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MAGISTRATURA E MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAIS

Cleber Masson
Direito Penal
Aula 1

ROTEIRO DE AULA

PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

1. INTRODUÇÃO

Conceito: a palavra “princípio” dá a ideia de começo ou início. Partindo desse pressuposto, podemos conceituar
os princípios como valores fundamentais que inspiram a criação e a aplicação do Direito Penal. No tocante a
criação, os princípios dirigem-se ao legislador. Por outro lado, em se tratando de aplicação, os princípios
funcionam como vetores da atividade dos operadores do Direito (promotor, advogado, juiz, dentre outros).

Finalidade dos princípios: a finalidade básica dos princípios no Direito Penal é limitar o poder punitivo do Estado,
dando a este poder uma medida razoável que impeça o Estado de punir em excesso, ou ainda, de maneira
deficitária.

Princípios expressos e implícitos: dentre os princípios, existem aqueles já consagrados em texto expresso de lei e
outros que, decorrendo de uma leitura do sistema jurídico como um todo, podem ser tidos como implícitos. Nos
dois casos, os princípios ostentam a mesma força normativa, desde que sejam de fato reconhecidos pelo Direito
Penal.

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2. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL OU ESTRITA LEGALIDADE

- O princípio da legalidade aplicado ao Direito Penal representa um padrão de legalidade forte. Por isso, mais
correto denominá-lo de princípio da legalidade estrita ou da reserva legal, já que estes termos são mais aptos a
demonstrar a diferença entre ele e o princípio da legalidade em seu sentido amplo.

2.1. ORIGEM

- O princípio da legalidade no Direito Penal remete-nos imediatamente a máxima “nullun crimen, nulla poena sine
lege”, cuja origem remonta ao texto da Magna Carta do Rei João Sem Terra, na Inglaterra (1215).

2.2. PREVISÃO NORMATIVA E CONCEITO

- Se houvesse a revogação do Art. 1º do CP, isso não faria o princípio da reserva legal desaparecer do sistema,
tendo em vista que a sua previsão é também de natureza constitucional. O princípio da reserva legal é cláusula
pétrea, pertencendo ao núcleo imutável da Constituição, o qual não é suscetível de alteração, sequer por proposta
de emenda constitucional. Apenas uma ruptura institucional que deflagrasse a promulgação de uma nova
Constituição poderia oferecer chances para que tal princípio fosse suprimido.

Art. 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem
prévia cominação legal”.

Art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal”.

2.3. FUNDAMENTOS

A) FUNDAMENTO JURÍDICO

Taxatividade, certeza ou determinação da lei penal: a lei deve descrever com precisão o conteúdo mínimo da
conduta criminosa. É isso que legitima as espécies penais dos crimes culposos; os tipos penais abertos e as normas

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penais em branco. Em todos estes não há uma descrição detalhada ou completa da conduta criminosa, mas
apenas do mínimo legal exigível.

Efeito lógico da taxatividade no Direito Penal: o efeito lógico da taxatividade é a proibição da analogia in malam
partem. Se a lei deve descrever com precisão o conteúdo mínimo da conduta criminosa, não se pode, diante de
uma lacuna, fazer uso de uma lei que regule um caso semelhante, aplicando-a para que ela prejudique o réu.

Criminalização da homofobia/transfobia e relativização da reserva legal: ao criminalizar a homofobia e a


transfobia, realizando uma interpretação conforme a Constituição, o STF afirmou que os casos envolvendo
condutas desse tipo poderiam ser equiparadas a uma espécie de racismo social. A Corte determinou, assim, que
deveriam ser aplicadas as disposições atinentes ao racismo, previstas na Lei 7716/89. A grande questão é que essa
lei pune as condutas que caracterizam preconceito ou discriminação por motivo de raça; religião; origem ou etnia,
nada dispondo em relação ao gênero ou orientação sexual da pessoa. Logo, fica claro que o Supremo acabou se
utilizando de uma lei aplicável a condutas próximas aquelas que caracterizam a homofobia para resolver a omissão
legislativa verificada no caso. O preço a ser pago por isso foi a Corte ter que abrir mão de um valor fundamental
do Direito Penal, que é a inadmissão da analogia in malan parten.

B) FUNDAMENTO POLÍTICO

Direito fundamental de 1ª geração (ou dimensão): o fundamento político da reserva legal é a proteção do ser
humano contra o arbítrio do Estado, motivo pelo qual este é um direito fundamental de 1ª dimensão. Vale lembrar
que os direitos fundamentais de primeira dimensão são aqueles que buscam impedir o Estado de interferir na
esfera de liberdade do cidadão, o que é compreensível diante de sua origem histórica contemporânea à Revolução
Francesa.

Função política da lei penal: A criação de um Código Penal visa muito mais proteger as pessoas da ingerência
estatal do que as punir. Nesse sentido, a afirmação do penalista austríaco Franz Von Liszt no sentido de que o
Código Penal é a Magna Carta do delinquente ilustra muito bem a função da lei penal enquanto concretização de
um direito fundamental de 1ª dimensão. Com efeito, ao prever as condutas passíveis de punição, o Código Penal
acaba por sinalizar também quais são as condutas que o indivíduo é livre para praticar, conferindo aos cidadãos
uma previsibilidade que gera segurança para ele em relação ao Estado.

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C) FUNDAMENTO DEMOCRÁTICO (OU POPULAR)

- É o próprio povo quem por meio de seus representantes define os crimes e comina as respectivas penas.

STF: “A dimensão democrática do princípio da reserva legal” (Celso de Mello).

2.4. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL E MEDIDAS PROVISÓRIAS

- É pacífico o entendimento no sentido de que as Medidas Provisórias não podem ser utilizadas para criar crimes
e cominar penas e nem para criar um instituto ou medida que, de alguma forma, prejudique a figura do réu.
Todavia, quando o assunto é a criação de situações jurídicas favoráveis ao réu por meio deste tipo de ato
normativo, doutrina e jurisprudência controvertem:

1ª POSIÇÃO (SIM): ainda que o STF não tenha emitido posicionamento expresso nesse sentido, multiplicam-se os
casos que denotam a adoção de um entendimento favorável ao réu neste caso. Um exemplo é a Lei 8226/2003
(Estatuto do Desarmamento) que fixou um prazo para a entrega de armas ilegais, criando uma hipótese de
atipicidade temporária. Uma vez expirado o prazo, o governo brasileiro da época prorrogou o período para a
entrega das armas diversas vezes por meio de Medidas Provisórias, o que foi admitido como legítimo pelo
Supremo Tribunal Federal (STF).

2ª POSIÇÃO (NÃO - Cleber Masson e outros): não é possível a utilização de Medidas Provisórias no Direito Penal,
ainda que em benefício do réu, visto que há vedação constitucional expressa nesse sentido.

Art. 62, § 1º, inc. I, “b”, da CF

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar


medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso
Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:

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b) direito penal, processual penal e processual civil.”

2.5. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL E PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

- Embora muitos autores tratem como sinônimos, mais adequado do ponto de vista doutrinário é tratar a
legalidade e a reserva legal como termos distintos.

DICA PROVA OBJETIVA: em provas objetivas, deve-se marcar como alternativa aquela que conter um dos termos
(legalidade ou reserva legal) ou, no caso de questões que contenham os dois termos em alternativas diferentes,
aquele que parecer mais específico, no caso, a reserva legal.

Reserva legal e Legalidade na Constituição: o princípio da reserva legal está contido no Art. 5º, XXXIX da
Constituição, ao passo que o princípio da legalidade se encontra no inciso II do mesmo artigo. Partindo do
pressuposto de que a lei não deve conter palavras inúteis, deve-se considerar que os dois dispositivos tratam de
princípios diferentes, pois, do contrário, um deles seria dispensável.

Art. 5º, inc. II, da CF: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei.”

Princípio da legalidade (jurisprudência): o princípio da legalidade contido no Art. 5, II da CF tem o seu conteúdo
atendido com a existência de qualquer lei em sentido amplo. Ou seja, qualquer ato emanado do Estado (lei, MP,
decretos, resoluções, portarias, dentre outros). Exemplos nesse sentido são: (i) a proibição de fumar cigarros em
locais fechados no Município de São Paulo e (ii) o rodízio de carros no mesmo Município, ambos instituídos por
meio de Decretos do Prefeito Municipal.

Padrão de legalidade forte contido no Art. 5º, XXXIX da CF (RESERVA LEGAL): o disposto no Art. 5º, XXXIX da CF
só tem o seu conteúdo satisfeito com a existência de uma lei em sentido estrito que regule a matéria, isto é, uma
lei que possa assim ser considerada tanto do ponto de vista formal quanto do ponto de vista material. Vale lembrar
que lei em sentido formal é aquela que foi criada de acordo com o processo legislativo previsto pela Constituição
Federal. Por outro lado, lei em sentido material é aquela que trata de conteúdo/matéria constitucionalmente
reservado a lei. Tal é o exemplo dos tipos penais no Brasil, cuja criação foi reservada a Lei Ordinária pela
Constituição.

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2.6. OS MANDADOS (CONSTITUCIONAIS) DE CRIMINALIZAÇÃO E SUAS ESPÉCIES

• A palavra mandado dá a ideia de ordem ou determinação. Os mandados de criminalização pode ser:

a) Expressos ou explícitos: a ordem está clara no texto constitucional, isto é, a Constituição toca diretamente no
assunto, dando ordem para que o legislador criminalize determinadas condutas.

Exemplo: o mandado de criminalização contido no Art. 225, §3º da Constituição foi atendido com a edição da Lei
9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), que tipificou condutas que ofendem bens jurídicos ligados a matéria
ambiental, abarcando como sujeito ativo tanto pessoas físicas quanto jurídicas.

Art. 225, § 3º, da Constituição Federal: “As condutas e atividades consideradas lesivas
ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais
e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

b) Tácitos ou implícitos: a ordem de criminalização decorre da interpretação sistemática da Constituição.

Exemplo: a criminalização da corrupção pode ser extraída tanto da caracterização do Estado Brasileiro como um
Estado estruturado em forma de República (Art. 1º, CF) quanto dos próprios princípios da Administração Pública
contidos no Art. 37, caput.

3. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

Conceito: a lei penal deve ser anterior ao fato cuja punição se pretende.

Desdobramento lógico: o consectário lógico da anterioridade no Direito Penal é a lei penal não retroagir, salvo as
exceções em que isso beneficia o réu, dado que a retroatividade benéfica goza de previsão expressa. A
anterioridade é o oposto da retroatividade.

Tempus regit actum: aplica-se a lei que estava em vigor à época em que o fato foi praticado.

Art. 1º do CP: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia
cominação legal.”

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Art. 5º, XXXIX, da CF: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal.”

3.1. Princípio da anterioridade e vacatio legis

- Não há crime quando o fato é praticado durante o período de vacatio legis. O respeito ao princípio da
anterioridade pressupõe que a lei esteja em vigor, não sendo suficiente que a lei exista, apenas.

4. PRINCÍPIO DA ALTERIDADE

Conceito: o princípio da alteridade, idealizado por Claus Roxin, traduz a ideia de que não há crime na conduta que
prejudique somente quem a praticou. Em outras palavras, ninguém comete crime quando prejudica apenas a si
próprio. Para que haja crime, a conduta deve extravasar a pessoa do agente.

Stuart Mill: “Nenhuma lei criminal deve ser usada para obrigar as pessoas a atuar em seu próprio benefício; o
único propósito para o qual o poder público pode exercitar-se com direito sobre qualquer membro da
comunidade civilizada, contra sua vontade, é para prevenir danos a outros. Seu próprio bem, seja físico ou
moral, não é uma razão suficiente.”

PROVA ORAL (MP/SP): alguém que corta o próprio braço não comete crime, uma vez que a autolesão não é crime
no Brasil, por força do princípio da alteridade. Só haveria crime se a autolesão fosse praticada com um objetivo
que caracterize outro tipo penal, como, por exemplo, se isentar do serviço militar obrigatório (crime militar) ou
ganhar o dinheiro do prêmio de um seguro (estelionato).

Uso pretérito de droga: o verbo “usar” não consta do núcleo típico descrito pelo Art. 28 da Lei de Drogas. Logo,
não há crime. Os crimes da lei de drogas são crimes contra a saúde pública, a qual está em risco enquanto a droga
existe. Se o indivíduo já consumiu a droga, praticando mal apenas a si próprio, não há conduta capaz de incriminar
o agente.

Art. 28 da Lei de Drogas: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou


trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

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II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

5. PRINCÍPIO DA LESIVIDADE OU OFENSIVIDADE

Conceito: só há crime quando a conduta é capaz de lesar ou, pelo menos, colocar em perigo, um bem jurídico
penalmente tutelado. Entende-se por bem jurídico o VALOR ou o INTERESSE relevantes para a manutenção e
desenvolvimento do indivíduo ou da sociedade.

CLAUS ROXIN: o papel do Direito Penal é o de proteger bens jurídicos. O Direito Penal, portanto, não se ocupa
de concepções éticas, políticas, morais ou religiosas.

6. PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS

- Nem todo bem jurídico é bem jurídico penal. Somente os bens jurídicos mais relevantes devem ser escolhidos
para serem objeto tutela penal. Essa escolha é baseada em um juízo de valor positivo expresso pela Constituição
Federal.

Exemplo¹.: o homicídio é crime no Brasil porque a Constituição assegura o direito à vida.

Exemplo².: calúnia; difamação e injúria são crimes porque a Constituição assegura a inviolabilidade do direito à
honra.

6.1. A TEORIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO PENAL

- A criação de crimes e a cominação de penas só é legítima quando se tutela valores consagrados na Constituição
Federal. Em outras palavras, o Direito Penal só é válido/legítimo quando protege valores assegurados pela
Constituição.

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CLAUS ROXIN: “um conceito de bem jurídico vinculante político-criminalmente só pode derivar dos valores
garantidos na Lei Fundamental, do nosso Estado de Direito baseado na liberdade do indivíduo, através dos quais
são marcados os limites da atividade punitiva do Estado”.

- Como a regra geral é a da liberdade do agente, só se pode punir as condutas que ofendam bens jurídicos que
tenham especial valor para a Constituição.

6.2. A ESPIRITUALIZAÇÃO DE BENS JURÍDICOS NO DIREITO PENAL

- Também chamada de liquefação ou desmaterialização de bens jurídicos, o fenômeno da espiritualização


representa uma superação da ideia de que o Direito Penal deveria priorizar a tutela de bens individuais contra
crimes de dano em detrimento de outros tipos. Por esta razão, a lei penal passou a prever mais crimes de perigo
nos últimos tempos, destinados a proteger bens metaindividuais. Vale anotar que o perigo se caracteriza pela
probabilidade de dano. Exemplo nesse sentido é a criminalização do porte ilegal de arma de fogo, cuja posse trazer
o risco de sua utilização para a prática de outros crimes. Também são exemplos os crimes ambientais, cuja tutela
volta-se a proteção de bens que são essenciais para a sobrevivência da geração atual e das futuras.

- Quando o Direito Penal protege bens metaindividuais, ele antecipa a tutela penal, operando-se uma
desmaterialização dos bens jurídicos.

JURISPRUDÊNCIA

- O crime de perigo é aquele que se consuma com a mera probabilidade de dano ao bem jurídico. Ele é abstrato
quando, uma vez praticada a conduta contra o bem jurídico, há presunção absoluta de que tal bem foi ofendido.
Frise-se que embora não seja aconselhável a criação desmedida de crimes de perigo abstrato, é possível que isso
seja feito em caráter excepcional.

STF: “A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte
do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor
alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídico-penais supraindividuais ou de caráter
coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc... [...] Portanto, pode o legislador, dentro de suas
amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva

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proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito
penal preventivo” (HC 102.087).

7. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

7.1. DENOMINAÇÃO

- O termo proporcionalidade tem muita relação com a nomenclatura adotada pelo Direito Alemão. No entanto,
não é incomum que tal princípio aparece como sinônimo de razoabilidade – o que indica uma possível influência
do Direito Italiano -, ou ainda, seja designado como princípio da convivência das liberdades públicas (Direito Norte-
Americano).

7.2. A DUPLA FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

• O conceito de proporcionalidade não é estanque. Seu conteúdo comporta uma dupla face, que se divide em:

(a) Proibição do excesso: não se pode punir mais do que o necessário para a proteção do bem jurídico. Trata-se
de uma garantia do acusado (garantismo negativo).

(b) Proibição da proteção deficiente de bens jurídicos: não se pode punir menos do que o necessário para a
proteção dos bens jurídicos. Trata-se de direito da sociedade (garantismo positivo).

Garantismo integral, garantismo monocular e garantismo monocular hiperbólico: a soma dos vetores
estabelecidos a partir das duas faces do garantismo (positivo e negativo) possibilita um equilíbrio adequado para
o desenvolvimento do Direito Penal, dando origem ao chamado garantismo integral. O termo garantismo deita
suas origens no movimento iniciado pelo doutrina de Luigi Ferrajoli, mais especificamente em seu livro “Direito e
Razão.” Nele, Ferrajoli destaca que o garantismo em si não é nenhuma novidade, admitindo a aplicação de quase
todos os institutos usualmente conhecidos (punição, processo, prisão preventiva, pena máxima, etc...), desde que
guiada pelo respeito as garantias previstas na Constituição e leis penais do Estado. O que não se admite, portanto,
é o chamado garantismo monocular, entendido este como aquele que olha para apenas um dos lados da relação
jurídica, isto é, aquele que deseja proteger apenas os interesses do réu ou apenas os da sociedade. Ferrajoli chega

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ainda a falar de um suposto garantismo monocular hiperbólico, ainda mais inadmissível por inflar os pressupostos
do garantismo, tanto do ponto de vista negativo (laxismo penal) quanto positivo.

7.3. ESPÉCIES DE PROPORCIONALIDADE

a) Legislativa ou abstrata: é aquela endereçada ao legislador no momento da criação do crime e respectiva


cominação da pena.

b) Judicial ou concreta: é aquela efetuada pelo magistrado no momento da aplicação da pena (ex.: diminuição de
pena levando-se em consideração as condições do agente e do crime).

c) Executória ou administrativa: é aquela efetuada pelo Estado no momento do cumprimento da pena (ex.: aquele
que possui bom comportamento, progride de regime prisional, assim como aquele que pratica falta grave regride).

JURISPRUDÊNCIA

Na redação original da Lei 8072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), o condenado por crime hediondo ou equiparado
cumpria pena privativa de liberdade no regime integralmente fechado. O STF, contudo, afirmou a
inconstitucionalidade do dispositivo não só com base na dignidade da pessoa humana e na violação ao princípio
da individualização da pena, mas sobretudo com fundamento na necessidade de observar-se a proporcionalidade
também durante o cumprimento da pena.

8. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA

Conceito: o princípio da confiança surge no Direito Penal espanhol como aplicável nos crimes de trânsito. Da
mesma forma, este princípio foi trazido pelo Brasil com a ideia de que aquele que dirige cautelosamente e respeita
as regras de trânsito pode confiar que as demais pessoas também as respeitarão.

Exemplo: aquele que respeita o limite de velocidade e só passa no cruzamento enquanto o sinal está verde para
ele, pode, em tese, confiar que o motorista que vem na outra avenida vai frear diante do sinal vermelho. Todavia,
se este último não freia e bate no carro daquele que dirige com respeito as regras de trânsito, não será possível
responsabilizar o primeiro por eventuais danos ou morte do segundo.

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9. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PENAL PELO FATO

Direito Penal do autor versus Direito Penal do fato: o princípio da responsabilidade penal pelo fato traz a
discussão acerca da velha dicotomia estabelecida entre o Direito Penal do autor versus Direito Penal do fato. O
Direito Penal do Fato representa o Direito Penal Moderno, que se preocupa exclusivamente com o fato típico e
ilícito praticado pelo agente, pouco importando as condições do agente. Por outro lado, o Direito Penal do Autor
é aquele que esteriotipa e rotula determinadas pessoas como adversárias do sistema. Exemplo contemporâneo
nesse último sentido é o Direito Penal do Inimigo.

• A reincidência é um resquício do Direito Penal do Autor?

No Código Penal, a reincidência é uma agravante genérica, aplicada na segunda fase de aplicação da pena. O
objetivo é fazer aumentar a pena daquele que já tem uma condenação transitada em julgado e comete novo
crime. Para o Supremo Tribunal Federal (STF), não se trata de resquício de Direito Penal do Autor, uma vez que
o indivíduo não é punido em virtude de ostentar em seu histórico uma condenação anterior, mas sim porque
ele praticou um novo fato após a condenação anterior, demonstrando que as finalidades da pena não foram
alcançadas da última vez.

10. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA (ou princípio da necessidade)

10.1. ORIGEM E CONCEITO ATUAL (direito penal mínimo)

Conceito: o Direito Penal só deve atuar quando o bem jurídico não puder ser tutelado por outros ramos do Direito
ou outras formas de controle social.

- O princípio da intervenção mínima, que fundamenta o surgimento do Direito Penal Mínimo, surge na França,
com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Em seu Art. 8º, a Declaração dispõe que
“a lei só deve prever as penas estritamente necessárias”.

- Ninguém contesta que a atuação do Direito Penal deve ser mínima. O problema é que o termo “mínimo” é
extremamente flexível.

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10.2. Destinatários e finalidade (reforço ao princípio da reserva legal)

(a) Legislador (no plano abstrato): no momento de criação do crime e cominação da pena, o legislador deve
efetuar um juízo de valor a fim de constatar se a criação de determinado tipo penal é estritamente necessária
para alcançar a proteção que se pretende.
(b) Operador do Direito (no plano concreto): no momento de aplicação, o juiz deve se questionar se a tipificação
da conduta e aplicação da pena são realmente necessárias para garantir a proteção do bem jurídico.

Intervenção mínima como reforço a legalidade: o princípio da intervenção mínima atua como um reforço ao
conteúdo do princípio da reserva legal, dado que este último é insuficiente para impedir que o legislador proteja
um bem jurídico que não é merecedor de tutela penal. Afinal, o fato de o legislador titularizar a função de criar
leis não o autoriza a incriminar toda e qualquer conduta; daí a necessidade do princípio da intervenção mínima.

10.3. DIVISÕES: FRAGMENTARIEDADE E SUBSIDIARIEDADE

- Nem todos os ilícitos são ilícitos penais, mas todos os ilícitos penais são tidos como ilícitos para os demais ramos
do Direito.

ILÍCITO
PENAL

ILÍCITOS EM
GERAL

10.3.1. PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE OU CARÁTER FRAGMENTÁRIO DO DIREITO PENAL

- A fragmentariedade do Direito Penal traz a ideia de que o Direito Penal é a última fase; etapa ou grau de proteção
do bem jurídico. O fato só pode ser tipificado pelo Direito Penal quando os demais ramos do Direito não foram
suficientes para tutelar determinado bem jurídico. A título de exemplo, podemos pensar no furto, já que até certo

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tempo o Direito Civil era suficiente para assegurar a posse legítima dos bens móveis e hoje, contudo, não é mais.
Da mesma forma, nem todo ilícito tributário é crime tributário, embora o contrário seja verdade.

- O princípio da fragmentariedade se manifesta no plano abstrato, isto é, tem como destinatário o legislador.

Fragmentariedade às avessas: a fragmentariedade às avessas se manifesta no momento da “abolitio criminis”,


isto é, quando crimes que foram necessários em dado momento histórico já não fazem mais sentido para a
sociedade contemporânea, devendo ser excluídos do texto da lei penal. São exemplos: adultério; sedução; dentre
outros.

10.3.2. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

Conceito: princípio da subsidiariedade se manifesta no plano concreto, tendo como destinatário o operador do
Direito Penal. De acordo com o princípio da subsidiariedade, o Direito Penal é a última ratio dentre todos os ramos
do Direito, já que ele é o ramo mais invasivo. O Direito Penal, portanto, funciona como um verdadeiro soldado de
reserva.

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