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PRINCÍPIOS DE DIREITO PENAL

Nullum crimen nulla poena sine lege (Feuerbach). Implica na proibição da lei penal ex post facto, significando,
do ponto e vista formal, que a única fonte produtora de lei penal no sistema brasileiro são os órgãos
1. LEGALIDADE constitucionalmente habilitados e a única lei penal é a formalmente deles emanada (em nenhum caso o Poder
Executivo, o Judiciário e a Administração em geral podem criar leis penais). Inclui a pena cominada pelo
(INTERVENÇÃO
legislador, a pena aplicada pelo juiz e a pena executada pela administração. Segundo NILO BATISTA, suas
LEGALIZADA)
principais funções são: a) constitutiva: estabelecimento da positividade jurídico-penal, com a criação do
crime; b) garantia: exclui as penas ilegais. Previsão legal: art. 5º, XXXIX, CF; art. 1º do CP; art. XI, 2, da
Declaração Universal dos Direitos do Homem; art. 9º do Pacto de San Jose da Costa Rica. Pode ser decomposto
em quatro “FUNÇÕES”, arroladas abaixo como sub-princípios:
Nullum crime nulla poena sine lege praevia. Determina que a lei penal não pode retroagir, salvo para beneficiar
o réu. Deve também aplicar-se às medidas de segurança. Com base neste princípio, a determinação do art. 3º
do CP deve ser tida como inconstitucional, pois prevê a retroatividade da lei penal para as chamadas “leis
excepcionais” (promulgadas em face de situações especialmente calamitosas ou conflitivas) e “leis
temporárias” (promulgadas com termo de vigência). NILO BATISTA defende sua aplicação também às LEIS
PROCESSUAIS PENAIS, usando de três principais argumentos para combater a doutrina e jurisprudência
majoritárias: 1º) toda coerção processual penal é punitiva (pena del banquillo), sendo sua negação ocultação
da realidade com vistas à violação do princípio; 2º) a partir do argumento histórico-exegético, constata-se que
1.1. Praevia todas as Constituições brasileiras, com exceção das Cartas Constitucionais de 1937 e 1967, se valeram de uma
(IRRETROATIVIDADE) fórmula sintética que mencionava a forma processual prevista em lei anterior (“ninguém será processado nem
sentencionado senão pela autoridade competente e na forma da lei anterior”); 3º) a origem britânica da
fórmula (Carta Magna) suscita dúvidas acerca de seu alcance, podendo compreender-se que se trata da
consagração da legalidade processual, e não da pena (impossível de acontecer em um sistema de common
law) e que em nossa Constituição seria admissível pelo art. 5º, § 2º (princípio da não tipicidade dos direitos
fundamentais). Por fim, no que diz respeito à RETROATIVIDADE DA JURISPRUDÊNCIA, deve-se distinguir duas
situações: a) mais gravosa: não é admissível que se apene quem não poderia conhecer a punição, pois não
seria razoável que se exigisse que o agente não praticasse qualquer conduta passível de vir a ser considerada
crime (o “proibível”), em virtude de possíveis e inovadores critérios interpretativos; b) mais benéfica: em razão
do princípio da igualdade, deve-se considerar a primeira condenação como contrária ao texto expresso de lei,
viabilizando sua revisão (art. 621, I, CPP).
Nullum crimen nulla poena sine lege scripta. Proíbe a criação de crimes e penas pelo costume. Só a lei escrita,
promulgada de acordo com as previsões constitucionais, pode criar crimes e penas. Divide-se em duas
concepções opostas: a) Reserva absoluta: postula que a lei penal resulte sempre do debate democrático
parlamentar, sendo que apenas os procedimentos legislativos teriam idoneidade para ponderar e garantir os
interesses da liberdade individual e da segurança jurídica, cumprindo à lei proceder a uma “integral formulação
1.2. Scripta (RESERVA
do tipo” (minoritário em doutrina, este posicionamento sustenta a inconstitucionalidade das normas penais
LEGAL) em branco heterólogas = “cominações penais cegas”); b) Reserva relativa: nega o monopólio do Poder
Legislativo em assuntos penais, admitindo que a matéria da proibição possa ser parcialmente definida por
outras fontes de produção normativa, a partir de estruturas gerais e diretrizes postas pelo legislador
(majoritário em doutrina).
Nullum crimen nulla poena sine lege scripta. Proíbe o emprego de analogia in malam partem, isto é, para criar
crimes, fomentar ou agravar penas (é possível a analogia in bonam partem, que restringe a punibilidade –
cite-se, como exemplo, o recurso a outros ramos do direito para a precisão do art. 23, III, do CP). Exemplo
histórico de sua VIOLAÇÃO no Brasil, do período da Ditadura Militar, é a punição do apoderamento ilícito de
1.3. Stricta
aeronaves, então fato atípico, a título de sequestro pelos tribunais. Atualmente, a admissão de pessoas
(PROSCRIÇÃO DA
jurídicas na condição de sujeito passivo do crime de difamação (art. 139 do CP) representa emprego de
ANALOGIA) analogia (está arrolado entre os “crimes contra a pessoa”, além do uso da vox “alguém”, caracterizadora da
pessoa humana).
Classicamente aceito no direito processual penal, mas rejeitado no direito penal, é arrolado por ZAFFARONI e
PIERANGELLI como o princípio que obriga uma interpretação restritiva da punibilidade ao estabelecer um
“limite semântico do texto legal”, além do qual não se pode estender a punibilidade, pois deixa de ser
interpretação para ser analogia. São condições para sua correta aplicação: a) rejeição da “interpretação
1.3.1. INTERPRETAÇÃO
extensiva”, se por ela se entende a inclusão de hipóteses punitivas que não podem ser toleradas pelo limite
RESTRITIVA (IN DUBIO
máximo da resistência semântica da letra da lei, porque isso seria analogia; b) não aceitação de nenhuma regra
PRO REO ou FAVOR apodítica (indiscutível) dentro dos limites semânticos do texto (onde a lei não distingue não se deve distinguir,
REI) salvo que haja imperativos racionais que obriguem a distinguir e sempre que esta distinção não aumente a
punibilidade saindo dos limites do texto); c) preferências pela interpretação restrita da punibilidade, nos casos
em que a análise da letra da lei dá lugar a duas interpretações possíveis (mas pode ser descartada ante a
contradição da lei assim entendida com o resto do sistema).
Sendo a lei um texto, que pressupõe um contexto (tanto discursivo quanto social), a transformação do
contexto social pode conduzir à perca de seu conteúdo lesivo ou dele carecer (ex.: o art. 134 do CP, que
1.3.2. ADEQUAÇÃO criminaliza a distribuição ou exposição pública de “escrito, desenho, pintura, estampa ou qualquer objeto
obsceno”, superada pela chamada revolução sexual). Se subdivide em duas frentes: 1ª) perspectiva
SOCIAL (RESPEITO
tradicional: como princípio direcionado ao legislador, serve de parâmetro para a criminalização primária; 2ª)
HISTÓRICO AO
perspectiva crítica: prescreve que condutas socialmente adequadas não merecem relevância penal, não
ÂMBITO LEGAL DO incidindo a primazia do legislador na tipificação de condutas e, portanto, implicando na invalidade (atipicidade
PROIBIDO) material) da norma penal inadequada à realidade social. Segundo ZAFFARONI e NILO BATISTA, este princípio
determina a consideração do contexto cultural do texto legal, sendo que, quando se comprova um fenômeno
de inusitada extensão proibitiva, devesse-lhe impor uma redução histórica, sob pena de “ampliação fantástica
das proibições”. Exemplos de sua violação são a criminaçização da “pirataria” por violação de direitos autorais
(Súmula 520/STJ)
Nullum crimen nulla poena sine lege certa. Proíbe incriminações vagas, genéricas e indeterminadas. Formular
1.4. Certa - tipos penais genéricos ou vazios, valendo-se de cláusulas gerais, conceitos indeterminados ou ambíguos
TAXATIVIDADE equivale teoricamente a nada formular (“mulher honesta”, “objeto obsceno” etc.). Exemplo de sua violação é
(MÁXIMA a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83), bem como a pendente aprovação do crime de terrorismo, definido
TAXATIVIDADE LEGAL no texto do PLCD como “prática cometida por uma ou mais pessoas de atos para intimidar ou coagir estado,
E INTERPRETATIVA; organização internacional ou pessoa jurídica, nacional ou estrangeira, com o objetivo de provocar terror,
PROIBIÇÃO DAS colocando em risco cidadãos, patrimônio ou a paz pública”. Proíbe, igualmente, tratando-se de penas
VAGUE LAWS PELO graduáveis, que o legislador não estabeleça uma escala de merecimento penal, com polos mínimo e máximo,
ou a estabeleça com solução tão ampla que instaure na prática a insegurança jurídica, diante de soluções
PRINCÍPIO DO VOID OF
radicalmente diferentes para fatos pelo menos tipicamente assimiláveis, favorecendo um perigoso arbítrio
VAGUENESS)
judicial (uma das práticas mais comuns da parte especial do CP).
Firma a concepção da pena como ultima ratio, determinando que o direito penal só deve intervir nos casos de
2. INTERVENÇÃO ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes, enquanto as perturbações mais leves da ordem
MÍNIMA jurídica devem ser objeto de outros ramos do direito. A ele pode se relacionam algumas “CARACTERÍSTICAS”
do direito penal, arroladas abaixo como sub-princípios:
Pressupõe a fragmentariedade (veja abaixo), considerando o direito penal como “remédio sancionador
extremo”, que deve ser ministrado apenas quando qualquer outro se revel insuficiente. Em suma, determina
que o direito penal só pode ser legitimamente empregado se insuficientes todas as demais instâncias de
controle social (o direito penal deve ser a ultima ratio, jamais a prima ratio). Historicamente, foi aplicado pela
doutrina e jurisprudência pátrias para temperar a totalitária disposição penal do crime de desobediência (art.
330 do CP), considerando-se que, inobstante previsão legal, se concorrer uma sanção administrativa ou civil
2.1. SUBSIDIARIEDADE para a desobediência, não cabe aplicar a pena.
Obs.: em D.P., cuidado com o raciocínio da proteção deficiente como consequência da subsidiariedade, segundo o qual se
o bem jurídico não foi suficientemente protegido com outras instâncias, seria legítima a intervenção penal. A conclusão deve
ser criticada pois: a) é panpenalista, pois os bem jurídicos nunca serão idealmente/perfeitamente protegidos (como nunca
existirá bem jurídico em situação de perfeita proteção, sempre caberá a intervenção penal); b) ainda que necessária, a
intervenção deve ser adequada e razoável, isto é, útil e proporcional em sentido estrito.
Cabe ao Direito Penal atribuir relevância somente a pequenos fragmentos de ilicitude. Existem, assim,
inúmeros comportamentos cujo caráter ilícito é conferido pelo ordenamento jurídico, mas somente uma
pequena parcela interessa ao direito penal, notadamente a que corresponde aos atos mais graves, atentatórios
dos bens mais relevantes para a vida em comum. Portanto, nem toda lesão a bem jurídico vital terá relevância
2.2.
penal, mas apenas as mais graves, as insuportáveis. Assim, é possível concluir que: 1) se a conduta é
FRAGMENTARIEDADE
penalmente ilícita, será também ilícita nos demais ramos do Direito – por consequência, se qualquer ramo do
Direito autorizá-la, ela será penalmente lícita (TEORIA DOS CÍRCULOS CONCÊNTRICOS – se é penal, está no
mais fechado dos círculos); 2) se apenas o fragmento das graves lesões merece relevância, riscos de lesões
mínimas não podem sofrer intervenção penal.
O direito penal, num ambiente jurídico fundado na dignidade da pessoa humana, não deve criminalizar
comportamentos que produzam lesões insignificantes aos bens juridicamente tutelados. Portanto, condutas
causadoras de danos ou perigos ínfimos aos bens penalmente protegidos são consideradas (materialmente)
atípicas – cuida-se de causa de exclusão da tipicidade (material) da conduta (STF, HC 92.463). No Brasil, a
insignificância é reconhecida desde a década de 1990, tendo o STF desenvolvido quatro vetores para aplicação
do princípio da insignificância (PROL): 1º) Nenhuma Periculosidade; 2º) Reduzidíssima Reprovabilidade; 3º)
2.3. INSIGNIFICÂNCIA Mínima Ofensividade; 4º) Inexpressiva lesividade. Tais requisitos merecem CRÍTICA, pois: a) a insignificância,
(decorrente da que é um conceito jurídico indeterminado, é explicada por quatro conceitos jurídicos indeterminados: com
FRAGMENTARIEDADE) isso, aumenta-se a possibilidade de decisões arbitrárias, aplicando-se a insignificância apenas quando
conveniente (um exemplo disso é o entendimento consolidado de que a insignificância é aplicável nos crimes
de sonegação fiscal de até 20 mil reais, enquanto que uma mãe que furta um pacote de fraldas no
supermercado não desfruta da mesma benesse); b) Insere juízos de culpabilidade na valoração da
insignificância, que trata de tipicidade material: tais vetores permitem ao julgador fazer juízos sobre a pessoa
do acusado quando da análise da tipicidade (em verdadeira manifestação do direito penal do autor), o que
deveria ser feito apenas quando da análise da culpabilidade (nesse sentido, prevalece nas Cortes Superiores o
entendimento de que a reincidência afasta a insignificância por interferir na reprovabilidade).
Conforme a lição de CLAUS ROXIN, só pode ser castigo aquele comportamento que lesione direitos de outras
pessoas, jamais comportamentos pecaminosos ou imorais. No campo dos crimes políticos, qualquer lei
inspirada na doutrina de segurança nacional viola a lesividade, porque aquela considera a dissidência política
o suficiente para um processo de criminalização (“inimigo interno”). Segundo este princípio, não há crime sem
lesão efetiva ou ameaça concreta ao bem jurídico tutelado – nullum crimen sine injuria. Disto decorre uma
série de consequências: a) a conduta proibida deve ter elementos ofensivos ao bem jurídico (apenas condutas
capazes de ofender o bem jurídico); b) é necessário constatar ex post factum (depois do fato) que o bem foi
3. LESIVIDADE (OU ao menos colocado em risco no caso concreto; c) não devem ser admitidos crimes de perigo abstrato, pois a
OFENSIVIDADE) conduta não gera risco ao bem jurídico e o autor é punido pela mera desobediência à norma (segundo
GUSTAVO JUNQUEIRA, os crimes de perigo abstrato não são em si inadmissíveis, desde que o tipo seja
interpretado restritivamente – portanto, deve-se superlativizar a insignificância para que, no caso de dúvida
quanto à capacidade da conduta de ofender a bens jurídicos, afaste-se a incidência do crime, tendo como
parâmetro o princípio da proporcionalidade). Segundo NILO BATISTA, possui QUATRO FUNÇÕES: 1ª) proíbe a
incriminação de atitudes internas (o que inclui o projeto mental do cometimento de um crime, ou seja, a
cogitação); 2ª) proíbe a incriminação de condutas que não excedam o âmbito do próprio autor (veda a punição
autônoma de aos preparatórios, a punição do conluio se sua execução não for iniciada, bem como a autolesão,
o que inclui o suicídio, a automutilação e o uso de drogas); 3ª) proíbe a incriminação de simples estados ou
condições existenciais (o direito penal só pode ser um direito penal da ação, e não um direito penal do autor
– levado às últimas consequências, implica na exclusão das medidas de segurança do campo do direito penal);
4ª) proíbe a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico (direito à diferença).
Segundo o desenvolvimento de CLAUS ROXIN, o direito penal somente pode incriminar comportamentos que
3.1. PRINCÍPIO DA
produzem lesões a bens alheios (“alter” significa outro). De acordo com o princípio, fatos que não prejudiquem
ALTERIDADE (OU
terceiros, apenas o próprio agente, são irrelevantes penais. Isto é, para ter relevância penal, a conduta deve
TRANSCENDENTALIDADE)
expor a risco bem jurídico de terceiro, não bastando a má disposição de um direito próprio (ex.: autolesão,
suicídio, consumo de drogas).
O Direito Penal não pode tutelar valores meramente morais, religiosos, ideológicos ou éticos, mas somente
atos atentatórios a bens jurídicos fundamentais e reconhecidos constitucionalmente (implica na
inconstitucionalidade de criminalização do homossexualismo, bigamia, prostituição etc.) O princípio não pode
3.2. DIGNIDADE PENAL se esgotar na afirmação de que só se afigura legítima a incriminação de condutas atentatórias aos bens
(EXCLUSIVA jurídicos, pois estes, sendo definidos por obra do legislador, poderiam ganhar qualquer conotação, até mesmo
de atos puramente imorais, pecaminosos ou antiéticos. Embora caiba ao parlamento, a seleção de fatos
PROTEÇÃO) DE/DOS
penalmente relevantes deve se dar em estrito cumprimento à Constituição Federal, de onde se devem retirar
BENS JURÍDICOS
os valores aptos a merecer a tutela penal. Em outras palavras, ao se descrever os atos lesivos a bens jurídicos,
deve-se assegurar que eles exprimam os valores expressos ou implícitos consagrados em nossa Lei
Fundamental (CLAUS ROXIN).
Postula a RACIONALIDADE (a pena não pode ser uma coerção puramente negativa, um rito de expiação e
opróbrio), PROPORCIONALIDADE (a pena deve ser proporcional à gravida da conduta) e IGUALDADE NA
DISTRIBUIÇÃO DA PENA (sob os mesmos pressupostos, duas pessoas deveriam receber penas semelhantes,
salvo as diferenças impostas pela individualização), determinando que a finalidade desta não é “fazer sofrer o
condenado”. Intervém na cominação, aplicação e execução da pena, determinando que ninguém será
submetido a tortura, penas cruéis (incluso o RDD, conforme tese institucional da DPESP e Caso Bamacá-
Velásquez vs. Guatemala), desumanas ou degradantes – incluídas, no caso brasileiro, as penas de morte
(comutação na extradição), perpétuas (idem), de trabalhos forçado (inconstitucionalidade do art. 39, V, da LEP)
e de banimento. Igualmente cruéis são as consequências jurídicas que se pretendam manter até a morte da
pessoa, porquanto impõem-lhe um sinete jurídico que a converte em alguém inferior (capitas diminutio) –
depuração dos antecedentes conjuntamente com a reincidência, no prazo de 5 anos (STF – entendimento não
aplicado, contudo, pelos TJ’s). Toda consequência de uma punição tem de acabar em algum momento, por
4. HUMANIDADE longo que seja o tempo a transcorrer, mas não pode jamais ser perpétua no sentido próprio da expressão, pois
admitiria a existência de uma pessoa descartável. Tem como base estabelecer que: a) o sentenciado não perde
(PROSCRIÇÃO DA
sua condição humana (ex.: caso dos presos com sarna); b) evitar o sofrimento excessivo no cumprimento da
CRUELDADE)
pena; c) a pena deve fomentar a integração social, ou ao menos não dessocializar. Previsão legal: art. 5º, III e
LXVII, CF; art. V da Declaração Universal dos Direitos do Homem; art. 5, 2, da Convenção Americana de Direitos
Humanos. Em que pese tal consagração implícita e expressa na lei de hierarquia máxima, trata-se do
princípio mais ignorado pelo poder criminalizante. ZAFFARONI, PIERANGELLI e NILO BATISTA fazem
interessante construção da PENA CRUEL NO CASO CONCRETO, embora não abstratamente cruel, citando
como exemplos: a) quando a pessoa sofre um grave castigo natural pelas próprias consequências do fato (é
este princípio que justifica a escusa absolutória no homicídio, o que demonstra, portanto, a possibilidade de
concessão de perdão judicial ainda que sem “autorização” expressa da lei penal); b) quando a perspectiva de
vida de uma pessoa diminui pelo fato de ter contraído uma doença ou porque as possibilidades de sobrevida
tornam-se reduzidas em virtude da prisionização – nessas circunstâncias concretas, a prisionização, ou sua
perpetuidade, avizinham-se de uma pena de morte. A sentença, como ato que “diz o direito”, não pode dizer
o antijurídico, violando o princípio da humanidade. Deve, portanto, ser excedido para menos o limite máximo
da pena, adequando-se a uma quantificação que não seja violadora do postulado – essa é a melhor
orientação, seguida por LUIZ RÉGIS PRADO, que afirma que o art. 68 do CP não proíbe a aplicação da pena
inferior ao limite mínimo (porém, consolidou-se, quase que por um ato de fé, o entendimento oposto,
representado pela Súmula 231/STJ). Seu principal desdobramento é o sub-princípio da proporcionalidade
mínima da pena com a magnitude da lesão:
O princípio da proporcionalidade mínima da pena com a magnitude da lesão não se presta a legitimar a pena
como retribuição ou mesmo a (indemonstrável) racionalidade da pena, mas determina que as agências
jurídicas devem, pelo menos, demonstrar que o custo em direitos com a suspensão do conflito mantém uma
proporcionalidade mínima com o grau da lesão que tenha provocado – simplesmente se afirma que o direito
penal deve escolher entre irracionalidades, deixando passar as de menor conteúdo. Não faltam exemplos de
4.1.
sua violação no direito penal brasileiro, uma vez que as teorias preventivas da pena induzem ao
PROPORCIONALIDADE desconhecimento desse princípio, porque as agências políticas, invocando indemonstráveis efeitos
MÍNIMA DA PENA preventivos, atribuem a si mesmas a faculdade de estabelecer penas de modo arbitrário, ignorando qualquer
COM A MAGNITUDE hierarquia de bens jurídicos afetados. São exemplos: 1º) ofensas à propriedade com pena superior a ofensas
DA LESÃO a integridade física ou a vida; 2º) majoração de penas cominadas pela interferência de circunstâncias
qualificadoras idênticas (o concurso de 2 ou mais pessoas no roubo majora a pena de 1/3 até 1/2, enquanto
que no furto a majoração é do dobro); 3º) quando a ofensas equiparáveis a outras são conferidos irracionais
privilégios (o médico que, no exercício de sua profissão, emite atestado falso, submete-se à pena de detenção
de 1 mês a 1 ano, enquanto que a falsidade ideológica de documento particular é punida com detenção de 1
a 3 anos – deve ser feita uma analogia in bonam partem corrigindo a irracionalidade do privilégio, de modo
que todo atestado falso emitido privadamente por qualquer profissional não pode acarretar-lhe pena superior
à do médico).
Determina o repúdio a qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado (responsabilidade objetiva), bem
como a exigência de que a pena não seja infligida senão quando a conduta do sujeito, mesmo associada
causalmente a um resultado, lhe seja subjetivamente atribuível. ZAFFARONI e NIL BATISTA dividem o princípio
em DOIS ASPECTOS PRINCIPAIS: 1º) exclusão da imputação pela mera causação (exclusão da imputação de
resultado acidental fortuito ou imprevisto); 2º) exclusão da punibilidade por não ter podido o agente conhecer
5. CULPABILIDADE
a ilicitude ou adequar a sua conduta ao direito (não há pena sem exigibilidade – pressupõe um ente
(EXCLUSÃO DA audeterminável). Sua violação mais grosseira é o versari in re illicita, que conceitua autor como aquele que,
IMPUTAÇÃO PELA fazendo alguma coisa não permitida, por puro acidente causa um resultado antijurídico e esse resultado não
MERA CAUSAÇÃO DO pode considerar-se causado culposamente de acordo com o direito atual. O versari se infiltra nas sentenças e
RESULTADO E DE mesmo na doutrina, especialmente no que diz respeito aos crimes qualificados pelo resultado (ex.: racha de
EXIGIBILIDADE) veículos com morte e dolo eventual) e os casos de estados de inculpabilidade provocados pelo próprio agente
(ex.: actio libera in causa – art. 28, II, CP). Tem por núcleo a ideia de reprovabilidade da conduta, que funciona
como fundamento e limite da pena. Em suma, determina a (a) subjetividade da responsabilidade penal e a (b)
personalidade da responsabilidade. Desta segunda função (responsabilidade da responsabilidade penal)
derivam duas consequências, arroladas abaixo como sub-princípios:
Impede que a pena ultrapasse a pessoa do autor ou partícipe do crime. A responsabilidade é sempre pessoal
5.1. (não há, no direito penal, responsabilidade coletiva, subsidiária, solidária ou sucessiva). Trata-se do exato
INTRANSCENDÊNCIA oposto do que acontece no estado de polícia, que estende a responsabilidade a todos os que cercam o infrator,
pelo menos por não terem denunciado sua atividade – por isso, por meio do terror, incentiva a delação e
(TRANSCENDÊNCIA
consagração a corrupção do sangue. Porém, como destacam ZAFFARONI e NILO BATISTA, a transcendência do
MÍNIMA) OU
poder punitivo na direção de terceiros é inevitável (estigmatização, queda de rendimentos, privação de
PERSONALIDADE DA relação sexuais dos cônjuges, revista íntima imposta às famílias dos presos). Daí falar-se na TRANSCENDÊNCIA
PENA MÍNIMA DA PENA. É ela quem coloca a questão da família do condenado pobre (art. 5º, XLV, CF), e
fundamenta a existência, no sistema de seguridade social, de um “auxílio-reclusão”.
É um consectário da isonomia, pois impõe tratamento diferenciado a fatos e pessoas desiguais, na medida das
desigualdades. Está consagrado no art. 5º, XLVI, da CF. São três os consagrados momentos de individualização:
a) COMINAÇÃO LEGISLATIVA: é o momento da previsão em abstrato da pena. Para o Direito Penal Redutor
deveria prevalecer aqui uma função de identificação dos indivíduos que são especialmente levados a uma
maior vulnerabilidade perante o sistema persecutório, com a adoção de políticas visando prevenir a
reincidência;
b) APLICAÇÃO DA PENA: sob o prisma judicial, exige que a pena aplicada considere a pessoa concreta à qual
5.2. se destina (art. 59 e ss. do CP) – por isso o limite mínimo e máximo, permitindo a adequação ao caso concreto.
INDIVIDUALIZAÇÃO DA Numa perspectiva crítica/redutora, deve ser reconhecida função de contenção (ou função negativa) que busca
diminuir o dano da apenação na mesma proporção da vulnerabilidade (quanto mais vulnerável, o Estado
PENA
deveria pensar mais em quanto dano está impondo por meio da pena – trata-se da ideia de CULPABILIDADE
POR VULNERABILIDADE, segundo a qual, quanto mais vulnerável o agente, menor a sua culpabilidade);
c) EXECUÇÃO: finalmente, a pena é individualizada no momento de sua execução. Segundo a concepção
tradicional, isto se dá com base no comportamento do detento: o bom comportamento traz regalias e o mau
comportamento traz castigos. Numa perspectiva crítica/redutora, deve ser reconhecida função positiva ou
oportunizante e as agências assistenciais devem oferecer meios para reduzir vulnerabilidade (deveria haver
um aparato de assistência social na execução da pena para diminuir a vulnerabilidade do acusado).
O princípio processual ne bis in idem e a proibição de dupla punição acham-se intimamente vinculados, mas
não coincidem quanto ao seu alcance: o primeiro opera mesmo antes da punição, e a segunda também em
casos nos quais o primeiro não se encontra formalmente comprometido. ZAFFARONI e NILO BATISTA citam
três grupos de casos no qual o primeiro não se aplica, mas apenas o segundo: 1º) direito administrativo
sancionador: ocorre dupla punição quando a administração e, às vezes, as pessoas jurídicas aplicam penas
(com frequência mais graves do que as penas da lei penal), tratando-se de coações que não têm caráter
reparador ou restitutivo nem de coerção indireta, mas que, conforme os elementos negativos do discurso
penal, não são considerados penas – sua exclusão do discurso penal abre espaço para o exercício de um poder
punitivo mais discricionário e que, além disso, pode somar-se ao poder punitivo manifesto, razão pela qual o
6. PROIBIÇÃO DA remédio adequado é proclamar a inconstitucionalidade de toda punitividade não manifesta (exemplo claro de
DUPLA PUNIÇÃO violação deste princípio é o “novo” art. 277, § 3º, do CTB, que estabelece penalidades administrativas ao
condutor que se recusar a se submeter a exames de alcoolemia, em flagrante violação do nemo tenetur se
detegere); 2º) ocorre dupla punição nos casos em que pessoas sofrem lesões, doenças ou prejuízos
patrimoniais por ação ou omissão dos agentes do estado durante a investigação ou repressão do delito
cometido (não é incomum que em sede judicial, no continente latino-americano, se confirmem torturas) – a
agência judicial deve leva-las em conta para a solução do conflito, não podendo ignorar que o proibido existiu,
“descontando” a dor punitiva sofrida daquela jurisdicionalmente autorizada (os patamares mínimos das
escalas possuem mero valor indicativo que deve ceder diante de imperativos constitucionais e internacionais);
3º) ocorre dupla punição quando se pune povos indígenas ou de culturas diferenciadas após já lhes ter sido
aplicada sanção por seu próprio sistema de sanções e de solução de conflitos – embora inexista disposição
expressa em nossa lei penal nesse sentido, o reconhecimento constitucional dos costumes e tradições dos
índios (art. 231 da CF) obriga a leva-los em consideração, inclusive no âmbito penal.
Os textos constitucionais e internacionais que consagram direitos devem ser interpretados de boa-fé e, em
caso de dúvida, de acordo com a cláusula pro homine. Trata-se de aplicação dos consagrados princípios
interpretativos do internacional para atuar também no direito interno. A boa-fé se consagra como critério
interpretativo de qualquer tratado internacional (art. 31 da Convenção de Viena). O princípio pro homine
estabelece que, em caso de dúvida, se decida sempre no sentido mais garantidor do direito que se trate. O
7. BOA-FÉ OU PRO princípio da boa-fé e sua concreta aplicação (pro homine) impedem que o discurso penal invoque disposições
HOMINE da Constituição e dos tratados para violar os limites do direito penal de garantias, ou seja, a fim de que se faça
um uso perverso das próprias cláusulas garantidoras. Exemplo de usos como esse são as invocações a direitos
para convertê-los em bens jurídicos e impor penas inusuais ou cruéis sob o pretexto de tutela.
O estado de direito, embora nem sempre seja ético, implica uma aspiração de eticidade, racionalidade e
pacificação social. Ele não é titular de um direito penal subjetivo, porque toda pena é uma renúncia à solução
de um conflito mediante sua suspensão, levada a cabo com um alto grau de arbitrariedade. O cerne da
irracionalidade do exercício desse poder verticalizador não tem outra explicação senão a descrição fática de
8. SUPERIORIDADE
um acontecimento político. Sua irracionalidade é inversamente proporcional à dificuldade de solucionar o
ÉTICA DO ESTADO
conflito: quanto mais disponível for a solução, mais irracional será o confisco da vítima. O estado de polícia,
contido pelo estado de direito, tende a enfraquece-lo, multiplicando as intervenções punitivas desnecessárias,
com desprezo pelas vítimas. À medida em que o estado de direito cede às pressões do estado de polícia,
encapsulado em seu seio, ele perde racionalidade e enfraquece sua função de pacificador social, mas ao
mesmo tempo perde nível ético, porque acentua a arbitrariedade da coação. A renúncia aos limites éticos dá
lugar à sua ilegitimidade e consequente carência de títulos para exigir comportamentos adequados ao direito
por parte dos cidadãos.
As criminalizações primárias surgem em um dado momento histórico e são consagradas por legisladores que
participam de determinado contexto cultural e de poder: o legislador que constrói um tipo penal imagina um
conflito e o define, condicionado pelas representações coletivas, preconceitos, valorações éticas,
conhecimentos científicos, fatores de poder e racionalizações de seu dado momento cultural. Tais
condicionantes se transformam rapidamente, por efeito do dinamismo histórico, mas os tipos penais
permanecem imutáveis e, além disso, são copiados por outros códigos em países que nada têm em comum
9. SANEAMENTO com o contexto originário. Isso conduz ao fenômeno do degredo dos tipos penais, que faz com que eles tragam
GENEALÓGICO consigo uma carga ideológica originária pouco compatível com o estado de direito. Esta carga ideológica
representa a genealogia do tipo penal, que se pesquisa por meio da comparação (direito penal comparado) e
da história (contexto de poder originário). O princípio do saneamento genealógico, assim, assume uma
dogmática penal politicamente orientada, indo além da mera análise exegética do texto para rastrear a sua
genealogia, descobrindo os perigosos componentes do daquele degredo para o estado de direito para impedir
seus efeitos.
PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO PENAL
Intensificado pela modernidade, o princípio da secularização determina a produção de uma ruptura entre
direito e moral (ou moralidade), destacadamente a moral eclesiástica. Especificamente no que tange o direito
penal, distingue-se claramente crime e pecado. “Com efeito, o moderno direito penal não pode considerar
crime condutas que mais se aproximam do pecado, tampouco pode considerar crime condutas socialmente
I. SECULARIZAÇÃO
adequadas, como o caso da casa de prostituição e do rufianismo” (ANDRÉ NICOLITT). Segundo SALO DE
CARVALHO, “os direitos à intimidade e à vida privada instrumentalizam em nossa Constituição o postulado da
secularização, que garante a radical separação entre direito e moral. Neste aspecto, nenhuma norma penal
criminalizadora será legítima se intervier nas opções pessoais”.
Determina que o estado deve proporcionar condições de dignidade àqueles que estão presos, uma vez que
numa sociedade democrática os órgãos estatais devem ser vistos como exemplos do modo como devem ser
tratados todos os cidadãos. Dispõe, ainda, que, “salvo restrições comprovadamente inerentes à própria
condição de encarceramento, todos os demais direitos e garantias fundamentais dos reclusos devem ser
escrupulosamente preservados, nunca perdendo de vista que a limitação de direito é, por natureza,
dessocializadora, no exato sentido em que exclui o recluso do seu estatuto social normal” (RODRIGO DUQUE
II. NÃO ESTRADA ROIG). E mais: a situação de encarceramento não apenas não retira das pessoas presas ou
MARGINALIZAÇÃO internadas seus direitos fundamentais como, pelo contrário, as torna carecedoras de maior tutela,
(NÃO discriminação positiva e segurança por parte do Estado, considerando o estado de absoluta vulnerabilidade
DISCRIMINAÇÃO) DE em que se encontram e a responsabilidade estatal pela guarda de seres humanos em suas instituições
PESSOAS PRESAS OU asilares. É sua existência que refuta o princípio da less eligibility, segundo o qual os presos devem
INTERNADAS experimentar um grau de sofrimento necessariamente superior às pessoas livres, seja por motivações
retributivas (atreladas à ideia de “merecimento” da pena) ou preventivas (pretensão de dissuasão da
coletividade à prática de crimes e de reforço à fidelidade normativa). Determina, ainda, o afastamento das
teorias administrativistas da supremacia especial do estado (teoria das relações especiais de sujeição), que
afirmavam a existência de um direito de supremacia geral pelo estado-administração a todos os cidadãos, pelo
fato de serem “súditos” do poder público, bem como um direito de supremacia especial do estado, exercido
sobre determinadas categorias de pessoas, que mantêm com o estado relações particulares de subordinação
(relações especiais de sujeição).
Como manifestação da ultima ratio da intervenção penal (intervenção mínima, fragmentariedade e
subsidiariedade), estabelece que a punição criminal, em virtude de seus efeitos nefastos e estigmatizantes,
deve ser reservada apenas aos casos de extrema necessidade, quando a defesa de certo interesse ou valor não
pode ser inviabilizada por instrumentos não penais. São exemplos de sua aplicação no âmbito da execução
penal: a) a medida disciplinar de isolamento, se não tiver sua inconstitucionalidade reconhecida, deve ao
menos ser considerada como a ultima ratio da execução penal, apenas aplicável quando inviáveis outras
sanções disciplinares menos gravosas; b) outras sanções menos aflitivas ao projeto existencial da pessoa presa
poderiam ser vislumbradas como substitutivas também à regressão de regime, reduzindo-se assim os danos
III. INTERVENÇÃO causados pelo prolongamento do rigor penitenciário; c) a perda do período de prova, em caso de prática de
MÍNIMA crime ou descumprimento das condições do livramento condicional, também merece ser cotejada com a
intervenção mínima, recorrendo-se a forma de sancionamento menos gravosas do que a perda integral do
período de prova e sua desconsideração como pena efetivamente cumprida. Também é aplicável às medidas
de segurança, estando materializado em três passagens da Lei 10.216/01 (Reforma Manicomial): 1º) a
internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra hospitalares se
mostrarem insuficientes (art. 4º); 2º) direito das pessoas com transtorno mental de serem tratadas em
ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis, preferencialmente, em serviços comunitários de
saúde mental (art. 2º, parágrafo único), o que demonstra que o tratamento (cuidado assistência) às pessoas
submetidas às medidas de segurança deve ser realizado em ambiente não prisional, com menor invasividade
possível sobre a pessoa; 3º) vedação da internação de pessoas com transtorno mental em instituições com
características asilares, ou seja, aquelas desprovidas de serviços médicos, de assistência social, psicólogos,
ocupacionais, lazer etc. (art. 4º, § 2º), o que implica na vedação de internação nos Hospitais de Custódia e
Tratamento (art. 99 a 101 da LEP), porque possuem características materialmente penais e natureza
tipicamente asilar.
Um dos princípios mais relevantes e de maior impacto no cotidiano carcerário é o da celeridade (ou razoável
duração do processo), pois é patente a de(mora) judicial na apreciação dos requerimentos em sede de
execução penal, em clara violação ao art. 5º, LXXVIII, da CF. São exemplos de sua violação: a) ausência de
prazo legal para conclusão do procedimento administrativo disciplinar; b) restrição ao manejo do habeas
corpus como eficaz substituto ou complemento do agravo em execução, diante da urgente e manifesta lesão
ao direito de locomoção da pessoa presa; c) demora na apreciação da progressão do regime fechado para o
IV. CELERIDADE OU semiaberto (deve provocar outro efeito: todo o tempo de demora deve ser descontado do prazo da próxima
DURAÇÃO RAZOÁVEL progressão para o regime aberto ou até mesmo descontado do prazo para livramento condicional. RODRIGO
DO PROCESSO DUQUE ESTRADA ROIG sugere duas medidas para seu efetivo cumprimento: 1ª) fixação, no corpo da sentença
condenatória, de cálculo indicando, em tese, a suposta data de atingimento dos lapsos temporais necessários
para a fruição dos direitos previstos na execução da pena (livramento condicional, progressão de regime etc.),
de modo a orientar órgãos colegiados e o próprio juízo da execução acerca da proximidade ou ultrapassagem
do prazo legal; 2ª) concessão dos direitos (“benefícios”) antes do implemento de seus requisitos objetivos,
condicionando-a apenas à inexistência de chegada, aos autos, de informação sobre punição por falta grave.
É o princípio ou sistema organizacional por meio do qual cada nova entrada de uma pessoa no âmbito do
sistema carcerário deve necessariamente corresponder ao menos a uma saída, de forma que a proporção
presos-vagas se mantenha sempre em estabilidade ou tendencialmente em redução. Antes de tudo, é um
princípio que preconiza o controle e a redução da população carcerária, não a criação de novas vagas. Segundo
NILO BATISTA (“Reforma Penitenciária à Francesa”), a adoção do princípio do numerus clasus, a par dos óbvios
benefícios para a convivência penitenciária, deslocaria os investimentos estatais da infecunda construção de
mais e mais presídios para programas de controle e auxílio dos egressos (“clínicas de vulnerabilidade”).
Segundo RODRIGO DUQUE ESTRADA ROIG, a imposição do numerus clausus ao Juízo da Execução pode se
amparar em QUATRO GRANDES FUNDAMENTOS: 1º) o Estado de Democrático de Direito, que possui como
um dos seus objetivos a promoção do bem de todos e como fundamento a dignidade da pessoa humana; 2º)
a constatação, a partir do art. 85, caput, da LEP, que exige que o estabelecimento penal possua lotação
compatível com sua estrutura e finalidade, de que a superlotação é um estado permanente de ilegalidade;
3º) a superlotação é exemplo claro de desvio de execução (art. 185 da LEP), vez que impõe à pessoa presa um
sofrimento que transcende os limites fixados na sentença, de forma ilegal, inconstitucional e humanamente
V. NUMERUS CLAUSUS
intolerável; 4º) a determinação do numerus clausus decorre do poder-dever do Juízo da Execução no sentido
(NÚMERO FECHADO)
de zelar pelo correto cumprimento da pena (art. 66, VI, LEP), impedindo práticas atentatórias aos direitos
humanos das pessoas presas. O mesmo autor identifica ao menos TRÊS MODALIDADES de numerus clausus
(simultaneamente aplicáveis ou não):
a) NUMERUS CLAUSUS PREVENTIVO: vedação de novos ingressos no sistema, com a consequente
transformação do encarceramento em prisão domiciliar. Alguns países europeus instituíram lista de espera de
entrada no sistema, o que é elogiável, mas insuficiente, considerando que o indivíduo não pode permanecer
indefinidamente à mercê da disponibilidade do Estado (sugere-se atrelar o sobrestamento do início da
execução penal com o prosseguimento do prazo prescricional). Todavia, deve-se atentar aqui para a ação da
seletividade inerente ao sistema penal, que pode vir a privilegiar os menos vulneráveis, em detrimento dos
mais vulneráveis;
b) NUMERUS CLAUSUS DIRETO: deferimento de indulto ou prisão domiciliar àqueles mais próximos de atingir
o prazo legal para a liberdade (pode-se ainda ventilar a antecipação cautelar do livramento condicional, se esta
medida for considerada mais favorável). Viável ainda seria a conversão da pena privativa de liberdade em
restritiva de direito, por analogia ao disposto no art. 180 da LEP. É aplicado pelo STJ no caso de falta ou
inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime aberto, permitindo-se o cumprimento da pena em
prisão domiciliar (HC 154.947/RS, j. 11.12.2012). O STF foi, inclusive, além, entendendo que “incumbe ao
Estado aparelhar-se visando à observância irrestrita das decisões judiciais. Se não houver sistema capaz de
implicar o cumprimento da pena em regime semiaberto, dá-se a transformação em aberto e, inexistente a casa
do albergado, em prisão domiciliar” (HC 96.169, j. 25.08.2009). Por fim, é importante pontuar que o critério
de inclusão das pessoas presas deveria ser o mais claro possível, de modo a evitar exagerada subjetivação;
c) NUMERUS CLASUS PROGRESSIVO: sistema de transferência em cascata (em cadeia), com ida de um preso
do regime fechado para o semiaberto, de outro do regime semiaberto para o aberto (ou prisão domiciliar) e,
por fim, de alguém que esteja em uma dessas modalidades para o livramento condicional (uma espécie de
“livramento condicional especial). Todas as transferências se dariam antes mesmo do implemento do prazo
de progressão de regime (ou livramento condicional, na última etapa), “empurrando” o preso para fora do
círculo detentivo, ingressando no círculo da liberdade. Para evitar subjetivações e iniquidades, os critérios de
inclusão no numerus clasusus progressivo também deveriam ser bem definidos.

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