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História das Instituições Jurídicas

e Políticas
Instituições Políticas e Jurídicas da Antiga Grécia – José Pina
Delgado
Juiz do Tribunal Constitucional
Prof. Auxiliar de Teoria do Direito & Direito Público
Regente de Direito Internacional, Direitos Fundamentais e
HIJP
Introdução geral

-Composta por diferentes Estados soberanos, com dimensão muito reduzida


na forma de Cidades-Estado. Destas, as principais eram Atenas e Esparta, as
quais, por sua vez, mantinham alianças com outras cidades-Estado com
valores ou interesses comuns.
-Papel muito reduzido da religião na formatação das instituições políticas e
jurídicas gregas, particularmente no âmbito do Direito Público.
-O Estado não é considerado como uma criação divina, e nisto a lógica
afastava-se de forma intensa da linha oriental. O Estado, a moral, a
organização política adequada são criações HUMANAS; o Homem, por sua
vez, é um ser umbilicalmente ligado à cidade (physis politikoon zoon).
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Jurídicas da Antiga Grécia
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Jurídicas da Antiga Grécia
Carácter abstencionista da Religião Grega – Os Deuses gregos não se
preocupavam com os humanos, pois tinham uma existência suficientemente
atribulada; assim sendo, com base num processo de racionalização da
existência humana integrado na passagem do mito para o logos, e na
emergência do pensamento racional na Atenas clássica.
Como, ao contrário por exemplo dos judeus, os Deuses gregos não lhes
diziam como se comportar, que instituições deveriam montar ou que normas
adoptar para regular a sua conduta, os homens passaram a ter integral
liberdade para fazê-lo por si próprios, podendo moldá-las a seu bel prazer.
Como dizia um filósofo, o “homem é a medida de todas as coisas”
(Protágoras). José Pina Delgado - Instituições Políticas e
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Experiência colonial das cidades gregas - Os gregos,
por motivos de sobrevivência, foram obrigados a colonizar
por meio de expedições marítimas, vários espaços do
Mediterrâneo.---- -Oikistes (líder) -----Noção de que o
Estado e o Direito pode ser criados do nada (nihil).

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Jurídicas da Antiga Grécia
Características gerais
1. O surgimento da República
como forma de Governo e a alteração do modo
de legitimação do poder.
Se até à data a maior parte das civilizações se
tinha organizado politicamente como
Monarquias, naturalmente governadas por um
Rei, na Antiga Grécia, a forma de governo existente
no auge de sua civilização (Século VI A.C. e ss) era
a República (Politeia).
Como o próprio nome diz, trata-se de um modelo de organização política em que o
Estado é considerado uma coisa de todos, uma propriedade com condomínio dos
seus membros, cada qual detendo uma de suas partes.
Disso decorre igualmente uma revolução no vocabulário político, nomeadamente
porque deixa de haver súbditos e passa a considerar-se o cidadão, o membro ou
proprietário da cidade.
Evidentemente, todo este processo vai também alterar a forma típica de legitimação
do poder, a qual já não tinha nada de religiosa e, no caso concreto, passa a ser
popular (pelos próprios governados), emergindo dali o princípio da soberania do
povo. José Pina Delgado - Instituições Políticas e
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2. Os princípios constitucionais
estrutantes diferenciados

• Esparta – Princípio da Ordem


do Estado sob um governo de leis (Eunomia)
• princípio da comunidade dos iguais (homoioi):
a) Igualdade económica (posse
imóvel equilibrada; proibição do comércio;
alimentação conjunta)
b)Igualdade de educação (a partir dos 7 a.)
c) Igualdade política
Atenas- Princípio da Isonomia (igualdade).
a) Acesso a cargos públicos;
b) Rotatividade dos cargos públicos;
c) Dever de serviço público.

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3. Complexificação da Divisão dos poderes entre órgãos
do Estado

Em Esparta, um Estado altamente militarizado, que se realizava pela guerra, os


poderes estavam divididos por quatro órgãos de Estado:
- Gerusia (30 integrantes) 28 Anciãos (gerontes =idosos), eleitos pela Assembleia
de entre os cidadãos (do sexo masculino e nascidos de mãe e pai espartanos),
maiores de sessenta e comprovadas virtudes militares, e os dois Reis de Esparta –
tinham um mandato vitalício. Poder moderador da cidade, com algumas
competências judiciais; embora sem poderes executivos, podia envolver-se em
qualquer matéria que dissesse respeito à estabilidade do Estado (no fundo, nada
era feito sem a anuência dos gerontes); funcionava também como tribunal para
julgar os crimes públicos e aqueles que implicassem na aplicação da sanção
capital, bem como qualquer situação que envolvesse os reis de Esparta (por
prática de crime ou, simplesmente, incompetência).

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• Eforato – 5 Integrantes – Mandato de 1 ano – Eleitos
pela Assembleia entre os cidadãos espartanos maiores
de 18 anos - Poderes executivos ligados à gestão da
cidade e do exército – jurisdição sobre os crimes
menos graves e jurisdição civil – convocação da
assembleia- fiscais da atividade dos reis,
acompanhando-os fora da cidade e acusando-os em
tribunal (Gerusia).

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- Appella – Integrada por todos os cidadãos (homens
espartanos livres maiores de 18 anos – Competências
legislativas fracas (= deliberativas;- autoconvocarão; -
iniciativa legislativa; - emenda) e de eleição de
titulares de cargos políticos (Gerusia; Eforato), mas
com um sistema eleitoral muito dado a
manipulações.
- Reis – em número de 2 para resolver um
problema dinástico – Com poderes limitados
dentro da cidade (alguns atos religiosos), mas
relativamente extensos fora dele na medida em
que eram os líderes do exército e titulares do
poderes da República de Esparta enquanto
estivessem em campanha militar.

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Órgãos do Estado (Atenas)

- Boulé dos 500, entidade predominantemente executiva,


integrada por 500 integrantes escolhidos por sorteio à razão
de 50 por tribo artificial. Req. Atenienses maiores de 18 anos.
Orgânica: Plenário (todos) Comissão executiva (Pritania-
Pritanes): 50; Presidente (Epystate): 1; Comissões
especializadas: variável.
Competências - executivas: órgão máximo da administração
pública; aprovação de actos normativos sobre a sua própria
organização e funcionamento; emissão de pareceres.

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B- Ekklesia – órgão legislativo supremo, que reunia o corpo de
cidadãos de Atenas (entre 20.000 a 30.000 pessoas), porém as
sessões normalmente tinham 10% desse número; quórum
especial exigido para certas matérias (6.000 cidadãos).
• Organização interna: plenário (todos); Mesa da Assembleia
(pritanes); Presidente da Assembleia (era tb. o Presidente do
Conselho).
• Competências legislativas plenas: autoconvocação; iniciativa
legislativa; emenda e deliberação.
C – Heliáde – órgão judicial, com competências para julgar os
litígios – integrado por 6.000 integrantes sorteados, maiores
de 30 anos. Dividido em várias secções (DIKASTERIOS) em
razão da matéria (comercial; criminal; constitucional, etc.)

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4. PROCESSO LEGISLATIVO COMPLEXO
ATENAS
• Distinção entre dois tipos de leis: ordinárias (PSÉPHISMATAS)
e fundamentais (NOMOI).
• Para cada categoria de lei um processo legislativo específico:
• Ordinário (para as psèphismatas) – Projeto de Lei (qualquer
cidadão) – Mesa da Assembleia – Boulé dos 500 (parecer –
PROBOULEMA: aberto ou fechado) – Assembleia –
Deliberação – Publicitação.
• Especial para as nomoi (Nomosthesia) – Primeira sessão
legislativa do ano – Qualquer pessoa, especialmente os
Thesmotethae – Mesa da Assembleia – Painel dos
Nomosthetae – Publicidade.

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5. Desenvolvimento de meios de
defesa da Constituição (Atenas)
• Baseava-se na ideia de que a Constituição Democrática tinha inimigos e
que, destarte, seria necessário ter mecanismos de salvaguarda das
instituições atenienses.
• Duas principais: Graphè Parámonon e processo do ostracismo.
• Graphè = espécie de fiscalização da constitucionalidade das leis. Podia ser
interposta por qualquer cidadão, contra qualquer responsável pela
promoção de lei inconstitucional.
• A) Preventiva – Antes da entrada em vigor, portanto no quadro do
processo legislativo, visando evitar que uma norma inconstitucional
entrasse no ordenamento jurídico.
• B) Sucessiva – Depois de entrar em vigor. Prazo de 1 Ano.
Efeitos: Suspensão do Processo Legislativo; Submissão do Processo à Heliáde;
Decisão de inconstitucionalidade = responsabilidade política e criminal
(aplicação de pena por propositura de lei inconstitucional).
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• Ostracismo- Periodicidade anual; atenienses
votavam em qualquer pessoa que achassem
poder pôr em risco a Constituição
Democrática. O cidadão mais votado teria um
prazo de dez dias para abandonar a cidade por
10 anos, a menos que antes disso fosse
perdoado pela Assembleia – Foi utilizado para
perseguir opositores políticos.

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6. Sistema Criminal Duro e Complexo

• Sistema Criminal baseado na divisão entre


crimes públicos e crimes privados e
destinado primacialmente a proteger o bem
jurídico principal de Atenas, a democracia.
• Penas duras, mormente de morte
(BARATHRON: precipitação de abismo;
APOTIMPANYSMOS: espécie de crucificação;
envenenamento: caso de Sócrates); exílio;
perda total ou parcial de bens; perda total
ou parcial de direitos políticos; multa.

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• Sistema Processual complexo, com quatro formas processuais distintas,
conforme a natureza dos crimes e o contexto da sua comissão:
1) DIKAI (crimes privados menos graves) – puníveis somente com multa (2
fases: preliminar; julgamento).
2) GRAPHAI (crimes privados mais graves e crimes públicos) – puníveis com
penas mais gravosas (3 fases: preliminar; julgamento; determinação da pena).
3) EISANGELIA (condutas contrárias à democracia) (2 fases: incriminação
legislativa da conduta e julgamento).
4) APEGÔGE (Crimes urbanos com grande potencial de perturbação da ordem
pública); 2 fases: detenção – apresentação ao Painel dos 11 para execução de
sentença de morte.
• Acção penal descentralizada exercida contra qualquer cidadão e sujeita a
prescrever em 5 anos (pelo menos em relação aos crimes privados).

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7. DESENVOLVIMENTO DE NOVOS RAMOS DO DIREITO
PÚBLICO

• Direito Administrativo
• Direito Fiscal
• Direito Económico
• Direito Financeiro
• ADM.
- Organização administrativa baseada na divisão entre órgão de
direção (Comissões da Boulé) e de execução (Magistraturas).
- Descentralização administrativa, baseada em autarquias locais,
chamadas de Demos e organizadas em dois órgãos (Executivo-
Demarco- e deliberativo- Assembleia do Demos) e destinadas
a perseguir os interesses próprios de cada população.
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- DIR. FUNÇÃO PÚBLICA
- Funcionamento normalmente colegial (10 membros), embora
nalguns casos houvesse exceções.
- Ausência de Funcionários Públicos – Presença de Servidores
Públicos, normalmente amadores.
- GARANTIA DOS ADMINISTRADOS – Recurso de Actos
Administrativos lesivos dos direitos/interesses legítimos perante os
tribunais.
• ECONÓMICO: Figuras bastante importantes como o tabelamento
de preços de produtos de primeira necessidade e a proibição de
constituição de cartel (combinação de preços de venda de produtos
por operadores económicos privados).

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• FISCAL : Regra de base é que os cidadãos não pagavam impostos
diretos com a exceção do imposto de guerra (eisforá), o qual só
podia ser lançado em casos a) de conflito e b) se o Estado não
tivesse recursos próprios para o financiar. Os estrangeiros em
trânsito e os residentes, de outra parte, deviam pagar impostos ao
Estado, bem assim como às cidades aliadas com as quais Atenas
mantinha Tratados.
• FINANCEIRO – Receitas advenientes de duas fontes: a) exploração
do património do Estado (Minas, bens imóveis, nomeadamente
apreendidos a particulares); b) fiscais (impostos); despesas
destinadas a manter o funcionamento do Estado. Os excedentes
anuais deviam ser depositados no cofre público da cidade, o qual
funcionava em templos pré-determinados.

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Jurídicas da Antiga Grécia
• Internacional – Desenvolvimento de certas regras relacionadas à solução
pacífica de conflitos (arbitragem) e alusivas ao Direito Internacional
Diplomático (aplicáveis entre as cidades-Estado da Grécia Antiga), como as
imunidades de enviados especiais.
Carácter exclusivista e regional.
Influência geral das instituições gregas, particularmente das políticas, na
grande civilização que a sucedeu, a Romana.
Esta, apesar de ter passado à História, com toda a Justiça, como a civilização
antiga que mais contribuiu para a evolução jurídica no Mundo Ocidental,
também a grega não foi tão anã no Direito, como alguns podem entender,
tendo em conta o desenvolvimento que proporcionou ao Direito Público e
à organização e legitimação do Estado, bem assim como ao pensamento
jurídico e político, nomeadamente por via as gigantes contribuições de
Aristóteles, de Platão e dos sofistas, bem com pelo facto de muitos
desenvolvimentos jurídicos romanos se basearem em princípios gerais de
justiça desenvolvidos pelos gregos.

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