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Caderno de Processo Civil:

Professor: Rogério Sanches Cunha

Introdução ao Direito Penal

1. Aspectos gerais:
1.1. Conceito de direito Penal:
O conceito de direito penal pode ser visto sob dois aspectos distintos, o aspecto
formal ou material:
a. Aspecto Formal: é o conjunto de normas que qualifica comportamentos domo
infrações penais;
b. Aspecto Material: é um instrumento de controle social que visa assegurar a
disciplina na sociedade.
A manutenção da paz social demanda a existência de normas que estabelecem
diretrizes. Uma vez violadas essas diretrizes, cabe ao estado a imposição de sanções
para que se restaure a ordem.
Tais sanções, que podem ter vários aspectos, como civis, administrativas, tributárias,
mas, é certo que quando a conduta atenta contra bens jurídicos especialmente
tutelados, a reação do Estado deve ser mais enérgica, valendo-se assim do Direito
Penal.
O que diferencia a norma penal das demais é a espécie de conseqüência
jurídica, pois o Direito Penal trabalha com penas privativas de liberdade, ou seja, a
conseqüência jurídica mais grave. Por tanto, o Direito Penal é considerado a ultima
ratio do sistema, a derradeira trincheira no combate dos comportamentos indesejáveis,
por isso é norteado entre outros, pelo princípio da Intervenção Mínima.

1.2. Missão do Direito Penal:


O funcionalismo penal divide em duas as missões do Direito Penal, missões
mediatas e imediatas.
a. Missão Mediata: a) controle social; b) limitação do jus puniendi;
O Direito Penal atua em duas frentes, pois de um lado sanciona o
comportamento humano indesejado, como forma de prover o controle social, de
outro é necessário limitar também o poder do Estado neste controle, evitando
uma hipertrofia da punição.

b. Missão Imediata: aqui a doutrina funcionalista se diverge:


Segundo Roxin, é missão imediata do Direito Penal proteger bens
jurídicos indispensáveis à convivência da vida em sociedade (funcionalismo
teleológico);
Segundo Jakobs é missão imediata do direito penal assegurar a
vigência da norma (Funcionalismo Sistêmico);

1.3. Limites do Direito Penal:


Das lições acima, concluí-se que o Direito Penal não é ilimitado, ou absoluto,
assim, a doutrina apresenta três limites ao jus puniendi:
a. Quanto ao modo  O direito de punir deve respeitar os direitos e garantias
fundamentais, principalmente a dignidade das pessoas humana, idéia
expressada por Canotilho.
b. Quanto ao Espaço Em regra, aplica-se a lei penal brasileira aos fatos
ocorridos no território nacional. Adota-se assim, o critério da territorialidade
temperada (por tratados e convenções internacionais)
c. Quanto ao Tempo: O direito de punir do estado não é eterno, por isso, verifica-
se em nossa legislação o fenômeno da prescrição penal, p. ex.

Pode se afirmar assim, que o direito de punir é monopólio do Estado, ficando,


pois, proibida a vingança privada, esta, inclusive é tipificada no Art. 145 do CP.
Obs.: há um único caso em que é tolerada sanção penal paralela à punição
estatal, tal hipótese é a prevista no Art. 57 do Estatuto do Índio, que prevê a
possibilidade de punição com caráter de pena por grupos indígenas, salvo penas cruéis
ou de morte.

1.4. Velocidades do Direito Penal:


Idéia introduzida por Silva Sanchez, a respeito do tempo que o direito penal leva
para punir crimes de maneira mais ou menos severa.
a. Primeira velocidade: Infrações penais mais graves, punidas com penas
privativas de liberdade, exigem um procedimento mais demorado,
com maiores garantias penais e processuais. Ex. Júri  Art. 121 CP.
b. Segunda velocidade: Crimes menos graves, punidos com penas
alternativas, possibilita um procedimento mais célere, possibilidade de
flexibilização das garantias. Ex. Crimes de menor potencial ofensivo 
JEC.
c. Terceira Velocidade: Há uma mescla entre a primeira e a segunda
velocidade, defendendo a punição do criminoso com penas privativas de
liberdade, mas permite para determinados crimes a flexibilização do
procedimento. Ex. Crimes ligados à organização criminosa.
d. Quarta velocidade: Não é reconhecida pelo criador da teoria (Silva Sanchez),
mas existe na doutrina admissão, se relacionando com o direito penal
internacional, punindo os violadores de tratados internacionais de
direitos humanos mais gravemente. Ex. Crimes de Genocídio TPI
(Roma).

1.5. Fontes do Direito Penal: As fontes indicam de onde vem e


como se revela o direito de punir estatal.
a. Fontes Materiais: De onde vem, é o órgão encarregado da produção da
norma penal. União, Art. 22, I da CF.
Obs.: é previsto na CF (Art. 22, p. único) que uma Lei Complementar pode
autorizar um estado a legislar sobre direito penal, em questões
específicas, porém tal lei ainda não foi criada.
b. Fontes Formais: é o instrumento de exteriorização do direito penal, modo
como se revela o direito, fonte de conhecimento ou cognição.
A divisão acima é a adotada pela doutrina clássica, que admite uma subdivisão
nas fontes formais em Mediatas Costumes e princípios gerais do direito; e
Imediatas Lei.
Entretanto, a doutrina moderna aponta uma divisão diferente que será tratada
abaixo.

1.5.1. Fontes Formais na doutrina moderna:


a. Fontes Formais Imediatas: Lei, CF, Tratados internacionais de direitos
humanos, Jurisprudência, Princípios e Atos Administrativos
b. Fontes Formais Mediatas: Doutrina.
Obs.: Para esta doutrina moderna, os costumes são fontes informais de
direito penal.

1.6. Fontes Formais Imediatas em espécie:


a. Lei: é a única fonte formal capaz de criar infrações e cominar sanções
penais.
b. Constituição Federal: Não cria crimes ou comina penas, pois não é sua
função.
A Constituição Federal até poderia criar crimes ou cominar penas, em virtude
de emanar do “ilimitado” poder constituinte originário, entretanto, por seu
difícil, delicado e moroso procedimento de mudança, a CF torna-se
incompatível com o dinamismo do direito penal.
A CF, entretanto, dita regras mínimas a respeito do direito penal, que
devem ser observadas pelo legislador no momento da criação do tipo.
São os chamados mandados constitucionais de criminalização,
patamares mínimos abaixo dos quais a intervenção do estado não pode ser
reduzida. Ex. Art. 5º, XLII1 (a pratica do racismo);
Obs.: Mandado constitucional de criminalização tácito: é possível, na
hipótese de a CF indiretamente ou tacitamente determinar que se proteja um
certo bem jurídico, Ex. Quando a CF garante o direito à vida, determina que
esta seja protegida, e em ultima analisa, veda que seja exterminada,
mandando o direito penal criminalizar o homicídio.
c. Tratados internacionais sobre direitos humanos: Não criam crimes
ou cominam penas no âmbito do direito nacional, mas no direito
internacional é possível.
Observa-se que em relação a tratados internacionais, o direito brasileiro pode
recepcioná-los com dois status: a. Constitucional: Se ratificados com
quorum de emenda constitucional; b. Supra legal: Se ratificados com quorum
comum. Obs.: Há uma corrente internacionalista (Flávia Piovezam) que
defende o fato de os tratados internacionais, independentemente do quorum
de ratificação, sempre terão status/caráter de norma constitucional, a teor dos
Art. 5º, §§ 1º e 2º da CF.
d. Jurisprudência: Não cria crime ou comina pena, mas na prática pode ser
fonte reveladora de direito penal, principalmente no que tange a
conceitos e interpretações da norma. Ex. Art. 70 do CP, nesse caso, a
jurisprudência propõe o que seria “condições de tempo e espaço” para o
crime continuado.
Obs.: Súmulas vinculantes também são fontes formais.
e. Princípios: Não cria crime ou comina pena, mas pode ser vetor para a
imposição do direito penal, revelando seus limites, p. ex.
f. Atos Administrativos: Servem de complemento de normas penais
em branco, o que neste caso revela o direito penal.

1.7. Interpretação da lei penal:


É o ato de interpretar, é sempre feito por um sujeito que emprega um modo pré
definido chegando a um resultado. Assim a interpretação da lei penal se dá de três
formas: a. quanto ao sujeito que a interpreta; b. quanto ao modo de interpretação e c.
quanto ao resultado da interpretação.
a. Quanto ao sujeito que a interpreta (Origem):
a.1) Autentica/Legislativa: Interpretação da lei pela própria lei Ex. Art. 327 do
CP que traz o conceito de funcionário público.

1
“Art. 5º, XLII a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena
de reclusão, nos termos da lei”
a.2) Doutrinária/Científica: Feita pelos estudiosos do direito, ex. a exposição
do motivos do CP contem vários exemplos.
a.3) Jurisprudencial: Fruto das decisões judiciais pelos tribunais. Ex.
Súmulas vinculantes, que alem de trazer uma interpretação da norma
vinculam o judiciário e a administração pública direta e indireta.
b. Quanto ao modo de interpretação:
b.1) Gramatical: Busca os sentidos das palavras no texto legal;
b.2) Teleológica: Busca a vontade da lei ou do legislador quando da
elaboração do texto legal;
b.3) Histórica: Busca a origem do texto ou do instituto que está contido no
texto legal para se chegar a um sentido mais justo na interpretação da norma;
b.4) Sistemática: Para se chegar ao sentido mais justo, busca-se uma
interpretação do sistema jurídico como um todo, uma vez que ele, embora
dividido em ramos, ainda continua uno.
b.5) Progressiva:
c. Quanto ao resultado da interpretação: é a modalidade mais
importante!
c.1) Declarativa: A letra da lei corresponde exatamente ao que o legislador
quis dizer, nada é adicionado ou retirado.
c.2) Extensiva: Amplia-se o alcance das palavras para corresponder a vontade
do texto legal, aqui, o legislador disse menos do que deveria.
c.3) Restritiva: Reduz-se o alcance do texto legal, o legislador disse menos do
que deveria.

1.7.1. A interpretação extensiva contra o réu:


A doutrina diverge no sentido da admissão da interpretação extensiva contra o
réu. Sendo que há duas posições a serem consideradas:
a. Nucci e Luis Régis Prado: Entendem que uma vez que não há vedação
expressa na legislação, tal método de interpretação pode ser usado para
prejudicar a situação do réu. E a corrente que prevalece.
b. Art. 22 do Estatuto de Roma: Entende que apenas cabe em se tratando de
normas penais não incriminadoras.
c. Zaffaroni: Entende que por regra não é cabível a interpretação extensiva
contra o réu, mas, se da aplicação dos métodos restritivos ou ampliativos
resultar um “escândalo por sua notória irracionalidade” será
possível interpretar a norma extensivamente contra o réu. Ex. uso
de “arma” no crime de furto qualificado. A lei não prevê o que seja arma,
assim não considerar uma “faca de cozinha” para qualificar o furto é um
“escândalo” daí admite-se a interpretação extensiva.

1.7.2. Interpretação extensiva (IE) X Interpretação analógica (IA):


São duas figuras diferentes, na IE o que se interpreta é apenas uma palavra do
texto legal, já na IA a interpretação recai sobre o próprio dispositivo legal, pois o
legislador neste caso se vale de exemplos seguidos de uma cláusula geral com
encerramento genérico.
Obs.: Ambas as figuras são passiveis de utilização contra o réu, o que não se pode
confundir com a analogia in malam partem, de inicio observa-se que analogia não
é forma de interpretação, mas de integração do direito, ou seja, a norma não existe
para aquele caso concreto, e o julgador socorre-se de uma norma prevista para um caso
similar, pois não pode deixar de julgar um caso alegando lacuna na lei.
Para que se possa utilizar em direito penal, há que se respeitar dois
pressupostos cumulativos: i) Certeza de aplicação favorável; ii) Existência de
efetiva lacuna legal, ou seja, a omissão do legislador deve ser involuntária, um
“silêncio eloqüente”, se o legislador propositalmente se omitiu, não cabe
analogia, ainda que em benefício do réu.

Princípios Gerais do Direito Penal:


O professor trabalha com a principiologia básica da matéria dividindo-a em
quatro grandes grupos: i) Princípios relacionados com a missão fundamental do direito
penal; ii) Princípios relacionados com o fato do agente; iii) Princípios relacionados com
o agente do fato e iv) Princípios relacionados com a pena.

1. Princípios relacionados com a missão fundamental


do direito penal:
1.1. Princípios da exclusiva proteção dos bens jurídicos:
O direito penal deve servir apenas para proteger bens jurídicos 2 relevantes e
indispensáveis à convivência em sociedade, o seja, o princípio impede que o Estado
utilize o direito penal para a proteção de bens ilegítimos.

1.2. Princípio da intervenção mínima:


Prevê que o direito penal só pode ser aplicado quando for estritamente
necessário. Traduz a idéia de subsidiariedade e fragmentariedade do Direito Penal.
a. Subsidiariedade: A atuação do direito penal é condicionada ao fracasso
dos demais ramos do direito;
b. Fragmentariedade: O direito penal somente deve observar os casos de
relevante lesão ou perigo de lesão aos bens jurídicos tutelados.
Obs.: Da fragmentariedade do Direito Penal decorre o Princípio da
Insignificância, que em última análise se relaciona com a missão
fundamental do direito penal.

1.2.1. O Princípio da Insignificância:


Tem natureza da excludente de tipicidade material. Ou seja, o fato é
previsto como crime, mas não será punido, pois a conduta não é bastante para que lese
o bem jurídico protegido pela norma.
O STF tem indicado diretrizes para que o princípio seja aplicado, estas devem
estar cumulativamente presentes: PROL  PROL da sociedade!
 Ausência de Periculosidade da ação;
 Reduzida Reprovabilidade do comportamento;
 Mínima Ofensividade da conduta;
 Inexpressiva Lesão jurídica provocada;
O STF e o STJ entendem que para a aplicação do princípio deve ser observada a
capacidade econômica da vítima, caso contrário se poderia dar margem à uma norma
penal elitista.
É incabível a aplicação do princípio nos casos de reincidência, se o agente for
portador de maus antecedentes ou ao criminoso habitual.

2
Conceito de bem jurídico: é um ente material ou imaterial haurido do contexto social de
titularidade individual ou metaindividual, reputado como essencial à coexistência do homem e
seu desenvolvimento em sociedade.
Tem-se admitido a aplicação do princípio nos delitos contra o patrimônio se
praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, ex. no furto desde que não
qualificado.
Há uma tendência de não se admitir a aplicação quando o bem jurídico for
difuso ou coletivo mas há divergência, sendo que ora os tribunais adotam, ora
ignoram a tese.
Obs.: Bagatela Própria X Bagatela Imprópria:
Própria: Os fatos já nascem irrelevantes para o direito penal onde há a
atipicidade material, não há desvalor na conduta. Ex. furto de um clipe de
papel;
Imprópria: O fato, apesar de ser relevante não desperta o interesse punitivo
do Estado, pois a pena é desnecessária ao caso, o que ocorre é a falta do jus
puniendi. Ex. aplicação do perdão judiciário num homicídio culposo do filho do
autor num acidente de transito.
Obs.: Insignificância X Adequação Social: Embora ambos limitem o direito
penal a insignificância analisa o fato sob a ótica do bem jurídico tutelado, já
a adequação social analisa o fato sob a ótica da aceitação do fato pela sociedade
(leniência).

2. Princípios relacionados com o fato do agente:


2.1. Princípio da Exteriorização ou Materialização do
fato:
Prevê que o direito penal só pode incriminar condutas humanas
voluntárias, o princípio visa impedir o direito penal do autor.
Obs.: Direito à perversão: O Estado não incrimina pensamento ou estilos de vida.

2.1.1. Sistemas de direito penal:


a. Direito Penal do Autor: Visa a punição de pessoas;
b. Direito Penal do Fato: Visa a punição de condutas;
c. Direito Penal do Fato que considera o autor: Incrimina fatos, mas ao puni-los
leva em consideração as características daquele que os praticou.3

2.2. Princípio da Ofensividade ou da Lesividade:


Prevê que para a ocorrência de um delito, é necessária a lesão ou perigo de lesão
ao bem jurídico tutelado.
Obs.: Constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato:
Segundo a ótica do princípio o questionamento aponta para duas soluções:
a. Não violam a CF pois a adoção de tais tipos penais trata-se de mera política
criminal, que visa uma antecipação à proteção dos bens jurídicos.
b. Violam a CF pois ocorre a punição sem que haja qualquer prova efetiva da
lesão ou da ameaça de lesão aos bens jurídicos.
O STF já admitiu ambas as corrente.

2.3. Princípio da Legalidade:


Será tratado no item 4, em separado, devido à sua importância.

3
Assis Toledo entende que o CP adotou essa corrente, uma vez observado o Art. 59 do CP.
3. Princípios Relacionados com o agente do fato:
3.1. Princípio da Responsabilidade pessoal:
Proíbe-se o castigo pelo fato de outrem, ou seja, não se pune o terceiro pelo fato
praticado por outrem, assim veda-se a responsabilidade coletiva.
O principio tem dois desdobramentos importantes:
a. Obrigatoriedade da individualização da acusação: o MP não pode oferecer
denúncia genérica, vaga ou evasiva, assim, o promotor deve individualizar
os comportamentos de cada agente.4
b. Obrigatoriedade da individualização da pena: O juiz na fixação da punição
deve individualizá-la de acordo com a gravidade do fato e as condições
pessoais do agente.

3.2. Princípio da Responsabilidade Penal Subjetiva:


Não basta que o fato seja causado pelo agente, ficando sua responsabilidade
condicionada á existência da voluntariedade, ou seja, não existe
responsabilidade penal sem dolo ou culpa, se o fato não foi querido, assumido ou
presumido pelo agente.
Obs.: O sistema trás duas exceções: i) Actio libera in causana embriaguez
voluntária; ii) Casos de rixa qualificada.
Assim, pode-se afirmar que o sistema proíbe a responsabilidade penal
objetiva, havendo uma única exceção, pois parcela da doutrina aponta que a pessoa
jurídica tem responsabilidade penal objetiva nos crimes ambientais, em virtude de
expressa previsão constitucional.

3.3. Princípio da Culpabilidade:


Só pode o Estado impor pena ao agente imputável, com potencial
consciência da ilicitude, quando dele exigível conduta diversa5.
É um princípio limitador do direito de punir do Estado.

3.4. Princípio da Isonomia/Igualdade:


Trata-se de uma igualdade material, não meramente formal.
Assim, admitem-se a existência de distinções desde que justificadas. Ex. Lei
Maria da Penha6.
Obs.: O Art. 24 da CIDH7 estabelece que “todos são iguais perante a lei. Por
conseguinte, tem direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.”

3.5. Princípio da Presunção de Inocência, Estado de


Inocência ou Não Culpa:
O princípio prevê que ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória.

4
Existe uma certa flexibilização desse desdobramento nos caos de crimes societários,
onde,uma vez que é muito difícil saber a exata ação de cada um, vez que tomadas à “portas
fechadas” na empresa, admite-se que a denuncia se restrinja ao fato ocorrido como um todo, e
que durante a instrução criminal sejam provadas as condutas de cada réu.
5
São exatamente os elementos da culpabilidade.
6
O STF confirmou o entendimento na ADC 19, onde afastou a tese de que o tratamento a mulher
pela Lei 11.340/06 não seria isonômico.
7
Convenção Interamericana de Direitos Humanos
O STF prefere a expressão não culpa, uma vez que a CF não presume inocente
em seu Art. 5º, LVII, mas diz “não será culpado”. A expressão “presunção de inocência”
encontra-se no Art. 8º da CIDH8.
Assim, é necessário se apontar três inafastáveis conclusões:
a. Não se admite, como regra, a restrição de liberdade antes da decisão
definitiva de culpa;
Obs.: O Art. 320 do CPP deve ser lido balizando-se a expressão “conveniência
da instrução criminal” por “imprescindibilidade à instrução criminal” pois as
prisões preventivas são sempre imprescindíveis, são a exceção, nunca a regra.
b. A acusação é quem deve demonstrar a responsabilidade do agente, e
não este provar sua inocência;
c. A condenação deve derivar da certeza do julgador.

4. Princípio da Legalidade:
Constitui uma limitação ao poder de o Estado influir nas liberdades pessoais do
cidadão. Encontra-se previsto na Constituição Federal no Art. 5º, II e XXXIV, no Art.
1º do CP, no Estatuto de Roma, na Convenção Interamericana de Direitos Humanos e
até mesmo na Bíblia Sagrada.
Assim afirma-se que a elaboração de normas penais é função exclusiva da lei
(reserva legal), que deve definir anteriormente e precisamente a conduta
proibida.
A doutrina aponta três fundamentos básicos para o princípio da legalidade:
i. Político: Impede o poder punitivo Estatal com base no livre arbítrio;
ii. Democrático: Respeita a divisão dos poderes estabelecida na Bíblia
Política, sendo função precípua do legislador a elaboração de leis.
iii. Jurídico: Uma lei prévia e clara tem importante efeito intimidativo,
garantindo a vigência da norma.

4.1. Sub-princípios ou “Ângulos” da legalidade:


Para que se respeite efetivamente o princípio da legalidade, além da obvia
existência da lei definindo a conduta criminosa, necessário que tal lei seja: Anterior
ao fato; que seja lei em sentido formal, que seja, interpretada restritivamente
e que tenha, conteúdo determinado.

4.1.1. Anterioridade (lege praevia):


Não há legalidade se a lei que regula o fato for posterior ao cometimento deste, ou
seja, não se admite retroatividade maléfica.

4.1.2. Reserva legal (lege stcripta):


Somente leis em sentido estrito (lei ordinária/complementar) podem criara
infrações penais e cominar sanções, bem como o agravamento das suas conseqüência.
Obs.: Medida provisória tratando de direito penal: Sobre o tema há duas
posições, i) A posição constitucionalista entende que não poderia MP tratar de
matéria afeta ao direito penal, através de uma leitura textual do Art. 60, § 1º “b” da
Constituição Federal; ii) A corrente majoritária admite o tratamento da matéria por MP
apenas em relação ao direito penal não incriminador. Assim é certo que MP
jamais poderá criar crimes ou cominar penas.
Obs.: Em relação às resoluções do TSE elas apenas reproduzem crimes e
penas já previstas na legislação eleitoral, nada cria em matéria penal.

8
“(...)Toda pessoa tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove
legalmente as culpa(...)”
4.1.3. Vedação à analogia e aos costumes incriminadores (lege
stricta):
A lei penal deve ser escrita e estrita, ou seja, não pode se usar nem a analogia,
nem o costume para incriminar o acusado, mas é possível a utilização desses dois
institutos em seu favor.
Obs.: A doutrina admite a possibilidade do costume interepretativo, aquele
que ajuda a aclarar a letra da lei, o “secundum legem”. Ex. Art. 155, § 1º CP a expressão
“repouso noturno” depende inevitavelmente dos costumes do lugar.
Obs.: O costume abolicionista: A doutrina diverge a cerca da sua possibilidade,
são três correntes: i) Admite o costume revogador, quando a infração não contraria
mais o interesse social; ii) Não admite a utilização de costume para abolir crime, mas
se o fato já não contraria mais o interesse social, a lei não deveria ser aplicada pelo
magistrado; iii) Não existe costume abolicionista, pois, somente a lei pode revogar
outra lei, essa corrente prevalece nos tribunais e na doutrina.

4.1.4. Taxatividade ou mandado de certeza (lege certa):


A lei penal deve ser determinada em seu conteúdo, não se permitindo a criação de
tipos penais vagos, ou seja, com conteúdo extremamente genérico.
Obs.: Os tipos penais abertos são permitidos no ordenamento jurídico, são
aqueles que empregam conceitos amplos, mas com conteúdo bem delimitado.

4.1.5. Necessidade:
A lei penal deve ser o mecanismo necessário para coibir a ofensa ao bem jurídico
tutelado.
Aqui tem-se um claro desdobramento do princípio da intervenção mínima.

4.2. Legalidade Formal X Legalidade Material:

A legalidade formal representa a obediência aos trâmites


procedimentais (devido processo legislativo) fazendo da lei aprovada,
sancionada e publicada uma lei vigente.
Entretanto, para que haja legalidade material, a observância às formas e
procedimentos impostos não é suficiente, sendo imprescindível que a lei respeite o
conteúdo da Constituição Federal, bem como dos tratados internacionais de direitos
humanos, observando direitos e garantias do cidadão. Apenas desse modo é possível
falar em lei válida.

4.3. Princípio da legalidade, tipo aberto e a norma penal


em branco:
4.3.1. Leis Completas X Leis Incompletas:

a. Completas: Dispensa qualquer complemento, seja normativo, seja valortativo,


ex. Art. 121 CP.
b. Incompleta: Depende de um complemento para que tenha sentido completo.
O complemento pode ser:
b.1. Normativo  quando é dado pela norma, da origem à uma norma
penal em branco;
b.2. Valorativo  quando é dado pelo julgador, da origem à um tipo penal
aberto.
4.3.2. Tipo penal aberto X Norma penal em branco:

a. Tipo Penal Aberto: espécie de lei penal incompleta que depende de um


complemento valorativos, dado pelo juiz na análise do caso contrato.
Ex. Tipos culposos ou com elementos normativos do tipo.
Obs.: Não violam o principio da legalidade se trouxer um mínimo de
determinação (taxatividade).
b. Norma Penal em branco: espécie de lei penal incompleta, que depende de
uma complemento normativo dado por outra norma.

4.3.3. Espécies de Normas Penais em Branco:


a. Norma penal em branco própria (em sentido estrito ou heterogênea): O
complemento normativo não emana do legislador, mas de fonte diversa da
lei, ex. decreto, portaria.
b. Norma penal em branco imprópria (em sentido amplo ou homogênea): O
complemento normativo é dado pelo próprio legislador, a lei é
complementada por outra lei, se divide em duas sub-espécies:
b.1. Homovitelina: A norma complementar e a complementada estão
previstas no mesmo documento legal. Ex. Art. 312 e Art. 327 do CP9.
b.2. Heterovitelina: O complemento da norma encontra-se num documento
legislativo distinto, ou seja, encontra-se em outra lei10. Nucci fala em tipo
penal remetido.

Obs.: Norma Penal em branco ao réves: O complemento normativo diz respeito


ao preceito secundário do tipo penal, ou seja, à sanção cominada pela prática do
ilícito. Ex. A Lei 2.889/56 prevê os crimes de genocídio, as condutas típicas que
caracterizam o genocídio (preceito primário), mas remete à análise do CP ao cominar as
penas (preceito secundário).
Obs.: Norma Penal em branco ao quadrado ou raiz quadrada da norma penal: é a
norma penal cujo complemento também precisa de complementação. Ex. Art. 38 da Lei
de Crimes Ambientais.

9
Exemplo: o artigo 312 do Código Penal trata do crime de peculato, conduta praticada por
funcionário público. O conceito de funcionário público, para fins penais, está positivado em
outro artigo, mais precisamente o 327, também do Código Penal.
10
Exemplo: o artigo 236 do Código Penal95 depende de complemento encontrado no Código
Civil, instância legislativa diversa. Note-se que o conceito de "impedimento" é encontrado em
diploma legal distinto (Código Civil).
Aplicação da Lei Penal:

1. Eficácia da Lei Penal no Tempo:

Como decorrência do princípio da legalidade, aplica-se, em regra, a lei penal


vigente ao tempo da realização do fato criminoso (tempus regit actum). A lei penal,
para produzir efeitos no caso concreto, deve ser editada antes da prática da conduta
que busca incriminar.
Excepcionalmente, no entanto, será permitida a retroatividade da lei penal para
alcançar fatos passados, desde que benéfica ao réu.

1.1. Tempo do Crime:


O crime se considera praticado no momento da ação ou omissão, ou seja, no
momento da conduta. Assim, observa-se que o Código Penal11 adotou a teoria do
resultado.
Pelo princípio da coincidência (da congruência ou da simultaneidade),
todos os elementos do crime (fato típico, ilicitude e culpabilidade) devem estar
presentes no momento da conduta.
A doutrina aponta outras duas teorias em relação ao tampo do crime:
i. Teoria do Resultado: Considera-se praticado o crime no momento em que
ocorre o resultado.
ii. Teoria Mista: Considera-se praticado o crime tanto no momento da
conduta, quanto no momento do resultado.
Obs.: Teoria tem implicação prática p. ex. no caso em que um menor atira
contra uma pessoa, como a teoria considera o crime praticado nos dois
momentos, se a vítima vier a falecer após o autor completar 18 anos,
deverá haver crime, e não mero ato infracional.
O momento do crime é também marco inicial para saber a lei que, em regra, vai
reger o caso concreto, ganhando ainda mais importância no caso de sucessão de leis
penais no tempo.

1.2. Lei Penal no Tempo:


A regra que permeia o tempo é a de que se aplica a lei penal vigente ao tempo do
fato criminoso (pela teoria da atividade, a lei vigente no momento da conduta).
Entretanto, aponta-se exceções à regra, adotadas em razão de políticas criminais,
que causam a ultratividade ou a retroatividade da lei penal, ou seja, a aplicação de uma
lei que não se encontra vigente à um caso concreto.

1.2.1. Abolitio crimins: Art. 2º, caput do CP


Prevê que ninguém pode ser punido por fato que lei posterioro deixa de
considerar crime. Cessando-se assim, os efeitos penais da condenação (os civis
permanecem)bem como a execução da pena.
A abolitio crimins tem natureza jurídica de causa extintiva de punibilidade,
em que pese haja pequena divergência doutrinária, entendendo tratar-se de causa
extintiva da tipicidade (Flávio Monteiro de Barros), que por via de conssequencia, afeta
a punibilidade.

11
Art. 4º: "considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja
o momento do resultado”
Obs.: Abolitio criminis X Continuidade normativo típica: São figuras diferentes, a
primeira, o legislador não quer mais considerar a conduta como sendo ofensiva ao
comportamento social, e por isso, típica, já na segunda, a conduta continua sendo
tipificada pelo ordenamento jurídico, mas altera-se seu tipo penal, ocorre uma
migração de um tipo para outro. Ex. A figura típica do atentado violento ao pudor que
saiu do tipo do Art. 214 do CP e foi para o Art. 213, cuja conduta agora configura
estupro.

1.2.2. Retroatividade da lei penal mais benéfica: Art. 2º p. único


CP (novatio legis in mellius)
Trata-se da nova lei que de qualquer modo beneficia o réu, também conhecida
como lex mitior.

"A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos

anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. "
Depreende-se que caso a lei de qualquer modo favoreça o agente, ela deverá ser
aplicada, não havendo respeito se quer à coisa julgada.
Assim, antes da prolação da sentença, cabe ao juiz competente para o processo a
aplicação da lei nova mais benéfica, bem como que após a sentença condenatória
(recorrível), cabe à instância recursal esta função.
Questiona-se em relação ao juiz natural para a aplicação da Lex mitior, nos casos
em que haja coisa julgada, sobre o tema a Súmula nº 611 do STF estabelece que:

"transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juiz da execução a

aplicação de lei mais benigna”


Entretanto, o raciocínio está incompleto, uma vez que a doutrina entende que a
aplicação pelo juiz da execução penal apenas se a aplicação da lei mais benéfica
depender de simples operação matemática, ex. subtração de meses ou anos na pena, de
outro lado, se para a aplicação da lei for necessário juízo de valor, o juiz competente
será o de primeiro grau, sendo hipótese de revisão criminal.
Obs.: Lex mitior e sua aplicação na vacatio legis: Sobre a possibilidade da
aplicação da lei mais benéfica no seu período de vacatio legis, a doutrina diverge: i)
Uma corrente minoritária admite sua aplicação, pois se o lapso temporal serve a
dar aos cidadãos o conhecimento da lei, quem já a conhece pode aplicá-la, essa é a
posição de Alberto Silva Franco; ii) A corrente majoritária entende que uma lei
em vacatio não tem eficácia jurídica, não admitindo assim aplicação,
posição defendida por Nucci e Damásio.

1.2.3. Combinação de Leis Penais:


A combinação de leis penais seria a faculdade conferida ao juiz para, na
determinação da lei mais benéfica, tomar preceitos ou critérios mais favoráveis da lei
anterior e, ao mesmo tempo, os da lei posterior, conjugando-os de forma a aplicá-
los ao caso concreto.
Sobre o tema há duas correntes, segundo Nelson Hungria, é vedada a
combinação de leis penais sob o auspícios de o julgador se tornar legislador, ao criar
uma Lex tertia, uma terceira lei, esse é o teor da Súmula 501 do STJ12
De outro lado, Rogério Greco defende a possibilidade, pois, se ao juiz é dado o
poder de aplicar o “todo” de uma lei, mais sensato seria que ele pudesse aplicar a

12
"É cabível a aplicação retroativa d a Lei n. 11.343/2006, desde q u e o resultado da incidência das suas
disposições, na integra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei nº 6.368/76,
sendo vedado a combinação de leis".
“parte” de outra para favorecer o agente. Essa posição é extremamente garantista e
atualmente minoritária.

1.2.4. Leis Excepcionais e Leis Temporária: Art. 3º do CP


Ambas figuras estão previstas no Art. 3º do Código Penal:

"A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou

cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante

sua vigência"
A lei Temporária é aquela que traz em seu texto o tempo de sua vigência,
também chamada de lei temporária em sentido estrito.
A lei Excepcional, é a que atende necessidades estatais transitórias, ou seja,
perdura até que a excepcionalidade se encerre. Também é chamada de lei temporária
em sentido amplo.
É possível afirmar que ambas as leis são ultrativas, pois de acordo com o CP
aplicam-se a fatos ocorridos em sua vigência, ainda que decorrido o prazo, ou
cessada a situação excepcional.
As leis temporária e excepcional têm duas características essenciais:
a. Autorrevogabilidade:
As leis temporária e excepcional são autorrevogáveis, daí porque chamadas
também de leis intermitentes . Esta característica significa dizer que as leis temporária
e excepcional se consideram revogadas assim que encerrado o prazo fixado (lei
temporária) ou cessada a situação de anormalidade (lei excepcional) .
b. Ultra-atividade:
Por serem ultra-ativas, alcançam os fatos praticados durante a sua vigência129,
ainda que as circunstâncias de prazo (lei temporária) e de emergência (lei excepcional)
tenham se esvaído, uma vez que essas condições são elementos temporais do próprio
fato típico. Observe-se que, por serem (em regra) de curta duração, se não tivessem a
característica da ultra-atividade, perderiam sua força intimidativa. Em outras palavras,
podemos afirmar que as leis temporárias e excepcionais não se sujeitam aos
efeitos da abolitio criminis (salvo se houver lei expressa com esse fim).
A doutrina discute acerca se o Art. 3º do CP foi recepcionado pela Ordem
Constitucional de 88, sendo duas as posições: i) Para Rogério Greco e Zaffaroni, a
norma não foi recepcionada, pois a CF não faz qualquer menção à retroatividade
maléfica; ii) Para LFG não se trata de retroatividade da norma penal, ou seja não há
conflito de leis penais no tempo, pois ambas tratam de fatos distintos, assim, não se
pode analisar ou não a recepção da norma.

1.2.5. Sucessão de Complementos da Norma Penal em Branco:


Na hipótese de norma penal em branco, havendo alteração de conteúdo, alteram-
se as respectivas normas complementares, surgindo a questão se, em relação a essas
alterações, deve incidir (ou não) as regras da retroatividade. Sobre o assunto, temos
quatro correntes:
i. Sempre retroage se mais benéfico (Paulo José);
ii. Será irretroativo, não se admite revogação de normas penais pela
revogação de seus eventuais complementos (Frederico Marques);
iii. Na NPBco Homogênea, a alteração benéfica retroage, mas na
Heterogênea, só retroagirá se a alteração provocar uma real alteração na
figura abstrata e não quando importar uma mera alteração circunstancial
(Mirabete);
iv. A NPBco Heterogênea apenas retroage se a modificação do
complemento não se reveste de caráter excepcional ou
temporário, a Heterogênea sempre retroage (Alberto Silva Franco),
seguido pelo STF13

2. Eficácia da Lei Penal no Espaço:


Sabendo que um fato punível pode, eventualmente, atingir os interesses de dois
ou mais Estados igualmente soberanos, o estudo da lei penal no espaço procura
descobrir qual é o âmbito territorial de aplicação da lei penal brasileira, bem
como de que forma o Brasil se relaciona com outros países em matéria penal.
Delimita-se a fronteira de atuação da lei penal brasileira através dos princípios
aplicáveis:

2.1. Princípios Aplicáveis:

Em matéria de eficácia da lei penal no espaço, são aplicáveis os seguintes


princípios:
i) princípio da territorialidade: aplica-se a lei penal do lugar do crime, não
importando a nacionalidade dos envolvidos ou do bem jurídico tutelado. Esse
princípio é a regra geral da maioria dos ordenamentos jurídicos;
ii) princípio da nacionalidade ativa: aplica-se a lei penal da nacionalidade do
agente, não importando a nacionalidade da vítima, o bem jurídico ou loca do crime;
iii) princípio da nacionalidade passiva: Aqui há uma cisão na doutrina a
respeito do significado desse princípio.
Assim, segundo Bitencourt ensina que deve-se aplicar a lei da nacionalidade da
vítima, não importando a nacionalidade do agente, o bem jurídico ou o local do
crime, é a corrente que prevalece. Entretanto, Fernando Capez diz que aplica-se a
lei penal da nacionalidade do agente,quando ofender um concidadão, ou seja, só
se aplica a lei brasileira no exterior se o agente for brasileiro E praticar um crime contra
um brasileiro;
iv) princípio da defesa (ou real): aplica-se a lei penal da nacionalidade do bem
jurídico lesado, não importando o local do crime ou a nacionalidade dos sujeitos;
v) princípio da justiça universal ou cosmopolita: o agente fica sujeito à lei do
país onde for encontrado. Serve para punir os crimes que os países se obrigam a
punir em tratado internacional. Normalmente presente nos Tratados Internacionais de
cooperação na repressão de determinados delitos de alcance internacional, Ex. tráfico
de pessoas, de drogas, genocídio;
vi) princípio da representação (ou da subsidiariedade/substituição/da
bandeira/do pavilhão): a lei penal nacional aplica-se aos crimes praticados em
aeronaves e embarcações privadas, quando no estrangeiro, e lá não sejam
julgados, é determinante a inércia do país estrangeiro.
No Brasil, é adotado, como regra, o princípio da territorialidade (art. 5º,
CP), o que significa que em regra, a lei brasileira é aplicável aos crimes cometidos no
território nacional, mas o Brasil também adota todos os outros princípios, mas como
justificativa para a adoção da extraterritorialidade da lei penal (Art. 7º CP) :

Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e

13
Cf. STF – Primeira Turma – HC 73.168, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 15/03/1995 e STF –
Segunda Turma HC 68.904, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 03/-4/1992.
regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. (...)
A territorialidade adotada foi a temperada (ou limitada), e não a absoluta, pois o
Brasil admite aplicar a lei de outros países à crimes cometidos em seu
território, o que se verifica por conta da expressão: “sem prejuízo de convenções,
tratados e regras de direito internacional”. Assim, conforme determina o art. 5º do CP:
i) ocorrido o crime no Brasil e aplicada a leibrasileira:princípio da
territorialidade;
ii) ocorrido o crime fora do Brasil e aplicada a brasileira: princípio da
extraterritorialidade (art. 7º, CP):

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (...)


iii) ocorrido o crime no Brasil e aplicada a lei estrangeira: princípio da
intraterritorialidade (lei estrangeira entrando no território brasileiro – art. 5º, caput,
do CP). Ex.: imunidades diplomáticas.
No art. 5º, portanto, o princípio da territorialidade foi temperado pelo
princípio da intraterritorialidade.
Obs.: Ao contrário do direito civil, onde na eventualidade de aplicação da lei
estrangeira ao caso, a competência ainda é do juiz brasileiro, no direito penal tanto
a lei quanto a competência para a sua aplicação passam ao juiz estrangeiro.
Assim, é possível afirmar que o juiz criminal brasileiro só aplica a lei brasileira,
nunca aplicará direito estrangeiro.
O direito brasileiro, ao adotar o princípio da territorialidade, limitou a eficácia
espacial dalei brasileira ao território nacional. Importante descobrir, portanto, o que é
território nacional (os limites espaciais dalei).
Território nacional é o espaço geográfico acrescido do território jurídico
(prevê o que é espaço jurídico art. 5º, § 1º, do CP).

Art. 5º (...) § 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do

território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou

a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves

e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem,

respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.


O art. 5º, § 2º, do CP prevê a reciprocidade para as regras anteriores:

Art. 5º (...) § 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de

aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas

em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas

em porto ou mar territorial do Brasil.


Conclusões (combinação dos §§ 1º e 2º do Art. 5º do CP):
i) Quando os navios ou aeronaves brasileiros forem públicos ou
estiverem a serviço do governo brasileiro, quer se encontrem em território
nacional ou estrangeiro, são considerados parte do território brasileiro;
ii) os navios e aeronaves privados, quando em alto-mar ou no espaço aéreo
correspondente, seguem a lei da bandeira que ostentam;
iii) os navios e aeronaves estrangeiros em território brasileiro, desde que
públicos, não são considerados parte doterritório brasileiro.
Há algumas questões que o Código Penal não responde, mas a doutrina:
Embarcação privada brasileira em alto-mar naufraga e, sobre os destroços, um
italiano mata um argentino. Qual lei será a aplicável: brasileira, italiana ou argentina?
Os destroços do navio continuam ostentando a sua bandeira, logo, será aplicável a lei
brasileira.
Embarcação privada brasileira se choca, em alto-mar, com outra holandesa.
Constrói-se uma jangada, com destroços de ambos os navios. Um dos construtores,
sobre a jangada, mata um argentino. Qual a lei aplicável?Na dúvida, para não
surpreender o agente, deve-se ficar com o princípio da nacionalidade ativa.
Atraca na costa brasileira um navio público da Colômbia. Caso o marinheiro
desça do navio e pratique o crime em solo brasileiro, qual a lei aplicável? Se ele desce a
serviço de seu país, a lei aplicável será a colombiana. Caso contrário, a brasileira.
Obs.: A embaixada não é extensão do território que represente, uma vez que o CP
não trás qualquer regra específica relacionada à elas, então, apesar de invioláveis,
não são extensão do território que representam, assim,ocorrido crime dentro
da embaixada, o crime é de jurisdição do país onde a embaixada se encontra,
embora seja burocraticamente de difícil investigação.

2.2. Territorialidade:
2.2.1. Teoria adotada pelo Brasil: Quando o crime se considera
praticado no território brasileiro?
São três as teorias sobre o tema:
i. Pela teoria da atividade, considera-se lugar do crime aquele onde o agente
desenvolveu a conduta.
ii. De acordo com a teoria do resultado, considera-se o lugar do crime
aquele onde ocorreu o evento (resultado).
iii. Pela teoria mista (ou da ubiquidade), considera-se lugar do crime
aquele onde ocorreu a conduta ou o resultado.
O Brasil adotou a teoria mista ou da ubiquidade (art. 6º, CP):

Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou

omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria

produzir-se o resultado.
Obs.:Se no território brasileiro ocorre unicamente o planejamento ou
preparação do crime, o fato não interessa ao direito brasileiro.Salvo quando
a preparação, por si só, caracterizar crime autônomo, ex. associação criminosa.
Dessa forma, observando o inter criminis (Cogitação  Preparação
ExecuçãoResultado/Consumação), apenas interessa à lei brasileira os atos de
execução e o resultado/consumação, salvo se a lei brasileira punir
autonomamente os atos de preparação, a cogitação nunca será objeto de
interesse do direito penal (direito à perversão).

2.2.2. Direito à passagem inocente


Caso um navio privado saia de Uruguai em direção ao Chile e, quando em mar
brasileiro, ocorre um crime em seu interior, aplica-se a lei brasileira? Pela letra do art.
5º do CP, dir-se-ia que a lei brasileira seria aplicável. Porém cuidado: se onavio
apenas passa pelas águas do Brasil, a lei brasileira não é aplicada.
Quando o navio atravessa território nacional apenas como passagem necessária
para chegar ao seu destino, não se aplica a lei brasileira, por conta do princípio da
passagem inocente (art. 3o da Lei 8.617/1993):
Art. 3º É reconhecido aos navios de todas as nacionalidades o direito de passagem

inocente no mar territorial brasileiro.

§ 1º A passagem será considerada inocente desde que não seja prejudicial à paz, à

boa ordem ou à segurança do Brasil, devendo ser contínua e rápida.

§ 2º A passagem inocente poderá compreender o parar e o fundear, mas apenas na

medida em que tais procedimentos constituam incidentes comuns de navegação ou

sejam impostos por motivos de força ou por dificuldade grave, ou tenham por fim

prestar auxílio a pessoas a navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave.

§ 3º Os navios estrangeiros no mar territorial brasileiro estarão sujeitos aos

regulamentos estabelecidos pelo Governo brasileiro.


A lei veio somente a concretizar tratados internacionais aos quais o Brasil já havia
aderido.
A passagem inocente, de acordo com a lei, não abrange aeronaves. Há
uma minoria (Luiz Flávio Gomes, por exemplo), que entende não haver sentido ou
razão para o tratamento diferenciado.

2.2.3. Crime à distância e crime plurilocal e crime em trânsito


O crime à distância não se confunde com o crime plurilocal.
No crime à distância (ou de espaço máximo), o delito percorre
territórios de países soberanos. Ele gera um conflito internacional de
jurisdição (gera dúvida acerca de qual país aplicará sua lei). Esse conflito encontra
solução no art. 6º do CP (teoria da ubiquidade ou mista).
Obs.: o crime em trânsito percorre o território de mais de dois (três) países
soberanos, no mais é idêntico ao crime à distancia.
Já no crime plurilocal, o delito percorre territórios do mesmo país soberano. O
crime plurilocal gera um conflito interno de competência (gera dúvida acerca de qual
juiz aplicará a lei interna). A solução (regra) para esse conflito é o art. 70 do CPP, que
adotou a teoria do resultado:

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se

consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o

último ato de execução.

§ 1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a

competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o

último ato de execução.

§ 2º Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será

competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou

devia produzir seu resultado.

§ 3º Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando

incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas

ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.


2.3. Extraterritorialidade
É o fenômeno pelo qual a lei brasileira será aplica a fatos ocorridos fora do
território nacional.
Assim, embora o fato tenha ocorrido fora do nosso território, quem
efetivamente aplicara nossa lei é um juiz ou tribunal pátrio, uma vez que a
aplicação do Direito Penal brasileiro por juiz ou tribunal estrangeiro viola nossa
soberania.
A extraterritorialidade da lei penal está prevista no art. 7º do CP. A divisão entre
os incisos se deve ao fato de serem hipóteses diferentes de extratarritorialidade:
incondicionada, condicionada e hipercondicionada.

2.3.1. Extraterritorialidade incondicionada (art.7º, I e § 1º, do


CP)
Nas hipóteses de extraterritorialidade incondicionada, pouco importará a
condenação ou a absolvição do agente no estrangeiro. Será sempre aplicável a
lei brasileira.

Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I - os crimes:

a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;

b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de

Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista,

autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;

c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;

d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (...)

§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que

absolvido ou condenado no estrangeiro.


Obs.: Nas três primeira hipóteses, (“a”, “b” e “c”) a extraterritorialidade encontra
base no princípio da defesa/real; Já a hipótese da alínea “d” tem por base a
aplicação do princípio da justiça penal universal ou cosmopolita.

2.3.2. Extraterritorialidade condicionada (art. 7º, II e § 2º, do


CP)
Nas hipóteses de extraterritorialidade condicionada, a aplicação da lei
brasileira dependerá do concurso de condiçõesque serão analisadas a seguir.
São as hipóteses mais exigidas em concurso público.
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (...)

II - os crimes:

a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

b) praticados por brasileiro;

c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade

privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. (...)


Obs.: A alínea “a” encampa o princípio da justiça penal universal ou
comsmopolita; A alínea “b”, tem base o princípio da nacionalidade ativa; E a
alínea “c” o principio da representação/da bandeira.
Para a lei brasileira alcançar o crime, devem estar presentes todas as hipóteses
do art. 7º, § 2º (perceba que a lei fala no “concurso das seguintes condições”):

Art. 7º (...) § 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do

concurso das seguintes condições:

a) entrar o agente no território nacional;

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a

extradição;

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar

extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.


Ou seja, as condições são cumulativas!
i) o agente tem de entrar no território nacional:
Entrar não significapermanecer. Mesmo que o agente logo vá embora,
ingressando no território nacional está preenchida a primeira condição. “Território
nacional”, aqui, é compreendido como o espaço geográfico acrescido do espaço jurídico.
ii) ser o fatopunível também no país em que foi praticado:
Ex. num país que admite a poligamia, não se pode punir pelo crime de bigamia
um brasileiro que, naquele país, tenha se casado várias vezes.
iii) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira
autoriza a extradição:
Incluir a parte de extradição e deportação do caderno/livro do estefam
A idéia aqui não é extraditar, mas sim conferir uma uniformidade de tratamento
aos réus, dessa forma, os requisitos para a extradição deverão coincidir com os
autorizadores da aplicação da nossa lei no estrangeiro.
Assim, o estatuto do estrangeiro lista alguns requisitos para permitir a extradição
de alguém, assim o CP “empresta” para a extraterritorialidade condicionada os mesmos
requisitos.
Obs.: Para a incidência da condição prevista na alínea “c”, deve ser o crime
punido com pena de prisão superior a um ano (art. 77, IV, da Lei 6.815/1989: Estatuto
do Estrangeiro):

Art. 77. Não se concederá a extradição quando: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de
09/12/81) (...)

IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;
iv) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena:
Perceba a diferença para os crimes de extraterritorialidade incondicionada, nos
quais pouco importa a condenação ou a absolvição no estrangeiro.
v) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou extinta a punibilidade, de
acordo com a lei mais favorável.
Caso prático: um brasileiro, nos EUA, mata um italiano. Logo depois do crime,
foge para o Brasil. Aplica-se a lei brasileira, desde que presentes todas as condições
acima estudadas.A competência para a aplicação da lei brasileiraserá, em regra, da
justiça estadual. Será da Justiça federal se presente alguma das condições do art. 109 da
CR. O território competente (comarca) será o da capital onde houver por último
residido o acusado. Seele nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da
capital da República (art. 88 do CPP):

Art. 88. No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será

competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado.

Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da

República.
Como visto, na extraterritorialidade incondicionada aplica-se a lei brasileira,
pouco importando se o agente tenha sido absolvido ou condenado no exterior. Isso
significa que pode haver um processo no estrangeiro e um processo no Brasil, bem
como que o agente pode ser condenado no estrangeiro e no Brasil. Assim, ele pode ter
de cumprir pena no estrangeiro e no Brasil.
Isso não configura um bis in idem? Como estudado, a vedação do bis in idem tem
significado processual, penal e execucional, buscando evitar duplicidade em todas essas
hipóteses. A doutrina enxerga, no caso, uma exceção à vedação do bis in idem,
justificada por razões de soberania nacional.
Francisco de Assis Toledo ensina que o art. 8º evita um bis in idem. Na verdade, o
dispositivo não evita a existência do bis in idem(dois processos e de duas
condenações), mas apenas atenua a duplicidade de penas:

Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo

mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

2.3.3. Extraterritorialidadehipercondicionada (art. 7º, §§ 2º e 3º


do CP)
Na extraterritorialidade hipercondicionada, a aplicação da lei brasileira
dependerá da observância das condições previstas no art. 7º, § 2º (extraterritorialidade
condicionada), acrescida daquelas previstas no art. 7º, § 3º:

Art. 7º (...) § 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por

estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições

previstas no parágrafo anterior:

a) não foi pedida ou foi negada a extradição;

b) houve requisição do Ministro da Justiça.


Obs.: O princípio que embasa a aplicação da lei penal brasileira é o principio da
nacionalidade passiva.

2.3.4. Princípiosaplicáveis às hipóteses previstas no art. 7º do CP


Neste tópico, será feita uma relação entre os princípios aplicáveis em matéria de
lei penal no espaço (estudados no item 2.2 acima) e as hipóteses de
extraterritorialidade previstas no art. 7º do CP.
i) art. 7º, I, “a” (crime contra a vida ou a liberdade do Presidente da República):
princípio da defesa (ou real);
ii) art. 7º, I, “b” (crime contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito
Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de
economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público): princípio da
defesa (ou real);
iii) art. 7º, I, “c” (crime contra a administração pública, por quem está a seu
serviço): princípio da defesa (ou real);
iv) art. 7º, I, “d” (crimede genocídio, quando o agente for brasileiro ou
domiciliado no Brasil):
1ª corrente:princípio da justiça universal, pois o Brasil se obriga a reprimir o
crime de genocídio em tratados internacionais.
2ª corrente:princípio da defesa (ou real), pois o dispositivo se preocupa com o
fato de o agente ser brasileiro ou domiciliado no Brasil.
3ª corrente:princípio da nacionalidade ativa.
Para Rogério, a 3ª corrente está errada, pois somente olha para a primeira parte
do dispositivo.A ordem das correntes apresentada é também de prevalência (justiça
universal é o mais aceito).
v) art. 7º, II, “a”(crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a
reprimir): princípio da justiça universal;
vi) art. 7º, II, “b”(crimes praticados por brasileiro): princípio da nacionalidade
ativa;
vii) art. 7º, II, “c”(crimes praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras,
mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam
julgados): princípio da representação.
viii) art. 7º, § 3º:
1ª corrente:princípio da nacionalidade passiva. Para Rogério, a corrente está
errada, pois pelo princípio da nacionalidade passiva, aplica-se a lei penal da
nacionalidade do agente que atinge um concidadão. Na verdade, quem adota esta
primeira corrente não adota o mesmo conceito de nacionalidade passiva (entende que o
princípio da nacionalidade passiva se preocupa com a defesa da vítima, enquanto que o
da defesa ou real se preocupa com o bem jurídico).
2ª corrente: princípio da defesa (ou real), aquele segundo o qual se aplicaa lei
penal da nacionalidade da vítima ou do bem jurídico. Esta é a posição defendida por
Rogério.
3. Validade da lei penal em relação às pessoas
(Imunidades)

3.1. Introdução
A lei penal se aplica a todos, por igual, não existindo privilégios
pessoais (art. 5º da CR).
Há, no entanto, pessoas que, em virtude das suas funções, desfrutam de
imunidades.
Longe de uma garantia pessoal, trata-se de uma prerrogativa funcional, de
uma proteção ao cargo. Não se trata de um privilégio, mas de uma prerrogativa.
Privilégio Prerrogativa
Exceção à lei comum deduzida da situação Conjunto de precauções que rodeiam a
de superioridade das pessoas que a desfrutam. função e servem para o exercício desta.
Parte da noção de que umas pessoas seriam
superiores às outras.
É subjetivo e anterior à lei. É objetiva e deriva da lei.
Tem essência pessoal. É anexa à qualidade do órgão.
É poder frente à lei. É conduto para que a lei se cumpra.
Próprio das aristocracias sociais. Própria das aristocracias das instituições
governamentais.

Não se trata, portanto, de foro “privilegiado”, como se diz, mas de foro por
“prerrogativa” de função.

3.2. Imunidades Diplomáticas:


3.2.1. Conceito
As imunidades diplomáticas são prerrogativas de direito público internacional de
que desfrutam:i) os Chefes de Governo ou de Estado estrangeiro, sua família e
membros da comitiva;ii) o Embaixador e sua família;iii) os funcionários do corpo
diplomático e suas famílias; e iv) os funcionários das organizações internacionais (ex.:
ONU), quando em serviço.

3.2.2. Natureza jurídica


Há duas correntes acerca da natureza jurídica das imunidades diplomáticas:
1ª corrente:causa pessoal de isenção de pena (prevalece).
2ª corrente:causa impeditiva da punibilidade (LFG).

3.2.3. Garantias das imunidades


A lei penal contém um preceito primário (conteúdo criminoso) e um preceito
secundário (consequência jurídica). A imunidade diplomática torna o Diplomata imune
às consequências jurídicas previstas no preceito secundário. Ele deve obediência ao
preceito primário, mas escapa das consequências jurídicas do país onde o fato é
cometido, ficando sujeito às do país de origem.
Assim, apesar de todos deverem obediência ao preceito primário da lei penal do
país em que se encontram (generalidade da lei penal), os diplomatas escapam à sua
consequência jurídica, permanecendo sob a eficácia da lei penal do estado a que
pertencem.
Cuidado: a imunidade diplomática não impede a investigação criminal contra o
diplomata, principalmente a que busca resguardar a materialidade (vestígios) do crime.
O diplomata pode renunciar à imunidade (por exemplo, num caso em que as
consequências jurídicas em seu país de origem sejam piores do que as previstas na lei
brasileira)? Não, pois a imunidade não é da pessoa, mas uma prerrogativa do cargo.
Ninguém pode renunciar a algo que nãopossui. O país que ele representa, todavia, pode
retirar dele a imunidade, desde que o faça expressamente. Isso já aconteceu: um
diplomata da Geórgia atropelou uma brasileira nos EUA dirigindo bêbado.
Os agentes consulares têm imunidade? Não se deve confundir o embaixador com
o agente consular:
Embaixador Agente consular
Tem imunidade para: Tem imunidade apenas para crime funcional.
i) crime comum; O agente consular não tem imunidade no crime
ii) crime funcional. comum porque exerce funções meramente
administrativas e não político-representativas.
Apesar de minoria em sentido contrário, prevalece que, de acordo com a
Convenção de Viena, a embaixada não é extensão do território que representa, embora
inviolável. O STF decidiu que não é possível a realização de busca e apreensão em
embaixada, justamente por essa inviolabilidade. A lei processual penal não pode ser
aplicada em embaixadas, sendo preciso vencer barreiras internacionais para tanto.

3.3. Imunidades Parlamentares:


As imunidades parlamentares encontram previsão na CF.
Não configuram “privilégios” mas “prerrogativas” necessárias ao desempenho
independente da atividade parlamentar e à efetividade do Estado Democrático de
Direito, marcado pela representatividade dos cidadãos-eleitores.
Se dividem em:

3.3.1. Imunidade parlamentar absoluta: Art. 53, caput, da CF


A imunidade parlamentar absoluta também é conhecida como imunidade
material, substancial ou real, inviolabilidade e indenidade.
Resumem o freedom of speech, ou seja, são invioláveis por opiniões, palavras e
votos.

3.3.1.1. Previsão legal:


A imunidade parlamentar absoluta está prevista no art. 53, caput, da CR:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por


quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 35, de 2001) (...)

Parte da doutrina ensina que a inviolabilidade não exclui somente as


responsabilidades civil e penal, alcançam também a responsabilidade administrativa
e política.
Inclusive de acordo com o STF, a imunidade material exime o seu titular de
qualquer tipo de responsabilidade (criminal, civil, administrativa e política).
Estas duas últimas foram acrescentadas pelo próprio STF.

3.3.1.2. Natureza jurídica


Há seis correntes acerca da natureza jurídica das imunidades materiais:
1ª corrente: causa excludente de crime (Pontes de Miranda).
2ª corrente: causa que se opõe à formação do crime (Basileu Garcia).
3ª corrente: causa pessoal funcional de isenção de pena (Aníbal Bruno).
4ª corrente: causa de irresponsabilidade penal (Magalhães Noronha).
5ª corrente: causa de incapacidade pessoal penal por razões políticas (Frederico
Marques).
6ª corrente: causa de atipicidade (Luiz Flávio Gomes e o STF). É a tese
a ser adotada em concurso público.
A importância desta corrente é a seguinte: a partir do momento em que se trata
de causa de atipicidade, o fato é atípico não somente para o parlamentar como
para todos que para ele concorreram14, ou seja, eles também ficarão .
Obs.: Na verdade, o parlamentar ficará imune criminalmente, e os demais
que concorreram ficarão isentos de pena.
A Súmula 245 do STF15, tendo em vista esse entendimento, hoje está restrita à
imunidade parlamentar relativa:

3.3.1.3. Limites:

O limite da imunidade parlamentar é o exercício da função.


É imprescindível o nexo funcional entre as palavras ou opiniões e a função
exercida pelo parlamentar.
Entende a doutrina, seguida pela jurisprudência que estando o parlamentar nas
dependências do Parlamento presume-se de modo absoluto o nexo.
Fora da Casa Legislativa, o nexo deve ser comprovado. Portanto, apesar de
chamada de absoluta, a imunidade tem limites.

14
A punibilidade do partícipe depende de que o fato praticado pelo autor seja típico E ilícito,
pela teoria da acessoriedade limitada.
15
Súmula 245 - a imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa.
Segundo o voto emblemático do Min. Marco Aurélio, no Inquérito nº 13 16, o
instituto da imunidade parlamentar absoluta não permite ações estranhas ao
mandato, como ofensas pessoais, sem que haja consequências.
A não se entender assim, estarão eles acima do bem e do mal, blindados, como se
o mandato fosse um escudo polivalente.
Obs.: Tem se entendido que em hipótese de utilização de meios eletrônicos
(facebook, Twitter, e-mail, etc) para divulgar mensagens ofensivas à honra de alguém
deve haver vinculação com o exercício da atividade parlamentar, ainda que a
mensagem tenha sido gerada dentro do gabinete. Entendimento diverso daria margem
ao exercício abusivo dessa prerrogativa, que é da instituição e não do parlamentar.

3.3.2. Imunidade parlamentar relativa:


A imunidade parlamentar relativa é também conhecida como imunidade
formal, processual ou adjetiva.
Ela pode ser relativa: i) ao foro por prerrogativa de função, ii) à prisão, iii) ao
processo e iv) à condição de testemunha.

3.3.2.1. Imunidade relativa ao foro por prerrogativa de função


A imunidade relativa ao foro por prerrogativa de função está prevista no art. 53, §
1º, da Constituição Federal, com redação dada pela EC 30/2001:

Art. 53 (...) § 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão

submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

O foro por prerrogativa de função estabelece a competência originária do


Supremo Tribunal Federal para o julgamento dos congressistas por infrações
penais, cometidas antes ou depois do inicio efetivo do mandato.
Obs.: não abrange o julgamento por atos de improbidade.
Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos
a julgamento pelo STF.
Veja que não precisa ainda ter ocorrido a posse, bastando a diplomação
(pegadinha de concurso).
O foro especial não se estende ao concorrente sem imunidade, gerando
nessa hipótese a separação do processo, o parlamentar é processado no STF e os
participes são processados por seu juiz natural.
O foro especial não permanece depois de terminado o mandato, justamente
por não configurar privilégio, mas sim prerrogativa.
Com o fim do mandato, o processo volta para o Juiz de 1º grau. Caso
permanecesse no STF, a imunidade seria encarada como um privilégio pessoal.

16
“2. Os atos praticados em local distinto escapam à proteção absoluta da imunidade, que
abarca apenas manifestações que guardem pertinência, por um nexo de causalidade, com o
desempenho das funções do mandato parlamentar” (STF – Tribunal Pleno – Inq. 2.813 – Rel.
Min. Marco Aurélio – DJe 24/05/2011)
Todavia, em se tratando de uma prerrogativa, finalizado o mandato, o juízo natural de
1º grau retoma sua competência.
A Súmula 394 do STF17foi cancelada, justamente porque previa um privilégio
pessoal. Não são admitidos privilégios no Brasil. Somente prerrogativas são
fomentadas.
De acordo com o STF encerrada a instrução ou autos pautados para o
julgamento, a renuncia do parlamentar não retira da corte o poder de julgá-lo 18.

3.3.2.2. Imunidade relativa à prisão:


A imunidade relativa a prisão, também denominada pelo STF de
“incoercibilidade pessoal dos congressistas”, do direito americano freedom from
arrest, encontra previsão no Art. 53, § 2º da Constituição Federal.

3.3.2.2.1. Previsão legal


A imunidade relativa à prisão está prevista no art. 53, §2º, da Constituição
Federal:

Art. 53 (...) § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso

Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável.

Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à

Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva

sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)


A garantia, portanto presente desde a diplomação, recais sobre a prisão
provisória, excepcionada apenas a prisão em flagrante por crime inafiançável ex.
racismo.
Uma vez realizada a prisão em flagrante por crime inafiançável, os autos serão
remetidos no prazo de vinte e quatro horas para a casa respectiva, que
deliberará, por maioria de votos sobre a prisão. A deliberação tem caráter
eminentemente político (conveniência e oportunidade) e não técnico.
De acordo com esse dispositivo, desde a expedição do diploma, os membros do
Congresso Nacional não poderão ser presos. Observe, novamente, que o constituinte
fala que a imunidade se dá “desde a expedição do diploma”, isto é, não se dá com a
posse do parlamentar. Tomar cuidado para não confundir!

3.3.2.2.2. Hipóteses de cabimento


A imunidade relativa à prisão não se aplica à hipótese de prisão definitiva.
Ou seja, ela não se aplica à hipótese de prisão decorrente de condenação transitada em
julgado. Logo, a imunidade dos membros do Congresso apenas se dá nas hipóteses de
prisão provisória, conforme decisão do STF no Inquérito nº 510 19.

17
Súmula 394 - cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial
por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a
cessação daquele exercício (cancelada).
18
Obs.: AP 396, percebendo que estava na iminência do julgamento pelo STF e que se avizinhava
a prescrição, o parlamentar renunciou ao mandato, com o objetivo de obter a prescrição (por
conta do longo caminho que haveria do envio dos autos do STF ao juízo de 1º grau). No entanto,
restou decidido pelo STF que a renúncia na véspera do julgamento pelo Pleno configura fraude
processual inaceitável, pois objetiva, em primeiro lugar, fugir à punição, buscando a prescrição.
Diante desse quadro, o STF permaneceu competente para o processo e julgamento da demanda.
Observou o Min. Marco Aurélio, discordando da maioria, que a renúncia do parlamentar é um
direito potestativo e, como tal, deve ser analisado dentro do direito de ampla defesa do réu.
19
Incluir um texto desse inquérito.
Além disso, cabe prisão em flagrante quando o crime é inafiançável.
Nesse caso excepcional em que cabe prisão provisória (flagrante) do parlamentar,
os autos serão encaminhados à Casa respectiva (para a Câmara, se for Deputado, e para
o Senado, se for Senador) para que resolva sobre a manutenção ou não da prisão. Vale
observar que o juízo realizado pela Casa é político, pois se averigua a conveniência e
oportunidade da manutenção da prisão.
Portanto, dentro de 24 horas, os autos serão encaminhados ao STF e à Casa
respectiva. O STF fará uma análise jurídica da prisão, ao passo que a Casa fará uma
análise política da manutenção da prisão em flagrante. Note que são duas análises
distintas. O STF vai analisar a formalidade do flagrante. A casa respectiva vai analisar a
conveniência e oportunidade da manutenção da prisão.
Obs.: Caso do Senador Delcídio em 2015: O STF, no entanto, de forma
excepcional, no final de 2015, decretou prisão preventiva de Senador (Delcídio do
Amaral), a exemplo do que, num passado recente, fez em relação a um deputado
estadual, igualmente imune. Em resumo, o Senador, buscando embaraçar investigação
em curso na Operação Lava Jato, evitando futura delação, propõe a um filho de preso
um verdadeiro plano de fuga para seu pai, bem como anuncia exercer indevida
influência em Ministros da Corte Suprema, o que garantiria a tão almejada
liberdade do condenado. Oferece, ainda, uma ajuda de custo (R$ 50.000,00) para o
condenado manter-se no país de destino. O afastamento da aplicação de regras válidas
ante as circunstâncias específicas do caso concreto é conhecido como
derrotabilidade (ou superabilidade). Em tais hipóteses, o intérprete confere ao
princípio da justiça e aos princípios que justificam o afastamento da regra um peso
maior do que ao princípio da segurança jurídica e àqueles subjacentes à regra 20. A
ponderação, portanto, não é feita entre a regra e o princípio, mas entre princípios que
fornecem razões favoráveis e contrárias à aplicação da regra naquele caso específico.
Não há nisso, qualquer desobediência ao direito, pois a decisão é pautada
por normas estabelecidas pelo próprio ordenamento jurídico.
Cabe prisão civil do parlamentar federal? O STF entende que o parlamentar não
pode sequer sofrer prisão civil por dívidas.

3.3.2.2.3. Injúria qualificada pelo preconceito X racismo


Suponha que o parlamentar chama uma pessoa negra de “macaco” durante uma
partida de futebol. Ele pode ser preso? Esse exemplo foi tema de concurso da Polícia
Federal. Muitos candidatos, por entenderem tratar-se de crime de racismo,
raciocinaram que o crime seria inafiançável e, por isso, concluíram pela possibilidade
de prisão do parlamentar. Ocorre que não se tratava de crime de racismo, mas deinjúria
qualificada pelo preconceito, o qual é crime afiançável. Logo, não será possível a prisão
em flagrante nesse exemplo.
A injúria qualificada pelo preconceito, prevista no art. 140, § 3º, do CP 21 e
afiançável,não se confunde com racismo.Na injúria qualificada, o agente atribui
qualidade negativa, valendo-se da raça, cor, religião, origem. Já o crime de racismo,
previsto na Lei 7.716/1989, é crime inafiançável e não consiste em atribuir qualidade
negativa à vítima. No racismo, existe segregação.
Chamar alguém de “macaco” não é segregar, mas atribuir qualidade negativa. No
entanto, se o parlamentar houvesse se recusado a receber o jogador negro em seu time

20
É um absurdo manter o senador solto neste caso, quando o sentimento de justiça dita
exatamente o contrário, assim, ponderando entre a regra da imunidade à prisão e o princípio da
justiça, o STF entendeu prevalecer o princípio em relação à regra, daí a legitimidade da prisão.
21
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: (...) § 3o Se a injúria
consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição
de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa.
em razão de sua raça, isso caracterizaria uma segregação e, portanto, crime de racismo,
passível de flagrante, por ser crime inafiançável.

3.3.2.3. Imunidade relativa ao processo


A imunidade relativa ao processo encontra previsão no art. 53, §§3º, 4º e 5º, da
Constituição Federal, alcançando os crimes praticados pelos congressistas após a
diplomação:

Art. 53 (..) § 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime

ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa

respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da

maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da

ação.

§ 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo

improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa

Diretora.

§ 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato.

Diz o art. 53, §3º que, recebida a inicial contra o parlamentar, o STF dará
ciência do recebimento à Casa respectiva (apenas e tão somente isso).
Obs.: Antes da EC 35/2001, o STF sequer poderia processar o
parlamentar, pois precisava de autorização da Casa respectiva. Hoje, o STF apenas
dará ciência, não sendo necessária a autorização para processar o parlamentar.

A imunidade relativa ao processo só abrange crime ocorrido após a


diplomação. O crime ocorrido antes da diplomação tramitará perante o Supremo
(que é foro especial), mas não poderá ser suspenso porque não é abrangido pela
imunidade. Em relação ao crime ocorrido após a diplomação, a Casa respectiva poderá
sustar o andamento da ação. Havendo a suspensão da ação, também haverá a
suspensão da prescrição.
Ex.: crime de corrupção praticado antes da diplomação. A partir da diplomação, o
crime de corrupção será apurado perante o STF e a Casa respectiva jamais poderá
sustar o andamento dessa ação. Se o crime fosse cometido após a diplomação, a Casa
respectiva poderia, por maioria de seus membros, decidir pela suspensão da ação e
consequente suspensão do prazo prescricional.
Nos termos do art. 53, §3º, a Casa respectiva está autorizada a sustar apenas o
andamento de ação penal.
O poder do Congresso é sustar processos, assim os inquéritos policiais
instaurados não podem ser sustados.
De acordo com o STF, a imunidade formal não impede a instauração de
inquérito policial ou a realização de investigação penal contra os membros do
Congresso Nacional.
Depois de o STF autorizar a instauração do inquérito e a realização de diligência,
o Congresso Nacional não poderá suspender o seu andamento.

3.3.2.4. Imunidade relativa à condição de testemunha


A imunidade relativa à condição de testemunha encontra previsão legal no art.
53, §6º, da CR:

Art. 53 (...) § 6º Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre

informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as

pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações. (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 35, de 2001)


Perceba que em nenhum momento o dispositivo quer dizer que o Congressista
não é obrigado a testemunhar. O que a Constituição diz é que ele não pode testemunhar
“sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem
sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações”. Tirando essas
questões, o parlamentar é tão obrigado a testemunhar quanto qualquer pessoa e
também presta compromisso de falar a verdade. O que a CR estabelece é o direito do
parlamentar de permanecer em silêncio em relação às questões mencionadas no art. 53,
§6º.
O Deputado e o Senador têm a prerrogativa de escolher o dia, hora e local para
testemunhar. É o que dispõe o art. 221, do CPP:

Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados

federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os

secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados

às Assembleias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros

e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem

como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente

ajustados entre eles e o juiz. (...)


Atenção: o Supremo acabou de decidir que não pode haver abusos. Se o
parlamentar demorar, de forma injustificada, mais de 30 dias ou um prazo razoável
para marcar local, dia e hora para ser ouvido pelo juiz, ele perde essa prerrogativa. Ora,
caso ele tivesse ampla liberdade para escolher uma data, ele poderia tentar beneficiar
seu colega parlamentar que é investigado ou processado, de modo a possibilitar a
prescrição do crime.
Essa prerrogativa da escolha do dia, hora e local para oitiva existe quando o
parlamentar está sendo processado ou investigado? O Supremo já decidiu sobre esse
tema. De acordo com o STF, o parlamentar indiciado ou acusado não tem a
prerrogativa a que se refere o art. 221, do CPP.

3.3.3. Questões importantes sobre as imunidades

3.3.3.1. Imunidade parlamentar e Estado de Sítio


A imunidade parlamentar permanece no Estado de Sítio? Esse tema é
disciplinado pelo art. 53, §8º, da CR:
Art. 53 (...) § 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o

estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos

membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do

Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida. (Incluído

pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)


Nos termos do dispositivo, as imunidades subsistirão durante o Estado de Sítio.
Essa é a regra. Mas a CR estabelece que as imunidades poderão ser suspensas: i)
mediante o voto de 2/3 dos membros da Casa respectiva; ii) só em relação aos atos
praticados fora do recinto do Congresso Nacional; e iii) desde que sejam incompatíveis
com a execução da medida emergencial/excepcional. Fora dessas hipóteses, não há
como suspender as imunidades parlamentares.

3.3.3.2.Parlamentar que se licencia para exercer cargo no executivo mantém


a imunidade:
Em regra, o parlamentar que se licencia para exercer cargo no executivo perde a
imunidade.
Isso porque, como visto, a imunidade não é da pessoa, ela é prerrogativa do cargo
(anexa à qualidade do órgão). Se o sujeito não é mais parlamentar, a imunidade não o
acompanha.
Cumpre notar que essa questão da perda da imunidade sempre foi consenso.
Entretanto, hoje há uma exceção, criada pelo Supremo, que vem decidindo que o
parlamentar licenciado não perde o foro especial22.
Em razão disso, Marcelo Novelino não chama o foro especial de imunidade, mas
de prerrogativa. Ou seja, ele faz uma distinção entre foro especial e prerrogativas da
função. Isso porque, mesmo com a licença do cargo, o parlamentar mantém o foro
especial.
A Súmula nº 4, do STF, dizia que o parlamentar nomeado ministro de estado não
perderia a imunidade parlamentar tal súmula foi cancelada, o que significa dizer
que, hoje, o Supremo adota a visão contrária.
Ou seja, perde a imunidade parlamentar o congressista nomeado Ministro de
Estado (com exceção do foro especial ou por prerrogativa de função).

3.3.3.3.
Os deputados estaduais têm as mesmas imunidades dos deputados
federais:
Nos termos do art. 27, §1º, da CR, os deputados estaduais têm as mesmas
imunidades dos deputados federais:

Art. 27. (...) § 1º - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais,

aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral,

inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença,

impedimentos e incorporação às Forças Armadas. (...)

O dispositivo consagra o princípio da simetria, entretanto, deve-se atentar


apenas para a questão do foro especial para os deputados estaduais, que não será o

22
A 1ª Turma concedeu habeas corpus para cassar decreto de prisão expedido por juiz de direito
contra deputado estadual. Entendeu-se que, ante a prerrogativa de foro, a vara criminal
seria incompetente para determinar a constrição do paciente, ainda que afastado
do exercício parlamentar”. (STF – Info nº 628 – HC 9548 – Rel. Min. Marco Aurélio – DJe
24/05/2011)
STF, mas o TJ (nos crimes da competência da justiça estadual), o TRF (nos crimes
da competência da justiça federal) e o TRE (nos crimes da competência da
justiça eleitoral).
A imunidade do deputado estadual não se limita ao território de seu Estado,
desde que ele esteja no exercício de sua função. Basta imaginar a situação de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito que tenha de viajar para outros estados para
realizar investigação. Cabe notar que a Súmula nº 3 do STF23, que trazia
entendimento diverso, foi superada. Ela limitava a imunidade às fronteiras do
Estado, mas isso não mais se aplica hoje.

3.3.3.4. Imunidade dos Vereadores:


Os vereadores, por força do Art. 29, VIII da Constituição Federal, desfrutam
somente de imunidade absoluta, desde que suas opiniões, palavras e votos sejam
proferidos na circunscrição do município e no exercício do mandato.

Quadro comparativo acerca das imunidades dos deputados federais, deputados


estaduais e vereadores:

Deputados Federais Deputados Estaduais Vereadores


Têm imunidade absoluta. Têm imunidade absoluta. Têm imunidade absoluta, nos
limites do município em que
exercem o mandato.
Têm imunidade relativa: Têm imunidade relativa: Não têm imunidade relativa.
i) ao foro (STF); a) ao foro (TJ, TRF ou TRE); Mas a constituição estadual
ii) à prisão; b) à prisão; pode dar ao vereador foro
iii) ao processo; c) ao processo; especial (TJ, TRF e TRE).
iv) à condição de testemunha; d) à condição de testemunha;
Comparando as imunidades dos deputados federais e dos deputados estaduais,
observa-se que a diferença está apenas no foro especial previsto.
Quanto aos vereadores, a imunidade absoluta está apenas restrita aos
limites do município em que eles exercem o mandato 24. Ex.: vereador de Belo
Horizonte só tem imunidade absoluta em Belo Horizonte. Por isso há jurisprudência
decidindo em desfavor de vereadores que realizam entrevistas em rádios cujas
frequências alcançam diversos municípios além daquele em que o vereador exerce o
mandato. Nesses casos, o vereador perde a imunidade porque o que ele fala alcança
cidades fora do limite do município.
Os vereadores não têm imunidade relativa.

23
Súmula 3- A imunidade concedida a deputados estaduais é restrita à justiça do estado.
(SUPERADA)
24
“A imunidade material concedida aos vereadores por suas opiniões, palavras e votos
não é absoluta. A barca as manifestações que tenham pertinência com o cargo e o interesse
municipal, ainda que ocorram fora do recinto da Câmara, desde que dentro da
circunscrição municipal” (STF – Primeira Turma, AI 698921 Agr – Rel. Min. Ricardo
Lewandowski - DJe 14/08/2009)
Obs.: cuidado: Segundo o STF a Constituição Estadual pode prever foro
especial (TJ, TRF e TRE). Há dois exemplos de estados que inseriram em suas
constituições essa previsão: Rio de Janeiro e Piauí.

3.3.3.5. Foro por prerrogativa de função e crime doloso contra a vida


O foro por prerrogativa de função, previsto na Constituição Federal prevalece
sobre a competência do tribunal do júri, a CF nesse caso excepciona a si mesmo, o
que é perfeitamente possível.

Parlamentar federal Parlamentar estadual Vereador


Tanto a previsão do Tribunal do A competência do Tribunal do O Tribunal do Júri está previsto na
Júri quanto a previsão do foro Júri está prevista na CR e o foro CR. Já o foro especial, se houver,
especial para o parlamentar especial dos parlamentares estará previsto na constituição
federal encontram-se na CR. estaduais vem previsto na CR e estadual. Aqui há um conflito entre
Logo, a própria Constituição na CE. Também nesse caso, a CR a norma da CR e da constituição
federal se excepciona. Sendo está excepcionando a si mesma. estadual. Assim, a norma da
assim, o parlamentar será Assim,o parlamentar estadual constituição federal deverá
julgado perante o STF, mesmo será processado perante o TJ, prevalecer, de modo que o vereador
no caso de crime doloso contra mesmo no caso de crime doloso que pratica crime doloso contra a
a vida. contra a vida. vida será julgado pelo Tribunal do
Júri.
A preponderância do foro especial sobre o tribunal do júri, não se aplica aos
vereadores, pois se existir, a prerrogativa de foro dos vereadores se encontra na CE
enquanto o tribunal do júri tem previsão na Constituição Federal, tal raciocínio reflete
o quanto disposto na Súmula 721 do STF e a Súmula Vinculante nº 45, de mesmo
teor25.
Veja que, dos três analisados, a hipótese do vereador é a única em que o foro por
prerrogativa de função vem previsto exclusivamente na constituição estadual. Por
isso, apenas o vereador vai a julgamento perante o Júri popular.
No que se refere ao deputado estadual, de fato há previsão na constituição
estadual, mas não de forma exclusiva. Portanto, a norma da constituição federal que lhe
assegura o foro especial serve para excepcionar a regra constitucional da competência
do tribunal do júri para os crimes dolosos contra a vida.

4. Conflito aparente de normas


4.1. Considerações gerais

Sob a denominação conflito aparente de normas, encontram-se os casos em que a


uma mesma conduta ou fato podem ser, aparentemente, aplicadas mais de
uma norma penal.

25
Súmula 721- A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por
prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual. Súmula
Vinculante nº 45 “A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro
por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual”.
Evidentemente que não se trata de conflito efetivo de normas, sob pena de o
direito penal deixar de constituir um sistema ordenado e harmônico, onde suas normas
apresentam entre si uma relação de dependência e hierarquia, permitindo a aplicação
de uma só lei ao caso concreto, excluindo ou absorvendo as demais.
Assim, dá-se o Conflito Aparente de Normas quando um fato único subsume-se
em dois ou mais tipos legais, aplicando-se porém apenas um deles.
Na análise do problema verifica-se qual das normas deve se aplicar ao autor do
crime. Os princípios reitores da matéria impedem o bis in idem, isto é, a aplicação
conjunta de duas ou mais normas a um único fato.
Segundo a doutrina, a configuração do Conflito Aparente de Normas depende
necessariamente de três requisitos:
i. Unidade de Fato, que pode ser simples ou complexa;
ii. Pluralidade de Normas nas quais se enquadram esse fato delituoso;
iii. Vigência contemporânea das normas no momento em que o fato é
praticado.
Faltando um desses requisitos, não conflito aparente de normas.

4.2. Princípios regentes do conflito aparente de normas


Tradicionalmente se distinguem várias categorias de concurso de leis, que, no
entanto, têm mais valor classificatório do que prático.
A doutrina majoritária apresenta os seguintes princípios para solucionar o
conflito em exame26: especialidade, subsidiariedade e consunção. Há ainda
alguns que arrolam também a alternatividade, que, a rigor, não soluciona conflito
algum de normas, pois, na verdade, não há conflito aparente.

Muito embora não haja consenso sobre o assunto (salvo no tocante ao princípio
da especialidade), admitem-se comumente os princípios mencionados.

Para se determinar qual o princípio adequado a resolver o conflito aparente de


normas, é preciso, antes, estabelecer a relação entre os tipos penais ou os crimes
virtualmente aplicáveis.

O princípio da especialidade será empregado sempre que, entre os tipos


aparentemente incidentes, der-se uma relação de especialidade, isto é, de
gênero e espécie.

O princípio da subsidiariedade, por sua vez, pressupõe que entre as disposições


penais conflitantes exista uma relação de subsidiariedade, vale dizer, de continente e

26
Hungria, em seu anteprojeto de reforma do Código Penal, pretendia tratar da matéria
na Parte Geral do Código, dispondo da seguinte maneira: “Quando a um mesmo fato podem ser
aplicadas duas ou mais normas penais, atende-se ao seguinte, a fim de que uma só pena seja
imposta: (a) a norma especial exclui a norma geral; (b) a norma relativa a crime que passa a ser
elemento constitutivo ou qualificativo de outro é excluída pela norma atinente a este; (c) a
norma incriminadora de um fato que é meio necessário ou normal fase de preparação ou
execução de outro crime é excluída pela norma a este relativa. Parágrafo único. A norma penal
que prevê vários fatos, alternativamente, como modalidades de um mesmo crime, só é aplicável
uma vez, ainda quando os ditos fatos são praticados, pelo mesmo agente, sucessivamente”.
conteúdo.Nestes casos, a comparação entre as normas virtualmente aplicáveis se faz no
plano abstrato, é dizer, confrontando-se o teor dos dispositivos para, então, determinar,
ora o especial (que prevalecerá sobre o geral), ora o principal (que predominará em
relação ao subsidiário).

O princípio da consunção ou absorção ocorre em face de uma relação consuntiva


(de meio e fim), isto é, quando há crime-meio praticado no inter criminis de outro, que
será o crime-fim.

O princípio da alternatividade aplica-se a tipos mistos alternativos, ou seja, os


que possuem mais de um verbo nuclear alternativamente conectados.

Nos dois últimos princípios, a solução do conflito se dará necessariamente in


concreto. Não será, então, a comparação entre os dizeres da lei que resolverá a
controvérsia, mas a análise do caso concreto.

4.2.1. Princípio da especialidade


Considera-se especial uma norma penal, em relação a outra geral,
quando reúne todos os elementos desta, acrescidos de mais alguns,
denominados especializantes. Isto é, a norma especial acrescenta elemento
próprio à descrição típica prevista na norma geral.
A regulamentação especial tem a finalidade, precisamente, de excluir a lei
geral e, por isso, deve precedê-la (lex specialis derrogat lex generalis).
O princípio da especialidade evita o bis in idem, determinando a prevalência da
norma especial em comparação com a geral, e pode ser estabelecido in abstracto,
enquanto os outros princípios exigem o confronto in concreto das leis que definem o
mesmo fato.
Há relação de especialidade entre o tipo básico e os tipos derivados, sejam
qualificados ou privilegiados. Assim, os furtos qualificados e privilegiados constituem
preceitos especiais em relação ao furto simples. Há igualmente especialidade quando
determinada lei descreve como crime único dois pressupostos fáticos de crimes
distintos, como, por exemplo, o crime de roubo, que nada mais é do que o furto
praticado com violência ou grave ameaça à pessoa.
Alguns autores acrescentam a alternatividade como outro princípio do conflito de
normas, porém, afirma Cezar Roberto Bitencourt que nesse caso há ausência de
conflito aparente.
Haveria alternatividade quando dois tipos contêm elementos incompatíveis entre
si, excluindo-se mutuamente, como seriam exemplos o furto e a apropriação indébita.
Ora, o fundamento do concurso de leis é a coincidência parcial das normas penais,
sendo, pois, incompatíveis, afastam, por razões lógicas, o referido conflito.
Na realidade, ou não se trata de fato único, mas de fatos múltiplos, que se
excluem mutuamente, assim como as disposições legais que lhes correspondem, ou
então se trata de fatos que se enquadram nos critérios da especialidade ou
subsidiariedade.
Segundo André Estefam e Vitor Eduardo Rios Gonçalves, o princípio da
especialidade aplica-se sempre que existir entre os tipos penais em conflito uma relação
de especialidade (gênero — espécies).

Será especial, e portanto prevalecerá, a norma que contiver todos os elementos de


outra (a geral), além de mais alguns, de natureza subjetiva ou objetiva, considerados
especializantes. “Toda a ação que realiza o tipo do delito especial realiza também
necessariamente, e ao mesmo tempo, o tipo do geral, enquanto que o inverso não é
verdadeiro”.

Assim, se a mãe mata o filho durante o parto, sob a influência do estado


puerperal, incorre, aparentemente, nos Arts. 121 (homicídio) e 123 (infanticídio) do CP.
No primeiro, porque matou uma pessoa; no segundo, porque essa pessoa era seu filho e
a morte se deu no momento do parto, influenciada pelo estado puerperal. O infanticídio
contém todas as elementares do homicídio (“matar” + “alguém”), além de outras
especializantes (“o próprio filho” + “durante o parto ou logo após” + “sob a influência
do estado puerperal”), o que o torna especial em relação a esse.

Percebe-se, então, que toda ação que realiza o tipo do infanticídio realiza o do
homicídio, mas nem toda ação que se subsume ao homicídio tem enquadramento no
tipo do infanticídio.

Relembre-se que esse conflito se resolve abstratamente, isto é, basta a


comparação entre as duas normas, em tese, para saber qual delas é a especial e, por via
de consequência, a aplicável. Também é interessante notar que na relação de
especialidade é indiferente se a norma especial é mais ou menos grave. Acrescente-se
que a relação de especialidade se dá entre tipos fundamentais e secundários (exs.:
roubo simples — art. 157, caput, e roubo circunstanciado — art. 157, § 2º).

4.2.2. Princípio da subsidiariedade


Há relação de primariedade e subsidiariedade entre duas normas quando
descrevem graus de violação de um mesmo bem jurídico, de forma que a
norma subsidiária é afastada pela aplicabilidade da norma principal.
Frequentemente se estabelece a punibilidade de determinado comportamento para
ampliar ou reforçar a proteção jurídico-penal de certo bem jurídico, sancionando-se
com graduações menos intensas diferentes níveis de desenvolvimento de uma mesma
ação delitiva. A rigor, a figura típica subsidiária está contida na principal.
Para se constatar a relação primariedade-subsidiariedade deve-se analisar o fato
in concreto.
O fundamento material da subsidiariedade reside no fato de distintas proposições
jurídico-penais protegerem o mesmo bem jurídico em diferentes estágios de ataque.
Assim, a estrutura lógica da subsidiariedade não é a da subordinação, mas a da
interferência de normas.
Segundo André Estefam e Vitor Eduardo Rios Gonçalves, caberá o princípio em
questão quando, confrontando-se os tipos penais virtualmente aplicáveis, identificar-se
entre eles uma relação de subsidiariedade, ou seja, de continente e conteúdo.

Mencionada relação ocorrerá quando os tipos descreverem diferentes


graus de violação ao mesmo bem jurídico.

Haverá, portanto, uma norma mais ampla, porque descreverá um grau maior de
violação ao bem; será a norma primária ou principal. Existirá, ainda, outra menos
ampla, pois descreverá um grau inferior de violação a esse mesmo bem; será a norma
subsidiária ou famulativa.

Ensinava Hungria que “a diferença que existe entre especialidade e


subsidiariedade é que, nesta, ao contrário do que ocorre naquela, os fatos previstos em
uma e outra norma não estão em relação de espécie e gênero, e se a pena do tipo
principal (sempre mais grave que a do tipo subsidiário) é excluída por qualquer causa, a
pena do tipo subsidiário pode apresentar-se como ‘soldado de reserva’ e aplicar-se pelo
“residum”.

Assim, por exemplo, o crime de roubo será agravado quando o agente utilizar,
como meio executório, arma de fogo (CP, art. 157, § 2º, I). Caso se apure que o ofendido
não portava absolutamente nenhum bem consigo, será aplicada a figura do art. 17 do
CP (crime impossível), afastando-se o delito patrimonial. O juiz, todavia, não deverá
simplesmente absolver o réu, mas, sim, condená-lo por porte ilegal de arma de fogo
(Lei n. 10.823/2006, art. 14), o qual atuará como “soldado de reserva”.

A subsidiariedade pode ser expressa ou tácita:


i. Será expressa quando a norma em seu próprio texto condiciona a
sua aplicação à não aplicação de outra norma mais grave, a
norma se autoproclama subsidiária, indicando expressamente que só terá
aplicação “se o fato não constituir crime mais grave”. como, por exemplo,
o crime do art. 132 do CP27.
ii. Será tácita quando determinada figura típica funcionar como elemento
constitutivo, majorante ou meio prático de execução de outra figura
mais grave, ou seja, um tipo penal é previsto como elementar ou

27
Exemplo: art. 132 do CP, que define como crime o ato de expor a vida ou a saúde de
outrem a perigo direto e iminente, punindo-o com detenção, de três meses a um ano, se o fato
não constitui crime mais grave. Se o agente, v.g., efetua disparos de arma de fogo em direção à
vítima, para matá-la, embora ela não seja atingida, responde por tentativa de homicídio (norma
primária), deixando de aplicar-se o delito mencionado anteriormente (norma subsidiária).
circunstância legal de outro crime28. Assim, o crime de dano é subsidiário
do furto com destruição ou rompimento de obstáculo; a violação de
domicílio do crime de furto ou roubo, com entrada em casa alheia; o
constrangimento ilegal dos crimes em que há emprego de violência ou
grave ameaça.

4.2.3. Princípio da consunção


Pelo princípio da consunção, ou absorção, a norma definidora de um crime
constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de
outro crime.
Em termos bem esquemáticos, há consunção quando o fato previsto em
determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente
esta. Na relação consuntiva, os fatos não se apresentam em relação de gênero e espécie,
mas de minus e plus, de continente e conteúdo, de todo e parte, de inteiro e fração.
Por isso, o crime consumado absorve o crime tentado, o crime de perigo é
absorvido pelo crime de dano.
A norma consuntiva constitui fase mais avançada na realização da
ofensa a um bem jurídico, aplicando-se o princípio major absorbet minorem.
Assim, as lesões corporais que determinam a morte são absorvidas pela tipificação do
homicídio, ou o furto com arrombamento em casa habitada absorve os crimes de dano
e violação de domicilio.
A norma consuntiva exclui a aplicação da norma consunta, por abranger o delito
definido por esta. Há consunção quando o crime-meio é realizado como uma fase ou
etapa do crime-fim, onde vai esgotar seu potencial ofensivo, sendo, por isso, a punição
somente da conduta criminosa final do agente.
Não convence o argumento de que é impossível a absorção quando se tratar de
bens jurídicos distintos. Na verdade, a diversidade de bens jurídicos tutelados não é
obstáculo para a configuração da consunção.
Não é, por conseguinte, a diferença dos bens jurídicos tutelados, e tampouco a
disparidade de sanções cominadas, mas a razoável inserção na linha causal do crime
final, com o esgotamento do dano social no último e desejado crime, que faz as
condutas serem tidas como únicas (consunção) e punindo-se somente o crime último
da cadeia causal, que efetivamente orientou a conduta do agente.
Aníbal Bruno ensina que “o fato definido em uma lei ou disposição de lei pode
estar compreendido no fato previsto em outra, de sentido mais amplo. Então, é essa
disposição mais larga que vem aplicar-se à hipótese. É o princípio da consunção. Pode
ocorrer isso quando o fato previsto em uma norma figura como elemento constitutivo
do tipo delituoso definido em outra, conduta inicial, meio para realizá-lo ou parte do
todo que ele representa”.
Concluindo, o princípio fundamental para a solução do conflito aparente de
normas é o princípio da especialidade, que, por ser o de maior rigor científico, é o mais
28
Exemplo: a omissão de socorro, que é crime autônomo, é também prevista como causa
de aumento de pena do homicídio e da lesão corporal culposos. Isto ocorre tanto no Código
Penal (Arts. 121, § 4º, 129, § 7º, e 135) quanto no Código de Trânsito Brasileiro (Arts. 302,
parágrafo único, 303, parágrafo único, e 304). Dessa forma, se uma pessoa dirige
imprudentemente seu veículo e atropela outra, ferindo-a gravemente, e, em seguida, deixa de
lhe prestar socorro, não comete dois crimes: lesão culposa agravada pela omissão de socorro
(art. 303, parágrafo único, do CTB) e omissão de socorro no trânsito (art. 304 do CTB), mas
somente o primeiro, o qual constitui norma primária, dada a relação de subsidiariedade entre
eles
adotado pela doutrina. Os demais princípios são subsidiários e somente devem ser
lembrados quando o primeiro não resolver satisfatoriamente o conflito.

Ensinam André Estefam e Vitor Eduardo Rios Gonçalves que o princípio da


consunção ou absorção dá-se sempre que se apresentar, entre os atos praticados pelo
agente, a relação consuntiva, isto é, de meio e fim. Tal relação se verificará quando um
crime for praticado como meio necessário ou normal na fase de preparação ou de
execução de outro.

É o que ocorre entre os atos preparatórios puníveis, seguidos dos atos executórios
e, por fim, da consumação (todos inseridos no mesmo iter criminis). Por exemplo: o
indivíduo que porta consigo uma faca (porte de arma branca — ato preparatório
punível), brande o instrumento (ato executório) e golpeia a vítima, ferindo-a
(consumação), responde somente pelo crime-fim, ou seja, pela lesão corporal.

Verifica-se, ainda, quando o mesmo indivíduo realiza ações que configurariam


mero auxílio e, logo após, atos materiais que se subsumem ao verbo nuclear. Por
exemplo: o roubador que, em conjunto com outros, limita-se a conduzir o veículo
utilizado para levar os comparsas à cena do crime, mas, durante sua execução, decide
ingressar no estabelecimento e atuar na subtração dos bens. Ele não comete dois
roubos, mas um só.

Aplica-se a consunção, ainda, no crime progressivo e na progressão criminosa.


Dá-se a progressão criminosa quando o agente inicia o iter criminis com o objetivo de
provocar determinada lesão a um bem jurídico; depois de conseguir seu intento,
contudo, muda de ideia e busca causar um grau maior de violação ao mesmo bem
jurídico. Exemplo: o sujeito pretendia ferir seu desafeto, mas, em meio aos socos e
pontapés, decide tirar-lhe a vida e leva-o a óbito. Só responde pelo homicídio, ficando
as lesões corporais por este consumidas.

Não se deve confundir progressão criminosa em sentido estrito com crime


progressivo. Naquela, o sujeito modifica seu intento durante a execução do fato, isto é,
inicia-o com um objetivo determinado (por exemplo: violar domicílio alheio),
alterando-o durante seu cometimento (por exemplo: decide furtar um objeto
encontrado no interior do imóvel em que ingressou). No crime progressivo, o indivíduo
possui, desde o princípio, o mesmo escopo e o persegue até o final, ou seja,
pretendendo certo resultado de maior lesividade (v.g., a morte de alguém), pratica
outros atos de menor intensidade (v.g., sucessivas lesões corporais) para atingi-lo. O
princípio da absorção, por derradeiro, também se aplica nas hipóteses de antefato e
pós-fato impuníveis, anteriormente estudadas (itens 10.3.1 e 10.3.2).
Interessante destacar que um setor da doutrina situa as hipóteses de antefato e
pós-fato impuníveis fora do âmbito do conflito aparente de normas. É o caso de Cezar
Roberto Bitencourt. Para o penalista, em tais situações, ocorre uma “pluralidade de
fatos”, em que se adotam “critérios valorativos” para se optar pela incidência de
somente uma das normas penais incriminadoras. Significa que, para o autor, não há
conflito algum entre normas penais, não existindo razão formal para que ambas sejam
aplicadas. O que justifica a incidência de apenas uma delas (por meio do princípio da
consunção ou absorção) é uma opção valorativa, inspirada em critérios jurídicos.

4.2.4. Princípio da alternatividade


Este princípio tem lugar nas infrações penais de ação múltipla ou conteúdo
variado, que são aqueles tipos penais que possuem diversos núcleos (verbos), separados
pela conjunção alternativa “ou” (tipos mistos alternativos).
Quando alguém pratica mais de um verbo do mesmo tipo penal, apresentando-se
uma conduta como consequência da outra, atingindo, todas, o(s) mesmo(s) objeto(s)
material(ais), só responde por um crime (e não pelo mesmo crime mais de uma vez).
Exemplos: a) aquele que expõe à venda e, em seguida, vende drogas pratica um só
crime de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei n. 11.343/2006, art. 33); b) quem induz e
instiga outrem a se suicidar, vindo a vítima a falecer, incorre uma só vez no delito de
auxílio ao suicídio (art. 122 do CP).
Anote-se, entretanto, que em tais casos o juiz deve considerar a incursão em mais
de uma ação nuclear na dosagem da pena, de modo a exacerbar a sanção imposta ao
agente.

4.3. Antefato e pós-fato impuníveis


O princípio da consunção tem abrangência maior do que aquela tradicionalmente
reconhecida, como simples conflito aparente de normas, podendo atingir, inclusive, a
pluralidade de fatos, adotando critérios valorativos.
Um fato típico pode não ser punível quando anterior ou posterior a outro mais
grave, ou quando integrar a fase executória de outro crime. Um fato anterior ou
posterior que não ofenda novo bem jurídico muitas vezes é absorvido pelo fato
principal, não se justificando, juridicamente, sua punição autônoma. Podem ser
lembrados, como exemplos de fato anterior impunível, a falsificação do cheque para a
obtenção da vantagem indevida no crime de estelionato; de fato posterior, a venda que
o ladrão faz do produto do furto a terceiro de boa-fé. Outras vezes, determinados fatos
são considerados meios necessários e integrantes normais do iter criminis de uma ação
principal.
Casos como esses não se confundem com o conflito aparente de normas, embora,
tais fatos sejam absorvidos pelo principal, a exemplo do que ocorre com o princípio da
consunção. Com efeito, apesar da possibilidade de configurar uma pluralidade de ações,
em sendo naturalista, que ofendam o mesmo bem jurídico e, normalmente, sejam
orientadas pelo mesmo motivo que levou à prática do ato principal; apesar de, a
princípio, ser possível a punição autônoma, pois legalmente previstos como figuras
típicas, não passam, in concreto, de simples preliminares (fatos anteriores) ou meros
complementos (fatos posteriores) do fato principal. Nesses casos, a punição do fato
principal abrangê-los-á, tornando-os, isoladamente, impuníveis. Os fatos posteriores
que significam um “aproveitamento” do anterior, aqui considerado como principal, são
por este consumidos.
Para alguns autores, nas hipóteses de antefato impunível ocorre uma espécie de
subsidiariedade tácita. Não parece a definição mais adequada, considerando esse
entendimento em termos de consequências, isto é, sob o ponto de vista prático, pois
não decorre de uma alteração in concreto. Contudo, quando se trata de pós-fato
impunível, inegavelmente, está-se diante do princípio da consunção. Normalmente,
esse episódio ocorre com atos que não são adequados ao exaurimento do crime
consumado, que, no entanto, também estão previstos como crimes autônomos. Com
efeito, a punição daquele absorve a destes. Assim, no exemplo do ladrão que, de posse
da res furtiva, a deteriora pelo seu uso, a punição pela lesão resultante do furto absorve
a punição pela lesão decorrente do dano.
No entanto, se o agente vende a coisa a terceiro de boa-fé, comete estelionato em
concurso material com crime de furto, pois produziu nova lesão autônoma e
independente contra vítima diferente, com outra conduta que não era consequência
natural e necessária da anterior.
Em síntese, deve-se considerar absorvido pela figura principal tudo aquilo que,
enquanto ação – anterior ou posterior – , seja concebido como necessário, assim como
tudo o que dentro do sentido de uma figura constitua o que normalmente acontece
(quod plerumque accidit). No entanto, o ato posterior somente será impune quando
com segurança possa ser considerado como tal, isto é, seja um autentico ato posterior e
não uma ação praticada contra outra pessoa, mas pela natureza do fato praticado em
relação à capacidade de absorção do fato anterior.

Segundo André Estefam e Vitor Eduardo Rios Gonçalves, ocorre o ante factum
impunível quando o agente realiza uma conduta criminosa visando praticar outra, em
que a primeira esgotará toda a sua potencialidade lesiva. A ação ou omissão anterior
não possui razão de ser, senão para viabilizar a prática da seguinte, em que produzirá
todo seu malefício.

É o que ocorre quando o agente falsifica uma folha de cheque de terceiro,


assinando-a como se fosse o titular da conta corrente e, então, entrega o documento
falsificado ao lojista, o qual, iludido em razão da fraude empregada, vende a ele a
mercadoria, supondo que a cártula será honrada pela instituição financeira. Houve
duas condutas criminosas: a falsidade documental (CP, art. 297, § 2º), seguida do
estelionato (CP, art. 171), na qual a primeira esgotou todo seu malefício, ou seja, toda
sua potencialidade lesiva. Quer dizer, em outras palavras, que o documento falso não se
prestará a nenhum outro golpe, a não ser aquele já consumado. É exatamente isso que
preconiza a Súmula n. 17 do STJ: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais
potencialidade lesiva, é por este absorvido”.

Ocorre o post factum impunível quando, após a consumação, realiza-se nova


conduta contra o mesmo bem jurídico, incapaz, porém, de agravar a lesividade do
comportamento anterior; significa que todo o malefício que poderia ser produzido
contra o bem já ocorreu e não sofre qualquer acréscimo com a nova ação.
Cite-se, como exemplo, o dano (CP, art. 163) da coisa recém-subtraída (CP, art.
155): o indivíduo furta o relógio da vítima e, já distante, quando consumada a infração
patrimonial, nota que o objeto não possui o valor que esperava e, raivoso, danifica-o. O
dano representa, nesse caso, um pós-fato impunível por não ter o condão de agravar o
malefício já produzido ao patrimônio do sujeito passivo.

Teoria do crime

1. Aspectos introdutórios
A teoria do crime preocupa-se com o estudo de elementos que possibilitam a
compreensão do necessários para a configuração do crime (Teoria geral do
delito), bem como com os pressupostos necessários à imposição da pena
(Teoria Geral da Pena).
Segundo Zaffaroni, a teoria do delito é uma construção dogmática, que nos
proporciona o caminho lógico para averiguar se há delito em cada caso concreto.
A par disso, pode-se afirmar ser o crime, o delito, a infração penal a pedra de
toque da teoria abaixo estudada.
Para tanto necessário discernir dos vocábulos usados para identificar o objeto de
estudo.
Pois bem, de inicio observa-se que o conceito de infração penal pode variar
conforme o enfoque.
Sob o enfoque formal, infração penal é aquilo que assim está rotulado em
uma norma penal incriminadora, sob ameaça de pena.
Num conceito material, infração penal é comportamento humano causador de
relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, passível de
sanção penal.
O conceito analítico leva em consideração os elementos estruturais que compõem
infração penal, prevalecendo fato típico, ilícito e culpável.
No Brasil, infração penal é gênero, podendo ser dividida em crime (ou delito)
e contravenção penal (ou crime anão, delito liliputiano ou crime vagabundo), adotou-
se o sistema dualista ou binário.
Entretanto essas espécies, no entanto, não guardam entre si distinções de
natureza ontológica (do ser), mas apenas axiológica (de valor), ou seja qualquer crime
ou contravenção em sua essência são a mesma coisa, entretanto, pelo direito brasileiro,
por uma questão de política criminal, são valorados de forma distinta.

1.1. Diferenças entre crimes e contravenções


Conforme visto acima, o rótulo de crime ou contravenção penal para determinado
comportamento humano depende do valor que lhe é conferido pelo legislador.
De forma que as condutas mais graves devem ser etiquetadas como crimes; as
menos lesivas , como contravenções penais.
Trata-se, portanto, de opção política que varia de acordo com o momento
histórico-social em que vive o país, sujeito a mutações.
Apesar de ontologicamente idênticos (aplicando-se às contravenções as regras
gerais do CP) , crime e contravenção possuem algumas diferenças trazidas pela própria
lei.

1.1.1. Quanto à pena privativa de liberdade imposta


O Art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal traz textualmente tal distinção:

Art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal: “Considera-se crime a infração

penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente,

quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a

infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de

multa, ou ambas alternativa ou cumulativamente”.

Assim, observa-se que os crimes serão punidos com penas mais severas (reclusão
ou detenção), enquanto as contravenções penais com penas menos severas
(destacando-se a prisão simples, art. 6° da LCP, que não segue os rigores penitenciários
daquelas).

1.1.2. Quanto à espécie de ação penal


As contravenções penais são todas perseguidas mediante ação penal
pública incondicionada, por força do artigo 1 7 da Lei das Contravenções Penais.

Art. 17: “A ação penal é pública, devendo a autoridade proceder de ofício”.


Os crimes, por sua vez, serão, em regra, processados mediante ação penal pública
incondicionada, sendo de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada
quando a lei dispuser em sentido contrário.

1.1.3. Quanto à admissibilidade da tentativa


A tentativa de crime é punida nos termos do Art. 14, parágrafo único, do Código
Penal.
Por sua vez, muito embora possa ocorrer, no mundo dos fatos, a tentativa de
contravenção penal não é punível, consoante disposição do artigo 4° da Lei de
Contravenções Penais.

1.1.4. Quanto à extraterritorialidade da lei penal brasileira


Não existe extraterritorialidade de contravenção penal.

1.1.5. Quanto à competência para julgar


A competência é matéria disciplinada pela Constituição Federal.
O processo e julgamento de crimes serão de competência da Justiça Federal
sempre que incidirem uma das hipóteses do artigo 109 da Carta Magna, sendo residual
a competência da Justiça Estadual.

Art. 109: “Aos juízes federais compete processar e julgar: IV - os crimes políticos e as

infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou

de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções

e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”.

No que tange às contravenções penais, entretanto, a competência será


sempre da Justiça Estadual, salvo na hipótese em que o contraventor seja
detentor de foro por prerrogativa de função que obrigue julgamento perante Tribunal
federal ou nacional (TRF, STJ ou STF).

1.1.6. Quanto ao limite das penas


O Art. 10 da LCP diz que a duração da pena de prisão simples não pode, em caso
algum ultrapassar cinco anos.
Já em relação aos crimes, o Art. 75 do Código Penal estabelece a duração máxima
de cumprimento de pena em 30 anos.

1.1.7. Quanto à ignorância ou à errada compreensão da lei


Nas contravenções penais, a ignorância ou a errada compreensão da lei, quando
escusáveis, podem fazer com que a lei deixe de ser aplicada (art. 8º do Decreto-lei
nº 3.688/41).
Tratando-se de crime, por outro lado, o desconhecimento da lei é inescusável;
serve no máximo como atenuante de pena (Arts. 21 e 65, inciso II, do Código Penal).

1.1.8. Quadro sinótico

2. Conceito de crime
2.1. Conceito formal
Sob o enfoque formal, crime é aquilo que está estabelecido em uma norma penal
incriminadora, sob ameaça de sanção penal.

2.2. Conceito material


Para o conceito material, crime é comportamento humano, causador de lesão ou
perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, passível de sanção penal.
2.3. Conceito analítico
O conceito analítico leva em consideração os elementos ou substratos que
compõem a infração penal, prevalecendo: fato típico, ilicitude e culpabilidade.
Há mais um substrato que pode ser considerado, a punibilidade, que pelo
conceito analítico de crime, não integra seu conceito, mas é a conseqüência
jurídica do cometimento de uma infração penal.

3. Sujeitos do crime
3.1. Sujeito ativo
3.1.1. quem pode figurar como sujeito ativo de uma ação penal?
Sujeito ativo é o autor da infração penal.
Pode figurar como sujeito ativo de uma infração penal a pessoa física, com idade
igual ou superior a dezoito anos e capaz.
Há três correntes acerca da possibilidade de a pessoa jurídica figurar como sujeito
ativo de crime:
1ª corrente: a pessoa jurídica não pratica crimes nem pode ser responsabilizada
criminalmente. A responsabilidade penal da pessoa jurídica ofende:i) o princípio da
responsabilidade subjetiva (trata-se de responsabilidade sem dolo e sem culpa); ii) o
princípio da culpabilidade;iii) o princípio da responsabilidade pessoal (configurando
responsabilidade coletiva); e iv) o princípio da personalidade da pena (a pena passa da
pessoa do delinquente).
2ª corrente: a pessoa jurídica pode ser autora de crimes ambientais, sendo por
eles responsabilizada penalmente (Lei 9.605/1998). Isso porque:i) trata-se de
responsabilidade objetiva (sem dolo e sem culpa) autorizada pela própria CR;ii) a
pessoa jurídica deve responder por seus atos, adaptando-se o juízo da culpabilidade às
suas características; e iii) a responsabilização penal não viola o princípio da
personalidade da pena, transmitindo-se, eventualmente, os efeitos da condenação.
3ª corrente:apesar de a pessoa jurídica ser um ente autônomo e distinto de seus
membros, dotado de vontade própria, não pratica crimes, mas pode ser
responsabilizada penalmente (art. 3º da Lei 9.605/1998). Trata-se de responsabilidade
penal social:

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e

penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida

por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado , no

interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas

físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.


O dispositivo adotou o sistema da dupla imputação: quem pratica o crime é a
pessoa física, mas a pessoa jurídica pode ser responsabilizada penalmente. Apesar de
não praticar o crime, a pessoa jurídica pode ser responsabilizada penalmente quando o
delito lhe beneficia, cometido seguindo suas ordens.
Há julgados do STJ de acordo com a segunda e terceira correntes. Não há
definição de predominância.
3.1.2. Classificação doutrinária dos crimes conforme o sujeito ativo

3.1.2.1. crime comum


Crime comum é aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa. O tipo não
exige qualidade especial do agente. Admite participação e coautoria.

3.1.2.2. Crime próprio


No crime próprio, o tipo exige qualidade especial do agente. Também admite
participação e coautoria.

3.1.2.3. Crime de mão própria (ou de conduta infungível)


No crime de mão própria, a exemplo do crime próprio, o tipo exige qualidade
especial do agente. O detalhe está no fato de que somente admite participação, não
coautoria. Por isso de conduta infungível.

3.2. Sujeito passivo


3.2.1. Conceito
Sujeito passivo é a pessoa ou o ente que sofre as consequências da infração penal.

3.2.2. Espécies de sujeito passivo

3.2.2.1. Sujeito passivo constante ou formal


Sujeito passivo constante (ou formal) é o Estado, titular do mandamento
proibitivo, lesado pela conduta do sujeito ativo. Nessa classificação, o Estado é vítima
constante, formal, de todo e qualquer crime.

3.2.2.2. Sujeito passivo eventual ou material


Sujeito passivo eventual ou material é o titular do interesse penalmente
protegido, podendo ser qualquer pessoa, física ou jurídica, ou mesmo ente
despersonalizado.
Atenção! Crime vago é aquele que tem como vítima um ente despersonalizado.
Ex.: crimes que tenham como vítima a família.

3.2.3. Questões especiais relacionadas ao sujeito passivo


Morto não pode figurar como vítima de crime, pois ele não tem mais direitos
resguardados pela ciência criminal. Ou seja, não sendo titular de direitos, não é sujeito
passivo de crime. Punem-se, entretanto, os delitos contra o respeito aos mortos, sendo
vítimas a família ou mesmo a coletividade.
Os animais irracionais também não podem ser vítimas de crime, podendo apenas
consistir no objeto material, a coisa sobre a qual recai a conduta criminosa (ex.: furto,
dano etc.)
O homem pode, ao mesmo tempo, ser sujeito ativo e passivo de um delito? A
maioria entende que não. Rogério Greco, todavia, enxerga uma exceção: no delito de
rixa, o indivíduo é sujeito ativo e passivo, ao mesmo tempo. Rogério Sanches concorda
com essa posição.
Pessoa jurídica pode ser vítima de extorsão mediante sequestro, desde que
atingida no seu patrimônio. Sequestra-se a pessoa física, mas quem paga o resgate é a
pessoa jurídica. Nesse caso, ela também será vítima do crime.
Pessoa jurídica pode ser vítima de crime contra a honra?
Calúnia Difamação Injúria
Não, segundo o STF. Sim. Não, pois ela não tem
dignidade ou decoro.
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.


O infanticídio é exemplo de crime com sujeito passivo próprio (o tipo exige
qualidade ou condição especial do sujeito passivo):o sujeito passivo é o próprio filho,
durante ou logo após o parto. O estupro já foi crime de sujeito passivo próprio, quando
exigia da vítima a condição de mulher.
Delito de dupla subjetividade passiva é aquele que tem, necessariamente,
pluralidade de vítimas ou de sujeitos passivos. Ex.: na violação de correspondência, as
vítimas são o remetente e o destinatário.

4. Objeto material
Objeto material é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta criminosa.
Ele não pode ser confundido com o sujeito passivo. Ex.: se “A” furta a carteira de
“B”, o sujeito ativo é “A”, o sujeito passivo é “B” e o objeto material é a carteira. Há
crimes, como o homicídio, em que os dois institutos se confundem.
Em regra, não existe crime sem objeto material. Há, todavia, exceções
doutrinárias: ato obsceno e falso testemunho.

5. Objeto jurídico
Objeto jurídico é o bem ou interesse tutelado pela norma.
Delitos pluriofensivos são os que lesam ou expõem a perigo mais de um bem
jurídico. Ex.: o latrocínio tem como bens jurídicos a vida e o patrimônio.
Não se admite delito sem objeto jurídico. Para que haja crime, é imprescindível
um direito ou bem tutelado pela norma. Crime sem proteger nenhum interesse é um
uso ilegítimo do direito penal.

6. Crime e seus elementos (ou substratos)


O direito penal somente se ocupa de fatos (direito penal do fato). Os inúmeros
fatos que ocorrem no mundo podem ser humanos ou da natureza. Ao direito penal,
apenas interessam os fatos humanos (aqueles em que participa o homem). Trata-se do
princípio da exteriorização do fato.
O direito penal, todavia, não se ocupa de todos os fatos humanos. Ele é seletivo,
somente se ocupando dos fatos humanos indesejados. Ainda assim, em decorrência do
princípio da intervenção mínima, que norteia a disciplina, nem todos os fatos
humanos indesejados interessam ao direito penal.
Dentre os indesejados, somente interessam os fatos oriundos de uma
conduta, produtora de um resultado, com nexo causal e um ajuste formal e
material a um tipo penal (tipicidade).
Os fatos que possuem essas características são os fatos típicos (1º substrato do
crime). Tipicidade é composta por conduta, resultado, nexo causal e ajuste formal e
material a um tipo penal (tipicidade, em sentido estrito). Além da tipicidade, para haver
crime deve haver ilicitude, ou antijuridicidade (2º substrato do crime) e, para a imensa
maioria,a culpabilidade (3º substrato do crime29).
A punibilidade é a consequência jurídica do crime. Não se trata de elemento (ou
substrato) do crime.

29
Bettiol é o autor que chama fato típico, antijurídico e culpável de “substratos” do crime.
7. Teorias do crime/da tipicidade/da conduta
(Sistemas Penais)
Sistema Neoclássico Finalista Funcionalista
Clássico Corresponde ao anterior, Hans Welzel Se divide em: funcionalismo
Liszt, Beling, acrescido da teoria de Reinhard sistêmico ou radical (Jakobs) e
Radbruch Frank e de Edmund Mezger teleológico ou moderado
(Roxin), dentro dos quais se
desenvolveu a (moderna)
teoria da imputação objetiva.
O crime é O crime é dividido em: O crime é dividido em: O crime é dividido em:
dividido em • Injusto: composto de  Injusto:  Injusto:
 Critério Fato típico + composto de Fato composto de Fato
objetivo: antijuridicidade típico + típico +
Fato típico + antijuridicidade antijuridicidade +
antijurídico imputação objetiva
•Culpabilidade: possui
três elementos:
o Imputabi  Culpabilidade:  Responsabilidad
lidade possui 3 elementos: e: que é formada pela:
 Critério
o Dolo ou o Imputabi o Culpabilidade
subjetivo:
culpa lidade o Satisfação de
Culpabilidade,
dividido em dolo o Exigibilid o Potencial necessidades
ou culpa ade de conduta consciência da preventivas
diversa ilicitude
Obs. Dolo e culpa o Exigibilid Culpabilidade
são espécies de ade de conduta expandida. A
culpabilidade. A culpabilidade passa a responsabilidade é a
diversa.
ser considerada um juízo soma da ImpoEx +
de reprovação sobre o satisfação de
ato, mas ainda contém Obs. culpabilidade=
necessidades
dolo e culpa. ImPoEx
preventivas. Se o juiz
Obs. No finalismo o dolo
entender que a aplicação
e culpa migram para o
da pena não tem o
fato típico (agora
condão de prevenir a
composto por dolo e
pratica de crimes
culpa).
A culpabilidade torna-se futuros, não aplica a
exclusivamente normativa; dolo pena.
e culpa passam a integrar o fato A ação perde relevância como
típico elemento central da teoria do
crime, dando lugar à
imputação; a culpabilidade é
expandida para uma noção
mais abrangente (a de
responsabilidade

7.1. Teoria causalista (causal naturalista/ clássica/


naturalística ou mecanicista)
7.1.1. Noções gerais
A conceito causal de ação foi elaborado por Von Liszt e Beling no final do século
XIX, em decorrência da influencia do pensamento científico-natural na ciência do
direito penal, do positivismo.
Pode se afirmar que a teoria causalista segue o método empregado para as
ciências naturais, a lei da causa e efeito.
Assim, o direito deveria ser explicitado pela experimentação de fenômenos,
trabalhando-o como uma ciência exata (ao lado da matemática ou da física p. ex.).
Para a teoria causalista, crime é fato típico, antijurídico e culpável (a teoria
causalista é tripartite).
A conduta, elemento do fato típico, é a ação humana, voluntária, causadora de
modificação no mundo exterior, perceptível pelos sentidos.
Dolo e culpa pra o causalismo não são elementos da conduta, mas sim da
culpabilidade (que é sinônimo de imputabilidade para a teoria).
Por essa razão, o tipo penal deve ser o mais neutro possível, somente se
reconhecendo nele elementos objetivos.
O tipo penal pode ter elementos:
i) objetivos: percebidos pelos sentidos;
ii) normativos: demandam juízo de valor; e
iii) subjetivos: espelham a finalidade especial do agente.
O causalista vê no tipo penal somente os elementos objetivos, percebidos pelos
sentidos.
De acordo com a teoria causalista, a conduta é composta de vontade 30,
movimento corporal e resultado, porém a vontade não está relacionada com a
finalidade do agente, elemento este analisado somente na culpabilidade 31.
O crime era o fato típico e antijurídico (aspecto objetivo), praticado por dolo ou
culpa (aspecto subjetivo – culpabilidade). O Sistema Clássico, portanto, divide o crime
em aspecto objetivo e aspecto subjetivo.
O aspecto objetivo corresponde ao chamado “injusto”, que nada mais é do que
o fato típico (ação + tipicidade – nos crimes materiais, há ainda o resultado e o nexo
causal) e a antijuridicidade (ausência de excludentes de ilicitude).
O aspecto subjetivo determina que não basta o “injusto”, devendo estar presente
também a culpabilidade, formada por duas espécies: dolo ou culpa.
Percebe-se, portanto, que não há crime sem culpabilidade, ou seja, sem dolo ou
culpa (devem estar presentes os aspectos subjetivos e objetivos).
Obs.: É a partir desse sistema que se incorpora na ciência penal o entendimento
de ser incabível a responsabilidade penal objetiva (sem análise de culpa – a qual era
muito comum na época).
O causalismo divide o tipo penal em normal e anormal. O tipo penal normal
somente possui elementos objetivos (ex.: art. 121, caput, do CP32). O anormal
possui elementos objetivos e normativos e/ou subjetivos (ex.: art. 299,caput,do CP33).

7.1.2. Críticas à teoria causalista


A teoria causalista:
1. Ao conceituar conduta como “movimento humano”, esta teoria não explica
de maneira adequada os crimes omissivos (inação / sem movimento).

30
A vontade segundo o causalismo é composta de um aspecto externo, o movimento
corporal do agente, e de um aspecto interno, vontade de fazer ou não fazer (conteúdo final da
ação). A ação seria, portanto, composta de vontade, movimento corporal e resultado, porém a
vontade não está relacionada à finalidade do agente, elemento analisado somente na
culpabilidade.
31
A finalidade especial do agente é o que característica a teoria finalista.
32
Art 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
33
Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou
nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de
prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena
- reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos,
e multa, se o documento é particular.
2. Não há como negar a presença de elementos normativos e subjetivos do tipo.
3. Ao fazer a análise do dolo e da culpa somente no momento da culpabilidade,
não há como distinguir, apenas pelos sentidos, a lesão corporal da tentativa
de homicídio, por exemplo.
4. É inadmissível imaginar a ação humana como um ato de vontade sem
finalidade.

7.1.3. Quadro Sinótico

7.2. Teoria neokantista (neoclássica ou causal valorativa)


7.2.1. Noções gerais
A teoria neokantista tem base causalista, para mitos é uma modernização desta
teoria, surgida em meados do século XX e idealizada pelo alemão Edmund Merzger.
Fundamenta-se numa visão neoclássica, marcada pela superação do
positivismo34, através da racionalização do método35.
Reconhece que o direito não é uma ciência exata, do ser, mas sim, uma ciência do
“dever ser”
Por isso, abandona a idéia de que a conduta seria o que é apenas perceptível pelos
sentidos, e admite a existência de elementos normativos ou valorativos e
subjetivos, contrariando os causalistas que apenas admitem critérios objetivos.
Dessa forma conduta é um comportamento humano voluntário causador de um
resultado.
Observa-se que para o causalista, conduta é ação humana. O neokantista fala em
comportamento humano, que abrange ação e omissão.
O objetivo desta teoria foi corrigir a lacuna do sistema clássico, no tocante à
culpabilidade. Entendeu-se que a culpabilidade não se restringia ao dolo ou a culpa,
abarcando também a reprovabilidade.
A culpabilidade passa a significar reprovabilidade (que é um juízo de valor). A
análise unicamente do dolo ou da culpa não possui a essência da culpabilidade – só é
culpável o comportamento digno de censura e reprovação.

34
Que acreditava que todas as ciências deveriam ser analisadas através de uma mesma forma de
observação (a forma causal).
35
Valores metafísicos, valoração dos fenômenos (método axiológico).
Mas como se determinar a reprovabilidade de um comportamento?
Para que houvesse uniformização e, consequentemente, segurança jurídica, era
necessário trazer um conceito para a reprovabilidade.
O critério escolhido foi a possibilidade de o indivíduo agir ou não de forma diversa
(exigibilidade de conduta diversa), assim era necessário analisar se a pessoa podia ou
não agir de maneira diversa, evitando o delito.
Ora, as pessoas são livres para escolher seu caminho, devendo ser recompensadas
pelas boas escolhas, e sofrer as conseqüências pelas más escolhas. Para que alguém
possa, de fato, sofrer a conseqüência negativa da má escolha, é necessário que na
situação concreta tenha havido real condição de optar.
Se o agente não podia agir de outro modo, se os fatores externos à conduta não
davam ao agente condição de escolher, não poderá haver punição (não houve má
escolha, mas sim falta de escolha).
Este pensamento resulta no fato de a culpabilidade depender do exame da
possibilidade de exigir outra conduta do agente – é a exigibilidade de conduta
diversa.
A culpabilidade passa a conter elementos (e não as espécies dolo e culpa, como no
Sistema Clássico). São eles:
i) Imputabilidade
ii) Dolo ou culpa
iii) Exigibilidade de conduta diversa

Assim, a culpabilidade deixa de ter aspectos apenas subjetivos, passando a ter juízo
de valor (= elemento normativo). Passa a ter natureza normativa.

7.2.2. Críticas à teoria neokantista


A teoria neokantista:
1. Permanece considerando dolo e culpa como elementos da
culpabilidade;
2. Analisando dolo e culpa na culpabilidade, ficou contraditória ao reconhecer
elementos normativos e subjetivos no tipo36.

7.2.3. Quadro Sinótico

36
Como elementos subjetivos retratam uma finalidade especial do agente, como se pode
analisar um fim especial do agente, se nem ao menos se analisa no tipo o fim especial, ou seja, o
dolo e a culpa, que ainda estão na culpabilidade.
7.3. Teoria finalista
7.3.1. Noções gerais
Foi criada pelo alemão Hans Welzel em meados do século XX.
O Finalismo pesquisa a essência do homem, e através de dados e informações da
realidade, procura construir verdades absolutas, leis imutáveis. Trata-se de um
método empírico em busca da estrutura do crime.
Percebe-se que cada conduta humana leva a um resultado (premissa
fundamental). O homem, em todas as suas ações, sempre está em busca de alguma
finalidade. Por ter conhecimento da conseqüência dos atos que deseja praticar, o
homem os dirige para a obtenção de uma meta.
Segundo Welzel, a finalidade é a espinha dorsal da conduta humana.
Nos sistemas anteriores, ou seja, no Causalismo, a ação era definida de forma
incompleta, pois não se preocupava com a intenção que move toda e qualquer
conduta humana.
Assim, surge um novo conceito de conduta: é o comportamento humano
voluntário, psiquicamente dirigido à um fim.
O conceito de conduta para o finalismo nasceu diferente: falava-se em
“psiquicamente dirigido a um fim ilícito”. Mas a teoria logo se corrigiu, tendo o “ilícito”
sido retirado do conceito, pois ele excluía o crime culposo.
O grande marco do finalismo foi a saída do dolo e da culpa da
culpabilidade, os quais migraram para a conduta (ou seja, para o fato típico). Aqui,
que nasce a famosa expressão: “o causalismo é cego; o finalismo, vidente”.
Zaffaroni é adepto da teoria finalista e afirma que o dolo está livre de toda
reprovação, porque a reprovabilidade (culpabilidade) é um passo posterior à
averiguação do injusto (conduta típica e antijurídica), pois o dolo integra o injusto
como uma característica da tipicidade dolosa. Nesse sentido, o autor sustenta um
conceito de dolo valorado (quanto à reprovação), enquanto os partidários da teoria
causalista (dolo na culpabilidade) em geral defendem um conceito de dolo desvalorado
(o dolo só pode ser dolo culpável).
A culpabilidade, para o Finalismo, é formada por três elementos:
i) Imputabilidade (capacidade mental de entender o caráter ilícito do fato
e de exercitar o autocontrole)
ii) Potencial consciência da ilicitude (possibilidade de entender o caráter
ilícito do fato)
iii) Exigibilidade de conduta diversa (destacou-se no finalismo, embora
tenha surgido no sistema neoclássico)
A culpabilidade torna-se, exclusivamente, juízo de valor (aspecto puramente
normativo – não há mais previsão de dolo e culpa, que são elementos subjetivos e
fazem parte do fato típico) – Teoria normativa pura da culpabilidade.

Origem do elemento “Potencial consciência da ilicitude”


Antes do Finalismo, a “potencial consciência da ilicitude” era analisada
juntamente com o dolo.
No sistema Neoclássico, o dolo continha três elementos:
1. Consciência
2. Voluntariedade (vontade)
3. Consciência da ilicitude (bastante semelhante ao “dolus malus” do direito
romano, que era o dolo com má-fé).
Dessa forma, apenas agia dolosamente aquele que tinha consciência de que a
conduta não era correta, que era ilícita. Este é o chamado dolo normativo ou híbrido, o
qual já foi superado.
Este conceito não se coaduna com o pensamento finalista, que prega que dolo é
toda intenção, seja boa ou ruim, pois todo o comportamento humano é movido por
uma finalidade. O dolo não se limita a coisas erradas, sendo inerente a todo
comportamento humano.
Assim, no finalismo o dolo foi reduzido para dois elementos:
1. Consciência
2. Vontade
É o dolo natural ou neutro.
A consciência da ilicitude permaneceu na culpabilidade (enquanto que o dolo
passou a integrar o fato típico).

7.3.2. Críticas ao finalismo


A teoria finalista:
1. Não abrangia os crimes culposos: como visto, o finalista corrigiu a própria
teoria, alterando o conceito de conduta, para abranger os crimes culposos;
2. Centralização da teoria no desvalor da conduta, ignorando o desvalor do
resultado.

7.3.3. Quadro Sinótico

7.3.4. Teoria finalista dissidente


Foi desenvolvida no Brasil e segundo tal teoria crime é fato típico e ilicitude,
adotando o conceito bipartido de crime.
Para esta teoria, a culpabilidade não integra o crime, sendo mero
pressuposto de aplicação da pena (juízo de censura).
O conceito de conduta, todavia, continua o mesmo.
7.4. Teoria social da ação
7.4.1. Noções gerais
Foi criada por Wessels e seguida principalmente por Jescheck.
Busca conciliar os conceitos finalista e causalista de conduta, e não substituí-los,
dando uma nova dimensão.
Para a teoria social da ação, o crime é tripartite (fato típico, ilicitude e
culpabilidade). A culpabilidade é formada pela imputabilidade, exigibilidade de
conduta diversa e potencial consciência da ilicitude.
A conduta está no fato típico. É, para essa teoria, é o comportamento humano
voluntário, psiquicamente dirigido a um fim socialmente relevante.
Dolo e culpa continuam no fato típico, na conduta, mas voltam a ser analisados
na culpabilidade quando da ocasião da fixação da pena.
Os adeptos desta teoria sustentam seu valor na capacidade que tem de adequar a
realidade jurídica à realidade social, pois um fato não pode ser considerado tipicamente
penal ao mesmo tempo em que a sociedade lhe é indiferente e o resultado de eventual
conduta, consequentemente, não tem relevância social.

7.4.2. Críticas à teoria social da ação


A teoria social da ação:
1. quer agradar a todos: ao finalista, colocando o dolo e a culpa na conduta, e ao
causalismo e ao neokantismo, entendendo que o dolo e a culpa voltam a ser
analisados na culpabilidade;
2. Não há clareza acerca do que significa “fim socialmente relevante”, é uma
expressão vaga, uma noção muito ampla, sendo arriscado incorporá-la ao
direito penal, limitando a sua intervenção.

7.4.3. Quadro Sinótico

7.5. Teorias funcionalistas


7.5.1. Noções gerais

As teorias funcionalistas penais ganham força na década de 70, discutidas com


ênfase na Alemanha, buscando, em apertada síntese, adequar a dogmática 37 penal aos
fins do Direito Penal (missões).

37
Ex. o que vem a ser a conduta.
Os penalistas, observando os sistemas anteriores, perceberam que havia uma
grande preocupação com a estrutura do crime, com a elaboração de um sistema
harmônico, com teorias logicamente compatíveis, deixando para segundo plano a
análise sobre as soluções dadas a esse sistema (não se analisava a justiça das decisões).
Segundo o sistema funcionalista, houve uma perda de foco.
Assim, deve-se colocar em primeiro plano um sistema que proporcione soluções
justas, para somente depois elaborar o sistema, em consonância com tais decisões.
Importante mencionar que, desde o Sistema Clássico, começou a se desenvolver a
idéia de que Dogmática (Teoria) e Política Criminal deveriam ser analisadas de forma
separada. A dogmática seria responsabilidade do jurista, enquanto que a política
criminal (redução da criminalidade, enfrentamento do crime) era deixada a cargo do
legislador.
O Funcionalista discorda dessa premissa, pois, além de se preocupar com a
Teoria, entende importante que o jurista se preocupe com a política criminal, que se
preocupe com a Justiça. As Teorias elaboradas pelo jurista devem ser aptas a propiciar
o cumprimento da função do direito penal.
A teoria é chamada de funcionalista, na medida em que considera que a análise
da teoria do crime deve ser feita à luz da “função ou “missão” do direito penal”.
Esse ponto de vista é comum para Roxin e Jakobs.
Entretanto, observa-se que o conceito de conduta está diretamente ligado ao que
se admite por “missão” do direito penal, sendo que os dois grandes expoentes dentro
dessa teoria, Roxin e Jakobs, divergem quanto à missão do Direito Penal.

7.5.2. Funcionalismo teleológico/dualista/moderado/ da política


criminal (Klaus Roxin)
Para Roxin, a missão do direito penal é a proteção subsidiária de bens jurídicos.
Ou seja, o direito penal deve ser utilizado somente em último caso (e não em toda e
qualquer situação).
Foi Roxin que criou o princípio da insignificância, ao encontrar situações que,
embora se enquadrem na estrutura do crime, são lesões tão insignificantes ao bem
jurídico que devem ser ignoradas pelo direito penal.
Roxin sustenta o Funcionalismo racional teleológico ou Funcionalismo
Moderado.
Para a teoria funcionalista teleológica (ou moderada) de Roxin, crime é fato
típico, ilicitude e reprovabilidade.
A reprovabilidade, por sua vez, é constituída de imputabilidade, exigibilidade de
conduta diversa, potencial consciência da ilicitude e necessidade da pena.
Desnecessária a pena, o fato deixa de ser reprovável e, por isso, deixa de ser crime.
Exemplos: i) o sujeito que, tendo subtraído um relógio, se arrepende e devolve o
bem à vítima, para Roxin não pratica o crime. Ao devolver o relógio, ele devolve a paz
social, o que torna a pena desnecessária; ii) o marido bate na esposa, causando lesão
leve. A esposa vai à delegacia, noticia o crime e representa criminalmente por lesão
leve. O promotor oferece a denúncia e ela é recebida. Na instrução, a mulher, grávida
do agressor e convivendo com ele há muito tempo, pede o encerramento do processo,
por ter ele se arrependido e se tornado uma pessoa diferente. Para o direito positivo
brasileiro atual, o máximo que ocorreria seria uma atenuante. Para Roxin, todavia, não
houve reprovabilidade e, por consequência, não houve crime.
Para Roxin, a culpabilidade é funcional. É o instrumento de limite da pena, não
integrando o crime.
Dolo e culpa estão na conduta, ou seja, no fato típico.
Conduta, elemento do fato típico, é conceituada de acordo com a missão do
Direito Penal: é o comportamento humano voluntário, causador de relevante e
intolerável lesão, ou perigo de lesão, ao bem jurídico tutelado 38.

7.5.3. Funcionalismo sistêmico/exarcebado/radical (Gunter Jakobs)


Para Jakobs, o direito penal busca “garantir a vigência da norma” – embora seja
utilizado o termo “vigência”, deveria ter sido utilizado “eficácia” – há preocupação com
a efetiva aplicação da norma.
Observando a aplicação da norma, o direito penal assegura expectativas
normativas. É o chamado Funcionalismo Sistêmico ou Funcionalismo
Exacerbado / Radical.
Segundo Jakobs, a prática do crime transmite a mensagem de que, para o autor, a
norma não tem importância (tanto que esta é por ele desrespeitada). Se essa mensagem
for insistentemente transmitida, pela prática do mesmo crime diversas vezes, a
consequência será o enfraquecimento da expectativa normativa. Ou seja, a
confiança que a coletividade possui na norma fica enfraquecida, as pessoas param de
acreditar e respeitar tal norma39.
A aplicação da pena envia uma mensagem em sentido contrário para a sociedade
– de que a norma é eficaz, de que apesar da prática do crime, a norma será respeitada.
Para a teoria funcionalista sistêmica (ou radical) de Jakobs, crime é fato típico,
ilicitude e culpabilidade40.
Culpabilidade, que segundo Jakobs é sim elemento do crime, continua sendo
imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude.
Para o funcionalismo radical, dolo e culpa permanecem na conduta (e, portanto,
no fato típico).
Todavia, conduta é comportamento humano voluntário, violador do sistema,
frustrando as expectativas normativas.
Para Jakobs, a missão do direito penal é bem diferente da preconizada por Roxin.
É resguardar o sistema. Desrespeitada a norma, há o crime. Ou seja, aquele que não
respeita o sistema, é seu inimigo. Nasce a teoria do direito penal do inimigo.
Exatamente por isso, diferentemente de Roxin, que trabalha com o princípio da
insignificância, Jakobs não admite sua aplicação.
Assim, conduta é um comportamento humano voluntário causador de um
resultado violador do sistema, frustrando as expectativas normativas.

7.5.3.1. A teoria do Direito Penal do Inimigo


As premissas sobre as quais se funda o Funcionalismo Sistêmico deram ensejo à
exumação41 da TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO, representando a
construção de um sistema próprio para o tratamento do indivíduo infiel a sistema.

38
Isso porque, para Roxin, a missão do direito penal é proteger bens jurídicos
indispensáveis ao homem.
39
Foi o que ocorreu em SP, com os ataques do PCC, em que a sociedade apenas temeu os
ataques, se recolhendo às suas casas, sem confiar na norma penal.
40
E não reprovável como se vê na lição de Roxin.
41
Jakobs exumou o Direito Penal do inimigo e não o inventou, inspirando-se em vários
pensadores, entre eles, Protágoras, São Tomás de Aquino, Kant, Locke, Hobbes.
A teoria considera que àquele que se dedica a determinados crimes não se deve
garantir o status de cidadão, merecendo, ao revés, punição específica e severa 42, uma
vez que o seu comportamento põe em risco, de forma ímpar, a integridade do sistema.
Entretanto, Jakobs fomenta o Direito Penal do inimigo apenas para determinados
tipos de criminosos, não à todos, como ex. o terrorista, traficante de drogas, de armas e
de seres humanos e para os membros de organizações criminosas transnacionais.
O direito penal do inimigo tem características similares às da “tolerância zero”
(teoria norte-americana dos broken windows):
i. Antecipação da punibilidade, com a tipificação de atos preparatórios:
O iter criminis tem quatro fases: cogitação, preparação, execução e resultado. No
direito penal do fato, a punibilidade surge a partir do início da execução. A cogitação e a
preparação deveriam ser impuníveis, mas o direito penal do inimigo antecipa a
punibilidade, tipificando como crimes atos meramente preparatórios, buscando evitar o
início da execução do crime.
ii. Criação de tipos de mera conduta:
Ocorre então a flexibilização do princípio da lesividade. Ex. O Brasil tem
vários crimes de mera conduta: ato obsceno, violação de domicílio. Os crimes omissivos
puros são de mera conduta.
iii. Criação de tipos de perigo abstrato:
O STF tem reduzido muito a aceitação de tipos penais de perigo abstrato.
Todavia, na Lei de Drogas, os crimes são de perigo abstrato, não havendo dúvidas a
esse respeito.
iv. Inobservância dos princípios da ofensividade e da exteriorização do fato:
Na medida em que tipifica atos preparatórios, o direito penal do inimigo
desrespeita o princípio da exteriorização do fato. Ao punir tipos de mera conduta,
desrespeita o princípio da ofensividade.
v. Flexibilização do princípio da legalidade:
A flexibilização do princípio da legalidade é feita pelo direito penal do inimigo
mediante a descrição vaga dos crimes e das penas. Ex.: o art. 20 da Lei
7.170/198343 (Lei dos Crimes contra a Segurança Nacional) fala em atos de terrorismo,
sem explicar no que eles consistem. Quanto mais vaga e ambígua a redação do tipo
penal, maior o número de condutas abrangidas:
Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o
dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.
vi. Preponderância do direito penal do autor, em prejuízo ao direito penal do
fato.
Flexibilização do princípio da exteriorização do fato, ex. admite a punição do
agente pelo simples fato de ele ser terrorista, não necessariamente por efetivamente
praticar atos terroristas.
vii. Surgimento das chamadas “leis de luta ou de combate”:

42
“ O Delinquente, autor de determinados crimes, não é ou não deve ser considerado
cidadão, mas sim um cancro no societário que deve ser extirpado”.
43
Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado,
incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por
inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações
políticas clandestinas ou subversivas. Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
As leis de luta ou de combate são as leis oportunistas, leis de ocasião surgidas
graças à pressão da mídia. No Brasil, isso se verificou na edição da Lei dos Crimes
Hediondos, do Estatuto do Torcedor etc.
viii. Restrição de garantias penais e processuais:
O direito penal do inimigo é considerado um direito penal de terceira velocidade.
Obs.: Cada velocidade está ligada a um momento histórico vivido pelo direito
penal.No direito penal de 1ª velocidade, predominava a pena privativa de liberdade.
Começou-se a perceber a falência, o caos do sistema prisional. O direito penal de 2ª
velocidade passa a fomentar penas alternativas. O direito penal de 3ª velocidade surge
no contexto de medo do terrorismo e de organizações criminosas. Daí o fato de o direito
penal de 3ª velocidade envolver a redução das garantias penais e processuais penais
(campo fértil para o direito penal do inimigo). Essa divisão é de Silva Sanchez.

7.5.4. Noções finais


O injusto continua, assim como no finalismo, contendo elementos objetivos e
subjetivos (dolo e culpa continuam dentro no fato típico).
Porém, no fato típico se insere um novo elemento: a imputação objetiva.
No Funcionalismo, há a expansão da culpabilidade. Em um primeiro momento
não se fala mais em culpabilidade, mas sim responsabilidade, que é formada pela
culpabilidade (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigência de conduta
diversa) e pela satisfação de necessidades preventivas, por meio da aplicação da pena.
Ou seja, verificar se a aplicação da pena prevenirá a prática de novos crimes.
Responsabilidade = culpabilidade (finalista) + satisfação de finalidades
preventivas.
Assim, um pai que culposamente mata o filho, apesar de cometer um fato típico,
antijurídico e culpável, não será penalizado, uma vez que essa penalização não satisfaz
qualquer necessidade preventiva. Isso já é reconhecido pelo nosso Direito Penal (é
política criminal).
A diferença do Funcionalismo é que ela traz essa idéia para dentro da Teoria
Penal, ou seja, une dogmática e política criminal.

7.5.4.1. Críticas à teoria funcionalista teleológica


A teoria funcionalista teleológica:
i) coloca a reprovabilidade como elemento integrante do crime;
ii) conceitua a culpabilidade como limite da pena 44: ou seja, ela não explica o que
é a culpabilidade, somente para que ela serve.

7.5.4.2. Críticas à teoria funcionalista sistêmica


A teoria funcionalista sistêmica:
i) serve aos estados totalitários (para alguns, seria uma teoria nazista, fascista).
ii) cria a noção de direito penal do inimigo.

7.6. Quadro sinótico acerca das teorias do crime e da


conduta
Crime Conduta Culpabilidade Observações
Causalism Fato Elemento do fato É imputabilidade e No tipo penal há
o típico, típico, é a ação possui duas espécies: somente os
antijurídico e humana, voluntária, dolo e culpa. elementos objetivos,
culpável. causadora de percebidos pelos
44
Posicionamento que deve ser adotado nas provas da Defensoria Pública.
modificação no mundo sentidos.
exterior.
Neokantis Fato Elemento do fato É imputabilidade, Admite
mo típico, típico, é o exigibilidade de elementos não
antijurídico e comportamento conduta diversa, dolo e objetivos no tipo.
culpável. humano, voluntário, culpa (que são
causador de elementos, não
modificação no mundo espécies).
exterior.
Finalismo Fato Elemento do fato É imputabilidade, Migração do
típico, típico, é o exigibilidade de dolo e da culpa da
antijurídico e comportamento conduta diversa e culpabilidade para a
culpável. humano voluntário potencial consciência conduta (ou seja,
causador de da ilicitude. para o fato típico).
modificação no mundo
exterior, psiquicamente
dirigido a um fim.
Finalismo Fato Elemento do fato Não integra o Contorcionismo
Dissidente típico e típico, é o crime. É mero teórico brasileiro.
antijurídico. comportamento pressuposto de
humano voluntário aplicação da pena
causador de (juízo de censura).
modificação no mundo
exterior, psiquicamente
dirigido a um fim.
Teoria Fato Elemento do fato É imputabilidade, Dolo e culpana
Social da Ação típico, típico, é o exigibilidade de conduta (fato típico),
antijurídico e comportamento conduta diversa e mas voltam a ser
culpável. humano voluntário, potencial consciência analisados na
psiquicamente dirigido da ilicitude. fixação da pena.
a um fim socialmente
relevante.
Funcionali fato É o Éinstrumento de Dolo e culpana
smo típico, comportamento limite da pena, não conduta (fato típico).
Teleológicoou antijurídico e humano voluntário, integrando o crime.
moderado reprovável45. causador de relevante e
(Roxin) intolerável lesão, ou
perigo de lesão, ao bem
jurídico tutelado46.
Funcionali Fato Éo comportamento É imputabilidade, Dolo e culpa na
smo Sistêmico típico, humano voluntário, exigibilidade de conduta (fato típico).
(Jakobs) antijurídico e violador do sistema, conduta diversa e
culpável. frustrando as potencial consciência
expectativas da ilicitude.
normativas47.

45
Reprovabilidade é imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa, potencial consciência da
ilicitude e necessidade da pena.
46
Para Roxin, a missão do direito penal é proteger bens jurídicos indispensáveis ao homem.
47
Para Jakobs, a missão do direito penal é resguardar o sistema (aquele que não respeita o
sistema é seu inimigo: direito penal do inimigo).
Fato Típico (Tipicidade)

1. Aspectos gerais
1.1. Conceito
É um fato humano, indesejado que, norteado pelo princípio da intervenção
mínima, consiste numa conduta causadora de um resultado, com ajuste formal,
material a um tipo penal (tipicidade) 48.
Assim, pelo conceito é possível extrair os requisitos do fato típico: 1. Conduta;
2. Resultado; 3. Nexo Causal e 4. Tipicidade penal.
Obs.: A tipicidade penal não se confunde com o tipo penal, este é apenas o
modelo de conduta proibido pela norma49. Aquela, é o modelo de conduta
proibida pela norma, é requisito do fato típico.

2. Conduta
A conduta, como acabamos de apresentar, é um dos elementos do fato típico, e,
uma vez ausente, não se pode falar em crime (nullum crimen sine conducta), assim não
há crime sem conduta.
Entretanto, há doutrina que nega a responsabilidade da pessoa jurídica pois, o
ente coletivo não tem conduta, mas é conduzido, mas prevalece ser possível
responsabilizar penalmente pessoa jurídica autora de crimes ambientais, pois a própria
Constituição Federal (Art. 225, § 3º50) admite essa possibilidade, cabendo a doutrina
conformar suas lições à esse mandamento.

48
Fato típico, portanto, pode ser conceituado como ação ou omissão humana,
antissocial que, norteada pelo princípio da intervenção mínima, consiste numa conduta
produtora de um resultado que se subsume ao modelo de conduta proibida pelo Direito Penal,
seja crime ou contravenção penal
49
Ex. é a conduta “matar alguém” descrita no Art. 121 do Código Penal,
50
Segundo Rogério Greco, “a ação, ou conduta, compreende qualquer
comportamento humano comissivo (positivo) ou omissivo (negativo), podendo ser
ainda dolosa (quando o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado) ou
culposa (quando o agente infringe o seu dever de cuidado, atuando com negligência,
imprudência ou imperícia) .

2.1. Conceito de conduta


Conduta é um elemento do fato típico cujo conceito dependerá da teoria adotada
(causalista, neokantista, finalista, social da ação, funcionalista teleológica ou moderada
ou funcionalista sistêmica ou radical).
Para uma análise dos diferentes conceitos de conduta, ver o tópico “Teorias do
Crime” (item “7”, da “Teoria geral do delito”), em resumo, tem-se:
1. Teoria Causalista: Conduta é um movimento corporal (Ação) voluntário
que produz uma modificação no mundo exterior perceptível pelos sentidos;
2. Teoria Neokantista: Conduta é um comportamento (Ação ou Omissão)
voluntário que produz uma modificação no mundo exterior perceptível pelos
sentidos;
3. Teoria Finalista: Conduta é um comportamento humano voluntário
psiquicamente dirigido a um fim;
4. Teoria Social da Ação: Conduta é um comportamento humano voluntário
psiquicamente dirigido é um fim socialmente reprovável;
5. Teoria Funcionalista Moderada (Roxin): Conduta é um
comportamento humano voluntário, causador de relevante e intolerável lesão
ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal;
6. Teoria Funcionalista Radical (Jakobs): Conduta é um comportamento
humano voluntário causador de um resultado evitável, violador do sistema,
frustrando as expectativas normativas.

2.2.1. Conceito de conduta adotado no Brasil


De acordo com a doutrina tradicional, o Código Penal brasileiro, com a reforma
de 1984, adotou a teoria finalista51. O Código Penal Militar é causalista (dolo e culpa
como espécies de culpabilidade), como se verifica em seu art. 33:

Art. 33. Diz-se o crime:

Culpabilidade

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

II - culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência

ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o

resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria

ou que poderia evitá-lo. (...)


A doutrina moderna adota o funcionalismo moderado de Roxin, apenas não
reconhecendo a “reprovabilidade” como elemento do crime, para quem a culpabilidade
(ImPoEx52) volta a ser o terceiro substrato do crime.

2.3. Hipóteses de ausência de conduta


Do causalismo até o funcionalismo, a conduta possui um denominador comum: é
“movimento humano voluntário”.

51
Alguns entendem que o finalismo adotado é o alemão, entretanto, outros entendem que
o finalismo adotado é o dissidente.
52
Imputabilidade, Potencial consciência da ilicitude e Exigibilidade de conduta diversa
(ImPoEx).
Voluntário significa dominável pela vontade53. Qualquer movimento humano não
dominado pela vontade não será considerado conduta, assim se o comportamento
praticado, ainda que previsto em um tipo penal, não for precedido da vontade do seu
agente, não haverá conduta, e, consequentemente, desfigurado estará o fato típico
(substrato do crime), faltando seu primeiro elemento, ou substrato.
Outra característica da conduta é a sua repercussão no mundo exterior. A
simples cogitação (o pensamento não exteriorizado) é estranha ao Direito Penal.
Dessa forma, podemos admitir como dois os elementos da conduta:
a. Comportamento voluntário (dirigido a um fim): nos crimes dolosos, o
fim é a lesão ao bem jurídico ou sua exposição a perigo, ao passo que, nos
crimes culposos, a finalidade é a prática de um ato cujo resultado previsível
seja capaz de causar lesão ao bem jurídico;
b. Exteriorização da vontade: é o aspecto mecânico ou neuromuscular,
consistente na prática de uma ação ou omissão capaz de externar o elemento
psíquico.
Nesse sentido, a conduta pode ser considerada ausente nos casos de:
i. Caso fortuito e força maior:
Segundo Maria Helena Diniz, a Força maior é fato da natureza ocasionando o
acontecimento (ex.: raio que provoca incêndio). Já o Caso fortuito é o evento tem
origem em causa desconhecida (ex.: cabo elétrico que sem motivo aparente se rompe
provocando incêndio).
Excluem a conduta uma vez que são fatos imprevisíveis ou inevitáveis.

ii. Involuntariedade:
Há uma ausência na direção da conduta de acordo com a sua finalidade.
a. atos reflexos imprevisíveis:
traduz-se num sintoma de reação automática do organismo a um estimula
externo, é um movimento desprovido de vontade.
Entretanto, para excluir a conduta, o ato reflexo deve ser imprevisível, pois se era
previsível e acaba acontecendo, aquele que o pratica pode responder pelo crime doloso
ou culposo, se o caso. Ex.: o sujeito que limpa uma arma na frente de uma criança
responde pelo crime se ela dispara por conta de um susto sofrido por ele.
Obs.: Segundo Flávio Monteiro de Barros, há uma diferença entre os movimentos
reflexos e as “ações em curto-circuito54”, Nestas existe vontade de praticar o ato, vez que
oriunda de um movimento relâmpago provocado por excitação.
b. estado de inconsciência:
Exemplos de estado de inconsciência são o sonambulismo e a hipnose. Se o
sonâmbulo mata alguém, o fato é atípico pela ausência de conduta.
iii. Coação Física Irresistível:

53
Copiar a nota de rodapé 31 do livro do Rogério Sanches.
54
"Com efeito, nos movimentos reflexos há um impulso completamente fisiológico
provocado pela excitação de um só órgão. Nas ações em curto-circuito (atos impulsivos), ao
revés, há um movimento relâmpago, provocado pela excitação de diversos órgãos, acompanhado
de um elemento psíquico, isto é, de uma vontade obcecada, de modo que o agente não chega a
perder a consciência, podendo, inclusive, evitar o seu agir pelo exercício do autocontrole" Ex.
Torcida de futebol que inflamada pelo “calor do jogo” começa a atirar objetos no campo.
O Coagido é impossibilitado de determinar seu movimentos de acordo com a sua
vontade55.

2.4. Espécies de Conduta

Atendidos todos os requisitos já expostos, impõe-se analisar a voluntariedade e o


modo de execução do delito, isto é, se a conduta do agente foi dolosa ou culposa (ou
mesmo preterdolosa), comissiva (por ação) ou omissiva (por omissão).

2.4.1. Crime doloso

2.4.1.1. Previsão legal


O crime doloso está previsto no art. 18, I, do CP:

Art. 18 - Diz-se o crime:

Crime doloso

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

2.4.1.2. Conceito
Segundo a doutrina, “dolo é a vontade livre e consciente de realizar ou aceitar
realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador”.
Dolo é consciência e vontade.
O equívoco desse conceito, entretanto, está na palavra “livre”. A existência ou não
de liberdade na vontade é matéria a ser analisada na culpabilidade (mais precisamente
na exigibilidade de conduta diversa), e não no dolo56.
Há quem diga que o doente mental não tem dolo, mas não é o que prevalece. Ele
tem consciência e vontade, dentro de seu precário mundo valorativo. Caso contrário,
não haveria como aplicar a medida de segurança, que pressupõe fato típico e ilícito. O
mesmo com relação aos demais inimputáveis.
A noção de dolo não se esgota na realização do resultado, podendo abranger
também o resultado demais circunstâncias da infração penal.

2.4.1.3. Elementos
Do conceito acima, extraem-se os elementos do dolo:
i. Elemento intelectivo: consciência  Consciência da conduta e do
resultado.
ii. Elemento volitivo: vontade  Vontade de praticar a conduta típica.
A liberdade, como visto, não é elemento do dolo, mas uma circunstência a ser
analisada na culpabilidade.

2.4.1.4. Teorias acerca do dolo

2.4.1.4.1. Teoria da vontade


Para a teoria da vontade, dolo é a vontade consciente de querer praticar a
infração penal.

55
Não se confunde com a coação moral, que interfere na culpabilidade, apenas se for
irresistível, se for resistível interfere na pena,
56
Fosse o caso de ser um dos elementos do dolo, a coação moral irresistível excluiria de
início a tipicidade, e não a culpabilidade como é o caso.
2.4.1.4.2. Teoria da representação
Segundo a teoria da representação, há dolo sempre que o agente tem a previsão
do resultado como possível e, ainda assim, decide continuar a conduta. Essa teoria
amplia o conceito de dolo e acaba por abranger a culpa consciente57.

2.4.1.4.3. Teoria do assentimento (ou consentimento)


De acordo com a teoria do assentimento (ou consentimento), há dolo sempre que
o agente tem a previsão do resultado como possível e, ainda assim, decide continuar a
conduta, assumindo o risco de produzi-lo.
O Brasil adotou, para explicar o dolo direto, a teoria da vontade. O dolo
eventual, por sua vez, é explicado pela teoria do consentimento.

2.4.1.5. Espécies de dolo

2.4.1.5.1. Dolo direto (ou determinado)


Configura-se o dolo direto quando o agente prevê um determinado
resultado, dirigindo sua conduta na busca de realizá-lo. Ex.: o sujeito prevê
uma lesão (art. 129 do CP) e dirige sua conduta exatamente para praticá-la.

2.4.1.5.2. Dolo direto de 1º grau


O dolo direto de 1º grau é sinônimo de dolo determinado ou direto.

2.4.1.5.3. Dolo direto de 2º grau (ou de consequências necessárias)


No dolo de segundo grau, a vontade do agente se dirige aos meios utilizados
para alcançar determinado resultado.
Abrange os efeitos colaterais, de verificação praticamente certa, para gerar o
evento desejado. O agente não persegue imediatamente esses efeitos
colaterais, mas tem por certa sua superveniência, caso se concretize o
resultado pretendido.
O dolo direto ou de consequências necessárias consiste na vontade do agente
dirigida a determinado resultado, efetivamente desejado, em que a utilização dos meios
para alcançá-lo inclui, obrigatoriamente, a existência de efeitos colaterais de
verificação praticamente certa.
O agente não deseja, imediatamente, os efeitos colaterais, mas tem por certa a sua
ocorrência, caso se concretize o resultado pretendido. Ex.: o sujeito coloca uma bomba
num avião para matar uma pessoa específica, sabendo que acabará matando outras.
O dolo direto de segundo grau não se confunde com dolo eventual:
Dolo direto de 2º grau Dolo eventual
Espécie de dolo direto Espécie de dolo indireto
O resultado paralelo é certo e necessário. O resultado paralelo é incerto, eventual,
possível e eventualmente desnecessário.

2.4.1.5.4. Dolo de 3º grau


Consiste na conseqüência da conseqüência necessária ao dolo de segundo grau,
ex. querendo matar um passageiro, coloca uma bomba num avião, mata a tribulação os
passageiros e uma grávida, que aborta.
O professor Rogério Sanches entende que não existe dolo de terceiro grau. No
exemplo, ou o agente sabia que uma passageira era gestante, e o aborto está no dolo de
segundo grau, ou não sabia e não responde pelo aborto, para evitar responsabilidade
penal objetiva.
57
Em ambas as figuras o agente prevê o resultado e aceita prosseguir com a sua conduta,
mas no dolo ele aceita o resultado, e na culpa consciente ele acredita que o resultado não vai
acontecer
2.4.1.5.5. Dolo indireto (ou indeterminado)
No dolo indireto (ou indeterminado), o agente, com a sua conduta, não busca
resultado certo e determinado.
O dolo indireto tem duas subespécies:
i. Dolo alternativo:
No dolo alternativo, o agente prevê uma pluralidade de resultados,
dirigindo sua conduta para realizar qualquer deles. Ex.: o agente prevê lesão
ou homicídio e dirige sua conduta para praticar uma ou outra figura. Não há um
resultado que ele queira mais que o outro.
A doutrina divide o dolo alternativo em duas espécies:
a. Objetivo: Quando a vontade indeterminada estiver relacionada com o
resultado em face da mesma vítima. Ex. atira contra a vítima para ferir ou
matar, tanto faz.
b. Subjetivo: a vontade indeterminada envolve as vítimas de um mesmo
resultado. Ex. Atira contra um grupo de pessoas para matar qualquer delas.
ii. Dolo eventual:
No dolo eventual, o agente prevê a pluralidade de resultados, dirigindo
sua conduta para realizar um deles, assumindo o risco em relação aos outros. O
agente dirige a conduta visando à lesão, mas assume o risco de praticar o homicídio.

2.4.1.5.6. Dolo cumulativo


No dolo cumulativo, o agente pretende alcançar dois resultados, em
sequência. É um caso de progressão criminosa, ex. O agente, depois de ferir a vítima,
resolve matá-la.

2.4.1.5.7. Dolo de dano e dolo de perigo


No dolo de dano, a vontade do agente é causar efetiva lesão ao bem jurídico.No
dolo de perigo, o agente atua com a intenção de expor a risco o bem jurídico tutelado.
Ex.: o agente que atira uma pedra na cabeça de outro para matá-lo, age com dolo
de dano e responderá por tentativa de homicídio. Caso o agente atire a pedra para
assustar, responderá pelo crime de exposição de alguém a perigo.

2.4.1.5.8. Dolo genérico e dolo específico


No dolo genérico, o agente tem vontade de realizar a conduta descrita no tipo,
sem um fim específico.
No dolo específico, o agente tem vontade de realizar a conduta descrita no tipo,
com um fim específico (ex.: art. 299 do CP):

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia

constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser

escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre

fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de

um a três anos, e multa, se o documento é particular. (...)


Não mais se fala em dolo genérico e dolo específico. Fala-se em dolo com ou sem
elemento subjetivo do tipo. Ou seja, o dolo tem de alcançar esse elemento subjetivo do
tipo.
2.4.1.5.9. Dolo geral (ou erro sucessivo)
Ocorre dologeral (ou erro sucessivo)na hipótese em que o agente, supondo já ter
alcançado o resultado visado, pratica nova ação que efetivamente o provoca. O assunto
será analisado por ocasião do estudo do erro de tipo.

2.4.1.5.10. Dolo normativo/hibrido ou colorido


É o adotado pela teoria neoclássica/neokantista, essa espécie de dolo integra a
culpabilidade trazendo, a par dos elementos consciência e vontade, também a
consciência atual da ilicitude, elemento normativo que o diferencia do dolo natural.
Como estudado acima, para a teoria neokantista,o crime é fato típico, ilicitude
e culpabilidade e o dolo está na culpabilidade, cujos elementos são imputabilidade,
exigibilidade de conduta diversa e culpa ou dolo.
Esse dolo tem como elementos, 1. Consciência; 2. vontade e 3. consciência
atual da ilicitude. É um dolo acrescido de um terceiro elemento, o elemento
normativo, chamado de dolo normativo.
Assim, dolo normativo é o dolo adotado pela teoria neokantista. Trata-se de
elemento da culpabilidade composto de consciência, vontade e consciência atual da
ilicitude.

2.4.1.5.11. Dolo natural


Para a teoria finalista original, crime é fato típico, ilicitude e culpabilidade. O dolo
é analisado na conduta e composto somente de elementos naturais: consciência
e vontade. É um dolo despido de elemento normativo.
Portanto, dolo natural é o dolo adotado pela teoria finalista. Migrou da
culpabilidade para o fato típico, sendo composto por dois elementos: consciência e
vontade.

2.1.5.11. Dolo de propósito


Dolo de propósito é o chamado “dolo refletido”. Nem sempre ele agrava a pena,
pois a premeditação, por si só, não qualifica o crime.

2.4.1.5.12. Dolo de ímpeto


Dolo de ímpeto é o dolo repentino. Deve ser uma atenuante de pena. Ocorre nos
crimes multitudinários, como a rixa.

2.4.2. Crime culposo

2.4.2.1. Previsão legal


O crime culposo está previsto no art. 18, II, do CP:

Art. 18 - Diz-se o crime:(...)

Crime culposo

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,

negligência ou imperícia.

2.4.2.2. Conceito
O crime culposo consiste numa conduta voluntária que realiza um fato ilícito não
querido ou aceito pelo agente, mas que foi por ele previsto (culpa consciente) ou lhe
era excepcionalmente previsível (culpa inconsciente) e podia ser evitado se o agente
atuasse com a cautela necessária.
Culpa é a quebra do dever objetivo de cuidado.
No art. 33, II, do CPM, há um conceito legal de crime culposo:
Art. 33. Diz-se o crime:

Culpabilidade (...)

II - culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência

ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o

resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente

[irresponsavelmente] que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.

2.4.2.3. Elementos estruturais do crime culposo


São elementos do crime culposo:
i. Conduta voluntária:
No crime culposo, a vontade do agente circunscreve-se à realização da conduta e
não à produção do resultado.
A ação ou a omissão é dirigida pelo querer, mas o resultado causado é
involuntário.
Em última análise é uma conduta voluntária + resultado involuntário
ii. Violação de um dever objetivo de cuidado:
O agente atua em desacordo com o que esperado pela lei e pela sociedade, viola
uma regra básica para o convívio social.
O operador deve analisar as circunstâncias do caso concreto, pesquisando se uma
pessoa de diligência mediana evitaria o perigo, o resultado.
São formas de violação do dever de cuidado:
a. Imprudência (afoiteza) ela se manifesta concomitantemente à ação,
estando presente no decorrer desta culminando no resultado
involuntário, ex. conduzir veículo em alta velocidade em dia chuvoso;
b. Negligência (falta de precaução) ela se manifesta antes do início da
conduta, pois o agente não adota a precaução necessária que se exige
no caso concreto, ex. conduzir veículo com pneus gastos.
c. Imperícia (falta de aptidão técnica para o exercício de arte, ofício ou
profissão), ex. condutor atrapalha-se e troca o pedal do freio pelo
pedal da embreagem.
Lembra Mirabete que as modalidades de culpa não se excluem, podendo
haver no mesmo caso concreto a verificação de mais de uma dela, ou apenas de uma, o
que não há é culpa sem qualquer delas, tanto que eventual denúncia do MP não
pode deixar de apontar a modalidade de culpa ocorrente. Caso não aponte
negligência, imprudência ou imperícia, a peça acusatória será inepta. Mas não basta
apontar. Deve-se descrever a modalidade escolhida.
O problema é que nem sempre é fácil distinguir imprudência e negligência. A
diferença é muito tênue. Há doutrina, como Juarez Tavares e Juarez Cirino, que
entende ser a imprudência e a imperícia espécies de negligência (só é afoito aquele que
não age com precaução; só é imperito aquele que é negligente).
Obs.: Se o Promotor descreve na denúncia um crime culposo em caso de
negligência, mas na instrução percebe-se tratar de caso de imperícia, deve ela ser
aditada ou o juiz pode sentenciar? A alteração na forma de violação do dever de
cuidado implica em nova imputação, sendo imprescindível a figura da mutatio
libelli, assim, adita-se a inicial, pois o réu se defendeu da negligência, e não da
imperícia (trata-se de uma circunstância nova, não objeto do contraditório e da ampla
defesa). Aplica-se, portanto, o art. 384 do CPP 58.
iii. resultado naturalístico:
O crime culposo é sempre delito material, ou seja, exige modificação do
mundo exterior.
Obs.: Há, entretanto, uma exceção a essa regra (uma hipótese de crime
culposo não material): o art. 38 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006). Trata-se do
único crime culposo da lei:

Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas

necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com

determinação legal ou regulamentar:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a

200 (duzentos) dias-multa. (...)


Na modalidade “prescrever”, o crime se consuma com a mera entrega da
receita ao paciente, não sendo necessário que ele consuma a droga e sofra as
consequências maléficas à saúde. Há parcela da doutrina que diz ser o resultado
naturalístico a entrega da receita, mas Rogério rebate dizendo que o resultado
naturalístico é o dano que se busca evitar.
iv. Nexo causal entre a conduta e o resultado:
Tratando-se, como mencionado, de crime que pressupõe resultado naturalístico,
e em decorrência da teoria da conditio sine qua non, adotada no art. 13, caput, do
Código Penal, deve estar presente a relação de causalidade entre a ação ou omissão
voluntária e o resultado involuntário.
v. Previsibilidade do resultado involuntário:
Previsibilidade é a possibilidade de conhecer o perigo advindo da conduta.
Não se confunde com previsão, em que o agente conhece o perigo. No crime
culposo basta a previsibilidade, não sendo necessária a efetiva previsão.
Não se descarta a culpa desde que o agente acredite poder evitar o resultado, é o
claro caso da culpa consciente.
Obs.: A doutrina fala em: 1. Previsibilidade objetiva do resultado, traduzida
na possibilidade do portador de inteligência mediana ser capaz de concluir que sua
conduta pode resultar no ilícito; 2. Previsibilidade subjetiva, entendida como a
possibilidade de conhecimento do perigo analisada sob o prisma subjetivo do autor,
levando em consideração seus dotes intelectuais, sociais e culturais 59.
vi. Tipicidade (art. 18, parágrafo único, do CP):

Art. 18 (...) Parágrafo único- Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode

ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica

58
Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica
do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração
penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no
prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação
pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. (Redação dada pela Lei nº
11.719, de 2008). (...)
59
Segundo Cleber Masson, a previsibilidade subjetiva não é elemento da culpa, mas
será considerada pelo magistrado no juízo da culpabilidade, integrando o elemento da
exigibilidade de conduta diversa.
dolosamente.

Segundo o dispositivo, se o tipo penal não tem expressa previsão de modalidade


culposa, ele somente é punido na forma dolosa, tal dispositivo consagra o princípio
da excepcionalidade do tipo culposo.
O crime culposo é sempre descrito num tipo aberto. Isso significa que o juiz,
analisando a conduta do agente, conclui se houve negligência, imprudência ou
imperícia. Há, entretanto, um crime culposo que o legislador define a priori os
comportamentos que entende negligentes: a receptação culposa (art. 180, § 3º, do CP):

Art. 180 (...) § 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela

desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve

presumir-se obtida por meio criminoso: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas. (Redação dada

pela Lei nº 9.426, de 1996)


Alguns doutrinadores chegam a dizer que o art. 180, § 3º seria um tipo culposo
fechado (Cléber Masson). Rogério discorda, em virtude da existência de elementos
normativos a serem valorados pelo Juiz.
Zaffaroni ensina que o autor culposo é o causador de um resultado, mas não tem
domínio do fato. Apenas o autor doloso tem o domínio do fato.

2.4.2.4. Espécies de culpa

2.4.2.4.1. Culpa consciente (com previsão ou ex lascívia)

Na culpa consciente, o agente prevê o resultado, mas espera que ele não
ocorra, supondo poder evitá-lo contando com sua habilidade ou com a sorte. Também
é chamada de culpa com previsão. Mais que previsibilidade o agente tem previsão, mas
o resultado continua involuntário, ainda que previsto pelo agente.

2.4.2.4.2. Culpa inconsciente (sem previsão ou ex igonorantia)


Na culpa inconsciente, o agente não prevê o resultado, que, entretanto, lhe era
previsível. Trata-se de uma culpa sem previsão.

2.4.2.4.3. Culpa própria (propriamente dita)


O Agente não quer e não assume o risco de produzir o resultado, mas acaba lhe
dando causa por imprudência, negligencia ou imperícia, é a quebra do dever objetivo de
cuidado.
É gênero da qual são espécies: Conduta voluntária + Resultado involuntário.
a. Culpa consciente:
b. Culpa inconsciente:

2.4.2.4.4. Culpa in re ipsa (presumida)


A culpa in re ipsa (ou presumida) era modalidade de culpa admitida pela
legislação penal brasileira antes do CP/1940 e consistia na simples inobservância de
uma disposição regulamentar. Não observada uma norma, um regulamento, presumia-
se a culpa. Hoje, a culpa não mais se presume, devendo ser comprovada.
2.4.2.4.5. Culpa imrópria (por equiparação/assimliação/extensão)
É a conseqüência para a discriminante putativa por erro evitável, está prevista no art.
20, § 1º, do CP:

Art. 20 (...) § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas

circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não

há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime

culposo.
Trata-se daquela em que o agente, por erro evitável, fantasia certa situação de
fato, supondo estar agindo acobertado por uma excludente de ilicitude (descriminante
putativa) e, em razão disso, provoca intencionalmente um resultado ilícito. Apesar de a
ação ser dolosa, o agente responde por culpa. A estrutura do crime é dolosa, porém ele
é punido como se culposo fosse.
São sinônimos de culpa imprópria: culpa por extensão, por assimilação ou por
equiparação.
Consciência Vontade
Dolo direto O agente prevê o O agente quer o resultado.
resultado.
Dolo eventual O agente prevê o O agente assume o risco de
resultado. produzir o resultado, aceitando-o.
Culpa consciente O agente prevê o O agente acredita que o resultado
resultado. não vai ocorrer.
Culpa inconsciente O agente não prevê o O agente não tem vontade de
resultado, que era previsível. realizá-lo (obviamente).
A dificuldade em diferenciar dolo eventual eculpa consciente não é teórica, mas
prática. O “racha“, para os Tribunais Superiores, é dolo eventual. Todavia, em prova da
Defensoria, deve-se alegar que se trata de culpa consciente. A embriaguez, sem racha, é
considerada culpa consciente na jurisprudência (posição, inclusive, da PGJ/SP).
Rogério acha que tanto a embriaguez quanto o racha são dolo eventual.

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