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Nesse sentido, interpreta-se uma lei sempre que se pretende determinar o seu exacto sentido e
alcance de modo a ser aplicada aos casos concretos a que se destina a regular.
Tipos de interpretação
A interpretação é autêntica quando é feita pelo próprio legislador, através de normas de nível
hierárquico igual ou superior ao da norma interpretada. Consiste em ser o próprio autor da norma
que após a publicação de uma lei publica outra com objectivo de fixar o sentido e alcance da
primeira e, desse modo, eliminar eventuais dúvidas que na sua aplicação tenham surgido. É
também designada por legislativa e é sempre vinculativa.
Assim, a lei interpretativa se integra na lei interpretada, tendo, por isso, carácter retroactivo,
excepto os casos com efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação ou sentença judicial
passada em julgado, pois a lei interpretativa abrange apenas os casos que se encontrem em aberto
e deixa de fora os casos consumados.
Ora, se a interpretação autêntica é aquela que é feita por fonte não hierarquicamente inferior à
fonte interpretada, quid júris quando a interpretação de determinada lei é feita pelo Conselho de
Ministros?
A interpretação autêntica não é necessariamente feita por uma lei interpretativa, porque pode
também ser efectuada pelo Conselho de Ministros, desde que a lei expressamente delegue a
competência para interpretar ao Governo, que fará através de um regulamento.
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É uma importante interpretação no campo fiscal dado que é efectuada por entidades a quem cabe
aplicar a legislação fiscal e consubstancia-se através de instruções administrativas,
designadamente, circulares, despachos, ordens de serviço, ofícios, etc., emanados pela
administração tributária, dirigidos aos funcionários, fixando critérios uniformes de aplicação de
uma determinada norma jurídica.
Porém, apesar do seu valor educativo, vincula apenas o caso sub Judice, exceptuando o que
acontece relativamente à interpretação feita pelos Assentos e pelos acórdãos do Conselho
Constitucional1.
d) Interpretação doutrinal
É uma interpretação feita pelos especialistas, juristas ou por qualquer pessoa particular que não
seja necessariamente qualificada.
A interpretação doutrinária é a mais estudada e pode ser vista em dois sentidos: amplo e restrito.
Sendo que, em sentido restrito, a interpretação limita-se apenas a determinar com rigor o
pensamento legislativo e em sentido amplo (também chamada interpretação das omissões ou
lacunas) a interpretação consiste em não só esclarecer o exacto sentido e alcance da lei como
também fazer análise crítica da norma, distinguindo as lacunas e soluções para os casos
aparentemente omissos na lei.
Com efeito, entre as várias doutrinas sobre a interpretação das normas fiscais, mais se distinguem
as seguintes:
“in dúbio contra fiscum” – defende que se o interprete não consegue alcançar o sentido
exacto da norma deverá, na dúvida, optar por uma solução que não favoreça o fisco,
beneficiando o contribuinte2;
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Ver o acórdão nº 6/CC/2008, de 07 de Agosto.
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“in dúbio pró fiscum” – segundo a qual, havendo dúvida na interpretação da norma
deverá o intérprete decidir a favor do fisco. Pois, entende que os interesses colectivos de
obtenção de receitas para satisfação das necessidades públicas deverão se sobrepor aos
interesses pessoais3;
Interpretação literal – baseada na ideia de protecção dos contribuintes, esta corrente
defende que as normas fiscais deverão interpretar-se de acordo com o sentido estrito da
letra da lei, não sendo, por isso, admitida a interpretação extensiva e analógica4;
Interpretação funcional – defende que o exacto sentido e alcance das normas fiscais só se
poderá encontrar se nesse acto conciliar os diversos aspectos do fenómeno tributário,
designadamente: político, económico, jurídico e técnico5.
O Direito Fiscal está hoje modelado pelo princípio da legalidade que é tão limitador dos direitos
individuais como dos poderes da administração tributária. Por isso, a doutrina dominante vai no
sentido de que deve ser permitido ao intérprete procurar o sentido da norma que corresponda ao
seu espírito.
Vai daí que entendeu o legislador moçambicano estabelecer que “na determinação do sentido
das normas tributárias e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas
as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, nos termos do no 1 do artigo
5 da Lei no 15/2002, de 26 de Junho6.
Assim, a submissão às regras gerais sobre a interpretação das leis remete o intérprete ao artigo 9
do Código Civil, que se supõe de domínio de todos e de leitura obrigatória. E atento àquele
artigo, constata-se que o primeiro elemento a ter em conta na interpretação das leis é,
sucessivamente:
O elemento literal;
O elemento racional ou lógica;
O elemento sistemático;
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Esta teoria não encontra o espaço para se fazer valer, porquanto, nos modernos Estados de Direito o princípio de legalidade
constitui uma garantia fundamental do contribuinte contra eventuais arbítrios da autoridade fiscal.
3
À semelhança da primeira tese, esta corrente também foi rebatida com o argumento de que ao intérprete deverá apenas
interessar a determinação do sentido exacto da norma. Pois, a necessidade de obtenção dos meios financeiros não pode se
sobrepor às garantias de que gozam os cidadãos.
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A ideia de que a interpretação das normas fiscais deverá unicamente limitar-se ao sentido estrito das palavras da lei não
encontra um acolhimento, pois neste acto a determinação do sentido das normas fiscais tende a ser orientada de acordo com a
finalidade da norma, embora sem fugir do sentido da letra.
5
Esta forma de interpretação também foi rebatida, pois pode induzir o intérprete a tributar situações não prevista nem pelo
espírito da lei, violando, por conseguinte, o princípio da legalidade.
6
Ver igualmente o no 1, do art. 10, da lei no 2/2006, de 22 de Março.
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O elemento histórico;
O elemento teleológico, correspondendo cada um a uma interpretação respectiva.
Porém, a interpretação das normas fiscais deverá ser orientada para o fim da norma, devendo
limitar-se no possível sentido das palavras. Assim, o fim da norma deverá ser determinado de
acordo com os seguintes elementos auxiliares7:
Porém, em caso de persistir dúvidas sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, atender à
substância económica dos factos tributários8.
7
Cfr o no 3 do artigo 10 da Lei no 2/2006 de 22 de Março.
8
Cfr o no 3 do artigo 5 da Lei no 15/2002 de 26 de Junho.
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O regime geral de integração das normas jurídicas consta do artigo 10, do nosso Código
Civil, com atenção ao artigo 11, do mesmo diploma legal, o qual afasta a aplicação da
analogia em relação às normas especiais.
A questão que se levanta é a de saber se em Direito Fiscal são aplicáveis essas regras gerais e
em que termos? Se perante uma dada situação tributária não especificamente abrangida por
um imposto será lícito recorrer à analogia, ou na falta deste, criar-se uma norma que dentro
do espírito do sistema abrangesse nas normas de incidência essa lacuna?
Significa que, estando em questão matérias reservadas à lei em sentido formal (criação do
impostos, incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes), a integração
analógica das lacunas da lei pelo aplicador do Direito se torna impossível.
Porém, em relação às restantes normas fiscais (ex. lançamento, liquidação, cobrança, etc.)
nada obsta a que sejam aplicáveis as regras gerais sobre a integração das leis, se bem que o no
5 do artigo 5 da Lei no 15/2002, de 26 de Junho, (Lei de Bases Tributárias) limita-se apenas
ao afastamento da integração analógica relativamente às matérias de reserva exclusiva da lei
em sentido formal.
A eficácia das normas fiscais no tempo recomenda a resolução de três questões que a esse
respeito se colocam, designadamente: o início de vigência, termo de vigência e os factos a que se
deve aplicar.
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Ver o no 5, do artigo 10, da Lei 2/2006, de 22 de Março .
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a) Início de vigência
Em Direito Fiscal, são válidos os princípios gerais de Direito quanto à entrada em vigor de
quaisquer normas legais ou regulamentares.
É assim que as leis só entram em vigor ou ganham eficácia com a sua publicação em Boletim da
República (BR) e no dia nela fixada, podendo ser imediatamente, nos casos em que entre em
vigor imediatamente, em atenção ao artigo 5, do Código Civil. Porém, na falta de indicação da
data de entrada em vigor, a lei estabelece um período de 15 dias após a sua publicação no BR,
nos termos do no 1 do artigo 1 da Lei no 6/2003 de 18 de Abril10.
Todavia, em caso algum o início da vigência da lei coincide com a data da sua publicação, pois
este dia não se deve contar para efeitos de contagem dos prazos, já que estes se contam a partir
do dia imediato ao da publicação, conforme as regras gerais de contagem de prazo (alínea b) do
artigo 296, C. Civil)11.
b) Termo de vigência
Igualmente, as leis fiscais têm a sua cessação nos termos gerais consagrados no Código Civil
(artigo 7) e, em geral, quando forem revogadas, nos casos em que a lei surge para vigorar por um
tempo indefinido. A revogação pode ser expressa, tácita, global (total) ou parcial.
Porém, casos há em que uma lei pode cessar por caducidade, com o termo do prazo fixado para a
sua vigência ou por extinção das razões da sua criação (seu objecto).
c) Os factos a que se deve aplicar: o problema da não retroactividade das leis fiscais
Na sucessão das leis surge com particular interesse o problema da retroactividade ou não das leis
fiscais.
A esse respeito, estabelece o no 1, do artigo 12, do C. Civil, a “a lei dispõe para o futuro”,
afastando assim a possibilidade de aplicação retroactiva de qualquer norma, exceptuando os
casos em que a mesma atribui efeitos retroactivos directamente a certos factos.
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Atenção que o no 2 do mesmo artigo estabelece que os 15 dias contam-se a partir da data da sua efectiva publicação.
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Cfr. o no 1 do artigo 23 da Lei no 15/2002 de 26 de Junho.
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A Constituição da República estabelece a não retroactividade geral das leis no seu artigo 57 e,
em especial, no no 5, do artigo 127, proibindo a aplicação retroactiva das leis fiscais, excepto
quando as mesmas estabelecem conteúdo mais favorável ao contribuinte.
Assim, com esse exacto alcance, o no 1, do artigo 12, da Lei Geral Tributária (Lei no 2/2006 de
22 de Março) estabelece “que as normas tributárias, oneradoras do sujeito passivo, aplicam-se
somente aos factos posteriores à sua entrada em vigor”.
Porém, não se deverá considerar oneradoras do sujeito passivo as leis que, por exemplo
objectivam corrigir imprecisões ou eliminar dúvidas de interpretação da norma nos termos do no
2, artigo 12, da Lei Geral tributária (ver o artigo 13, do C. Civil).
Nesse sentido, é afastada a aplicação retroactiva das normas que regulam os elementos essenciais
do imposto (incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes).
Excepcionalmente, as normas que regulam os elementos não essenciais do imposto podem ser
aplicadas retroactivamente.
Com efeito, a doutrina tem afirmado a plena eficácia do princípio de exclusivismo das leis do
Estado de que dimanam.
Entretanto, a territorialidade pode ser vista: no sentido negativo ou positivo; no sentido real ou
pessoal e no sentido material ou formal.
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e) No sentido material, o princípio da territorialidade impõe que o âmbito espacial da
aplicação das leis fiscais seja o território do Estado que as tenha aprovado, através da
definição dos elementos de conexão com o território, o que permitirá a sua abrangência
pelas leis fiscais.
f) No sentido formal, o princípio da territorialidade impõe que as leis fiscais só são
susceptíveis de execução obrigatória apenas no território do Estado que as aprovou.
Não basta invocar o princípio da territorialidade no seu sentido tradicional (conexão real ou
objectiva com o território do Estado) para se imputar uma lei fiscal a um dado território. É
preciso que haja elementos pessoais ou subjectivos em conjugação com os elementos reais ou
objectivos.
De natureza pessoal:
Assim, este princípio sofre na ordem jurídica moçambicana algumas excepções, podendo sujeitar
ao pagamento de impostos cidadãos nacionais residentes no território nacional por rendimentos
obtidos no exterior.
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Ora, apesar de as normas fiscais terem eficácia meramente interna, vezes há em que quando uma
situação jurídica tributável entra em contacto com mais de um país seja tributada em todos eles,
se for diferente o elemento de conexão adoptado por cada um desses países, casos em que
estaremos em face de um conflito tributário positivo.
Pode, pelo contrário, uma situação tributável ver-se não tributada em qualquer dos países com os
quais ela entra em contacto quando não haja conjugação dos sistemas legislativos dos diversos
países envolvidos.
Na verdade, a dupla tributação acontece pelo facto de uma dada situação tributável estar conexa
com mais do que um país, sempre que nesses países não se adopte o mesmo elemento de
conexão de territorialidade (ex. residência ou fonte dos rendimentos) ou então por atribuir um
conteúdo diverso em cada um desses países a um dado elemento de conexão.
Em todos os casos resulta em dupla tributação jurídica, sendo necessário o recurso às regras de
conflito de normas destinadas a atenuá-la ou eliminá-la. Com efeito, são de dois tipos as medidas
que se podem tomar para eliminação ou, pelo menos, atenuação da dupla tributação,
designadamente: medidas unilaterais e bilaterais ou multilaterais.
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A tradição tem feito que o instrumento principal utilizado para resolver estas situações de dupla
tributação jurídica internacional sejam as convenções internacionais para evitar e eliminar a
dupla tributação (CDT), que têm sido em quase 99% das vezes, bilaterais.
As medidas unilaterais correspondem a medidas internas, as que cada país toma no seu próprio
ordenamento de modo a fazer face ao problema, enquanto as medidas bilaterais ou multilaterais
resultam de tratados e convenções internacionais celebrados, respectivamente, por dois ou mais
países (ver o artigo 8, da LGT).
Em relação as medidas de luta contra a dupla tributação, o Estado moçambicano tem vindo a
celebrar vários acordos para eliminação da dupla tributação com vários países, com destaque
para as convenções assinadas com Portugal, Itália, África do Sul, Macau, Emirados Árabes
Unidos, Maurícias.
Na negociação bilateral existe sempre uma necessidade de um dos Estados abdicar de tributar.
Estas negociações são feitas entre dois Estados e são diferentes de Estado para Estado. Por
exemplo, a convenção Moçambique-Portugal é diferente da convenção Moçambique-Brasil.
Refira-se que, em relação ao elemento de conexão residência, a função das convenções neste
domínio é definir qual das duas residências poderá prevalecer havendo dupla residência face aos
critérios de direito interno. Pois, quando a ambos os Estados for reconhecido o poder de tributar,
cabe ao Estado a residência a eliminação da dupla tributação.
Ou seja, nas questões de dupla tributação, o Estado de residência e o Estado da Fonte pretendem
ambos, proceder à tributação. Todavia, porque as normas fiscais que determinam a residência no
mundo todo, há um espaço crescente para existir dupla residência. Cabe, então, às convenções
resolver este problema e perceber qual o Estado com que o sujeito tem maior afinidade.
Por exemplo, um piloto que trabalha para a LAM, é considerado residente fiscal em
Moçambique, por via da existência de um contrato de trabalho. Imaginando que mora em
Lisboa, existe uma questão de dupla residência. O que fazer? Teremos de recorrer à
convenção entre Moçambique - Portugal.
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