.º 5, mai ./ago. 1 999; pp. 244-245). Com idêntico posicionamento, a
ressaltar que o elenco da lei é taxativo, veja-se U. Navarrini, Das sociedade e das associações
PAULO CEZAR ARAGÃO & GISELA SAMPAIO DA CRUZ - 1 73
dizer também que este direito não pode ser exercido abusivamente, sen
do, ainda, necessário que se comprove o prejuízo do interessado39 •
A doutrina aponta, então, duas condições essenciais para que o di
reito de recesso seja exercido legitimamente: (i) a configuração de uma
das hipóteses elencadas taxativamente em lei e (ii) a efetiva verificação
de prejuízo do interessado. Tais condições não podem ser consideradas
alternativas, mas, sim, complementares, pois formam um conjunto in
divisível, sem o qual não haverá possibilidade de retirada do acionista40 •
Dessa forma, o acionista dissidente só faz jus ao direito de recesso
quando a deliberação assemblear gerar efetiva perda patrimonial, de modo
a se verificar o prejuízo. De fato, sustentar linha diversa descaracterizaria
o instituto, inserido no ordenamento para evitar desrespeito à lei, e não
para conferir à minoria um poder despótico dentro da sociedade, inviabi
lizando o normal funcionamento de seus negócios.
Com base nos fundamentos aqui expostos, foi esse o entendimento
que prevaleceu no julgamento dos processos administrativos CVM
RJ2004/4558, 4559, 4569 e 4583, em que o Diretor Eli Loria, referin
do-se ao M EMO/PFE -CVM/GJU-2/n° 3 1 3/03, afirmou que,
"considerando que a absorção dos prejuízos acumulados pelo capital social
(o 'saneamento financeiro') nada mais é do que um ajuste contábil ne-
IV. CONCLUSÃO
Apesar de o capital social continuar sendo alvo de "minudente re
gulação" na legislação societária41 e objeto dos mais profícuos trabalhos
acadêmicos, a verdade é que há muito, na prática empresarial, já se reco
nhece que a cifra representativa do capital pouco representa em termos
de garantia. O direito societário caminha, a passos largos, no sentido de
viabilizar cada vez mais a congruência entre capital e patrimônio, quer
por ocasião da constituição da companhia, quando se exige avaliação
dos bens por perito (Lei nº 6.404/76, art. 8°), quer ao longo de toda a
existência da sociedade, nas inúmeras operações a que o capital social
está sujeito.
Dentre essas operações, destaca-se a redução do capital social que
pode apresentar-se em diversas modalidades, sendo as mais comentadas a
redução por excesso e a redução por perdas. �ando há excesso de capital,
significa que a sociedade estava a bloquear, na conta de capital, valores
superiores às suas necessidades, levando-se em conta o objeto social e a
atividade por ela desenvolvida. A finalidade da redução aqui é "eliminar o
peso morto que onera a sociedade"42 .
Procede-se à redução ppr. perdas quando o capital é superior ao
patrimônio da sociedade qu ;, ?éndo deficitária, passará em pouco tem
po a ter um capital sem correspondência patrimonial.
41 Nelson Eizirik, "I ncorporação de Reservas de Capital ao capital social seguida da redução
do capital - legitimidade da operação", cit., pp. 257-258.
42 J . X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, cit., p. 454.
PAULO CEZAR ARAGÃO & GISELA SAMPAIO DA CRUZ - 1 75
1. OBJETIVOS DO TEMA
A propulsão do Direito Societário chama-se mobilidade.
Sem dúvida que a mobilidade do capital é da essência do ato so
cietário. Mas é na mobilidade funcional de pessoas e bens que o Direito
Societário encontra sentido para seus institutos, o que se percebe, com
uma ou outra nuance, na maioria dos sistemas jurídicos que foram dar
dejados pelo capitalismo.
O ato ·societário, aqui referido como ato de empreender e desen
volver um negócio economicamente planejado, tem espaço direto ou
indireto nos vários campos do Direito. Sua matiz inviolável é o Direito
Comercial, seguindo o curso histórico desde a Feira de Flandres até o
que hoje se trata por Direito Global.
Mas há os reflexos diretos ou indiretos do ato empresarial (associ
ação organizada entre capital, pessoas e bens) no Direito Civil, no Di
reito Econômico, no Direito do Trabalho, no Direito Penal e, para o que
interessa a este artigo, no Direito Público, ou mais precisamente no
Direito Administrativo dos contratos públicos.
Colocado o contexto, até que ponto o Direito Administrativo se
contrapõe ao Direito Societário ou o restringe no desenvolvimento dos
negócios entre o privado e o público? O capital privado tem assegurado
seu preceito de liberdade frente às diretrizes legais impostas à (e pela)
Administração Pública?
A legislação brasileira confere um exemplo bastante pontual nesse
dilema: a regra restritiva contida no inciso VI, do artigo 78, da Lei 8. 666/
93, que regulamenta os contratos administrativos.
A questão é simples: todo ente privado que venha a ser contratado
da Administração Pública - seja qual for sua modalidade, tal como a
concessão de serviço público, a empreitada de obra pública, o forneci
mento de bem ou matéria-prima etc. - não pode praticar qualquer um
dos amplos atos societários de cisão, fusão ou incorporação sem que
duas premissas estejam atendidas: (i) é inexorável que exista previsão
autorizante de quaisquer desses atos no Edital e no texto do contrato
GLAUCO MARTINS GUERRA & RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO - 1 79
2. Ü CONTEXTO DO DILEMA
O Direito Societário é, antes de tudo, um direito para o capit;l
empreendedor. O antagonismo de forças que disputam o Direito So
cietário respeita um preceito comum: a busca pelo lucro.
como persona jurídica sería titular: es ante todo una función social. Esta
función social es, en el fondo, el servicio público"3 •
Numa verdadeira manifestação de radicalismo teórico, HAURIOU
chega a entender que os serviços públicos são o único fundamento do
sistema moderno do Direito Público.
As condições de vitalidade do Direito Público moderno, na ex
pressão de DUGUIT, exigem a limitação do exercício de atividades do
detentor do poder de dominação (soberano, governante ou administra
dor público) e a ordenação de certas atividades que, para o Estado, são
imprescindíveis na legitimação de seu poder. Como a liberdade indivi
dual limita a soberania do Estado e, vis a vis, o Estado impõe certos
limites ao indivíduo, o balanço dessa equação, para não a tornar arbitrá
ria, está no reconhecimento de que existe uma medida (função) social
para todos os atos, sobremaneira aqueles gerados na interdependência
da sociedade civil (o indivíduo) para com o Estado (o coletivo).
Logo, o Estado não é apenas a manifestação do poder, mas o cum
primento de certas obrigações, que podem ser por ele realizadas direta
mente ou que, no desenrolar da burocracia estatal e da economia
contemporânea, percebeu-se que seriam pragmática e economicamente
melhor desenvolvidas pelo ente privado empreendedor.
"Ahora se advierte que e! objeto mismo de las obligaciones dei
Estado y e! sentido de su acción se encuentran determinados
por la situación económica dei país y las necesidades de sus
habitantes. En suma, la noción de servicio público parece que
puede formularse de este modo: es toda actividad cuyo
cumplimiento debe ser regulado, asegurado y fiscalizado por
los gobernantes, por ser indispensable a la realización y ai
desenvolvimien to de la in terdependencia social, y de tal
naturaleza que no puede ser asegurado completamente más
que por la intervención de la fuerza gobernante."4 DUGUIT
3 DUGU IT, León. Las Transformaciones dei Oerecho Público y Privado. Tradução de Adolfo
G. Posada e Ramón Jaén. Buenos Aires: Editorial Hel iasta S.R.L., 1 998, p. 30.
4 D U G U IT, León. Ob. cit., p. 36/37.
1 82 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
8 Sem qualquer ironia, como compreender que atos jurídico-econômicos tão complexos
como a cisão, fusão ou a incorporação societária podem estar sujeitos à simples rejeição da
Administração Públ ica, ainda que exista a motivação negativa do agente público prolator
da decisão restritiva? A pergunta é: se não fica inequivocamente demonstrada a clara ofen
sa a um interesse público ou uma violação das premissas legais da contratação administra
tiva (ampla concorrência, equil1brio-econômico1 eficiência e economicidade), como acei
tar que o Direito Administrativo sirva de tranca à mobilidade do Direito Societário?
GLAUCO MARTINS GUERRA & RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO - 1 85
a ser disciplinada pode exigir que a norma jurídica seja respeitada inte
gralmente em sua estrutura, como único meio de afastar eventuais efei
tos negativos da ação administrativa regulamentar.
Existe, nesse contexto, uma clara distinção entre reserva absoluta e
reserva relativa de lei, em especial para os sistemas jurídicos que traba
lham a produção legislativa parlamentar como única fonte da pirâmide
kelseniana de hierarquia das normas jurídicas. São elas:
a) quando a lei formal estabelece a priori a materialidade da
disciplina da norma jurídica, está-se diante da reserva abso
luta;
b) se a lei formal delega a outros tipos de ato (inclusive admi
nistrativos) a fixação de objetivos substanciais da vida social
a serem regrados pelo regime jurídico, está-se diante da re
serva relativa de lei.
Transpassando os paradigmas da reserva absoluta e reserva relativa
para o princípio da legalidade, constata-se que:
a) quando se fala em legalidade substancial (ou conformidade
plena), está-se diante da reserva absoluta de lei;
b) quando se fala em legalidade formal, ainda que compreendi
da como reserva relativa de lei, ela nada mais é do que uma
espécie contida dentro da legalidade substancial (a pirâmi
de normativa de Kelsen permite a inequívoca compreensão
dessa dicotomia).
Para os atos administrativos, é sempre necessário um tipo míni
mo de conteúdo ou substância de sua conduta, o que pode ser melhor
sistematizado através de lei ordinária (norma legislativa). Entretanto,
essa materialização, quando vista sob o prisma da conformidade, de
flete da própria vontade administrativa, lembrando que o administra
dor público age sempre na consciência e pela proteção do "bloco de
legalidade" que regulamenta a Administração Pública de modo abs
trato e genérico, configurando-se, em derradeira instância, no funda
mento material ou substantivo dos atos administrativos.
GLAUCO MARTINS GUERRA & RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO - 1 89
1O Diz NEGREIROS, Teresa, in Teoria dos Contratos - Novos Paradigmas. Rio de Janeiro: Re
novar, 2002, p. 493: "a tutela da dignidade da pessoa - tarefa agora confiada também ao
direito civil - torna o direito contratual sensível à questão social, dotando-o de um caráter
tutelar i nteiramente estranho ao modo como o contrato era concebido pelo di reito clássi
co.". Vale dizer, a conformidade do contrato com a lei não é mais formal e abstrata, mas
sim difusa em função das externai idades (positivas e negativas) que o modelo ortodoxo da
contratualização civil jamais reconheceu. Com o que vi ngaram os inovadores preceitos da
boa-fé objetiva, do equil1brio econômico-intelectivo das forças contratuais e, notadamente,
da função social da relação ju rídica programada e economicamente viável. No mesmo
contexto, recomenda-se a consulta de BODIN DE MORAES, Maria Celina, Constituição e
Direito Civil: Tendências. Rio de Janeiro: Revista Online da PUC-Rio de Janeiro, www.puc
rio.br, 26.06.03, p. 1 a 1 7.
1 92 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
Lei e Direito compatibil idade pressuposto legal definem forma e conteúdo do ato
Liberdade limite negativo limite positivo formal
13 Feliz expressão referida por M. TALLACCH I N I e observada por COLAÇO ANTUNES (ob.
cit., p. 1 04).
GLAUCO MARTINS GUERRA & RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO - 1 95
14 É bem verdade que um dos principais fatores desse desmembramento é a redução d e cus
tos, sobretudo fiscal e trabalhista. Mas a sua concretização é possível sobremaneira pela
facil idade de comunicação e deslocamento, resultantes do avanço tecnológico.
1 96 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
9. ÜS ATOS SOCIETÁRIOS
Os aspectos legais e econômicos de três atos societários - a incor
poração, a fusão e a cisão - são o foco da análise, adotando-se como
referência a Lei 6.404/76, que regula as sociedades anônimas.15
Costuma-se repetir, sempre que tratado o assunto, a feliz manifesta
ção de dois autores, que afirmaram: "De um ponto de vista exclusivamen
te jurídico, a incorporação, a fusão e a cisão são consideradas técnicas de
reorganização societária. Através delas, combinam-se sob novas regras os
interesses dos diversos grupos que podem existir em uma sociedade ou
mais sociedades, ora concentrando-se em uma só pessoa jurídica, ora agre
gando-se para formar uma nova pessoa jurídica, ora dividindo-se em mais
de uma pessoa jurídica. Já sob um prisma econômico, a incorporação e a
fusão traduzem fenômeno observado a partir da Revolução Industrial que
16 TEIXEIRA, Egberto Lacerda e G U E R REIRO, josé Alexandre Tavares. Das sociedades anóni
mas no direito brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1 979, p. 651/652.
17 Fusão, em Portugal, é conceito mais abrangente do que no Brasi l. Lá, é gênero, do qual a
fusão e a incorporação, como conhecidas no Brasil, são espécies.
1B VENTU RA, Raúl. Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades. Comentários ao Código das
Sociedades Comerciais. Coimbra: Livraria Almedina, 1 990, p. 1 8.
1 98 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
23 KELSEN, Hans. Teoria Pura do D i reito - 6' ed. Coimbra: Arménio Amado, 1 984, p. 287.
24 Ibidem.
202 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
1 3 . CONCLUSÕES
Os discursos do poder, persuaviso e decisório, são construídos a partir
da necessidade do Estado gerir suas funções. Por vezes, no entanto, trans
formam-se numa ferramenta de sublimação da verdade factual de incapaci
dade do agente estatal na efetiva materialização do Direito Público.
A construção normativa, vista do prisma da legalidade, auxilia o
entendimento de que existe um lapso entre função contratual do Direi
to Público e função econômica do Direito Societário.
A evolução da prática contratual comprova que as relações jurídi
cas obrigacionais são construídas independentemente da ordem legal, a
qual, em inúmeros sistemas, apenas utilizam a legalidade para justificar
e regular os novos modelos e institutos contratuais. Sobremaneira quando
identificado que a ordem econômica é o vetor essencial do funciona
mento do contrato, ainda que público.25
25 "Se uma norma pode permanecer inalterada a despeito de sua inadequação, ou seja, se as
funções econômicas podem ser alteradas e mantidas independentemente das formulações
204 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
dos imperativos ju rídicos, deve-se considerar que entre normas e relações sociais há um
espaço vazio. LIMA LOPES, José Reinaldo de. Direito e Transformação Social - Ensaio
interdisciplinar das mudanças do Direito. Belo Horizonte: Ed. Ciência Jurídica, 1 997.
GLAUCO MARTINS GUERRA & RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO - 205
1 . INTRODUÇÃO
A globalização e a concentração empresarial são fenômenos com
íntima relação. O tamanho das empresas e grau de complexidade de
sua organização está diretamente relacionado ao tamanho do merca
do em que ela atua. Se o mercado é doméstico, local, como, por exem
plo, um pequeno estabelecimento de uma cidade de interior, uma
empresa informal de natureza familiar é organização mais do que
suficiente para que os comerciantes cumpram seu objeto. Estabeleci
mentos que atuam em cidades maiores, com sócios capitalistas sem
vínculo sanguíneo, exigem estruturas societárias algo mais sofistica
das, como as limitadas. Já grandes empresas que recorrem à poupan
ça pública para financiar sua atuação sobre o território de um país ou
continente inteiro necessitam tomar a forma de sociedades anôni
mas, com conselhos, administração profissionalizada etc.
A integração dos mercados nacionais em um mercado mundial, criou
o ambiente propício para a formação de grupos empresariais, que se estru
turam financeira e societariamente com fins a atuar de maneira simultâ
nea em algumas dezenas de países. O fenômeno do grupo societário como
o principal veículo de atuação do comerciante moderno é palpável, sen
do a sociedade autônoma uma exceção dentre as empresas que atuam
hoje no mercado global. A regra quase absoluta é a do grupo plurissoci
etário, composto de diversas personalidades jurídicas ligadas entre si por
vínculos societários e com atividades coordenadas para a consecução de
um objetivo comum, e não mais os obj etivos de cada sociedade isolada.
O problema que pretendemos tratar nesse artigo é o da relação en
tre as regras tradicionais de voto e o grupo plurissocietário. Até pela
própria origem egoística da atividade comercial, o interesseparticular de
cada sócio (receber dividendos e ver sua participação valorizada) coinci
de e depende do sucesso e da realização do interesse social da companhia
(cumprir com o objeto social e fazer lucro). Essa é a regra que motiva o
surgimento da sociedade, baseada em um contrato que expressa uma
convergência de vontades no sentido de obter lucros através do sucesso
da companhia. Há, no entanto, certas situações extraordinárias em que
Luiz ERNESTO AcETURI DE ÜLIVEIRA & MARCELO GUEDES NUNES 209
-
Art. 1 8 7 (Código Civil 2002). Também comete ato i l ícito o titular de um di reito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social,
pela boa-fé ou pelos bons costumes.
216 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
dação teve por objetivo deixar claro que o conflito de interesses não é caso
de proibição absoluta de exercício de um voto futuro, mas sim de invalida
de de deliberação a ser aprovada através de voto conflitante e que, cumula
tivamente, cause dano à sociedade. Não há presunção de dano em razão
do conflito, uma vez que, apesar de possuir um interesse estranho ao da
sociedade, o acionista poderá exercer seu voto no interesse social e não
particular. Assim, não basta mais ao acionista minoritário demonstrar a
existência de um conflito formal entre acionista majoritário e companhia.
É essencial, para a impugnação da deliberação, que ele demonstre que o
voto conflitante foi exercido em prejuízo da companhia.
L'i mpugnazione puô essere proposta dai soei quando possiedono tante azioni aventi diritto
di voto con riferimento alla deliberazione che rappresentino, anche congiu ntamente, l'uno
per mille dei capitale sociale nelle società che fanno ricorso ai mercato dei capitale di
rischio e il cinque per cento nelle altre; lo statuto puô ridurre o escludere questo requ isito.
Per l' impugnazione delle del iberazioni delle assemblee speci ali queste percentuali sono
riferite ai capitale rappresentato dalle azioni della categoria.
1 soei che non rappresentano la parte di capitale indi cata nel comma precedente e quelli
che, i n quanto privi di voto, non sono legittimati a proporre !'impugnativa hanno di ritto ai
risarcimento dei danno Iara cagionato dai la non conformità dei la deliberazione alia legge o
alio statuto.
La deliberazione non puô essere annullata:
1 ) per la partecipazione all 'assemblea di persone non legittimate, salvo che tale partecipazione
sia stata determinante ai fini deli a regolare costituzione del l'assemblea a norma degli articoli
2368 e 2369;
2) per l ' i nvalidità di singoli voti o per il loro errata conteggio, salvo che il voto invalido o
l'errore di conteggio siano stati determ inanti ai fini dei raggiungimento della maggioranza
richi esta;
3) per l'i ncompletezza o l'i nesattezza dei verbale, salvo che impediscano l'accertamento
dei contenuto, degli effetti e dei la validità dei la deliberazione.
L'impugnazione o la domanda di risarcimento dei danno sono proposte nel termine di novanta
giorni dai la data dei la deliberazione, ovvero, se questa e soggetta ad iscrizione nel registro
delle imprese, entro novanta giorni dall'iscrizione o, se e soggetta solo a deposito pressa
l'ufficio dei registro delle imprese, entro novanta giorni dai la data di questo.
L'annullamento della deliberazione ha effetto rispetto a tutti i soei ed obbliga gli amministratori,
il consiglio di sorveglianza e il consiglio di gestione a prendere i conseguenti provved imenti
sotto la propria responsabilità. ln ogni caso sono salvi i di ritti acquistati i n buona fede dai
terzi i n base ad atti compiuti i n esecuzione dei la deliberazione.
L'annullamento del la deliberazione non puô aver l uogo, se la deliberazione impugnata e
sostituita con altra presa in conformità dei la legge e dei lo statuto. ln tal caso il giudice provvede
sulle spese di lite, ponendole di norma a carico della società, e su 1 risa rei menta del l'eventuale
danno.
Restano salvi i di ritti acquisiti dai terzi sulla base dei la deliberazione sostituita."
LUIZ ERNESTO AcETURI DE ÜLIVEIRA & MARCELO GUEDES NUNES - 225
4 Art. 46 1 . Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer,
o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1 º· A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se
impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
( ... )
§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia
do provimento jurisdicional final, é l ícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou median
te justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada a
qualquer tempo, em decisão fundamentada.
LUIZ ERNESTO ACETURI DE ÜLIVEIRA & MARCELO GUEDES NUNES - 227
7. BIBLIOGRAFIA
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VALVERDE, Miranda, Sociedades por ações. vol. II, Rio de Janeiro: Forense, 1941.
1 ncorporação de
Controladora: Motivação
e Oportunidades. O Ágio
como Exemplo
INTRODUÇÃO
Muitos são os motivos que levam uma ou algumas sociedades a se
reorganizarem, sendo uns estruturais e outros conjunturais. Os primei
ros, via de regra, têm origem na empresa1 , ou nas empresas, ou ainda na
forma como elas são concebidas. Por exemplo: uma sociedade constitui
se com objetivo de desenvolver uma determinada empresa para atuar
em um certo mercado, e outra, detida direta ou indiretamente pelos
mesmos acionistas, ou por um ou alguns deles, para atuar em mercado
análogo ou paralelo. Neste caso, a estrutura societária pode revelar-se
inadequada, na medida em que ambas _as sociedades incorrem, certa
mente, nas mesmas despesas, tais quais de aluguel de sedes, do chamado
back office, assim entendido os serviços de apoio, como controladoria,
assistência jurídica in house, departamento financeiro e de recursos hu
manos, etc.
Outra situação, também estrutural, mas até certo ponto imprevisí
vel, surge com a aquisição, por sociedade, de outra sociedade ou de par
ticipação acionária, gerando a possibilidade de ganhos, os mesmos
apontados no parágrafo anterior.
Mas, como dito acima, nem sempre são estruturais os motivos que
estimulam a reorganização de sociedades. Em muitos casos, aliás, a es
trutura projetada revela-se absolutamente apropriada, no seu nascedou
ro, em virtude da legislação vigente, bem como das políticas fiscal e
monetária praticadas. Porém, com o passar do tempo (e a substituição
de um plano econômico por outro, de um choque após o outro, etc) a
empresa torna-se inviável economicamente, se avaliada isoladamente.
E é neste contexto, conjuntural, que a reorganização ocorre. Aliás, não
apenas no âmbito da empresa, mas também da sociedade.
Empresa, como muito bem explorado pela doutrina, não é sinônimo de sociedade. Nos
dizeres do Prof. Fábio Ulhoa Coelho, "é a atividade econômica organizada para a produ
ção ou ci rculação de bens ou serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem a natu re
za jurídica de sujeito de di reito nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o
empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa)" (Cu rso de di reito co
mercial, vol. 1 6' ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1 9). É este, obviamente, o sentido que
-
2 Errar faz parte da atividade empresarial. Quando isso acontece, geralmente é devido à
formulação de premissas errôneas, ou do surgimento de fatores, internos ou externos, não
considerados no plano de negócios. Mas não se admite, em princípio, que os administrado
res adotem uma decisão com base em informações que indiquem, com grande margem de
acerto, o insucesso empresarial. Inclusive porque eles, administradores, respondem civil
mente pelos prejuízos que causarem a terceiros quando agirem, dentro de suas atribuições,
com culpa ou dolo.
3 O Art. 1 . 1 42 do Código Civil define estabelecimento como todo complexo de bens organi
zado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária. A sua
alienação é tratada nos arts. 1 . 1 44 e seguintes.
240 - REORGANIZAÇÃO 50CIETÃRIA
4 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito - 6' ed. Coimbra: Arménio Amado, 1 984, p. 286
RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO - 241
6 CARVALHO, Paulo de Barros - Curso de direito tributário - 1 1 ' ed. rev. - São Paulo: Sarai·
va, 1 999, p. 1 08
7 GRAU, Eros Roberto - A Ordem Econômica na Constituição de 1 988 - 8' ed. rev. at. - São
Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 1 85
8 É de Kelsen a lição definitiva acerca do tema: "Entre uma norma de escalão superior e uma
norma de escalão inferior, quer dizer, entre uma norma que determina a criação de uma
outra e essa outra, não pode existir qualquer conflito, pois a norma do escalão inferior tem
o seu fundamento de validade na norma do escalão superior. Se uma norma do escalão
inferior é considerada como válida, tem de se considerar como estando de harmonia com
uma norma do escalão superior." Ob. cit. p. 289
244 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
9 Idem, p. 287
10 É evidente que não se pode desprezar o Código Civil, principalmente quando a operação
envolver sociedade l imitada. Mas pelos motivos expostos na i ntrodução, e considerando
que a conclusão, no caso, será a mesma tanto para este tipo (vide arts. 966 e 982) como
para a anônima, não se faz aqui qualquer distinção.
11 O Código Civil, ao invés de se reportar à lei do anoni mato, ou então de copiá-la, silenciou
se sobre controlador - o que por si só não é um problema -, mas tratou a coligada e a
controlada sob um mesmo prisma. Essa afirmação é confirmada pelo art. 1 .097, que diz
que se consideram coligadas as sociedades que, em suas relações de capital, são controla
das, fi liadas, ou de simples participação. Em outras palavras, coligação passaria a ser gêne
ro, do qual controle, filiação ou participação, espécies. E ainda, de acordo com o art.
1 .099, filiada seria sinônimo de coligada, o que sugere a existência de coligada gênero e
coligada espécie.
RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO - 245
l l.1. CONTROLADOR
Consagra a Lei 6. 404/76 uma seção ao acionista controlador, que,
de acordo com o art. 1 1 6, é a pessoa, natural ou jurídica, ou ainda o
grupo de pessoas, naturais ou jurídicas, vinculadas por acordo de voto,
ou sob controle comum, que detêm, de modo permanente, a maioria
dos votos nas deliberações assembleares e que elegem a maioria dos
administradores da companhia. E ainda: que usam seu poder, de con
trole, na condução da empresa e no funcionamento dos órgãos de ad
ministração. Portanto, controlador é quem exerce, efetivamente, o
poder.
Apesar de a lei não fazer referência a percentual do capital, como
forma de apuração do controle, é evidente que, quando um acionista
dispuser, isoladamente, ou em conjunto com outros acionistas, de uma
quantidade (x) de ações, nunca inferior a 50% mais uma das ações
com direito de voto, será necessariamente controlador (isso, obvia
mente, se não se tratar de acionista omisso, e ainda se o estatuto não
prever quorum de aprovação superior a 50% mais uma ação).
Qyando houver reunião de ações, o poder será exercido, como in
dica o citado art. 1 16, mediante acordo de voto. Não obstante a provável
existência de regras norteadoras do exercício de voto, fato é que, perante
a companhia, a deliberação provocada por esses acionistas, reunidos em
bloco, é una, indivisível e obrigatória - partindo do princípio de que não
ofende a lei ou o estatuto.
Se o controlador for pessoa jurídica, caberá a seus diretores presenta
rem-na. De se destacar, todavia, que, ao votarem em assembléia da con-
l l .11. CONTROLADA
l l .111. COLIGADA
I l i . ÜPERAÇÃO DE INCORPORAÇÃO
Já tivemos a oportunidade de tratar deste tipo de operação societá
ria em trabalho anterior. Dissemos, após análise do Art. 227 da Lei
6.404176, que era importante enfatizar que na incorporação a sociedade
incorporada desaparecia, e a sociedade incorporadora absorvia todos os
direitos e obrigações daquela, observando-se, ao final, um acréscimo
patrimonial na incorporadora, na exata proporção do patrimônio líqui
do da incorporada. E ainda que o aumento de capital que se verificava
na sociedade incorporadora "era subscrito e realizado pelos sócios ou
acionistas da sociedade incorporada, e não por ela mesma".
Ou, nas palavras do Prof. Alberto Xavier: "A incorporação de uma
sociedade em outra traduz-se juridicamente na subscrição, em bens, do
capital da segunda (incorporadora) pelos sócios da primeira (incorpora
da), os quais, em contrapartida da versão do patrimônio líquido, recebe
rão ações ou quotas da sociedade incorporadora."14
13 A Comissão de Valores Mobil iários - CVM, no entanto, ao tratar do tema, na I nstrução 247,
de 27 de março de 1 996, alterada pela Instrução 285, de 31 de julho de 1 998, equiparou às
coligadas, para fins deste normativo, as sociedades quando uma participa indiretamente
com 1 Oo/o ou mais do capital votante da outra, sem controlá-la; .e as sociedades quando
uma participa diretamente com 1 0°/o ou mais do capital votante da outra, sem controlá-la,
i ndependentemente do percentual da participação no capital total .
14 XAVIER, Alberto. Incorporação de sociedades e imposto de renda. São Paulo: Ed. resenha
tributária, 1 978, p. 28
248 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
1 1 1 . 1 . MOTIVAÇÕES
O custo de uma empresa pode ser fatal para o seu sucesso. Exceto em
relação àquelas que oferecem bens ou serviços com alto valor agregado, as
demais lutam para mantê-lo aquém de suas receitas. De modo que, quan
do se revela a possibilidade de reunir, em uma única estrutura, duas ou
mais empresas, não raro o fazem os administradores de sociedades. Isso
porque, além da redução de custos, o provável aumento de escala - e da
própria empresa - torna-a mais competitiva.
21 Para Waldirio Bulgarelli, "(. . .) nem sempre as empresas se coalizam para obter maiores
recursos, aperfeiçoar seus métodos e técnicas, enfim, obter maior rendimento, mas tam
bém para supressão da concorrência, ou para limitá-la (o que levou à caracterização do
regime econômico atual capitalista, como concorrência i mperfeita), ou ainda por motivos
fiscais." (destacamos). Manual das sociedades anônimas. S' ed. são Paulo: Atlas, 1 987, p.
234
22 O Código Civil de 2002 não faz referência a protocolo, mas a bases da operação (Art.
1 . 1 1 7). Talvez por isso o enu nciado aprovado na I l i Jornada de Direito Civil (www.cjf.gov.br),
extensível à fusão, cujo teor é o seguinte: /JNas fusões e incorporações entre sociedades
reguladas pelo Código Civil é facultativa a elaboração de protocolo firmado pelos sócios
ou administradores das sociedades; havendo sociedade anônima ou comandita por ações
envolvida na operação, a obrigatoriedade do protocolo e justificação somente a ela se
aplica." Mas ousamos discordar desse entendimento. As "bases da operação" são o con
teúdo do protocolo, que é forma. Sendo assim, apresenta-se sob a forma de protocolo o que
a lei do anonimato chama de "condições da incorporação" e o Código Civil de "bases da
operação".
Quanto à aplicação unilateral, parece-nos também sem sentido, afi nal "[o] protoco lo in
clu i-se na qual ificação clássica do pré-contrato, com a característica especial de tratar-se
de uma avença que, ao mesmo tempo, contém elementos de bilateralidade quanto à ativi
dade-meio e plurali dade quanto à atividade fim. (. .. )" (Carvalhosa, Modesto. Comentários à
lei de sociedades anônimas 42 volume, tomo 1 3' ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 237)
- -
23 TEIXEIRA, Egberto Lacerda e GUERR EIRO, josé Alexandre Tavares. Das sociedades anôni
mas no di reito brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1 979, pág. 65 1
252 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
27 LAMY FILHO, Al fredo e PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A lei das S/A - Pareceres. 2' ed.,
vol. li. Rio de Janeiro: Renovar, 1 996, pág. 599.
254 - REORGAN IZAÇÃO SomTÃRIA
28 idem, p. 607
RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO - 255
Irretocável a lição-conclusão29 •
29 Em França, um professor da Université Paris / afirma : " Les sens de la fusion n'est pas
imposé: le procédé qui consiste à faire absorber la société-mere par sa filia/e n'est en lui
même ni illicite, ni artificiei. (. . .) "· LE CAN N U , Pau l, Droit des sociétés. 2e. édition,
Montchrestien, PARIS, 2003, p. 936
30 Importante destacar que era outro o alcance d a Medida Provisória 66, tanto que o Parágra
fo único do art. 1 3 determinava que "o disposto neste artigo não inclui atos e negócios
j urídicos em que se verificar a ocorrência de dolo, fraude ou simulação."
31 D e acordo com o § 1 º do art. 1 67 do Código Civil, haverá simulação nos negócios j urídicos
quando (i) aparentarem conferi r ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais
·
realmente se conferem; (ii) contiverem decl aração, confissão, condição ou cláusula não
verdadeira; (iii) os i nstrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
256 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
32 Dispõe o Art. 32, 1 e li do Regimento interno dos Conselhos de Contribuintes que caberá
recurso especial à Câmara Superior de Recursos Fiscais de decisão não unânime de Câma
ra, quando fo r contrária à lei ou à evidência da prova; e de decisão que der à lei tributária
i nterpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara de Conselho de Contribuin
tes ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais.
RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO 257 -
V. ÁGIO
Ágio, em linhas gerais, é a diferença entre o valor de um determi
nado bem e o preço de aquisição. Assim, por exemplo, o valor patri
monial de uma ação é aquele obtido pela divisão do patrimônio líquido
da companhia pelo número de ações; e o que exceder, é considerado
ágio. Ao comentar o art. 14, § 1° do revogado Decreto-lei nº 2.627I40,
mas que se aproveita ao art. 13 da Lei 6.404/76, lecionou, Pontes de
Miranda, o seguinte:
"Lê-se no decreto-lei n. 2.627, art. 17,§ 1°: 'Não é permitida a
emissão de ações por séries ou abaixo do seu valor nominal'.
Abaixo do valor nominal, diz a lei. Não se proíbe a emissão por
preço acima do valor nominal, de modo que pode isso ser esta
belecido ou admitido nos estatutos. "33
33 Tratado de Direito Privado, 3' ed., Tomo L. Rio de Janeiro: Revista dos Tri bunais, 1 965, p. 87
34 Diz-se praticamente porque Aloysio Lopes Pontes cita Gudesteu Pires como voz isolada na
defesa de tese contrária. "Cobrança do ágio em aumento de capital de sociedades anônimas",
ln Revista de Direito Mercantil, nºl 1 , Ano li, Nova Série, 1 973, p.33 (nota de rodapé 1 6).
35 idem, p.30
258 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
36 FERREIRA, Waldemar. Tratado das Sociedades Mecantis, vai. V. Rio de Janeiro: Editora
Nacional de Direito, 1 958, pág 1 .53 1 .
RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO - 259
37 É a seguinte a redação do §6º, l i : "§6º. O disposto neste artigo apl ica-se, incl usive, quando:
. . 11 a empresa i ncorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha a propriedade
. -
da participação societária."
260 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
VI . CONCLUSÃO
As palavras do Conselheiro Natanael Martins, do Conselho de
Contribuintes, que compuseram o voto vencedor, que deu provimento
ao recurso retro citado (137.256), ilustram, magistralmente, o que se
pretendeu passar ao longo deste trabalho, e por isso o encerram:
"Ora, como então caracterizar os atos praticados como simu
lados, se na forma e no conteúdo das operações nenhuma ofensa
ao ordenamento se praticou? Mesmo que se tenha em questão
que a incorporação às avessas se realizou para que não se per
dessem os prejuízos acumulados e para que também do ponto
de vista tributário a operação fosse menos onerosa, ainda as
sim nenhuma ofensa haveria ao ordenamento, mesmo ado
tando a corrente interpretativa que repugna o abuso no direito,
combatendo figuras elisivas a partir desse contexto.
1 . INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende discutir as diversas hipóteses de recesso
envolvidas nas operações de incorporação, previstas nos arts. 227 e 252
da Lei das Sociedades Anônimas (LSA). O propósito é dar uma nova
visão do recesso, instituto que vem passando por inúmeras e sucessivas
modificações, dentro e fora do Brasil, ainda não inteiramente absorvidas
pela doutrina especializada. Feito isso, o artigo passa a analisar a incor
poração em suas diversas modalidades, esclarecendo o que seriam os ele
mentos essenciais dessa operação societária, distinguindo-a das demais
reorganizações previstas em lei, inclusive e principalmente a incorpora
ção de ações, muitas vezes confundida com uma operação de mero au
mento de capital. A relação entre a incorporação de ações e a incorporação
de sociedades é ainda bastante nebulosa e nos parece necessário investi
gar mais detidamente o grau de parentesco desses dois institutos .
Vistos o recesso e a incorporação cada qual de forma isolada, a idéia
é avançar e verificar quais hipóteses de recesso incidem sobre as opera
ções de incorporação, em cada uma de suas variações (incorporação de
sociedades ou de ações) e dependendo do perfil das companhias envol
vidas (se de capital aberto ou fechado). Outra hipótese tratada é a da
incorporação de controlada, cujo reembolso encontra na lei uma regula
ção específica.
Finalmente, o artigo procura discutir o procedimento e a conta
gem dos prazos de recesso relacionados à incorporação e, principal
mente, ao fechamento indireto de capital, cuja não abertura é hipótese
de recesso prevista no art. 223 da LSA. O interessante da hipótese do
art. 223 é o fato dela não decorrer de uma deliberação majoritária em
assembléia geral. Toda a doutrina e mesmo a tecnologia da LSA foi
desenhada para lidar com hipóteses de recesso decorrentes de dissi
dência em assembléias gerais de acionistas. O fato da não abertura de
capital dar causa a recesso gera certas dificuldades hermenêuticas, que
indicam a necessidade de uma reforma nos artigos de lei que regulam a
matéria.
MARCELO GUEDES NUNES - 265
MARIA HELENA DINIZ (2003, p. 365 e 373) assim define o ato jurídico em sentido estrito e
o negócio jurídico: 110 ato jurídico em sentido estrito é o que gera conseqüências jurídicas
previstas em lei e não pelas partes interessadas, não havendo regulamentação da autono
mia privada". Por sua vez, o negócio jurídico "é o poder de auto-regu lação dos interesses
que contém a enunciação de um preceito, independentemente do querer interno".
MARCELO GUEDES NUNES 267
-
2 Já foi dito que bases essenciais do investimento são as características da companhia e/ou de
suas ações, determinantes para a decisão de investir ou não. Este conceito, não por um
acaso, coincide com a definição de fato relevante expressa no art. 2º da IN nº 358 da CVM.
Apesar de referi r-se a um u niverso restrito de companhias, a analogia entre a noção de fato
relevante e de bases essenciais é evidente, não sendo impertinente afirmar que fato relevan
te nada mais é do que uma alteração de base essencial em uma companhia aberta.
270 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
3 Não por outra razão, a recente reforma no art. 2.437 do Codíce Civile italiano permitiu o
recesso parcial com os segui ntes dizeres: "Hanno diritto di recedere, per tutte o parte dei/e
foro azion i, i soei che non hanno concorso alie deliberazioni riguardanti".
MARCELO GUEDES NUNES - 273
das ações nos termos do art. 45. Já o art. 252, que trata da incorporação
de ações, determina nos seus parágrafos 1 º e 2º que os acionistas da com
panhia incorporadora e da companhia cujas ações forem incorporadas,
respectivamente, terão direito de recesso.
A incorporação é negócio de reorganização que implica em uma
profunda alteração da estrutura da companhia, afetando as bases genéri
cas do investimento. É uma hipótese de mudança tão drástica no perfil
do investimento que chega a ser complicado falar em uma alteração de
base essencial, que pressupõe alterações nas características de uma mes
ma companhia, cuja personalidade jurídica permanece constante ao lon
go do processo. Na incorporação, o acionista recebe ações de uma
companhia diversa da que investiu em substituição àquelas que titulari
zava. Assim, o fundamento do recesso decorre da impossibilidade de
obrigar um acionista a integrar os quadros de outra companhia que não
aquela da qual originalmente adquiriu as ações.
A expressão "incorporação em outra" do art. 1 36, IV, deixa claro
que apenas os acionistas da companhia incorporada terão o direito de
recesso, uma vez que é essa a companhia que deixará de existir. Para a
companhia incorporadora, o negócio terá efeito análogo ao de um au
mento de capital. No entanto, ao contrário da incorporação tradicional,
na incorporação de ações (art. 252, parágrafos 1 º e 2º, da LSA) os acio
nistas dissidentes da companhia incorporadora têm direito de recesso.
Aqui, a outorga do direito é justificada em razão de dois fatores: perda
compulsória do direito de preferência na subscrição do aumento de ca
pital e conseqüente alteração no quadro social, com implicações políti
cas na gestão do negócio.
O interessante é que, sendo essas as justificativas, o mesmo direito
deveria ser concedido aos acionistas incorporadores dissidentes de uma
operação de incorporação de sociedades, que também estão sujeitos aos
mesmos efeitos depreciativos. Não se entende o porquê de a lei ter ado
tado soluções distintas para casos idênticos, concedendo direitos de
recesso para ambos planos (incorporador e incorporado) na incorpora
ção de ações e para apenas um deles (incorporado) na incorporação de
276 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
nha 53% de uma classe ou espécie pode encontrar, do outro lado, milha
res de minoritários negociando freneticamente os 47% restantes em um
mercado aberto. Ao mesmo tempo, um controlador pode deter 48% do
total de uma classe ou espécie de ação, sendo que os 52% restantes esta
rão nas mãos de dois ou três minoritários, sem qualquer capacidade ne
gocial. No primeiro caso, não há dispersão segundo a lei mas, na prática,
ela ocorre. No segundo caso, a lei diz que há dispersão mas, na realidade,
não há.
A General Corporation Law do estado de Delaware, inspiração de nosso
legislador, diz que há dispersão se mais de 2.000 acionistas detêm ações da
companhia. O número 2.000 é arbitrário (como o são também os cabalís
ticos 50% da solução brasileira) e, certamente, não deve ser transplantado
sem uma verificação das condições próprias do nosso mercado. No entan
to, a preocupação do legislador americano, ao menos, está voltada para um
elemento que mantém relação com a capacidade de negociação da ação,
que é a quantidade de pessoas que já a possuem hoje. As dimensões da
participação do controlador, se maior ou menor do que 50%, não são con
clusivas para esse fim.
Outra hipótese de recesso a ser analisada diz respeito às operações
de incorporação que envolvem incorporadas de capital aberto e incorpo
radoras de capital fechado. Tanto no caso da incorporação de sociedades
como no da incorporação de ações, os efeitos para os acionistas minori
tários são o recebimento de ações de uma companhia fechada em subs
tituição às da companhia aberta em que investiram.
O parágrafo 3º do art. 223 da LSA, incluído pela LF nº 9.457I
97, dispõe que as sociedades anônimas abertas, quando incorporadas,
fundidas ou cindidas, deverão ser sucedidas por companhias de capi-
tal igualmente aberto, promovendo a admissão de negociação das
,
novas ações no mercado no prazo máximo de 120 dias, contados da
data da assembléia geral que aprovou a operação. O descumprimento
dessa norma dá aos acionistas, nos termos do subseqüente parágrafo
4°, o direito de se retirarem da companhia, mediante o reembolso das
suas ações.
MARCELO GUEDES NUNES - 279
6. PROCEDIMENTO DO RECESSO
O procedimento do recesso se inicia com a apresentação do pedido
de retirada e termina com o pagamento do reembolso.
282 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
4 É curioso notar que, das 1 2 hi póteses hoje existentes, sete não seguem à risca a regra geral
de apresentação do pedido de retirada 30 dias após a publ icação da ata que del iberou pela
alteração de base essencial, o que faz da exceção a regra, e da regra a exceção. A reforma
introduzida no Codice Civile italiano em 2003 atentou para o fato de que nem todas as
hi póteses de recesso decorrem de deliberações assembleares. Por isso, o art. 2.347_bis dis
põe agora que, caso o recesso tenha por fundamento ato diverso de uma deliberação em
assembléia, o termo inicial da contagem do prazo para a apresentação do pedido de retira
da (/ettera raccomandata} será a ciência inequívoca do acionista, e o prazo será de 30 dias,
contra os 1 5 que vigoram como regra geral.
MARCELO GUEDES NUNES - 283
Durante esses dez dias, não pode o acionista, nos termos do art.
137, inciso VI, da LSA, reclamar o pagamento do reembolso. No entan
to, nada impede que a companhia o pague espontaneamente. Caso seja
convocada a assembléia de reconsideração, a reclamação do pagamento
do reembolso é vedada até a sua realização. Não há prazo máximo entre
a convocação e a realização de uma assembléia. Para as companhias fe
chadas, há um prazo mínimo de oito dias em primeira convocação e de
cinco dias em segunda convocação e, para as abertas, há um prazo tam
bém mínimo de quinze e oito dias, em primeira e segunda convocação,
respectivamente.
A inexistência de um prazo máximo cria o problema de haver uma
convocação para assembléia a se realizar em data distante, deixando os
acionistas em suspenso quanto à efetividade ou não do recesso. Nesse ponto,
a nova legislação italiana apresentou uma solução mais feliz. Em vez de
falar em prazo para convocação, o novo art. 2.437_bis do Godice Civile dá à
companhia 90 dias para efetivamente reconsiderar a deliberação: "II recesso
non pub essere esercitato e, se già esercitato, eprivo di efficacia, se, entro novanta
giorni, la società revoca la delibera que lo legittima ovvero se e deliberato lo
scioglimento dei/a società. "
ou, para os casos e companhias abertas, com base em critério aceito pela
CVM, órgão que regula e defende o mercado de valores mobiliários.
Uma questão que surge aqui é a do que seria esse critério de
avaliação aceito pela CVM. Não há nenhuma norma que trate espe
cificamente do assunto editada pela autarquia. Há, porém, a Instru
ção CVM nº 3 6 1 , que trata da formulação de OPA. Em seu art. 8°, a
Instrução indica diversos critérios de avaliação que j á são reputados
como válidos pela CVM, sem prejuízo de outros que expressem um
valor justo. Da redação do artigo, vemos que a CVM reputa como
válidos o critério do valor bursátil (calculado com base na média pon
derada dos últimos 12 meses), o valor econômico (seja com base no
método de caixa descontado ou por múltiplos) e o valor patrimonial
a preços de mercado. No entanto, dada à dificuldade e subjetividade
inerentes à avaliação de empresas, a idéia do legislador foi a de deixar
uma cláusula aberta na lei, permitindo à CVM avaliar, nos casos que
envolvam companhias abertas, a pertinência ou não da avaliação le
vada a efeito pela incorporadora-controladora, como consta do con
ceito de preço justo do inciso IV.
O reembolso deve ser, em regra, pago à vista, contra a apresentação
do pedido de retirada ou, no mais tardar, imediatamente após o trans
curso do prazo para convocação da assembléia de retratação (art. 137,
VI, da LSA). Há, no entanto, duas exceções a essa regra. Nos casos em
que o acionista retirante requerer a elaboração de um balanço especial
(art. 45, parágrafo 2°), o reembolso poderá ser pago em duas vezes, a
primeira à vista, em valor correspondente a 80% do reembolso com base
no balanço ordinário, e o restante no prazo de 120 dias, contados da data
da deliberação da assembléia geral.
A segunda exceção está prevista no art. 230 da LSA, e não diz
respeito ao número de parcelas, mas ao momento do pagamento da
parcela única. Assim, quando ocorrer incorporação ou fusão, o paga
mento do preço de reembolso não será devido no ato da apresentação
do pedido de retirada, mas apenas imediatamente após a efetivação da
operação (TEIXEIRA e GUERREIRO, 1979, p. 261).
MARCELO GUEDES NUNES 291
-
. 8. CONCLUSÕES
As conclusões relevantes desse artigo são as seguintes:
1. O recesso não mais pode ser encarado como um ato de resilição do
pacto social por parte de um acionista dissidente de assembléia geral. Há
hipóteses de recesso que não decorrem de deliberação majoritária em as
sembléia e a 'margem de liberdade outorgada pela LSA para a fixação priva
da do valor do reembolso, do destino das ações e mesmo de reconsideração
da assembléia geral demonstram que o recesso não é o desfazimento de um
antigo negócio (resilição), mas um novo negócio jurídico envolvendo a com
panhia e ações de sua emissão. Não por outra razão, o recesso está relaciona
do no rol de exceções do art. 30 da LSA.
2. A incorporação é gênero de operação de reorganização societá
ria, que engloba duas espécies: a incorporação de sociedades (art. 227 da
LSA) e a incorporação de ações (art. 252 da LSA). Nos termos do art.
252, a incorporação de ações dá direito de recesso tanto aos minoritários
da incorporadora como da incorporada. Já na incorporação de socieda
des do art. 227, o recesso é dado apenas para os acionistas da incorpora
da, sem qualquer justificativa aparente.
3. Nos casos de incorporação de companhia aberta por companhia
fechada, há direito de recesso pela não abertura de capital, nos termos do
art. 223 da LSA, em quaisquer das espécies de incorporação, seja ela de
MARCELO GUEDES NUNES - 293
9. BIBLIOGRAFIA
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SZTAJN, Rachel, Direito de recesso. Tese defendida perante banca da USP, 1982.
TEIXEIRA, Egberto Lacerda e GUERREIRO, José Alexandre Tavares, Das sociedades anôni
mas no direito brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1979.
Considerações sobre a
Responsabilidade
Tributária na Cisão Parcial
Marcelo Knoepfelmacher
1. INTRODUÇÃO
Muito honrados com o convite para participar de obra coletiva,
em meio a tão ilustres advogados societaristas, decidimos discorrer
sobre tema que envolve ambas as sub-áreas do direito.
No presente estudo, apresentaremos considerações sobre a respon
sabilidade tributária, na hipótese de cisão parciaP , oportunidade em que
daremos especial atenção aos limites para atribuição de responsabilida
de solidária entre a sociedade cindida e as que absorverem parcela de
seu patrimônio.
Isto porque, em casos práticos, pudemos verificar que a D. Procu
radoria da Fazenda Nacional está a entender que, mesmo nas hipóte
ses de cisão parcial, com clara separação de obrigações no ato da cisão,
à luz do que prevê a Lei das Sociedades Anônimas, existiria solidarie
dade, relativamente ao montante total de eventual crédito tributário,
entre a sociedade cindida e as que tenham absorvido parcela de seu
patrimônio. 2
No nosso entendimento, a posição da Procuradoria da Fazen
da Nacional não parte, data maxima venia, da melhor interpretação
acerca das normas jurídicas válidas em nosso ordenamento, as quais
expressamente desautorizam a conclusão alcançada por esse D.
Ó rgão.
É o que passaremos a expor nos tópicos seguintes.
Como é de conhecimento, a Lei das Sociedades Anônimas estabelece, em seu artigo 229,
o conceito de cisão, definido como "a operação pela qual a companhia transfere parcelas
do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constitu/das para esse fim ou já existentes,
extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrímônio, ou divi
dindo-se o seu capital, se parcial a versão. "
2 Agravo de I nstrumento nº 2004.03.00.0581 23-1 (TRF/3' Região), interposto nos autos do
Mandado de Segurança nº 2004.61 .00.025745-5, relativo à expedição de certidão negati
va de débitos de companhia que absorveu, por meio de cisão parcial, parcela de patrimônio
de outra companhia, e que, no entendimento da Procuradoria da Fazenda Nacional, deve
ria responder por todo o montante do suposto crédito tributário.
MARCELO KNOEPFELMACHER - 297
Para nós, contudo, e levando em conta as di sposições do art. 220 da LSA, "a transformação
é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liqui dação,
de um tipo para outro."
5 Perante as di sposições do CTN, não custa relembrar, a solidariedade produz, salvo disposi
ção de lei em contrário, os seguintes efeitos: (a) o pagamento efetuado por um dos obriga
dos aproveita aos demais; (b) a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados,
salvo se outorgada pessoalmente a um deles, subsistindo, nesse caso, a solidariedade quan
to aos demais pelo saldo; e (e) a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos
obrigados, favorece ou prejudica aos demais (artigo 1 25 do CTN).
6 Nos dizeres de MICHEL TEMER, sobre o fenômeno da recepção, "com o advento de nova
Constituição, a ordem normativa anterior, comum, perde seu antigo fundamentn de validade
para, em face da recepção, ganhar novo suporte. Da mesma forma, aquela legislação, ao ser
recebida, ganha a natureza que a Constituição nova atribuiu a atos regentes de certas maté
rias. Assim, leis anteriores tidas por ordinárias podem passar a complementares; decretos-leis
podem passar a ter natureza de leis ordinárias; decretos podem obter característica de leis
ordinárias. " in Elementos de Direito Constitucional, Malheiros, 1 3ª edição, pág. 38.
MARCELO KNOEPFELMACHER - 299
7 Do Decreto-lei consta: "O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe
confere o artigo 55, item 11, da Constituição, e tendo em vista a necessidade de adaptar a
legislação do imposto sobre a renda às inovações da lei de sociedades por ações (Lei nº
6.404, de 15 de dezembro de 1 976), DECRETA: (... ) "
8 O R IR/99 se refere apenas ao imposto sobre a renda, mas o Decreto-lei n''ºl 598/77 mes
. ,
9 Registre-se a seguinte passagem de HANS KELSEN: "Da análise precedente resulta que
entre a lei e a decisão jurisdicional, entre a Constituição e a lei, a Constituição e o decreto,
a lei e o decreto, ou, numa fórmula inteiramente geral, entre uma norma superior e uma
norma inferior de uma ordem jurídica, não é possível qualquer conflito que destrua a
unidade deste sistema normativo, tornando impossível descrevé-lo em proposiçôes jurí
dicas que não sejam contraditórias entre si." ln Teoria Pura do Direito, Martins Fontes,
pág. 306 (destacou-se).
MARCELO KNOEPFELMACHER - 301
12 A antinomia j urídica, na lição do Professor TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., é "a oposição
que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autori
dades competentes num mesmo âtnbito normativo que colocam o sujeito numa posição
insustentável pela ausência ou ;nconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída
nos quadros de um ordenamento dado. " Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, V.
7, pág. 1 4 .
13 N a antinomia aparente, "os critérios para solucioná-la são normas integrantes do
ordenamento jur(dico", segundo o magistério de MARIA H ELENA DINIZ, i n Conflito de
Normas, Saraiva, 2003, pág. 25
304 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
14 Registre-se, por oportuno, a lição de HANS KELSEN, apontando que para haver conflito
normativo as duas normas devem ser válidas, pois se uma delas não o for não haverá qual
quer antinomia, já que uma das duas normas não existiria juridicamente, não se podendo
jamais afirmar que apenas uma é válida, apud MARIA HELENA DI NIZ, op. cit. pág. 33
15 op. cit., pág. 40
16 MARIA H E LENA DINIZ, op. cit., pág. 40
MARCELO KNOEPFELMACHER - 305
VI I . CONCLUSÕES
Diante das considerações expostas acima, passamos a apresentar
nossas conclusões:
A) O Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66), recepcionado
com status de lei complementar pela Constituição de 1988, é, segundo a
jurisprudência do STF, a norma jurídica que integra as disposições do
artigo 146, III da Constituição, relativas ao estabelecimento de normas
gerais em matéria de legislação tributária (inclusive sobre obrigação tri
butária, na qual se insere a temática da responsabilidade tributária);
B ) Sendo o CTN a lei complementar de que trata o artigo 146, III
da Constituição, quaisquer outros atos normativos que pretendam re
gular a responsabilidade em matéria tributária não podem, por imposi
ção constitucional, com ele (CTN) conflitar;
C) O CTN não trata da responsabilidade tributária na hipótese de
cisão parcial, cujo regramento surgiu no ordenamento jurídico com o
advento do Decreto-lei nº 1 .598/77, destinado a "adaptar a legislação do
imposto sobre a renda às inovações introduzidasporforça da Lei das Socieda
des por Ações";
306 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
IV - a pessoa física sócia da pessoa jurídica extinta mediante liqu idação que continuar a
exploração da atividade social, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual;
V - os sócios com poderes de administração da pessoa ju rídica que deixar de funcionar sem
proceder à liqu idação, ou sem apresentar a declaração de rendimentos no encerramento
da liquidação.
§ 1 º - Respondem solidari amente pelos tributos da pessoa jurídica:
a) as sociedades que receberem parcelas do patrimônio da pessoa jurídica extinta por cisão;
b) a sociedade cindida e a sociedade que absorver parcela do seu patrimônio, no caso
de cisão parcial;
e) os sócios com poderes de administração da pessoa extinta, no caso do item V.
(... )" (destacou-se)
18 Atualmente, esse di spositivo legal se encontra consolidado no artigo 207 do RIR/99.
MARCELO KNOEPFELMACHER - 307
INTRODUÇÃO
As operações de incorporação, fusão e cisão têm, cada vez mais,
grande importância na reestruturação administrativa de sociedades, gru
pos de sociedades e conglomerados econômicos, na reorganização de
setores produtivos, no planejamento tributário de atividades econômi
cas, na viabilização de aquisição de controle e na busca de economias de
escala. Mas não é só.
Como qualquer reestruturação, essas operações são de extrema rele
vância, pois geram ou, ao menos, são potencialmente capazes de gerar
efeitos - diretos ou reflexos - significativos na atividade econômica como
conseqüência não só da nova estrutura proposta, mas também das modi
ficações introduzidas nas suas próprias relações comerciais com terceiros.
Especificamente, os negócios de incorporação, fusão e cisão podem
afetar as relações com credores e resultar, inclusive, na diminuição dos
direitos destes, na medida em que implicam, normalmente, alterações
expressivas dos elementos que compõem o patrimônio da sociedade.
Nesse aspecto, é importante ressaltar que as relações comerciais en
tre sociedades, ou entre elas e particulares, são, na maioria das vezes, de
terminadas por sua solidez e, portanto, pelo patrimônio líquido de cada
uma delas, principalmente no que diz respeito à definição dos termos e
das condições sobre as quais tais relações serão fundadas ou, até mesmo,
no que se refere à decisão sobre a própria viabilidade dessas relações co
merciais. E não poderia ser de outra forma, pois é o patrimônio a garantia
de pagamento das obrigações e responsabilidades da sociedade.
Este patrimônio social é, assim, fator determinante nos negócios
sociais e atividades econômicas, sobretudo em operações que envolvem
a concessão de algum tipo de crédito. O próprio crédito direto concedi
do por instituição financeira é exemplo característico - mas longe de ser
único - de operação na qual se exige uma análise das demonstrações
financeiras da sociedade, sendo certo que qualquer relação comercial
nesse sentido só se tornará viável se a instituição financeira, possível
credora, estiver diante de uma situação clara de uma boa posição dos
ativos da sociedade, pretensa tomadora.
PAULO MATIAR FILHO - 31 1
1 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
.
2.1 . SUCESSÃO
"Quando se trata de crédito trabalhista, tributário ou titularizado pelo INSS, o regime jurídi
co correspondente confere ao credor garantias para que a transformação, inco rporação,
fusão ou cisão da sociedade devedora não o prejudique. Quando se cuida de crédito civil,
o assunto vem tratado na legislação societária e os direitos dos credores variam de acordo
com a operação realizada", COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5ª edi
ção. São Paulo: Saraiva, 2002, vai. 2, p. 482.
312 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
2 REQUI ÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 23' edição. São Paulo: Saraiva, 2003,
vol. 2, p. 258.
PAULO MATIAR FILHO 31 3
-
2.2. PROTOCOLO
3 Sobre sucessão a título singular na cisão, v.: LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Pareceres.
São Paulo: Singular, 2004, v. 2,, p. 921 e 922.
4 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Sarai
va, 1 998, vol. 4, tomo 1, p. 287.
5 Ibidem, p. 227, ao conceituar o protocolo: "Protocolo constitui convenção de natureza
pré-contratual que man ifesta e vincula a vontade das sociedades envolvidas através (. .. ).
Constitui um pacto necessário, que produz a manifestação confluente (pluri lateral) de von
tade das sociedades sobre as bases essenciais do negócio jurídico (. .. ) .
"
314 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
VALOR CONTÁBIL
Há quem defenda que o patrimônio líquido poderá ser determina
do com base no valor contábil apenas. São os principais fundamentos
dessa vertente: (i) a inexistência de norma no direito brasileiro que obri
gue a adoção do valor de mercado, podendo, assim, os administradores
adotarem livremente qualquer critério, com fundamento no princípio
da liberdade contratual8 , e (ii) o valor contábil dos bens é menor que seu
valor de mercado e, por essa razão, se o ativo for vertido com base no
valor escritural deles, o valor real do patrimônio líquido será necessari
amente maior, beneficiando acionistas e credores das sociedades.
Equivocada, contudo, é essa posição. Nem sempre o valor dos bens
que compõem os elementos do ativo será inferior ao valor de mercado.
Além disso, a falta de referência legislativa específica como justificativa
para a liberdade de critério não é a melhor interpretação sistemática e
teleológica da LSA e do artigo 226, pois a finalidade aqui é a proteção
não só da sociedade e dos acionistas minoritários, mas também dos cre
dores. Por fim, vale lembrar que há diversas disposições legais que deter
minam a nomeação de peritos e a aprovação de laudo de avaliação, sendo
certo que permitir a adoção pura e simples do balanço patrimonial seria
esvaziar por completo todas essas disposições, tornando-as letra morta na
Lei das Sociedades Anônimas, o que parece não ser a melhor exegese.
VALOR DE MERCADO
Outros, ao contrário, sustentam a obrigatoriedade da avaliação do pa
trimônio líquido pelo valor de mercado dos ativos que o compõe9 , senão
pelas razões acima, em função do princípio da realidade do capital social. E
essa posição é, ao nosso ver, mais acertada, porém, não absoluta.
A esse respeito, vale destacar que a finalidade primeira da norma contida
no caput do artigo 226 é atender ao princípio da realidade do capital socia/1° ,
8 Cf. CARVALHOSA, Modesto, e EIZIRIK, Nelson. A nova Lei das 5/A. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 374.
9 Cf. CARVALHOSA, op. cit., vol. 4, tomo 1, p. 247.
1O Cf. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 8ª edição. Rio de janeiro: Renovar,
2003, p. 5 1 .
316 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
20 Para fins tributários é irrelevante se o ativo será avaliado pelo valor contábil ou a preço de
mercado, mas a sociedade deverá, obrigatoriamente, levantar balanço específico: Lei nºº
9 .249/95, art. 2 1 : "A pessoa jurídica que tiver parte ou todo o seu patrimônio absorvido em
vi rtude de i ncorporação, fusão ou cisão deverá levantar balanço específico para esse fim,
no qual os bens e di reitos serão avaliados pelo valor contábil ou de mercado. 1º O -
balanço a que se refere este artigo deverá ser levantado até trinta dias antes do evento".
21 Cf. BORBA, ob. cit., p . 485, e REQUI ÃO, ob. cit., vai. 2 , p . 2 6 1 .
320 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÃRIA
32 Superior Tribunal de Justiça, 3' Turma, Rei. Min. Cláudio Santos, DJU de 08/05/1 995, Resp
1 5 .078-0 RJ.
-
326 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
37 Cf. CARVALHOSA, op. cit., vai. 4 , tomo 1 , p . 2 2 1 , ao comentar o di reito argentino: "Deve,
outrossim, haver expressa concordância dos credores. A oposição destes impede a fusão,
na medida em que não pode efetivar-se se eles não aprovarem ou se não forem devidamen
te garantidos ou ainda se houver discrepância acerca dessas mesmas garantias".
38 Frise-se que as operações de reestruturação só têm efeitos perante terceiros, inclusive cre-
dores, depois de publ icados.
39 Cf. BOR BA, ob. cit., p. 492.
40 Cf. CARVALHOSA, op. cit., vai. 4, tomo 1, p. 296, 3 1 8 e 3 1 9.
41 A o manter decisão que ju lgou i mprocedentes certos embargos d e devedor, o Superior Tri
bunal de Justiça afastou a estipulação que excluiu a solidariedade e admitiu a possibil idade
330 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
de se mover ação de execução contra sociedade cindida (muito embora o crédito corres
pondente integrasse a parcela do passivo vertida para a nova sociedade), considerando
que não restou comprovado que a cisão tenha se concretizado de lato, ainda que constata
da a ausência de oposição por parte do credor (3' Tu rma, Rei. Min. Castro Filho, DJU de 1 O/
06/2002, Resp 276.0 1 3 MG).
-
3. CóDIGO CIVIL
A Lei das Sociedades Anônimas é aplicada aos negócios de incorpo
ração, fusão e cisão que envolvem sociedades por ações ou sociedades por
ações e outros tipos societários. O Código Civil de 2002, por sua vez, é
aplicado quando a operação envolve apenas outros tipos societários.
Contudo, as disposições do Código Civil de 2002 são substancial
mente semelhantes às da LSA, embora extremamente limitadas, razão
pela qual, será necessário invocar, por remissão expressa do contrato so
cial ou por analogia45 , a lei do anonimato para os casos nos quais o CC
2002 é omisso.
No que diz respeito à proteção dos credores, haverá, da mesma for
ma, sucessão dos direitos, das obrigações e das responsabilidades para a
sociedade incorporadora46 e pela sociedade resultante da fusão47 • Além
disso, inexiste previsão acerca do critério de avaliação do patrimônio lí
quido da sociedade incorporada ou dos patrimônios líquidos das socieda
des fundidas, muito embora também exista previsão determinando a
nomeação de peritos48 • Há, ainda, proibição aos sócios de votarem na
fusão o laudo de avaliação do patrimônio da sociedade da qual fazem
parte, como também previsto na lei do anonimato.
Afora a referência no título do Capítulo X, a cisão só é mencionada
pelo CC 2002 quando este dispõe sobre a ação de anulação49 • Mas nem
por isso os preceitos anteriores devem deixar de ser aplicados, ainda
que, para isso, a sociedade, os sócios ou credores tenham que se valer,
subsidiária ou analogicamente, da Lei das Sociedades Anônimas50 , o
que nos parece ser a medida mais correta nos casos de omissão do CC
2002. De todo modo, é importante notar que, pela legislação civil,
diferentemente da legislação das sociedades anônimas, não há o ins
trumento da oposição, mas apenas a ação de anulação, mesmo porque
inexiste disposição prevendo a solidariedade entre as sociedades que
absorverem parcelas do patrimônio líquido da sociedade extinta ou
cindida.
Nos mesmos moldes da LSA, a anulação deve ser requerida judici
almente, porém no prazo decadencial de 90 dias. A consignação em
pagamento e a garantia da execução são, igualmente, remédios para as
sociedades participantes da operação; e a decretação da falência garante
aos credores o direito de requerer a separação dos patrimônios. Essas
normas se aplicam às operações de incorporação, fusão e cisão.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conclusão, é fundamental destacar que todas essas regras pre
vistas na Lei das Sociedades Anônimas e no Código Civil de 2002 dire
cionadas ao negócio de reestruturação societária acabam por criar um
importante sistema de proteção aos credores cujo propósito é atender,
sobretudo, ao princípio da segurançajurídica, informador de todo o orde
namento jurídico brasileiro.
Pode-se dizer, assim, que a razão fundamental dessas regras é per
mitir aos credores que, ao negociarem com as sociedades, tenham uma
garantia mínima: a de que seus direitos não serão substancialmente
alterados e prejudicados por operações impulsionadas pela vontade ex
clusiva das sociedades e de seus sócios ou acionistas.
Convém ressaltar, neste aspecto, que os efeitos dessa garantia vão
além das relações individuais das sociedades e indivíduos envolvidos,
alcançando âmbito muito maior do que certas relações comerciais espe
cíficas. Ela influencia, do mesmo modo, toda a atividade econômica do
país, na medida em que, aumentando ou diminuindo a segurança das
relações comerciais, aumentam ou diminuem os riscos e os custos das
transações, permitindo a ampliação ou redução da produção e dos negó-
PAULO MATTAR FILHO - 333
BI BLIOGRAFIA
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 8• edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
BULGARELLI, Waldirio. Fusões, Incorporações e Cisões de Sociedades. 6ª edição. São Paulo:
Atlas, 2000.
CAMPINHO, Sérgio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva,
1998.
Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva,
2002.
Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. Volume
13.
CARVALHOSA, Modesto, e EIZIRIK, Nelson. A nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva,
2002.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5• edição. São Paulo: Saraiva, 2002.
LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Pareceres. São Paulo: Singular, 2004.
MARTINS, Fran. Comentários à Lei da Sociedades Anônimas. 2' edição. Rio de Janeiro: Foren
se, 1985.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 23• edição. São Paulo: Saraiva, 2003.
Advogado
Especialista em Direito Processual Civilpela PUCISP - COGEAE
Especialista em Direito Empresarialpela PUCISP - COGEAE
Mestrando em Direito Comercial na PUC/SP
Membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo
Membro do IDSA
336 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
Rubens Requião, Curso de Direito Comercial, Vol. 2, Saraiva, São Paulo, 1 995, pág. 207
CAESAR Aucusrns F. S. RocHA DA S1LvA - 337
Por outro lado, fusão, para Requião é "a operação pela qual se unem
duas ou mais sociedades, de tipos iguais ou diferentes, para formar sociedade
nova que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações." 2
Reportamo-nos ainda ao mesmo doutrinador para definir a cisão,
que, para ele é "a operação pela qual a companhia transfere parcela do
seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse
fim ou j á existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver
versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se par
cial a versão." 3
A doutrina, nesse aspecto, não é divergente, daí porque se torna
despiciendo fazer novas citações, que nada acrescentariam, até porque as
definições acima mencionadas são muito semelhantes, para não dizer
equivalentes, àquelas adotadas na própria lei das Sociedades Anônimas,
como se pode verificar pela leitura do caput dos artigos 227, 228 e 229
deste diploma legal.
O conceito de minoritário, por sua vez, se obtém de forma inversa.
Isto é, o artigo 1 1 6 da Lei das Sociedades Anônimas define o controla
dor; logo, todos aqueles que não se enquadram em tal conceito legal são
minoritários.
Vejamos.
O dispositivo retro mencionado estabelece que:
"Art. 1 16 . Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou
jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob
controle comum, que:
4 Fábio U l hoa Coelho, Curso de Direito Comercial, Vol. 2, Saraiva, São Paulo, 2002, pág. 275
5 Ecion Perin Junior, A Lei n. 70.303/200 7 e a proteção do acionista minoritário, Saraiva,
2004, pág. 29
CAESAR AUGUSTUS F. 5. ROCHA DA SILVA - 339
rio e dirige a sociedade" 6 e arremata: "Há que sefrisar que nem sempre é a
maioria de acionistas que controla a sociedade, podendopeifeitamente esse con
trole ser detidopela minoria, capaz diante da dispersão e desinteresse dos aci
onistas - especuladores e rendeiros - de aglutinar maior número de ações,
inclusive através de procurações. " 7
A mesma advertência também faz Waldirio Bulgarelli, quando afir
ma que "o grupo no controle da sociedade possui, às vezes, uma minoria ou até
uma pequena porcentagem das ações. " 8
Osmar Brina Corrêa Lima é ainda mais enfático. Diz, com a lin
guagem candente que é característica de sua obra, que: "A expressão acio
nista minoritário é delusória e enganadora. O conceito de minoria, na
companhia, situa-se no seio de um paradoxo. O poder, na companhia, é quase
sempre exercido, defato e de direito, por uma minoria que se apresenta como
maioria, em termos de deliberação. " 9
E, mais adiante, o ilustrado mestre explica a razão pela qual assim
se posiciona: . . . a maioria -frise-se - não representa, necessariamente, a
"
maioria dos acionistas, nem mesmo de acionistas votantes, mas de ações vo
tantes existentes presentes à assembléia geral, diretamente ou por procuração
(art. 126, § 1°). " 10
O exemplo mais citado para ilustrar que o conceito de maioria para
o direito societário não se confunde com maioria quantitativa é o da
Standard Oi! Company, cujo acionista controlador era John Rockfeller Jr. ,
que detinha menos de 15% (quinze por cento) das ações votantes.
Waldirio Bulgarelli nos informa 1 1 , outrossim, que, no Brasil, Fábio
Konder Comparato alertou para o fato de que, teoricamente, um só acio
nista, detentor de uma única ação, pode constituir a Assembléia Geral.
6 Vera de Paula Noel Ribeiro, A minoria nas S.A., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1 99 1 , pág. 1 6
7 ln op.cit., pág. 1 7
8 Waldirio Bu lgarelli, Regime Jurídico da proteção às minorias nas 5/A, Ed. Renovar, Rio de
Janeiro, 1 998, pág. 1 6
9 Osmar Brina Corrêa Lima, O acionista minoritário no Direito Brasileiro, Ed. Forense, Rio de
Janeiro, 1 994, pág. 7
10 Idem, pág. 8
11 ln op.cit., pág. 32
340 - REORGAN IZAÇÃO SOCIETÁRIA
Por outro lado, o simples fato de ser minoria não é bastante para se
concluir ser ruim a relação deste grupo com a maioria. Com efeito, como
observa Fábio Ulhoa Coelho: "As relações entre o controlador e a minoria
nem sempre são conflituosas. Se a empresa se desenvolve bem, sob o comando
do controlador, que a dirige com competência e regularidade, e está, assim,
gerando aos minoritários rendimentos satiifatórios, não há ensejos para ten
sões no interior da companhia. Cada acionista respeita, no outro, a contribui
ção diferenciada à realização do objeto social, e as relações depoder reproduzem
o justo equilíbrio da diferença. " 16
Muitas companhias já perceberam que se o acionista minoritário
for bem tratado, isto é, se tiver seus direitos respeitados, e a sociedade for
gerida com transparência, independência e profissionalismo, mais pes
soas se sentem estimuladas a investir suas economias nas ações dessa
pessoa jurídica. Tal prática ficou conhecida como Governança Corpora
tiva e tem sido empregada tanto nas comRanhias fechadas como nas
abertas, compondo estas últimas o que hoje se chama de "Novo Merca
do" da B OVESPA.
Ocorre que o brasileiro não tem a cultura de investir em ações. É
arredio a riscos, até pelo histórico da nossa economia. Aliás, ficou céle
bre a frase atribuída ao banqueiro de Fürstenberg ("o acionista é um tolo
e um arrogante; tolo, porque nos dá o seu dinheiro; arrogante, porque
deseja ainda receber dividendos"), que dava bem a dimensão das razões
que levavam os poupadores brasileiros a ter aversão à aplicação bursítica.
Não por outra razão, a aplicação que tem o maior volume de inves
timento é a caderneta de poupança, a despeito da baixa rentabilidade
que propicia, mormente se considerada em relação aos demais fundos de
investimento.
Sem embargo, de 1 994 para cá, com o advento do "plano real", esta
característica do investidor nacional tem, paulatinamente, sido modifi
cada, mesmo porque com a estabilização da moeda, a inflação sob con-
17 ln op.cit., pág. 4 1
18 ln op.cit., pág. 276
(AESAR AUGUSTUS F. s. ROCHA DA SiLVA - 343
19 Leslie Amendolara, Direito dos Acionistas Minoritários, Quartier Latin, São Paulo, 2003,
pág. 2 1
20 ln op.cit., pág. 1 1
344 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
21 ln op.cit., pág. 4 0
22 ln op.cit., pág. 3 2
23 Apud Osmar Brina Corrêa Lima, O acionista minoritário no Direito Brasileiro, cit., pág. 32
(AESAR AUGUSTUS F. 5. ROCHA DA SILVA - 345
III fiscalizar, na forma prevista nesta lei, a gestão dos negócios sociais;
-
25 ln op.cit., pág. 46
26 ln op.cit., pág. 292
CAESAR AUGUSTUS f. 5. ROCHA DA SILVA 347
-
Giuseppe Ferri, por seu turno, nos mostra que no direito italiano
também é assegurado aos sócios o direito de consultar os livros sociais e
exigir prestação de contas por parte dos administradores:
"Cosi ciascun socio há diritto di consultare i libri sociali e di avere
dagli amministratori notizie sul/o svolgimento degli ajfari sociali;
cosi i soei che rappresentano almeno il terzo dei capita/e sociale hanno
diritto difar eseguire annualmente aproprie spese la revisione dei/a
gestione (art. 2489 cod. civ.). Talipoteri sono conferiti ai socio o alia
minoranza nel proprio interesse: non e pertanto che il socio,
esercitando talipoteri, adempia aJunzioni sociali e assurga ad organo
de/la società. Si tratta pero dipoteri che spettano ai socio ex lege e che
non possono essere rinunziati validamente dai socio (ar!. 2489
secondo comma cod. civ.). " 29
Não obstante o artigo 161 da Lei nº 6.404/76 estabeleça que: "A
companhia terá um conselhofiscal'', certo é que o seu funcionamento não
tem que ser, necessariamente, permanente.
A contradição da assertiva é apenas aparente, pois como elucida
Modesto Carvalhosa, ". . . o Conselho épermanente. Seufuncionamento é que
poderá serfacultativo, conforme dispuser o estatuto. Se este declará-lo defun
cionamento não permanente, cabe à assembléia geral instalá-lo pela vontade
dos minoritários e dos titulares de preferenciais sem voto. " 30
Além disso, segundo ainda o mesmo jurista: "Sendo órgão necessário,
porque a lei determina a sua existência, deverá o estatuto obrigatoriamente
instituí-lo. A não inserção da matéria na lei interna da companhia invalida
o contrato social, sendo vedado ao Registro do Comércio arquivá-lo. Não esta
rá, portanto, a companhia constituída nessa hipótese. " 31
Diz a Lei de Sociedades Anônimas que o número de membros que
compõe o Conselho Fiscal varia de 3 (três) a 5 (cinco). Não consigo,
29 Giuseppe Ferri, Manuale di Diritto Commercia/e, Unione Tipografico-Editrice Tori nese, Torino,
1 950, pág. 238
30 Modesto Carvalhosa, Comentários à lei de Sociedades Anônimas, 3° vai., Saraiva, São Pau
lo, 2003, pág. 4 1 8
31 ln op.cit., pág. 4 1 8
CAESAR Aucusrns F. 5. RocHA DA S1LvA 349
-
33 ln op.cit, pág. 44 1
34 idem, pág. 440
352 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
controladores inibam uma ação individua! mais eficiente, sob o manto do ci
tado princípio majoritário. " 35
O maior problema que se verifica para execução desse direito se dá
no momento da própria eleição, pois, muito :mbora a lei preveja até 3
(três) eleições separadas, uma para os preferencialistas sem direito a voto,
uma para os minoritários e outra para os majoritários, não é incomum os
minoritários verem frustrado o direito de eleger os membros que os re
presentarão.
Isso se dá, muitas vezes, com a utilização de um expediente que
Fábio Ulhoa Coelho denominou minoria amigáve/36 e que nada mais é
do que a utilização de acionista ou acionistas que formalmente não inte
gram o bloco de controle, mas que colaboram com este, ao participarem
das eleições em separado.
E o problema maior constatado por tal jurista é que não há meca
nismo jurídico que possa eficientemente contornar esse tipo de manipu
lação dos controladores.
Um outro artifício que costumeiramente se adota é a simulação de
transferência de parte de participação acionária, pois enquanto não anula
do o ato, coisa que sabemos que leva anos no Judiciário, passam os acionis
tas adquirentes a votar como se minoritários fossem, elegendo os membros
do Conselho Fiscal que por direito caberiam à verdadeira minoria.
Feitos esses esclarecimentos sobre a forma de fiscalização que a lei
propicia e os instrumentos que os acionistas têm para realizá-la, resta
fazer a correlação entre esse direito e sua utilidade para o acionista dissi
d �nte de uma operação societária.
É que as fusões, cisões e incorporações são deliberadas em assem
bléia geral. Em outras palavras, isto significa que a realização ou não da
operação será decidida pela maioria, independentemente da concordân
cia dos demais acionistas.
35 ln op.cit., pág. 1 37
36 ln op.cit., pág. 230
(AESAR AUGUSTUS f. 5 . ROCHA DA SILVA 353
-
37 ln op.cit., pág. 53
354 - REORGANIZAÇÃO SornTÃRIA
II - nos casos dos incisos IV e V do art. 136, não terá direito de retira
da o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão
no mercado, considerando-se haver:
Pois bem. A primeira observação que deve ser feita é que a enume
ração das matérias que dão ensejo ao recesso é taxativa. Um outro aspec
to que merece destaque é que, enquanto na outra forma de um acionista
se desligar da sociedade (alienação da sua participação societária) há uma
negociação e, por conseqüência, deve haver um consenso entre o acio
nista que está deixando a companhia e o interessado em ingressar para
que o negócio jurídico se concretize, no recesso a minoria apenas mani
festa seu interesse em deixar a sociedade, tratando-se de legítima decla
ração unilateral de vontade.
O valor que o acionista receberá por suas ações também varia de
uma situação para outra. Enquanto na alienação receberá o valor de ne
gociação, na dissidência receberá o valor patrimonial.
Modesto Carvalhosa, Mauro Rodrigues Penteado, Nelson Eizi
rik e Francisco Müssnich discordam do entendimento de Fábio Ulhoa
Coelho, pois sustentam que quando o artigo 45 previu, em seu parágrafo
1°, que o valor de reembolso poderá ser inferior ao patrimônio líquido se
o estatuto estabelecer que este se fará pelo valor econômico da compa
nhia, quis o legislador introduzir a obrigação de a sociedade pagar ao
dissidente o valor econômico da ação.
Os próprios motivos que ensejaram a introdução do referido dispo
sitivo derrubam o argumento, pois como rememora Fábio Ulhoa Coe
lho, o objetivo dos elaboradores do projeto seria justamente desestimular
a chamada indústria do recesso. Ora, seria de todo incongruente preten
der coibir o recesso criando uma fórmula que, aplicada, resultasse em um
maior valor de reembolso, isto porque, nas sociedades cujo patrimônio
líquido é negativo por conveniências tributárias, mas o negócio tem um
elevado potencial de rentabilidade, invariavelmente, o valor econômico
da ação será maior do que o valor patrimonial.
Por essas razões, Fábio Ulhoa Coelho sugere que para conciliar o
equívoco conceito empregado pelo legislador na redação do § 1° com o
objetivo da criação da norma, deve-se entender a expressão "valor eco-
358 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
40 Apud Osmar Brina Corrêa Lima, O acionista minoritário no Direito Brasileiro, cit., pág. 1 36
41 Rudolf von lhering, A luta pelo Direito, São Paulo, Ciência e Cu ltura, 1 988, pág. 25 apud
Osmar Brina Corrêa Lima, O ac;onista minoritádo no Direito Brasileiro, Ed. Forense, Rio de
Janeiro, 1 994, pág. 1 3 8
Trespasse e Cisão Parcial
- Similitudes
Advogado
Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1987)
Especialização em direito constitucional norte-americano, pela Southwestern
Legal Foundation/University ofTexas, EUA (1992)
Mestre em direito comparado, pela Universidade de Illinois, EUA (1994)
Especialização emfinanças, pela New York University, EUA (1995)
Diretor Social do IDSA
362 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
1 . INTRODUÇÃO
O presente artigo procura estabelecer alguns pontos de contato entre
dois negócios jurídicos, complexos, de direito empresarial, a saber, a venda
de estabelecimento ou trespasse, regida pelos artigos 1 . 144 e seguintes
do Código Civil, e a cisão parcial, positivada no artigo 229 e seguintes,
da Lei das Sociedades por Ações.
A novidade, na órbita legislativa, fica por conta da inserção, no
Código Civil, de capítulo especialmente concebido para a tipificação
do estabelecimento, objeto de compra e venda (trespasse) de que trata
este artigo.
No demais, o presente texto desenha-se no entorno de conceitos e
abstrações de direito civil, comercial e societário, sucintamente compi
lados.
O propósito da simples comparação, em que nos lançaremos, pou
co explorada pela doutrina, parece válido, a um por reduzir a termo as
distinções legais mais relevantes, entre uma e outra figura, a dois pela
dificuldade de visualização da correspondência de suas finalidades, não
raro análogas, do ponto de vista econômico.
A deambulação é pertinente, em vista da mutação patrimonial que
acompanha a vida empresarial, nas sociedades, ao longo de toda a sua
existência. A alusão a um caso prático, singelo, pode ajudar o leitor a
vislumbrar tais mutações, a que a empresa freqüentemente é submetida,
em cujo contexto se inserem os institutos da cisão parcial e do trespasse.
Imagine-se uma indústria química, dotada de uma planta principal
e de vários estabelecimentos-filiais, num dos quais fabrica uma resina
especial. Por razões de mercado, digamos, a produção dessa resina não
mais interessa ao fabricante, culminando com a desativação da filial. No
caso do desfazimento desses ativos, a empresa poderá alcançar o objeti
vo colimado de várias maneiras, como (i) pelo desmantelamento da fili
al e venda parcial de seus ativos, (ii) por meio da alienação da
integralidade do estabelecimento, via trespasse, (iii) através da cisão par
cial da sociedade, mediante destaque e versão do patrimônio em que se
ALEX PRANDINI ]R. - 363
2. TRESPASSE
CONCEITO DE TRESPASSE E ESTABELECIMENTO
O trespasse é contrato de compra e venda, civil, de subespécie mer
cantil. Para ser mercantil, preleciona Fábio Ulhoa Coelho1 , comprador e
vendedor devem ser empresários, a coisa objeto de contrato deve ser uma
mercadoria e o negócio deve se inserir na atividade empresarial de circu
lação de bens2 •
3 Waldo Fazzio Júnior, Fundamentos de Di reito Comercial, 3' Edição, Editora Atlas, pág. 1 9
4 Teoria do Estabelecimento Comercial, 2' Edição, Editora Saraiva, pág. 8 e ss
5 Tratado de Direito Comercial Brasileiro, 7ª Edição, Editora Freitas Bastos, pág. 503
6 Curso de Direito Comercial, 1 º Volume, Editora Saraiva, pág. 203
ALEX PRANOINI )R. - 365
7 Op. Cit.
8 O Código Civil trouxe em seus artigos 1 . 1 42 a 1 . 1 49, um regramento específico sobre o
estabelecimento empresarial, defini ndo-o como "todo complexo de bens organizado, para
exerc/cío de empresa, por empresário, ou por sociedade empresária". Isto significa que
estabelecimento é o complexo de bens reunidos para a prática de uma atividade econômi
ca organizada pelo empresário ou por uma sociedade empresária, ou titularizada pelo
empresário, na sua forma singular ou coletiva.
366 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
9 Nos contratos de caráter pessoal, protege-se o adquirente, pois o caráter pessoal aqui refe
rido, diz respeito às qualidades do terceiro contratante, que não poderá ser i mposto ao
adquirente. Giampaolo Dalle Vedove sustenta que neste particular não se pode entender
que a regra seja em benefício do adqui rente, pois o mesmo poderia estipular pela não
transferência do contrato ao firmar a alienação do estabelecimento, destarte, atuaria esse
caráter pessoal em favor do terceiro contratante, que teria levado em conta as característi
cas pessoais do alienante.
ALEX PRANDINI JR. - 367
14 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 1 S' ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 1 998. 876p
ALEX PRANDINI ]R. - 371
passa, como acima referido, agora a ter expressa previsão legal no Código
Civil, em seu artigo 1 . 147. Trata-se da cláusula de não restabelecimento
da atividade comercial, pelo antigo alienante, com o fito de se preservar a
clientela. Qiando alguém adquire um estabelecimento empresarial, está
também interessado na clientela deste fundo empresarial. Logo, se o an
tigo proprietário iniciar um outro estabelecimento empresarial, com a
mesma atividade, possivelmente atingirá a mesma clientela.
Como já dito, anteriormente, a clientela não é um elemento separá
vel do estabelecimento, que, como coisa incorpórea, possa formar objeto
de contrato autônomo. Qiando ocorre o trespasse do estabelecimento,
um efeito natural do negócio, que se contém na vontade normal das par
tes, é o de manter a integridade do fundo, com todos os elementos e atri
butos que o individuam e caracterizam, inclusive a organização e os demais
fatores do aviamento, a fim de conservar para o adquirente a mesma capa
cidade objetiva de obtenção de lucros. E, para atingir esse objetivo normal
e desejado pelas partes, pode-se entender que, implicitamente, o alienan
te se obriga a não abrir concorrência ao adquirente, em circunstâncias que
ensejem o desvio da clientela do estabelecimento transferido.
O argumento de que a liberdade do exercício profissional obstaria
a interdição de concorrência não se sustenta, pois o exercício dos direi
tos individuais pode perfeitamente ser condicionado e admite as limita
ções imposta s pela lei. Lógico que a proibição absoluta de
restabelecimento do alienante do fundo, sem quaisquer restrições, seria
incompatível com a Constituição Federal, por violar os princípios da
livre iniciativa e da livre concorrência previstos no artigo 1 70.
Por tudo isso, procurando pôr fim a controvérsias, o Código Civil
estabeleceu em seu artigo 1. 147 limitações ao restabelecimento da ati
vidade empresarial, pelo antigo alienante, com o objetiv_o de preservar a
clientela do estabelecimento empresarial, que é também de interesse do
adquirente. Vejamos, novamente, o referido artigo 1 . 147:
"Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento
não pode fazer concorrência ao adquirente, nos 5 (cinco) anos subse
qüentes à transferência".
ALEX PRANDINI ]R. - 373
3. CISÃO
CONCEITO
A cisão parcial ou spin-ef, como a batiza o direito norte-americano,
consiste na transferência de p�rcela do patrimônio de uma sociedade, à
outra, pré-existente ou não, mediante a contrapartida, aos sócios da cindi- .
da, de quotas ou ações da empresa receptora dos ativos.
Em linhas gerais a cisão mostra-se como instrumento jurídico capaz
de atender às mais diversas finalidades visadas pelos processos de reestru
turação societária, inclusive aqueles prévios à desestatização de empresas
estatais, como os referentes aos setores de energia elétrica e telecomuni
cações, na medida em que viabiliza a separação das atividades empresa
riais para atribuir-lhes destinações específicas e diversificadas.
Dada a natureza de reorganização societária da cisão, entendeu o
legislador por bem agregá-la à incorporação e à fusão, na mesma seção da
Lei das Sociedades por Ações. No direito anglo-americano, o spin-ef, é
também inserido no capítulo da reorganização societária.
Nesse sentido, a Lei das Sociedades Anônimas assim estatui, em seu
artigo 229: 'a cisão é a operaçãopela qual a companhia tranifereparcelas do seu
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18 Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, 1 ª Edição, págs. 392 e 393,
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19 "As ações i ntegralizadas com parcelas de patrimônio d a companhia cindida serão atribuí
das a seus titulares, em substituição às extintas, na proporção das que possuíam" (art. 229
da Lei 6404/76)
20 J u l i a Cunha Tanaka, Contabilidade Apl icada ao D i reito Societário, www.direitonet.com.br
376 - REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA
21 A cisão, portanto, pode ser total o u parcial. Ocorrerá cisão total quando houver completa
transferência de patrimônio, caso em que a sociedade cindida se extingu i rá; a cisão parci
al, por sua vez, importa versão parcial do ativo e do passivo para outra sociedade,
remanescendo a sociedade originária com uma parcela do patrimônio em seu poder e
reduzi ndo-se seu capital social na proporção do patrimônio líquido transmitido.
22 Waldírio Bulgarelli , Manual das Sociedades Anônimas, Ed. Atlas, 1 988, p. 240
23 Maria Isabel Alvarenga, Direito dos Credores na Cisão, www.jus.com.br
ALEX PRANDINI ]R. - 377
25 Mauro Brandão Lopes esclarece que a "cisão pode ser i n strumento de concentração por
que permite a in corporação, de parcela do patrimônio à sociedade pré-existente e porque
permite a fusão de várias parcelas de patrimônio para fo rmação de um patrimônio mai or,
v i n das cada u m a delas do patri mônio de diferente sociedade; e pode ser i nstrumento de
380 - REORGANIZAÇÃO 50CIETÀRIA