Você está na página 1de 6

Introdução

As grayanotoxinas são encontradas no néctar de flores de alguns tipos de Rhododendron,


como a azaléia por exemplo, que é um gênero de plantas com cerca de 1.024 espécies da
família Ericaceae, que ocorrem principalmente na Ásia. A partir do néctar de algumas
dessas espécies de flores, as abelhas produzem o mel, porém não é qualquer tipo de mel,
ele é chamado de Mad Honey, Mel Louco ou Mel do Himalaia, é conhecido por suas
propriedades alucinógenas e psicoativas que são derivadas da grayanotoxina presente
nessas plantas. O Mad Honey é uma versão ampliada do mel comum - nada comparado ao
que você já conhece como mel. Serão abordados neste artigo as implicações da
grayanotoxina a nível molecular e no organismo humano.

A História do Mad Honey

Um dos primeiros registos do "Mad Honey" foi feito por Xenophon (historiador da Grécia,
soldado e mercenário) de Atenas, aluno de Sócrates.
"Na sua crónica Anabasis, Xenophon escreveu que em 401 A.C., o exército grego liderado
por si retornava à Grécia, pela zona costeira do Mar Negro, após uma dura batalha com os
persas. Perto do Nordeste da Turquia, decidiram alimentar-se de mel local roubado de
colmeias. Horas depois, as tropas começaram a vomitar, tiveram diarreia, sentiam-se
desorientados e sem forças. No dia seguinte os efeitos tinham desaparecido e continuaram
a sua jornada até à Grécia."
Em 67 A.C, também no nordeste da Turquia, os soldados romanos não tiveram a mesma
sorte. Pompeu, o Grande, e o seu exército romano perseguiam o Rei Mitrídates VI do Ponto
e seu exército persa, ao longo do Mar Negro. "Os persas reuniram potes cheios de mel local
e deixaram-nos ao alcance das tropas romanas". "Os romanos comeram o mel, ficaram
desorientados e incapazes de lutar. O exército persa regressou e matou mais de 1.000
soldados romanos.”(Texas A&M Today) [1].

Grayanotoxina

As grayanotoxinas, também denominadas andromedotoxinas, acetilandromedol ou


rodotoxinas, são encontradas nas folhas, flores e néctares de algumas espécies de
Rhododendron e outros gêneros da família Ericaceae, elas são altamente tóxicas para os
seres humanos e animais em geral. Estas substâncias são conhecidas por estarem
presentes no mel produzido a partir do néctar das espécies de Rhododendron,
particularmente na região do Mar Negro.
No entanto, nem todas as espécies de Rhododendron produzem este tipo de compostos.
Na tabela 1, estão enunciadas as fontes de “Mad Honey".
Tabela 1 - Flores da espécie Rhododendron que produzem a grayanotoxina.

Atualmente, já foram isolados 25 isómeros de grayanotoxinas. O principal isômero tóxico


nas espécies Rhododendron é a Grayanotoxina III (GIII) apesar de as Grayanotoxinas I
(GI) e II (GII) estarem também presentes, mas em menores quantidades.

Figura 1: Representação das moléculas de grayanotoxina. Grayanotoxina I (X=Ac)


Grayanotoxina II (X=H), Grayanotoxina III (X=H) e Grayanotoxina IV (X=Ac), respectivamente.

Figura 2: Representação molecular em 3D dos três tipos de grayanotoxina.


Quimicamente falando eles são classificadas como diterpenos (resinas tóxicas) -
hidrocarbonetos cíclicos poli-hidroxilados, sem átomos de azoto. Desta forma, estes
compostos são frequentemente isolados com metanol ou clorofórmio. No entanto, estes
solventes para além de dissolverem as grayanotoxinas também dissolvem outras
substâncias presentes no néctar. Desta forma, antes de a amostra ser cristalizada e
analisada é necessário purificá-la logo após o isolamento. (Koca, I. e A.F. Koca) [2].

Metais Pesados

Além das grayanotoxinas o mel pode conter metais pesados, as abelhas têm acesso a uma
área de cerca de 50 km2 e, por isso, entram em contato com o ar, solo e água de toda essa
zona geográfica. O conteúdo em metais pesados do mel reflete a abundância em metais
pesados das redondezas. (ISLAM, Md) [3].

➔ Exemplos de metais pesados encontrados em néctar de Rhododendrons:

Turquia: Cu, Co, Ni, Se, Zn, Ca e Cr.


Burgos (ESP): Pb e Cd.
Croácia: Cd Cu, As, Hg, e Pb.

Intoxicação no Corpo Humano

Existem poucos artigos e estudos sobre os efeitos da grayanotoxina no corpo humano, mas
uma coisa todos eles têm em comum, os efeitos que foram observados por Xenophon em
401 A.C., vômito, diarréia e desorientação, dependendo da quantidade ingerida o indivíduo
pode chegar ao óbito.
Embora o mad honey seja a causa mais comum de intoxicação por grayanotoxina, não é o
único. A ingestão de folhas, néctar e flores de plantas contendo grayanotoxina também
pode causar intoxicação. Esses casos são muito raros e ocorrem principalmente, mas não
exclusivamente, na Ásia. A ingestão pode surgir de falsas crenças nas propriedades
medicinais da planta. Em Hong Kong, um bebê de 57 dias sofria de intoxicação por
grayanotoxina, apresentando dificuldade respiratória, bradicardia, hipotensão, pupilas
contraídas, salivação e contração muscular, depois que a avó adicionou uma decocção de
Rhododendron à garrafa de leite, convencido de ser benéfico para as vias aéreas. (Jansen,
SA, Kleerekooper, I., Hofman, ZLM).[4]

Partes tóxicas

Flores, néctar, folhas e caule da planta, mas principalmente o néctar.

Mecanismos e Efeitos Toxicológicos

Ligam-se aos canais de sódio na membrana celular e evitam a sua inativação. As células
musculares e nervosas são, assim, mantidos em um estado de despolarização. Ocorre
então efeito inotrópico positivo no músculo cardíaco, semelhante à dos glicosídeos
cardioativos, além de alterações da condução no sistema nervoso. (COVISA, 2017) [5].
Dose Tóxica:

A ocorrência de toxicidade por ingestão de partes de plantas que contêm grayanotoxinas é


extremamente rara na literatura médica; A maioria dos envenenamentos são secundários à
ingestão de mel feita a partir do néctar destas plantas; Aproximadamente, 50 a 75 mL de
mel contaminado por abelhas que utilizam o néctar das plantas da família Ericaceae,
causam intoxicação; A ingestão de 10 flores de azaléia (Rhododendron mucronulatum)
causou toxicidade em um homem de 76 anos de idade. (COVISA, 2017) [6].

Farmacocinética

É muito variável, dependendo da espécie, da parte da planta que ocasionou a exposição, da


época do ano, tipo de solo, etc.; A absorção da grayanotoxina após a ingestão de mel
contaminado é rápida os sintomas geralmente ocorrem dentro de 30 a 120 minutos e
persistem em média por cerca de 24 horas a 48 horas. (COVISA, 2017) [7].

Manifestações clínicas

O contato com a pele pode ocasionar dermatite de contato; Contato com a mucosa ocular
pode causar dor, hiperemia conjuntival (inflamação dos olhos, conjuntivite), lacrimejamento.
Intoxicações leves a moderadas: Náuseas, vômitos e bradicardia são comuns. Sialorréia
(produção excessiva de saliva), queimação na boca, sudorese, diarréia e parestesias (frio,
calor, formigamento, agulhadas, adormecimento, pressão etc.);
Intoxicações graves: Hipotensão (baixos valores da pressão arterial), bradiarritmias
(batimentos cardíacos lentos, abaixo de 50 bpm), distúrbios de condução átriovenrtricular
(AV) (ventrículos do coração, que conduz impulso elétrico), e bloqueio AV total (distúrbios do
coração e vasos sanguíneos), alteração do estado mental, convulsões, visão borrada ou
cegueira temporária, ataxia (equilíbrio ou coordenação motora prejudicados a danos no
cérebro).
O diagnóstico é mais efetivo de maneira clínica, baseando-se na história de exposição ao
agente tóxico e no exame físico, pois ainda não há um diagnóstico complementar
especializado para o mesmo. Todavia, o mel suspeito de estar contaminado, pode ser
submetido a técnicas de análise cromatográfica para pesquisar a presença de
grayanotoxinas. (COVISA, 2017) [8].

Tratamento

Não há antídoto para a intoxicação por grayanotoxinas, o que pode ser feito é o
monitoramento dos sintomas com a desobstrução das vias aéreas e a administração de
oxigênio, monitorização dos sinais vitais e frequência cardíaca, e hidratação adequada até
que o próprio organismo elimine as toxinas.
Com a raridade dos casos de intoxicação por grayanotoxinas, os médicos devem notificar o
Ministério da Saúde para investigação, de acordo com a Portaria MS/GM nº 204 de 17 de
fevereiro de 2016 na Ficha de Investigação de Intoxicação Exógena-FIIE.

Grayanotoxina e Medicina Complementar

O mad honey é frequentemente consumido pelo seu potencial medicinal, e as preparações


à base de plantas contendo Grayanotoxina são usadas na medicina tradicional chinesa.
Essa utilidade terapêutica presumida tornou-se plausível, agora que vários estudos
investigaram a ação terapêutica da grayanotoxina. Os casos de intoxicação por mad honey
demonstram um claro efeito da grayanotoxina no coração, com redução drástica da pressão
arterial e da freqüência cardíaca. Apesar desta evidência poderosa da ação
anti-hipertensiva, o potencial uso médico da própria grayanotoxina, ou novos análogos da
grayanotoxina, em doenças cardiovasculares ainda não foi totalmente investigados. (Aliyev,
F., Türkoğlu, C., & Çeliker, C.) [9].
Por outro lado, a eficácia da grayanotoxina no tratamento do diabetes foi demonstrada em
ratos com diabetes mellitus induzido por estreptozotocina. Três dias após o tratamento com
estreptozotocina, os níveis de glicose no sangue foram medidos imediatamente antes e 1
hora após a administração de mel contendo grayanotoxina (50 mg/kg por via oral). Tanto no
grupo controle quanto no grupo tratado com estreptozotocina, os níveis médios de glicose
no sangue diminuíram significativamente após a administração do mad honey, os níveis de
lipídeos (colesterol, triglicerídeos) medidos no terceiro dia da aplicação subsequente de
mad honey diminuíram significativamente também. (Jansen, SA, Kleerekooper, I., Hofman,
ZLM) [10].
As pesquisas sobre o uso medicinal do mad honey e do rhododendron ainda estão em fase
inicial, por isso a presença de grayanotoxina em medicamentos complementares deve ser
evitada.

Conclusão

Referências Bibliográficas

[1] Texas A&M Today (Outubro 2014): "Expert gives the buzz on mad honey" disponível em
http://today.tamu.edu/2014/10/15/expert-gives-the-buzz-on-mad-honey/#.VD7H1WfpVbI
consultado em 22.6.2020.

[2] Koca, I. and A.F. Koca, Poisoning by mad honey: a brief review. Food Chem Toxicol,
2007. 45(8): p. 1315-8.

The Buzz on'Mad Honey'- Disponível em


https://www.youtube.com/watch?t=30&v=Yqk0ptFfGzE consultado a 18.5.2020.

[3] ISLAM, Md, et al. Toxic compounds in honey. Journal of Applied Toxicology, 2014, 34.7:
733-742.
[4] [10] Jansen, SA, Kleerekooper, I., Hofman, ZLM et al. Intoxicação por Grayanotoxina: 'Mad
Honey Disease' e além. Cardiovasc Toxicol 12, 208-215 (2012).
https://doi.org/10.1007/s12012-012-9162-2

[5] [6] [7] [8] COVISA 2017, Manual de Toxicologia Clínica - PDF dísponível em:
http://www.cvs.saude.sp.gov.br/up/MANUAL%20DE%20TOXICOLOGIA%20CL%C3%8DNI
CA%20-%20COVISA%202017.pdf

[9] Aliyev, F., Türkoğlu, C., & Çeliker, C. (2009). Ritmo nodal e parasistola ventricular:
Apresentação eletrocardiográfica incomum de intoxicação por Mad Honey. Clinical
Cardiology, 32 , e52 – e54.

Você também pode gostar