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4.

TEORIA GERAL DA LEI CRIMINAL

4.1. As Fontes do Direito Penal

A expressão fontes do Direito em sentido técnico jurídico designa os modos de


formação ou de revelação de normas jurídicas.

O DP é estadual e público. Decorrente do princípio da legalidade, a lei é a fonte


exclusiva do DP.1
A lei relevante para o DP é a que emana de um órgão competente. Qual é o órgão
competente para legislar sobre a matéria de natureza criminal. A nível constitucional
não há uma indicação expressa do órgão competente para legislar sobre a matéria,
inferindo-se que seja da competência da Assembleia da República fazê-lo. A
competência da Assembleia da República em matéria penal está deferida em termos
genéricos ou seja não existe uma reserva de competência específica para a Assembleia
da República.

4.1.1. Constituição da República de Moçambique

A principal fonte do DP é a Constituição da República de Moçambique (CRM), a qual


todas as restantes normas do ordenamento jurídico se devem conformar. Atente-se para
o efeito ao comando constitucional constante do nº.4 do artigo 2 da CRM, que refere que:
“As normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento jurídico.

Ao nível da CRM encontramos comandos normativos que enformam o nosso DP, à


saber:

 o princípio da legalidade – (nº.3 do artigo 2 da CRM), com a seguinte


redacção: “O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade”. Em
DP, todas as normas do Direito Penal devem ser escritas porque a lei é a
vontade soberana do povo.

 o princípio da universalidade e igualdade – (artigo 35 da CRM), nos termos


do qual: “Todos os Cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos
direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça,
sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição
social, estado civil dos pais, profissão ou opção política”. Recorde-se que uma
das características da norma jurídica é a generalidade e a abstracção e muitas

1 Isto nem sempre foi assim, pois na evolução histórica do Direito, constatamos que o poder de punir não era monopólio do Estado,
pertencia a cada um dos membros da sociedade, e a pessoa poderia realizar por si mesma as punições porque não havia nada
escrito. Por virtude do Contrato Social e porque não havia um meio de regulação social, (para evitar as vinganças, etc.) cada
cidadão abdicou de parte da sua liberdade em favor do Estado. Mas mesmo sendo o estado a exercer o ius puniendi não poderia
fazê-lo de forma arbitrária e por isso mesmo devia, o exercício deste poder pelo Estado, ser objecto de regulação pelo Direito.
vezes no nosso CP a lei extravagante recorre a formulações como: “Aquele
que” sem fazer qualquer distinção da raça, sexo, etc.

 O direito à liberdade e segurança, (nº.1 do artigo 59 da CRM), segundo o


qual: “Na República de Moçambique, todos têm direito à segurança e ninguém
pode ser preso e submetido à julgamento senão nos termos da lei. Esta é uma
garantia, é preciso que antes exista uma lei criminal emanada do órgão
competente e promulgada que venha dizer quais são os comportamentos
proibidos e estabeleça as sanções correspondente à sua violação – a isto se
chama NULLUM CRIMEN SINE LEGE.

 o princípio da presunção de inocência, (nº. 2 do artigo 59 da CRM), de


acordo com o qual: “Os arguidos gozam de presunção de inocência até decisão
judicial definitiva”. Este princípio assume uma relevância crucial em matéria
do Processo Penal, sendo uma garantia fundamental do arguído.

 o princípio ne bis in idem - (primeira parte do nº. 3 do artigo 59 da CRM) que


também constitui uma garantia do arguído, nos termos do qual: Nenhum
cidadão pode ser julgado mais que uma vez pela prática do mesmo crime”.

 o princípio nulla poena sine lege, (nº. 3 do 59 da CRM), de acordo com a


qual: “nem pode ser punido com pena não prevista na lei ou com pena mais
grave do que a estabelecida na lei no momento da prática da infracção criminal”.

 os limites das penas e medidas de segurança, que constituem uma


limitação ao ius puniendi do Estado e avanço considerável do nosso DP, estão
dispostos nos diversos n.ºs. do artigo 61 da CRM, que refere no seu nº.1 o
princípio da humanidade das penas, quando diz: “São proibidas penas e
medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter
perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida”. O seu nº.2 refere-se ao
princípio da intransmissibilidade das penas, segundo o qual: “ As penas
são intransmissíveis” – princípio da culpa, da responsabilidade subjectiva; O
nº.3. por sua vez, refere-se ao princípio da humanidade das penas e aos
fins das penas, pois as penas não visam, pura e simplesmente, segregar o
delinquente, mas também ressocializá-lo. Nos termos do referido número 3:
“Nenhuma pena implica a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos,
nem priva o condenado dos seus direitos fundamentais, salvo as limitações inerentes
ao sentido da condenação e as exigências específicas da respectiva execução” .

 o acesso aos tribunais, (nº. 1 o artigo 62 da CRM) que diz respeito a


jurisdicionalização e a garantia da defesa do arguido. Veja-se ainda o nº.1 do
artigo 65 da CRM de acordo com o qual: “O direito de defesa e julgamento em
processo criminal é inviolável e garantido a todo arguído”.

 a escolha do defensor e o patrocínio judicial. O n°.2 do artigo 62 também


consagra uma garantia para o arguído concernente ao seu direito de defesa,
quando diz: “O arguído tem o direito de escolher livremente o seu defensor para
o assistir em todos os actos do processo, devendo ao arguído que por razões
económicas não possa constituir advogado ser assegurada a adequada
assistência jurídica e patrocínio judicial”. De facto, a função do Direito Penal
não é punir só por punir, ou seja, castigar a todo o custo o delinquente, a justiça
significa condenar quem deve ser condenado e absolver quem o deve ser.

 a aplicação da lei penal, tratada no nº. 1 do artigo 60, nos termos do qual:
“Ninguém pode ser condenado por acto não qualificado como crime no
momento da sua prática” – NULLUM CRIMEN SINE LEGE

 o princípio da irretroactividade da Lei penal – (constante do nº. 2 do artigo


60 da CRM) segundo o qual: “A lei penal só se aplica retroactivamente quando
disso resultar benefício para o arguído”. Esta é a regra geral, a lei penal não se
aplica retroactivamente, senão em determinados casos em que resultem
benefícios para o arguído (excepção).

4.1.2. A lei

O nosso CP foi introduzido pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886, tendo sofrido


uma reforma substancial em 2014 através da Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro. Nova
reforma veio a acontecer em 2019 através da Lei nº 24/2019, de 24 de Dezembro, que
entrou em vigor no final do ano passado.

Além do CP (e apesar dos esforços para concentrar os crimes no CP podemos


encontrar outros crimes em outra legislação.

Assim, a Lei é também fonte do DP e deve emanar da Assembleia da República como


órgão com uma competência genérica nesta matéria.

4.1.3. Os tratados e acordos internacionais

Os tratados e acordos internacionais são fonte do DP quando validamente


aprovados e ratificados, ou seja, quando devidamente recebidos pela ordem jurídica
interna do Estado (veja-se o artigo 18 da CRM). De acordo com a alínea t) do nº. 2 do
artigo 178 da CRM é competência exclusiva da Assembleia da República “ratificar e
denunciar tratados internacionais”.

4.1.4. Os Decretos-leis

Os Decretos-leis são fontes do Direito Penal, resultando de uma autorização


legislativa concedida pela Assembleia da República, para o efeito. De acordo com o n°.1
do artigo 180 da CRM: “Os Decretos-leis aprovados pelo Conselho de Ministros no uso
da autorização legislativa são considerados ratificados se, na sessão da Assembleia da
República imediata, a sua ratificação não for requerida por um mínimo de 15 deputados”.
No entanto, além disto é necessário que se observe os requisitos do nº1. do artigo
180 da CRM, segundo o qual: “As Leis de autorização legislativa devem definir o objecto,
o sentido, a extensão e duração da autorização”

4.1.5. O Costume

O costume é uma prática reiterada acompanhada da convicção de


obrigatoriedade. Não é fonte do Direito Penal, pois o juiz não pode condenar em processo
crime na ausência de uma norma escrita, baseando-se na convicção generalizada do
carácter reprovável de certo facto. Assume certa importância na formação da lei e na
interpretação de determinados conceitos, como seja o de pudor. Por vezes também o
costume retira da incriminação certos factos.2

É importante notar o artigo 4 da CRM relativo ao Pluralismo jurídico, pois entre os


vários sistemas normativos e de resolução de conflitos temos o Direito formal (que tem
instituições constituídas por lei, com atribuições e competências – os tribunais), mas
também o Direito informal (tribunais comunitários, autoridades tradicionais, meios
familiares, etc.) porque o poder do Estado de regulação das relações sociais não chega
a todo o país. Porém não poderá um tribunal comunitário decidir um caso de homicídio,
pois estes tribunais baseiam-se no consenso e as normas do Direito Penal são
indisponíveis não podendo ser afastadas pela vontade das partes.

Nos termos do referido artigo 4 da CRM: “O Estado reconhece os vários sistemas


normativos e de resolução de conflitos que coexistem na sociedade moçambicana, na,
medida em que não contrariem os valores e princípios fundamentais da Constituição”.

4.1.6. Os Assentos

Tendo em conta o princípio da legalidade sobre o qual está edificado todo o nosso
Direito Penal, aos assentos apenas é reconhecida a função interpretativa do Direito e
não inovadora no domínio da incriminação.

4.1.7. Doutrina e Jurisprudência

A doutrina e a jurisprudência assumem uma função meramente interpretativa e,


neste sentido, contribuem para a revelação do Direito.

Resumindo:
Fontes do Direito em sentido técnico jurídico são os modos de formação ou de revelação de normas jurídicas.
Constituição da República de Moçambique: é a principal fonte do DP, todas as restantes normas do ordenamento
jurídico devem-se conformar à constituição.
Lei: O nosso CP foi introduzido pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886 e sofreu uma reforma de vulto pela Lei nº
35/2014 de 31 de Dezembro. Nova reforma veio a acontecer em 2019 através da Lei nº 24/2019, de 24 de Dezembro,

2 Por exemplo na Suazilândia quando, todos os anos, tem lugar as danças guerreiras nas quais o Rei Musuathi escolhe uma
rapariga para sua esposa, elas se apresentam descompostas, mas é este o costume deles.
que entrou em vigor no final do ano passado. É fonte do DP como se pode retirar do artigo 1 do CP. A lei abrange o
CP e a legislação extravagante.
Tratados e acordos internacionais: são fontes do DP quando validamente aprovados e ratificados, ou seja, quando
devidamente recebidos pela ordem jurídica interna do Estado.
Decretos-leis: são fontes do Direito Penal, resultando de uma autorização legislativa concedida pela Assembleia da
República, para o efeito.
Costume: O costume é uma prática reiterada acompanhada da convicção de obrigatoriedade. Não é fonte do Direito
Penal, por força do princípio da legalidade. Assume certa importância na formação da lei e na interpretação de
determinados conceitos, como seja o de pudor. Por vezes também o costume retira da incriminação certos factos.
Assentos: devido ao princípio da legalidade sobre o qual está edificado todo o nosso Direito Penal, aos assentes
apenas é reconhecida a função interpretativa do Direito e não inovadora no domínio da incriminação.
Doutrina e Jurisprudência: a doutrina e a jurisprudência assumem uma função meramente interpretativa e, neste
sentido, contribuem para a revelação do Direito

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