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Sumário

FINALIDADE DO DIREITO PENAL ................................................................................................. 2

PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL................................................................................................... 3

TEORIA DA NORMA .................................................................................................................. 15

TEORIA DO CRIME .................................................................................................................... 43

FATO TÍPICO ............................................................................................................................. 44

ILICITUDE ................................................................................................................................. 81

CULPABILIDADE...................................................................................................................... 100

TEORIA DO ERRO.................................................................................................................... 111

CONCURSO DE PESSOAS ......................................................................................................... 121

TEORIA DA PENA .................................................................................................................... 135

CONCURSO DE CRIMES ........................................................................................................... 173

CAUSAS DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE................................................................................ 181

ITER CRIMINIS ........................................................................................................................ 202


FINALIDADE DO DIREITO PENAL
1. Welzel

Para o autor, o Direito Penal tem uma dupla função ou dulpa missão:

a) Primeira missão - ético-social: o Direito Penal tem por finalidade amparar os valores
fundamentais elementares da vida em sociedade. O Direito Penal não quer proteger, em um
primeiro momento, bens jurídicos, e sim os valores sociais, de modo a criar na mente das pessoas
uma função pedagógica: fazer com que as pessoas ajam de acordo com as normas jurídicas, dentro
da sociedade organizada;

b) Segunda missão – protetiva: num segundo momento, o Direito Penal tem como função
proteger bens jurídicos.

2. Jakobs

O Direito Penal não tem por finalidade amparar ou proteger bens jurídicos, e sim reafirmar
a vigência da norma, ou seja, confirmar o reconhecimento da vigência da norma.

Nós vivemos dentro das expectativas cognitivas e normativas. As expectativas normativas


consistem em esperar que as pessoas observem as normas de conduta, ou seja, as pessoas agirão
dentro daquilo que se espera delas. Quando se pratica um delito, há violação da expectativa
normativa, ie, o delito defrauda uma expectativa normativa, violando a vigência da norma.

Ex.: quando alguém mata outrem, ele viola a norma que diz é proibido matar (art. 121, CP).
O agente nega a vigência da norma (“pra mim, essa norma não vale”). A partir daí, surge o Direito
Penal para reafirmar a vigência da norma.

Em suma, com a prática do crime, o agente nega a vigência da norma. O direito Penal surge
para, perante a coletividade, reafirmar a vigência da norma: “olha, sociedade, aquele agente violou
a vigência da norma; por isso, eu Direito Penal estou aplicando uma pena a ele para demonstrar que
a norma continua em vigor, então podem continuar vivendo a vida de vocês normalmente”.

Portanto, segundo Jakobs, o Direito Penal seria a negação da negação do agente. Isso
porque, quando o agente pratica um crime, ele nega a vigência da norma. Por sua vez, o Direito
Penal incide e nega a negação do agente, reafirmando a vigência da norma.
3. Vertente Brasileira – GRECO

Para a vertente brasileira, o Direito Penal tem como função proteger bens jurídicos. Mas
todos os bens jurídicos? Não, o Direito Penal protege apenas um fragmento dos bens jurídicos;
apenas os bens mais elementares e importantes para a vida em coletividade (vida, patrimônio,
administração, honra e etc).

A tarefa de escolher os bens jurídicos que serão protegidos é do legislador, orientado pelos
princípios da fragmentariedade, intervenção mínima e subsidiariedade. Diante disso, o legislador
vai selecionar os bens mais importantes para a vida em coletividade.

Mas como o Direito Penal ou o legislador faz isso (protege os bens jurídicos)?

Através de um instrumento legislativo chamado TIPO PENAL com dois preceitos. O preceito
primário é uma conduta e o preceito secundário é a sanção penal.

Obs.: Numa prova objetiva, adote a posição da doutrina brasileira, de Rogério Greco. Na
prova discursiva ou oral, cite as três vertentes.

PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL


1. Princípios Constitucionais

1.1. Legalidade

I – Origem: na Idade média, vigorava o sistema das ordálias - o agente caminhava sobre
brasas ardentes; se o pé dele queimasse, ele era culpado; se não queimasse, ele era inocente.

Por sua vez, no Absolutismo, vigorava a Teoria do Direito Divino, segundo a qual, o rei era
escolhido por Deus, logo, ele só respondia perante Deus. O rei reunia as funções da legalidade e da
Justiça. Portanto, o Direito Penal era aquilo que o rei queria.

Já no Período do Iluminismo (final do século XVIII), começou-se a questionar os abusos


praticados pelo Direito Penal, com base na Teoria do Contrato Social de Rousseau, bem como nos
ensinamentos de Beccaria reproduzidos na obra Dos Delitos e das Penas.
Diante disso, houve a revolução francesa com ascensão da burguesia. Questionava-se o
Direito Penal, ie, sobre qual fundamento ou pretexto se aplicam as penas, diz-se o que é crime;
qual o critério para aplicação da pena?

Feruerbach então começou a questionar os abusos do Direito Penal, no séc. XIX, e buscou na
Magna Carta de 1215 todo o fundamento do Direito Penal, à luz do princípio da legalidade. A Carta
Magna, que visava conter o abuso de poder do rei, dizia que nenhum homem livre será detido nem
preso e nem despojado de sua propriedade, de suas liberdades e livres usos, nem perturbado de
maneira alguma, a não ser em virtude de um juízo legal de seus pares e segundo as leis do país.

Portanto, surge uma obrigação por parte do rei de só criar crimes e penas por meio de LEIS.

Feuerbach trouxe isso pro Direito Penal e enxergou a necessidade de se criar o Direito Penal
a partir de normas previstas em Lei. O direito Penal passa então a ser uma ciência dogmática e
organizada. Surge a expressão nullum crimen, nullum poena sine legem.

II – Previsão normativa: no Brasil, o princípio da legalidade está previsto no art. 5, XXXIX, CF


e art. 1º, CP.

Art. 5º, XXXIX, CF - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal;

Art. 1º, CP - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal.

III – Roxin: segundo ele, o Direito Penal surge como fator de contenção dos abusos do Estado.
Em suas palavras: o princípio da legalidade é um instrumento que protege o cidadão do próprio
Direito Penal.

IV – Fundamento: o fundamento do princípio da legalidade é o próprio Estado de Direito,


aquele estado que se organiza segundo suas próprias leis. O Estado é obrigado a obedecer as leis,
portanto, o estado não pode fazer nada que não tem autorização em lei, sob pena de cometer atos
abusivos.
O juízo não aplicar penas sem previsão de lei; e só pode punir condutas proibidas pela lei.

V – Finalidade: o princípio da legalidade serve para trazer segurança jurídica. Com o princípio
da legalidade, eu posso fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Por outro lado, se eu fizer algo
proibido por lei, eu posso ser punido.

VI – Nullum crimen, nulla poena sine lege: o axioma possui quatro vertentes:

a) PRAEVIA: proibição da retroatividade da lei penal (art. 5, XL, CF). Temos aqui o princípio
da irretroatividade da lei penal mais severa. Nenhuma lei pode retroagir em prejuízo do acusado, a
fim de conferir segurança jurídica não apenas ao réu, mas para toda a coletividade.

Isso vem exposto na Súmula 471 do STJ: os condenados por crimes hediondos ou
assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art.
122 da Lei n 7.210/84 (LEP) para a progressão de regime prisional.

Antes da lei 11.464, a progressão de regime se dava com UM SEXTO de cumprimento da


pena, e passou a ser DOIS QUINTOS com a edição da lei. Destarte, a lei 11.464 não pode retroagir
para alcançar os atos praticados antes de sua edição, para não prejudicar o acusado.

b) SCRIPTA: todo crime e toda pena tem que estar escrito no papel, como já previa a Magna
Carta. Mais uma vez, o fundamento é a segurança jurídica. A consequência é a proibição de criação
de crimes e penas por meio de costumes. Em outras palavras, só a lei escrita pode prever crimes e
penas.

Assim, os costumes não podem criar e nem revogar crimes e penas. Todavia, os costumes
servem como fonte hermenêutica, ou seja, servem como fonte de interpretação. Ex.: art. 155, §1º,
CP – furto praticado durante o repouso noturno. O repouso noturno vai ser definido pelos costumes
locais, porque o repouso noturno de São Paulo não é o mesmo repouso noturno de Coroatá/MA.

ATENÇÃO – Casa de prostituição e adequação social: o STF entendeu no Info 615 que NÃO
compete ao órgão julgador descriminalizar conduta tipificada formal e materialmente pela
legislação penal. Segundo a defesa, o caráter criminoso do fato estaria superado por força dos
costumes. O STF entendeu que se há norma escrita criminalizando o fato, os costumes não podem
revogar o crime.

Obs.: Jogo do bicho: o STJ entende que o jogo do bicho continua sendo contravenção,
porque não se admite que uma lei possa perecer pelo desuso (REsp 30.705/SP).

c) STRICTA: proibição de analogia. A verificação do juízo de tipicidade é estrita, ou seja, a


adequação entre o fato concreto e a conduta prevista no tipo deve ser perfeita.

Por isso, uma conduta parecida não é típica, porque não se adequa perfeitamente ao tipo
penal. Ex.: Art. 172, CP – o tipo fala em duplicata; se eu falsifico uma nota promissória, não pratico
o crime, porque, apesar de nota promissória e duplicata serem títulos de crédito parecidos, não são
iguais, logo, não há adequação típica perfeita.

Ora, se há proibição da analogia, a analogia in malam partem é SEMPRE violadora do


princípio da legalidade, na vertente stricta.

ATENÇÃO – Associação para o tráfico não é equiparado a hediondo: o STJ entende que o
crime de associação não é hediondo e nem equiparado, porque não se encontra no rol taxativo legal
dos crimes hediondos e equiparados.

Da mesma forma, o crime de homicídio qualificado privilegiado não é crime hediondo, por
falta de previsão legal, ie, não integra o rol taxativo dos crimes hediondos.

CUIDADO - Hibridismo penal: está ligado ao concurso de pessoas nos crimes patrimoniais.
O concurso de pessoas no furto é uma qualificadora, aumentando a pena de 2 a 8 anos. A
qualificadora é aplicada na primeira fase na dosimetria da pena, então, a pena base já começa em
2 anos. Por sua vez, no roubo, o concurso de pessoas funciona como uma causa de aumento de
pena, de 1/3 até 1/2. Diante disso, questiona-se: é possível aplicar o concurso de pessoas como
causa de aumento ao crime de furto, e não como qualificadora?

Se fosse possível, a pena do furto ficaria menor, porque ainda que a fração máxima de 1/2
fosse aplicada na pena mínima do furto simples, 1 ano, a pena ficaria em 1 ano e 6 meses, logo a
pena ficaria menor que 2 anos, patamar inicial do furto qualificado. Ora, aqui eu teria analogia in
bonam partem, porque melhoraria a situação do acusado.
Todavia, o STF chamou isso de hibridismo penal, e negou essa possibilidade analogia, porque
segundo o STF, a analogia pressupõe omissão legal. Ocorre que há previsão legal expressa de furto
qualificado pelo concurso de pessoas. Ora, se não há lacuna na lei, não cabe analogia (Info 499 e
Info 501).

O STJ sedimentou o tema na Súmula 442: É inadmissível aplicar, no furto qualificado pelo
concurso de agentes, a majorante do roubo.

d) CERTA: a lei penal deve ser clara, certa, precisa, proibindo-se conceitos vagos e
imprecisos. Ex.: Adultério – a lei falava apenas que era crime cometer adultério, mas não dizia no
que consistia o adultério. Beijo na boca fora do casamento é adultério? A doutrina se dividia, logo,
havia muita insegurança jurídica. Ao fim, o crime acabou sendo revogado.

Ex.2: Art. 4, Lei 7.492/86: gerir fraudulentamente instituição financeira. O que é gerir
fraudulentamente? Da mesma forma, o parágrafo único do mesmo dispositivo fala em gestão
temerária, mas não diz no que isso consiste. A lei é muito vaga e imprecisa.

Ex.3: art. 5, Lei Antiterrorismo: a lei fala que é crime praticar atos preparatórios, mas não
explica o que é isso.

VII – Medida provisória: MP pode prever crime e pena? Medida provisória não é lei, mesmo
que tenha força de lei. Por isso, o art. 62, §1º, I, b, CF, proíbe expressamente a edição de medida
provisória relativa a Direito Penal.

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar


medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao
Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (Incluído pela Emenda


Constitucional nº 32, de 2001)

I - relativa a:

b) direito penal, processual penal e processual civil;


VIII – Princípio da legalidade x medida de segurança: pena é diferente de medida de
segurança, não obstante ambas sejam espécies de sanção penal. Por isso, surge a questão: as
medidas de segurança se sujeitam ao princípio da legalidade? Juízo pode aplicar medida de
segurança sem que haja previsão legal?

A primeira corrente entende que, SIM, o princípio da legalidade se aplica às medidas de


segurança, porque pena e medida de segurança são formas de controle social. Ademais, medida de
segurança, embora não seja pena, é espécie de sanção penal. Por fim, medida de segurança é uma
forma de invasão do Estado na liberdade individual do cidadão. Essa é a posição majoritária na
doutrina (Bittencourt, Prado, Gragoso). Não bastasse isso, o Código penal Italiano, assim como o
Espanhol, e o Português, preveem expressamente que o princípio da legalidade se aplica às medidas
de segurança.

Por outro lado, uma segunda corrente, minoritária, entende que a CF e o CP não abrangem
expressamente medida de segurança, logo, por uma intepretação literal, não se aplica o princípio
da legalidade às medidas de segurança.

IX – Princípio da irretroatividade x medida de segurança: imagine que o inimputável


praticou um crime, mas depois da prática do crime, veio uma nova lei e criou uma nova medida de
segurança. O Juízo pode aplicar a nova lei ou não?

A primeira corrente, majoritária, entente que o princípio da irretroativade se aplica à medida


de segurança, pelos mesmos fundamentos da aplicação do princípio da legalidade.

Por sua vez, uma segunda corrente, minoritária, entente que não se aplica o princípio,
porque a medida de segurança tem finalidade de tratamento curativo, logo, pressupõe-se que a
nova lei traz um tratamento mais eficaz, que merece, portanto, ser aplicado desde logo (Hungria).

1.2. Individualização da Pena (art. 5, XLVI, CF)

I – Introdução: É necessária a individualização da pena para encontrar a pena justa. A pena


do crime vem cominada abstratamente e genérica para todo mundo. A individualização é obtida,
através da aplicação das regras de dosimetria da pena.
O princípio possui três fases:

1ª fase - Cominação: feita pelo legislador ao estipular uma pena mínima e máxima na lei
penal incriminadora. Quando o legislador fixa a pena do furto em 1 a 4 anos, está individualizando
a pena. Diante do roubo, o legislador entende que é um crime mais grave, porque há violência ou
ameaça, então a pena cominada é maior que a de furto.

2ª fase – Aplicação da pena: feita pelo julgador do processo criminal, na sentença.

3ª fase – Execução da pena: feita pelo julgador da Execução Penal, na fase do cumprimento
da pena, concedendo progressão de regime, livramento condicional, reconhecer a remissão da pena
pelo trabalho ou pelo estudo.

II – Crimes hediondos: a lei 8072/90 previa que os condenados por crimes hediondos e
equiparados cumpririam a pena em regime integralmente fechado. Ocorre que regime de pena faz
parte da individualização da pena, e a CF manda individualizar a pena; vem a lei e diz que a pena
para todos deve ser integralmente fechado. Diante disso, o regime integralmente fechado viola a
individualização da pena?

Para a primeira corrente, SIM, porque a CF manda individualizar a pena de acordo com cada
réu, e a lei está generalizando. Logo, o regime integralmente fechado é INCONSTITUCIONAL (Zaffa).

Porém, uma segunda correte entendia que NÃO havia violação do princípio da
individualização da pena, porque a CF determina que a lei regulará a individualização da pena. Ora,
foi o que a lei dos crimes hediondos fez: regulou a individualização, impondo regime fechado para
todos. Ademais, a lei teria obedecido o princípio na fase da cominação (Greco).

A discussão chegou ao STF, no HC 82.959. O STF entendeu pela INCONSTITUCIONALIDADE


do regime integralmente fechado, porque viola o princípio da individualização da pena. Essa
decisão, porém, teve eficácia apenas inter partes (controle difuso).

Após, houve a Reclamação 4335 junto ao STF, quando, finalmente, foi dado efeito ultra
partes para a declaração de inconstitucionalidade do regime integralmente fechado.

Ocorre que, para serem coerentes com o STF, todos os Tribunais começaram a adotar a tese
do STF, no HC 82.959, declarando a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado.
Obs.: Teoria do Comércio entre Juízes (Garapon): para essa teoria, a ordem jurídica de um
país soberano pode ser aplicada em outro país soberano sem que isso fira a soberania daquele país.
Como regra geral, não é possível aplicar o diploma de outro país no Brasil, em respeito à soberania.
Porém, para Garapon, seria possível a aplicação do diploma estrangeiro, sem violação da soberania
nacional, desde que a ordem jurídica estrangeira seja mais eficaz. Assim, seria possível utilizar a
previsão legal alemã de que o controle difuso tem efeitos erga omnes e aplicar no Brasil. Mas
ninguém falou nisso ao tempo da decisão inicial do STF no HC82.959.

Depois disso, o legislador alterou a lei e passou a prever o regime INICIALMENTE FECHADO,
ao invés de integralmente fechado. Assim, a lei está até hoje (Lei 11.464/07).

Ora, a lei continuou inconstitucional, porque continuou impondo o mesmo regime para
todos, de forma genérica, impedindo, por conseguinte, a individualização da pena. Com efeito, na
sentença, após aplicar a pena, o juízo fica impedido de impor regime distinto do fechado. Por isso,
o STF e o STJ reconheceram a inconstitucionalidade da Lei mais uma vez. O STF, no Info 672, e o STJ,
no HC 384.773.

III – Lei de Drogas: no art. 33, §4º, a Lei prevê a redução de pena de 1/6 a 2/3, mas veda a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, assim, como o art. 44. Por isso,
nenhum condenado por tráfico de drogas poderia usufruir da substituição por restritiva de direitos.

Ora, se a previsão legal é genérica, impede que o juízo aplique no caso concreto a
substituição da PPL por PRD. Por conseguinte, viola o princípio constitucional da individualização da
pena.

Por isso, o STF entendeu no Info 604 pela inconstitucionalidade do art. 44 e 33, §4º, Lei de
Drogas, no que toca à vedação de substituição da PPL por PRD, por violar o princípio da
individualização da pena. Não apenas isso, mas o STF comunicou sua decisão ao Senado, que editou
a Resolução nº 5/2012, SUSPENDENDO o art. 33, §4º, LD, na parte que proíbe a substituição, em
respeito à decisão do STF (esqueceu de suspender o artigo 44 também, mas mesmo assim continua
valendo a jurisprudência do STF e do STJ).

1.3. Culpabilidade
É um princípio constitucional implícito. Segundo Santiago Mir Puig, a culpabilidade é um
princípio genérico que possui três vertentes:

a) Elemento integrante do conceito analítico de crime: crime é um fato típico, ilícito e


culpável. Logo, se ausente a culpabilidade, não há crime;

b) Elemento medidor da aplicação da pena: segundo Beccaria, para aplicar a apena, o juízo
deve achar a pena justa, necessária e suficiente. Nesse sentido, a culpabilidade funciona como
fundamento e limite da pena, prevista no art. 59 do CP, consistindo em um juízo de reprovação
pessoal.

c) Elemento que visa a afastar a responsabilidade penal objetiva (Princípio da


responsabilidade penal subjetiva): só posso atribuir um crime a alguém se ele agiu com dolo ou
pelo menos com culpa. Se não há dolo e nem culpa, não há conduta relevante para o Direito Penal.
Isso porque ninguém pode responder por um resultado absolutamente imprevisível, sem que tenha
agido com dolo ou culpa.

Assim, veda-se qualquer espécie de responsabilidade penal coletiva, subsidiária, solidária ou


sucessiva. Em outras palavras, no Direito Penal, só existe responsabilidade subjetiva e pessoal.

ATENÇÃO – Versare in re illicita: consistia numa fórmula que pregava ser o agente
responsável por todas as consequências de seus atos, incluídas as decorrentes de caso fortuito.
Ocorre que, no caso fortuito, não há dolo e nem culpa. Por essa razão, essa fórmula não tem mais
aplicabilidade.

Obs.: Dispositivos legais criticados à luz da 3ª vertente:

i) Art. 73, §2º, Lei 4728/65 (disciplina o mercado de capitais): segundo esse dispositivo, em
caso de pessoa jurídica, a responsabilidade penal recairá sobre todos os seus diretores. Ora, esse
artigo estabelece responsabilidade penal coletiva e objetiva. Por isso, o dispositivo é
inconstitucional.

ii) Art. 3, Lei de Contravenções Penais: diz que quando a lei exigir, deve-se perquirir dolo e
culpa do agente, ou seja, segundo a lei, o dolo e a culpa só seriam verificados quando a lei exigir.
Ora, em qualquer hipótese, sempre se deve perquirir dolo ou culpa, independentemente de a lei
exigir ou não, sob pena de se incidir em responsabilidade objetiva.
ATENÇÃO – Homicídio culposo no trânsito (art. 302, CTB): o MP diz que o agente estava na
direção do veículo automotor e matou a vítima. Segundo o STJ, não basta dizer que o agente estava
na direção do veículo do automotor. A denúncia deve narrar no que consistiu a culpa, descrevendo
no que consistiu a violação do dever de cuidado, sob pena de inépcia e configuração de
responsabilidade penal objetiva (Info 553).

1.4. Princípio da Intervenção Mínima (ultima ratio)

É um princípio implícito que decorre necessariamente dos pressupostos políticos de um


Estado Democrático de Direito. O direito penal trabalha com restrição de liberdade, que é um dos
maiores bens que temos, ou seja, o Direito Penal é um instrumento de controle social formalizado,
em que se priva a liberdade. Assim, a consequência do Direito Penal, privação da liberdade, é muito
grave, muito dura e muito agressiva.

Por essa razão, o Direito Penal deve intervir o mínimo possível na vida das pessoas.

Obs.: O contrário disso é o Direito Penal máximo, que não é aceito no Brasil.

Em suma, o Direito Penal intervém na última fase do controle social, ou seja, se aquele bem
jurídico pode ser tutelado no âmbito de outro Direito (civil, administrativo, tributário...), deve-se
evitar o Direito Penal. Antes de se recorrer ao Direito Penal, devem-se esgotar todos os meios
extrapenais de controle social. Isso porque o Direito Penal não é a prima ratio, e sim a ultima ratio.

1.5. Princípio da Fragmentariedade

Esse princípio expõe a natureza fragmentária do Direito Penal, consistindo em verdadeiro


corolário do Princípio da Intervenção Mínima. Tanto é assim que Nilo Batista diz que a
fragmentariedade é um subprincípio do Princípio da Intervenção Mínima.

Assim, a finalidade do Direito Penal é proteger os bens jurídicos mais importantes e


relevantes para a vida em sociedade. Em outras palavras, o Direito Penal não protege todos os bens
jurídicos, mas apenas um fragmento deles.
A seleção de tais bens jurídicos que merecem proteção é tarefa exclusiva do legislador,
podendo até mesmo variar no tempo, criando novos tipos e revogando tipos ultrapassados. Ex.:
revogação do adultério.

1.6. Subsidiariedade

É um princípio corolário do Princípio da Intervenção Mínima, de modo que também é


chamado por Nilo Batista de subprincípio da Intervenção Mínima.

A subsidiariedade condiciona a intervenção do Direito Penal à incapacidade dos demais


mecanismos de controle social a resolverem adequadamente aquele problema.

1.7. Insignificância

I – Introdução: O Direito Penal tem por finalidade a proteção de bens jurídicos, de modo que
só haverá a intervenção do Direito Penal, quando há lesão a um bem jurídico por ele protegido. Há
situações em que realmente há lesão a um bem jurídico, mas a lesão não é significativa a ponto de
justificar a intervenção do Direito Penal. Nesses casos, aplica-se o princípio da insignificância.

II – Origem: o princípio da insignificância teve origem na Alemanha pós Segunda Guerra


Mundial. Nesse cenário em que a Alemanha estava completamente destruída, havia escassez de
bens e abundância de necessidade, com várias pessoas passando fome e sede. Por essa razão,
entendeu-se que pequenas subtrações de bens não mereceriam a tutela penal. Nasce então o
princípio da insignificância, trabalhando com a ideia de ausência de lesão significativa ao bem
jurídico.

III – Consequência: a conduta se adequa ao tipo penal, ou seja, ela tem tipicidade formal
(adequação perfeito da conduta do agente ao tipo penal), mas não há tipicidade material. Logo, a
incidência do princípio da insignificância afasta a tipicidade material da conduta, tornando o fato
ATÍPICO.
Parte da doutrina entende que o princípio da insignificância não pode ser aplicado pelo
julgador, e que somente o legislador poderia prever tais situações. Tanto é assim que o legislador
previu infrações de menor potencial ofensivo, aplicando regime mais brando e específico. Todavia,
a doutrina majoritária entende pela aplicação do princípio pelo julgador, em determinadas
situações.

IV – Incidência e aplicação: o STF e o STJ estabelecem requisitos para aplicação do princípio


da insignificância. O STF criou quatro requisitos ou vetores (MARI):

i) Mínima ofensividade da conduta;

ii) Ausência de periculosidade social da ação;

iii) Reduzido grau de reprovabilidade da conduta;

iv) Inexpressividade da lesão jurídica.

Os requisitos do STF dizem tudo e nada ao mesmo tempo, porque é pura tautologia. Ora, se
a conduta tem mínima ofensividade, a lesão é inexpressiva, do mesmo modo que a periculosidade
é ausente e o grau de reprovabilidade é mínimo.

ATENÇÃO – O delegado de polícia pode deixar de instaurar inquérito ou deixar de lavrar


APF por entender que a conduta é insignificante?

Uma pessoa foi detida, porque furtou um saco de biscoito do mercado. Há uma lesão
significativa ao patrimônio do mercado? Claro que não. Diante disso, o delegado de polícia poderia
deixar de lavrar o APF?

O STJ entende que NÃO. No Info 441, o STJ decidiu que no momento em que toma
conhecimento de delito, a autoridade policial tem o dever de agir e efetuar o ato prisional. O juízo
acerca da incidência do princípio da insignificância é realizado apenas em momento posterior pelo
Poder Judiciário. Logo, o delegado NÃO pode deixar de lavrar o APF com base no princípio da
insignificância.

Obs.: Todavia, há um Enunciado, nº 10, do Congresso Jurídico dos Deltas RJ, asseverando
que o delegado pode, mediante decisão fundamentada, deixar de lavrar o APF, justificando o
afastamento da tipicidade material com base no princípio da insignificância, sem prejuízo de
eventual controle externo.

V – Crimes contra a administração pública: o princípio da insignificância não se aplica aos


crimes contra a administração pública, porque o bem jurídico tutelado é a moralidade
administrativa. Nesse sentido, o STJ editou a Súmula 599.

CUIDADO – Descaminho: é a única exceção. O STF e o STJ entendem que é aplicável ao


princípio da insignificância ao descaminho, se o valor não ultrapassa VINTE MIL REAIS.

VI – Crimes no âmbito de violência doméstica contra a mulher: a Súmula 589 do STJ enuncia
que não se aplica o princípio da insignificância aos crimes e contravenções penais praticados contra
a mulher em contexto de violência doméstica.

TEORIA DA NORMA
1. Norma e Lei

Lei é aquilo que está escrito no dispositivo legal.

Por sua vez, norma é aquilo que se retira da lei. A lei não traz norma, ela traz o dispositivo.
A norma é abstraída da leitura da lei. Portanto, a norma é fruto da interpretação da lei.

Em outras palavras, a lei é apenas o veículo da norma. O legislador cria a norma e usa a lei
como ferramenta para publicar a norma.

Diante disso, é possível dizer que a norma penal é a proibição ou o mandamento contido na
lei. Nesse sentido, Belling dizia que quando o agente comete um crime, ele não viola a lei; ele viola
a norma. Ex.: A lei é “matar alguém”, a norma é “é proibido matar”. Portanto, o agente age de
acordo com a lei, mas contrário à norma. O agir conforme a lei é justamente a tipicidade formal.

2. Classificação das normas penais


I - Normas penais incriminadoras: a norma traz uma proibição ou um mandamento. Ex.: Art.
135 (omissão de socorro) – a norma é ajude alguém, ou seja, trata-se de um mandamento.

II - Normas penais não incriminadoras: podem ser:

a) Permissivas justificantes: a norma não incrimina, na verdade, ela permite agir. São as
causas de exclusão da ilicitude.

b) Permissivas exculpantes: a norma não incrimina, na verdade, ela exclui a culpabilidade.

c) Explicativas: elas explicam o conteúdo de alguma outra norma. O art. 150, §4º, CP, diz que
o se considera domicílio para o crime de invasão de domicílio.

d) Complementares: não incrimina, não permitem, não explicam, mas são normas que dizem
como se aplicam as outras normas. Ex.: art. 68 e art. 59 – aplicação da pena.

3. Lei Penal no Tempo

3.1. Tempo do crime

Quando o crime considera-se praticado?

Há duas hipóteses:

Para a primeira hipótese, conduta e resultado ocorreram ao mesmo tempo. Ex.: A atira em
B, e B morre na mesma hora. Nesse caso, o momento em que o crime é considerado praticado é
exatamente o dia da conduta e do resultado.

Para a segunda hipótese, conduta e resultado NÃO ocorrem ao mesmo tempo. Ex.: A atira
em B em 20.08, mas B só morre em 15.09. Nessa segunda hipótese, há três teorias sobre o tempo
do crime:

I – Teoria da Atividade (art. 4, CP): para essa teoria, considera-se praticado o crime no
momento da CONDUTA, independente do momento do resultado;

II – Teoria da Resultado: considera-se praticado o crime no momento do resultado,


independente do momento da conduta;
III – Teoria Mista ou da Ubiquidade: preconiza que o crime se considera praticado tanto no
momento da conduta quanto no momento do resultado.

O Código Penal brasileiro adotou a Teoria da Atividade, como positiva o artigo 4, CP.

Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda


que outro seja o momento do resultado.

ATENÇÃO – Homicídio de mulher grávida: a mulher estava grávida de 8 meses. O agente


atira na mulher, resultando na morte da mulher; a criança conseguiu ser salva, é retirada do útero,
mas morre 15 dias depois. O laudo médico afirma que a causa da morte do bebê foi o tiro. Nesse
caso, qual o crime praticado contra a criança: aborto ou homicídio?

Diferença entre aborto e homicídio: a supressão da vida antes do início do parto é aborto;
ao passo que a supressão da vida após o início do parto é homicídio.

Portanto, no exemplo, o agente atirou antes do início do parto, logo, a conduta se deu antes
do início do parto. Ora, como o CP adotou a teoria da atividade, o crime praticado é aborto, pois o
agente praticou a conduta (tiro) antes do início do parto.

3.2. Atividade e Extratividade da Lei Penal

3.2.1. Atividade

A lei penal nasce, cresce e morre. Ela nasce pelo devido processo legal legislativo e morre,
em regra, pela revogação por lei posterior que trate do mesmo tema.

Entre o seu nascimento e sua morte, a lei produz, em regra, vigência e eficácia (pode ter
vigência e não ter eficácia, como lei em vacatio legis). Esse período é chamado de período de
atividade da lei.

Portanto, atividade da lei penal é o período dentro do qual, a lei penal produz, em regra,
vigência e eficácia.

Pois bem, essa lei vai reger todos os fatos praticados durante seu período de atividade. A
isso se chama princípio do TEMPUS REGIT ACTUM. Em outras palavras, a lei só se aplica aos fatos
praticados durante seu período de atividade.
Destarte, aos fatos praticados antes do início da validade da lei, bem como aos fatos
praticados depois do período de atividade da lei, ela não pode ser aplicada.

3.2.2. Extratividade

Rogério Greco diz que extratividade é a capacidade que a lei tem de se movimentar no tempo
regulando fatos ocorridos durante a sua vigência, mesmo depois de ter sido revogada, ou retroagir
no tempo, a fim de regular situações ocorridas anteriormente à sua vigência, desde que benéficas
ao agente.

Portanto, nos casos de extratividade é possível aplicar a lei penal aos fatos praticados antes
de sua vigência ou depois de sua revogação, desde que seja benéfica ao agente.

Temos então a retroatividade e a ultratividade, as espécies de extratividade.

Assim, a eficácia da lei penal no tempo em regra segue a atividade, mas excepcionalmente,
segue a extratividade. Só se trabalha com extratividade, quando houver sucessão de leis no tempo.

Há quatro hipóteses de sucessão de leis no tempo:

a) A lei posterior é mais severa do que a lei anterior (lex gravior ou novatio legis in pejus):
nesse caso, a lei posterior NÃO PODE RETROAGIR em hipótese nenhuma – irretroatividade absoluta.

Isso decorre do Princípio da irretroatividade da lei penal mais severa, prevista no art. 5, XL,
CF.

Art. 5, XL, CF - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Ex.: a antiga Lei de Drogas previa a pena do tráfico de 3 a 15 anos; por sua vez, a nova Lei de
Drogas prevê a pena de 5 a 15 anos. Ora, como a nova Lei de Drogas prevê pena mais severa, ela
não pode retroagir para alcançar os fatos praticados na vigência da lei anterior.

Ex.2: A Lei de Execução Penal sempre previu o prazo de 1/6 para progressão de regime; a Lei
11.464/07 passou a prever que, para os crimes hediondos, o prazo para progressão para os
primários é de 2/5, e aos reincidentes, é 3/5. Ora, sendo assim, se o crime hediondo foi praticado
antes de 2007, não se aplica o novo prazo de 2/5 ou 3/5, pois não se aplica a lei nova mais severa.
Nesse sentido, o STJ editou a Súmula 471.
Súmula 471 do STJ. Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados
cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art.
disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão
de regime prisional.

b) Lei posterior mais benéfica do que a lei anterior (lex mitior ou novatio legis in mellius):
se a lei posterior é mais benéfica do que a anterior, ela SEMPRE RETROAGIRÁ. Isso decorre do
princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (art. 5, XL, CF e art. 2, p. único, CP).

Ex.: para a antiga Lei de Drogas, o crime de porte de drogas para uso possuía pena de 6 meses
a 2 anos; ao passo que a nova lei de Drogas prevê apenas pena de advertência, prestação de serviços
à comunidade, frequência a curso. Nesse caso, como a nova Lei de Drogas é mais benéfica, ela deve
RETROAGIR para se aplicar aos fatos praticados na vigência da lei antiga.

ATENÇÃO – A nova lei mais benéfica pode descontruir uma sentença já transitada em
julgado?

SIM, o art. 2, p. único, CP, preconiza que a lei posterior mais benéfica se aplica aos fatos
anteriores, ainda que decididos por sentença transitada em julgado.

Art. 2, Parágrafo único, CP - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o


agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença
condenatória transitada em julgado.

CUIDADO – É possível a aplicação da lei penal mais benéfica, ainda em vacatio legis?

A lei em vacatio legis tem vigência, mas não tem eficácia. Diante disso, questiona-se sua
aplicação.

A primeira corrente defende que SIM, é possível retroagir, ainda que em período de vacatio,
desde que em benefício do agente, em respeito ao princípio da retroatividade da lei penal mais
benéfica (GRECO).

Todavia, uma segunda corrente entende que NÃO, porque a lei penal em vacatio não tem
eficácia, logo, não pode ser aplicada (DAMÁSIO).
c) Lei posterior aboliu o crime, tornando o fato impunível (abolitio criminis): está prevista
no artigo 2, caput, CP.

Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar
crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença
condenatória.

A abolitio criminis possui natureza jurídica de causa de extinção da punibilidade (art. 107, III,
CP).

Pela leitura do dispositivo, a abolitio faz cessar os efeitos penais, como execução da pena
privativa ou restritiva, pagamento de multa e etc. Todavia, os efeitos civis permanecem
(indenização da vítima).

Pois bem, a abolitio declara extinta a punibilidade, mas quem será o responsável por
declarar a abolitio?

Depende do momento em que ocorrer a abolitio:

i) Se a abolitio ocorreu no curso do processo (em 1º ou 2º grau): o juízo do processo, de 1º


ou 2º grau, será o responsável por reconhecer a abolitio e declarar a extinção da punibilidade;

ii) Se a abolitio ocorreu no curso da execução da pena: nesse caso, o responsável é o juízo
da execução penal, com base no art. 66, I e II, LEP, assim como Súmula 611 do STF;

Art. 66. Compete ao Juiz da execução:


I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o
condenado;
II - declarar extinta a punibilidade;

Súmula 611: Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das


execuções a aplicação de lei mais benigna.

iii) Se a abolitio ocorreu no curso do inquérito policial: o Delegado de Polícia NÃO pode
reconhecer a abolitio e declarar a extinção da punibilidade. Ora, a autoridade policial não pode
arquivar inquérito policial; somente o juízo pode determinar arquivamento, porque só ele tem
jurisdição. Portanto, ao constatar a abolitio, o delegado faz constar no relatório a existência da
abolitio e remete o IP ao Ministério Público. Diante disso, o MP faz a promoção de arquivamento e
requerê-lo ao juízo, porque o MP também não tem jurisdição e, logo, não pode determinar
arquivamento. Quando o processo chega para o juízo, ele pode somente determinar arquivamento
ou pode declarar extinta a punibilidade;

Obs.: Se, mesmo presente a abolitio, o MP denuncia o acusado, a ação penal carece de justa
causa (prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria). Destarte, o juízo deve rejeitar
a denúncia.

iv) Se a abolitio ocorreu antes da instauração do IP: nesse caso, não há indícios de prática
de crime. Portanto, o delegado não deve nem instaurar IP.

d) Lei posterior tem alguns preceitos mais severos e outros mais benéficos que a lei
anterior: nesse caso, seria possível combinar as leis, em suas partes mais benéficas, para encontrar
uma regra mais benéfica ao agente?

Há divergência na doutrina.

A primeira corrente defende que SIM. Se o juízo fizer isso, ele está apenas aplicando os
preceitos constitucionais da retroatividade da lei mais benéfica e da irretroatividade da lei mais
severa. Essa é a posição de Frederico Marques, Bitencourt, Prado e Greco. Em doutrina, essa é a
posição majoritária.

Uma segunda corrente entende que NÃO, porque, ao assim agir, o juízo estaria criando uma
lex tertia sem autorização constitucional, ou seja, o Judiciário estaria legislando. Essa é a posição de
Nelson Hungria e Fragoso.

Por sua vez, na jurisprudência, a matéria está pacífica. O STJ editou a súmula 501 para
enunciar que é VEDADA a combinação de leis. Da mesma forma, o STF, no Info 727, já decidiu pela
impossibilidade de combinação das leis.

3.3. Sucessão de leis penas x Crimes permanentes e crimes continuados


Crime permanente é um crime só, cuja consumação se alonga no tempo, e o agente controla
a permanência.

Se durante a consumação alongada do crime permanente, entra em vigor uma lei mais
severa, ela será aplicada, se a sua vigência é anterior à cessão da permanência.

Nesse sentido, o STF editou a súmula 711: A lei penal mais grave aplica-se ao crime
continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da
permanência.

CUIDADO – A súmula 711 não representa exceção à irretroatividade da lei mais severa,
porque aqui não se fala em extratividade; o crime ainda está se consumando, ou seja, o agente
ainda consumava o crime, quando a nova lei mais severa entrou em vigor. Logo, aplica-se a teoria
da atividade – tempus regit actum.

Da mesma forma, quanto aos crimes continuados, por ficção jurídica, entende-se que eles
representam um crime só. Ora, se a lei mais severa entra em vigor durante a sua prática, aplica-se
a lei mais severa, em respeito ao tempus regit actum.

Obs.: Delmanto, isolado, entende que no caso dos crimes continuados, deveria ser aplicada
a lei antiga aos crimes praticados antes da vigência da nova lei, e a lei nova aos crimes praticados
após sua vigência.

3.4. Dúvida entre qual a lei mais severa ou mais benéfica

Se há dúvida sobre qual a lei mais severa ou mais benéfica, o que o juízo deve fazer?

O CP brasileiro não traz nenhuma solução. Por sua vez, o CP espanhol preconiza que, em
caso de dúvida, deve ser ouvido o réu.

Rogério Greco defende que deve ser aplicado o mesmo entendimento no Brasil.

3.5. Lei Excepcional e Lei Temporária

São leis programadas para durar apenas por um determinado período de tempo específico.
I – Lei temporária: a lei traz o tempo de vigência expresso. Ex.: essa lei vigorará entre os dias
20.01.2018 e 20.01.2019; foi o caso da Lei da Copa.

II – Lei excepcional: dura por um período excepcional, como uma enchente, uma catástrofe
natural. Ela começa a vigorar quando se instala o período de exceção e dura até cessar esse período.
Ex.: surto de dengue.

As leis temporárias e excepcionais são ultrativas e auto-revogáveis.

São auto-revogáveis, porque são revogadas independente da edição de lei posterior. Elas
vão durar pelo prazo previsto em lei ou pela cessação do período excepcional, automaticamente
sendo revogadas após o implemento dessas condições.

São ultrativas, porque se aplicam mesmo após já terem sido revogadas. Logo, aos fatos
praticados durante sua vigência elas serão aplicadas, mesmo após sua revogação.

ATENÇÃO - Ora, sendo assim, a ultratividade das leis excepcional e temporária não viola o
princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica?

Ex.: A pena de roubo é de 4 a 10 anos. Imagine que vem uma lei e diz que, durante a copa, a
pena de roubo passa a ser de 10 a 15 anos. Essa é uma lei temporária, logo, quando a copa acabar,
cessa sua vigência e volta a vigorar a pena de 4 a 10 anos. Se o agente pratica o crime na vigência
da lei temporária, mas só é condenado após sua revogação, será aplicada a pena de 10 a 15 anos,
em razão da ultratividade da lei temporária.

Mas o que acontece se após isso, vem uma lei posterior e passa a prever a pena de roubo de
8 a 12 anos? A lei é mais severa que a primeira, mas é mais benéfica que a lei temporária. Dessa
forma, a lei posterior mais benéfica pode retroagir e derrubar a lei temporária?

A primeira corrente defende que deve prevalecer a norma mais benéfica posterior, pois o
princípio da retroatividade da lei mais benéfica está previsto na CF, ao passo que a ultratividade da
lei temporária está prevista no CP. Portanto, prevalece o dispositivo constitucional, devendo ser
aplicada a norma mais favorável (ZAFFARONI).

Mas a corrente majoritária entende que deve prevalecer a lei temporária, a fim de
resguardar a validade e eficácia da lei temporária. Se assim não fosse, ninguém ia obedecer a lei
temporária (Hungria, Fragoso, Damásio).
4. Norma penal em branco

4.1. Origem

Teve origem na época imperial na Alemanha. Naquela época, existiam leis nacionais, que
tinham um alto grau de generalidade abstração; por isso, elas não conseguiam atender todas as
necessidades das províncias. Por isso, permitiu-se que cada província pudesse editar suas próprias
leis locais para complementar a lei nacional, em ordem de atender suas necessidades específicas.

MEZGER chamava essas leis de tipos em branco. Por sua vez, Binding dizia que a lei penal em
branco seria um corpo em branco em busca de sua alma.

Há matérias que mudam a toda hora, são muito voláteis, de modo que necessitam de
regulamentação constante, e não seria possível aguardar todo o trâmite do processo legislativo. Por
isso, permite-se a complementação por lei penal em branco.

4.2. Conceito

O tipo penal tem um preceito primário (conduta) e um preceito secundário (pena).

Quando o preceito primário se mostra incompleto, lacunoso, de modo que não é possível
defini-lo adequadamente, é necessária uma outra norma para complementar o preceito primário.
Ex.: Lei de Drogas – a Lei não diz o que são drogas; por isso, é necessária a complementação por
outra norma para dizer o que são drogas.

Em suma, lei penal em branco é aquela cujo preceito primário (conduta proibida ou
mandada) se mostra lacunosa, incompleta, necessitando de outro dispositivo legal para sua
integração ou complementação.

4.3. Norma penal em branco x Princípio da legalidade

A lei penal em branco não fere o princípio da legalidade?


A Prof. Espanhola Dulce Maria Santana Veja critica a lei penal em branco, dizendo que ela é
um mal necessário. Para justificar o uso da lei penal em branco, a professora traz uma tríplice ordem
de justificação:

a) Razões técnicas: por razoes técnicas, é necessária a lei penal em branco, porque a
complexidade de determinadas classes de delitos impedem sua precisão dentro do Direito Penal.
Ex.: todo dia entram novas drogas no Brasil; se fosse necessário o processo legislativo inteiro para
incriminar a venda dessas novas drogas, o estrago já estaria feito;

b) Evolução social: a lei penal em branco é necessária para evitar o atrofiamento da


regulação penal. O ritmo da evolução social pode tornar obsoleta a regulamentação penal, porque
o Direito não consegue acompanhar a evolução social. Todavia, a norma penal em branco não pode
ser encarada como mera conveniência, e sim como uma necessidade excepcional;

c) Tutela de bens jurídicos supra individuais: os bens não meramente individuais precisam
de uma maior volatilidade de regulamentação; eles precisam de regulamentação mais constante.
As novas formas de criminalidade (econômica, ambiental) justificam a utilização da lei penal em
branco.

4.4. Classificação

A norma penal em branco pode ser classificada em homogênea e heterogênea, no que toca
à fonte de produção da norma penal.

I – Homogênea (em sentido amplo, de complementação homóloga ou imprópria): o tipo em


branco e o complemento pertencem à mesma fonte de produção. De acordo com o art. 22, I, CF,
compete à União, Congresso Nacional, legislar sobre Direito Penal. Logo, lei penal em branca
homogênea é aquela complementada por norma expedida pela União (Congresso Nacional).

A lei penal em branco homogênea ainda pode ser dividida em homovitelina e heterovitelina:

a) Homovitelina: o tipo em branco e o complemento estão na mesma lei. Ex.: o art. 333, CP,
diz que é crime de corrupção passiva oferecer dinheiro a funcionário público. O art. 327, CP, traz o
conceito de funcionário público. Portanto, o art. 333 é norma penal em branco homogênea
homovitelina, porque as duas normas estão no CP.
b) Heterovitelina: o tipo em branco e o seu complemento estão em leis diversas. Ex.; o art.
235, CP, traz o crime de contrair novo casamento, já sendo casado. Mas é o artigo 1511, CC, que diz
o que é casamento. Portanto, como são normas previstas em leis diversas, o art. 235, CP, é norma
penal em branco homogênea heterovitelina.

II – Heterogênea: o tipo em branco e o complemento pertencem a diferentes fontes de


produção. Nesse caso, a lei penal em branco é complementada por norma expedida por outros
órgãos, que não a União, por meio do Congresso. Ex.: Lei de Drogas é complementada por Portaria
da Anvisa; o Estatuto do Desarmamento é complementado por Decreto, oriundo do Poder
Executivo.

ATENÇÃO – A norma penal em branco heterogênea viola o princípio da legalidade?

O art. 5, XXXIX, CF, traz o princípio da legalidade: não há crime sem lei prévia que o defina.
Na lei penal em branco homogênea, o complemento está em outra lei. Contudo, na heterogênea, o
complemento está previsto em ATO INFRALEGAL, e não em outra lei.

Diante disso, uma primeira corrente da doutrina diz que a norma heterogênea viola o
princípio da legalidade, porque todo preceito primário deve ter previsão em lei. Logo, como na
norma heterogênea, o complemento da conduta está em ato infralegal, derivado do Poder
Executivo, ela viola tanto o princípio da legalidade, como a separação dos poderes (o Poder
Legislativo que deveria prever, por meio de lei, o complemento da conduta). Entendem assim,
GRECO, ZAFFA e Nilo Batisita.

Já uma segunda corrente sustenta que NÃO há violação ao princípio da legalidade, porque
para atender a esse princípio, basta que o tipo penal esteja previsto em lei. Não há nenhum
problema em só o complemento estar previsto em ato infralegal. Essa é a posição majoritária, de
Mirabete e Capez.

4.5. Norma penal em branco x Abolitio criminis

O que acontece se o complemento da lei penal em branco for alterado ou revogado


posteriormente de forma mais benéfica ao agente? Retroage?
Para uma primeira corrente, SIM, a revogação do complemento deve retroagir e gerar a
abolitio criminis, porque o complemento é elemento do tipo; sem o complemento, não há
adequação entre o fato e tipo, ou seja, não há tipicidade formal. Essa é a posição majoritária,
defendida por Juarez Cirino dos Santos.

Já uma segunda corrente entende que NÃO retroage e não gera a abolitio, porque só haveria
abolitio se o tipo penal fosse revogado. Nesse caso, a só revogação do complemento não tem o
condão de gerar abolitio, porque o tipo penal permanece íntegro. Essa é a posição de José Frederico
Marques (minoritária).

O STF decidiu no Info 578 conforme a primeira corrente. No caso em tela, a portaria da
ANVISA deixou de prever o cloreto de etila como entorpecente, em 07.12.2000. Só perceberam o
erro em 15.12.2000, quando devolveram o cloreto à lista. Diante disso, o STF decidiu pela abolitio
do tráfico de cloreto de etila, porque o fato ocorreu antes do dia 15.12 de 2000, quando o cloreto
foi devolvido à lista. Portanto, o STF entendeu pela abolitio, retroagindo os efeitos da exclusão do
cloreto de etila da lista da ANVISA, para os fatos praticados antes de 15.12.2000.

4.6. Norma penal em branco ao quadrado

A norma penal em branco é o tipo penal. A norma penal em branco demanda um


complemento. A norma penal em branco ao quadrado demanda um complemento que, por sua vez,
demanda um outro complemento.

Ex.: art. 38 da Lei 9605/98. A lei diz que é crime destruir floresta considerada de preservação
permanente. O art. 6, da Lei 12.651/12, que vai dizer o que é floresta de preservação permanente.
Mas esse artigo fala que as florestas de preservação permanente são aquelas declaradas de
interesse social pelo Chefe do Poder Executivo.

Portanto, o complemento exige um outro complemento: o ato do Chefe do Poder Executivo.

4.7. Lei penal incompleta ou imperfeita

A lei penal incompleta traz o preceito primário completo, mas o preceito secundário é
incompleto, necessitando de complemento.

Por isso, ela é chamada de lei penal em branco ao inverso.


Em suma, é aquela eu traz satisfatoriamente o receito primário, porém o seu preceito
secundário mostra-se lacunoso ou incompleto, necessitando, portanto, de uma norma para
complementá-lo. Ex.: Lei do Genocídio – prevê como pena as penas do art. 121, CP. Portanto, não
prevê a pena, o preceito secundário, remetendo às penas do CP.

CUIDADO – Artigo 304 do CP: é o crime de uso de documento falso. O artigo precisa de
complementação tanto no preceito primário quanto no preceito secundário. Portanto, o art. 304,
CP, é norma penal em branco homogênea e, ao mesmo tempo, é lei penal incompleta ou imperfeita.

5. Conflito Aparente de Normas

5.1. Conceito

O nome não é muito apropriado, porque o conflito não se dá entre normas, e sim entre tipos
penais. Por isso, o Professor espanhol Santiago Mir Puig chama isso de concurso de leis, mas isso
também não é tão técnico. Por sua vez, Luis Regis Prado chama de concurso aparente de leis penais,
mas também não é acurado, porque o conflito se dá entre tipos penais.

Pois bem, conflito aparente de normas ocorre, quando para um determinado fato,
aparentemente, incidem dois ou mais tipos penais.

Belling conceitua assim: relação que medeia entre duas leis penais, pela qual, enquanto uma
é excluída, a outra é aplicada.

Santiago Mir Puig conceitua assim: fala-se em concurso de leis, quando um fato é incluível
em vários preceitos penais, de que só um pode aplicar-se, posto que sua aplicação conjunta
pressuporia bis in idem. Isso acontece sempre que um dos preceitos bastar, por si só, para apreender
todo o desvalor do fato ou fatos concorrentes. Concorre então um só delito.

Por fim, José Frederico Marques diz que haverá conflito aparente de normas sempre que a
conduta delituosa puder encaixar-se em vários tipos penais aparentemente.

CUIDADO – No conflito de normas, não há conflito intertemporal, ou seja, só há conflito


aparente de normas se os dois tipos estão vigorando; não há revogação de um tipo pelo outro.

5.2. Requisitos
Destarte, são requisitos do conflito aparente de normas:

a) Pluralidade de tipos penais incidentes;


b) Unidade de fato.

5.3. Finalidade

Ora, sendo assim, a finalidade do concurso aparente de normas é evitar o bis in idem. Em
outras palavras, como eu tenho mais de um tipo penal incidente a um único fato, eu não posso
aplicar todos os tipos penais; apenas um será aplicado a fim de evitar o bis in idem.

5.4. Princípios solucionadores do conflito aparente de normas

São três princípios:

I – Especialidade: representa o brocardo latino lex especial derrogat lex generali. Temos dois
tipos penais, que no plano abstrato, aparentemente, são iguais. Todavia, um dos tipos tem um
elemento a mais, chamado por Nelson Hungria de elemento especializante.

Assim, o tipo especial descreve todos os elementos do tipo geral, mas possui um elemento
especializante a mais.

De se notar que não importa se um tem a pena maior que o outro; o que importa é apenas
a existência do elemento a mais. Portanto, a gravidade das penas não é fator determinante para o
princípio da especialidade; o que importa é ter ou não esse elemento a mais.

Ex.: crime de furto x crime de roubo – o crime de roubo tem todos os elementos do furto,
mas tem três elementos a mais - violência própria, ameaça e violência imprópria. Por isso que o
crime de roubo é especial em relação ao furto.

Ex.2: contrabando x tráfico de drogas – o crime de tráfico contém todos os elementos do


contrabando, mas tem um elemento a mais – o objeto contrabandeado é entorpecente.

O art. 12 do CP tenta regulamentar o princípio da especialidade, mas é incompleto. Isso


porque o art. 12 só fala em especialidade entre o CP e lei especial, mas a especialidade existe até
mesmo dentro do próprio CP.
Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei
especial, se esta não dispuser de modo diverso.

De qualquer forma, a consequência da aplicação do princípio da especialidade é que o tipo


penal especial afasta o tipo penal geral (não revoga, e sim afasta).

II – Subsidiariedade: representa o brocardo latino lex primaria derrogat legem subsidiariam.


Na subsidiariedade, analisa-se o fato no plano concreto (diferente da especialidade, onde a análise
se dá no plano abstrato).

Temos dois tipos penais que protegem o mesmo bem jurídico, com graus diferentes de
proteção. Eu tenho um tipo menos grave e um tipo mais grave.

Segundo Fragoso, existe subsidiariedade, quando a norma que define o tipo menos grave
está abrangido pelo tipo mais grave.

Em outras palavras, o tipo menos grave está contido no tipo mais grave. O crime mais grave
é chamado de tipo principal, enquanto o tipo menos grave é chamado de tipo subsidiário. Por isso,
Nelson Hungria chama o tipo subsidiário de soldado de reserva.

Destarte, o conflito aqui é resolvido pela preferência ao tipo principal (mais grave), afastando
a incidência do tipo subsidiário, de forma que o tipo subsidiário só incide, quando, no caso concreto,
o tipo principal não puder ser aplicado.

A subsidiariedade pode ser expressa ou tácita:

a) Expressa: o próprio tipo penal subsidiário já deixa expresso que ele só será aplicado, se o
fato não constituir crime mais grave. Ex.: crime de disparo de arma de fogo – o agente só responde
por disparo, se o fato não constituir crime mais grave, como homicídio;

b) Tácita: o tipo penal não deixa claro que é subsidiário, mas é possível chegar a isso por
interpretação sistemática. Ex.: o crime de constrangimento ilegal está contido no crime de roubo;
no crime de estupro; no crime de extorsão; mas em todos os casos, a lei não deixa expresso que o
tipo é subsidiário; chega-se a essa conclusão através da interpretação sistemática.

CRÍTICA – A doutrina critica a subsidiariedade tácita, porque seria possível resolver os


conflitos pelo princípio da especialidade. Ademais, a subsidiariedade tácita estaria esvaziada pela
Teoria Finalista da conduta – ora, se o agente tinha o dolo de matar, e atira contra a pessoa, ele não
vai responder por disparo de arma de fogo, ele responde por tentativa de homicídio.

III – Consunção: representa o brocardo latino lex consumens derrogat legem consumptam.
Aqui, também, não se leva em consideração a gravidade dos crimes, assim como no princípio da
especialidade.

Divide-se em três subprincípios ou vertentes:

a) Crime progressivo: um dos crimes constitui o meio necessário ou uma fase normal de
preparação ou de execução para um crime diverso. Temos aqui, então, o crime meio e o crime fim.

Destarte, o dolo do agente é de praticar o crime fim, mas para chegar a este crime fim, ele
passa necessariamente pelo crime meio, ou seja, não tem como chegar ao crime fim, sem passar
pelo crime meio antes. Por essa razão, o crime meio é chamado de crime de ação de passagem.

Ex.: no crime de homicídio, não tem como matar sem lesionar anteriormente. Portanto, a
lesão é crime meio necessário para chegar ao crime fim homicídio.

Nesse caso, como o dolo é de praticar o crime fim, o crime meio é absorvido pelo crime
fim. O crime meio é considerado ante factum impunível ou fato anterior penalmente impunível.
Portanto, o agente responde só pelo crime fim.

Ex.2: Súmula 17 do STJ – quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencial lesivo,
fica por esse absorvido. Nesse caso, o crime menos grave, estelionato, absorve o crime mais grave,
o falso.

Obs.: Assim, o crime consumado absorve o crime tentado.

ATENÇÃO – O STJ entendeu no Info 597 que, quando o falso se exaure no descaminho, sem
mais potencialidade lesiva, aquele é por esse absorvido como crime fim, condição que não se altera
por ter pena mais leve que este.

b) Progressão criminosa: o iter criminis é o caminho do crime – constitui-se em cogitação,


preparação, execução e consumação.
Na progressão criminosa, o agente age com dolo de praticar um primeiro crime, porém
durante a execução do primeiro crime, seu dolo muda e passa a ser o dolo de praticar o segundo
crime. Portanto, aqui, há uma mudança de dolo antes de o agente atingir a consumação do primeiro
crime, pois durante a execução do primeiro crime, ele muda de dolo e passa a executar o segundo
crime.

De se notar que não importa se o segundo crime é mais grave que o primeiro crime. NÃO se
analisa a gravidade dos crimes, e sim a mudança de dolo. Nesse caso, o segundo crime afasta a
aplicação do primeiro crime. Portanto, o agente responde apenas pela prática do segundo crime.

Ex.: inicialmente, o agente tem o dolo de torturar a vítima, começa a torturar, mas antes de
acabar a tortura, decide matar a vítima. Assim, ainda durante a execução da tortura, o agente muda
o dolo e passa a ter o dolo de homicídio. Portanto, o agente responde apenas pelo homicídio.

Diante disso, a diferença entre o crime progressivo e a progressão criminosa é que naquele,
há apenas um dolo, ao passo que na progressão, há dois dolos. Além disso, no crime progressivo, o
dolo é um só e se mantém, não muda; já na progressão, há mudança de dolo.

c) Post-factum impunível: aqui temos dois tipos penais que protegem o mesmo bem
jurídico. O primeiro crime causa a lesão ao bem jurídico; quando o agente pratica o segundo crime,
não causa nova lesão ao bem jurídico. Por isso, se não há nova lesão, o segundo crime será um fato
posterior irrelevante para o Direito penal, um post-factum impunível.

Ex.: Crime de falsificação de documento x uso de documento falso: quando o agente falsifica
o documento, ele já causa lesão ao bem jurídico – fé pública; dessa forma, quando ele usa o
documento falso, não há nova lesão, pois a fé pública já foi lesionada quando da falsificação.
Portanto, o crime de uso é post-factum impunível.

Diante disso, o agente responde apenas pelo primeiro crime. No exemplo dado, o agente
responde apenas pelo crime de falsificação de documento; de modo que o segundo crime é apenas
post-factum impunível. Em outras palavras, o fato posterior é mero exaurimento do primeiro fato.

Em suma, no crime progressivo, há um dolo só; ao passo que, na progressão, há dois dolos,
com mudança de dolo; e por fim, no post-factum impunível, há lesão ao mesmo bem jurídico.
Obs.: O princípio da alternatividade não é um princípio solucionador do conflito aparente
de normas, porque estamos diante de um tipo misto alternativo. Ora, se temos um tipo só com
vários verbos típicos, não se fala em conflito aparente de normas, porque não há mais de um tipo.

6. Aplicação da Lei penal no espaço

6.1. Lugar do crime

Onde o crime considera-se praticado?

Há duas hipóteses:

a) A conduta do agente e o resultado acontecem no mesmo local: nesse caso, o crime


considera-se praticado no local onde houve a conduta e o resultado;

b) A conduta e o resultado acontecem em locais diferentes: há algumas teorias que buscam


explicar qual o local do crime nesse caso:

i) Teoria da atividade: preconiza que o local do crime é o local onde conduta comissiva ou
omissiva foi praticada;

ii) Teoria do resultado: considera-se o crime praticado no local onde ocorreu o resultado;

iii) Teoria da intenção: considera-se praticado o crime no local em que o resultado deveria
ocorrer, segundo a intenção do agente. Essa teoria é muito criticada, porque não explica os crimes
culposos e preterdolosos, em que o agente não tem intenção;

iv) Ubiquidade ou mista: considera-se praticado o crime tanto no local em que ocorreu a
conduta, como no lugar em que ocorreu o resultado. Essa teoria foi adotada pelo CPP, no art. 6.

6.2. Territorialidade e Extraterritorialidade

6.2.1. Introdução

Esses conceitos estão relacionados à soberania. De acordo com a soberania, a lei penal tem
vigência em todo o território nacional. Entretanto, pode acontecer de os efeitos da lei penal
brasileira transcenderem o território nacional, e seja aplicada em fato cometido fora do território
nacional.

Territorialidade é a aplicação da lei penal brasileira às infrações penais cometidas em


território nacional.

Extraterritorialidade é a aplicação da lei brasileira às infrações cometidas fora do território


brasileiro.

6.2.2. Territorialidade (art. 5, CP)

O art. 5 do CP diz que se aplica a lei penal brasileira ao crime cometido no território nacional.
Isso representa a territorialidade.

Art. 5º, CP - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras
de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

Todavia, a territorialidade não é absoluta; ela é TEMPERADA por Tratados e Convenções


Internacionais. Ema algumas vezes, o Estado abre mão de sua soberania, de modo que pode ser
aplicada uma lei estrangeira.

Em suma, o Código Penal brasileiro adotou a Teoria da Territorialidade Temperada ou


mitigada.

Mas o que é território nacional?

O território nacional engloba:

a) Superfície terrestre (solo e subolos);

b) Águas territoriais (fluviais, lacustres e matrítimas);

c) Espaço aéreo correspondente.

Além disso, temos Mar Territorial, que é a faixa legal ao longo da costa brasileira, que forma
a plataforma continental até 12 milhas marítimas a partir do litoral brasileiro, conforme a Lei
8617/93.

Ainda temos a extensão do território nacional, incluindo-se aí:


a) Embarcações e Aeronaves brasileiras públicas ou a serviço do governo brasileiro, ou
mercantes, ou de propriedade privada;

Art. 5, § 1º, CP - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território


nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço
do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as
embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem,
respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

b) Embarcações e Aeronaves estrangeiras privadas, no território nacional.

Art. 5, § 2º, CP - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo
de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se
aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo
correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

6.2.2. Extraterritorialidade

Refere-se à aplicação da lei penal brasileira às infrações praticadas fora do território


nacional. Está prevista no artigo 7 do CPP. Divide-se em:

a) Incondicionada: aplica-se a lei penal brasileira, independentemente de qualquer


condição;

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:


I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de
Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista,
autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;
§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que
absolvido ou condenado no estrangeiro.
b) Condicionada: aplica-se a lei penal brasileira, apenas se observadas algumas condições
previstas na lei.

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:


II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de
propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das
seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a
extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar
extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.
§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra
brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.

Obs.: Nessas hipóteses, a lei penal brasileira PODE ser aplicada, mas sua aplicação não será
obrigatória; vai depender de Tratados e Convenções internacionais.

6.2.3. Princípios da Extraterritorialidade

I - Princípio da Personalidade Ativa (art. 7, II, b, CP): A lei brasileira será aplicada, quando o
autor da infração penal for brasileiro. Leva-se, portanto, em consideração a nacionalidade do
agente;

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

II - os crimes:

b) praticados por brasileiro;


II – Princípio da Personalidade Passiva (art. 7, §3º, CP): a lei brasileira será aplicada ao crime
cometido fora do território, quando a vítima do crime for brasileira;

§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra


brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:
a) não foi pedida ou foi negada a extradição;
b) houve requisição do Ministro da Justiça.

III – Princípio da Defesa, Real ou proteção: não tem previsão legal. Preconiza que a lei
brasileira será aplicada, quando o bem jurídico lesionado for protegido pelo direito brasileiro. Não
se considera, portanto, as condições de nacionalidade do autor ou da vítima. Ex.: falsificação de
moeda nacional no estrangeiro;

IV – Princípio da Justiça Universal ou Cosmopolita (art. 7, II, a, CP): aplica-se a lei brasileira
se o Brasil se obrigou a reprimir o crime praticado por meio de Tratado internacional. Exs.: tráfico
de drogas; lavagem de dinheiro; violência doméstica contra a mulher; tortura; genocídio;

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:


II - os crimes:

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

V – Princípio da Representação ou pavilhão ou da bandeira (art. 7, II, c, CP): aplica-se a lei


brasileira às infrações praticadas em embarcações e aeronaves brasileiras, mercantes ou privadas,
em território estrangeiro, desde que lá não sejam julgadas.

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:


II - os crimes:

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de


propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

7. Aplicação da lei penal em relação às pessoas


7.1. Imunidades diplomáticas

7.1.1. Origem

Tem origem no Estado Absolutista, quando vigorava a Teoria do Direito Divino, para a qual
o rei era escolhido por Deus. O rei era o Estado, a legalidade e a justiça.

Ora, se o rei era escolhido por Deus, ele só respondia perante Deus. O parlamento ficou
insatisfeito com a situação e criou um mecanismo de defesa contra o rei. Nasce aí a imunidade do
parlamento, uma forma de proteção contra o rei.

7.1.2. Imunidade do Parlamentar Federal (art. 53, CF)

I – Imunidade material (art. 53, caput, CF): os parlamentares federais são invioláveis por
quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, ou seja, crimes que em tese seriam praticados por
opiniões, palavras e votos, como a calúnia, injúria, difamação.

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por


quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

O parlamentar exerce sua função por meio de palavras, votos e opiniões. Por isso, ele precisa
ser livre para se expressar com tranquilidade, sob pena de comprometer a função de parlamentar.

A imunidade material possui duas características principais:

a) Exigência do nexo funcional (em razão da função): as palavras, votos e opiniões devem
ser expressadas no exercício da função;

b) Não há limite territorial: as palavras, opiniões e votos continuam protegidos mesmo que
praticados fora do Congresso, desde que respeitado o nexo funcional.

ATENÇÃO – O STF entendeu no Info 865 que o crime de divulgação de informação falsa sobre
instituição financeira fica afastado pela imunidade do parlamentar relativa às opiniões, palavras e
votos, por haver ligação entre o que foi veiculado e o exercício do mandato parlamentar, ou seja,
foi praticado em razão da função.

Qual a natureza jurídica da imunidade material?

Há muita controvérsia na doutrina. Existem oito correntes:


A primeira corrente defende que é causa excludente de crime (Hungria).

A segunda corrente sustenta que é causa que opõe à formação do crime (Basileu Garcia).

A terceira corrente entende que é causa pessoal de exclusão da pena (Fragoso).

A quarta corrente defende que é causa funcional de exclusão ou isenção de pena (Damásio).

A quinta corrente entende que é causa de exclusão da criminalidade (Vicente Sabino).

A sexta corrente sustenta que é causa de irresponsabilidade (Magalhães Noronha).

A sétima corrente defende que é causa de incapacidade penal por razões políticas (José
Frederico Marques).

A oitava corrente diz que é causa de exclusão da tipicidade. Essa é a posição do STF e da
jurisprudência dominante.

II – Imunidade processual (art. 53, §3º a §5º, CF): após a emenda 35/2001, a CF passou a
prever que após o recebimento da denúncia pelo STF, a Casa Legislativa será comunicada e poderá
sustar o processo, suspendendo também a prescrição.

§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após


a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por
iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus
membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.
§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo
improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.
§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato.

III – Imunidade prisional (art. 53, §2º, CF): desde a expedição do diploma (e não a posse), os
membros do CN não podem ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os
autos serão remetidos à Casa respectiva para que resolva sobre a prisão.

§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não


poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos
serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo
voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
Destarte, parlamentar federal pode ser preso, desde que em flagrante de crime inafiançável.
Isso visa proteger o Parlamento, enquanto Poder estatal.

De qualquer forma, o parlamentar pode ser preso preventivamente ou por condenação.

Mas o que significa que a casa vai resolver sobre a prisão?

Significa que a Casa poderá RELAXAR A PRISÃO. Essa é a única hipótese de relaxamento de
prisão fora do Poder Judiciário.

IV – Imunidade de testemunho (art. 53, §6º, CF): os parlamentares não serão obrigados a
testemunhar sobre as informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato.

Mais uma vez, a imunidade está vinculada ao exercício do mandato.

§ 6º Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre


informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre
as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações.

V – Imunidade de foro (art. 53, §1º, c/c art. 102, I, b, CF): é o foro especial por prerrogativa
de função (não se chama foro privilegiado).

§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos


a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

A CF nunca delimitou o foro especial aos crimes praticados em razão do cargo; pelo
contrário, ela sempre previu o foro amplo e genérico, aplicável a qualquer crime.

Todavia, o STF, num entendimento recente, publicado no Info 900, deu uma interpretação
diferente e restritiva. O STF decidiu que o foro especial por prerrogativa de função só se aplica aos
crimes relacionados à função de parlamentar.

Portanto, os crimes devem ter sido praticados durante o exercício do cargo e relacionados
às funções desempenhadas. Ademais, após o fim da instrução, o processo continuará com o Tribunal
respectivo, mesmo com a perda do mandato.

Dessa forma, os fatos praticados antes do exercício e sem relação com o cargo não mais
serão julgados pelos Tribunais referentes ao foro especial.
CUIDADO – O STJ manteve o foro especial para crime comum praticado por Desembargador,
mesmo que sem relação com a função (Info 639).

ATENÇÃO – Aquisição e perda superveniente do foro especial: os fatos praticados antes do


exercício da função não serão abrangidos pelo foro especial. Por sua vez, caso o crime tenha sido
praticado durante o exercício do cargo, e o acusado perca o cargo antes do julgamento, ele perde o
foro especial.

Obs.: Parlamentar afastado para ser Ministro do Poder Executivo mantém as imunidades?

Ora, o foro especial se dá em razão das funções. Logo, como ele saiu do cargo, ele perde as
imunidades do cargo de parlamentar federal.

7.1.3. Parlamentares estatuais (art. 27, §1º, CF)

Os parlamentares estaduais possuem as mesmas imunidades dos parlamentares federais.

Art. 27, § 1º, CF - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais,
aplicando- sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral,
inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença,
impedimentos e incorporação às Forças Armadas.

Nesse sentido, o STF entendeu no Info 939 que os deputados estaduais têm direito às
imunidades formal e material e à inviolabilidade conferida aos congressistas.

7.1.4. Parlamentares Municipais (art. 29, VIII, CF)

Os vereadores só possuem a imunidade material, ou seja, imunidade quanto às suas


opiniões, palavras e votos, desde que relacionados ao cargo, e mais, desde que na circunscrição
municipal em que são vereadores.

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara
Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta
Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
VIII - inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no
exercício do mandato e na circunscrição do Município;

Nesse sentido, o STJ entendeu no Info 617 que os juízes de primeiro grau podem impor a
parlamentares municipais medidas cautelares sem necessidade de autorização da Câmara, porque
eles não têm essa imunidade.

7.2. Imunidades diplomáticas

7.2.1. Origem

Sua origem está no art. 5 do CP, que traz o princípio da Territorialidade Temperada.

Além disso, a imunidade está prevista na Convenção de Viana. O diplomata tem imunidade
devido à grande importância de sua função em país estrangeiro.

7.2.2. Alcance da imunidade

A imunidade diplomática abrange o diplomata, sua família, seus objetos de trabalho, seus
documentos de trabalho.

Ademais, a imunidade alcança o pessoal do apoio técnico e administrativo, como o secretário


e o motorista do diplomata.

7.2.3. Imunidade de Jurisdição

O art. 31 da Convenção de Viana prevê que o diplomata goza de imunidade de jurisdição


penal no Estado acreditando.

A imunidade de jurisdição não pode ser renunciada pelo agente diplomático, porque só
quem pode fazer isso é o Estado acreditante.

Portanto, o diplomata não pode ser julgado no país acreditando, mesmo que o crime não
tenha relação com a função.
Todavia, o diplomata pode ser detido em flagrante para impedir que ele continue praticando
um crime. Porém, a detenção deve ser seguida da comunicação ao Estado acreditante para tomar
as medidas cabíveis. Mesmo nessa hipótese, ele não poderá ser julgado no país acreditando.

ATENÇÃO – Qual a natureza jurídica da imunidade de jurisdição?

Há duas correntes:

A primeira corrente, majoritária, defende que é uma causa pessoal de exclusão de pena
(Bitencourt e Fragoso).

Já a segunda corrente diz que é uma causa de exclusão da jurisdição nacional (Damásio).

TEORIA DO CRIME
1. Conceito de crime

1.1. Conceito Material

Para o conceito material, crime é toda conduta que causar lesão ou que gerar perigo ao bem
jurídico tutelado.

1.2. Conceito Formal

Para o conceito forma, crime é toda conduta prevista em lei como criminosa, delituosa, como
infração penal, sob ameaça de uma sanção.

Perceba que os dois conceitos são, embora diversos, são inseparáveis, porque se a conduta
é prevista em lei como crime, é porque causa lesão ou expõe à lesão bem jurídico, e vice-versa.

1.3. Conceito Analítico

Esse é o principal conceito, também chamado de estratificado. O conceito analítico separa


o crime em três partes, para estudar cada parte separadamente. Mas quais as partes que compõem
o crime?

Há quatro correntes:
Uma primeira corrente defende que o crime é tão somente o fato típico. Essa corrente é
muito antigo e não é mais utilizada.

Uma segunda corrente entende que o crime é fato típico e ilícito. Para a segunda corrente,
culpabilidade não é elemento do crime, e sim tão somente pressuposto para aplicação da pena. Seu
fundamento é que o art. 23 do CP diz que, quando presente causa excludente da ilicitude, não há
crime. Por sua vez, no art. 25, quando a lei exclui culpabilidade, a lei diz que não há pena. Essa é a
posição de Damásio e Mirabete, mas é minoritária.

Uma terceira corrente defende que o crime é fato típico, ilícito e culpável. Portanto, a
culpabilidade integra sim o crime, e não mero pressuposto de pena. Ora, a aplicação da pena
depende não apenas da culpabilidade, mas também da ilicitude e da tipicidade. Essa é a corrente
majoritária, apoiada por Nelson Hungria. Da mesma forma, Welzel diz que o fato típico, a ilicitude
e a culpabilidade convertem a conduta humana em crime.

Por fim, uma quarta corrente sustenta que o crime é fato típico, ilícito, culpável e punível.
Essa é uma corrente também minoritária.

FATO TÍPICO
1. Introdução

O fato típico é uma conduta, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva; que gera um
resultado. Entre a conduta e o resultado deve haver um nexo de causalidade, a relação de causa e
efeito entre conduta e resultado. Por fim, ainda deve haver tipicidade, formal ou material.

2. Conduta

2.1. Introdução

De onde surge o crime?

O crime não surge de eventos naturais, como terremotos, enchentes e etc. Da mesma forma,
animais não dão causa a crimes. Crime é sempre oriundo de uma conduta humana.
2.2. Teorias da conduta

O direito penal moderno é um direito penal da conduta. Com efeito, Welzel dizia que a
tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são os três elementos que convertem a ação em
delito.

Destarte, conduta é o primeiro elemento do fato típico. Todavia, o CP brasileiro não


conceitua conduta. Por isso, ficou a cargo da doutrina conceituá-la, especialmente, a doutrina
alemã.

2.3. Teoria causalista, causal, causal-naturalista ou sistema causalista (Von Liszt, Beling e
Radbruch)

I – Conceito: essa Teoria era chamada de Teoria causalista da ação. Destarte, não se falava
ainda em conduta, falava-se apenas em ação. Portanto, a única forma de conduta relevante era a
conduta comissiva, ou seja, conduta praticada mediante ação.

Para essa teoria, ação humana é simplesmente um movimento corporal voluntário que
causa uma modificação no mundo exterior. Dessa forma, a manifestação de vontade é toda
conduta resultante de um movimento corporal.

II – Elementos: Para essa teoria, a ação humana era composta de três elementos:

a) Vontade: foi um movimento voluntário? Voluntariedade significa uma ação ausente de


coação. O problema é que não se perguntava qual o conteúdo dessa vontade.

O conteúdo da vontade é a finalidade, mas os causalistas não se preocupavam com a


finalidade do agente ao praticar a ação, ou seja, o fim do agente era irrelevante para a conduta. A
finalidade só seria analisada lá na frente, na culpabilidade. Portanto, para os causalistas, era possível
conduta sem finalidade.

b) Movimento corporal: é o que os causalistas chamavam de inervação muscular, porque o


que faz o corpo humano se mexer são os músculos. Destarte, movimento corporal consiste num
mero movimento mecânico.

c) Resultado: o resultado deveria ser criminoso.


IV – Beling: Em suma, para Beling, a ação humana tem duas partes: a parte externa,
consistente na inervação muscular (movimento muscular) e uma parte interna, consistente no
comportanto corporal voluntário. Mas não questionava qual a finalidade da ação.

V – Mezger: criticava a teoria causalista, porque ela se limitava a perguntar o que foi causado
pelo agente e não o que agente quis com sua ação. Separava, assim, a vontade e a finalidade, de
modo que bastava a vontade de praticar a conduta, independentemente de sua finalidade. Mas a
finalidade é o próprio conteúdo da vontade. Inobstante, o conteúdo da vontade, a finalidade, só
seria analisado lá na culpabilidade. Em suma, a teoria causalista só perguntava se o agente quis
realizar a ação, e não o que ele quis – o ato foi voluntário? Sim. Então há ação.

V- Críticas: Há várias críticas à Teoria causalista além das de Mezger:

a) A Teoria causalista não explicava a figura da tentativa: Se a conduta é desprovida de


finalidade, não é possível explicar se o agente quis realizar a conduta e falhou.

b) Não explicava também os crimes omissivos. Ora, no crime omissivo, não há movimento
corporal, portanto, não há ação (“Do nada, nada surge” – Maurach).

c) Não explicava o especial fim de agir: porque a conduta não tinha finalidade, quanto mais
especial fim de agir.

d) Não explicava a conduta do inimputável pelo critério biopsicológico. O inimputável não


tem culpabilidade, mas age com dolo. Se o dolo está na culpabilidade, não há explicação para a
conduta desse inimputável.

2.4. Teoria Finalista, final ou sistema finalista

I – Origem: Welzel critou a Teoria finalista, com base nos ensinamentos filosóficos de Platão
(doutrina finalista do mundo – “Fédon”); Aristóteles (“Metafísica”); Santo Tomás de Aquino (“tudo
que existe na natureza, existe para um fim”); Kant e Hegel (fizeram a dissociação entre finalidade e
religião).
Por fim, a formulação final de Welzel veio com Hartman, que dizia que a ação percorre três
estágios: primeiro, o homem antecipa mentalmente seus objetivos; depois ele coloca em
movimento os meios adequados para alcançar seus objetivos; por fim, o homem consegue realizar
seus objetivos.

Veja que a fórmula de HARTMAN se encaixa perfeitamente no iter criminis: antecipação –


cogitação; coloca em movimento os meios adequados – preparação e execução; consegue a
realização – consumação.

II – Finalidade: Welzel escreveu sobre o sistema finalista pela primeira na obra “Causalidade
e ação”. Já no seu livro “Direito Penal Alemão”, ele diz que a ação humana é exercício de uma
atividade final. Destarte, Welzel acabou com a separação insustentável entre a vontade e seu
conteúdo, ou seja, não se admitia mais conduta sem finalidade.

Para Welzel, toda ação humana tem uma finalidade, de forma que não se concebe uma
ação humana sem nenhuma finalidade.

Por essa razão, a ação é um acontecer final e não um acontecer meramente causal, porque
o homem pode prever as consequências de sua conduta.

III – Crime doloso x crime culposo: Welzel criticava a teoria finalista, porque ela não explica
os crimes culposos. Ora, nos crimes culposos, o agente não tem a intenção de provocar o resultado.

Diante disso, Welzel reformulou sua Teoria Finalista, e passou a dizer que, no dolo, o agente
tem a finalidade de provocar um resultado ilícito, ou seja, sua finalidade é ilícita. Por sua vez, na
culpa, o agente tem a finalidade de obter um resultado lícito, ou seja, sua finalidade é lícita, mas
os meios utilizados por ele para tanto são descuidados (o agente viola o cuidado necessário de
tráfego por imprudência, negligência ou imperícia).

IV – Teoria adotada no Brasil: o Código Penal brasileiro adota a Teoria finalista.


Com efeito, o artigo 20 do CP, que trata do erro de tipo, prevê que o dolo está no tipo. Ora,
o tipo descreve uma conduta a ser praticada pelo agente; a conduta contém o dolo. Portanto, o dolo
já está na conduta, como defende a teoria finalista.

Além disso, a Teoria finalista explica o tipo complexo, que contém elementos objetivos
(descritivos e normativos); e elementos subjetivos, que representam o dolo e o especial fim de agir,
trazidos para a conduta pela Teoria finalista (a teoria causalista só falava em dolo na culpabilidade,
e nem sequer conseguia explicar o especial fim de agir).

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o


dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.

2.5. Ausência de conduta

O Código Penal brasileiro não reconhece expressamente as hipóteses de ausência de


conduta. Coube, então, à doutrina explanar quais são essas hipóteses.

I – Coação física irresistível: aqui há uma força física exercida sobre a vítima, excluindo a
conduta, porque retira toda a voluntariedade da conduta. Portanto, quem responde pelo crime é o
coator, e não o coagido (que sequer praticou conduta).

Em outras palavras, como não há conduta, o fato praticado pelo coagido é atípico.

II – Movimentos reflexos: mais uma vez, não há conduta voluntária, como o agente que leva
um susto e acaba acertando um tapa em outrem. Como não há voluntariedade, não há conduta, de
modo que o fato é atípico.

III – Estados de inconsciência: como em ataques epilépticos e sonambulismo. Nesses casos,


não há voluntariedade, de modo que não há conduta e, por conseguinte, o fato é atípico.

2.6. Pessoa jurídica


A pessoa jurídica não tem conduta; a conduta sempre é da pessoa física administradora da
pessoa jurídica, segundo a doutrina majoritária. Logo, a pessoa jurídica não pratica crime.

Todavia, a jurisprudência admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes


ambientais, com fundamento no art. 225, §3º, CF. Além disso, não se exige mais a dupla imputação
(necessidade de a pessoa jurídica responder ao crime em concurso com uma pessoa física), de modo
que a pessoa jurídica pode responder sozinha ao processo penal.

2.7. Dolo

2.7.1. Introdução

Como vimos, com a teoria finalista de Welzel, o tipo penal passou a conter elementos
objetivos e subjetivos. O elemento subjetivo é justamente o dolo, ou seja, o dolo e a culpa passaram
a estar dentro do tipo.

Dolo, segundo o art. 18, I, CP, é quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de
produzi-lo. Portanto, o CP não traz o conceito de dolo, limitando-se a trazer suas espécies.

Art. 18 - Diz-se o crime:

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

2.7.2. Conceito

O dolo é a vontade mais a consciência em relação à realização dos elementos do tipo


objetivo.

Welzel dizia que dolo é o conhecimento e querer a concretização do tipo.

Num conceito mais amplo, dolo seria toda ação consciente levada pela decisão de ação, ie,
pela consciência do que se quer (o elemento intelectual) e a decisão de querer realizá-lo (o
elemento volitivo). Ambos elementos juntos, como fatores criadores de uma ação real, constituem
o dolo.

2.7.3. Elementos
O dolo tem dois elementos: volitivo e cognitivo.

Esses dois elementos sempre devem estar juntos. Não pode haver vontade sem consciência
e nem consciência sem vontade, para fins de dolo.

Porém, cada elemento tem suas próprias características.

a) Volitivo: é a vontade, ou seja, o conteúdo da conduta. Ela deve abranger o nexo causal e
o resultado. Ex.: homicídio – vontade de matar (resultado) e vontade de furar com uma faca (nexo
causal).

Além disso, a vontade tem quer ser incondicionada e ainda capaz de influenciar
diretamente o resultado criminoso.

Incondicionada, porque precisa constituir a decisão de praticar uma conduta criminosa já


definida. Ex.: se eu pego uma faca e ainda não sei se quero te matar, ameaçar ou lesionar, ainda não
existe uma vontade incondicionada. Quando, eu decidir te matar, ou seja, quando defino minha
conduta, só então tenho a vontade bem definida como elemento do dolo.

Em outras palavras, a vontade deve ser definida à prática de um determinado crime


específico.

Capaz de influenciar diretamente o resultado criminoso, para que o resultado criminoso


seja tratado como obra do autor. Ex.: quero matar você e levo você para um tiroteio; você vai e no
tiroteio você é atingido. Mesmo que eu quisesse te matar, pelo simples fato de te levar ao tiroteio,
não é possível atribuir a morte ao convite para o local.

CUIDADO – Vontade x Desejo: vontade tem a capacidade de influenciar diretamente aquele


resultado. Já o desejo não tem capacidade de influir naquele resultado. No exemplo anterior, eu
tinha apenas o desejo de que você morresse, por isso, levei para o local do tiroteio. Porém, esse
desejo não teve capacidade de influenciar o resultado criminoso.

b) Cognitivo: é a consciência atual sobre a conduta que estou praticando. Ex.: se eu saco uma
arma e disparo contra você, eu tenho consciência que estou te matando.
Essa consciência também deve abranger todos os elementos objetivos do tipo penal:
resultado, nexo causal e conduta. Ex.: se o tipo é subtrair coisa alheia móvel, deve haver consciência
sobre todos os elementos – subtração e coisa alheia móvel.

CUIDADO – Não se confunde a consciência como elemento cognitivo do dolo e a potencial


consciência da culpabilidade. Isso porque, a consciência aqui é REAL.

2.7.4. Espécies de dolo

O dolo pode ser direto (de primeiro ou segundo grau) e indireto (eventual ou alternativo).

I – Dolo direto: divide-se em direto de primeiro grau e de segundo grau:

a) Primeiro grau: é o dolo mais comum. Nele, primeiramente, o agente faz a representação
mental do resultado; depois, ele quer o resultado diretamente; e por fim, ele atinge o resultado;

b) Segundo grau: o agente, primeiramente, faz a representação mental do resultado; porém,


o agente não quer o resultado diretamente (se quisesse diretamente, seria de 1º grau); por fim, o
resultado que ele não queria, é uma consequência natural de sua conduta. Por isso, Fragoso
chamava o dolo de segundo grau de dolo de consequências necessárias.

Ex.: quero matar um político em um avião, boto uma bomba no avião e acabo matando todos
os passageiros. Em relação ao político, há dolo de primeiro grau; em relação aos demais,
passageiros, há dolo de segundo grau.

ATENÇÃO – Para que esteja presente o dolo de 2º grau, também deve estar presente o dolo
de 1º grau, porque é uma consequência necessária da conduta dolosa de 1º grau.

Obs.: Alguns autores falam em dolo de 3º grau. Boto uma bomba no avião pra matar um
político (dolo de 1º grau); acabo matando os demais passageiros (dolo de 2º grau); e uma das
passageiras está grávida, de modo que acabo matando o feto também (dolo de 3º grau). HABIB
critica essa classificação, sob a razão de que é infundada; segundo ele, a morte do feto também é
dolo de 2º grau.

II – Dolo indireto: o dolo indireto se divide em dolo eventual e dolo alternativo:


a) Dolo eventual: primeiramente, o agente faz a representação mental do resultado
(antecipação mental do resultado – esse primeiro passo está presente em todas as espécies de dolo,
porque esse é justamente o elemento cognitivo, a consciência); mas ele não quer o resultado
diretamente (se quisesse diretamente, seria dolo direto de 1º grau); inobstante, ele assume o risco
de produzir o resultado.

CUIDADO – Dolo eventual x Dolo direto de 2º grau: os dois primeiros passos são idênticos,
mas no dolo de 2º grau, o resultado é uma consequência necessária, ou seja, o resultado
necessariamente vai acontecer (ele não só assume risco; ele sabe que o resultado vai acontecer
necessariamente). Já no dolo eventual, o resultado pode ocorrer ou não, basta assumir o risco de
causar o resultado.

b) Dolo alternativo: primeiramente, o agente faz a representação mental do resultado; o


agente quer obter o resultado; mas há uma situação de alternatividade quanto ao resultado
criminoso ou quanto à vítima:

i) Objetiva: o resultado criminoso é indefinido, mas a vítima é definida. Ex.: quero jogar uma
pedra no Carlos; posso mata-lo ou lesioná-lo, tanto faz. Nesse caso, ele responde por homicídio
doloso (se Carlos morre) ou lesão dolosa (se Carlos só é lesionado);

ii) Subjetiva: o resultado criminoso é definido, mas a vítima é indefinida. Ex.: quero matar
alguém, levo uma metralhadora pro shopping e saio atirando, tanto faz quem eu matar, contando
que eu mate alguém.

CRÍTICA – GRECO diz que o dolo alternativo é totalmente desnecessário. Ora, todas essas
situações, eu resolvo com dolo eventual. Se eu quero matar alguém, não importa quem, eu assumo
o risco de matar o A ou de matar o B. Da mesma forma, se eu quero acertar o Carlos, matando ou
lesionando, eu assumo o risco de matá-lo ou lesioná-lo, ou seja, mais uma vez dolo eventual.

2.7.5. Teorias do dolo

Há três teorias principais do dolo, que buscam quando eu realmente tenho dolo:
I – Teoria da Vontade: para essa teoria, existe dolo, quando o agente fizer a representação
mental do resultado; quiser o resultado diretamente; e quando ele obtiver o resultado.

A teoria da vontade, portanto, foi adotada para explicar o dolo direto de 1º grau.

II – Teoria do Assentimento ou Consentimento: para essa teoria, existe dolo, quando o


agente fizer a representação mental; não quiser o resultado diretamente; mas assume o risco de
produzir o resultado.

A teoria do assentimento foi adotada para explicar o dolo indireto eventual.

III – Teoria da representação: essa teoria sustenta que existe dolo, quando o agente
simplesmente e tão somente fizer a representação mental do resultado.

Essa teoria não foi adotada por nenhuma espécie de dolo, porque é muito genérica.

2.8. Culpa

2.8.1. Noções

A culpa vem prevista no art. 18, II, CP, mas o dispositivo não traz o conceito de culpa, e sim
apenas as formas de manifestação de manifestação da conduta culposa.

Art. 18 - Diz-se o crime:

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência


ou imperícia.

A lei e a sociedade esperam que nós sempre observemos um dever objetivo de cuidado.
Destarte, toda vez que alguém violar esse dever de cuidado e der causa a um resultado criminoso,
previsto em lei, responderá por um crime culposo.

Em suma, culpa é a violação do dever objetivo de cuidado.

2.8.2. Conceito
A culpa consiste numa conduta que, inobservando o dever objetivo de cuidado, causa um
resultado não querido, porém objetivamente previsível.

Para resumir, culpa é descuido.

O Código Penal Militar traz um bom conceito de culpa no art. 33, II.

Art. 33. Diz-se o crime:

II - culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou


diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias,
não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que
não se realizaria ou que poderia evitá-lo.

Luis Regis Prado diz que o crime culposo consiste em um comportamento mal dirigido a um
fim penalmente irrelevante.

ATENÇÃO – Crime doloso x Crime culposo: como diz Welzel, no crime doloso, pune-se a
finalidade ilícita; no crime culposo, pune-se o meio descuidado.

2.8.3. Princípio da Excepcionalidade

Significa que o crime culposo é uma exceção no Direito Penal. A maioria dos tipos penais só
admite a conduta dolosa; poucos admitem a forma culposa.

Pelo princípio da excepcionalidade, o crime só admite a forma culposa, se a lei a previr


expressamente. Ex.: não há furto culposo, porque a lei não prevê a modalidade culposa.

O artigo 18, p. único, CP, prevê expressamente o princípio da excepcionalidade do crime


culposo.

Art. 18, Parágrafo único, CP - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser
punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

2.8.4. Estrutura

A estrutura do crime culposo é diferente do crime doloso, porque, no dolo, pune-se a


finalidade ilícita; ao passo que, na culpa, pune-se o meio descuidado.
2.8.5. Fundamento do crime culposo

Há duas correntes:

A primeira corrente defende que o fundamento do crime culposo é a violação do dever


objetivo de cuidado. Essa é a posição majoritária. Essa é a posição adotada no Brasil.

Já a segunda corrente sustenta a Teoria do risco permitido. Essa teoria diz que só há crime
culposo, se o agente criar ou incrementar um risco proibido. Ex.: o agente anda de bicicleta a noite
sem o farol aceso e acaba atropelando alguém; ele criou um risco proibido; por isso, praticou um
crime culposo.

Ex.2: duas pessoas andam numa rua e um carro vem descontrolado na direção de uma das
pessoas; a outra pessoa empurra a que seria atropelada, salvando sua vida, mas acaba ocasionando
uma fratura no braço da pessoa; o agente não responde por lesão culposa, porque não criou e nem
incrementou um risco proibido; pelo contrário, ele diminuiu um risco.

2.8.6. Elementos do crime culposo

São quatro elementos:

I – Inobservância do dever objetivo de cuidado: veja que isso é a noção, o conceito, o


elemento e o primeiro elemento do crime culposo. Consiste na falta de diligencia devida nas
condutas humanas.

A evolução social e a revolução industrial trouxeram para nosso convívio atividades que são,
por si só, arriscadas, como dirigir um veículo automotor. Ao praticar essas condutas, todos temos
que observar o dever de cuidado. Por isso, a falta de diligencia devida na prática do nosso tráfego
social representa a inobservância do dever objetivo de cuidado.

Diante disso, BECK diz que nós vivemos na sociedade de risco. Quanto mais arriscada a
atividade, com mais vigor o agente deve observar o dever de cuidado, ou seja, a elevação do risco
é proporcional ao dever de observância de cuidado. Ex.: quem vai andar de bicicleta não vai ter o
mesmo cuidado de quem está pilotando um avião.

Mas onde estão previstos esses deveres de cuidado?


Os deveres de cuidado estão previstos em normas administrativas (normas de conselhos
profissionais; normas de trânsito e etc.) e normas nascidas da experiência comum.

II – Resultado e nexo causal: é necessário que a conduta violadora do dever de cuidado


cause um resultado criminoso; não basta violar o dever de cuidado. Ex.: direção acima da velocidade
máxima viola o dever de cuidado, mas se não causar acidente, não resulta em crime culposo.

Portanto, em regra, não existe crime culposo sem resultado.

III – Conexão interna entre o desvalor da conduta e o desvalor do resultado: desvalor é a


contrariedade à ordem jurídica, à norma; portanto, conduta desvalorada é a conduta contrária à
norma.

O desvalor da conduta é justamente a violação do dever objetivo de cuidado e o desvalor de


resultado é a lesão ao bem juridicamente protegido.

Portanto, a conexão interna significa que é necessário que o desvalor do resultado (lesão
ao bem jurídico) decorra diretamente da conduta desvalorada (violação do dever de cuidado).

IV – Previsibilidade objetiva do resultado: o resultado criminoso previsto em lei como crime


culposo deve ser objetivamente previsível. A previsibilidade objetiva é a capacidade que qualquer
pessoa tem de prever as consequências de suas condutas. A análise da previsibilidade é genérica, e
não do caso concreto; por isso, é chamada de objetiva.

Zaffaroni diz que a previsibilidade objetiva condiciona a observância do dever objetivo de


cuidado. Quem não tem previsibilidade objetiva, não pode ter o dever de observar cuidado, ou seja,
não tem como se exigir dela que observe o dever de cuidado.

Como aferir o que é a previsibilidade objetiva?

Segundo Zaffaroni, devemos considerar como agiria uma pessoa de prudência mediana no
lugar do agente, no momento da conduta, levando em consideração as circunstâncias do caso
concreto, a experiência comum. Se ainda assim, o resultado persistir, havia previsibilidade objetiva;
se o resultado não persistir, não havia previsibilidade objetiva.
A imprevisibilidade do resultado desloca o caso para uma situação de caso fortuito. Ex.: se
eu ponho o pé pra você tropeçar, é previsível que você caia e se lesione; pode ser até que você caia
e bata a cabeça no chão e morra. Por outro lado, se estamos na praia, e eu botar o pé pra você
tropeçar, você pode até se lesionar, mas mesmo que você bata a cabeça na areia, você não vai
morrer. Mas se havia uma pedra em baixo da areia, invisível, e você cai justamente em cima da
pedra, batendo a cabeça, não havia previsibilidade do resultado morte. Por isso, nesse caso, o
agente não responde por homicídio culposo.

2.8.7. Princípio da Confiança

O princípio da confiança tem muita incidência nas atividades de cooperação. Preconiza que
quem atende adequadamente ao cuidado objetivo exigido pode confiar que os demais
coparticipantes da mesma atividade também operem cuidadosamente.

Em outras palavras, as pessoas agem de acordo a expectativa de que as outras atuarão


dentro do que lhes é esperado. Ex.: trânsito na rua; tráfego aéreo; cirurgia médica.

O exemplo clássico é atravessar o sinal verde sem parar, confiando que ninguém vai furar o
sinal vermelho e bater no seu carro.

Portanto, se o agente atuar dentro daquilo que dele se espera, ele não viola o dever objetivo
de cuidado, por causa do princípio da confiança; pelo contrário, ele observa o dever objetivo de
cuidado. Assim, desaparece o primeiro elemento do crime culposo: inobservância do dever objetivo
de cuidado. Logo, não se fala em crime culposo.

2.8.8. Modalidades de culpa

Há três modalidades de culpa: negligência, imprudência e imperícia.

a) Negligência: é um não agir, um não fazer, ou seja, é uma omissão. O agente deixa de fazer
algo a que estava obrigado de acordo com o dever objetivo de cuidado. Ex.: o agente não liga o farol
do carro de noite e acaba atropelando alguém;
b) Imprudência: há um agir, um fazer, uma conduta comissiva. O agente faz algo, violando o
dever objetivo de cuidado. Ex.: o agente sai com o carro sem os freios funcionando.

Obs.: A doutrina sustenta que a negligência e a imprudência se confundem, porque a linha


de separação entre eles é muito tênue. Ex.: pai é imprudente ao deixar sua arma ao alcance das
crianças ou é negligente ao não tirar a arma das mãos das crianças?

c) Imperícia: a imperícia se dirige aos profissionais habilitados (médico, engenheiro, piloto


de avião); ademais, o profissional deve estar no exercício da função; por fim, a imperícia abrange o
agir e o não agir (conduta comissiva e omissiva).

Em suma, a imperícia ocorre quando um profissional habilitado, no exercício de sua função,


age ou se omite, inobservando o dever objetivo de cuidado.

2.8.9. Espécies de culpa

Há três espécies de culpa:

a) Culpa consciente: é a culpa com previsão do resultado pelo agente no momento em que
pratica a conduta. Nesse caso, o agente faz a previsão, mas crê que não vai gerar o resultado. Ex.: o
agente dirige em alta velocidade; ele prevê o risco de atropelar alguém; mas ele não assume o
resultado, pois crê que não vai atropelar ninguém, já que dirige bem; se ele acaba atropelando
alguém, ele age com culpa consciente.

Todavia, o agente NÃO ASSUME O RISCO de praticar o resultado; ele crê piamente que não
vai praticar o resultado. Essa é a diferença entre culpa consciente e dolo eventual.

b) Culpa inconsciente: é a culpa sem previsão pelo agente no momento em que pratica a
conduta. Nesse caso, o agente não faz a previsão do resultado, mas viola o dever objetivo de cuidado
e acaba causando um resultado criminoso. Ex.: o agente caminha para trás sem olhar e acaba
pisando no pé de alguém e causando uma lesão; aqui, o agente não previu que poderia pisar no pé
de alguém; mas violou o dever objetivo de cuidado, porque andou para trás sem olhar; portanto,
age com culpa inconsciente.
c) Culpa imprópria: é aquela que decorre de erro de tipo permissivo, nas descriminantes
putativas.

2.8.10. Concorrência e compensação de culpas

Ocorre concorrência de culpas, quando há duas condutas violadoras do dever objetivo de


cuidado ao mesmo tempo. Ex.: um agente vem em alta velocidade na motocicleta; e outro agente
vem pilotando uma bicicleta sem olhar pra frente; os dois colidem e causam lesões recíprocas. Há
concorrência de culpas.

Inobstante, os dois tenham violado o dever objetivo de cuidado e os dois tenham se


lesionado, não se fala, no Direito Penal, em compensação de culpas. Nesse caso, não há exclusão da
responsabilidade penal; os dois agentes vão responder pelo crime na modalidade culposa.

2.9. Comissão e Omissão

2.9.1. Introdução

Beling dizia que quando um agente pratica um crime, ele não viola a lei, ele viola a norma. A
lei diz: matar alguém; a norma é: não matar. Então o agente não viola a lei (ele age conforme a lei);
ele viola a norma.

Destarte, norma penal é a proibição ou o mandamento contido na lei. Se a norma traz uma
proibição, ela traz um não fazer; logo, viola-se a norma, realizando o fazer, por meio de uma ação.
Por outro lado, se a norma traz um mandamento, ela traz um não fazer; logo, o agente viola a norma,
realizando um não fazer, ou seja, por meio de uma omissão.

Portanto, nos crimes comissivos, viola-se a proibição contida na norma. Por sua vez, nos
crimes omissivos, viola-se o mandamento contido na norma.

2.9.2. Omissão própria e imprópria


Nos crimes omissivos, como se disse, há violação de um mandamento, ou seja, há violação
de um dever de agir. De acordo com isso, a omissão pode ser:

I - Omissão própria: aqui, há uma violação do dever de agir GENÉRICO. Ora, se ele é genérico,
esse dever se dirige a todos. Portanto, qualquer pessoa pode praticar uma omissão própria. Ex.:
crime de omissão socorro.

II - Omissão imprópria: também chamados de crimes comissivos por omissão. Aqui, há


violação do dever de agir ESPECÍFICO. Ora, se é específico, o dever de agir só se dirige a pessoas
específicas. Portanto, somente pessoas específicas podem praticar uma omissão imprópria.

Mas quem são essas pessoas específicas?

Segundo NAGLER, essas pessoas específicas devem estar expressamente previstas em lei.
Pra o autor alemão, essa pessoa indicada pela lei como alguém que tem o dever de agir específico
é chamada de garante.

Nesse sentido, o art. 13, §2º, CP, traz a figura do garantidor.

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para


evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Portanto, de acordo com a lei, é garantidor quem:

a) Tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: a expressão lei deve ser
interpretada aqui lato sensu, abrangendo decreto, portaria, constituição. Portanto, os pais por seus
filhos, os policiais e bombeiros, os médicos da rede pública são garantidores, segundo essa primeira
possibilidade.

De se notar que o garantidor não tem o dever de impedir o resultado a qualquer custo; ele
apenas precisa cumprir seu dever de agir. Ex.: bombeiro não precisa entrar em prédio que já está
desabando, pois não precisa sacrificar sua vida; policial tem o dever de agir para impedir um roubo,
mas não é obrigado a enfrentar sozinho uma gangue de cinco homens fortemente armados.
Nesse caso, se o bombeiro ou o policial deixam de agir, porque não podiam, sob risco de
perderem a vida, sua conduta é atípica. Pelo contrário, se eles podem agir, mas não o fazem,
respondem pela omissão imprópria, ou seja, pelo resultado criminoso.

Obs.: Não há relação de garantidor entre irmãos.

ATENÇÃO – Policiais e bombeiros só respondem como garantidores, enquanto estiverem no


exercício da função. Não se pode exigir que eles sejam garantidores durante todo o tempo, mesmo
fora do serviço.

CUIDADO – O agente responde pelo resultado criminoso na forma dolosa ou culposa?

O agente garantidor responde resultado criminoso, mas pode ser tanto na forma dolosa
como na culposa. O bombeiro pode deixar de salvar alguém, porque é seu desafeto; nesse caso,
responde por homicídio doloso por omissão imprópria. Por outro lado, o bombeiro pode deixar de
salvar alguém por negligência (não observou que ainda havia alguém no prédio, porque estava
distraído); nesse caso, responde por homicídio culposo por omissão imprópria.

b) De outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado: temos aqui a


chamada assunção voluntária de custódia. Ex.: vizinho pede para outro vizinho ficar de olho em seu
filho na piscina, enquanto vai no carro pegar uma coisa; se o outro vizinho aceita ficar de olho, torna-
se voluntariamente garantidor;

c) Com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado (ingerência):


quando o próprio agente coloca a vítima em risco num momento anterior, torna-se garantidor da
vítima. Ex.: alpinista que convida amador para escalar montanha consigo, torna-se garantidor de
sua segurança; logo, se a vítima cai e morre, o alpinista responde por homicídio.

ATENÇÃO - Em suma, o garantidor sempre vai responder pelo resultado criminoso. Porém,
nunca responde por omissão de socorro, porque sua omissão é imprópria, ou seja, decorrente da
violação de dever de agir específico, previsto na lei.

REVISÃO – Diferenças entre omissão própria e omissão imprópria: a omissão própria é a


violação de um dever de agir genérico; pode ser praticada por qualquer pessoa; não admite
tentativa (crime omissivo próprio é unissubsistente, pois sua conduta se esgota em um único ato);
por fim, a adequação típica é direta ou imediata. Por sua vez, a omissão imprópria é a violação de
um dever de agir específico; só pode ser praticada pelo garantidor; admite tentativa; e por fim, a
adequação típica é indireta ou mediata.

O crime omissivo impróprio admite tentativa, como no caso do salva vidas que não corre ao
socorro de alguém que se afogava, porque era seu desafeto; ocorre que um terceiro corre e
consegue salvar a vítima. Nesse caso, o salva vidas tentou matar a vítima por omissão imprópria,
mas não obteve o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade.

De se notar que só é possível a tentativa, quando a omissão imprópria decorre de DOLO.

3. Resultado

3.1. Introdução

Há duas espécies de resultado:

a) Resultado jurídico ou normativo: consiste no perigo ou dano causado ao bem jurídico.


Todo crime tem resultado jurídico, porque o Direito Penal só atua se houver perigo ou dano a bem
jurídico tutelado;

b) Resultado material ou naturalístico: consiste na modificação causada no mundo exterior.


Ex.: havia uma vida; houve um homicídio; não há mais vida. Nem todo crime tem resultado material
ou naturalístico.

3.2. Classificação

De acordo com a necessidade de ocorrência do resultado material, pode-se classificar os


crimes em:

a) Crimes de mera conduta: como o nome sugere, esse crime não tem resultado material;
eles só possuem conduta, não se fala em resultado. Ex.: violação de domicílio – agente pula e muro
e entra na casa; não houve qualquer modificação no mundo exterior.
b) Crimes formais: esses crimes têm resultado, porém o crime se consuma com a prática da
conduta, ou seja, não há necessidade de ocorrência do resultado para o crime ser consumado. Por
isso, eles também são chamados de crimes de consumação antecipada.

Destarte, assim como os crimes de mera conduta, os crimes formais também se consumam
com a simples prática da conduta. Ex.: crime de extorsão – Súmula 96 do STJ – o crime se consuma
com a prática da conduta de privação de liberdade; a obtenção do resgate representa apenas
exaurimento.

c) Crimes materiais: esses crimes têm resultado material, e a ocorrência desse resultado é
necessária para a consumação do crime, ou seja, não basta a conduta, é necessária para a
consumação, a obtenção do resultado.

4. Nexo de causalidade

4.1. Conceito

O nexo causal é o elo que liga a conduta praticada pelo agente ao resultado criminoso por
ela produzido.

Por essa razão, só é possível estudar nexo causal nos crimes em que é necessária a ocorrência
do resultado para sua consumação, ou seja, só se fala em nexo causal nos crimes materiais. Ora,
nos crimes formais e de mera conduta, não há necessidade de ligar conduta ao resultado, porque o
crime se consuma com a mera prática da conduta.

Assim, também é possível falar em nexo causal em crimes omissivos impróprios, porque são
crimes materiais.

4.2. Teorias sobre o nexo causal

4.2.1. Teoria da causalidade adequada ou Teoria da Condição qualificada ou Teoria


individualizadora (Von Kries e Von Bar)
Essa teoria se funda em um juízo de possibilidade ou de probabilidade. Para essa teoria,
causa é a condição necessária e adequada para determinar a produção do resultado.

4.2.2. Teoria da relevância jurídica

Para essa teoria, causa é a condição relevante para o resultado. Funda-se num juízo de
relevância.

Relevante é tudo aquilo que for previsível no momento da conduta. De outro lado,
irrelevante é tudo que for imprevisível para o homem prudente.

Ex.: O agente joga um balde de água na represa cheia, que já está no seu limite, o que causa
uma inundação. Quando ele jogou o balde de água, não era previsível que apenas isso causaria a
inundação, logo, o balde de água é irrelevante, de modo que o agente não responde pelo crime de
inundação.

4.2.3. Teoria da qualidade do efeito ou da causa eficiente (Kohler)

Para essa teoria, causa é a condição da qual depende a qualidade do resultado.

O autor diferencia condições estáticas de condições dinâmicas. Somente as condições


dinâmicas seriam a causa decisiva ou eficiente para o efeito do resultado.

4.2.4. Teoria da condição mais eficaz ou ativa (Birkmeyer)

Para essa teoria, causa é a força que produz um fato, de modo que entre as condições do
resultado, causa é aquela que contribui mais eficazmente do que as outras para a produção do
resultado.

4.2.5. Teoria do Equilíbrio ou preponderância (Binding)

Para essa teoria, existe um embate entre os elementos que destroem a situação presente e
os elementos que devem manter a situação presente. A causa é o resultado de uma luta de uma
força contra a outra, ou seja, nesse embate, observa-se qual o elemento preponderante que venceu
a luta.

4.2.6. Teoria da causa próxima ou penúltima (Ortmann)

Para essa teoria, causa é a última condição humana que aparece na cadeia causal. Portanto,
aqui não se discute se foi a causa mais eficaz ou a mais adequada; e sim apenas se foi a última
condição humana da cadeia de causas.

4.2.7. Teoria da causalidade jurídica (Maggiore)

Para essa teoria, a causalidade jurídica é de ordem prática, de forma que a causa vai ser
definida de acordo com o juízo de valor do intérprete no caso concreto. Portanto, é o intérprete que
escolhe a causa responsável daquele resultado ilícito, de acordo com o caso concreto.

Essa ideia é boa por dar mais liberdade ao intérprete, mas é ruim, porque dá azo ao exagero,
ao arbítrio do intérprete.

4.2.8. Teoria da Causa Humana (Antolisei)

Para essa teoria, a noção de causa guarda característica humana.

O autor diz que o ser humano é provido de consciência para prever os efeitos de
determinadas causas. Portanto, o nexo causal depende de dois elementos: um elemento positivo e
um elemento negativo.

O elemento positivo significa que o ser humano com sua ação deu lugar a uma condição do
evento positivo, antecedente do resultado. Por sua vez, o elemento negativo significa que o
resultado não decorre de fatores excepcionais.

4.2.9. Teoria da Equivalência dos antecedentes causais ou Teoria da conditio sine que non ou
Teoria da equivalência dos antecedentes ou Teoria da Condição simples ou Teoria da condição
generalizada (Von Buri, Glaser e Mill)
Para essa teoria, considera-se causa a ação ou a omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido, como ocorreu no caso concreto, ou seja, todos os fatos ocorridos antes do resultado se
equivalem, desde que sejam indispensáveis à produção daquele resultado.

Portanto, diferente da Teoria da Causalidade Adequada, onde há apenas uma causa (a mais
adequada), todos os fatos antecedentes e indispensáveis à produção do resultado se equivalem, e,
consequentemente, em princípios, todos eles são causa.

Essa é a teoria adotada pelo Código Penal.

4.3. Nexo causal no CP

Como dito, o CP adotou a Teoria da causalidade adequada, conforme artigo 13.

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável


a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado
não teria ocorrido.

Portanto, todos os fatos anteriores que são indispensáveis para ocorrência do resultado são
considerados causa e todos são equivalentes.

Para saber se o fato é indispensável para ocorrência do resultado, deve-se fazer o processo
mental de eliminação hipotética de THIEM. Significa que se deve suprimir um dos fatos
mentalmente e observar o que acontece com o resultado: se o resultado permaneceu igual, aquele
fato não é causa. Por outro lado, se eu suprimir mentalmente aquele fato e o resultado não ocorre
mais como ocorreu, aquele fato é causa.

Ex.: o agente quer matar a vítima; ele compra arma e munição; ele sai de casa; ele passa
numa cafeteria e toma um café; ele vai de encontro à vítima; ele atira contra a vítima e causa sua
morte.

Nesse caso, se eu suprimo o tiro, o resultado morte não mais ocorre, logo o tiro é causa. Da
mesma forma, se eu suprimo a ida de encontro à vítima, o resultado morte também não ocorre,
logo também é causa. Pela mesma razão, se eu suprimo a compra da arma e da munição, eu elimino
o resultado morte, logo também é causa. Por outro lado, se eu suprimo a parada para o café, o
resultado morte continua igual, logo a parada para o café não é causa.
CRÍTICA - Ocorre que a Teoria da causalidade adequada sofreu críticas de BIDING, porque,
segundo o autor, ela provocava o regresso ao infinito. No exemplo dado, a fabricação da arma foi
causa, porque suprimindo a fabricação da arma, não há mais morte. Da mesma forma, se os pais do
agente não tivessem se encontrado e gerado o filho, não teria morte, logo também é causa.

Por sua vez, FRANK afastou a crítica do regresso ao infinito, sob o fundamento de que não
há causa se não há dolo e num culpa. Logo, o fabricante da arma não dá causa à morte, porque não
agiu com dolo e nem culpa; da mesma forma, os pais do agente não tiveram dolo e nem culpa em
relação à morte da vítima. Portanto, a análise do dolo e da culpa interrompe o regresso ao infinito.

Em suma, para analisar se o fato anterior for causa, devemos seguir alguns passos:

1º passo: Teoria da Causalidade Adequada;

2º passo: Processo de Eliminação Hipotética;

3º passo: análise do dolo e da culpa, para afastar o regresso ao infinito.

ATENÇÃO – Mas o que é ato preparatório e o que é ato executório, dentre as causas?

No exemplo dado, o tiro é o único ato executório; ao passo que todos os demais são atos
preparatórios (compra da arma e da munição; sair de casa; ir de encontro à vítima).

4.4. Concausas

4.4.1. Conceito

Como já vimos, a causa do resultado criminoso sempre será uma conduta humana dolosa ou
culposa, comissiva ou omissiva.

Contudo, existem outras causas que, além da conduta do agente, também produzem o
resultado. Essas outras causas são chamadas de concausas.

4.4.2 Relação de independência

Existe uma relação de independência entre a conduta do agente e as concausas.

Essa independência pode ser total ou absoluta; ou pode ser uma independência relativa.
Por essa razão que se fala em concausas absolutamente independentes e em concausas
relativamente independentes.

Em qualquer caso, as concausas podem variar no tempo, a depender da conduta do agente,


ou seja, as concausas podem ser anteriores (preexistentes), simultâneas (concomitantes) ou
posteriores (supervenientes) à conduta do agente.

Diante disso, temos as concausas absolutamente independentes preexistentes,


concomitantes e supervenientes; bem como as concausas relativamente independentes
preexistentes, concomitantes e supervenientes.

4.4.3. Concausas absolutamente independentes

Concausas absolutamente independentes são aquelas que ocorrem e produzem o resultado


mesmo que não haja qualquer conduta por parte do agente. Destarte, se eu suprimir a conduta do
agente, o resultado permanece igual, pois o que deu causa ao resultado foi a concausa.

Portanto, a concausa absolutamente independente rompe o nexo causal entre a conduta


do agente e o resultado.

Ora, se é assim, eu posso imputar esse resultado ao agente?

Claro que NÃO, porque o que deu causa ao resultado não foi a conduta do agente, e sim a
concausa. Dessa forma, com base no art. 13 do CP, eu não posso atribuir o resultado ao agente,
porque ele não lhe deu causa.

Logo, aqui, o agente nunca responderá pelo resultado consumado, porque não deu causa
ao resultado. Nesse caso, o agente responderá apenas pela tentativa do crime que queria praticar.

Vejamos agora as espécies de concausas absolutamente independentes:

a) Concausa absolutamente independente preexistente: a vítima toma veneno para se


suicidar; depois disso, o agente dispara um tiro contra a vítima; a vítima é levada ao Hospital e morre
por causa de veneno.

Nesse caso, a ingestão do veneno é uma concausa absolutamente independente


preexistente, porque não tem nenhuma relação com a conduta do agente, o tiro; e ocorreu antes
da conduta do agente.
Se eu suprimo mentalmente o tiro, a vítima ainda morre envenenada, logo, o agente não
deu causa ao homicídio consumado, de modo que não responde pelo art. 121 em sua forma
consumada. Porém, o agente tentou matar a vítima, então responde apenas por tentativa de
homicídio.

b) Concausa absolutamente independente concomitante: o agente dispara contra a vítima,


que está na varanda; nesse exato momento, a varanda desaba e a vítima cai e morre por causa da
queda.

Nesse caso, a queda é uma concausa absolutamente independente concomitante, porque


não tem nenhuma relação com o tiro e ocorreu simultaneamente a este.

Se eu suprimo mentalmente o tiro, a vítima ainda morre pela queda, logo, o agente não deu
causa ao homicídio consumado, de modo que não responde pelo art. 121, na forma consumada.
Porém, o agente ainda tentou matar a vítima, então responde apenas por tentativa de homicídio.

c) Concausa absolutamente independente superveniente: o agente envenena a vítima;


porém, depois disso, a vítima leva um tiro de outro desafeto e morre por causa do tiro. O tiro foi
concausa absolutamente independente superveniente, porque não tem nenhuma relação com o
veneno; além disso, o tiro foi posterior ao veneno.

Nesse caso, o tiro rompe o nexo causal entre a conduta do agente, envenenamento, e o
resultado morte. Logo, o agente não responde por homicídio consumado, e sim por tentativa de
homicídio.

4.4.4. Concausas relativamente independentes

Concausas relativamente independentes são aquelas que ocorrem e só têm a possibilidade


de produzir o resultado se for conjugada com a conduta do agente. Destarte, a concausa por si só
não produz o resultado; da mesma forma, a conduta do agente por si só não produz o resultado.
Apenas a concausa juntamente com a conduta do resultado que produzem o resultado.
Assim, se eu suprimo mentalmente a conduta do agente, o resultado deixa de acontecer.
Logo, a concausa relativamente independente NÃO rompe o nexo causal entre a conduta do
agente e o resultado criminoso.

Vejamos agora as espécies de concausas relativamente independentes:

a) Concausa relativamente independente preexistente: o agente dá uma facada no braço


da vítima; acontece que a vítima era hemofílica e morre. Veja que a facada, por si só, não mataria a
vítima. Da mesma forma, a hemofilia, por si só, não mataria a vítima. Apenas a conjugação da
conduta do agente, facada, com a concausa, hemofilia, que produz o resultado morte. Logo, a
hemofilia é de concausa relativamente independente; ademais, é preexistente, porque a hemofilia
é anterior à facada.

Diante disso, o agente responde pelo quê?

Depende. A doutrina traz quatro soluções:

i) O agente tinha o dolo de matar e sabia da hemofilia: responde por homicídio consumado;

ii) O agente tinha o dolo de matar, mas não sabia da hemofilia: responde por homicídio
consumado;

iii) O agente tinha o dolo de lesionar, e sabia da hemofilia: responde por lesão corporal
seguida de morte. Ele não responde homicídio, porque seu dolo era só de lesionar;

iv) O agente tinha o dolo de lesionar, mas não sabia da hemofilia: responde por lesão
corporal leve (art. 129, caput, CP). Não responderá por lesão corporal seguida de morte, porque o
resultado morte não lhe era previsível, já que não sabia da hemofilia, sob pena de configuração de
responsabilidade objetiva.

b) Concausa relativamente independente concomitante: o agente atira contra a vítima; a


vítima se assusta e morre de ataque cardíaco. O tiro do agente talvez não mataria, por si só, a vítima;
da mesma forma, se não fosse o tiro, a vítima não teria ataque cardíaco. Portanto, o ataque cardíaco
é concausa relativamente independente; e é concomitante, porque acontece ao mesmo tempo da
conduta do agente, o tiro.
Suprimindo mentalmente a conduta do agente, o resultado morte desaparece. Logo, o
agente deu causa ao resultado. Por isso, o agente responde por homicídio consumado.

c) Concausa relativamente independente superveniente: as outras concausas não têm


previsão legal, mas a concausa relativamente independente superveniente tem previsão no artigo
13, §1º, CP.

§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação


quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-
se a quem os praticou.

Excluir a imputação não significa que o agente não vai responder por nada; na verdade,
significa que o agente não responde pelo resultado consumado, mas vai sim responder pela
tentativa.

Além disso, o fato de o dispositivo falar em concausa que por si só produziu o resultado não
transforma a concausa em absolutamente independente. Ela permanece sendo relativamente
independente.

Então qual o significado desse por si só?

A análise que se deve fazer é se o resultado produzido por si só pela concausa é uma
consequência natural da conduta do agente.

Se o resultado NÃO é uma consequência natural da conduta do agente, a concausa POR SI


SÓ produziu o resultado. Logo, exclui-se a imputação do crime concumado, de modo que o agente
responde apenas pela tentativa.

Ex.: o agente atira contra a vítima; a vítima é levada em uma ambulância para o hospital;
mas no caminho, a ambulância bate em outro carro e a vítima morre por causa do acidente. Nesse
caso, a morte por acidente de trânsito não é consequência natural do tiro. Logo, o acidente é
concausa relativamente independente que POR SI SÓ produziu o resultado morte. Por isso, o agente
responde apenas pela tentativa de homicídio.

Ex.2: o agente atira contra a vítima; a vítima é levada ao hospital, e enquanto está em
recuperação, o hospital pega fogo, e a vítima morre queimada. Nesse caso, o incêndio não é
consequência natural do tiro. Logo, o incêndio é concausa relativamente independente que POR SI
SÓ produziu o resultado morte. Por isso, o agente responde apenas pela tentativa de homicídio.

Por outro lado, se o resultado é SIM uma consequência natural da conduta do agente, a
concausa NÃO foi por si só a causa do resultado. Logo, não se exclui a imputação, de modo que o
agente responde pelo crime consumado.

Ex.: o agente atira contra a vítima; a vítima é levada ao hospital, onde contrai uma infecção
hospitalar, morrendo em razão dessa infecção. Nesse caso, a infecção hospitalar é consequência
natural de se dar um tiro e levar alguém ao hospital. Logo, a infecção é concausa relativamente
independente que NÃO por si só produziu o resultado. Por isso, não há exclusão da imputação, de
modo que o agente responde pelo homicídio consumado.

Ex.2: o agente atira contra a vítima; a vítima é levada ao hospital, mas não tem médico, leito
e nem remédio (falha do sistema de saúde), morrendo em razão da omissão do atendimento
médico. Nesse caso, o STJ entendeu que, em nosso sistema de saúde público, a omissão de
atendimento médico é consequência natural de dar um tiro e lavra alguém ao hospital. Logo, a
omissão de atendimento médico é concausa relativamente independente que NÃO por si só
produziu o resultado. Por isso, não há exclusão da imputação, de modo que o agente responde pelo
homicídio consumado.

4.5. Teoria da Imputação Objetiva

4.5.1. Introdução

Existem duas vertentes da teoria da imputação objetiva: a vertente de Roxin e a vertente de


Jakobs.

4.5.2. Vertente de Roxin

I – Finalidade: Roxin critica a teoria da conditio sine qua non, sob o fundamento de que seu
alcance é muito amplo, razão pela qual, ela provoca o regresso ao infinito.

Para evitar o regresso ao infinito, Roxin dizia ser necessário limitar a causalidade.
É bem verdade que a teoria finalista já limitava o regresso ao infinito, pela utilização do dolo
e da culpa. O regresso seria interrompido quando não houvesse mais dolo ou culpa.

Contudo, para a realização do tipo objetivo, não basta a mera relação de causalidade. Por
isso, a teoria da imputação objetiva busca limitar o alcance da teoria da causalidade, sem apelar
para a análise de dolo ou culpa (por isso, o nome objetivo).

Em outras palavras, a teoria busca a solução para a causalidade no tipo objetivo, sem
perquirir o tipo subjetivo. Assim fazendo, a teoria busca a não imputação (ao invés da imputação)
do fato ao agente.

II – Linhas mestras da teoria da imputação objetiva: Roxin trabalha com a imputação do


delito ao agente, baseado no PRINCÍPIO DO RISCO. Para isso, o autor trabalha com quarto linhas
mestras:

a) Diminuição do risco: segundo Roxin, as ações que diminuam o risco não são imputáveis
ao tipo objetivo, apesar de serem causa do resultado em sua forma concreta e de estarem
abrangidos pela consciência do agente.

Destarte, se o agente diminui o risco ao bem jurídico, ainda que o agente dê causa ao
resultado conscientemente, o resultado não pode ser imputado a ele.

Em outras palavras, se o agente, com a sua conduta, diminuir um risco já existente para o
bem jurídico, o resultado advindo daí não pode ser a ele imputado.

Ex.: A vê que uma pedra foi arremessada contra a cabeça de B; por isso, A empurra B e a
pedra acerta apenas seu braço. Ora, A diminuiu o risco já existente (pedrada na cabeça de B).
Portanto, a lesão ao braço de B não pode ser imputada a A.

Ex.2: O bombeiro entra em um prédio em chamas para salvar uma criança; alcança a criança
e joga ela pra fora do prédio; a criança quebra o braço. A lesão à criança não pode ser atribuída ao
bombeiro, porque a criança iria morrer; o bombeiro na verdade diminuiu o risco.
b) Criação de um risco juridicamente relevante ou criação de um risco proibido: o resultado
somente pode ser imputado ao agente se a sua conduta criar um risco juridicamente relevante. Caso
contrário, o resultado não pode ser imputado ao agente.

Portanto, o resultado deve depender exclusivamente da conduta do agente; se assim não


for, o resultado deve ser atribuído ao acaso.

Ex.: O agente sabe que está acontecendo guerra na Síria; por isso, ele dá uma passagem de
avião ao seu inimigo, para que ele vá para a Síria, torcendo para que ele morra lá. Ocorre que a
compra da passagem não é um risco proibido e nem relevante. Da mesma forma, o resultado morte
foi gerado pela guerra e não pela compra da passagem. Logo, a morte deve ser atribuída ao acaso.

Ex.2: O agente que vende uma arma não pode ser responsabilizado pela morte provocada
por um assassino. A venda de arma é um risco permitido. Logo, a venda de arma não cria um risco
proibido. A morte não decorre exclusivamente da conduta do agente de vender a arma. Portanto,
o agente não pode responder pelo homicídio.

Aqui vigora o princípio da confiança: confia-se que cada um agirá dentro daquilo que se
espera dele, ou seja, atendendo adequadamente às expectativas.

c) Aumento do risco permitido: o resultado só pode ser imputado ao agente se ele aumentar
o risco permitido.

Assim, se de alguma forma ele aumenta o risco da ocorrência do resultado, ele pode
responder pelo resultado. Por outro lado, se o agente não aumenta o risco, o resultado não pode
ser imputado a ele.

Ex.: Dirigir no trânsito é arriscado, mas é um risco permitido. Por isso, quem respeita as
regras de trânsito e acaba se envolvendo em um acidente, não pode ser responsabilizado pelo
resultado.

Porém, se o risco permitido for ultrapassado pelo agente, ou seja, se ele aumenta o risco
permitido, desrespeitando as normas de trânsito (dirigindo em alta velocidade, dirigindo na
contramão, dirigindo olhando para o celular), ele pode ser punido pelo resultado.
d) Âmbito de proteção da norma de cuidado ou esfera de proteção da norma como critério
de proteção: é preciso que o resultado esteja abrangido pelo fim de proteção da norma de cuidado.
Deve ser analisado o sentido protetivo de cada tipo penal, ou seja, qual é o alcance da finalidade da
norma violada. A pergunta é: o que aquela norma quer proteger?

Se o resultado estiver fora do alcance de proteção da norma, ele não pode ser imputado ao
agente.

Ex.: Dois ciclistas pedalam um atrás do outro, no escuro, sem farol. O ciclista da frente colide
com uma pessoa, porque não a viu. Se o ciclista de trás estivesse com o farol ligado, ele teria
iluminado o caminho, de modo que o acidente não teria ocorrido.

O ciclista da frente responde por lesão corporal, porque o dever de acender o farol tem por
fim evitar colisões. O ciclista da frente criou o perigo por pedalar sem farol. Nesse caso, o resultado
não pode ser imputado ao ciclista de trás, porque o fim do dever de acender o farol é iluminar o
caminho para evitar suas próprias colisões e não colisões alheias.

Ex.2: Um motorista de carro faz uma ultrapassagem proibida. O condutor do carro


ultrapassado se assusta e morre por causa de um enfarte provocado pelo susto. Ocorre que a
proibição da ultrapassagem tem por finalidade evitar colisões.

Com efeito, o enfarte pelo susto não está compreendido no fim das normas sobre
ultrapassagem. Nesse caso, o motorista que fez a ultrapassagem irregular não pode responder por
homicídio culposo.

III – Heterocolocação em perigo: ocorre quando a própria vítima se coloca na situação


perigosa. A vítima pede ao agente que pratique uma ação arriscada e sofre o resultado advindo
disso. Nesse caso, o agente não pode responder pelo resultado.

Ex.: Na tempestade, A pede para B, condutor do barco, que atravesse um rio perigoso. B
alerta do perigo, mas A insiste. O barco vira e A morre. Nesse caso, B não pode responder pela morte
de A.

Ex.2: O passageiro insiste para o motorista correr além do limite de velocidade permitido. O
motorista obedece; há um acidente e o passageiro morre. Nesse caso, o motorista não pode
responder pela morte do passageiro.
Ex.3: O dono do carro está bêbado e sem condições de dirigir; seu amigo pede para ir de
carona com ele, mesmo o dono do carro alertando que é perigoso. O amigo morre em acidente
provocado pela embriaguez. Nesse caso também não há responsabilidade penal do motorista.

4.5.3. Vertente de Jakobs

I – Fundamento: Jakobs fundamenta sua teoria na Teoria dos Papéis: no nosso contrato
social, cada pessoa exerce um papel na sociedade, de acordo com os padrões daquela sociedade –
chamados de expectativas normativas. Por isso, espera-se que cada um de nós pratique nossas
condutas de acordo com aquilo que se espera de nós.

Quem exercer seu papel de forma deficiente, responde juridicamente pelo resultado daí
advindo. Por outro lado, se todos se comportam de acordo com seus papeis, qualquer resultado
será atribuído ao acaso.

II – Linhas mestras: Diante de seus fundamentos, Jakobs elabora quatro linhas mestras:

a) Risco permitido: não é possível uma sociedade sem riscos. O risco, portanto, inerente à
configuração da sociedade deve ser tido como risco permitido.

Assim, se a pessoa realiza esse risco, mas atendendo a seu papel na sociedade, não pode
responder por nenhuma consequência advinda da sua conduta.

b) Princípio da confiança: cada cidadão cumpre seu papel, na confiança de que os demais
também o farão. Essa confiança é justamente a expectativa normativa.

Ex.: Eu atravesso no sinal verde, confiando que as outras pessoas do sentido oposto
respeitarão o sinal vermelho. Logo, se houver um acidente, porque você furou o sinal vermelho, eu
não posso responder pelo resultado, porque atravessei no sinal verde e confiei que você iria
respeitar o sinal vermelho.
c) Proibição de regresso: ainda que a conduta do agente contribua para o resultado
criminoso, se ele estiver apenas exercendo o seu papel na sociedade, o resultado não pode ser
atribuído ao agente.

Ex.: O padeiro vende um pão para o A, dizendo que está comprando o pão para envenenar
B. Mesmo que o padeiro soubesse do intento criminoso de A, ele não responde pela morte, porque
estava apenas respondendo pelo seu papel de vender pães.

Ex.2: A pega um táxi até a casa de B, dizendo que está indo para lá pra matar B. Ainda assim,
o taxista não responde pela morte de B, porque está apenas cumprindo seu papel de dirigir o táxi.

Veja que esses elementos cotidianos (pão e táxi) estão sempre disponíveis na sociedade, ou
seja, são permitidos. A proibição deles não tem o condão de evitar o comportamento do agente.
Por isso, o padeiro e o taxista não respondem pelo resultado morte, porque estavam apenas
exercendo seus papéis na sociedade.

d) Competência ou capacidade da vítima: Jakobs divide em dois grupos:

i) Grupo 1 - consentimento do ofendido;

ii) Grupo 2 - ações a próprio risco: a vítima que participa de atividades arriscados, fá-lo a seu
próprio risco.

Ex.: A vítima que pratica esportes radicais pratica uma conduta perigosa a próprio risco.

Nesse caso, nenhuma responsabilidade pode ser imputada ao instrutor do esporte, porque
a vítima se colocou em risco.

5. Tipicidade

5.1. Tipicidade Formal

5.1.1. Conceito

Consiste na adequação perfeita entre a conduta do agente e a conduta descrita


abstratamente no tipo penal. Ex.: o tipo dispõe matar alguém; o agente mata alguém.
Hungria dizia que a adequação perfeita é como a mão que calça a luva sem nada sobrar e
nem faltar.

5.1.2. Formas de adequação típica

As formas de adequação típica são duas:

a) Adequação típica direta ou imediata: a conduta do agente se amolda diretamente ao tipo


penal, sem necessidade de nenhum intermediário. Portanto, basta um dispositivo legal para dar
adequação típica à conduta do agente. O dispositivo é o tipo penal. Ex.: a conduta típica é matar
alguém; o agente matou alguém.

b) Adequação típica indireta ou mediata: a doutrina alemã chama de adequação típica por
dupla via.

Exs.: A conduta típica é matar alguém; a conduta do agente é tentar matar alguém; os
agentes mataram a vítima (conduta no plural, ao passo que o tipo está no singular); o agente é salva
vidas e viu a vítima se afogar, mas não o salvou, resultando na morte na vítima.

Essas três condutas seriam atípicas, porque não se adequam perfeitamente ao tipo penal.
Todavia, ao acrescentar o artigo 14, II, CP, ao primeiro exemplo; o art. 29 ao segundo exemplo e o
art. 13, §2º, ao terceiro exemplo; as condutas passaram a ser típicas. Isso porque esses três últimos
artigos deram adequação típica às condutas.

Portanto, essas normas – art. 14, II; art. 29; art. 13, §2º - estendem essas condutas à
adequação típica. Por isso, essas normas são chamadas de normas de extensão (ou normas de
adequação típica por subordinação indireta ou mediata ou por dupla via).

Em suma, aqui, há necessidade de dois dispositivos legais: o tipo legal + a norma de extensão.

5.3. Tipicidade Material

A tipicidade material busca aferir o grau de lesão ao bem jurídico tutelado. Por isso que aqui
se analisa a aplicação do princípio da insignificância.
5.4. Tipicidade Conglobante

5.4.1. Fundamento

Essa teoria é de Zaffaroni, baseado no Princípio da Unidade do Ordenamento Jurídico.

Zaffaroni defende que a tipicidade não pode ser resumida num mero juízo de adequação
entre a conduta do agente e a norma penal. Essa tipicidade meramente legal não é mais suficiente
para resolver a questão da adequação típica.

Na verdade, a tipicidade deve ser analisada de acordo com todo o ordenamento jurídico, e
não só com o Direito Penal.

5.4.2. Antinormatividade

Zaffaroni abandona o conceito de ilicitude penal, que se limita a contrariedade à norma


penal; e passa a adotar o conceito de ANTINORMATIVIDADE. Na ilicitude penal, eu só comparo a
conduta com o Direito Penal. Por outro lado, na antinormatividade, eu comparo a conduta com todo
o ordenamento jurídico.

Assim, conduta antinormativa é aquela contrária a todo o ordenamento jurídico, ou seja,


ela é muito mais ampla que a mera ilicitude penal.

Destarte, a tipicidade conglobante pressupõe a antinormatividade, ou seja, a conduta só será


tipicamente conglobante se ela for antinormativa; não havendo a antinormatividade, a conduta não
é típica.

Isso porque o Direito é uma coisa só – Princípio da Unidade do Ordenamento jurídico. Por
isso, o Direito Penal não pode proibir uma conduta que outro ramo do Direito obrigue ou fomente,
sob pena de quebra da unidade da ordem jurídica.

Ex.: Não pode ser típica (furto) a conduta do oficial de justiça que penhora os bens do
executado, porque a penhora pelo oficial de justiça é obrigada ou fomentada pelo CPC. Portanto, a
conduta do oficial de justiça não é antinormativa, porque está de acordo com o CPC. Logo, sua
conduta carece de tipicidade conglobante – conduta atípica.
5.4.3. Vertentes das condutas obrigatórias ou fomentadas

I – Cumprimento de um dever jurídico: para Zaffa, se um outro ramo do Direito extrapenal


trouxer aquela conduta como obrigação, ou seja, um dever jurídico ao agente, essa conduta não
será antinormativa. Logo, não haverá tipicidade conglobante.

Ex.: O oficial de justiça que realiza penhora na casa do executado cumpre um dever
processual civil. Logo, a conduta do oficial de justiça não é típica (invasão de domicílio ou furto),
porque não é antinormativa.

II – Intervenções cirúrgicas: podem ser intervenções com fins terapêuticos e sem fins
terapêuticos:

a) Com fins terapêuticos: o Direito Civil fomenta as intervenções cirúrgicas com fins
terapêuticos. Logo, como são condutas fomentadas pela ordem jurídica, não são atos
antinormativos. Ex.: cirurgia de ponte de safena;

b) Sem fins terapêuticos: nesse caso, a conduta é apenas permitida pelos outros ramos do
Direito, mas não são fomentadas e nem obrigatórias. Logo, essa conduta é típica, porque é
antinormativa. Porém, o médico age no exercício regular do direito, desde que haja consentimento
do paciente (se não houver consentimento do paciente, o médico responde por lesão corporal). Ex.:
cirurgia plástica.

III – Lesões desportivas: as atividades esportivas são fomentadas ou incentivadas pela Lei.
Logo, se as regras esportivas forem cumpridas, as condutas não são antinormativas, logo, o atleta
não pratica figura atípica. Ex.: Boxeador que acerta vários socos no outro boxeador e acaba
causando sua morte.

Por outro lado, se as regras do esporte forem desrespeitadas, as condutas praticadas fora
das regras não são fomentadas, logo, as condutas são típicas.
IV – Princípio da Insignificância: deve-se aferir o grau de lesão ao bem jurídico. Se a lesão
for ínfima, a conduta será penalmente atípica, abrangida pela atipicidade conglobante.

5.4.4. Tipicidade Conglobante x Excludentes de Ilicitude

Se não aplicarmos a tipicidade conglobante, as condutas que são obrigadas por outros ramos
do Direito, seriam típicas, mas seriam lícitas, porque o agente age em estrito cumprimento de um
dever legal. Ex.: oficial de justiça que cumpre mandado de penhora.

Por sua vez, as condutas fomentadas por outros ramos do Direito, seriam típicas, mas seriam
lícitas, porque o agente agiria em exercício regular do direito. Ex.: boxeador que lesiona o outro
dentro do ringue.

De outro lado, as condutas praticadas em legítima defesa ou estado de necessidade não são
fomentadas e nem obrigadas por outros ramos do Direito. Na verdade, essas condutas são apenas
permitidas ou toleradas pela Lei. Logo, são atos antinormativos e, por conseguinte, são fatos típicos.

5.4.5. Teoria adotada no Brasil

A teoria da tipicidade conglobante não é adotada no Brasil pela maioria da doutrina. Na


verdade, apenas Zaffaroni e Greco adotam essa teoria.

Da mesma forma, a jurisprudência não adota a teoria da tipicidade conglobante.

A maior parte da doutrina, bem como a jurisprudência, trabalham apenas com a tipicidade
formal e a tipicidade material.

ILICITUDE
1. Introdução

A ilicitude é o segundo elemento do conceito analítico de crime.

Ela é sinônima de antijuridicidade.


2. Conceito

Ilicitude é a relação de contrariedade entre a conduta do agente e ordenamento jurídico


penal.

Porém, a ilicitude não é exclusiva do Direito Penal. Na verdade, ela é importada do Direito
Civil. Com efeito, qualquer conduta que viola a norma jurídica é ilícita, como furar o sinal vermelho;
não pagar um tributo e etc.

3. Espécies

A doutrina divide a ilicitude em duas espécies:

a) Ilicitude formal: relação de contrariedade entre a conduta e a norma;

b) Ilicitude material: é a conduta que causa lesão ou expõe a lesão um bem jurídico tutelado.

A doutrina moderna critica essa divisão, sob o fundamento de que, embora diversas, há uma
confusão entre a ilicitude formal e a material. Ora, se eu pratico uma conduta proibida pela norma,
eu causo lesão a um bem jurídico tutelado. Logo, os conceitos estão interligados; não dá pra
conceber um sem o outro.

4. Fases de evolução do tipo penal

Para saber quando a conduta é ilícita, precisamos estudar antes as fases de evolução do tipo
penal. São três fases de evolução:

I – 1ª Fase – Função descritiva do tipo penal (Binding): Para Binding, o tipo penal tem como
única função descrever uma conduta, ou seja, o tipo penal apenas descrevia uma conduta proibida
ou mandada. Para Binding, portanto, não havia nenhuma relação entre tipo penal e ilicitude.

Essa teoria também ficou conhecida como teoria do tipo avalorado, porque o tipo não tinha
nenhum valor ligado à ilicitude; ele apenas descreve a conduta.

Também é conhecida como teoria do tipo acromático, ou seja, tipo sem cor, porque o tipo
não trazia nenhuma cor da ilicitude.
II – 2ª Fase – Função indiciária do tipo penal ou Teoria da Ratio Cognoscendi (Mayer): para
o autor, o tipo penal realmente descreve uma conduta, mas sua função não é apenas essa. Isso
porque o tipo penal tem a função de indiciar a conduta.

Para Mayer, tipo penal e ilicitude são coisas diferentes, mas o tipo penal funciona como um
indício de ilicitude, ou seja, o tipo penal não traz a certeza da ilicitude, mas traz um indício dela.
Logo, como indício que é, ainda pode ser afastado.

Portanto, é possível haver tipo penal, mas não haver ilicitude.

Obs.: A doutrina brasileira também chama essa teoria de Teoria da Indiciariedade.

III – 3ª Fase – Confusão entre tipo penal e ilicitude ou Teoria da ratio essendi (Mezger):
para o autor, tipo penal e ilicitude são a mesma coisa.

Mezger trouxe a ilicitude para dentro do tipo penal. Assim, tipo penal e ilicitude passaram a
ser um a razão de ser do outro.

Portanto, para essa teoria, a exclusão da ilicitude acarreta, por consequência, a exclusão da
tipicidade.

Daí surge a Teoria dos Elementos Negativos do Tipo, pela qual a exclusão da ilicitude
acarreta a exclusão da tipicidade.

5. Teoria adotada

A teoria adotada foi a Teoria da Função Indiciária do tipo penal de Mayer ou Teoria da ratio
cognoscendi.

Seu fundamento é a teoria do reconhecimento das normas de cultura. Explico: para Mayer,
a cultura exerce grande influência sobre as normas do Estado. Por isso, os interesses gerais, a cultura
local daquela coletividade é levada para a ordem jurídica, para a legislação. Ex.: em alguns países, é
permitido o uso de drogas e o aborto; em outros países, essas condutas são criminosas.
Toda legislação que separa condutas proibidas de condutas permitidas está determinando
qual norma de cultura foi adotada. Em outras palavras, o legislador decide o que é lícito e o que é
ilícito de acordo com as normas de cultura vigentes no local.

Portanto, se a conduta é proibida por um tipo penal, já há indícios de que ela contraria as
normas de conduta e, por conseguinte, é ilícita. Se a conduta fosse lícita, ela não estaria prevista no
tipo penal como proibida.

Em suma, a mera previsão no tipo penal já traz o indício de sua ilicitude, até prova em sentido
contrário.

Então, quando se faz presente a ilicitude?

A ilicitude se faz presente quando for praticado um tipo penal, ou seja, não há necessidade
de se preocupar com a presença da ilicitude, e sim com a presença do tipo penal. Por isso, a nossa
preocupação deve ser acerca de quando a ilicitude está ausente; que são justamente as causas
excludentes da ilicitude.

6. Causas de exclusão da ilicitude

6.1. Introdução

Também são chamadas de causas de justificação ou descriminantes.

Essas causas se dividem em dois grandes grupos:

a) Causas legais: previstas em lei – arts. 23 a 25 do CP;

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:


I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

b) Causas supralegais: não estão previstas na lei.

6.2. Legítima Defesa (art.25, CP)

6.2.1. Origem
Encontra-se referência à legítima defesa no Código de Manu, aperfeiçoado posteriormente
pelo Direito Romano.

Além disso, na Lei de Moisés, também já havia referência à legítima defesa: se o ladrão for
apanhado, forçando uma casa, for ferido e morrer; o que o ferir não será punido. Veja que a legítima
defesa tinha um cunho patrimonial.

Da mesma forma, a lei das 13 tábuas permitia matar o ladrão que atacasse durante a noite.

Hoje, qualquer direito pode ser legitimamente defendido, desde que utilizados os meios
moderados, ou seja, vedado o excesso.

6.2.2. Fundamento

A legítima defesa tem duplo fundamento:

a) Princípio da Autoproteção: o Estado não consegue proteger todos os cidadãos 24 horas


por dia. Por isso, ele permite que os cidadãos, por si sós, façam sua defesa. Destarte, a autoproteção
é o primeiro fundamento da legítima defesa, como uma espécie de autotutela;

b) Reafirmação do Direito: quando me defendo, estou reafirmando o meu direito de não ser
lesionado ou de não ser morto.

O duplo fundamento da legítima defesa tem duas consequências:

Primeiramente, a legítima defesa não se submete à ponderação de bens jurídicos.

Além disso, a legítima defesa autoriza a lesão de bem mais valioso do que o defendido.

Obs.: Aqui reside uma diferença entre a legítima e o estado de necessidade.

6.2.3. Teorias da legítima defesa

I – Teoria da Coação Moral (Puffendorf): quem se defende frente a um perigo iminente não
pode ser responsabilizado penalmente. Isso porque esse agente age em um estado de insanidade
ou perturbação mental. Com efeito, aquele perigo ou agressão gera no agente essa perturbação
mental.

Significa que o agente está numa situação de inimputabilidade. Por isso, não é punido.
II – Teoria da Escusa Legal (Geyer): fundamenta-se na ideia de retribuição do mal pelo mal.
A conduta do ofendido, aquele que se defende de uma agressão, pode até ser reprovável, mas não
pode ser punida. Isso porque há apenas a compensação de um mal por outro mal.

III – Teoria do Exercício de um Direito (Kant): a legítima defesa é um direito. Kant reconhece
na legítima defesa um direito a ser exercido por uma pessoa que sofre uma agressão injusta.

IV – Teoria da Delegação do Poder Público (Callón): na legítima defesa, haveria uma


delegação do Poder Público aos particulares, de modo que a defesa privada seria um substitutivo
da defesa pública, quando a necessidade exigisse.

V – Teoria do Interesse Preponderante (Merkel): funda-se na colisão de interesses. Há a


agressão do agressor (interesse do agressor) e o interesse do ofendido (defendido). Esses interesses
colidem, mas o interesse do que se defende prepondera sobre o interesse do agressor.

6.2.4. Teoria adotada

O Direito Penal brasileiro não adotou nenhuma das teorias acima elencadas. A que mais se
aproxima do Direito Penal brasileiro é a Teoria do Exercício de um Direito de Kant.

6.2.5. Elementos da legítima defesa

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios


necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

I – Elementos objetivos:

a) Agressão humana: é a agressão proveniente de uma conduta humana. Pode parecer


óbvio, mas significa que não pode haver legítima diante de eventos naturais e de ataques de
animais. Nesses casos, a reação de defesa não será legítima defesa e sim estado de necessidade.
Mas cuidado, se o animal for utilizado como instrumento de ataque por outro ser humano,
a agressão não é do animal, e sim de um humano. Logo, nessa hipótese, cabe legítima defesa.

Obs.: Nesse caso, a defesa deve se dá contra o animal, e não contra o humano que o utiliza
como instrumento. Isso porque a legítima defesa sempre deve visar a cessação da agressão. Ora, se
eu reajo contra o humano, o animal ainda irá me atacar, então não é legítima defesa (resultado: eu
vou ser estraçalhado pelo animal e ainda vou responder por homicídio doloso do humano).
Portanto, a reação deve ser contra o animal para cessar seu ataque.

De qualquer forma, a agressão humana é analisada de forma objetiva. Significa que será
legítima defesa contra a ação de um inimputável ou de um menor de 18 anos, sempre vedado o
excesso (não pode dar um tiro numa criança de cinco anos que vem te bater com uma vassoura).

b) Agressão injusta: é a agressão não autorizada pelo ordenamento jurídico. Portanto,


qualquer agressão que a lei não autoriza enseja a legítima defesa.

Ex.: A agride B do nada. B pode revidar, agindo em legítima defesa, porque a agressão de A
é injusta.

Contudo, contra a reação de B, A não pode revidar em legítima defesa, porque a reação de
B é justa, já que praticada em legítima defesa. Logo, se A ainda agredir B, estará provocando mais
uma vez uma agressão injusta, de modo que B pode revidar de novo, agindo em legítima defesa.

Por outro lado, imagine que B revida a agressão injusta de A, e mesmo após ter conseguido
cessar a agressão de A, B continuou agredindo A. Veja que a nova agressão de B (após a cessação
da agressão de A) configura um EXCESSO. Portanto, agora A está sofrendo uma agressão injusta,
logo, nessa hipótese, A pode revidar a agressão de B, atuando em legítima defesa.

Temos aqui a legítima defesa sucessiva – a legítima defesa contra o excesso de quem se
defende.

c) Agressão atual ou iminente: agressão atual é aquela que está acontecendo no momento.

Mas o que é agressão iminente?


Segundo a doutrina, é aquela que está prestes a acontecer. Todavia, não há um quantum
temporal determinado: dez minutos ou vinte minutos ou uma hora...?

Por isso, deve ser analisado o caso concreto.

d) Agressão contra direito próprio ou de outrem: por isso, a legítima defesa pode ser própria
(defesa de direito próprio) ou de terceiro (defesa de direito de outrem).

e) Meios necessários: os meios necessários estão ligados à qualidade da defesa.

A pergunta é: com o que eu posso me defender?

Infelizmente, também não há um critério objetivo para limitar os meios necessários. Mais
uma vez, a análise deve ser feita no caso concreto.

De qualquer forma, na análise do caso concreto, devem ser analisados três fatores:

i) Princípio da Proporcionalidade: contra uma agressão de uma faca, eu posso me defender


com outra faca, com uma espada, com um facão, com um extintor e até mesmo com um revólver.
Por outro lado, se o agressor ataca desarmado, seria desproporcional usar uma arma de fogo;

ii) Condições de agressor e agredido: contra uma agressão de um lutador profissional,


mesmo que desarmado, é razoável usar uma arma de fogo, porque na mão, você vai morrer de levar
porrada. Da mesma forma, se você for agredido por três pessoas desarmadas ao mesmo tempo,
seria razoável usar uma arma de fogo para se defender. Por outro lado, se agressão parte de uma
pessoa qualquer desarmada, não é razoável usar uma arma de fogo;

iii) O meio de defesa pode ser mais grave, desde que seja o único que o agredido tinha à
disposição.

f) Meios moderados: os meios moderados estão ligados à quantidade da defesa.

A pergunta é: quantos golpes eu posso desferir contra o agressor para me defender?


Ora, se a finalidade da legítima é fazer a agressão cessar, enquanto a agressão não cessar, o
meio é moderado. Portanto, os meios moderados são aqueles utilizados até conseguir cessar a
agressão. Em outras palavras, se agressão ainda não cessou, os meios ainda são moderados.

A partir do momento em que se cessa a agressão, qualquer agressão será considerada


excessiva, e não mais meio moderado. O excesso surge, por consequência, da utilização de meios
desnecessários ou imoderados.

II – Elemento subjetivo: é a consciência sobre todos os elementos objetivos, ou seja, o


agente deve saber que estar agindo em legítima defesa contra agressão humana, injusta, atual ou
iminente, através dos meios necessários e moderados.

6.2.6. Excesso de legítima defesa (art.23, p. único, CP)

O excesso pode ser doloso ou culposo.

Art. 23, Parágrafo único, CP - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo,
responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Como visto, o excesso surge justamente da utilização dos meios desnecessários ou da


utilização de meios imoderados.

ATENÇÃO – Excesso por causas emocionais: o excesso por causas emocionais pode se dar
por elementos astênicos e elementos estênicos.

As causas astênicas são ligadas ao medo, susto, perturbação. Por medo, pavor, pânico, a
pessoa agredida pode se exceder.

Por sua vez, os elementos estênicos estão ligados à irritação, ódio, cólera.

6.2.7. Modalidades de legítima defesa

a) Real: é a legítima defesa contra agressão atual, humana e injusta e etc.

b) Putativa: ver aula de erro;

c) Sucessiva: é a legítima defesa do excesso de quem se defende;


d) Recíproca: é a legítima defesa de legítima defesa. Ex.: A agride B do nada e B reage,
agredindo A. A legítima defesa recíproca seria a agressão de A diante do revide de B. Porém, como
vimos ela não é admitida, porque a agressão de B não é injusta.

ATENÇÃO – Cabe legítima defesa contra uma agressão proveniente de estado de


necessidade?

Não cabe legítima defesa nesse caso, porque a agressão proveniente de estado de
necessidade não é injusta.

Cabe legítima defesa real contra legítima defesa putativa?

SIM.

Ex.: A ameaça B; e B começa a andar armado com medo de A. O A vai ao encontro de B para
se desculpar, mas quando B avista o A, pensa que A vem ao seu encontro para matá-lo. Por isso, B
saca uma arma e atira contra A, mas erra o tiro. Diante disso, A atira contra B e o mata.

Veja que o B agiu em legítima defesa putativa, porque achou que A iria agredi-lo. Por seu
turno, A se viu diante de uma agressão injusta por parte de B, porque apenas iria se desculpar com
ele e B atirou contra si. Portanto, A agiu em legítima defesa real (diante de uma agressão humana,
atual e injusta) contra a agressão de B, que atuou em legítima defesa putativa.

6.2.8. Legítima defesa do agente de segurança pública

A Lei nº 13.964/19 trouxe uma novidade ao artigo 25 do Código Penal – o seu parágrafo
único:

Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo,


considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele
agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.

A verdade é que essa alteração não é tão substancial, porque isso já era considerado legítima
defesa. O legislador apenas explicitou uma hipótese que já era considerada legítima defesa.

Ex.: O agente mantém uma vítima refém num assalto a ônibus; diante disso, um sniper atira
e mata o agente, como aconteceu no Rio de Janeiro.
Vejam que isso não é e nem nunca foi estrito cumprimento de um dever legal, porque não
existe dever de matar nessa hipótese. Portanto, essa hipótese sempre foi caso de legítima defesa,
e agora continua sendo, mas apenas de forma mais explícita.

Por fim, importa ressaltar que o parágrafo único destaca que apenas haverá legítima defesa
nesse caso, se os requisitos do caput do art. 25 forem observados, especialmente em relação aos
meios necessários utilizados de forma moderada.

6.3. Estado de Necessidade

6.3.1. Noção

No estado de necessidade, temos dois bens jurídicos tutelados em conflito numa situação
de perigo, de modo que a lei permite o sacrifício de um dos bens a fim de salvar o outro.

Nesse caso, deve haver uma ponderação de valores entre o bem sacrificado e o bem salvo.

6.3.2. Natureza Jurídica

Há duas correntes sobre a natureza jurídica do estado de necessidade:

A primeira corrente defende que o estado de necessidade é uma faculdade do agente, e não
direito do agente. O estado de necessidade não é direito, porque para cada direito, deve haver um
dever. Ora, sendo assim, se o estado de necessidade for direito daquele que agente que sacrifica
um bem jurídico, haveria um dever da outra pessoa se sujeitar ao sacrificado de seu bem. Ex.: num
incêndio, a pessoa que mata a outra para se salvar teria o direito de estado de necessidade, ao passo
que a pessoa que morre teria o dever de entregar sua vida para salvar a outra.

Já a segunda corrente sustenta que o estado de necessidade é um direito, mas não em face
daquela pessoa que sofre o sacrifício, e sim em face do Estado, que tem o dever de reconhecer o
estado de necessidade caso estejam presentes os requisitos legais. Essa é a corrente majoritária
(Damásio).

6.3.3. Teorias do Estado de Necessidade


Há duas teorias que tentam explicar o estado de necessidade:

I – Teoria Unitária: para essa teoria, se o bem sacrificado for um bem de menor ou igual
valor em relação ao bem salvo, temos um estado de necessidade justificante. Exs.: sacrifico
patrimônio para salvar a vida; sacrifico uma vida para salvar outra vida.

O estado de necessidade justificante exclui a ilicitude.

Se o bem sacrificado for de maior valor que o bem salvo, não se fala em estado de
necessidade, de modo que há crime e não se exclui a ilicitude.

II – Teoria Diferenciadora: para essa teoria, se o bem sacrificado for de menor valor que o
bem salvo, temos um estado de necessidade justificante (ex.: sacrifico patrimônio para salvar vida).
Por outro lado, se o bem sacrificado for de maior ou igual valor ao bem salvo, temos um estado de
necessidade exculpante (sacrifico vida para salvar vida).

No estado de necessidade justificante, haveria a exclusão da ilicitude. Por sua vez, o estado
de necessidade exculpante exclui apenas a culpabilidade.

6.3.4. Teoria adotada pelo Direito Penal

O Direito Penal brasileiro adotou a Teoria Unitária e a Teoria Diferenciadora, ou seja, as duas
teorias foram adotadas.

Com efeito, a Teoria Unitária foi adotada pelo Código Penal comum; ao passo que a Teoria
Diferenciadora foi adotada pelo Direito Penal Militar.

6.3.5. Classificação

O estado de necessidade pode ser classificado em:

a) Defensivo: o agente sacrifica a própria fonte do perigo. Ex.: um pitbull vem na minha
direção pra me atacar; eu saco uma arma e mato o animal; nesse caso, sacrifiquei a própria fonte
do perigo;
b) Agressivo: o agente sacrifica um bem jurídico diverso daquele que constitui a fonte do
perigo. Ex.: incêndio em uma sala; mato um inocente para tentar me salvar; nesse caso, sacrifiquei
a vida de um inocente (bem jurídico diverso da fonte do perigo) para me salvar.

6.3.6. Elementos do estado de necessidade

Os elementos podem ser divididos em objetivos e subjetivo:

I – Elementos objetivos:

a) Perigo atual: o perigo que acontece naquele momento. Esse perigo pode decorrer de uma
ação humana ou não (eventos naturais, animais e etc).

Veja que no estado de necessidade, diferente da legítima defesa, a lei não fala em perigo
iminente, apenas em perigo atual. Diante disso, aplica-se ou não o perigo iminente ao estado de
necessidade?

Uma primeira corrente defende que SIM; o estado de necessidade abrange o perigo
iminente, em analogia ao artigo 25, que trata da legítima defesa (Bittencourt e Greco).

Por outro lado, uma segunda corrente sustenta que NÃO; o estado de necessidade não
abrange o perigo iminente, porque se o legislador quisesse abranger o perigo iminente, ele teria
dito expressamente, como disse quando tratou da legítima defesa (Nucci).

b) Que não provocou por sua vontade: o agente não pode ter provocado o perigo atual; se
o agente deu causa à situação de perigo, ele não pode alegar depois o estado de necessidade.

Mas qualquer forma de provocação do perigo impede o estado de necessidade, seja ela
dolosa ou culposa?

Há duas correntes na doutrina:

Uma primeira corrente sustenta que apenas a provocação dolosa do perigo impede o estado
de necessidade, porque a lei fala em vontade. Vontade denota dolo. Por isso, se o agente causou o
perigo culposamente, cabe estado de necessidade (Bento de Faria, Aníbal Bruno, Fragoso, Greco).
De outro turno, uma segunda corrente sustenta que tanto a provocação dolosa como a
culposa do perigo impedem o agente de alegar estado de necessidade, porque a palavra vontade
não denota só dolo. Seria injusto o agente que violou um dever objetivo de cuidado por descuido
se salvar depois, sacrificando um bem jurídico alheio e alegando estado de necessidade (Nucci,
Hungria, Toledo). Essa é a posição majoritária.

c) Não podia de outro modo evitar: no estado de necessidade, o sacrifício do bem jurídico
tem que ser a última hipótese; eu só posso sacrificar um bem jurídico se não houver outra forma de
salvar o outro bem jurídico.

d) Direito próprio ou alheio: se o direito em perigo for próprio, fala-se em estado de


necessidade próprio; por sua vez, se o direito em perigo for alheio, fala-se em estado de necessidade
de terceiro;

e) Cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se: aqui trabalha-se com a
teoria unitária e a ponderação de bens – só se pode sacrificar um bem de menor ou igual valor que
o bem salvo para que haja estado de necessidade.

Se o bem sacrificado for de maior valor que o bem salvo, não há estado de necessidade, logo,
há crime. Nesse caso, mesmo havendo crime, a pena pode ser diminuída de um a dois terços, se for
razoável o direito ameaçado (§2º).

Art. 24, § 2º, CP - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito


ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

II – Elemento subjetivo: o agente deve saber que está agindo em estado de necessidade, ou
seja, ele deve ter consciência sobre a existência de todos os elementos objetivos.

6.3.7. Proibição de alegação de estado de necessidade (§1º)


Não pode alegar estado de necessidade o agente garantidor do art. 13, §2º, a, CP, que tem
o dever legal de evitar o resultado.

Destarte, a proibição legal não se aplica aos demais garantidores previstos no art. 13, §2º,
CP.

Art. 24, § 1º, CP - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o
dever legal de enfrentar o perigo.

6.4. Estrito cumprimento do dever legal

Não há norma legal o definindo, diferentemente do estado de necessidade da legítima


defesa. Está previsto apenas genericamente no art. 23, CP.

Possui dois requisitos objetivos:

a) Estrito cumprimento: prática dos atos estritamente necessários para a realização da


conduta;

b) Dever legal: é um dever previsto em uma norma jurídica, em sentido amplo (lei, decreto,
portaria, instrução normativa e etc.)

Ora, quem tem deveres de agir previstos em normas jurídicas são apenas os funcionários
públicos. Logo, essa excludente é direcionada a um funcionário público ou quem esteja no exercício
de uma função pública.

Além disso, deve haver o requisito subjetivo: o funcionário público deve ter consciência de
que está agindo em estrito cumprimento do dever legal.

Ex.: Policial vai prender um agente, que reage; ele utiliza da força necessária e acaba
quebrando o braço do agente. Ele está agindo em estrito cumprimento do dever legal, logo, exclui-
se a ilicitude, de modo que ele não responde por lesão corporal.

6.5. Exercício regular do direito

Também não tem previsão específica e própria, assim como o estrito cumprimento, apenas
a previsão genérica do art. 23.
A excludente existe, porque a mesma coisa não pode ser ao mesmo tempo um direito e um
crime.

Possui dos requisitos objetivos:

a) Direito: não há mais um dever, e sim um direito do agente. Ademais, qualquer direito
pode justificar a excludente, seja ele de caráter público, privado, penal ou extrapenal. Ex.: qualquer
pessoa tem o direito de prender outrem em flagrante;

b) Exercício regular: os atos devem ser apenas os estritamente necessários para o exercício
do direito. Destarte, o excesso decorre justamente do exercício irregular do direito.

Os exemplos mais claros são as intervenções cirúrgicas e práticas desportivas.

A intervenção cirúrgica nada mais é do que um direito do médico, exercido regularmente.


Ex.: o médico corta a pele, serra o osso e etc, mas não responde por lesão, porque age em exercício
regular do direito.

Da mesma forma, práticas desportivas consistem em exercício regular do direito, como no


caso em que o boxeador dá um soco na cabeça do outro, mas não responde por lesão corporal,
porque há excludente do ilícito.

ATENÇÃO – A prática desportiva só é exercício regular do direito se ela se dá dentro das


regras. Caso um dos atletas aja fora das regras, ele pratica crime. Ex.: Tyson arrancou um pedaço da
orelha do Hollyfiel; agiu fora das regras, logo, praticou o crime de lesão corporal.

Por fim, o agente deve ter o elemento subjetivo, ou seja, deve ter consciência de que está
agindo em exercício regular do direito.

6.6. Ofendículas ou ofendículos

6.6.1. Conceito

São aqueles obstáculos ou aparatos, normalmente utilizados em residências, para fins de


proteção. Exs.: cacos de vidro; cerca elétrica; arame farpado.

Obs.: Cachorro é ofendículo? Depende. Se for um cão de guarda, pode ser considerado
ofendículo. Por sua vez, se for um cachorro apenas para companhia, não é ofendículo.
Obs.: Defesa mecânica pré-disposta – parte da doutrina sustenta que seria uma espécie de
ofendículo oculta.

ATENÇÃO – Cerca elétrica: a Lei 13.477 regulamenta a instalação e uso da cerca elétrica.
Segundo a lei, a cerca deve estar a uma altura compatível com a finalidade; altura mínima do solo
para não causar acidentes; choque não mortal. Por fim, a cerca deve ser visível e deve conter avisos
que alertem sobre sua existência e risco (inclusive para pessoas analfabetas).

6.6.2. Natureza Jurídica

Há três correntes que debatem a natureza jurídica dos ofendículos:

A primeira corrente defende que se trata de exercício regular do direito, ou seja, quando o
agente instala os ofendículos, ele age no direito regular de garantir sua vida e patrimônio. Essa é a
posição de Aníbal Bruno, mas é minoritária.

Já uma segunda corrente diz que se trata de legítima defesa, ou seja, quando o invasor se
lesiona na cerca elétrica, o agente está apenas defendendo seu patrimônio e a sua vida. Essa é a
posição de Hungria, Noronha e Toledo e é majoritária.

Por fim, uma terceira corrente sustenta uma dupla natureza jurídica: num primeiro
momento, o ofendículo consiste em exercício regular do direito; e num segundo momento,
legítima defesa pré-ordenada. Portanto, no momento da instalação da ofendícula, o agente age em
exercício regular do direito, mas quando a ofendícula é utilizada e lesiona o invasor, há legítima
defesa pré-ordenada. Essa é a posição de Bittencourt.

6.7. Consentimento do ofendido

Trata-se de causa supralegal da exclusão da ilicitude.

Seus elementos são:

a) Bem disponível: o bem jurídico tutelado deve ser disponível, logo, não abrange a vida e
os bens ligados ao Estado, pois estes são bens indisponíveis. Por sua vez, são disponíveis a honra, o
patrimônio, a integridade física;
b) Consentimento válido: significa que o consentimento não pode ser obtido com nenhum
vício de vontade, como ameaça, fraude, constrangimento, mediante erro e etc.

c) Capacidade para consentir: o titular do bem deve ter capacidade para consentir. Como
regra, são apenas o maior de 18 anos e o mentalmente são.

d) Consentimento antes ou durante a prática do delito: o consentimento depois da prática


do ato não é mais consentimento, e sim mero conformismo.

CUIDADO – Como regra, o consentimento do ofendido exclui a ilicitude, mas,


excepcionalmente, ele pode excluir a própria a tipicidade formal, quando o não consentimento da
vítima for elemento do tipo. Exs.: estupro; violação de domicílio.

6.8. Colisão de deveres

6.8.1. Introdução

Imagine que um bombeiro é chamado para dois incêndios, em prédios distantes. Ele vai a
um dos prédios e o outro prédio pega fogo, resultando na morte de uma pessoa. Diante disso, o
bombeiro responde pela morte dessa pessoa, como garantidor que é?

Ou imagine que o Dr. Tenma é o único cirurgião do Hospital. Nesse momento, chegam duas
pessoas em risco, precisando de cirurgia, uma criança e um idoso. Diante disso, Dr. Tenma resolve
fazer a cirurgia na criança, salvando sua vida, mas isso resulta na morte do idoso. Dr. Tenma
responde pela morte do idoso?

Aqui, há dois deveres colidindo. Trata-se do instituto da colisão de deveres, um primo do


estado de necessidade. A colisão de deveres também se trata de causa supralegal de exclusão da
ilicitude, de modo que o agente não responde pelo resultado do outro dever de agir que não pôde
cumprir.

Nesses casos, não há estado de necessidade, porque no estado de necessidade não há dever
de sacrificar um bem para salvar o outro; na verdade, há apenas uma permissão para fazê-lo. Por
sua vez, na colisão de deveres, não há mera permissão, e sim verdadeiro dever de agir.

6.8.2. Espécies
Há duas formas de colisão de deveres:

I - Dever de agir x Dever de agir: essa forma ainda se subdivide em duas outras hipóteses:

a) Um dos deveres de agir é superior ao outro: o médico se depara com um paciente que
tem uma epidemia que pode causar um genocídio. Ele tem dois deveres de agir: comunicar a
autoridade pública sanitária para evitar a epidemia ou guardar o sigilo médico.

Nesse caso, a comunicação à autoridade pública é um dever de agir muito superior, porque
evita uma epidemia mortal. Logo, o médico deve cumprir o dever superior; e quanto ao
descumprimento do dever inferior, apesar de configurar o crime de violação do sigilo médico, o
agente não responde por esse crime, pela exclusão da ilicitude por colisão de deveres.

b) Os dois deveres de agir são equivalentes: Dr. Tenma precisa salvar os dois pacientes que
precisam de cirurgia. Nesse caso, como os deveres são equivalentes, Dr. Tenma pode cumprir
qualquer um dos deveres de agir. Por isso, ele não responde pela morte do outro paciente em que
não fez a cirurgia, por exclusão da ilicitude – colisão de deveres equivalentes.

Obs.: Imagine agora que Dr. Tenma está sozinho no Hospital e dois pacientes chegam no
Hospital precisando de cirurgia: uma criança e o prefeito da cidade. Isso não é critério distintivo,
logo, status profissional, classe social, idade, chance de sobreviver, não importam. O que importa é
que são duas vidas humanas, dois bens jurídicos equivalentes.

II – Dever de agir x Dever de omitir: também há duas hipóteses:

a) Um dos deveres é superior: nesse caso, o agente também deve cumprir o dever superior,
seja ele de agir ou de omitir. Se o dever inferior descumprido configurar crime, o agente não
responde por ele, pela exclusão da ilicitude por colisão de deveres.

b) Dois deveres equivalentes: um paciente está no hospital usando o único respirador do


Hospital, que é o que lhe mantém vivo; mas chega um novo paciente no hospital, precisando do
respirador. Veja que há uma colisão de agir – dar o respirador para o novo paciente; e um dever de
omitir – não retirar o respirador do primeiro paciente. Esses deveres são equivalentes. O que fazer?

A doutrina alemã sustenta que nesse caso, prevalece o dever de omitir, ou seja, o médico
deve deixar o respirador com o primeiro paciente, porque já há uma situação consolidada – o
primeiro paciente já está com o respirador. É possível que se retirar o respirador do primeiro
paciente para dar ao novo paciente, ambos os pacientes morram. Por isso, é mais seguro manter o
respirador com o A, e garantir sua vida.

Por outro lado, se o médico cumpre o dever de agir, ie, retira o respirador do primeiro
paciente e o entrega ao novo paciente, resultando na morte do primeiro paciente, o médico vai
responder pela morte do primeiro paciente.

ATENÇÃO – Se o novo paciente que chega é filho do paciente, e o médico retira o respirador
do primeiro paciente e o entrega ao seu filho, mesmo que resulte na morte do primeiro paciente, o
médico responde por sua morte, mas pode ser absolvido pela exclusão da culpabilidade pela
inexigibilidade de conduta diversa.

CULPABILIDADE
1. Introdução

Segundo Santiago Mir Puig, a culpabilidade é um princípio que possui três vertentes:

a) Elemento integrante do conceito analítico de crime;

b) Elemento medidor da aplicação da pena;

c) Elemento que visa afastar a responsabilidade penal objetiva.

1.1. Elemento integrante do conceito analítico de crime

Welzel já dizia que o que converte a conduta humana em crime é ela gerar um fato típico,
ilícito e culpável.

Entretanto, deve-se notar que quando se analisa a tipicidade e a ilicitude, olha-se apenas
para o fato. Todavia, quando se analisa a culpabilidade, olha-se para o agente, ou seja, o juízo de
reprovação recai sobre o agente (juízo de reprovabilidade pessoal).

Portanto, ausente a culpabilidade, o crime não existe.


1.2. Elemento medidor de aplicação da pena

Beccaria dizia que só se justifica uma pena, se ela for justa. Pena justa, por sua vez, é aquela
necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

Destarte, a culpabilidade funciona, aqui, como fundamento e limite de aplicação da pena,


nos termos do artigo 59 do Código Penal.

Assim, o que é mais grave? Uma pessoa qualquer receber vantagem indevida ou um policial
receber uma vantagem indevida? A reprovabilidade da conduta do policial é maior.

1.3. Elemento que visa afastar a responsabilidade penal objetiva

O princípio da responsabilidade penal subjetiva significa que toda e qualquer


responsabilidade penal só pode ser objetiva, no sentido de que só existe conduta penalmente
relevante, se o agente agir com dolo ou, minimamente, com culpa. Em outras palavras, sem dolo e
sem culpa, não há conduta relevante para o Direito Penal, logo, ele não responde pelo fato.

Destarte, ninguém pode responder por um resultado absolutamente imprevisível, sem que
tenha agido com dolo ou culpa. Nesse caso, o resultado é deslocado para o caso fortuito ou a força
maior.

Por essa razão, também são vedadas quaisquer formas de responsabilidade penal coletiva,
subsidiária, solidária ou sucessiva. Isso porque, no Direito Penal, a responsabilidade é sempre
pessoal e subjetiva.

ATENÇÃO - Fórmula da Versare in re Ilícita: O agente responde por todas as consequências


de seus atos, incluídas aqueles decorrentes de caso fortuito ou força maior. Essa fórmula não é mais
admitida, porque não se pode admitir que ninguém responda por fato absolutamente imprevisível,
em respeito ao princípio da culpabilidade (responsabilidade penal subjetiva).

CRÍTICAS – Dispositivos legais criticados à luz da terceira vertente:

a) Lei 4728/65 – disciplina os crimes praticados em âmbito de mercado de capitais: o art. 73,
§2º, dessa lei, diz que todos os diretores da pessoa jurídica seriam punidos. Ocorre que isso é
claramente uma responsabilidade penal objetiva e coletiva, porque não se afere dolo ou culpa de
cada um dos diretores. Logo, esse dispositivo é inconstitucional por violar o princípio da
culpabilidade;

b) Lei de Contravenções Penais: o artigo 3º diz que só se deve perquirir dolo ou culpa quando
a lei estabelecer. Ora, sempre se deve aferir dolo ou culpa por parte do agente, independentemente
de a lei afirmar. Por isso, esse artigo também é inconstitucional por prever hipótese de
responsabilidade penal objetiva;

c) Homicídio culposo no CTB: Não basta que a denúncia diga que o acusado estava na direção
de veículo automotor. A denúncia precisa demonstrar no que consistiu a violação do dever objetivo
de cuidado, ou seja, o acusado estava em ziguezague, em alta velocidade, furou o sinal... Se a
denúncia não descrever no que consistiu a culpa, ela será inepta (Info 553 do STJ). Portanto, mais
uma vez, incorre-se em responsabilidade penal objetiva.

1.4. Livre arbítrio x Determinismo

Sempre se discutiu se os crimes são praticados por livre arbítrio do agente ou fruto de
determinismo.

Pelo livre arbítrio, o agente pratica o delito de acordo com sua vontade própria. Ele não é
influenciado por fatores externos, ou seja, nenhum fator alheio a sua vontade o influencia à prática
do crime. O agente sabe o que é certo e o que é errado e escolhe livremente. Logo, ele deve
responder penalmente por seus atos.

De outro lado, pelo determinismo, o agente pratica o crime, influenciado por fatores
externos ou exógenos, ou seja, o ambiente em que ele está inserido, a educação e a instrução que
ele recebeu, as pessoas que o rodeiam, tudo isso influencia o agente na prática da infração penal.
Todos esses fatores influenciam e determinam o agente, de forma tal que ele é conduzido a praticar
o delito.

Diante disso, o determinismo pode servir como uma hipótese de exclusão da culpabilidade,
mas isso não vai acontecer. Logo, o determinismo serviria apenas para diminuir ou atenuar a pena
do agente.

De qualquer forma, qual substrato prevalece: livre arbítrio ou determinismo?


Evidentemente, o que prevalece é o livre arbítrio. O ambiente pode até ter alguma
influência, mas não determina a prática do crime. Se o agente for imputável, maior de 18 anos e
são, tem plena noção do que é certo e o que é errado, logo, ele deve responder penalmente por sua
escolha.

Obs.: A coação física ou moral, mas sobretudo a física, aniquila o livre arbítrio. Portanto,
nesse caso, um fator externo físico o leva à prática da infração penal.

2. Teorias da Culpabilidade

2.1. Teoria Psicológica

As teorias buscam responder o que é culpabilidade.

Para a teoria psicológica, culpabilidade é tão somente um vínculo psicológico entre o agente
e o crime por ele praticado.

Esse vínculo é subjetivo e psicológico. Logo, enquanto o nexo de causalidade é um vínculo


físico entre o agente e o resultado criminoso (relação física de causa e efeito), na culpabilidade, há
um vínculo subjetivo e psicológico entre o agente e o crime.

Esse vínculo psicológico era justamente o DOLO ou a CULPA. Portanto, o dolo e a culpa não
eram considerados elementos da culpabilidade (a culpabilidade nem tinha elementos), e sim, a
própria culpabilidade (Culpabilidade = Dolo + Culpa). Logo, dolo e culpa não estavam na conduta, e
sim dentro da culpabilidade, porque vigorava a Teoria Causalista da Ação.

2.2. Teoria Psicológico-Normativa

Aqui, a culpabilidade já ganha três elementos. Mas atente que a teoria continua sendo
psicológica. O que aconteceu foi o acréscimo de elementos normativos ao fator psicológico que já
existia.

Portanto, o dolo e a culpa foram mantidos dentro da culpabilidade, mas aqui viraram os
elementos psicológicos da culpabilidade (alguns autores entendem que o dolo e a culpa estavam
junto com a potencial consciência da ilicitude).
Acresceram-se a eles a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade
de conduta conforme o Direito, como elementos normativos da culpabilidade.

Diante disso, ainda vigorava aqui a Teoria Causalista da conduta, tendo em vista que dolo e
culpa ainda estavam dentro da culpabilidade.

2.3. Teoria Normativa Pura

Como o nome diz, para essa Teoria, a culpabilidade possui apenas elementos puramente
normativos: imputabilidade; potencial consciência da ilicitude; e a exigibilidade de conduta
conforme o Direito.

O elemento psicológico – dolo e culpa – foi transferido para a conduta, porque Welzel
defendia que não existe conduta desprovida de finalidade. Ora, a finalidade do crime não pode estar
dentro da culpabilidade, e, por consequência, o dolo e a culpa devem ser deslocados para a conduta.

A culpabilidade para a Teoria Normativa Pura corresponde ao entendimento da Teoria


Finalista da conduta de Welzel, que adotamos até hoje.

Obs.: Por tudo isso, Welzel foi considerado o pai da revolução copernicana do Direito Penal.

ATENÇÃO - Dolo Normativo x Dolo Natural: Para a Teoria psicológica-normativa, o dolo era
elemento psicológico da culpabilidade, analisado juntamente com a potencial consciência da
ilicitude - elemento normativo da culpabilidade. Por essa razão, ele era chamado de dolo normativo.
Logo, era o conceito de dolo que vigorava para a Teoria causalista da conduta e para a Teoria
psicológica-normativa.

Por outro lado, o dolo natural é o dolo considerado para a Teoria normativa pura. Isso porque
o dolo saiu da potencial consciência da ilicitude, saiu da culpabilidade, e foi deslocado para a
conduta. Ele é chamado de dolo natural, porque migra para a conduta despido da potencial
consciência da ilicitude (sem a roupagem normativa). Logo, o dolo natural é o dolo que vigorava
para a Teoria Finalista.

Diante disso, diz-se que, com a passagem da Teoria Psicológica-Normativa para a Teoria
Normativa Pura, houve uma bifurcação das consciências. Isso porque a consciência potencial da
ilicitude ficou na culpabilidade, ao passo que a consciência do dolo migrou para a conduta.
A consciência presente do dolo é a consciência plena, real e total da conduta que o agente
pratica. Essa conduta vem descrita no tipo penal, em seu preceito primário (ex.: matar alguém).
Assim, no fim das contas, a consciência deve abranger todos os elementos do tipo penal.

Por outro lado, a consciência da culpabilidade é potencial e pessoal, recaindo não sobre a
conduta, mas sim sobre a ilicitude, ou seja, é a possibilidade de saber que aquela conduta é ilícita,
que a conduta é proibida.

3. Elementos da Culpabilidade

3.1. Imputabilidade

O CP não define quem é o imputável, e sim o inimputável. Assim, por exclusão, o inimputável
é o maior de 18 anos e o mentalmente são, porque eles têm discernimento mental para entender
o que estão fazendo. Portanto, apenas eles têm a capacidade de responder penalmente pelo fato
criminoso praticado.

Em outras palavras, a imputabilidade significa que só se pode atribuir a responsabilidade


penal a alguém, se esse alguém tiver discernimento mínimo para entender que está fazendo algo
de errado, e esse alguém é apenas o maior de 18 anos e o mentalmente são.

3.2. Potencial consciência da ilicitude

Como visto, a potencial consciência da ilicitude é a possibilidade de o agente ter consciência


sobre a ilicitude de sua conduta, ou seja, a possibilidade de o agente saber que sua conduta é
proibida.

3.3. Exigibilidade de conduta conforme o direito

Também é conhecida como exigibilidade de conduta diversa.

Significa que, na situação concreta, era possível se exigir do agente uma conduta diversa e
lícita, ou seja, conduta conformada ao direito.
ATENÇÃO – Zaffaroni defende que todos os elementos da culpabilidade poderiam se resumir
a um único elemento: a exigibilidade de conduta diversa. Ora, se o agente não tem imputabilidade
(menor de 18 anos ou deficiente mental, ele não sabe o que está fazendo, logo, não se pode exigir
dele uma conduta diversa. Da mesma forma, se o agente não tem potencial consciência da ilicitude,
não é possível exigir dele uma conduta diversa. Apesar de genial, o entendimento de Zaffaroni não
foi adotado.

4. Causas de Exclusão da Culpabilidade

4.1. Inimputabilidade

4.1.1. Critérios

A inimputabilidade exclui a imputabilidade, primeiro elemento da culpabilidade.

O Código Penal adotou dois critérios para definir quem são os inimputáveis:

a) Critério Biológico (art. 27, CP): os menores de 18 anos são inimputáveis, de modo que não
respondem por crimes, mas ficam sujeitos ao ECA (atos infracionais);

Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis,


ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

b) Critério biopsicológico (art. 26, caput, CP): aqui, o agente não tem nenhuma capacidade
de entender o caráter ilícito do fato, por doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou
desenvolvimento mental retardado. Nesse caso, o agente é isento de pena.

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento


mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.

ATENÇÃO – Semi-imputável: está previsto no art. 26, p. único, do CP. O semi-imputável é


aquele que não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com ele, sendo punido com pena reduzida ou submetido a tratamento hospitalar.

Art. 26, Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente,
em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito
do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

4.1.2. Procedimento

O menor de 18 anos (critério biológico) será apreendido, levado à Polícia especializada, onde
se lavra o auto de infração por ato infracional. Depois, o adolescente deve ser apresentado
incontinente ao Ministério Púbico, que pode representar o adolescente ou oferecer remição. Ao
final, o adolescente receberá uma medida socioeducativa (ou absolvido).

Por sua vez, o doente mental (critério biopsicológico) pode receber medida de segurança.
Por isso, ele deve ser processado e só ao final desse processo, ele pode receber medida de
segurança. Durante o processo, ele deve ser submetido ao exame de insanidade mental para aferir
se ele era inimputável e se tal inimputabilidade gerou nele a incapacidade de entender a ilicitude
do fato. Ao final, o juízo pode absolver impropriamente o doente mental, aplicando-lhe medida de
segurança.

4.1.3. Embriaguez

O artigo 28 do Código Penal diz que não excluem a imputabilidade a emoção e a paixão;
assim como a embriaguez.

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:

I - a emoção ou a paixão;

II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos


análogos.

A embriaguez possui cinco espécies:

a) Voluntária: o agente voluntariamente se coloca em estado de embriaguez. Não exclui a


culpabilidade;

b) Culposa: o agente não quer se embriagar, mas viola o dever de cuidado e acaba ficando
bêbado. Também não exclui a imputabilidade;
c) Pré-ordenada: o agente se coloca em estado de embriaguez para praticar o crime. Não só
não exclui a imputabilidade, como é agravante de pena (art. 61, II, l, CP);

d) Patológica: o agente é doente, equiparado a um inimputável, mas isso só pode ser


provado por perícia. Portanto, será considerado inimputável por doença mental;

e) Acidental: a embriaguez é decorrente de caso fortuito ou força maior. Nesse caso, se a


embriaguez for total, o agente é considerado inimputável, sendo isento de pena (art. 28, §1º). De
outro turno, se a embriaguez não for total, o agente responde pelo crime, mas tem sua pena
reduzida (art. 28, §2º). Ex.: colocam álcool na bebida do agente sem ele saber e nem perceber.

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de


caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com
esse entendimento.

§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez,


proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da
omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-
se de acordo com esse entendimento.

ATENÇÃO – Teoria da Actio libera in causa: A análise do dolo e da consciência do agente


deve ser feita no momento em que ele começou a se embriagar e não no momento da prática da
conduta realizada sob efeito de embriaguez. Isso porque, no momento da conduta, o agente está
completamente embriagado, logo, não tem consciência de nada, e portanto, em tese, não poderia
responder pelo fato. Todavia, isso é inaceitável para a vida em sociedade. Por isso, utiliza-se a teoria
da actio libera in causa, de modo que se analisa se o agente tinha consciência no momento em que
começou a sem embriagar, ao invés de analisar no momento em que ele praticou o fato.

Obs.: Fases da embriaguez:

i) macaco (excitação): o agente fica alegre;

ii) leão (depressão): o agente fica bravo;

iii) porco (sono): o agente dorme e ronca.

4.2. Erro de proibição


(Ver aula da teoria do erro).

4.3. Inexigibilidade de conduta diversa (art. 22)

Essa causa excludente afasta a exigibilidade de conduta conforme o direito.

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a


ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da
coação ou da ordem.

I – Coação moral irresistível: não se confunde com a coação física irresistível, porque esta é
uma causa de exclusão da conduta, em que o agente não faz nenhuma escolha mental; ele
simplesmente é usado como uma ferramenta.

Por sua vez, a coação moral irresistível é uma causa de exclusão da culpabilidade, em que o
agente se depara com uma escolha “impossível”. Ex.: mate aquela pessoa ou eu mato o seu filho.

De se notar que a coação moral precisa ser irresistível; se ela for resistível, ela não exclui o
crime, mas pode atenuar a pena (art. 65, III, c, CP). Ex.: mate aquela pessoa ou eu destruo seu carro.

Ademais, a irresistibilidade da coação deve ser analisada de acordo com a situação concreta.

Nesse caso, o coagido não responde por nada, ao passo que o coator responde pelo crime,
como autor mediato do crime.

II – Obediência hierárquica: pressupõe uma relação entre duas pessoas regida pelo Direito
Público, onde se tem um superior hierárquico e um subordinado, como acontece entre militares,
juiz e assessor, diretor do presídio e carcereiro. Pois bem, o superior hierárquico emite uma ordem,
e o subordinado obedece a ordem, cometendo um crime.

Veja que aqui também temos uma hipótese de autoria mediata, porque o subordinado é o
instrumento do superior hierárquico. Por isso, o superior responde sempre pela prática do crime.
Por sua vez, o subordinado responde também?

Depende da natureza da ordem. Se a ordem não for manifestamente ilegal, só o autor da


ordem, o superior hierárquico, será punido. De outro turno, se a ilegalidade da ordem era
manifestamente ilegal, o subordinado também responde pelo crime, juntamente com o superior,
em coautoria.

Mas como saber se a ordem é ilegal?

Deve-se verificar basicamente três fatores:

i) Se a atribuição para emitir aquela ordem está prevista em lei;

ii) Se a ordem está de acordo com as formalidades legais;

iii) Caso concreto.

Portanto, caso a ordem seja manifestamente ilegal, por violar um dos fatores acima, o
subordinado que a obedece também responde em coautoria, porque tinha consciência da ilicitude
de seu ato, bem como lhe era exigida conduta diversa: desobedecer a ordem.

III - Inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade:


Essa tese não é pacífica na doutrina e na jurisprudência, mas em um caso específico, ela é bem
aceita pela jurisprudência: dificuldades financeiras da empresa e descumprimento de ordem
tributária.

É o caso da empresa que está quase falindo, e o empresário ao invés de pagar o tributo, ele
usa o dinheiro para pagar os salários dos funcionários, por exemplo.

Portanto, as dificuldades financeiras cabalmente comprovadas podem ser admitidas como


causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa.

5. Co-culpabilidade

A teoria da co-culpabilidade consiste no reconhecimento de parcela da responsabilidade


penal do agente, sendo atribuída ao próprio Estado. Portanto, o Estado tem parcela de culpa no
crime, porque não oferece saúde, educação e emprego aos acusados.

A coculpabilidade pode funcionar como:

a) Causa de exclusão da culpabilidade: não há base legal, logo, não se aplica;


b) Causa de redução de pena: há base legal no Código Penal, em seu artigo 66 – atenuante
genérica. Todavia, essa tese também não prevalece.

TEORIA DO ERRO
1. Introdução

Erro, para o Direito Civil, é a falsa noção ou percepção da realidade. Por essa razão, erro é a
antítese da consciência, ou seja, onde houver erro, não há consciência e vice-versa.

Ora, se o erro incide, quando falta consciência, trabalha-se com o erro dentro das
consciências do delito: a consciência como elemento do dolo, dentro da conduta; e a consciência
potencial da ilicitude, dentro da culpabilidade.

A consciência como elemento do dolo é a consciência plena, real e total sobre a conduta que
o agente está praticando. Ex.: tenho consciência de que estou furando o bucho do meu desafeto
com uma faca. Por outro lado, a consciência da culpabilidade não é total e nem plena; na verdade,
como o nome sugere, ela é potencial, ou seja, é a possibilidade de atingir a consciência da ilicitude,
da proibição. Ex.: tenho consciência de que matar alguém é proibido.

Portanto, a primeira consciência é a consciência do que se faz (eu sei que estou matando
meu inimigo); ao passo que a segunda consciência recai sobre a proibição da conduta (eu sei que
matar é proibido, é ilícito).

Diante disso, pergunto: é possível ter uma consciência e não ter a outra?

SIM. Eu sei o que estou fazendo, mas não sei que é proibido. Ex.: eu sei que estou caçando
jacaré, mas não sei que isso é proibido. Da mesma forma, eu sei que é proibido, mas não sei que
estou fazendo isso. Ex.: eu sei que transportar droga é errado, mas alguém coloca droga na minha
mochila sem eu ter visto e transporto sem saber; eu sei que o transporte de droga é ilícito, mas não
sabia que estava transportando.

Pois bem, se faltar qualquer uma das consciências (elemento do dolo e elemento da
culpabilidade), o agente incide em erro.
Destarte, se faltar a consciência como elemento do dolo, o agente erra, porque lhe falta a
consciência sobre algum dos elementos do tipo, ou seja, o agente erra sobre algum dos elementos
do tipo. Por isso, o agente incide em erro de tipo.

De outro turno, se falta a consciência como elemento da culpabilidade, o agente erra, porque
lhe falta a consciência sobre a ilicitude, sobre a proibição da conduta, ou seja, o agente erra sobre
a proibição da sua conduta. Por isso, o agente incide em erro de proibição.

2. Erro de Tipo

2.1. Erro de tipo essencial (art. 20, CP)

O erro de tipo pode ser classificado em essencial e acidental.

O erro de tipo essencial ocorre, quando o agente erra sobre algum dos elementos do tipo,
ou seja, quando lhe falta consciência sobre algum elemento do tipo.

O erro de tipo essencial possui duas classificações:

a) Invencível (inevitável ou escusável): o agente não tinha como evitar o erro, ie, qualquer
pessoa de cautela mediana também incidiria no mesmo erro.

O erro elimina a consciência como elemento do dolo. Logo, o erro exclui o dolo.

Nesse caso, o agente NÃO agiu com descuido, porque qualquer pessoa de cautela mediana
também cometeria o mesmo erro. Logo, o erro de tipo essencial invencível também exclui a culpa.

Portanto, aqui, o agente não responde por nada, porque sua conduta é ATÍPICA, por ausência
de dolo e de culpa.

b) Vencível (evitável ou inescusável): o agente tinha como evitar o erro, mas não evitou,
porque agiu com descuido, ie, outra pessoa de cautela mediana teria evitado o erro.

Aqui também o erro elimina a consciência como elemento do dolo, logo, o erro exclui o dolo.

Por outro lado, culpa é justamente o descuido. Aqui, o agente errou, porque agiu com
descuido; outra pessoa de cautela mediana evitaria o erro. Logo, o erro de tipo vencível permite a
punição por culpa.
O erro de tipo essencial vencível está previsto no artigo 20, caput, CP, permitindo a punição
da forma culposa, se ela estiver prevista em lei (princípio da excepcionalidade do crime culposo).
Portanto, se o crime não possui modalidade culposa, o agente não responde por nada.

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo,
mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.

Ex.1: O caçador está caçando veados e ouve um barulho atrás do arbusto; pensando que era
um veado, atira e acerta outra pessoa, causando-lhe a morte. O caçador agiu em erro, porque ele
até tinha consciência que estava atirando para matar, mas não sabia que estava atirando em alguém
(pensava que era um veado). Logo, ele errou sobre um elemento do tipo do art. 121 – matar alguém.
Se o caçador achava que era o único na mata, caçando; ele não agiu com descuido; logo, trata-se de
erro de tipo invencível. Portanto, o agente não responde por nada. Por outro lado, se a mata estava
cheia de caçadores; ele agiu com descuido; logo, trata-se de erro de tipo vencível. Portanto, o agente
responde pela modalidade culposa.

Ex.2: O policial vê uma caçamba de entulhos no meio da rua e começa a treinar tiros na
caçamba; acontece que um mendigo dormia dentro da caçamba sem que o policial soubesse. Os
tiros acabam por atingir o mendigo dentro da caçamba. Portanto, mais uma vez, o policial errou
sobre um elemento do tipo do art. 121, pois não sabia que estava matando alguém. Nesse caso, o
agente agiu com descuido, porque uma caçamba no meio da rua não é lugar pra prática de tiros;
ele, pelo menos, deveria ter dado uma olhada dentro antes de atirar. Logo, pratica erro vencível, de
modo que responde pela modalidade culposa.

Ex.3: O agente sai de uma festa, pega sua bicicleta e vai embora. Ocorre que ele pegou a
bicicleta de outra pessoa, pensando que era sua, porque eram idênticas. O agente subtraiu bem
móvel alheio, mas errou, porque pensava que se tratava de sua própria bicicleta. Portanto, o agente
atuou em erro de tipo essencial. Ocorre que antes de levar a bicicleta, ele deveria ter verificado se,
de fato, tratava-se da sua; portanto, o erro era vencível. Logo, o agente responderia pela
modalidade culposa. Contudo, não existe furto culposo, de modo que o agente não responde por
nada.

2.2. Erro de Tipo acidental


Também é chamado de erro irrelevante, e se divide em cinco espécies:

a) Erro na execução (aberratio ictus): está previsto no art. 73 do CP. Trata-se de erro durante
os atos executórios do crime. O agente não erra sobre a pessoa da vítima, mas, por erro na
execução, atinge pessoa diversa daquela que pretendia atingir. Ex.: o agente mira no seu pai, mas
erra no disparo, atinge a pessoa que estava ao lado do seu pai, causando-lhe a morte.

Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o


agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa
diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela,
atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser
também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra
do art. 70 deste Código.

Nesse caso, o agente responde pelo crime que pretendia cometer. Portanto, ele responde
pela morte de seu pai, como se o tivesse lhe atingido; de modo que incide a agravante de crime
contra ascendente.

Por outro lado, se o agente acerta tanto a pessoa que pretendia como pessoa diversa, dá-se
a aberratio ictus com unidade complexa (em contraponto à unidade simples, em que se atinge
apenas a pessoa diversa).

Nesse caso, o agente responde pelos crimes praticados em concurso formal. Ex.: o agente
atira contra seu pai, mas erra na hora do tiro e acerta pessoa diversa e seu pai. Ele responde pelo
homicídio doloso de seu pai e pelo homicídio culposo da pessoa diversa.

b) Erro sobre a pessoa: está previsto no art. 20, §3º, do Código Penal. Aqui, o agente não
erra sobre a execução, e sim sobre a pessoa. A execução é perfeita, mas a pessoa da vítima não é
aquela que o agente pretendia ofender. Ex.: o agente avista seu desafeto numa festa com uma
calça jeans e camisa branca; ocorre que o desafeto vai embora sem que o agente veja; o agente vê
uma pessoa com roupas muito parecidas, pega um copo e arremessa contra essa pessoa; o
arremesso de copo foi perfeito, atingindo a pessoa, mas não era o desafeto, e sim pessoa diversa.

Nesse caso, o agente responde pelo crime como se tivesse atingido a pessoa pretendida,
logo, no exemplo dado, o agente responde como se tivesse causado lesão em seu desafeto.
Art. 20, § 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta
de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima,
senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

c) Resultado diverso do pretendido (aberratio criminis): está previsto no art. 74 do Código


Penal. Aqui, o erro é de pessoa para coisa ou de coisa para pessoa. Ocorre quando o agente deseja
causar lesão a determinado bem jurídico, mas por erro na execução acaba acertando bem jurídico
diverso. A consequência é que o agente responde pelo crime praticado na modalidade culposa. Ex.:
o agente quer acertar o carro de seu desafeto com uma pedra, mas erra na execução e acaba
acertando a cabeça de seu desafeto, causando-lhe a morte. Nesse caso, o agente responde por
homicídio culposo.

Art. 74 - Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na
execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde
por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado
pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.

Por outro lado, se o agente quer matar seu desafeto, mas erra na execução e acaba
acertando seu carro, em tese, ele responderia apenas pelo dano. Porém, não existe dano culposo,
então o agente não responderia por nada (muito pouco para quem queria matar alguém). Diante
disso, a doutrina entende que o agente deve responder pelo seu dolo, ou seja, no exemplo, o agente
deve responder por tentativa de homicídio.

d) Erro sobre o objeto: trata-se de erro sobre o objeto material do crime. Ex.: o agente quer
furtar anel de ouro branco, mas acaba furtando um anel de prata.

Nesse caso, o agente responde pelo mesmo crime, sem diferença nenhuma. No exemplo
dado, o agente responde por furto do mesmo jeito.

CUIDADO – Se o erro sobre objeto configurar crime impossível, a conduta se torna atípica.
Ex.: o agente quer furtar a bicicleta de outrem, mas se confunde e acaba levando sua própria
bicicleta; ora, subtração de coisa própria não é crime, logo, a conduta é atípica, em razão do erro
sobre o objeto. Da mesma forma, se o agente quer transportar cocaína em um ônibus, mas erra a
sacola, e acaba carregando um saco de farinha. O crime de tráfico é impossível por erro sobre o
objeto, logo, a conduta do agente é atípica.

e) Erro sobre o curso causal (aberratio causae): trata-se de erro sobre o nexo causal do
crime. O agente cogita praticar um crime, seguindo determinado plano, mas o resultado do crime
acaba ocorrendo por razões diversas. Ex.: o agente quer matar o inimigo com um tiro; ele desfere o
tiro e pensa que o inimigo morreu; enterra o inimigo e vai embora; ocorre que o inimigo sobreviveu
ao tiro e morreu por sufocamento decorrente do enterro.

Portanto, o agente obtém o resultado pretendido, mas por causa diversa da pretendida. O
agente responde pelo crime da mesma forma. Logo, o erro sobre o nexo causal não muda nada.

ATENÇÃO – Dolo geral: o agente pratica a primeira conduta e pensa que obteve o resultado
com a primeira conduta. Depois, ele pratica uma segunda conduta com outra finalidade, e só então
ocorre o resultado. A isso se chama de dolo geral.

3. Erro de proibição (art. 21)

3.1. Erro de proibição direto

No erro de proibição, o agente sabe o que faz, mas não sabe que o que faz é ilícito.

O erro de proibição é classificado em erro de proibição direto, indireto e mandamental. Por


sua vez, cada uma dessas hipóteses é dividida em erro invencível e vencível.

O erro de proibição direto é mais comum; está previsto no artigo 21 do Código Penal. Ele
incide sobre uma norma de proibição.

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato,


se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a


consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou
atingir essa consciência.

Pode ser classificado em invencível e vencível:


a) Invencível (inevitável ou escusável): o agente não tinha a possibilidade de ter ou atingir a
consciência da proibição.

Nesse caso, o agente é isento de pena.

b) Vencível (evitável ou inescusável): o agente tinha a possibilidade de ter ou atingir a


consciência da proibição.

Nesse caso, o agente responde pelo crime, com direito à redução de pena de 1/6 a 1/3.

Ex.1: Holandês usa maconha no Brasil, pensando que aqui também o uso de maconha é
permitido. Veja que o holandês sabe o que está fazendo, ie, ele tem consciência que está fumando
maconha. Todavia, ele não sabe que o uso de maconha é ilícito no Brasil. Por isso, ele age em erro
de proibição. Ocorre que o holandês tinha possibilidade de atingir a consciência de que usar
maconha é proibido no Brasil, logo, age em erro de proibição vencível e, por conseguinte, responde
pelo crime, com redução da pena.

Ex.2: Agente caça jacaré de papo amarelo. Ele sabe que está caçando jacaré, mas não sabe
que é crime caçar essa espécie de jacaré. Por isso, atua em erro de proibição. Se o agente não tinha
como saber dessa proibição, age em erro de proibição invencível, de modo que é isento de pena.
Por outro lado, se ele tinha como saber da proibição, age em erro de proibição vencível e, por
conseguinte, responde pelo crime ambiental com redução de pena.

Ex.3: Agente tem um pássaro curió em sua gaiola sem autorização do IBAMA. Ocorre que
isso é crime ambiental, se não houver autorização do IBAMA. Se o agente não tinha como saber
dessa proibição, age em erro de proibição invencível, de modo que é isento de pena. Por sua vez,
se tinha como saber da proibição de sua conduta, age em erro de proibição vencível, respondendo
pelo crime com redução de sua pena.

ATENÇÃO – O erro de proibição não recai sobre a lei, porque o desconhecimento da lei é
inescusável, como preconiza o art. 21 do CP. O erro de proibição recai sobre a norma. Ora, a ilicitude
não está na lei, e sim na norma. Você pode até conhecer a lei dos crimes ambientais, mas não sabia
da norma incriminadora da conduta de manter pássaro curió sem autorização do IBAMA.
3.2. Erro de proibição indireto

O erro de proibição direto é o erro sobre norma penal incriminadora. Por sua vez, o erro de
proibição indireto incide sobre norma permissiva (por isso, também é chamado de erro de
permissão). As normas permissivas são justamente as causas excludentes da ilicitude.

Portanto, o erro de proibição indireto incide sobre as causas excludentes da ilicitude.

Nesse sentido, o erro de proibição indireto incide em duas hipóteses: sobre a existência da
norma permissiva ou sobre os limites da norma permissiva.

Na primeira hipótese, o agente pensa que existe uma norma permissiva, mas na verdade
ela não existe. Ex.: pai espanca o filho desobediente, pensando que existe uma norma que lhe
permite fazer isso, em razão de sua autoridade parental. Ocorre que não existe essa norma, de
modo que o agente age em erro de proibição indireto sobre a existência da norma permissiva.

Na segunda hipótese, a norma permissiva até existe, mas o agente pensa que os limites da
permissão são mais abrangentes do que realmente são. Ex.: o agente é atacado por um inimigo;
mas depois que consegue cessar as agressões, continua atacando seu inimigo até matá-lo, pensando
que ainda está dentro da legítima defesa; ele errou sobre os limites da legítima defesa. Por isso, age
em erro de proibição sobre os limites da permissão.

O erro de permissão também pode ser:

a) Invencível: o agente não tem como atingir a consciência de que aquela norma permissiva
não existe ou de que ultrapassou seus limites. Nesse caso, ele é isento de pena;

b) Vencível: o agente tem como atingir a consciência de aquela norma permissiva não existe
ou de que ultrapassou seus limites. Nesse caso, ele responde pelo crime com redução de pena de
1/6 a 1/3.

3.3. Erro mandamental

É o erro que incide sobre um mandamento contido na norma incriminadora (é o oposto do


erro de proibição direto). Em outras palavras, é o erro que incide sobre um dever de agir, contido
nos crimes omissivos (omissão própria ou omissão imprópria).
Ex.: Pai leva seu filho e o amiguinho dele para a piscina; o amiguinho começa a se afogar na
piscina, e o pai não faz nada, porque acha que não é garantidor dele também. Nesse caso, o agente
incorre em erro mandamental, porque não sabe da existência do dever de agir (salvar a criança).

O erro mandamental pode ser classificado em:

a) Invencível: o agente não tinha como saber da existência do dever de agir. Por isso, ele é
isento de pena;

b) Vencível: o agente tinha como saber da existência do dever de agir. Por isso, ele responde
pelo crime com pena reduzida.

4. Descriminantes putativas

Descriminantes são causas de exclusão da ilicitude, como legítima defesa, estado de


necessidade, exercício regular do direito. Por sua vez, putativa significa situação imaginária.

Portanto, descriminantes putativas são causas de exclusão da ilicitude imaginárias. O


agente pensa estar agindo acobertado por alguma causa excludente da ilicitude, mas naquela
situação real, ele não está.

O agente erra por pensar estar agindo em legítima defesa, estado de necessidade e etc.

Mas que erro é esse? Erro de tipo ou erro de proibição?

Depende da teoria adotada:

I – Teoria Extremada: para essa teoria, toda e qualquer espécie de erro incidente em
descriminante putativa será um erro de proibição.

Portanto, se o agente incide em erro invencível, ele é isento de pena. De outro turno, se ele
incide em erro vencível, responde pelo crime com redução de pena.

II – Teoria Limitada: para essa teoria, deve-se diferenciar duas hipóteses:

a) O erro incide sobre uma situação fática: aqui, temos um erro de tipo permissivo. Com
efeito, a norma incriminadora forma um tipo incriminador; ao passo que uma norma permissiva
forma um tipo permissivo. Pois bem, nesse caso, o agente erra sobre o fato, porquanto imagina uma
situação fática que na verdade não está ocorrendo.

Ex.: o agente está sentado num bar; seu desafeto vem em sua direção e bota a mão no bolso;
o agente pensa que o desafeto irá lhe matar, por isso, atira primeiro e mata o desafeto; mas o
desafeto apenas iria tirar o celular do bolso. O agente pensa estar agindo em legítima defesa, porque
erra quanto à situação fática (pensou que o desafeto iria sacar uma arma e atirar). Logo, ele agiu
em legítima defesa putativa.

De acordo com o art. 20, §1º, do CP, o erro de tipo permissivo pode ser:

i) Invencível: nesse caso, o agente é isento de pena, excluindo-se a culpabilidade;

ii) Vencível: nesse caso, o agente responde pela modalidade culposa, se houver previsão
legal desta. Se não houver previsão legal da modalidade culposa, o fato é atípico.

Art. 20, § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.
Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como
crime culposo.

ATENÇÃO – O erro de tipo permissivo é forma de erro de tipo ou erro de proibição?

Por um lado, pode-se dizer que se trata de erro de tipo, por causa do nome e do artigo em
que está previsto (art. 20). Além disso, o erro vencível resulta em responsabilidade pela modalidade
culposa, assim como o erro de tipo.

Todavia, também é possível dizer que se trata de erro de proibição, porque se o erro for
invencível, o agente é isento de pena, excluindo a culpabilidade.

Na verdade, o erro de tipo permissivo é um erro misto ou híbrido, porque tem características
do erro de tipo e do erro de proibição.

b) O erro incide sobre os limites ou a existência da descriminante: aqui, temos um erro de


proibição indireto, que já vimos acima. Logo, se o erro for invencível, o agente é isento de pena; e
se o erro for vencível, o agente responde pelo crime com redução da pena.

ATENÇÃO - A teoria limitada foi a teoria adotada pelo Direito Penal brasileiro.
CONCURSO DE PESSOAS
1. Conceito

Ocorre o concurso de pessoas, quando duas ou mais pessoas concorrem para a consumação
do delito.

Um conceito mais completo, englobando os requisitos do concurso de pessoas seria: fala-se


em concurso de pessoas, quando várias pessoas, com condutas relevantes, e previamente
ajustadas, praticam uma mesma infração penal.

2. Aplicabilidade

Os crimes podem ser praticados por uma ou mais pessoas, que são chamados de crimes
unissubjetivos ou crimes de concurso eventual.

Por outro lado, há crimes que só pode ser praticados por mais de uma pessoa em concurso.
São os chamados de plurissubjetivos ou de concurso necessário. Ex.: associação criminosa.

O tema do concurso de pessoas só se aplica aos crimes unissubjetivos, porque nos crimes
plurissubjetivos, a pluralidade de pessoas já figura como elemento do tipo.

3. Requisitos

O crime em concurso de pessoas possui quatro requisitos:

a) Pluralidade de pessoas e condutas;

b) Relevância causal: é a influência da conduta do agente no resultado criminoso. Em outras


palavras, cada uma das condutas deve ter relevância, em maior ou menor grau, para a obtenção do
resultado.

Portanto, se o agente pratica sua conduta, mas ela não influenciar em nada o resultado, sua
conduta não tem relevância causal. Logo, o agente não será considerado coautor e nem sequer
partícipe. Ex.: empresto meu carro para você transportar drogas (seria partícipe); ocorre que você
deixa o carro em casa e decide ir de ônibus; nesse exemplo, minha conduta não teve nenhuma
influência no resultado do crime, porque meu carro não foi usado.

c) Liame subjetivo: é o vínculo ou ajuste prévio entre os concorrentes.

Esse liame precisa ser bilateral ou pode ser unilateral?

O vínculo pode ser unilateral, ou seja, pode ser que um dos agentes adira a conduta do outro
sem que o outro saiba. Ex.: um vigia de uma fábrica sabe que um grupo de furtadores ronda a região
a noite, buscando oportunidades; diante disso, ele deixa a porta aberta, por raiva do patrão; os
ladrões passam, veem a porta aberta e aproveitam a oportunidade. O vigia aderiu à conduta dos
ladrões, porque eles não sabiam da atuação do vigia. O vigia é concorrente para o crime.

d) Identidade de infração penal: todos os concorrentes praticam a mesma infração penal.


Ex.: dois agentes querem roubar um celular; enquanto um ameaça a vítima com uma arma; o outro
subtrai o celular. Os dois agentes praticam o crime de roubo, e não um, ameaça, e o outro furto.

4. Teorias sobre o concurso de pessoas

As teorias buscam responder a seguinte questão: quantos crimes são praticados, quando
estamos diante de concurso de pessoas?

I – Teoria monista ou unitária: para essa teoria, apenas UM crime é praticado, de modo que
coautores e partícipes praticam o mesmo crime;

II – Teoria Dualista: para essa teoria, dois crimes são praticados. Os autores praticam um
crime e os partícipes praticam outro crime;
III – Teoria Pluralista: para essa teoria, há um crime para cada concorrente, logo, se são três
concorrentes, três crimes são praticados. Portanto, há tantos crimes quantos forem os
concorrentes.

De acordo com o artigo 29 do Código Penal, a teoria adotada foi a MONISTA ou UNITÁRIA,
pelo menos em regra, porque o dispositivo fala apenas em um único crime. Todavia, em hipóteses
excepcionais, adota-se a teoria pluralista.

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Ex.: quando uma mulher grávida procura um médico para fazer o aborto com o
consentimento da gestante; ela pratica o crime de aborto, previsto no art. 124 do CP; ao passo que
o médico pratica o crime do art. 126 do CP (provocar aborto com consentimento da gestante).
Portanto, aqui, não há um crime só; há um crime para cada concorrente, logo, aplica-se a Teoria
Pluralista.

Obs.: No crime de aborto, a mulher sempre responderá pelo crime do art. 124 do CP.

Ex.2: o empreiteiro oferece propina para o governador, a fim de realizar uma obra; o
empreiteiro pratica o crime de corrupção ativa, enquanto o governador pratica o crime de
corrupção passiva. Mais uma vez, adota-se a teoria pluralista.

Diante das exceções em que se adota a teoria pluralista, diz-se que no Brasil, não se adotou
a Teoria Monista pura; mas sim a Teoria Monista mitigada ou matizada ou temperada.

5. Autoria

Há várias Teorias sobre a autoria.

5.1. Conceito restritivo de autor

Esse conceito restringe as hipóteses de autoria. Esse critério faz distinção entre autor e
partícipe.

Dentro desse conceito, há duas teorias:


a) Teoria objetivo-formal: para essa teoria, autor é aquele que pratica a conduta típica. Os
demais que não praticam a conduta típica são partícipes;

b) Teoria objetivo-material: para essa teoria, a distinção entre autor e partícipe reside na
maior contribuição do autor para o resultado criminoso. Em outras palavras, autor é aquele que tem
maior contribuição para o resultado.

5.2. Conceito extensivo de autor

Esse conceito amplia as hipóteses de autoria. Para essa teoria, não há distinção entre autor
e partícipe.

Ela se baseia num sistema unitário de autoria, ou seja, todo aquele que concorrer para o
crime será autor.

Esse conceito não foi adotado no Brasil, porque o CP faz menção expressa à existência do
partícipe.

5.3. Critério subjetivo de autor

A distinção entre autor e partícipe dá-se com base na atitude interna do agente, nos
seguintes moldes: autor é aquele que age com vontade de autor, ou seja, é aquele que deseja o fato
criminoso como próprio, de modo que age com animus autuoris. Por sua vez, o partícipe age com
vontade de partícipe, ou seja, ele só quer auxiliar alguém; ele não quer o fato criminoso para si. Por
isso, diz-se que ele age com animus socci.

Esse critério foi utilizado no caso da banheira na Alemanha. A mãe da criança implorou para
que sua irmã afogasse a criança na banheira, porque não tinha coragem para tanto. Segundo o
Tribunal alemão, a mãe foi autora, porque queria o crime para si; tinha o ânimo de autora. Por sua
vez, a irmã foi considerada partícipe, porque não queria o crime para si, apesar de ter praticado o
fato típico de afogar a criança.

5.4. Teoria do Domínio do Fato


5.4.1. Origem da expressão

A expressão domínio do fato foi empregada pela primeira vez por Hegler em 1915, atrelada
à culpabilidade do agente. Porém sua primeira formulação deu-se por Lobe em 1933, quando se
criaram critérios para a Teoria do Domínio do Fato.

Todavia, essa teoria só ganhou eco em doutrina penal por força de Welzel em 1939,
referindo-se ao domínio final do fato como critério determinante de autoria. Por fim, em 1963,
Roxin deu à Teoria do Domínio do Fato contornos mais concretos.

Por isso, há duas visões sobre o domínio do fato – a de Welzel e a de Roxin.

5.4.2. Função da teoria: distinguir autor e partícipe – para Welzel

Para a vertente de Welzel, autor é todo aquele que tem o domínio sobre o fato, ou seja, o
autor é o senhor do fato criminoso, tendo as rédeas do crime em suas mãos. Por isso, o autor
determina o crime como ele quer, começando e acabando quando ele quer.

Destarte, o autor não precisa executar pessoalmente o crime, porque ele planeja o crime
como ele quer e delega a execução do crime para seus subalternos.

Por isso, diz-se que o autor é aquele que tem o SE (o crime vai ser praticado?) e o COMO
(quais os meios e o modus operandi do crime?).

5.4.3. Função da teoria: distinguir autor e partícipe – para Roxin

Por sua vez, para Roxin, o domínio do fato serve para distinguir autor e partícipe, no sentido
de como o agente será punido: será punido como autor ou como partícipe?

De qualquer forma, para Roxin, o autor é a figura central do acontecer típico, ou seja, é
aquele que atua com o domínio do fato. Em outras palavras, o autor é a figura central do delito;
possuindo significado central na infração penal.

Por sua vez, a participação é uma causa de extensão da punibilidade, ie, é uma figura
secundária. O partícipe, desse modo, contribui em caráter secundário.
Portanto, a Teoria de Roxin é restritiva, pois autor é apenas a figura central do delito; ao
passo que tudo que for secundário, que girar em torno do autor, é apenas participação.

Para Roxin, o domínio do fato se manifesta concretamente de três formas:

a) Domínio da ação: está ligada à autoria imediata. Aqui, o agente tem o domínio sobre a
própria ação.

É o domínio de quem pratica pessoalmente o tipo penal. Ex.: o autor aperta o gatilho e mata
a vítima.

Portanto, autor é aquele que realiza pessoalmente a conduta criminosa, ou seja, é autor,
porque domina a própria ação quem age a pedido ou mando de outrem; e quem age em erro de
proibição inevitável determinado por terceiro (art. 21, CP).

b) Domínio da vontade: está ligado à autoria mediata. O autor domina a vontade de um


terceiro e a utiliza como um instrumento seu. Assim, o terceiro passa a ser um mero instrumento
do autor.

Mas por qual razão, o autor domina a vontade de terceiro:

i) Coação exercida sobre o homem da frente: o autor coage um terceiro, seu instrumento,
para que pratique a conduta criminosa. Isso faz com que o autor seja considerado o autor mediato
do crime, de modo que o terceiro, como mero instrumento, não responde pelo fato. A
responsabilidade penal é do homem de trás, o autor (princípio da responsabilidade);

ii) Erro: o autor domina a vontade de alguém que age em erro, ou seja, o homem de trás tem
um conhecimento superior ao homem da frente, porque o homem da frente está em erro. O homem
da frente é mera marionete do homem de trás;

iii) Domínio por meio de um aparato organizado de poder: é autor mediato o agente que,
servindo-se de uma organização estruturada e apartada da ordem jurídica, emite uma ordem que
vem a ser cumprida por meros executores, facilmente substituíveis. Ex.: chefe da máfia; ditador.
c) Domínio funcional do fato: aqui, há uma ação coordenada com divisão de tarefas, ou
seja, se duas ou mais pessoas partem de uma decisão conjunta de praticar o fato e contribuem para
a realização do delito, elas terão o domínio funcional do fato.

Nesse caso, cada um será coautor do fato como um todo. Por consequência, há imputação
recíproca para um e para outro, ou seja, os coautores respondem pelo mesmo crime.

Por outro lado, para Roxin, há quatro hipóteses em que NÃO se aplica o domínio do fato:

I – Delitos de dever: são delitos de violação do dever assumido perante a coletividade.


Portanto, autor é quem viola esse dever, pouco importando se tem o domínio do fato;

II – Delitos de mão própria: são delitos que exigem a atuação pessoal do agente e que, por
isso, não admitem coautoria e nem autoria mediata. Ex.: falso testemunho;

III – Delitos culposos: os crimes culposos são regidos por um sistema unitário de autor, de
modo que não se distingue autor de partícipe. Qualquer forma de contribuição para crime culposo
será considerada autoria;

IV – Crimes omissivos: não são regidos pelo domínio do fato, porque este pressupõe controle
ATIVO do curso causal. Ora, o controle ativo exige uma ação, logo, não pode ser aplicado em crime
omissivo.

5.5. Conclusão

Em conclusão, adota-se tradicionalmente a Teoria objetivo-formal. Todavia, a doutrina e a


jurisprudência têm utilizado e adotado cada vez mais a Teoria do domínio do fato.

5.6. Autoria direta x Autoria indireta

Autoria direta é aquela em que o agente elabora e executa o crime pessoalmente. Ex.: o
agente atira na cabeça da vítima e a mata.

Por sua vez, a autoria direta é diferente, porque o agente se vale de outrem para praticar o
crime em seu lugar (domínio da vontade de Roxin).

Há quatro hipóteses de autoria mediata:


a) Erro determinado por terceiro (art. 20, §2º): é o exemplo da médica que quer matar o
paciente e determina que o enfermeiro administre uma dose letal;

Art. 20, § 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro.

b) Coação moral irresistível (art. 22): o coator é o autor mediato, enquanto o coagido é o
instrumento;

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a


ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da
coação ou da ordem.

c) Obediência hierárquica: o superior hierárquico é o autor mediato, enquanto o


subordinado é o instrumento;

d) Casos de instrumento impunível inimputável: o agente se vale de pessoa inimputável


para praticar o crime. Ex.: o agente organiza um grupo de cinco adolescentes para roubar celular na
rua.

5.7. Outras espécies de autoria

I – Crimes de mão própria: são crimes que exigem atuação pessoal do agente, ou seja, só o
agente pessoalmente pode praticar o crime. Ex.: falso testemunho.

Portanto, esses crimes não admitem autoria mediata, já que o autor não pode se valer de
ninguém para praticar o crime em seu lugar.

Da mesma forma, não se admite coautoria, porque não há como dividir as funções com mais
ninguém.

Todavia, admite-se a participação. Com efeito, o advogado que instrui a testemunha a mentir
atua como partícipe (instigação).

Obs.: O STF entende que é possível a coautoria nos crimes de mão própria, no caso do
advogado que instrui a testemunha a mentir. Infelizmente, o STF errou, porque o caso é de
participação.

II – Autor intelectual: é aquele que planeja o fato criminoso.


III – Autor de determinação: segundo Zaffa, o autor determinaria a prática do crime na
mente da pessoa que não poderia, em tese, ser autora.

IV – Autor por convicção: segundo Maurach, é o autor comum, mas que age por alguma
convicção política, filosófica, sociológica, religiosa e etc. Ex.: terrorista.

Isso não influencia em nada a pena.

V – Autoria de escritório: é o agente que elabora o plano criminoso, mas atua no escritório.
É uma espécie de autoria mediata.

Segundo Zaffaroni, pressupõe-se uma máquina de poder. Ex.: chefe da máfia.

VI – Autoria colateral: duas pessoas querem praticar o mesmo crime, mas uma não sabe da
existência da outra. Ex.: A e B, sem saber da existência um do outro, atiram ao mesmo tempo contra
C, resultando em sua morte.

Se a perícia apontar que o tiro responsável pela morte partiu de A, ele responde por
homicídio consumado, enquanto B responde por tentativa de homicídio (e vice versa).

Se quando um dos dois atirou, a vítima já estava morta, há crime impossível.

VII – Autoria incerta: na hipótese anterior, se não for possível precisar quem é o autor do
crime, ambos respondem por tentativa de homicídio, para evitar responsabilidade penal objetiva.

6. Coautoria

6.1. Introdução

O coautor nada mais é que um outro autor.


A base da coautoria é a divisão de tarefas, de modo que a cada coautor caberá uma tarefa
dentro do fato criminoso. Em outras palavras, cada coautor tem uma função no fato.

Por isso, diz-se que na coautoria, adota-se a Teoria do domínio funcional do fato, porque
cada um tem domínio sobre a sua função, sua tarefa, na prática do delito.

6.2. Coautoria sucessiva

A coautoria sucessiva ocorre, quando o acordo de vontades entre os concorrentes ocorre


após o início dos atos executórios. Ex.: um agente está agredindo a vítima; nesse momento vem
outro agente e começa a agredir a vítima também; o segundo agente é coautor sucessivo.

Mas até que momento é possível a adesão?

Há duas correntes:

A corrente majoritária defende que o momento de adesão deve ser até a consumação do
crime.

Porém uma segunda corrente minoritária defende que a adesão pode ocorrer até o
exaurimento do crime (Nilo Batista).

7. Participação

7.1. Conceito

Participação é a contribuição dolosa em crime alheio. Portanto, a participação é sempre uma


conduta acessória à autoria (o acessório segue o principal).

Por isso, se o crime foi tentado para o autor, também o é para o partícipe. Da mesma forma,
se o crime foi praticado em legítima defesa pelo autor, também houve legítima defesa por parte do
partícipe. Isso porque a participação é acessória e segue o principal, a autoria.

7.2. Teorias da participação

Essas teorias buscam responder quando existe a participação:


I – Teoria da acessoriedade mínima: para que haja participação, basta que a conduta do
autor configure fato típico;

II – Teoria da acessoriedade limitada: para que haja participação, basta que a conduta do
autor configure fato típico e ilícito.

Essa foi a teoria adotada no Direito Penal brasileiro;

III – Teoria da acessoriedade máxima: para que haja participação, a conduta do autor precisa
ser típica, ilícita e culpável.

IV – Teoria da hiperacessoriedade: para que haja participação, a conduta do autor precisa


ser típica, ilícita, culpável e punível.

7.3. Modalidades de participação

A participação pode ser moral e material.

I – Moral: A participação moral, por sua vez, pode ser por induzimento ou instigação:

a) Induzimento: quando o partícipe faz a ideia criminosa nascer na mente do agente, ou seja,
o agente ainda não pensou em praticar o crime;

b) Instigação: a ideia criminosa já existe na mente do agente, mas o partícipe a reforça ou


alimenta.

II – Material: é aquela em que o partícipe fornece algum bem, como no caso em que
empresta uma arma, um carro, uma corda e etc.

7.4. Desistência voluntária e arrependimento eficaz do autor

A desistência voluntária ou o arrependimento eficaz por parte do autor alcança o partícipe?


Ex.: A empresta sua arma para B matar alguém. B atira contra a vítima, mas desiste antes de
consumar o resultado morte. A responde pelo quê?

Em doutrina, há duas correntes:

A primeira corrente defende que o partícipe também será beneficiado com a desistência
voluntária e o arrependimento eficaz, de modo que o partícipe também só responderá pelos atos
já praticados (lesão corporal, por auxílio material). Essa é a posição majoritária.

Por outro lado, uma segunda corrente entende que a desistência e o arrependimento não
se estendem ao partícipe, porque o início da execução já é suficiente para que o partícipe responda
pelo seu dolo (no exemplo, tentativa de homicídio, por auxílio material).

7.5. Concurso de pessoas nos crimes omissivos

Cabe concurso de pessoas nos crimes omissivos?

Em relação à participação, há duas correntes:

Uma primeira corrente defende que NÃO há se admite participação em crimes omissivos,
porque só concorre para o crime omissivo quem tem dever de agir e o viola. Portanto, só caberia
coautoria.

Uma segunda corrente entende que SIM, cabe participação, desde que o partícipe
convenção alguém a se omitir, ou seja, o partícipe dissuade o autor de cumprir o dever de agir.
Nesse caso, o autor responde pelo crime omissivo e o agente que o dissuadiu responde como
partícipe. Essa é a posição majoritária.

No que toca à coautoria, também há duas correntes:

A primeira corrente sustenta que SIM, cabe autoria, bastando que duas pessoas violem
conjuntamente e previamente ajustadas o dever de agir. Ex.: duas pessoas passam na rua e veem
um indivíduo atropelado na rua; e as duas decidem negar socorro. Essa é a posição majoritária.

Uma segunda corrente entende que NÃO cabe coautoria, porque o dever de agir é
indecomponível, ou seja, não é possível decompor o dever de agir entre várias pessoas. Essa é a
posição de Nilo Batista, minoritária. Nesse caso, todos os agentes seriam autores do seu próprio
crime omissivo.
7.6. Concurso de pessoas em crime culposo

Cabe participação em crime culposo?

A primeira corrente diz que NÃO cabe participação, porque a participação é sempre dolosa
e em crime doloso. Não é possível contribuir para aquilo que não se quer. Essa é a posição de
Damasio de Jesus e Celso Delmanto; assim como é a posição positivada no Código Penal alemão.
Essa é a corrente majoritária.

Já uma segunda corrente entende que SIM, é possível a participação em crime culposo,
bastando que o partícipe instigue o autor a violar o dever de cuidado objetivo. Ex.: o carona diz ao
motorista para dirigir rápido e furar sinais, de modo que acaba atropelando uma pessoa.

Cabe coautoria em crime culposo?

Uma primeira corrente diz que NÃO cabe coautoria, porque o dever de cuidado é
indecomponível, ou seja, não se pode decompor o dever de cuidado. Por isso, há tantos autores
quanto forem os crimes culposos. Cada agente responde pelo seu próprio crime culposo. Essa é a
posição de Nilo Batista, Juarez Cirino dos Santos e Zaffaroni.

Já uma segunda corrente entende possível a coautoria em crime culposo, bastando que mais
de uma pessoa, em ato conjunto, violem o dever objetivo de cuidado. Essa é a posição de Nelson
Hungria e é a majoritária.

7.7. Participação de menor importância (art. 29, §1º, CP)

A participação de menor importância é causa de diminuição legal.

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de


um sexto a um terço.

Mas o que é participação de menor importância?


A teoria dos bens escassos compara bens escassos e abundantes. Bens escassos são aqueles
de mais difícil acesso para a população em geral. Por outro lado, bens abundantes são aqueles de
mais fácil acesso à população em geral.

A partir daí, analisa-se se a participação é necessária ou desnecessária. A participação


necessária é aquela em que o partícipe contribui com um bem escasso; ao passo que a participação
desnecessária é aquela em que o partícipe contribui com bem abundante.

Nesse cenário, o partícipe que contribui com bem abundante, ou seja, que realiza
participação desnecessária mereceria uma causa de diminuição.

Portanto, a participação de menor importância é a mesma participação desnecessária para


a teoria dos bens escassos.

7.8. Desvio subjetivo de conduta ou cooperação dolosamente distinta (art. 29, §2º, CP)

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á


aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter
sido previsível o resultado mais grave.

O dispositivo legal deveria dizer concorrer ao invés de participar, porque esse instituto se
aplica tanto ao partícipe quanto ao coautor. Ademais, ao invés de dizer que lhe será aplicada a pena
deste, o artigo deveria preconizar que o agente vai responder pelo crime menos grave.

Mas o que significa o desvio subjetivo de conduta?

Duas ou mais pessoas se ajustam previamente para a prática do crime, porém durante o ato
executório, um dos agentes desvia sua conduta para praticar um crime mais grave do que aquele
previamente ajustado.

A consequência é que aquele agente que desviou sua conduta responderá pelo crime mais
grave. Por sua vez, o agente ou agentes que não desviaram a conduta NÃO respondem pelo crime
mais grave, e sim pelo crime inicialmente ajustado.

Portanto, o artigo 29, §2º, CP, refere-se ao agente que não desviou a conduta.

Entretanto, se o resultado mais grave era previsível ao agente que não desviou a conduta,
em que pese ainda responder pelo crime menos grave, sua pena será aumentada de metade.
7.9. Teoria das circunstâncias (art. 30, CP)

Antes de mais nada, para entender o artigo 30 do CP, é necessário saber o que é elemento
e o que é circunstância.

Elemento é tudo aquilo que integra o tipo penal. Por sua vez, circunstância é o que está em
volta do tipo, influenciando apenas na pena.

Contudo, uma circunstância pode influenciar o tipo, quando se tratar de circunstância de


caráter pessoal.

Portanto, o artigo 30 diz que as circunstâncias de caráter pessoal não se comunicam entre
os concorrentes. Ex.: a circunstância de o agente ser filho da vítima é uma circunstância pessoal,
logo, o filho sofrerá a agravante de pena, enquanto o concorrente não responde com agravante,
porque a circunstância não se comunica a ele.

Por outro lado, se essa circunstância pessoal for elemento do tipo, comunica-se com o
concorrente. Ex.: a condição pessoal de ser funcionário público no crime de peculato é elemento do
tipo, logo, essa circunstância se comunica ao concorrente que não é funcionário público. Por isso, o
concorrente, apesar de não ser funcionário público, também responde por peculato assim como o
concorrente funcionário público, e não por furto.

Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal,


salvo quando elementares do crime.

TEORIA DA PENA
1. Conceito de pena

Pena é sanção penal imposta pelo Estado, mediante o devido processo legal, ao autor de
uma infração penal, como retribuição pelo seu ato ilícito e prevenção de delitos futuros, desde que
autorizado pela lei (princípio da legalidade).
É uma resposta penal do Estado. Mesmo na ação penal privada, a sanção é imposta pelo
Estado. O Estado apenas concede ao particular a iniciativa da ação. Porém, uma vez condenado,
quem executa a pena é o Estado.

2. Finalidades da pena

O Direito Penal tem por finalidade precípua proteger os bens jurídicos tidos como mais
importantes e relevantes para o convívio em sociedade, em razão do princípio da fragmentariedade.

Mas qual a finalidade da pena? Várias teorias tentaram explicar isso:

I – Teorias absolutas ou retribucionistas: têm origem no Estado absolutista, no qual vigorava


uma identidade entre o Estado e o Rei, ou seja, as figuras do Estado e do Rei se confundiam.

Nesse momento, vigorava a Teoria do Direito Divino que preconizava que o rei era escolhido
por Deus. Ora, se o rei era escolhido por Deus, ele só poderia responder perante Deus, de modo que
não podia ser responsabilizado pelos atos praticados em terra.

Ademais, havia a ideia de que o Rei centralizasse em si o Estado, a legalidade e a Justiça.


Assim, quem praticava uma infração penal atentava contra o Estado, a legalidade e a Justiça, e por
consequência, atentava contra o Rei. Por isso, o autor do crime, que atentou contra o rei, merecia
castigo impiedoso.

Esse castigo, portanto, era uma retribuição por ter atentado contra o Rei (e contra Deus).

Logo, a ideia aqui era realmente de pena como punição e de retribuição. Não se pensava
em prevenção ou ressocialização.

O cenário passado começa a mudar com a ascensão da burguesia. Nasce aí a Teoria do


Contrato Social – aqueles indivíduos que viviam em guerra e em desarmonia resolvem se agrupar
em sociedade, entrando em uma espécie de contrato social. Por isso, comprometeram-se a se
submeter às regras do contrato social.

O poder continua sendo exercido pelo soberano, a quem competia assegurar a paz interna
a e a defesa da sociedade. Portanto, nesse momento já não se falava mais em Teoria do Direito
Divino.
Destarte, quem praticasse um delito já não atentava mais contra Deus. Na verdade, quem
praticasse infração pena, quebrava as regras do contrato social, razão pela qual, era considerado
um traidor (por ter quebrado a confiança de obedecer as regras do contrato social).

Logo, aqui a pena tinha como função castigar o traidor; e restaurar o contrato social,
quebrada pela prática de um crime (Carrara, Kant, Hegel).

Com efeito, Kant via a lei como um imperativo categórico, ou seja, como um mandamento
que deveria ser cumprido desvinculado de qualquer finalidade. Cumpre-se a lei, porque deve ser
cumprida, independentemente de qualquer finalidade. Logo, quem viola a lei, viola um imperativo
categórico, e por isso, não merece ser reconhecido como cidadão. Por isso, essa pessoa pode ser
punida impiedosamente (mais uma vez, a pena tem função de retribuição, punição e castigo).

Hegel também defendia essas ideias. Ele dizia que a pena é a negação da negação do Direito.
Isso porque a ordem jurídica é a manifestação da vontade geral; assim, quando o agente pratica um
crime, ele mostra que não se sujeita às normas de convívio social; logo, ele está negando a vigência
dessas normas (está negando a vontade geral). Ora, se ele está negando a vontade geral, ao praticar
um delito (negação do Direito), quando se aplica a pena a esse agente, o que se faz é mostrar à
coletividade que aquela negação do agente não prevalece. Por isso, a coletividade pode seguir sua
vida normal, confiando na vigência da norma. Portanto, a pena nega a negação do Direito praticada
pelo agente (crime), restabelecendo a vigência e a imposição da vontade geral. Em outras palavras,
a pena é a reafirmação da vontade geral.

II – Teorias relativas ou preventivas (prevenção geral e especial): trazem em si a ideia de


prevenção. Essas teorias foram sustentadas por Beccaria, Schopenhauer e Feuerbach.

Feruebach criou a Teoria da Coação Psicológica, que resume bem as teorias preventivas. A
coação física, forçando o agente criminoso a ficar preso, não é suficiente. Por isso, é necessária uma
outra coação psicológica, gerando no agente uma coação a não praticar o crime, ou seja, gerando
uma intimidação no agente que pensa em praticar um crime.

Essa coação psicológica deve ter uma força maior do que a vontade de praticar um crime,
pois só assim o agente não praticará a infração penal. Isso faz com que a pena funcione como um
elemento de intimidação geral.
Essa teoria sofre críticas, porque segundo Roxin, a teoria não considerou um aspecto
importante do psiquismo do agente – a confiança do agente em não ser descoberto -, por isso, a
teoria não funcionaria. Ora, o mero fato de existirem crimes prova que a prevenção geral não
funciona (se funcionasse, ninguém praticava crime).

A prevenção pode ser dividida em geral e especial, residindo a distinção no destinatário da


prevenção:

a) Prevenção geral: coação psicológica e intimidação geral da coletividade. Portanto, a


prevenção geral se destina à coletividade. A prevenção geral ainda se divide em positiva e negativa:

i) Positiva: significa que a pena cria na mentalidade da coletividade a ideia de que as pessoas
devem se comportar de acordo com as normas;

ii) Negativa: consiste justamente na intimidação, ou seja, fazer com que as pessoas não
pratiquem crimes;

b) Prevenção especial: o destinatário é o próprio infrator. O Estado coloca o agente no


cárcere, evitando que ele pratique novos crimes, e o ressocializa para evitar a reincidência por parte
do agente. Também se divide em positiva e negativa:

i) Positiva: consiste na ressocialização do agente, para que ele não volte a delinquir no futuro;

ii) Negativa: consiste na ideia de que a manutenção do agente no cárcere impede a prática
de novos delitos.

III – Teorias mistas, ecléticas ou unificadoras: unifica as duas primeiras teorias. Logo, ela
preconiza que a pena tem duas finalidades: retribuição e prevenção geral e especial (positiva e
negativa).

O artigo 59 do Código Penal trabalha com a Teoria Mista, então podemos afirmar que o
Código Penal brasileiro adotou a teoria mista, eclética ou unificadora.

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à


personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime,
bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e
suficiente para reprovação e prevenção do crime:

IV – Teoria da prevenção geral positiva fundamentadora: essa teoria é defendida por


Welzel, Jescheck e Jakobs.

Welzel sustenta que a pena tem dupla missão: função ético-social e função protetiva de bens
jurídicos.

A função ético-social é a base da teoria da prevenção geral positiva fundamentadora. Para


Welzel, a função primária do Direito penal é criar na coletividade uma consciência jurídica de as
pessoas se comportarem de acordo com os padrões ético-sociais. Funciona, portanto, o Direito
Penal como um efeito pedagógico.

Em outras palavras, o Direito Penal, antes de proteger bens jurídicos, pretende fazer com
que as pessoas ajam conforme o Direito, criando nelas essa consciência jurídica (função
pedagógica).

A aplicação da pena teria a função de reafirmação desses valores, fazendo com que as
pessoas ajam conforme o Direito. Portanto, para Welzel, a finalidade da pena é a imposição de
padrões éticos.

Já para Jakobs, o Direito Penal não tem por finalidade proteger bens jurídicos; o Direito Penal
se preocupa com a vigência da norma. Isso porque nós vivemos em um contrato social, de modo
que nos obrigamos a seguir as normas que vigoram nesse contrato social. Dessa forma, toda vez
que o agente pratica um crime, ele viola a vigência da norma (é proibido matar de acordo com a
norma, mas eu não tô nem ai, essa norma não vale pra mim).

Quando o Direito Penal aplica a pena, ele nega a conduta do agente que violou a norma,
reafirmando e reforçando a vigência da norma para a coletividade (negativa da negativa do Direito
de Hegel).

Jakobs preconiza que nós convivemos com expectativas cognitivas (que tudo ocorra
normalmente na nossa vida) e normativas (que as pessoas sigam as normas de conduta). Para a
construção de sua teoria, o autor trabalha com a defraudação dessas expectativas.
A defraudação das expectativas normativas (expectativa de que as pessoas se comportem
de acordo com a norma jurídica) deve ser combatida com a pena criminal. Portanto, a pena é um
instrumento de reação à defraudação da expectativa normativa.

Em suma, para Jakobs, a pena tem a finalidade de reafirmação da vigência da norma.

CRÍTICA – Santiago Mir Puig diz que se a função da pena fosse reafirmar a vigência da norma,
bastaria uma simples declaração a esse respeito; não haveria necessidade de aplicar pena.

V – Teoria da Prevenção Geral positiva limitadora: é defendida por Hassimer. A prevenção


geral positiva é a pena funcionar como instrumento de intimidação geral, dirigida à coletividade,
para fazer com que as pessoas se comportem conforme o Direito.

Todavia, a prevenção geral deve ser expressada com um sentido limitador do poder punitivo
estatal. Isso porque o Direito Penal é um instrumento de controle social, mas é um controle
formalizado, ou seja, a pena como instrumento de coerção deve se submeter a determinadas
limitações.

Essas limitações são os direitos fundamentais dos cidadãos (proporcionalidade, devido


processo legal). Portanto, a pena é limitada pelos direitos e garantias individuais do cidadão.

Assim, a finalidade preventiva da pena tem limite nos direitos e garantias fundamentais do
cidadão.

3. Espécies de pena (art. 32, CP)

O artigo 32 do CP prevê três espécies de pena: pena privativa de liberdade; pena restritiva
de direitos e pena de multa.

Art. 32 - As penas são:


I - privativas de liberdade;
II - restritivas de direitos;
III - de multa.

3.1. Pena privativa de liberdade


3.1.1. Espécies

A pena privativa de liberdade comporta duas espécies: reclusão e detenção (art. 33, CP).

Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou


aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de
transferência a regime fechado.

O Direito Penal brasileiro ainda prevê a dicotomia entre reclusão e detenção,


diferentemente do Código Penal alemão que adota um sistema único de pena privativa de
liberdade.

Mas quais as diferenças entre reclusão e detenção?

a) A reclusão se destina a delitos mais graves, ao passo que a detenção se destina a delitos
menos graves;

b) A reclusão admite os regimes iniciais fechado, semiaberto e aberto; já a detenção só


admite os regimes iniciais semiaberto e aberto;

CUIDADO – A detenção pode ser cumprida em regime fechado, pela regressão de regime. O
que não pode acontecer é o regime inicial fechado.

c) Caso haja concurso de crimes apenados com reclusão e detenção, a pena de reclusão será
executada em primeiro lugar, conforme artigo 76 do CP;

d) Se o crime for punido com reclusão, a medida de segurança aplicada ao inimputável será
a internação; enquanto o crime punido com detenção resulta em medida de segurança de
tratamento ambulatorial;

e) Se o crime for punido com reclusão, os efeitos secundários da sentença serão perda do
poder familiar, tutela ou curatela; por outro lado, se o crime for punido com detenção, não há esse
efeito;

f) Só os crimes apenados com reclusão admitem a interceptação telefônica, como meio de


obtenção prova; os crimes apenados com detenção não admitem interceptação telefônica.

3.1.2. Regimes prisionais


O artigo 33 do Código Penal prevê três regimes para cumprimento da PPL: fechado,
semiaberto e aberto.

O regime fechado é cumprido em estabelecimento prisional de segurança máxima ou média,


afastado de centros urbanos.

Por sua vez, o regime semiaberto deve ser cumprido em colônia agrícola, industrial ou
similar.

Por fim, o regime aberto deve ser cumprido em casa de albergado, que deve ser mais
próxima do centro urbano.

Quais os critérios para determinação do regime inicial de cumprimento de pena?

a) Quantidade de pena aplicada: pena superior a 8 anos – regime fechado; pena superior a
4 e menor ou igual a 8 anos – regime semiaberto; pena menor ou igual a 4 anos – regime aberto.

ATENÇÃO – Concurso de crimes: em caso de concurso material de crimes, deve-se somar as


penas para obter a quantidade de pena para determinar o regime inicial. Por sua vez, se for concurso
formal ou crime continuado, utilizado o sistema da exasperação, deve-se analisar a pena final, após
o aumento da pena, para determinar o regime inicial de cumprimento da pena. Portanto, a fixação
do regime inicial será analisada de acordo com o resultado final decorrente da soma das penas ou
sobre a pena exasperada.

b) Reincidência: para iniciar no regime semiaberto ou aberto, o acusado deve ser não
reincidente. Portanto, o reincidente inicia o cumprimento da pena no regime fechado,
independentemente da quantidade de pena.

CUIDADO - Se o acusado for reincidente, e o crime for apenado com detenção, como não se
admite regime inicial fechado, o acusado, mesmo reincidente, vai iniciar o cumprimento da pena no
regime semiaberto.

O artigo 63 do Código Penal define quem é o reincidente – o agente que comete novo crime
depois de transitada em julgada a sentença que o tenha condenado por crime anterior.
Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de
transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado
por crime anterior.

Por sua vez, o artigo 7 da Lei de Contravenções Penais preconiza que é reincidente o agente
que tenha praticado nova contravenção após o trânsito em julgado de crime ou contravenção
anterior.

Todavia, a lei não prevê como reincidente o agente que comete novo crime após ter sido
condenado por contravenção penal. Logo, a única hipótese que não gera reincidência é se o agente
praticou primeiro uma contravenção e depois um crime.

c) Circunstâncias judiciais: para determinação de todos os regimes iniciais, serão


consideradas as circunstâncias judiciais.

ATENÇÃO – O juízo pode fixar regime mais severo do que o admitido pela lei?

Sim, de acordo com a súmula 719 do STF, desde que haja motivação idônea para tanto.

Ocorre que a jurisprudência não diz o que é motivação idônea Sabemos apenas o que não é
motivação idônea. Isso porque a súmula 718 do STF enuncia que a opinião do juízo sobre a gravidade
em abstrato do crime não constitui motivação idônea para imposição de regime mais severo do que
o admitido pela lei.

Da mesma forma, o STJ editou a súmula 440 do STJ, enunciando que a gravidade em abstrato
do delito não serve para fundamentar fixação de regime mais severo do que o admitido pela lei.

O juízo pode fixar um regime mais benéfico do que a lei determina?

Sim, conforme a súmula 269 do STJ, o juízo pode fixar regime semiaberto para o acusado
reincidente condenado à pena inferior ou igual a 4 anos, se as circunstâncias forem favoráveis.

3.1.3. Progressão e regressão de regime

I – Requisitos para progressão de regime: Na progressão, o agente vai de um regime mais


rigoroso para outro menos rigoroso. Por sua vez, na regressão, o agente vai de um regime menor
rigoroso para outro mais rigoroso.
A progressão de regime está prevista no artigo 33, §2º, CP, c/c art. 122, da LEP. O dispositivo
prevê um requisito objetivo – cumprimento de determinado percentual da pena -, bem como um
requisito subjetivo – bom comportamento carcerário atestado pelo diretor do estabelecimento.

A progressão de regime, portanto, consiste em um estímulo ao condenado, dependente de


dois requisitos: um objetivo (cumprimento de percentuais de pena) e um subjetivo (bom
comportamento carcerário).

ATENÇÃO – Se o crime for contra a Administração Pública, o artigo 33, §4º, CP, estabelece
mais um requisito para a progressão de regime: a reparação do dano que o agente causou ou a
devolução do produto do ilícito praticado.

§ 4o O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de


regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou,
ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.

Quanto aos crimes hediondos, a lei 8072/90 inicialmente determinava o regime


integralmente fechado, mas o STF declarou tal previsão inconstitucional. Posteriormente, uma lei
de 2007 passou a prever que o regime poderia ser inicialmente fechado (e não integral), mas
aumentou a fração de pena cumprida exigida para progressão de regime (2/5 para o primário e 3/5
para o reincidente). Como não havia previsão especial antes dessa lei, a progressão em caso de
crimes hediondos se dava no mesmo período dos crimes comuns (1/6). Logo, a nova disposição
consistia em novatio legis in pejus, de modo que não pode retroagir. Por isso, a súmula 471 do STJ
enuncia que os condenados por crimes hediondos praticados antes da vigência da Lei n. 11.464/07
sujeitam-se ao prazo comum (1/6), e não aos novos prazos (2/5 e 3/5).

ATENÇÃO MÁXIMA – Alteração legislativa: De qualquer forma, com o pacote anticrime


aprovado, as frações foram deixadas de lado, e passou-se a adotar o sistema de porcentagens do
cumprimento da pena para verificar o cumprimento do requisito objetivo.

Obs.: Se o agente foi condenado à pena superior a 30 anos de prisão (ex.: 120 anos). O
requisito objetivo deve ser calculado com base na pena aplicada (120 anos) ou com base na pena
máxima que ele poderia cumprir (30 anos – art. 75, CP)?
O STF enunciou na Súmula 715 do STF que a pena a ser considerada para o cálculo do
requisito objetivo do livramento condicional ou da progressão de regime deve ser a pena aplicada
(no exemplo, 120 anos).

ATENÇÃO MÁXIMA – Pacote anticrime: a Lei n. 13.964/19 alterou o artigo 75 do Código


Penal. A nova redação é a seguinte:

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser
superior a 40 (quarenta) anos.

Primeiramente, por se tratar de lei mais severa ao réu, ela não pode retroagir para alcançar
os fatos pretéritos à entrada em vigor da Lei n. 13.964/19.

Logo, a súmula 715 do STF se mantém inalterada, de modo que o cálculo da progressão de
regime e demais direitos da execução penal deve ser feito sob a pena total aplicada; e não a pena
máxima de 40 anos.

II – Exame criminológico: O exame criminológico é requisito para a progressão de regime?

Exame criminológico é um exame que visa verificar se o preso pode progredir sem voltar a
praticar novos delitos. Ocorre que não há estrutura suficiente para realizar os exames
criminológicos. Por isso, a Lei 10792/03 suprimiu o requisito do exame criminológico, que estava
previsto no artigo 112 da LEP.

Ora, se o exame criminológico foi suprimido da lei, em respeito ao princípio da legalidade,


ele não mais pode ser determinado como requisito para a progressão de regime.

Todavia, infelizmente, os Tribunais Superiores entendem que é possível a determinação do


exame criminológico, mesmo que a lei não mais o preveja, desde que por decisão motivada,
conforme súmula 439 do STJ e Súmula Vinculante 26 do STF.

CUIDADO – No Info 782, o STF decidiu que o inadimplemento da pena de multa aplicada
impediria a progressão de regime, salvo no caso de absoluta impossibilidade do pagamento da
multa pelo apenado. Todavia, a lei não prevê o pagamento da multa como requisito para a
progressão, logo, a decisão do STF foi contra legem.
III - Progressão per saltum: a progressão per saltum, aquela que se dá direto do regime
fechado para o regime aberto, não é admitida pela jurisprudência pátria, de acordo com a súmula
491 do STJ.

IV – Forma de cômputo do prazo para progressão: o prazo para progressão deve ser contado
com base no total da pena no tempo restante?

Imagine que o agente foi condenado à pena de 6 anos em regime fechado. Após cumprir o
percentual necessário para progredir para o regime semiaberto, o novo cálculo da progressão para
o regime aberto deve ser feito mais uma vez com base na pena total (6 anos) ou apenas no tempo
restante (6 anos menos tempo cumprido para progredir para o semiaberto)?

O cálculo é feito com base no restante de pena a ser cumprida, porque pena cumprida é
pena extinta.

V – Regressão de regime: consiste no passeio do regime mais brando para o regime mais
rigoroso. Está positivada no artigo 118 da LEP.

A regressão pode se dar per saltum, ou seja, do aberto para o fechado diretamente, sem
passar pelo semiaberto?

SIM, de acordo com a jurisprudência, porque a própria lei (art. 118, LEP) permite a
transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos. Logo, se é para qualquer regime, pode ser
tanto o semiaberto como o fechado.

As hipóteses que dão azo à regressão são:

a) Praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;

b) Sofrer condenação por crime anterior, cuja pena somada ao restante da pena em
execução, torne incabível o regime (art. 111, LEP);

3.1.4. Detração (art. 42, CP)


Consiste no desconto do tempo de prisão provisória (flagrante, preventiva ou temporária),
prisão administrativa ou internação na pena privativa de liberdade.

Art. 42 - Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança,


o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa
e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.

ATENÇÃO – Medidas cautelares diversas da prisão podem gerar a detração?

Prevalece que as medidas cautelares diversas da prisão não implicam em privação da


liberdade, e sim privação de direitos da pessoa que está em liberdade. Portanto, as medidas
cautelares diversas da prisão não geram detração.

Contudo, o STJ possui julgados no sentido de que algumas medidas cautelares, como o
recolhimento noturno e a monitoração eletrônica implicam em restrição da liberdade tão severa
que dão direito à detração também.75

3.2. Penas Restritivas de Direito (PRDs)

3.2.1. Introdução

Estão previstas nos artigos 43 a 48 do Código Penal.

Antes de mais nada é importante diferenciar as ideias de despenalização, descriminalização


e legalização.

A despenalização é fruto de um movimento do Direito Penal que defende ser a pena de


prisão contra produtiva, pois não educa e não ressocializa; pelo contrário, deprava e exclui. Diante
disso, surgiram duas ideias principais: Hulsman defende a abolição da pena de prisão; Munoz Conde,
por outro lado, defende que não é possível viver sem a pena de prisão, mas deve ser aplicada de
maneira restrita, apenas para casos excepcionais – o cárcere seria destinado apenas aos
irrecuperáveis.

Portanto, na despenalização, a conduta continua sendo infração penal, mas a resposta


estatal é mais suave. Busca-se uma nova pena, diversa da prisão – uma pena alternativa. Assim, a
despenalização busca evitar o cárcere, substituindo-o por penas alternativas. Por isso, alguns
autores chamam de descarceirização, ao invés de despenalização.
Por sua vez, na descriminalização, a conduta deixa de ser uma infração penal, mas continua
sendo uma infração civil. Ex.: art. 240 do CP – crime de adultério - deixa de ser infração penal, mas
continua sendo infração civil, por violação ao dever de fidelidade recíproca no casamento.

Por fim, na legalização, a conduta passa a ser legalizado, ou seja, deixa de ser infração penal
e infração civil (extrapenal). Em outras palavras, a conduta passa a ser adequada à ordem jurídica.

De acordo com o art. 44 do Código Penal, as penas restritivas de direito seriam


representação do movimento de despenalização ou descarceirização (assim como o sursis penal, o
livramento condicional; as medidas despenalizadoras da Lei n. 9099/95; e o art. 28 da Lei de Drogas).

3.2.2. Requisitos para substituição da PPL por PRD

De início, insta frisar que os requisitos são cumulativos.

As penas restritivas de direito são autônomas, e substituem as penas privativas de liberdade,


quando:

a) Pena não superior a 4 anos se o crime for doloso e não tiver violência ou grave ameaça
à pessoa;

b) Qualquer pena, tratando-se de crime culposo;

c) Réu não reincidente em crime doloso: contudo, até mesmo ele pode ser beneficiado com
a substituição se for socialmente recomendável e a reincidência não for no mesmo crime;

d) Requisito subjetivo: circunstâncias judiciais pessoais favoráveis.

CUIDADO – Lei de falências: no artigo 168, §4º da Lei 11.101/05, consta que a PPL pode ser
substituída por PRD, se forem cumpridos dois requisitos: em caso de falência de microempresa ou
empresa de pequeno porte; e não tratar de prática habitual de condutas fraudulentas por parte do
falido.

3.2.3. Conceito
As penas restritivas de direito são espécies de sanção penal alternativas à pena de prisão
que visam evitar os males que a prisão causa aos indivíduos, conferindo à pena maior efetividade
das finalidades retributiva e preventiva.

3.2.4. Natureza Jurídica

São penas autônomas (em relação à PPL) e substitutivas, como enuncia o artigo 44, caput,
do CP.

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas


de liberdade, quando:

Como são medidas substitutivas, na sentença, o juízo não pode aplicar diretamente a PPL;
ele precisa primeiro aplicar a PPL e, apenas depois substituir a PPL por PRD.

CUIDADO – Artigo 78 do CDC: as penas restritivas de direito do CDC são aplicadas em


conjunto com as penas privativas de liberdade (de forma cumulativa). Logo, no CDC, é possível
aplicar a PRD diretamente, sem precisar aplicar e substituir a PPL.

3.2.5. Espécies de PRD

As espécies de PRD estão previstas no artigo 43 do CP:

a) Prestação pecuniária (art. 45, §1º e 2º, CP): consiste no pagamento de dinheiro à vítima,
não inferior a um salário mínimo e nem superior a 360 salários mínimos.

Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na


forma deste e dos arts. 46, 47 e 48. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998)

§ 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus


dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de
importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a
360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do
montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os
beneficiários.
É uma forma de antecipação da reparação civil. Tanto é que a prestação pecuniária é
descontada de eventual reparação civil fixada posteriormente.

ATENÇÃO – Prestação pecuniária x Multa: a diferença reside no destinatário do pagamento.


Enquanto a multa tem por destinatário o fundo penitenciário; a prestação pecuniária tem por
destinatário a vítima. Além disso, se a prestação pecuniária não for cumprida, ela será convertida
em PPL; já a multa não cumprida não pode ser convertida em PPL.

Obs.: De acordo com o art. 45, §2º, CP, se a vítima aceitar, a prestação pecuniária pode
consistir em coisas e serviços de outra natureza, diversos de dinheiro. Ex.: prestação de serviço
como pedreiro; pagamento de cestas básicas.

§ 2o No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação


pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza.

Contudo, para uma corrente doutrinária, essa disposição é inconstitucional, por violação ao
princípio da legalidade da pena. Por outro lado, uma segunda posição majoritária defende a
constitucionalidade do dispositivo, porque a própria CF prevê que a lei pode prever outras formas
de penas além das previstas na CF.

b) Perda de bens e valores (art. 45, §3º, CP): o agente perde bens imóveis ou móveis e
valores lícitos, em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

§ 3o A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a


legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá
como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento
obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime.

ATENÇÃO – Diferença para o art. 91, II, b, CP: este dispositivo não é pena, e sim mero efeito
da condenação; além disso, o bem perdido aqui é produto de crime, ou seja, ilícitos.

Art. 91 - São efeitos da condenação:

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-


fé:

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito


auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
CRÍTICA – Bitencourt critica essa previsão, sob o fundamento de que se trata de odioso
confisco.

ATENÇÃO MÁXIMA – Pacote anticrime: já que estamos falando do artigo 91, CP, importa
dizer que a Lei n. 13.964/19 trouxe um novo dispositivo – o artigo 91-A, do CP, cuja redação é a
seguinte:

Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena
máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como
produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor
do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento
lícito.
§ 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio
do condenado todos os bens:
I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício
direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e
II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória,
a partir do início da atividade criminal.
§ 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a
procedência lícita do patrimônio.
§ 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo
Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da
diferença apurada.
§ 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e
especificar os bens cuja perda for decretada.
§ 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações
criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do
Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham
em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam
sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.

Pois bem, conforme o artigo 91-A, do CP, o acusado pode ser condenado a uma nova perda
de bens, porém agora esses bens não precisam estar diretamente relacionados ao crime
processado.
Contudo, isso só irá incidir se a pena máxima prevista em lei (e não a pena aplicada
concretamente pelo juízo) for superior a 6 anos de reclusão, salvo no caso de bens utilizados por
milícias e organizações criminosas, que podem ser perdidos, independentemente de oferecer risco
à segurança ou ofender a moral ou ordem pública.

Como vimos, o artigo 91 do CP prevê a condenação à perda dos bens frutos da prática
criminosa. Já o art. 91-A do CP prevê a condenação à perda dos bens que não estão
comprovadamente vinculados àqueles crimes pelos quais ele foi condenado, mas são bens
incompatíveis com seu rendimento legal e declarado.

Não bastasse isso, o patrimônio não precisa estar registrado no nome do condenado. Isso
porque, muitas vezes, os bens são registrados sob a propriedade de outras pessoas (laranjas).
Portanto, os bens perdidos não precisam estar sob a titularidade direta do condenado, mas também
podem ser bens dos quais ele usufrui, mas não os tem registrado sob sua propriedade.

De qualquer forma, em todo caso, o condenado pode deixar de perder os bens, se provar
que o patrimônio tem origem lícita ou é compatível com seus rendimentos. Entretanto, esse
dispositivo tende a ser criticado pela doutrina, porque a lei traz uma inversão do ônus da prova em
desfavor do condenado. Com efeito, a lei atribui o ônus de provar a licitude ou compatibilidade dos
bens ao condenado, e não à acusação.

Inobstante, a lei deixa claro que a perda dos bens só pode ocorrer se o Ministério Público
requerer essa medida expressamente, indicando inclusive a incompatibilidade e a diferença
apurada. Isso é importante para possibilitar o contraditório e a ampla defesa do acusado, assim
como ocorre no caso de condenação à reparação dos danos à vítima. Ademais, ao final a
condenação deve ser específica, indicando o valor incompatível com o rendimento do condenado e
os bens perdidos.

c) Prestação de serviços à comunidade (art. 46, CP): A prestação de serviços só é aplicada a


penas superiores a 6 meses.

Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável


às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade.
Ora, se uma pena superior a 6 meses garante o direito à conversão da PPL por prestação de
serviços à comunidade, com mais razão, penas inferiores a 6 meses também deveriam garantir tal
direito. Por isso, a doutrina critica veementemente essa restrição da lei, pois quem pode o mais,
pode o menos.

Por essa razão, sustenta-se a possibilidade de aplicação da prestação de serviços a penas


inferiores a 6 meses.

d) Interdição temporária de direitos (art. 47, CP):

Art. 47 - As penas de interdição temporária de direitos são: (Redação dada pela Lei
nº 7.209, de 11.7.1984)
I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de
mandato eletivo; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de
habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;(Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo. (Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
IV – proibição de freqüentar determinados lugares. (Incluído pela Lei nº 9.714, de
1998)
V - proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos.

Obs.: Normalmente, os crimes do CTB já preveem como pena a suspensão da autorização ou


de habilitação para dirigir veículo. Logo, nesses casos, o juízo não poderia fixar novamente essa PRD.

e) Limitação de fim de semana (art. 48, CP):

Art. 48 - A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos


sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro
estabelecimento adequado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único - Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado


cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.
f) Espécie de PRD no Estatuto do Torcedor (lei 10.671/03): o art. 41-B, §2º, do Estatuto do
Torcedor prevê a pena de impedimento do comparecimento às proximidades de estádio, bem como
qualquer lugar que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 meses a 3 anos.

3.2.6. Conversão da PRD (art. 44, §4º, CP)

Se o agente descumprir injustificadamente as penas restritivas de direito que lhe foram


impostas, o juízo deverá operar a conversão da PRD em pena privativa de liberdade.

§ 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando


ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena
privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena
restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou
reclusão.

De qualquer forma, o tempo que o agente já cumpriu de sua pena restritiva deve ser
descontado da pena privativa de liberdade em que se converte (detração da PRD na PPL). Contudo,
a lei estabelece um saldo mínimo de 30 dias, ou seja, se faltavam menos de 30 dias para o agente
finalizar o cumprimento da PRD; ele ainda deverá cumprir pelo menos 30 dias de PPL.

CRÍTICA – Esse saldo mínimo de 30 dias é um incremento de pena sem qualquer fundamento
para tanto.

3.2.7. Duração da PRD (art. 55, CP)

Em regra, duram o mesmo tempo da pena privativa de liberdade substituída, salvo no caso
de prestação de serviços à comunidade.

Art. 55. As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III, IV, V e VI do art. 43
terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, ressalvado o
disposto no § 4o do art. 46.

3.2.8. PRD em crime hediondo ou equiparado


Cabe a substituição da pena privativa de liberdade em PRD, mesmo em crimes hediondos ou
equiparados, porque não há vedação expressa no Código Penal, e nem na Lei de Crimes Hediondos.

Todavia, na Lei de Drogas, havia previsão legal no artigo 33, §4º, da Lei de Drogas, vedando
a substituição da PPL por PRD nos delitos previstos nessa lei. O STF, diante disso, considerou que a
vedação genérica da substituição viola o princípio da individualização da pena, de modo que essa
previsão é inconstitucional (Info 604 do STF).

Ato contínuo, o Senado editou a Resolução 5/2012, dando efeitos erga omnes à decisão do
STF no Info 604.

Portanto, é possível a substituição da pena privativa de liberdade em pena restritiva de


direitos, mesmo em relação aos crimes hediondos e equiparados.

3.3. Pena de multa (artigos 49 e seguintes do CP)

3.3.1. Conceito

A pena de multa é uma sanção penal autônoma, consistente no pagamento ao Fundo


Penitenciário do valor fixado na sentença.

3.3.2. Espécies

I – Isolada: alguns crimes da lei brasileira preveem apenas pena de multa;

II – Alternativa: quando a pena de multa é prevista como alternativa à outra pena;

III – Cumulativa: quando vem cominada juntamente com outra pena;

IV – Substitutiva (art. 44, §2º, CP): a multa pode substituir a PPL, quando a condenação for
igual ou inferior a 1 ano.

§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por


multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa
de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou
por duas restritivas de direitos.
3.3.3. Aplicação da pena de multa

A doutrina dividiu o sistema de aplicação da pena de multa em dois passos:

1º passo - número de dias multa (art. 49, caput, CP): são no mínimo 10 e no máximo 360
dias-multa.

Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia


fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no
máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

A quantidade de dias multa deve ser proporcional à aplicação da pena privativa de liberdade.
Logo, se a PPL foi fixada no mínimo legal, é proporcional que a pena de multa fique no mínimo ou
próxima do mínimo de 10 dias.

2º passo – valor de cada dia-multa (art. 49, §1º, CP): o valor do dia multa será fixado
respeitado o patamar de 1/30 até 5 vezes o salário mínimo vigente ao tempo do fato.

§ 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um
trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior
a 5 (cinco) vezes esse salário.

O critério para fixação desse valor é principalmente a situação econômica do réu. Por essa
razão, se o réu for muito rico, o juízo pode TRIPLICAR o valor máximo da pena de multa.

Portanto, o juízo vai definir a quantidade de dias multa, por exemplo, 10 dias; e depois o
valor de cada dia multa, por exemplo, mil reais. O valor da pena de multa será 10.000 reais.

3.3.4. Execução da pena de multa

Em caso de descumprimento da pena de multa, a lei previa a possibilidade da conversão da


multa em pena privativa de liberdade. Todavia, o legislador passou a entender que era
desproporcional a prisão pelo não pagamento da pena de multa.

Por essa razão, com a lei n. 9.268/96, a multa passou a ser considerada dívida de valor. Logo,
a multa não paga não pode mais ser convertida em prisão. A solução é a execução da pena de multa,
nos termos da lei de execução fiscal.
Mas de quem é a legitimidade para executar a pena de multa?

Há controvérsia:

Uma primeira posição defender ser do Ministério Público a legitimidade para executar a
pena de multa, porque ela continua tendo a natureza de sanção penal (Bitencourt, Nucci e Greco).

Contudo, uma segunda posição defende que a legitimidade é da Procuradoria da Fazenda


Pública, porque após a lei n. 9.268/96, a multa não paga passa a ser considerada dívida de valor,
perdendo seu caráter penal. Diante disso, o STJ editou a súmula 521, enunciando que a legitimidade
para executar a pena de multa é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública.

Entretanto, o STF decidiu que a legitimidade é tanto do MP como da Fazenda Pública, no


Info 927. De acordo com a Corte, a legitimidade é do Ministério Público para executar a pena de
multa; com a possibilidade subsidiária de cobrança pela Fazenda Pública.

Logo, prioritariamente a legitimidade é do MP, perante a Vara de Execuções Penais; se o


MP se mantiver inerte no prazo de 90 dias, a legitimidade passa a ser da Fazenda Pública, na Vara
da Fazenda Pública.

ATENÇÃO MÁXIMA – Pacote anticrime: A lei n. 13.964/19 alterou o artigo 51 do Código


Penal. A nova redação é a seguinte:

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada


perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as
normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às
causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

Como visto, a alteração do artigo 51 do CP vai ao encontro ao entendimento mais recente


do STF – Informativo 927. Com efeito, a execução da multa deve ser feita perante o juízo de
execução penal; e continuará com o caráter de dívida de valor, como já preconizava a lei.

3.3.5. Vedação da substituição da prisão por multa

A súmula 171 do STJ enuncia que é vedada a substituição da prisão por multa, quando forem
aplicadas cumulativamente pena privativa de liberdade e pena de multa, previstas em lei especial.
Isso porque, caso fosse possível, a pena seria de multa mais multa.
Essa súmula não tem qualquer sentido ou fundamento legal, mas visou especificamente
proibir que os crimes da Lei de Drogas fossem punidos com pena de multa mais multa.

Por não ter sentido e nem fundamento, a doutrina critica a súmula. No entanto, ela ainda
está vigente e ainda é aplicada pelo STJ.

4. Medida de Segurança (artigos 96 e s. do CP)

4.1. Natureza Jurídica

A medida de segurança não configura pena, e sim uma espécie de sanção penal autônoma.

A sanção penal é gênero que abrange duas espécies: a pena e a medida de segurança.

4.2. Sistemas

No que toca à sua aplicabilidade, dois sistemas vigoraram:

I – Duplo binário: por esse sistema, ao réu poderia ser aplicada uma pena mais uma medida
de segurança.

Portanto, aqui, temos uma dupla punição pelo mesmo fato, o que implicava bis in idem,
razão pela qual esse sistema foi abandonado.

II – Vicariante: por esse sistema, ao réu só pode ser aplicado uma pena OU uma medida de
segurança.

4.3. Conceito

A medida de segurança é uma espécie de sanção penal autônoma, aplicável ao inimputável


ou ao semi-imputável (a depender do caso concreto), por meio da qual o juízo aplica ao autor de
um fato típico e ilícito uma internação ou um tratamento ambulatorial.

4.4. Destinatário
A medida de segurança se destina ao penalmente inimputável pelo critério biopsicológico
(art. 26, caput, do CP) e ao semi-imputável (art. 26, parágrafo único, do CP).

De se notar que o semi-imputável pode receber ou não medida de segurança, a depender


do caso concreto.

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento


mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em


virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito
do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

4.5. Pena x Medida de segurança

A primeira diferença está ligada à finalidade: a pena tem duas finalidades - retribuição e
prevenção. Por sua vez, a medida de segurança tem por finalidade apenas a prevenção (visa evitar
que o inimputável pratique novos crimes).

Além disso, no que toca ao destinatário, a pena se destina ao penalmente imputável; ao


passo que a medida de segurança se destina ao penalmente inimputável pelo critério biopsicológico
e ao semi-imputável.

No que toca ao tempo de cumprimento, a pena tem tempo certo de cumprimento – a pena
aplicada pelo juízo. Por sua vez, a medida de segurança tem apenas um tempo mínimo de
cumprimento previsto em lei, não possuindo prazo legal máximo (porém, como veremos, a doutrina
e a jurisprudência já limitaram esse prazo).

4.6. Espécies de medida de segurança

De acordo com o artigo 96, a medida de segurança tem duas espécies:

Art. 96. As medidas de segurança são: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em
outro estabelecimento adequado; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - sujeição a tratamento ambulatorial.

a) Detentiva (art. 96, I, CP): consiste na internação do réu no Hospital de custódia


(Manicômio judiciário);

b) Restritiva (art. 96, II, CP): consiste no tratamento ambulatorial.

O critério para aplicação de uma espécie ou outra está previsto no artigo 97 do CP é a espécie
de pena privativa de liberdade aplicada ao delito praticado pelo inimputável. Dessa forma, se a pena
é de reclusão, a medida de segurança deve ser a internação. Por outro lado, se a pena for de
detenção, a medida de se segurança é o tratamento ambulatorial.

Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26).
Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz
submetê-lo a tratamento ambulatorial.

CRÍTICA – A doutrina critica esse critério, porque a definição da aplicação de internação ou


tratamento ambulatorial deve depender apenas da necessidade do inimputável. O legislador não
pode engessar o juízo com base no critério da pena aplicada ao crime. O juízo deve analisar de
acordo com as condições do caso concreto as condições pessoais do agente e sua necessidade,
independentemente do tipo de pena aplicável ao crime.

4.7. Prazo de cumprimento da medida de segurança

O artigo 97, §1º, do Código Penal preconiza que o prazo máximo da medida de segurança é
indeterminado, cessando apenas quando a perícia médica constatar que não mais existe
periculosidade.

§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado,


perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de
periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

A doutrina critica esse posicionamento legal, porque se não existir prazo máximo, teríamos
uma sanção penal de caráter perpetuo, vedada pela Constituição. Destarte, o prazo máximo deve
ser o limite máximo cominado de pena àquele delito.
Da mesma forma, o STJ enunciou esse posicionamento doutrinário na súmula 527: o tempo
de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente
cominada ao delito praticado. Logo, se o crime foi de roubo, cuja pena máxima é de 10 anos, o prazo
máximo da medida de segurança também é de 10 anos.

Por sua vez, o STF entende que o limite máximo da medida de segurança seria de 30 anos,
ou seja, o limite máximo de cumprimento de pena no Brasil.

ATENÇÃO - Como o limite foi aumentado pelo pacote anticrime, o posicionamento do STF
tende a ser no sentido de que o limite máximo é de 40 anos, conforme a nova redação do art. 75 do
CP.

4.8. Medida de segurança substitutiva da PPL (art. 98)

Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o


condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser
substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1
(um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

A medida de segurança que vimos até aqui é aquela autônoma, aplicada ao final do processo
penal ao inimputável ou semi-imputável.

Por sua vez, essa medida de segurança é substitutiva, porque apenas substitui a PPL aplicada.
O réu nesse caso é um semi-imputável que recebeu uma pena na sentença, quando de sua
condenação. Ocorre que, durante a execução da pena, ele passa a precisar de tratamento, de modo
que o juízo da execução penal substitui a PPL anteriormente aplicada por uma medida de segurança.

De acordo com a doutrina, o prazo de duração da medida de segurança substitutiva não


pode superar o tempo da condenação. Logo, se a pena foi de 6 anos, por exemplo, o agente cumpriu
2 anos, teve um surto psicótico e precisou ser internado. O prazo máximo da medida de segurança
substitutiva será de 4 anos (tempo restante de pena).

4.9. Natureza jurídica da sentença que aplica medida de segurança

A sentença que aplica medida de segurança tem natureza jurídica absolutória imprópria.
Ela só pode ser aplicada após o trâmite regular de um processo penal, onde será realizada a
perícia médica, que determinará se o réu é inimputável ou não.

Se realmente for constatado que o réu é inimputável ou semi-imputável, a depender do caso


concreto, o juízo absolve impropriamente o réu. É chamada de absolvição imprópria, porque não se
trata de sentença propriamente absolutória, já que aplica espécie de sanção penal ao réu.

Portanto, na sentença, o juízo absolve o réu, mas lhe impõe medida de segurança
(internação ou tratamento ambulatorial).

5. Suspensão condicional da execução da pena (art. 77 e seguintes, do CP)

5.1. Conceito

A suspensão condicional da execução da pena também é conhecida como sursis da pena.

O sursis da pena é uma forma de cumprimento da pena privativa de liberdade com nítida
natureza descarcerizadora, fundamentada em política criminal, que se destina a evitar o
recolhimento à prisão dos condenados a uma pena de curta duração, permitindo o seu
cumprimento em liberdade, mediante a satisfação de algumas condições. Ao final, gera a extinção
da pena privativa de liberdade, se não houver a sua revogação.

ATENÇÃO – Cabe sursis da pena em PRD e em multa?

NÃO, o artigo 80 do Código Penal é expresso no sentido de que só cabe sursis em caso de
aplicação de pena privativa de liberdade.

Art. 80 - A suspensão não se estende às penas restritivas de direitos nem à multa.

5.2. Sistemas de aplicação do sursis

I – Sistema franco-belga: nesse sistema, o réu é processado e condenado, sendo-lhe aplicada


uma pena. Essa pena depois é suspensa por um determinado período, chamado de período de
prova. Se ele não cumprir as condições impostas, ele terá que cumprir a pena privativa de liberdade,
imposta na sentença.
II – Sistema anglo-americano (probation system): nesse sistema, o réu é processado; o juízo
reconhece sua responsabilidade, mas sem aplicação de pena. Diante disso, o réu vai cumprir um
período de prova em liberdade. Se o réu descumprir as condições impostas, o processo é retomado
com a prolação da sentença e a aplicação da pena.

III – Probation of first offenders act: nesse sistema, o juízo reconhece a suspensão do
processo e permite ao réu ficar em liberdade, cumprindo o período de prova. Portanto, aqui, o juízo
não reconhece a culpa do réu. Todavia, se o réu descumprir as condições no período de prova, o
processo será reiniciado.

IV – Sistema alemão: nesse sistema, o juízo aplica uma pena ao réu, mas sem condenação;
o juízo suspende a pena e o réu vai cumprir o período de prova. Se o réu praticar novo delito durante
o período de prova, ele terá que cumprir a pena aplicada.

Qual o sistema adotado no Código Penal brasileiro?

O CP brasileiro adotou o sistema franco-belga.

Contudo, na lei do JECRIM, temos o instituto do sursis processual (suspensão condicional do


processo). Lá o sistema adotado foi o probation of first offenders act – o processo fica suspenso
sem reconhecimento da culpa do réu; se ele descumprir as condições, o processo é retomado.

5.3. Sursis da pena x Sursis processual

Como vimos, o sursis da pena está previsto no Código Penal; ao passo que o sursis processual
está previsto na Lei do JECRIM.

A primeira diferença é que no sursis da pena, o que se suspende é a execução da pena. Por
sua vez, no sursis processual, o que se suspende é o processo.

Ademais, o sursis da pena é concedido apenas ao final do processo; enquanto o sursis


processual é oferecido no momento da denúncia, e após o recebimento da denúncia, o juízo
suspende o processo, se o réu aceitar.
No sursis da pena, há condenação a uma PPL, que será suspensa. Por outro lado, no sursis
processual, não há condenação, porque já é concedido após o recebimento da denúncia.

Além disso, o sursis da pena é aplicado na sentença, independentemente de aceitação do


réu; já o sursis processual deve ser aceito pelo réu para que o juízo o conceda.

O sursis da pena não influencia em nada a prescrição do crime. Por seu turno, no sursis
processual, o prazo prescricional fica suspenso, enquanto durar o período de prova.

Não bastasse isso, quem revoga o sursis penal é o juízo da execução penal (art. 66, III, d, LEP);
ao passo que quem revoga o sursis processual é o juízo do processo penal.

Por fim, se o réu descumprir as condições do sursis penal, este será revogado e ele irá
cumprir a pena que já lhe foi aplicada. Por sua vez, se o réu descumprir as condições do sursis
processual, este será revogado e o processo será retomado.

De outro lado, se o réu cumprir as condições do sursis penal, sem revogação, a consequência
é a extinção da pena privativa de liberdade. Já se o réu cumprir as condições do sursis processual,
sem revogação, a consequência é a extinção da punibilidade.

5.4. Condições

As condições do sursis penal podem ser de dois tipos – legais e judiciais:

a) Legais (art. 78, CP): prestação de serviços à comunidade; limitação de fim de semana;

Art. 78 - Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e


ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz.

b) Judiciais (art. 79, CP): o juízo pode fixar outras condições além das legais, desde que essas
condições sejam adequadas ao fato criminoso e à situação pessoal do condenado.

Art. 79 - A sentença poderá especificar outras condições a que fica subordinada a


suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado.

ATENÇÃO – Existe sursis penal incondicionado?


NÃO, o sursis sempre deve ser fixado sob a condição de cumprimento das condições. Caso
contrário, o sursis seria um prêmio ao condenado.

CUIDADO – Se a sentença transitar em julgado sem a imposição de nenhuma condição


judicial imposta pelo juízo da condenação, as condições podem ser impostas pelo juízo da
execução?

Se o juízo da condenação impôs apenas as condições legais, mas não impôs nenhuma
condição judicial, o juízo da execução NÃO pode impor as condições judiciais, porque o momento
de imposição das condições é o momento da prolação da sentença, sendo de competência do juízo
da condenação. O juízo da execução penal não tem competência para fixar as condições judiciais do
sursis penal.

5.5. Natureza Jurídica

O sursis penal é um direito subjetivo do acusado ou uma faculdade do juízo?

Predomina que o sursis penal é um direito subjetivo do réu, caso os requisitos legais sejam
preenchidos. Esse é o entendimento que prevalece na doutrina e pacífico na jurisprudência.

ATENÇÃO – O acusado pode recusar o sursis penal e preferir cumprir a pena privativa de
liberdade?

O juízo concede o sursis penal independentemente da aceitação do réu. Todavia, o direito


ao sursis é DISPONÍVEL. Logo, o réu pode recusar o sursis e preferir cumprir a pena privativa de
liberdade.

5.6. Requisitos do sursis penal

Como vimos, após aplicação da pena privativa de liberdade, o juízo concederá o sursis penal,
caso estejam presentes os seguintes requisitos:

I – Requisitos objetivos:

a) PPL aplicada não superior a 2 anos (simples/especial) ou a 4 anos (etário/humanitário);


Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos,
poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:

CUIDADO – A lei de crimes ambientais prevê a concessão do sursis se a pena aplicada não
for superior a 3 anos (art. 16, Lei 9.605/98).

b) Não ser indicada ou cabível PRD (art. 77, III, CP).

III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.

Obs.: Por conta desse requisito, a PRD esvaziou o sursis. Na prática, é difícil verificar a
concessão do sursis, porque o sursis é subsidiário à PRD. Todavia, o sursis ainda pode ser aplicado
em crimes com violência ou grave ameaça, porque não cabe PRD nesse caso.

II – Requisitos subjetivos:

a) Réu não reincidente em crime doloso (art. 77, I, CP): não abrange reincidência em
contravenção dolosa; e nem reincidência em crime culposo.

I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;

CUIDADO – Se o primeiro crime doloso foi punido apenas com pena de multa, o acusado
ainda terá direito ao sursis penal.

b) Circunstâncias judiciais favoráveis (art. 77, II, CP).

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente,


bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;

5.7. Espécies de sursis

O sursis penal possui quatro espécies – simples, especial, etário e humanitário.

a) Simples (art. 77, c/c art. 78, §1º, CP): é o sursis penal comum que estudamos até aqui; o
juízo concede o sursis penal e o réu fica sujeito às condições de prestação de serviços à comunidade
e limitação de fim de semana e judiciais;
b) Especial (art. 78, §2º, CP): se o condenado reparar o dano causado, salvo impossibilidade
de fazê-lo, bem como as circunstâncias judiciais forem favoráveis, o juízo pode substituir as
condições do §1º pelas condições do art. 78, §2º, CP, que são mais brandas;

§ 2° Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se


as circunstâncias do art. 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz
poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições,
aplicadas cumulativamente:
a) proibição de freqüentar determinados lugares; (Redação dada pela Lei nº 7.209,
de 11.7.1984)
b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do
juiz; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e
justificar suas atividades.

c) Etário (art. 77, §2º, CP): se o condenado for maior de 70 anos de idade, o sursis pode ser
concedido se a pena não for superior a 4 anos, mas, nesse caso, o período de prova será maior –
de 4 a 6 anos;

§ 2o A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá


ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta
anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.

d) Humanitário (art. 77, §2º, CP): se o condenado for doente, caso a doença não possa ser
tratada no sistema penitenciário, o sursis pode ser concedido se a pena não for superior a 4 anos,
mas, nesse caso, o período de prova será maior – de 4 a 6 anos.

5.8. Período de prova

O período de prova é o lapso temporal em que o beneficiário tem a execução da PPL


suspensa.
Se o sursis for simples ou especial, o período de prova é de 2 a 4 anos. Por outro lado, se o
sursis for etário ou humanitário, o período de prova é de 4 a 6 anos.

Para fixar o período de prova, o juízo adota os seguintes critérios:

a) Natureza do crime;

b) Personalidade do agente;

c) Intensidade da pena.

CRÍTICA – Bitencourt defende que, em homenagem ao princípio da individualização da pena,


o juízo deve observar as circunstancias judiciais do artigo 59 do CP, e não esses critérios.

Qual o termo inicial do período de prova?

O termo inicial do período de prova é o trânsito em julgado da sentença condenatória.

ATENÇÃO – O período de prova pode ser prorrogado?

O artigo 81, §2º, CP, determina que o período de prova será prorrogado se o acusado está
sendo processado por novo crime ou contravenção.

§ 2º - Se o beneficiário está sendo processado por outro crime ou contravenção,


considera-se prorrogado o prazo da suspensão até o julgamento definitivo.

De se notar que essa prorrogação é automática, não dependendo de pedido pelas partes.

De qualquer forma, o mero fato de o réu estar sendo indiciado em inquérito policial não
serve para prorrogar o período de prova; é necessário o novo processo.

5.9. Revogação do sursis penal

A revogação do sursis penal é de competência do juízo da execução penal, conforme artigo


66, III, d, LEP.

A revogação pode ser obrigatória ou facultativa:

a) Obrigatória (art. 81, CP): se o acusado for condenado por crime doloso; não reparação do
dano ou a frustração da pena de multa; descumprimento das condições do art. 78, §1º;
Art. 81 - A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário: (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - é condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso; (Redação dada pela Lei
nº 7.209, de 11.7.1984)
II - frustra, embora solvente, a execução de pena de multa ou não efetua, sem
motivo justificado, a reparação do dano; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
III - descumpre a condição do § 1º do art. 78 deste Código. (Redação dada pela Lei
nº 7.209, de 11.7.1984)

CRÍTICA – O não pagamento da multa, de acordo com o artigo 51 do CP, gera dívida de valor
que pode ser executada, e não mais a prisão do réu. Ora, se o não pagamento de multa não pode
ser convertido em prisão, também não deveria ensejar a revogação do sursis, porque resultaria na
prisão do réu pelo não pagamento da multa.

b) Facultativa (art. 81, §1º, CP): o sursis pode ser revogado se o condenado descumpre
qualquer outra condição imposta; ou se o réu for condenado por crime culposo ou contravenção.

§ 1º - A suspensão poderá ser revogada se o condenado descumpre qualquer outra


condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado, por crime culposo ou por
contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos. (Redação
dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

5.10. Cumprimento das condições

Caso o réu cumpra todas as condições impostas, expirado o prazo do período de prova,
considera-se extinta a pena privativa de liberdade, nos termos do artigo 82 do Código Penal.

Art. 82 - Expirado o prazo sem que tenha havido revogação, considera-se extinta a
pena privativa de liberdade.

A extinção da pena é automática ou depende de declaração do juízo no autos?

Há duas correntes:
A primeira corrente, majoritária, defende que a extinção da pena é automática, porque o
que extingue a PPL é o mero decurso do período de prova (Bitencourt e Luis Regis Prado).

Por outro lado, uma segunda corrente sustenta que a extinção da PPL não é automática,
necessitando de decisão do juízo, porque se o juízo verificar que o réu está sendo processado, deve
prorrogar o período de prova (Greco).

ATENÇÃO – O sursis suspende os direitos políticos?

SIM, com base no artigo 15, III, da CF. Da mesma forma entende o STF.

Dessa forma, uma vez cumpridas as condições e extinta a PPL, o réu retoma seus direitos
políticos.

CUIDADO – Cabe sursis em crimes hediondos e equiparados?

Da mesma forma que cabe substituição da PPL por PRD em crimes hediondos e equiparados,
também deveria caber sursis penal. No entanto, STF e STJ possuem entendimentos discordantes.

O STJ entende, em regra, cabível o sursis penal (HC 187.874). Por sua vez, o STF possui
julgados no sentido de que NÃO cabe sursis em crimes hediondos e equiparados (HC 101.919).

6. Livramento Condicional (art. 83 e s., CP)

6.1. Introdução

Livramento condicional é a última etapa do cumprimento da pena. É um estímulo ao


condenado que já progrediu de regime e enfrenta agora a última fase da execução da pena.

Predomina que o livramento é um direito subjetivo do condenado, de modo que se ele


satisfizer os requisitos legais, ele será posto em liberdade condicional.

6.2. Requisitos (art. 83, CP)

De se notar pela leitura do inciso V que cabe livramento condicional em crimes hediondos e
equiparados, desde que haja o cumprimento de mais de 2/3 da pena pelo réu. Todavia, se o réu for
reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados, não caberá livramento condicional.
Todavia, nos crimes de tráfico de drogas, de acordo com a Lei de Drogas, o prazo para
livramento condicional é de 2/3 da pena (e não mais de 2/3, como preconiza o CP).

De qualquer forma, se o réu foi condenado a vários crimes, as penas destes devem ser
somadas, a fim de calcular o prazo para o livramento condicional.

Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena


privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:
I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime
doloso e tiver bons antecedentes;
II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso;
III - comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom
desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria
subsistência mediante trabalho honesto;
IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela
infração;
V - cumpridos mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime
hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico
de pessoas e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes
dessa natureza.
Parágrafo único - Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou
grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à
constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará
a delinqüir.

ATENÇÃO MÁXIMA – Pacote Anticrime: a Lei n. 13.964/19 alterou o artigo 83, III, do CP. A
nova redação é a seguinte:

III - comprovado:

a) bom comportamento durante a execução da pena;

b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses;

c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e

d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto;


Veja que as alíneas a, c e d já eram requisitos presentes no artigo 83, III, CP. Apenas o
requisito previsto na alínea b é novidade.

Portanto, mesmo que tenha cumprido os demais requisitos, o reeducando que tenha
cometido uma falta grave nos últimos 12 meses, não poderá obter o livramento condicional.

6.3. Condições (art. 85, CP)

As condições podem ser obrigatórias ou facultativas:

a) Obrigatórias (art. 132, §1º, LEP);

b) Facultativas (art. 132, §2º, LEP).

Art. 85 - A sentença especificará as condições a que fica subordinado o livramento.

6.4. Revogação

Se o réu não cumprir as condições impostas quando do livramento, este será revogado. A
revogação pode ser obrigatória ou facultativa:

a) Obrigatória (art. 86): se o réu for condenado à PPL com sentença transitada em julgado
por crime cometido durante a vigência do livramento condicional; ou por crime anterior ao
livramento condicional;

Art. 86 - Revoga-se o livramento, se o liberado vem a ser condenado a pena


privativa de liberdade, em sentença irrecorrível:
I - por crime cometido durante a vigência do benefício;
II - por crime anterior, observado o disposto no art. 84 deste Código.

b) Facultativa (art. 87, CP): se o réu descumprir as condições constantes da decisão de


livramento; ou se o réu for condenado com sentença transitada em julgado por crime ou
contravenção à pena diversa de PPL (PRD ou multa).

Art. 87 - O juiz poderá, também, revogar o livramento, se o liberado deixar de


cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença, ou for irrecorrivelmente
condenado, por crime ou contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade.
ATENÇÃO – Revogado o livramento, o réu não mais poderá gozar desse direito. Além disso,
o tempo que o condenado ficou em livramento não será descontado do restante da pena, ou seja,
revogado o livramento, o réu perde o tempo que ficou em livramento, se o crime for cometido
durante o livramento. Por outro lado, se o crime for anterior ao livramento, ele não perderá o tempo
que ficou em livramento (de modo que esse tempo será descontado do restante da pena).

6.5. Extinção da pena (arts. 89 e 90, CP)

Se o réu cumprir todas as condições durante o período de livramento, considera-se extinta


a pena privativa de liberdade aplicada.

Art. 90 - Se até o seu término o livramento não é revogado, considera-se extinta a


pena privativa de liberdade.

Todavia, se o réu praticar um crime durante a vigência do livramento condicional, o juízo não
poderá extinguir a pena enquanto não transitar em julgado a sentença do processo que apura esse
crime. Isso porque caso o réu seja condenado, o livramento será revogado – suspensão do
livramento.

Art. 89 - O juiz não poderá declarar extinta a pena, enquanto não passar em julgado
a sentença em processo a que responde o liberado, por crime cometido na vigência
do livramento.

CONCURSO DE CRIMES
1. Introdução

Ocorre concurso de crimes, quando uma ou mais pessoas praticam dois ou mais crimes.

O Código Penal reconhece três espécies de concurso de crimes: concurso material ou real
(art. 69, CP); concurso formal ou ideal (art. 70, CP); e crime continuado (art. 71, CP).

Paralelamente, o Código Penal adotou alguns sistemas de aplicação da pena em concurso de


crimes: cúmulo material (soma das penas) e exasperação (aumento de uma das penas).
2. Concurso material (art. 69, CP)

2.1. Requisitos

O artigo 69 do Código Penal traz dois requisitos para configuração do concurso material:

a) Pluralidade de condutas: mais de uma ação ou omissão;

b) Pluralidade de crimes: dois ou mais crimes idênticos ou não.

Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de
liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de
reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

2.2. Espécies

Há duas espécies de concurso material:

a) Homogêneo: quando os crimes praticados são idênticos;

b) Heterogêneo: quando os crimes praticados não são idênticos.

2.3. Sistema de aplicação de pena

De acordo com o artigo 69, do CP, o sistema de aplicação da pena adotado pelo concurso de
crimes é o do cúmulo material, ou seja, o juízo irá somar as penas dos crimes praticados.

Primeiro, o juízo faz a dosimetria isolada de cada crime; e depois vai somar as penas
definitivas que já calculou. Ex.: o agente foi condenado por dois crimes de roubo; o primeiro roubo
foi simples e o agente recebeu a pena mínima de 4 anos; o segundo roubo foi tentado, de modo
que com a diminuição da pena, esta ficou em 2 anos. Ao final, o juízo soma as penas, chegando à
pena final de 6 anos.

Caso as penas aplicadas sejam de reclusão e de detenção, executa-se primeiro a pena de


reclusão.
ATENÇÃO – O artigo 69, §1º, do CP, preconiza, contrario sensu, que se uma das penas
privativas de liberdade for suspensa, nos termos do art. 77, do CP (sursis penal), será possível a
substituição das outras penas privativas por restritivas de direito, nos termos do art. 44, do CP.

§ 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa
de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a
substituição de que trata o art. 44 deste Código.

Por sua vez, o artigo 69, §2º, do CP, determina que as penas restritivas de direito compatíveis
serão cumpridas de forma simultânea. Por sua vez, as penas restritivas de direito incompatíveis
serão cumpridas de forma sucessiva. Ex.: o agente recebeu uma PRD de prestação de serviços e uma
PRD de prestação pecuniária; como são PRDs compatíveis, o agente as cumprirá de forma
simultânea. Por outro lado, se o agente recebe uma PRD de prestação de serviços no fim de semana;
e uma PRD de limitação de fim de semana; tais PRDs são incompatíveis, logo, o agente cumprirá
primeiro uma delas, e quando acabar, cumpre a outra (de forma sucessiva).

§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá


simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.

3. Concurso formal (art. 70, CP)

3.1. Requisitos

O artigo 70 do Código Penal traz dois requisitos para configuração do concurso formal:

a) Unidade de conduta: uma só ação ou omissão;

b) Pluralidade de crimes: dois ou mais crimes, idênticos ou não.

Portanto, a diferença entre o concurso material e o concurso formal é o primeiro requisito.


Enquanto o concurso material exige a prática de mais de uma conduta, o concurso formal exige a
prática de apenas uma só ação ou omissão. Ex.: agente está dirigindo olhando para o celular, perde
o controle do carro e mata três pessoas – três crimes de homicídio praticados por apenas uma
conduta.

Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais
crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais,
somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade.
As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa
e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto
no artigo anterior.

3.2. Espécies

Há quatro espécies de concurso formal:

a) Homogêneo: os crimes são idênticos;

b) Heterogêneo: os crimes são diversos.

c) Próprio ou perfeito: o agente pratica apenas uma conduta com dois ou mais resultados
culposos; ou com resultados dolosos e outros culposos, ou seja, sempre deve haver um resultado
culposo. Em outras palavras, o agente não age com dolo em relação a todos os resultados; no
mínimo um dos resultados sempre terá que ser culposo. Ex.: agente dirigindo e olhando para o
celular, perde o controle do carro e mata três pessoas – três homicídios culposo – concurso formal
próprio.

d) Impróprio ou imperfeito: o agente pratica apenas uma conduta doloso que dá causa a
vários resultados dolosos. Nesse caso, todos os resultados de sua conduta são dolosos, ou seja, o
agente age com dolo em relação a todos os resultados. Segundo o Código Penal, aqui, o agente tem
desígnios autônomos. Ex.: adolescente entra em uma sala de cinema e dá uma raja de metralhadora
nas pessoas – pratica vários homicídios dolosos – concurso formal impróprio.

3.3. Sistema de aplicação de pena

O sistema de aplicação da pena adotado pelo Código Penal para o concurso formal ou ideal
varia, de acordo com a natureza do concurso – próprio ou impróprio.

a) Concurso formal próprio ou perfeito: o sistema adotado foi o da exasperação, de modo


que se aumenta a pena (a maior delas em concurso heterogêneo ou qualquer uma em concurso
homogêneo) de 1/6 até 1/2.
O aumento vai variar de 1/6 até metade, de acordo com o número de crimes praticados.
Logo, se foram praticados apenas dois crimes, o aumento é de apenas 1/6; 3 crimes – 1/5; 4 crimes
– 1/4; 5 crimes – 1/3; 6 ou mais crimes – 1/2.

CUIDADO – Concurso formal benéfico (art. 70, p. único, CP): se aplicando o sistema da
exasperação, a pena ficar maior do que seria em caso de soma das penas; deve-se desprezar o
aumento, e utilizar o critério do cúmulo, somando-se as penas.

Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art.
69 deste Código.

b) Concurso formal impróprio ou imperfeito: o sistema adotado foi o do cúmulo material.


Logo, o juízo primeiro irá fazer o cálculo de pena para cada crime isoladamente; e depois irá somar
as penas.

4. Crime continuado (art. 71, CP)

4.1. Introdução

O crime continuado foi criado para beneficiar o réu. Por essa razão, foi criada uma ficção
jurídica, pela qual imagina-se que todos os crimes praticados são continuação de um só, ou seja,
considera-se que há apenas um crime, sendo os demais apenas continuação desse.

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou
mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou
a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

4.2. Requisitos

O artigo 71 do Código Penal prevê dois requisitos para configuração do crime continuado:

a) Pluralidade de condutas: mais de uma ação ou omissão;

b) Pluralidade de crimes: dois ou mais crimes da mesma espécie.


Veja que o art. 71 do CP fala em crimes da mesma espécie, mas o que significa isso?

Há duas correntes na doutrina:

Uma primeira corrente sustenta que crimes da mesma espécie são crimes previstos no
mesmo tipo penal, ainda que em forma derivada (um tentado, um consumado, um simples, outro
qualificado e etc). Ex.: três furtos; dois roubos; quatro homicídios. Essa era a posição de Hungria; e
essa é a posição do STF e do STJ (Info 569).

Já uma segunda corrente defende que crimes da mesma espécies são crimes que protegem
o mesmo bem jurídico. Ex.: roubo e extorsão (tipos diversos, mas protegem o mesmo bem jurídico
– patrimônio); corrupção passiva e concussão (mesmo bem jurídico – Administração Pública). Essa
corrente é defendida por Fragoso, Luis Regis Prado, Greco.

4.3. Teorias sobre o crime continuado

Essas teorias visam caracterizar quando haverá crime continuado:

I – Teoria subjetiva: para essa teoria, o que caracteriza o crime continuado é a programação
mental inicial do agente, ou seja, há crime continuado, quando o agente pretende desde o início
praticar vários crimes de forma parecida;

II – Teoria objetiva: para essa teoria, só importam elementos objetivos para saber se há
crime continuado, ou seja, basta analisar se o agente praticou todos os crimes nas mesmas
condições de tempo, lugar, maneira de execução e outros fatores semelhantes;
independentemente se o agente queria desde o início praticar todos os crimes de forma
semelhante.

III – Teoria objetivo-subjetiva ou mista: para essa teoria, haverá crime continuado se o
agente já tinha a programação mental inicial, associada à prática dos crimes nas mesmas condições
de tempo, lugar, maneira de execução e outros fatores semelhantes.

ATENÇÃO – O Código Penal brasileiro adotou a Teoria objetiva, primeiramente, porque a


Exposição de Motivos do CP enuncia que o critério adotado foi o da teoria puramente objetiva. Não
bastasse isso, o próprio artigo 71 fala apenas em requisitos objetivos – mesmas condições de tempo,
lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Da mesma forma, o STF tem entendimento
pacífico no sentido de que foi adotada a teoria objetiva.

Por outro lado, Greco sustenta isoladamente que deve ser adotada a Teoria objetivo-
subjetiva ou mista, porque, além do que está expresso no CP (requisitos objetivos), deve-se levar
em conta também o dolo do agente. Da mesma forma, o STJ entende que a teoria adotada no crime
continuado é a teoria mista (HC 280.587).

4.4. Requisitos objetivos

Como visto, o artigo 71 do Código Penal traz os seguintes requisitos objetivos:

a) Mesmas condições de tempo: significa uma certa periodicidade entre os vários crimes
praticados, ou seja, deve haver uma conexão temporal entre as condutas, de modo que se permita
observar um ritmo e uma uniformidade entre os crimes.

Na jurisprudência, entende-se que as mesmas condições de tempo devem ser entendidas


como um intervalo médio de 30 dias entre uma infração e outra.

CUIDADO - Sonegação de imposto de renda: o imposto de renda é declarado uma vez por
ano, logo, ele só pode ser sonegado uma vez por ano. Ora, sendo assim, não há como o intervalo
entre um crime de sonegação e outro ser inferior a 30 dias. Inobstante, a jurisprudência entende
cabível o crime continuado no caso de sonegação fiscal de IR, já que este só pode ser declarado e
pago uma vez por ano.

b) Mesmas condições de lugar: significa uma conexão espacial, de modo que a prática das
condutas deve ocorre em localidades próximas.

Nesse sentido, a jurisprudência entende que existe essa conexão espacial, até mesmo
quando os crimes são praticados em cidades vizinhas.
c) Mesma maneira de execução: significa que os crimes foram praticados seguindo o mesmo
modus operandi (modo, estilo e forma semelhantes). Ex.: dois roubos praticados em concurso de
dois agentes, mediante uso de arma de fogo, abordando a vítima quando abre o portão de sua casa.

d) Outros fatores semelhantes: abrange qualquer condição igualmente objetiva, desde que
não configure mesmo tempo, lugar ou maneira de execução.

ATENÇÃO – Se faltar algum dos requisitos, mesmo que preenchidos todos os outros,
haverá crime continuado?

SIM, mesmo que falte algum dos requisitos, e desde que preenchidos todos os outros, ainda
pode ser caracterizado o crime continuado.

CUIDADO – É possível crime continuado em crimes contra a pessoa?

A súmula 605 do STF diz que não se admite crime continuado nos crimes contra a vida.
Ocorre que essa súmula é muito antiga, anterior à Lei n. 7.209/84, que acrescentou o parágrafo
único do artigo 71.

Com efeito, o p. único do art. 71 claramente admite a caracterização do crime continuado


em caso de crimes contra a vida, bem como qualquer crime com violência ou grave ameaça,
praticado contra vítimas distintas. Nesse caso, o aumento de pena pode ser de até o triplo.

Diante disso, o próprio STF já deu início ao procedimento de cancelamento da súmula 605.

4.5. Crime continuado específico ou qualificado

Como visto acima, o artigo 71, p. único, CP, prevê a figura do crime continuado específico ou
qualificado. Os requisitos para sua configuração são:

a) Crimes dolosos;

b) Vítimas diferentes;

c) Crimes praticados com violência ou grave ameaça à pessoa.

Nesse caso, de acordo com a lei, a pena será aumentada de até o triplo, observadas as
circunstâncias pessoais do agente.
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com
violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade,
os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os
motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou
a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do
art. 70 e do art. 75 deste Código.

4.6. Sistema de aplicação da pena

De acordo com o artigo 71 do Código Penal, o sistema de aplicação da pena adotado no crime
continuado é o sistema da exasperação.

A pena (qualquer uma, se os crimes forem iguais; ou a mais grave, se os crimes são distintos)
será aumentada de 1/6 a 2/3. O critério utilizado para aplicar o aumento também é a quantidade
de crimes: 2 crimes – 1/6; 3 crimes – 1/5; 4 crimes – 1/4; 5 crimes – 1/3; 6 crimes – 1/2; 7 ou mais
crimes – 2/3.

ATENÇÃO – Habitualidade delitiva: segundo o STJ, o crime continuado é incompatível com


a habitualidade delitiva. Portanto, caso o agente pratique crimes de maneira habitual, não será
beneficiado com o instituto do crime continuado.

CUIDADO – Roubo praticado contra várias vítimas dentro de ônibus é crime continuado ou
concurso formal?

O STJ entende que se trata de concurso formal impróprio, conforme Info 551.

Por outro lado, no mesmo informativo, o STJ destacou que se o crime de roubo é praticado
contra o cobrador, subtraindo seu relógio, bem como o dinheiro do ônibus, entende-se que há crime
único.

CAUSAS DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE


1. Conceito
De início, importa ressaltar que a punibilidade não consiste em elemento do conceito
analítico de crime, diferentemente da tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Na verdade, prevalece
que a punibilidade possui natureza jurídica de consequência da prática de um crime.

Diante disso, podemos dizer que as causas de extinção da punibilidade são hipóteses
previstas em lei (penal ou extrapenal), por meio das quais o Estado abre mão do exercício do
poder punitivo (jus puniendi), motivado por questões de política criminal.

2. Classificação

As causas de extinção da punibilidade podem ser ordinária e extraordinárias:

a) Ordinária: a causa ordinária da extinção da punibilidade é o cumprimento da pena ou


medida de segurança;

b) Extraordinárias: são as hipóteses previstas no artigo 107 do Código Penal. Esse rol é
exemplificativo, porque há outras causas previstas em outros artigos do Código Penal, e até mesmo
fora do CP. Ex.: pagamento do valor sonegado em crimes contra a ordem tributária.

3. Espécies

3.1. Morte do agente (art. 107, I, CP)

Se o réu morreu, não há mais como se aplicar a pena.

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:

I - pela morte do agente;

Com efeito, não é possível punir os descendentes e herdeiros do réu, porque a pena não
pode passar da pessoa do condenado, em respeito ao princípio da intranscendência.

Mas como se prova a morte do agente?

O artigo 62 do CPP exige a apresentação da certidão de óbito para provar a morte do réu.

ATENÇÃO – Certidão de óbito falsa: se o juízo extinguiu a punibilidade com base em certidão
de óbito falso, pode haver novo julgamento após a descoberta da falsidade do documento?
Há duas correntes:

Uma primeira corrente defende que NÃO pode haver novo julgamento, porque não existe
revisão criminal pro societate. Assim, uma vez declarada extinta a punibilidade em razão da morte
do réu, essa decisão faz coisa julgada material, de modo que após seu trânsito em julgado, torna-se
imutável.

Por outro lado, uma segunda corrente sustenta que SIM, pode haver novo julgamento (novo
processo ou retomada do antigo processo), porque a declaração de extinção da punibilidade teve
como fundamento um fato juridicamente inexistente. Se não aconteceu a morte, a decisão judicial
não produz nenhum efeito jurídico. Essa é a posição do STF – Info 613; e do STJ.

3.2. Anistia, graça e indulto

3.2.1. Quem concede

a) Anistia: Congresso Nacional (art. 48, VIII, CF);

b) Graça e indulto: Presidente da República (art. 84, XII, CF);

3.2.2. Crimes abrangidos

a) Anistia: a anistia se destina a crimes políticos, militares e eleitorais;

b) Graça e indulto: a graça e o indulto se destinam a crimes comuns.

ATENÇÃO – Seria possível aplicar a anistia a crimes comuns?

Uma primeira corrente da doutrina diz que NÃO é possível, sob pena de se desvirtuar o
instituto da anistia, pois este foi criado para ter como destinatários os crimes políticos, militares e
eleitorais. Essa é a posição de Bitencourt.

Todavia, uma segunda corrente defende que, SIM, é possível a aplicação da anistia a crimes
comuns, porque não há vedação para tanto. Como a anistia se trata de norma garantidora de
direitos, sua interpretação deve ser extensiva. Além disso, a lei de crimes hediondos veda a anistia
para os crimes hediondos e equiparados, que são crimes comuns; logo, a contrário senso, a anistia
é permitida para outros crimes comuns que não sejam hediondos e equiparados. Essa é a posição
de Greco.

3.2.3. Graça x Indulto

São institutos muito semelhantes, porque ambos são causas de extinção da punibilidade,
concedidos pelo Presidente da República.

Todavia, há uma diferença entre os dois: o indulto é coletivo (só lembrar do indulto de
natal); ao passo que a graça é individual.

3.2.4. Crimes Hediondos

A lei 8.072/90, no art. 2, I, preconiza que não cabe anistia, graça e indulto para o agente que
pratica crimes hediondos e equiparados.

Ocorre que a CF, no art. 5, XLIII, vedou apenas a graça e a anistia para os agentes que
praticassem crimes hediondos e equiparados.

Destarte, a Constituição não vedou expressamente o indulto para os crimes hediondos e


equiparados. Diante disso, é constitucional a vedação do indulto pela lei dos crimes hediondos?

Há duas correntes:

Uma primeira corrente sustenta que a vedação do indulto pela lei dos crimes hediondos é
inconstitucional, porque a lei fez uma vedação que a Constituição não fez. A interpretação da norma
constitucional deve ser restritiva, porque se trata de norma que restringe direito. Ora, se a
Constituição, hierarquicamente superior, não vedou o indulto, a Lei também não poderia vedar.
Essa é a posição de Toledo, Scarance e Alberto Silva Franco.

Por outro lado, uma segunda corrente defende que a vedação do indulto pela lei dos crimes
hediondos é constitucional, porque a Constituição teria vedado o indulto, no art. 5, XLII, quando
vedou a graça. Segundo essa corrente, a vedação da graça inclui a vedação do indulto, porque
ambos seriam institutos semelhantes. Essa é a posição do STF – Info 745.
3.3. Abolitio Criminis (art. 107, III, CP)

Ocorre quando uma lei posterior deixa de considerar um crime previsto em lei anterior como
tal. Essa lei posterior retroage para beneficiar o réu.

De se notar que a abolitio criminis não se confunde com a continuidade normativo-típica,


porque, neste, o fato continua sendo criminoso; apenas migrando para outro dispositivo legal.

ATENÇÃO – A abolitio criminis pode desconstituir sentença condenatória transitada em


julgado?

A abolitio criminis faz cessar os efeitos penais: cumprimento da pena; reincidência; nome do
réu lançado ao rol dos culpados, ainda que já decididos em sentença condenatória transitada em
julgado. Portanto, a abolitio criminis desconstitui a coisa julgada.

Todavia, os efeitos extrapenais ou civis permanecem.

Mas quem declara a extinção da punibilidade pela abolitio criminis?

Depende do momento procedimental em que ocorrer a abolitio criminis:

i) Se a abolitio ocorrer durante o trâmite do processo, em primeira ou segunda instância,


quem declara a extinção da punibilidade é o juízo do processo (1º ou 2 º grau).

ii) Se a abolitio ocorrer durante o cumprimento da pena, após o fim do processo, quem
declara a extinção da punibilidade é o juízo da execução penal (art. 66, I e II, LEP), conforme a súmula
611 do STF.

iii) Se a abolitio ocorrer no curso do inquérito policial, a autoridade policial fará o relatório,
dizendo que houve abolitio criminis; e remete o IP ao Ministério Público, que pode arquivar o
inquérito, nos termos do art. 28 do CPP.

iv) Se a abolitio ocorrer antes mesmo da instauração do inquérito policial, não há razão para
instaurar IP, porque o fato não é mais criminoso. Logo, não há mais justa causa para instaurar IP.

3.4. Prescrição, decadência ou perempção (art. 107, IV)

A prescrição consiste na perda da pretensão punitiva e da pretensão executória.


Por sua vez, a decadência consiste na perda do direito de oferecer a representação na ação
penal pública condicionada à representação; e também de oferecer a queixa-crime, nos crimes de
ação penal privada.

Por fim, a perempção é uma sanção aplicada ao querelante, na ação penal de iniciativa
privada. Ocorre, quando após o oferecimento da queixa-crime, o querelante não dá andamento ao
processo. Ora, se o querelante não dá andamento ao processo, presume-se que ele desistiu do
processo.

3.5. Retratação do agente, quando a lei admite (art. 107, VI, CP)

Retratação é o ato de voltar atrás naquilo que se disse.

Os casos admitidos pela lei são:

a) Artigo 143 do CP – crimes contra a honra: o agente que se retrata da calúnia ou difamação
antes da sentença (1º grau), fica isento de pena;

b) Art. 342, §2º, do CP – falso testemunho: a testemunha que mente em juízo pode se
retratar antes da sentença (1ª instância).

3.6. Perdão judicial (art. 120, CP)

É o perdão concedido pelo juízo, nos casos previstos em lei. Os casos admitidos pela lei são:
art. 121, §5º, CP; art. 129, §8º, CP; art. 140, §1º, CP; art. 176, p. único, CP; art. 180, §5º, CP; art. 242,
p. único, CP; art. 249, §2º, CP; art. 38, §2º, LCP; art. 29, §2º, Lei 9.605/98.

Ocorre quando as consequências do crime são tão graves ao próprio agente que a sanção
penal se mostra desnecessária.

Art. 120 - A sentença que conceder perdão judicial não será considerada para
efeitos de reincidência.

ATENÇÃO – Para a concessão do perdão judicial, a vítima precisa ser parente do acusado?

Não se exige que a vítima seja parente do agente; o que se exige é um laço afetivo entre
autor e vítima, ou seja, uma relação de afeto preexistente entre ambos, conforme Info 542 do STJ.
Obs.: Perdão judicial no Código de Trânsito Brasileiro – o artigo 300 do CTB trazia a previsão
do perdão judicial para os crimes de homicídio culposo e lesão culposa na direção de veículo
automotor. Ocorre que esse dispositivo foi vetado, porque o próprio CTB permite em seu texto
expressamente a aplicação do Código Penal de forma subsidiária. Destarte, como já há previsão de
perdão judicial no CP, não há necessidade de nova previsão no CTB.

Ocorre que o art. 107, IX, CP, só admite o perdão judicial nos casos previstos em lei; e o CTB
não tem essa previsão, porque foi vetada.

Inobstante, como a razão do veto foi expressa no sentido de que se aplica o perdão judicial
ao CTB por aplicação do CP, entende-se pacificamente que é admitida a concessão do perdão judicial
aos crimes de trânsito.

CUIDADO – A sentença que concede o perdão judicial é condenatória ou absolutória?

A sentença não é condenatória e nem absolutória. Na verdade, a sentença que concede o


perdão judicial possui natureza jurídica declaratória da extinção da punibilidade, de modo que não
subsiste qualquer efeito condenatório, conforme súmula 18 do STJ.

4. Prescrição

4.1. Conceito

A prescrição nada mais é do que a influência do tempo nas relações entre o Estado e o
agente, fazendo com que o Estado não possa mais punir o réu.

Em outras palavras, a prescrição consiste na perda do direito de punir do Estado, ou seja, a


perda da pretensão punitiva e da pretensão executória, por não ter sido exercido esse direito dentro
do prazo previsto em lei (art. 109, CP). Por consequência, gera a extinção da punibilidade.

4.2. Natureza Jurídica

A prescrição é uma causa de extinção da punibilidade de natureza penal.

Obs.: Como eu sei que uma norma de Direito Penal ou de Direito Processual Penal?
A simples previsão no Código Penal não garante que a norma seja de Direito Penal. Da
mesma forma, o simples fato de estar previsto no CPP não garante que a norma seja processual. Na
verdade, se a norma versar sobre jus puniendi – nascimento ou extinção -, terá natureza penal ou
material. Por sua vez, se a norma versar sobre o processo – início, meio e fim -, a norma terá
natureza processual.

Ora, a prescrição é norma que trata do jus puniendi; logo, é norma de natureza material,

Por essa razão, o prazo da prescrição é contado de acordo com o Direito Penal, ou seja, trata-
se de prazo penal. Portanto, o primeiro dia será computado, ao passo que o último dia do prazo será
excluído.

O macete para a contagem do prazo prescricional é o seguinte: a prescrição sempre irá


ocorrer no dia anterior, do mesmo mês, após os anos de prescrição, em relação ao dia do início do
prazo. Ex.: Se a prescrição é de 4 anos, e o prazo inicial é 10/05/2016; o último dia da prescrição é
09.05.2020.

4.3. Espécies de prescrição

As espécies de prescrição irão variar de acordo com as espécies de pretensão. As espécies


de pretensão, por sua vez, são: pretensão punitiva e pretensão executória. Se o Estado não exercer
a pretensão no prazo previsto em lei, ocorre a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da
pretensão executória, respectivamente.

Portanto, as espécies de prescrição são: prescrição da pretensão punitiva (PPP) e prescrição


da pretensão executória (PPE).

O Estado exerce a pretensão punitiva contra o acusado no momento em que ele forma um
título executivo contra ele - a sentença penal condenatória transitada em julgado. A partir desse
momento, nasce para o Estado pretensão executória, ou seja, a partir da sentença condenatória, o
Estado pode executar o título, forçando o acusado a cumprir a pena.

Portanto, o momento de divisão entre as pretensões punitiva e executória é o momento


do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Antes dessa, a pretensão do Estado é
punitiva; depois dela, a pretensão é executória.
Diante disso, as diferenças entre PPP e PPE são:

i) Formação do título executivo: na PPP, o Estado ainda não formou o título executivo judicial
contra o acusado, porque não exerceu a pretensão punitiva no prazo legal. Por sua vez, na PPE, o
Estado formou o título executivo contra o acusado, mas ele não o executa;

ii) Perda de um direito: na PPP, o Estado perde o direito de punir. Já na PPE, o Estado perde
o direito de executar a condenação;

iii) Reincidência: na PPP, não há reincidência do acusado, porque não houve sentença
condenatória com trânsito em julgado; portanto, o acusado continua sendo primário. Por outro
lado, na PPE, já houve sentença condenatória com trânsito em julgado, logo, há reincidência;
portanto, o acusado se torna reincidente;

iv) Execução civil: na PPP, não houve formação do título executivo, logo não cabe execução
civil do título. Por outro lado, na PPE, já houve sentença condenatória com trânsito em julgado, logo,
houve formação do título; por conseguinte, a vítima pode realizar a execução civil desse título.

4.4. Prescrição da pretensão punitiva (PPP) – art. 109, CP

4.4.1. Momento em que ocorre

A PPP ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o


disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa
de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

4.4.2. Critério para cômputo do prazo

O artigo 109 determina que o prazo prescricional varia de acordo com a pena máxima
cominada ao tipo penal. Portanto, o critério para cômputo do prazo é a pena máxima do crime.

De acordo com a pena máxima, o artigo 109 do CP prevê qual o prazo prescricional. Ex.: O
crime de furto simples possui pena máxima de 4 anos; o artigo 109 prevê que a pena máxima de 4
anos prescreve em 8 anos. Logo, o prazo da PPP do furto simples é de 8 anos.
Na pena máxima, computam-se circunstâncias judiciais? Atenuantes e agravantes? Causas
de aumento e de diminuição?

a) Circunstâncias judiciais: NÃO são computadas, porque a lei não traz um percentual de
aumento, cabendo ao juízo dosa-las no caso concreto;

b) Agravantes e atenuantes: NÃO são computadas, porque a lei também não traz o
percentual de agravamento ou atenuação, cabendo mais uma vez ao juízo dosá-las;

c) Causas de aumento e diminuição: SIM, são computadas. Nesse caso, para conseguir obter
a pena máxima em abstrato, busca-se a maior pena possível.

Por conseguinte, se as causas de aumento ou diminuição forem variáveis, deve-se considerar


o patamar máximo de aumento (1/6 a 2/3 – considera-se o aumento de 2/3); e o patamar mínimo
de diminuição (1/3 a 1/2 – considera-se a diminuição de 1/3).

De outro turno, se as causas forem fixas, simplesmente se aplica a fração fixa (ex.: 1/3) na
pena máxima em abstrato, e depois, analisa-se o prazo prescricional previsto no art. 109, CP.

CUIDADO – Causa de aumento decorrente do concurso formal e do crime continuado: a


exasperação da pena decorrente do art. 70 e do art. 71 NÃO é considerada para o cômputo do prazo
prescricional, conforme a súmula 497 do STF (apesar de a súmula se referir apenas ao crime
continuado, é pacífico que se aplica também ao concurso formal). Isso porque o artigo 119 do CP
preconiza que, no caso de concurso de crimes, a prescrição deve ser computada isoladamente; logo,
não se somam as penas, em concurso material; e nem se exaspera a pena, no caso de concurso
formal e crime continuado. Nesse caso, calcula-se o prazo prescricional isoladamente para cada
um dos crimes.

4.4.3. Termo inicial (art. 111, CP)

O termo inicial da PPP está previsto no artigo 111 do Código Penal será:

a) Consumação do crime: como regra geral, o termo inicial da PPP é a data da consumação
do delito;
b) Tentativa: em caso de crime tentado, o termo inicial da PPP é a data em que cessa a
atividade criminosa. Dessa forma, se o crime consistir em um ato só, o cômputo inicial é a data
desse ato; se o crime consistir em vários atos, a data inicial é quando cessarem tais atos;

c) Crimes permanentes: nesse caso, o termo inicial da PPP é o dia em que cessou a
permanência. No crime permanente, o agente controla a permanência, ou seja, ele que sabe
quando começa e quando termina o crime; logo, o termo inicial da PPP é o dia em que o agente
decide cessar a permanência;

d) Bigamia e falsificação documental: o termo inicial da PPP é o dia em que o fato se tornou
conhecido. Esses crimes são praticados de forma clandestina (escondida), então para evitar a
prescrição, o termo inicial só começa a partir do momento em que o fato criminoso se tornar
conhecido;

e) Crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes: o termo inicial da PPP é a


data em que a vítima completar 18 anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação
penal.

4.5. Prescrição da Pretensão Executória (PPE) – Art. 110, CP

4.5.1 Momento em que ocorre

A PPE ocorre após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória


regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os
quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

4.5.2. Critério

A PPE regula-se pela pena aplicada, ou seja, o critério para contagem da PPE é a pena
concretizada na sentença.

Destarte, computa-se a PPE com base na pena aplicada na sentença, considerando o prazo
prescricional previsto no artigo 109 do CP.
Portanto, não há que se preocupar com a descoberta da pena máxima em abstrato, porque
já há pena aplicada.

ATENÇÃO - Da mesma forma que a PPP, na PPE, em caso de concurso de crimes, calcula-se
a prescrição em cada crime isoladamente. Portanto, se for concurso material, considera-se cada
crime isoladamente, sem somar as penas; e se for concurso formal ou crime continuado, considera-
se a pena do crime sem a causa de aumento do art. 70 ou do art. 71 – Súmula 497 do STF.

Por fim, deve-se aumentar o prazo prescricional em 1/3, caso o condenado seja reincidente.
Esse aumento só incide na PPE, conforme súmula 220 do STJ.

4.5.3. Termo inicial (art. 112, CP)

O termo inicial da PPE é:

a) Trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação: a PPE começa a correr


da data em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação. Ora, se a acusação
não pode mais recorrer, aquela pena não pode mais ser aumentada. Portanto, essa já é a pena
máxima que pode resultar daquele processo. Por consequência, esse já é o maior prazo prescricional
que pode ocorrer;

b) Trânsito em julgado da sentença que revoga a suspensão condicional da pena: a PPE


começa a correr do dia em que transita em julgado a sentença que revoga o sursis penal, porque a
revogação do sursis tem como consequência o cumprimento da pena pelo condenado;

c) Trânsito em julgado da sentença que revoga o livramento condicional: a PPE começa a


correr do dia em que transita em julgado a sentença que revoga o livramento condicional, porque
a revogação do livramento tem como consequência a retomada do cumprimento da pena pelo
condenado;

d) Interrupção da execução: o termo inicial será o dia em que se interrompe a execução da


pena pela fuga, ou seja, a partir do dia da fuga, começa a computar o prazo da PPE. Por
consequência, o Estado terá um prazo para recapturar o condenado e força-lo a cumprir a pena.
Contudo, se o condenado estiver cumprindo a pena e é acometido por doença mental; a execução
será interrompida, para que ele seja submetido a tratamento. Nesse caso, o tempo de tratamento
será computado na pena, ou seja, não haverá interrupção da execução.
ATENÇÃO – O prazo da PPE no caso de fuga será calculado de acordo com o tempo restante
de cumprimento da pena, ou seja, o tempo que o condenado ainda precisava cumprir quando fugiu;
a partir desse tempo remanescente de pena, analisa-se o prazo prescricional correspondente no
artigo 109. Ex.: O condenado já cumprira 4 anos; quando faltava um ano, fugiu. A PPE será calculada
com base no tempo restante de pena – 1 ano. Portanto, de acordo com o art. 109, CP, a PPE ocorrerá
em 3 anos.

4.6. Alteração do prazo prescricional

O prazo de prescrição pode sofrer as seguintes alterações:

a) Aumento de 1/3 (art. 110, CP): se o condenado for reincidente, o prazo da PPE é
aumentado de 1/3.

Esse aumento não é aplicável à PPP, sendo restrito à PPE, conforme súmula 220 do STJ.

b) Redução pela metade (art. 115, CP): os prazos da PPP e da PPE são reduzidos de metade,
se o criminoso era ao tempo do crime menor de 21 anos; ou ao tempo da sentença, maior de 70
anos.

Art. 115 - São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era,
ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior
de 70 (setenta) anos.

4.7. Suspensão do prazo prescricional (art. 116, CP)

As hipóteses de suspensão do prazo prescricional estão previstas no artigo 116 do CP, em rol
exemplificativo. São elas:

a) Questão prejudicial: a prescrição será suspensa enquanto não for resolvida em outro
processo a questão prejudicial.

Questão prejudicial é toda questão jurídica, cuja solução constitua um pressuposto para a
decisão da controvérsia principal submetida a juízo. Ex.: o agente está sendo acusado pelo crime de
furto de um objeto, mas há processo cível questionando a propriedade do objeto, pois o acusado
diz ser o dono dele; a propriedade do objeto é questão prejudicial ao mérito do processo penal de
furto.

Destarte, a questão prejudicada deve ser julgada antes da questão principal de mérito
(prejudicada), porque ela influencia diretamente na questão de mérito. Elas até podem vir julgadas
no mesmo ato judicial, mas mesmo assim, o juízo deve passar primeiro pena análise da prejudicial.

Ademais, a questão prejudicial sempre influencia na existência ou não do crime. No exemplo


do furto, a propriedade do objeto influencia diretamente na existência ou não do furto.

A questão prejudicial pode existir autonomamente, ou seja, pode ser ajuizada ação
autônoma para resolver a questão prejudicial.

Por fim, às vezes, a questão prejudicial acarreta a paralização da questão principal.

ATENÇÃO – Questão prejudicial x questão preliminar: a prejudicial é sempre de direito


material; ao passo que a preliminar é sempre de direito processual. Ademais, a prejudicial cinge-se
ao mérito da principal, enquanto a preliminar cinge-se aos pressupostos processuais. Além disso, a
prejudicial pode existir de forma autônoma; já a preliminar não tem autonomia, ela precisa vir
obrigatoriamente no bojo de outra ação. Por fim, a prejudicial é solucionada pelo juízo penal ou
extrapenal; enquanto a preliminar sempre é decidida pelo juízo penal.

b) Cumprimento de pena no estrangeiro: o cumprimento da pena no estrangeiro suspende


a prescrição da pena no Brasil até cessar no estrangeiro o cumprimento da pena. Isso é importante
para evitar que o agente cumpra a pena lá fora e a prescrição ocorra aqui.

Essas são as hipóteses previstas no art. 116 do CP, mas há outras hipóteses previstas em
outros artigo do CP e em leis extravagantes.

ATENÇÃO MÁXIMA – Pacote anticrime: A Lei n. 13.964/19 alterou o artigo 116, II, do CP e
acrescentou outras duas causas de suspensão do prazo prescricional.

O artigo 116, II, do CP, passou a ter a seguinte redação:

II - enquanto o agente cumpre pena no exterior;

A mudança, portanto, restringiu-se apenas à troca do nome estrangeiro por exterior.

A primeira causa de suspensão nova é prevista no artigo 116, III, do CP:


III - na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais
Superiores, quando inadmissíveis;

O legislador quer evitar a prescrição superveniente no caso em que os embargos de


declaração e demais recursos aos Tribunais Superiores são utilizados apenas de forma
procrastinatória.

Portanto, se o recorrente interpôs embargos de declaração ou recurso especial ou ainda


recurso extraordinário perante os Tribunais Superiores e tais recursos foram julgados inadmissíveis,
o período de tempo em que esses recursos aguardaram julgamento não será contabilizado para fins
de prescrição, pois o prazo será considerado suspenso.

Por fim, ainda há outra causa nova de suspensão, prevista no artigo 116, IV, do CP:

IV - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal.

O Pacote anticrime legalizou o acordo de não persecução penal, que já estava previsto em
âmbito de Resolução do CNMP.

O acordo de não persecução penal é uma proposta de acordo ministerial ao acusado, para
que o MP não ofereça denúncia; desde que o acusado se comprometa a cumprir determinadas
medidas.

Destarte, enquanto o sujeito ainda estiver cumprindo as condições acordadas ou quando ele
descumprir tais condições e rescindir o acordo, não corre o prazo prescricional, pois está suspenso
(muito semelhante ao que ocorre na suspensão condicional do processo, como veremos a seguir).

c) Imunidade parlamentar: se o parlamentar for denunciado, a Casa respectiva pode


suspender o processo. Enquanto o processo estiver suspenso, fica suspendo também o prazo
prescricional.

d) Suspensão condicional do processo: uma vez concedida e aceito sursis processual, fica
suspenso o processo e também o prazo prescricional, enquanto durar o período de prova, em que
o acusado está cumprindo as condições.
e) Art. 366 do CPP: se o acusado for citado por edital e não comparecer e nem tiver defesa,
o processo ficará suspenso, assim como o prazo prescricional.

f) Art. 368 do CPP: se o acusado estiver no estrangeiro em lugar sabido, será citado por carta
rogatória, mas enquanto esta não for cumprida, o prazo prescricional fica suspenso.

g) Crimes contra a ordem tributária: o artigo 9, caput, da Lei 10.684/03, determina a


suspensão da pretensão punitiva, quando o agente que praticou crime contra a ordem tributária
aceita parcelar o valor do tributo sonegado. Enquanto o agente estiver pagando o tributo no regime
de parcelamento, a prescrição também fica suspensa. Por fim, o pagamento do valor integral
extingue a punibilidade.

h) Súmula vinculante 24: enquanto o processo administrativo fiscal que apura se realmente
houve supressão ou redução no pagamento de imposto durar, a prescrição do crime contra a ordem
tributária fica suspensa.

4.8. Interrupção do prazo prescricional (art. 117, CP)

As causas de interrupção da prescrição estão previstas no artigo 117 do Código Penal:

a) Recebimento da denúncia ou queixa: o prazo da PPP começa a fluir, em regra, da


consumação do crime. No momento em que o juízo recebe a denúncia ou a queixa, o prazo é
interrompido e começa a fluir do zero.

De se notar que o que interrompe o prazo prescricional é o recebimento da denúncia, e não


seu oferecimento.

A interrupção pode se dar até mesmo quando o recebimento da denúncia ocorre apenas em
2º grau. Com efeito, quando o juízo de 1º grau rejeita a denúncia, e o MP interpõe RESE contra essa
decisão, o Tribunal pode dar provimento ao recurso ministerial. Nesse caso, essa decisão do Tribunal
já vale como o recebimento da denúncia, conforme súmula 709 do STF. Portanto, nessa hipótese, a
interrupção da prescrição ocorre no momento da decisão do Tribunal que dá provimento ao RESE
do MP.

ATENÇÃO – Denúncia recebida por juízo absolutamente incompetente interrompe o prazo


prescricional?

A decisão de recebimento da denúncia por juízo absolutamente incompetente NÃO


interrompe o prazo prescricional.

Por sua vez, o recebimento do aditamento da denúncia interrompe o prazo?

O aditamento pode ser subjetivo, quando o MP acrescenta um ou mais de um réu na


denúncia; e objetivo, quando o MP acrescenta um ou mais crimes na denúncia. Esse aditamento
precisa ser recebido pelo juízo, assim como a denúncia. Essa decisão que recebe o aditamento
também interrompe o prazo quando se trata de aditamento objetivo, porém apenas em relação ao
crime aditado, ou seja, o prazo prescricional do crime que já constava na denúncia e já havia sido
recebido não é interrompido novamente.

Por outro lado, se o aditamento é subjetivo, o crime denunciado é o mesmo, logo, a


prescrição já foi interrompida quando do recebimento da denúncia. Por isso, o recebimento do
aditamento subjetivo não interrompe o prazo prescricional novamente.

b) Pronúncia: a pronúncia ocorre quando o juízo dá sinal verde para que o réu seja
submetido ao Tribunal do Júri. Essa decisão também interrompe o prazo prescricional.

Caso os jurados desclassifiquem o crime doloso contra a vida para outro crime, que não é
competência do júri, no Plenário do Júri, quem irá julgar este crime desclassificado é o juízo
presidente do Tribunal do Júri. Nesse caso, como a infração foi desclassificada para um delito que
não é mais de competência do júri, a decisão de pronúncia ainda terá o efeito de interromper o
prazo prescricional?

Uma primeira corrente defende que a decisão de pronúncia não mais irá ter o efeito de
interromper o prazo prescricional, porque se os jurados entendem que aquele delito não é de
competência do júri, deve-se considerar que ele nunca o foi. Ora, sendo assim, todas as decisões
que o consideraram como crime de competência do júri perdem seus efeitos, inclusive a decisão de
pronúncia. Logo, no caso de desclassificação pelos jurados, para essa corrente, a decisão de
pronúncia perderia o efeito de interromper o prazo prescricional.

Todavia, o STJ, na súmula 191, entende que, mesmo com a desclassificação pelos jurados, a
decisão de pronúncia permanece com o efeito de interromper o prazo prescricional.

c) Decisão confirmatória da pronúncia: caso o réu tenha sido pronunciado, e a defesa tenha
interposto um RESE contra a decisão de pronúncia, o Tribunal irá julgar o RESE. Se o Tribunal negar
provimento ao RESE, ele está confirmando a pronúncia. Nesse caso, a decisão do Tribunal que
confirma a pronúncia interrompe o prazo prescricional novamente.

d) Publicação da sentença ou acórdão condenatório recorrível: a publicação da sentença


condenatória, bem como a publicação do acórdão condenatório, configuram causas de interrupção
da prescrição. Destarte, a sentença absolutória não interrompe o prazo prescricional, assim como o
acórdão absolutório. Da mesma forma, a sentença que concede perdão judicial não interrompe o
prazo prescricional, porque não se trata de sentença condenatória, e sim sentença declaratória da
extinção da punibilidade.

A publicação da sentença condenatória é a data da publicação em cartório, e não a data em


que a sentença foi assinada pelo juízo (se não constar a data da publicação em cartório, só então se
considera a data em que a sentença foi assinada pelo juízo).

Por sua vez, a data publicação do acórdão condenatório é a data da sessão de julgamento
pelo Tribunal, e não a data da publicação no órgão de imprensa. Isso porque o julgamento do
acórdão pelo Tribunal é público, logo, já se considera o dia da sessão de julgamento.

CUIDADO – O acórdão meramente confirmatório da sentença condenatória de 1º grau NÃO


interrompe o prazo prescricional, segundo a jurisprudência pacífica do STF e do STJ. Da mesma
forma, o acórdão condenatório que REDUZ a pena aplicada na sentença condenatória NÃO
interrompe o prazo prescricional.

Portanto, o acórdão condenatório que interrompe a prescrição é aquele proveniente de


recurso contra a sentença absolutória; assim como o acórdão que dá nova capitulação legal à
infração penal reconhecida na sentença – emendatio libeli em segunda instância.
e) Início ou continuação do cumprimento da pena: o início do cumprimento da pena é a
data da interrupção da PPE; assim como a continuação do cumprimento da pena daquele réu que
fugiu e foi recapturado é considerada data de interrupção do prazo da PPE.

f) Reincidência: a reincidência também interrompe o prazo da PPE. Imagine que o réu foi
condenado com trânsito em julgado por um crime; a partir desse momento, começa a correr o prazo
da PPE; se ele inicia o cumprimento da pena, interrompe-se o prazo da PPE; da mesma forma, se ele
foge e depois é recapturado, a data da continuação do cumprimento da pena com sua recaptura
interrompe mais uma vez o prazo da PPE.

Se durante o cumprimento da pena ou quando estava foragido ou depois de condenado mas


antes de ser preso, o réu pratica novo crime, ele se torna reincidente. Nesse momento, o prazo da
PPE é interrompido mais uma vez.

ATENÇÃO - O dia que interrompe o prazo da PPE é a data da prática do novo crime ou a
data do trânsito em julgado da sentença condenatória pelo novo crime?

Greco entende que só se interrompe o prazo da PPE, quando o réu for condenado com
trânsito em julgado pelo novo crime, em respeito ao princípio da presunção de inocência.

Todavia, prevalece que o prazo será interrompido na data do prática do novo crime,
independentemente de sentença condenatória irrecorrível pelo novo fato.

4.9. Prescrição Retroativa

4.9.1. Conceito

A prescrição retroativa é uma espécie de prescrição da pretensão punitiva, computada de


acordo com a pena aplicada na sentença, após o trânsito em julgado para a acusação ou depois
de improvido seu recurso, em que se conta o prazo prescricional, partindo da sentença
condenatória recorrível e retroagindo, para verificar se entre os marcos interruptivos ocorreu a
prescrição.
Ex.: O agente praticou o crime em 10/05/2000; o recebimento da denúncia ocorreu em
24.07.2003; a sentença condenatória recorrível foi publicada em 18.11.2007. O acusado foi
condenado à pena de 1 ano; de acordo com o art. 109, CP, a prescrição da pena de 1 ano ocorre em
4 anos. Dessa forma, entre a sentença e o recebimento, transcorreu prazo superior a 4 anos, de
modo que já escoou o prazo prescricional. Portanto, ocorreu prescrição retroativa entre o
recebimento da denúncia e a sentença condenatória.

4.9.2. Pressupostos

A prescrição retroativa tem dois pressupostos:

a) Princípio da aplicação da pena justa: a prescrição retroativa toma como base a pena
aplicada na sentença. Considera-se que desde o início essa era a pena justa do réu. Logo, essa pena
deve ser considerada para computar a prescrição (no lugar da pena máxima em abstrato);

b) Trânsito em julgado para a acusação: o trânsito em julgado para a acusação ou o


improvimento do recurso da acusação são pressupostos para a prescrição retroativa, porque a pena
deve estar estabilizada para a contagem do prazo prescricional; só assim eu terei o maior prazo
prescricional possível para aquela pena. Se ainda fosse possível o aumento da pena, com o recurso
da acusação, o prazo prescricional seria modificado.

Logo, em respeito à segurança jurídica, a prescrição retroativa só deve ser calculada após a
estabilização da pena (para se obter maior prazo prescricional possível para aquela pena), com o
trânsito em julgado para a acusação ou com o improvimento de seu recurso.

4.9.3. Balizas da prescrição retroativa

Antes de 2010, as balizas da prescrição retroativa eram: período entre a data dos fatos e a
data do recebimento da denúncia; e o período entre o recebimento da denúncia e a publicação da
sentença condenatória.
Ocorre que a Lei nº 12.234/2010 vedou a prescrição retroativa entre o recebimento da
denúncia e a data dos fatos. Portanto, a prescrição retroativa só pode ser contada agora entre a
sentença condenatória e o recebimento da denúncia.

Como a lei trouxe norma mais gravosa para o réu, a previsão legal é irretroativa
(irretroatividade da nova lei mais severa). Logo, para os crimes praticados antes da Lei n.
12.234/2010, ainda existe prescrição retroativa entre o recebimento da denúncia e a data dos fatos.

4.10. Prescrição Superveniente

4.10.1. Conceito

A prescrição superveniente é uma espécie de prescrição da pretensão punitiva que se conta


da sentença condenatória para a frente, com base na sentença aplicada na sentença (assim como
a prescrição retroativa). Por isso, diz-se que é a prescrição que se dirige ao Tribunal.

Portanto, enquanto a prescrição retroativa é contada para trás; a prescrição superveniente


é contada para a frente. Assim, a prescrição superveniente irá ocorrer em sede recursal.

Ex.: O agente foi condenado a 1 ano de pena em 10.05.2005; o acórdão condenatório foi
publicado em 19.09.2009. A pena de 1 ano prescreve em 4 anos, conforme o artigo 109 do CP.
Portanto, entre a publicação da sentença condenatória e a publicação do acórdão condenatório já
transcorreu prazo superior a 4 anos. Portanto, ocorreu a prescrição superveniente entre a
publicação da sentença condenatória e a publicação do acórdão condenatório.

4.10.2. Pressupostos

A prescrição superveniente apresenta os mesmos pressupostos da prescrição retroativa:

a) Princípio da pena justa: considera-se a pena aplicada na sentença para fazer o cálculo do
prazo prescricional;

b) Trânsito em julgado para a acusação ou improvimento do seu recurso: para garantir que
o cálculo do prazo prescricional seja feito com a maior pena possível.
4.11. Prescrição no concurso de crimes (art. 119)

No caso de concurso de crimes, o prazo prescricional será calculado de forma isolada.

Art. 119 - No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre


a pena de cada um, isoladamente.

Assim, no concurso material, não será calculado o prazo prescricional sobre a soma das
penas; e sim sobre cada uma das penas de cada um dos crimes isoladamente.

Da mesma forma, no concurso formal e no crime continuado, o cálculo prescricional será


realizado com base na pena de cada um dos crimes sem o acréscimo da casa de aumento dos artigos
70 e 71 do CP.

4.12. Prescrição virtual

Também é conhecida como prescrição pela pena hipotética ou prescrição em perspectiva.

Consiste no reconhecimento antecipado da prescrição com base em uma futura e hipotética


pena que seria aplicada.

Destarte, o cálculo da prescrição virtual é feito com base na futura prescrição retroativa. Ex.:
o agente praticou um furto simples em 08.04.2010; o juízo recebe a denúncia apenas em
13.06.2016. Ocorre que, em caso de condenação, o acusado receberia a pena mínima de 1 ano;
logo, ocorreria a prescrição retroativa em 4 anos entre a data dos fatos e a data do recebimento
(antes da mudança da Lei n. 12.234/2010). Por essa razão, o juízo reconhece a prescrição virtual
para evitar o prosseguimento de um processo fadado à prescrição.

Inobstante a economia processual, a jurisprudência não admite a prescrição virtual,


conforme súmula 438 do STJ.

ITER CRIMINIS
1. Introdução

O iter criminis é o caminho percorrido pelo agente até alcançar o resultado por ele
pretendido.
Ele é composto por quatro fases: cogitação, preparação, execução e consumação.

2. Fases do iter criminis

2.1. Cogitação

Trata-se da primeiro passo do iter criminis. É uma fase interna, mental. É ela que dá início ao
fato criminoso. Weltzel já dizia que todo crime nasce na mente do agente.

A cogitação é uma fase não punível, por se tratar de uma fase interna, que reside apenas na
mente do agente; em respeito ao princípio da lesividade.

2.2. Preparação

A preparação já é uma fase externa representada pelos atos materiais que vão proporcionar
ao agente a prática do crime (atos preparatórios).

Os atos preparatórios também não são puníveis, em respeito ao princípio da lesividade.

Mas e se os atos preparatórios constituírem tipo autônomo, como a associação criminosa?

Segundo a doutrina majoritária, quando os atos preparatórios constituírem tipo autônomo,


como a associação criminosa e a associação para o tráfico, serão puníveis.

CRÍTICA - Esses atos não são mais preparatórios; e sim atos próprios da execução. A
associação criminosa, por exemplo, não é ato preparatório, porque se trata de crime autônomo.
Portanto, se o ato é tipo autônomo, sua prática deixa de ser ato preparatório, e passa a ser ato
executório. Por essa razão, serão punidos como atos executórios que são.

2.3. Execução

A execução também é uma fase externa. É o ato por meio do qual o agente pratica a conduta
típica.

Os atos executórios já serão puníveis, porque com o início da execução, já é possível punir o
agente, no mínimo, pela tentativa.
ATENÇÃO – Preparação x Execução: qual a diferença entre os atos preparatórios e os atos
executórios?

Há cinco teorias que buscam explicar a diferença entre os atos executórios e os


preparatórios:

a) Teoria Subjetiva ou subjetiva limitada ou Teoria do plano do autor: para essa teoria, a
execução começa, quando o agente exterioriza, de modo seguro e inequívoco, a sua intenção de
praticar a infração penal. Portanto, a execução começa quando o agente se coloca em direção à
realização do tipo, de acordo com seu plano.

Todavia, essa teoria é muito abstrata e coloca a execução como um ato muito distante, razão
pela qual não é adotada.

b) Teoria objetivo-formal ou da ação típica (Beling) para essa teoria, começa a execução,
quando o agente pratica a conduta descrita no núcleo verbal do tipo penal. Ex.: furto – começa a
execução, quando o agente subtrai bem móvel alheio.

Essa teoria é a mais adotada pelos Tribunais.

c) Teoria objetivo-material ou da unidade material (Frank): os atos executórios são aqueles


relacionados ao início da conduta típica, que colocam o bem jurídico em uma situação de perigo.
Ex.: homicídio – a execução começa quando o agente aponta a arma para a vítima, pois já colocou
a vida em perigo.

Essa teoria também é adotada por alguns doutrinadores e uma pequena parte da
jurisprudência.

d) Teoria da univocidade (Carrara): para essa teoria, os atos preparatórios são equívocos,
porque podem gerar dúvidas, já que podem ser dirigidos a um fim lícito ou ilícito (é possível comprar
uma arma para matar alguém ou para me proteger, com a devida permissão); ao passo que os atos
executórios são unívocos, porque eles somente se dirigem à prática de uma conduta criminosa;
e) Teoria da hostilidade ao bem jurídico (Mayer): para essa teoria, o ato executório é aquele
que coloca o bem jurídico em uma situação de perigo concreto, ou seja, é o ato que ataca o bem
jurídico. Dessa forma, o ato preparatório não causa perigo concreto ao bem jurídico.

ATENÇÃO – Teorias adotadas: a teoria objetivo-formal ou da ação típica – prática do núcleo


verbal; e a teoria objetivo-material – colocação do bem jurídico em situação de perigo. Todavia, a
teoria mais utilizada pela jurisprudência é a teoria objetivo-formal.

2.4. Consumação

Pois bem, se tudo sair conforme cogitado, preparado e executado, o agente chegará até a
consumação, momento em que o agente lesa ou expõe a perigo o bem jurídico tutelado.

A consumação também será punível, assim como a execução.

ATENÇÃO – A execução e a consumação ocorrem no mesmo momento?

Depende. Se o crime for unissubsistente, a execução leva direito à execução, porque a


execução se esgota em apenas um ato. Portanto, não há espaço temporal entre a exceção e a
consumação.

Todavia, se o crime for plurissubsistente, a execução é composta por vários atos; logo, é
possível perceber um espaço temporal entre o início da execução e a consumação.

Além disso, em alguns casos, o agente pode esgotar os atos executórios e, ainda assim, a
consumação não ocorre, porque o agente atua para evitar a consumação (arrependimento eficaz);
ou porque fatores externos a sua vontade impedem a consumação do crime (tentativa); ou ainda,
porque, mesmo depois de esgotados os atos executórios, o acusado jamais atingiria o resultado,
pelo meio ineficaz ou por objetivo absolutamente impróprio (crime impossível).

Portanto, se o agente inicia a execução, ele terá duas possibilidades: ou ele consuma o crime;
ou ocorrerá algum dos institutos acima: desistência voluntária, tentativa, arrependimento eficaz ou
crime impossível.

3. Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz (art. 15, CP)


3.1. Definição

Os dois institutos também são conhecidos como tentativa abandonada ou ponte de ouro.

Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou


impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

A desistência voluntária e o arrependimento eficaz pressupõe uma dissonância entre o que


o agente cogitou e o que ele executou, ou seja, o agente não mais executa o crime que ele cogitou.

Além disso, a não consumação do crime deve partir da vontade do agente.

Portanto, uma vez consumado o crime, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz


são impossíveis.

3.2. Fundamentos

Os fundamentos dos institutos são:

a) Política criminal;

b) Estimular o agente a não consumar o delito: ou seja, estimular o agente a não produzir o
resultado criminoso anteriormente cogitado;

c) Evitar a lesão ao bem jurídico tutelado.

3.3. Natureza Jurídica

Há duas correntes na doutrina:

Uma primeira corrente defende que a desistência voluntária e o arrependimento eficaz são
causas pessoais de exclusão ou extinção da punibilidade por razões de política criminal. Essa é a
posição de Alberto Silva Franco e Aníbal Bruno.

Já uma segunda corrente sustenta que os institutos, na verdade, possuem natureza jurídica
de causa de exclusão da tipicidade, ou seja, a conduta sequer chega a se adequar ao tipo penal.
Essa é a posição de Fragoso, Bitencourt e Damásio.

Não há posição majoritária.


3.4. Desistência Voluntária

3.4.1. Definição

Vamos ver agora cada um dos institutos de maneira separada.

Na desistência voluntária, o agente ingressa na fase de execução, mas desiste de prosseguir


na execução da conduta criminosa, ou seja, ele não esgota todos os atos executórios que havia
cogitado. Por isso, é chamada de tentativa abandonada.

Por causa dessa desistência, o crime não chega a ser consumado.

3.4.2. Requisitos

A desistência voluntária possui dois requisitos - um objetivo e um subjetivo:

a) Objetivo: interrupção definitiva do processo executório pelo agente, ou seja, o agente não
prossegue na execução, razão pela qual o crime não se consuma;

Portanto, a desistência voluntária só é possível na tentativa imperfeita ou inacabada, na


qual o agente não esgota os atos executórios.

Se a tentativa for perfeita, ou seja, o agente esgotou todos os atos executórios; ele deixou
de consumar o crime por razões alheias a sua vontade, e não por desistir do intento. Nesse caso,
pode ocorrer arrependimento eficaz, a depender do caso.

Enfim, a desistência voluntária, em regra, configura uma conduta negativa – um não fazer -,
ou seja, não prosseguir na conduta executória.

ATENÇÃO – É possível desistência voluntária nos crimes omissivos impróprios?

Nos crimes omissivos impróprios, a desistência voluntária será possível, mas nesse caso, ela
será representada por uma conduta positiva – um fazer. Ex.: a mãe é garantidora de seu bebê, e
deixa de amamenta-lo, para mata-lo; porém, quando percebe que o bebê está começando a
definhar, ela desiste de seu intento e começa a amamentar. Portanto, a desistência consiste em um
fazer.
Obs.: Só é possível desistência voluntária em crimes plurissubsistentes, ou seja, não é
admitida a desistência voluntária em crimes unissubsistentes, porque a execução precisa consistir
em mais de um ato para que possa ser interrompida.

b) Subjetivo: a desistência precisa ser voluntária, mas não precisa ser espontânea, ou seja, a
desistência não precisa nascer do interior do agente e nem precisa de motivo. Por isso, a desistência
pode ser sugerida ou convencida por outrem, mas ninguém pode obrigar o agente a desistir. Ex.: o
agente vai até a casa de seu inimigo para mata-lo; rende o inimigo e aponta a arma para sua cabeça;
assim que ia puxar o gatilho, o inimigo começa a chorar e implora por sua vida; o agente desiste – a
desistência foi voluntária, porque ninguém obrigou o agente, mas não foi espontânea, porque a
vítima convenceu o agente a não matá-la.

ATENÇÃO – Obstáculo suposto ou putativo: se o agente está executando o crime e ouve um


barulho ou um alarma ou uma sirene da polícia; e por essa razão, interrompe a execução; NÃO há
desistência voluntária. Ora, nesse caso, não houve desistência, e sim tentativa.

3.4.3. Desistência Voluntária x Tentativa

A diferença entre os institutos é representada pela Fórmula de Frank.

Com efeito, em ambos os institutos, o agente inicia na fase de execução. Contudo, na


tentativa, o agente quer continuar na execução, mas não pode por razões externas (quer, mas não
pode). Por sua vez, na desistência voluntária, o agente pode continuar praticando os atos
executórios, mas não quer (pode, mas não quer).

Ex.: o agente possui apenas um projetil na sua arma; atira na vítima, mas não a mata por
circunstâncias alheias a sua vontade. Nesse caso, não há desistência voluntária, porque o agente já
havia esgotado os atos de execução; há sim tentativa – o agente queria matar a vítima, mas não
pôde, porque não tinha mais munição.

ATENÇÃO - Adiamento da prática do crime: Ocorre quando o agente interrompe o ato


executório para repeti-lo em outra ocasião. Ex.: o agente quer matar a vítima com uma faca; atinge
ela de raspão; e deixa pra dar prosseguimento no dia seguinte. Há desistência voluntária?
Uma primeira corrente defende que há SIM desistência voluntária, porque há que se
distinguir a desistência de propósito da desistência de execução. No exemplo, o agente não desistiu
de seu propósito, porque ainda quer matar a vítima; mas sem dúvidas, naquele dia, ele desistiu de
matar a vítima. Logo, há desistência voluntária.

Por sua vez, uma segunda corrente sustenta que NÃO há desistência voluntária, porque o
agente desistiu só porque entendeu que com meios mais eficientes, poderá repetir o seu intento
em outra ocasião, ou seja, o agente não desistiu, porque se mantém na intenção de consumar o
delito. Por isso, não haveria desistência voluntária.

Obs.: Essa situação é diferente da execução retomada, quando o agente interrompe a


execução por algum motivo para prosseguir no futuro. Ex.: o agente está com a vítima sequestrada
para matá-la; sai para encontrar o chefe da organização; deixando para matar a vítima no dia
seguinte. Nesse caso, não há desistência voluntária, porque o agente ainda nem iniciou a fase de
execução do crime de homicídio.

3.4.4. Consequência da desistência voluntária

A consequência legal da desistência voluntária é que o agente responde apenas pelos já


praticados, se tais atos configurarem algum delito. Ex.: o agente atira uma vez na vítima, desiste e
vai embora; a vítima sobreviveu, mas teve lesões graves. O agente não responde por tentativa de
homicídio, porque desistiu voluntariamente de seu intento; logo, ele responde apenas pelos atos
que já praticou; no caso, ele responde apenas por lesão corporal.

3.5. Arrependimento Eficaz

3.5.1. Definição

O arrependimento eficaz também é conhecido como resipiscência.

Da mesma forma que a desistência voluntária, aqui também o agente inicia os atos
executórios; contudo, ele esgota os atos executórios; e após esgotá-los, arrepende-se e passa a agir
em sentido contrário para impedir a consumação do crime inicialmente cogitado.

3.5.2. Requisitos
Há dois requisitos – um objetivo e outro subjetivo:

a) Objetivo: impedimento eficaz do resultado, ou seja, o agente deve conseguir impedir a


consumação. Se o crime se consumar, não se aplica arrependimento eficaz.

Como o agente esgotou os atos executórios, o arrependimento eficaz só é compatível com a


tentativa acabada ou perfeita.

Obs.: O arrependimento eficaz só é compatível com os delitos materiais (que exigem a


produção de um resultado). Isso porque o art. 15, CP, menciona expressamente que o agente deve
impedir que o resultado se produza. Nos crimes formais e de mera conduta, a prática do conduta já
consuma o delito, sem necessidade de produção do resultado.

b) Subjetivo: voluntariedade. Não precisa ser espontâneo; basta que seja voluntário.

3.5.3. Características comuns à desistência voluntária e ao arrependimento eficaz

a) Voluntariedade: os dois institutos só exigem voluntariedade, ou seja, não precisa de


espontaneidade e nem depende do motivo que levou o agente a desistir ou a se arrepender;

b) Eficácia: o agente deve impedir a consumação do crime. Se o resultado ocorrer, o agente


responde pelo crime, mas pode incidir a atenuante do art. 65, III, b, CP;

c) Incompatíveis com crimes culposos: no crime culposo, o agente nunca quis produzir o
resultado;

d) Consequência: o agente responde pelos atos já praticados, se configurarem algum delito.

3.5.4. Comunicabilidade no concurso de pessoas

Os institutos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz se comunicam com o


coautor no concurso de pessoas?

Ex.: dois agentes atentam contra a vítima de uma pessoa; um deles se arrependeu e levou a
vítima ao Hospital; o outro nada fez; o arrependimento se comunica ao agente que nada fez?
Uma primeira corrente entende que NÃO se comunica, porque os institutos têm caráter
subjetivo, logo, só se aplica a quem desistiu ou a quem se arrependeu.

Já uma segunda corrente defende que há SIM comunicabilidade, porque os institutos têm
caráter misto – objetivo e subjetivo. Isso porque o artigo 15 do CP torna a conduta atípica, logo,
aplica-se a regra do art. 31 do CP (a participação não é punível, se o crime não chega sequer a ser
tentado).

4. Arrependimento Posterior (art. 16, CP)

4.1. Definição

Nesse caso, o agente se arrepende apenas após a consumação do delito.

Esse arrependimento consiste na reparação do dano causado à vítima.

Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado
o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato
voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

CRÍTICA – Segundo Fragoso, o arrependimento posterior é desigual e discriminatório,


porque apenas os mais ricos podem obter esse benefício, já que só eles podem reparar o dano. Os
pobres, embora queiram, não podem, e são os que povoam as prisões. Fragoso dizia: toda justiça é
desigual, mas a justiça criminal é a mais gritantemente desigual.

4.2. Natureza Jurídica

O arrependimento posterior é uma causa de diminuição de pena pessoal e obrigatória, ou


seja, presentes os requisitos, o juízo é obrigado a reduzir a pena do réu.

4.3. Objeto

O arrependimento posterior se aplica a qualquer crime que seja compatível com o instituto,
e não apenas os crimes patrimoniais (dolosos ou culposos).
4.4. Fundamento

O arrependimento posterior tem dois fundamentos:

a) Proteção da vítima;

b) Incentivo ao arrependimento por parte do agente.

4.5. Requisitos

O arrependimento posterior apresenta vários requisitos:

a) Natureza do crime: o crime deve ser sem violência ou grave ameaça à pessoa.

Por outro lado, a violência contra a coisa não afasta o arrependimento posterior.

Da mesma forma, se a violência contra a pessoa foi culposa, também não se afasta o
arrependimento, porque a intenção da lei era impedir o instituto no caso de violência dolosa.

Obs.: Violência imprópria – ocorre quando o agente reduz a possibilidade de resistência da


vítima (ex.: sonífero). A violência imprópria, assim como a própria, também impede o
arrependimento posterior.

ATENÇÃO – Desvio subjetivo de conduta: ocorre quando um dos agentes, em concurso de


pessoas, não queria praticar o crime mais grave, de modo que responde pelo crime menos grave.
Ex.: A e B querem furtar uma casa; B entra na casa e agride o morador, enquanto A fica do lado de
fora; A se arrepende e restitui o bem, por isso, faz jus ao arrependimento. Já B responde roubo, por
isso, não faz jus ao arrependimento.

b) Reparação do dano ou restituição da coisa: deve ser voluntária, ou seja, livre de coação
ou moral; mas não precisa ser espontânea e nem depende de motivo.

Além disso, no que toca à totalidade ou parcialidade da reparação, há três correntes na


doutrina:

Uma primeira corrente defende que a reparação deve ser total, mas se a vítima aceitar a
reparação parcial, é possível aplicar o arrependimento posterior. Essa é a posição majoritária.
Já uma segunda corrente entende que a reparação precisa ser total, salvo se a coisa não
possa mais ser restituída (ex.: destruição da coisa); e se houver a reparação parcial e a vítima aceitar.
Essa é a posição de Greco.

Por fim, uma terceira corrente defende que a reparação pode ser parcial. Essa é a posição
do STF, no Info 608.

ATENÇÃO – A reparação precisa ser pessoal?

Imagine que o pai do acusado que repara o dano, em nome de seu filho. O filho faz jus ao
arrependimento posterior?

Uma primeira corrente defende que a reparação deve ser pessoal, ou seja, não pode ser feita
por terceiros, porque neste caso, perde a voluntariedade, que é um dos requisitos.

Já uma segunda corrente sustenta que a reparação NÃO precisa ser pessoal, porque a
preocupação da lei é reparar o dano à vítima, logo, não importa quem reparou o dano; e sim que a
vítima teve o dano reparado.

Obs.: Restituição da coisa resultante de busca policial não gera arrependimento posterior,
porque quem devolveu a coisa foi a polícia, logo, não foi ato voluntário.

CUIDADO – A recusa da vítima impede o arrependimento posterior?

Segundo a doutrina, basta que o agente repare voluntariamente o dano. A aceitação pela
vítima não é um dos requisitos do arrependimento posterior. Portanto, caso a vítima recuse a
reparação, mesmo assim, o agente tem direito à diminuição.

c) Requisito temporal: o arrependimento só pode ocorrer até o recebimento da denúncia.


Se a reparação ocorreu após o recebimento, o agente pode fazer jus à atenuante do art. 65, III, b,
CP.

ATENÇÃO – Súmula 554 do STF: no estelionato mediante emissão de cheque sem provisão
de fundos, caso o seu pagamento seja efetuado antes do recebimento da denúncia, obsta-se o
prosseguimento da ação penal.
A súmula 554 do STF traz hipótese mais benéfica que o arrependimento posterior. Portanto,
ela continua sendo aplicada, mesmo após a vigência do artigo 16 do CP; aplicando-se somente ao
estelionato mediante emissão de cheque sem fundos.

4.6. Consequências

Caso seja aplicado o arrependimento posterior, haverá a diminuição da pena do agente de


1/3 a 2/3.

Os critérios para a redução da pena são dois: a celeridade e a voluntariedade.

Portanto, quanto antes houver a reparação, maior a diminuição da pena.

Ademais, quanto mais sincera e verdadeira a reparação, maior a diminuição da pena.

4.7. Comunicabilidade

Se dois agentes praticam um crime sem violência contra a pessoa, e apenas um deles repara
o dano à vítima antes do recebimento da denúncia, o outro agente que não reparou faz jus também
ao arrependimento posterior?

Uma primeira corrente defende que o arrependimento posterior se comunica, SIM, ao


agente que não reparou o dano, porque se trata de uma circunstância objetiva. Essa é a corrente
majoritária.

Já uma segunda corrente entende que NÃO há comunicabilidade, porque o arrependimento


exige voluntariedade; logo, o agente que não reparou não faz jus ao arrependimento posterior.

4.8. Arrependimento eficaz x arrependimento posterior

Enquanto no arrependimento eficaz, o crime ainda não se consumou; no arrependimento


posterior, o crime já se consumou.

Ademais, o arrependimento eficaz ocorre dentro do iter criminis, ao passo que o


arrependimento posterior acontece fora do iter criminis.
Por fim, o arrependimento eficaz se aplica aos crimes com violência ou grave ameaça à
pessoa. Já o arrependimento posterior só se aplica a crimes praticados sem violência ou grave
ameaça à pessoa.

5. Crime impossível (art. 17, CP)

5.1. Introdução

O crime impossível também é chamado de tentativa impossível ou tentativa inadequada ou


tentativa inidônea ou ainda quase crime.

Para Feuerbach, apenas a tentativa perigosa poderia ser punida. Exigia-se assim que a ação
humana, em seus aspectos externos, estivesse em relação causal com o resultado desejado, ou seja,
a ação devia ter uma relação de causa e efeito com o resultado.

Por consequência, distinguia-se o meio e o objeto da ação frustrada. Além disso, distinguia-
se a impossibilidade absoluta e a absoluta relativa, em relação ao meio e ao objeto.

Como resultado, dizia-se que a tentativa era absolutamente impossível, quando o ato do
agente, em relação ao meio ou ao objeto, em hipótese nenhuma poderia conduzir ao resultado. Por
outro lado, a tentativa seria relativamente impossível, quando o meio ou o objeto, em tese ou a
princípio eram apropriados, mas no caso concreto, eles se mostravam inapropriados.

5.2. Conceito

Segundo, Von Liszt, dá-se a tentativa impossível, quando um ato voluntário tendente a um
certo resultado é inadequado para produzi-lo. A tentativa impossível apresenta-se, às mais das
vezes, mas não exclusivamente, como crime frustrado e, portanto, pode ser tanto tentativa acabada
como inacabada.

Destarte, a razão da punibilidade da tentativa reside no caráter perigoso da ação. Se faltar


esse caráter perigoso na tentativa, ela deixa de ser criminosa. Assim, temos a seguinte regra: a
tentativa perigosa é punível; a tentativa não perigosa é impunível.

Por sua vez, a tentativa será perigosa, quando o ato suscita possibilidade iminente de realizar
o resultado, ou seja, aquele resultado é possível de ser produzido pela prática do ato pelo agente.
Como saber então se a tentativa era perigosa ou não perigosa?

Primeiro passo: a ação humana não deve ser analisada de forma generalizada, ou seja, a
análise da ação humana não pode ser genérica; a análise deve atender às circunstâncias particulares
daquele caso concreto (análise caso a caso). Por isso, só se pode saber se a ação foi ou não perigosa,
de acordo com o caso concreto;

Segundo passo: devem ser consideradas também as circunstâncias conhecidas pelo agente
no momento da ação, e não as circunstâncias conhecidas após a ação. Em outras palavras, além de
analisar o caso concreto, o juízo deve remontar ao momento da conduta do agente, para ver qual
era a consciência do agente no momento da prática da conduta;

Terceiro passo: a tentativa será não perigosa, quando a ação do agente se mostrar
completamente inadequada para a produção do resultado, de acordo com as circunstâncias
conhecidas pelo agente no momento da ação, e de acordo com o caso concreto. De outro giro, se
houver alguma possibilidade de aquela ação gerar o resultado, trata-se de uma tentativa perigosa.

Conclusão: a tentativa não perigosa de Von Liszt é justamente o crime impossível.

5.3. Teorias sobre o crime impossível

Essas teorias buscam diferenciar o crime impossível da tentativa:

I – Teoria subjetiva: para que haja tentativa, basta que haja por parte do agente a vontade
de praticar o crime, ou seja, essa teoria volta os olhos para a intenção do agente; por isso, é
subjetiva. Ela não leva em consideração o meio e nem o objeto, porque basta a vontade do agente
(o agente é punido por sua intenção);

II – Teoria sintomática: leva em consideração a periculosidade do agente revelada na sua


conduta, ou seja, a conduta praticada pelo agente já revela sua periculosidade. Portanto, mesmo
que seja hipótese de crime impossível, se o agente revelar por sua conduta alguma periculosidade,
já se trata de tentativa;
III – Teoria objetiva pura: não haverá tentativa se o meio for ineficaz ou o objeto for
impróprio. Nesses casos, haverá crime impossível. Porém, aqui não distinção entre ineficácia
absoluta ou relativa. Assim, em qualquer caso, se o meio for ineficaz ou o objeto for impróprio,
independentemente de ser ineficácia absoluta ou relativa e impropriedade absoluta ou relativa, já
haverá crime impossível;

IV – Teoria objetiva temperada, moderada ou matizada: essa teoria também olha para o
meio e para o objeto do crime, mas para ela, quando o meio ou o objeto for relativamente inidôneo,
haverá tentativa. Em contrapartida, se o meio ou o objeto para atingir o resultado for
absolutamente inidôneo, haverá crime impossível.

Essa foi a teoria adotada pelo Código Penal, como se vê pela leitura do artigo 17.

Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por
absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.

5.4. Hipóteses de crime impossível

As hipóteses de ocorrência do crime impossível, portanto, são: meio absolutamente ineficaz


ou objeto absolutamente impróprio:

a) Meio: é tudo aquilo que o agente utiliza no ato executório. Esse meio precisa ser
absolutamente ineficaz para que haja crime impossível;

A ineficácia do meio será analisada de acordo com o caso concreto.

b) Objeto: é a pessoa ou a coisa sobre a qual recai a conduta criminosa. Esse objeto precisa
ser absolutamente impróprio para que haja crime impossível.

No crime impossível, na modalidade impropriedade do objeto é a existência do objeto, ou


seja, no crime impossível, não existe objeto. Ex.: o agente acha que a vítima está dormindo, quando
na verdade ela está morta; o agente então atira contra a vítima; ocorre que o objeto vida não existe
mais; logo, há crime impossível.
De qualquer forma, a inidoneidade do meio ou do objeto devem ser analisada
posteriormente à prática do crime. Tal inidoneidade não pode ser conhecida pelo agente, porque o
agente deve agir em erro (sem consciência de que o meio é absolutamente ineficaz e o objeto,
absolutamente impróprio). Em outras palavras, o erro do agente é essencial para a ocorrência do
crime impossível.

Ora, se o agente já sabia que o meio ou o objeto eram inidôneos, ele na verdade não queria
praticar o crime; e no crime impossível, o agente deve querer praticar o crime. Ex.: o agente quer
envenenar a vítima com veneno de rato; ele serve açúcar à vítima, pensando ser veneno; ele age
em erro; o crime é impossível. Se o agente souber que se trata de açúcar, ele não queria matar a
vítima.

5.5. Crime impossível e flagrante preparado

De acordo com a súmula 145 do STF enuncia que não há crime, quando há flagrante
preparado. Nesse caso, temos um exemplo de crime impossível, porque o crime nunca poderia
acontecer, já que a polícia estava lá para intervir e nunca deixaria que ele ocorresse.

Para Greco, essa súmula também deveria ser aplicada ao flagrante esperado, já que a
autoridade policial também está à espera da execução. Porém, essa posição é minoritária e não é
encampada pela jurisprudência.

5.6. Crime impossível x Delito putativo

No crime impossível, o agente quer praticar o crime, mas o meio empregado é


absolutamente ineficaz ou o objeto do crime é absolutamente improprio.

Já no delito putativo (ou crime de ensaio), o crime sequer existe, ou seja, o agente quer
praticar uma conduta que pensa ser criminosa, mas na verdade aquela conduta nem é crime. Ex.: o
agente furta um bem para usar – ocorre que furto de uso não é crime.

5.7. Crime impossível x Tentativa

Há que se fazer duas perguntas para diferenciar crime impossível da tentativa:


1. O bem jurídico tutelado correu perigo?

2. O crime poderia se consumar?

Se a resposta a essas perguntas for positiva, há tentativa. Em contrapartida, se a resposta


for negativa, haverá crime impossível.

Ex.: agente atira na vítima já morta – o bem jurídico vida correu perigo: NÃO; o crime poderia
se consumar: NÃO; logo, trata-se de crime impossível.

Ex.2: agente atira na vítima com uma arma velha e munição velha – o bem jurídico vida
correu perigo: SIM; o crime poderia se consumar: SIM; logo, trata-se de tentativa.

ATENÇÃO - Súmula 567 do STJ: o agente furta um objeto em um local com vigilância por
câmeras de segurança. Isso é crime impossível ou tentativa?

Basta responder as perguntas - o bem jurídico tutelado correu perigo: SIM, porque o agente
já colocou em perigo o patrimônio da vítima; o crime poderia se consumar: SIM, pois o ladrão
poderia driblar a segurança. Logo, é caso de tentativa.

6. Tentativa (art. 14, II, CP)

6.1. Conceito

Tentativa é o mesmo que conatus, crime imperfeito ou crime incompleto.

Tentativa é a realização incompleta do tipo objetivo, de acordo com Luiz Regis Prado.

O crime é tentado, quando se opera o ato voluntário dirigido ao resultado que a lei incrimina,
sem que o resultado se produza, segundo Von Liszt.

Portanto, na tentativa, o dolo do agente é consumar o crime; ele inicia a execução do crime;
mas, por circunstâncias alheias à vontade do agente, ele não consegue consumar o delito.

Art. 14 - Diz-se o crime:

II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias


à vontade do agente.

6.2. Elementos da tentativa


a) Conduta dolosa: deve haver o dolo em relação ao tipo completo que se quer praticar;

b) Início dos atos executórios;

c) Não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente: se a não consumação


decorrer da vontade do agente, teremos desistência voluntária ou arrependimento eficaz.

ATENÇÃO – Pode haver tentativa, quando o agente atua com dolo eventual?

Uma primeira corrente entende que é possível a tentativa em dolo eventual, porque mesmo
que o agente não queira o resultado, ele inegavelmente faz previsão mental desse resultado, e
assume o risco de praticá-lo; ou seja, o resultado entra na órbita da vontade do agente. Essa é a
posição de Hungria e é a majoritária.

Já uma segunda corrente defende que não é possível tentativa em dolo eventual, porque a
expressão vontade contida no art. 14, II, CP, limitou a possibilidade do instituto da tentativa
somente ao dolo direto; ou seja, só pode haver tentativa, quando a conduta do agente é
finalísticamente dirigia a algum resultado, o que não abrange o dolo eventual. Essa é a posição de
Greco.

6.3. Natureza Jurídica

A tentativa possui dupla natureza jurídica:

a) Causa de diminuição da pena: na dosimetria da pena, a tentativa é uma minorante, que


incide na terceira fase do cálculo, variando de um a dois terços.

A redução da pena é direito subjetivo do réu, logo é obrigatória ao juízo.

O critério de aplicação da minorante é o quão próximo o agente chegou da consumação na


sua tentativa. Desse modo, se o agente ficou longe da consumação, a minorante deve ser aplicada
no máximo; se ele chegou perto de consumar o crime, a minorante deve ser aplicada no mínimo.

b) Norma de adequação típica por subordinação indireta ou mediata: a tentativa não


configura crime autônomo; ela só será punida, porque existe norma de extensão e adequação típica
da conduta – o artigo 14, II, do CP.
6.4. Punição da tentativa

Há duas teorias sobre a punibilidade da tentativa:

a) Teoria subjetiva: essa teoria leva em consideração a intenção do agente em consumar o


crime. Por isso, o agente responde pela tentativa da mesma forma do crime consumado, ou seja,
não incide a diminuição da pena.

b) Teoria objetiva: essa teoria se baseia no perigo a que o bem jurídico é exposto. Caso o
agente não consiga atingir a consumação por circunstâncias alheias a sua vontade, deve haver uma
redução de pena.

De acordo com o Código Penal, a tentativa é punida com a mesma pena do crime
consumado, mas com a aplicação da causa de diminuição, conforme preconiza o artigo 14, p. único,
do CP.

Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena


correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

Contudo, o Código Penal Militar admite uma exceção: o juízo pode aplicar à tentativa a pena
do crime consumado, excepcionalmente.

O crime de atentado, por sua vez, previsto no artigo 352 do CP (evadir-se ou tentar evadir-
se o preso), pune da mesma forma a consumação e a tentativa.

Diante das exceções, diz-se que a teoria adotada no Brasil é a teoria objetiva mitigada ou
temperada.

6.5. Espécies de tentativa

a) Tentativa branca ou incruenta: o objeto material do crime não é atingido. Ex.: o agente
atira duas vezes contra a vítima, mas não acerta nenhum tiro;

b) Tentativa cruenta ou vermelha: o objeto material é atingido, mas mesmo assim o crime
não se consuma. Ex.: agente acerta dois tiros na vítima, mas ela não morre;
c) Tentativa perfeita ou acabada: o agente esgota os atos executórios, mas mesmo assim
não consuma o crime. Ex.: agente esvazia o tambor da arma contra a vítima, mas não a mata;

d) Tentativa imperfeita ou inacabada: o agente não esgota os atos executórios. Ex.: o agente
atira uma vez contra a vítima, mas quando ia atirar pela segunda vez, é impedido por terceiros.

ATENÇÃO – Há diferença entre tentativa perfeita e imperfeita em termos de tipificação?

Não há diferença de tipificação; os dois crimes serão tentados. Porém, na dosimetria da


pena, a tentativa perfeita tende a receber menor diminuição, porque o agente pode chegar mais
perto da consumação.

6.6. Infrações penais que não admitem tentativa

a) Crimes culposos: como visto, a tentativa exige uma conduta dolosa;

b) Crimes preterdolosos: porque a conduta posterior é culposa;

c) Crimes omissivos próprios: porque são unissubsistente, ou seja, a execução da conduta já


conduz diretamente à consumação;

d) Contravenção penal: o art. 4, da LCP, não pune a tentativa;

e) Crimes de atentado ou empreendimento: são os crimes que já trazem a tentativa como


elemento do tipo. Portanto, tentar já significa consumar o crime. Ex.: art. 352, CP;

f) Crimes habituais: são aqueles em que uma conduta única não gera a consumação; apenas
a prática reiterada da conduta gera a consumação.

Uma primeira corrente entende que não cabe tentativa nos crimes habituais, porque eles só
se consumam com a reiteração; portanto, ou há a reiteração, e o crime está consumado; ou não há
reiteração, e o fato nem sequer é crime. Essa é a posição majoritária (Fragoso).

Já uma segunda corrente defende que cabe tentativa nos crimes habituais, quando o agente
inicia a cadeia de atos com a intenção de habitualidade, como o falso médico que faz um consultório
para atender várias pessoas por muito tempo, mas é impedido na primeira consulta. Essa é a posição
de Greco.
g) Crimes unissubsistentes: são aqueles em que não se pode fracionar a execução, de modo
que ou o agente executa e consuma o crime ou o agente não chega sequer a executar o crime, e o
fato é penalmente irrelevante;

h) Crimes condicionados: são crimes que só se configuram mediante a satisfação de alguma


condição. Ex.: Lei de Falência, art. 180 – para que haja crime da lei de falência, é necessária a
sentença concessiva da falência; se houver a implementação da condição, o crime se consuma; ou
a condição não é implementada, e o crime não se consuma; logo, não cabe tentativa.

6.7. Crimes punidos apenas na modalidade tentativa

A lei 7.170/83 é a Lei da Segurança Nacional. Os crimes previstos nessa lei são punidos
apenas na modalidade tentada.

6.8. Tentativa no crime complexo

Crime complexo é aquele crime único que é formado pela união de dois ou mais tipos
autônomos. Ex.: latrocínio – união de roubo e homicídio.

Quando todos os crimes que o formam se consumarem, o crime complexo é consumado; se


os crimes que o formam forem tentados, o crime complexo é tentado.

Mas o que acontece quando um dos crimes se consuma e a outro é tentado, o crime
complexo se consuma ou é tentado?

Quando um dos crimes é tentado, todo o tipo complexo fica tentado. Ex.: o agente consumou
o roubo, e tentou matar a vítima – latrocínio tentado.

Pelo mesmo raciocínio, se o roubo for tentado e o homicídio for consumado, também
teríamos latrocínio tentado. Esse é o entendimento majoritário da doutrina. Todavia, não é assim
que o STF entende.

Nesse sentido, o STF editou a súmula 610, pela qual, quando o roubo for tentado e o
homicídio for consumado, haverá latrocínio consumado.

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