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4.3.

Interpretação da lei penal

Qualquer norma jurídica requer uma actividade de interpretação, destinada a alcançar


o seu verdadeiro sentido. Com efeito, não há uma norma jurídica clara, aliás a clareza
da norma resulta da sua própria interpretação. O processo de descoberta do sentido das
normas não é processo arbitrário, pois segue uma metodologia própria, tendo em conta
o sistema jurídico global, incluindo normas constitucionais, bem como do contexto social,
económico e cultural do momento.
Esta actividade tendente a alcançar o verdadeiro sentido da norma jurídica designa-
se hermenêutica ou exegese.

A actividade hermenêutica ou exegética pode ser classificada de diversas formas,


sendo as mais comuns as seguintes:
a) Quanto aos sujeitos – pode ser interpretação autêntica (contextual ou
superveniente) e Interpretação doutrinal;
b) Quanto ao modo ou forma como o intérprete vai fazer a interpretação –
temos a interpretação literal ou gramatical, teleológica (dentro da interpretação
teleológica vamos encontrar a ratio legis, a interpretação sistemática, o
elemento histórico,1 a ocasio legis2. Temos ainda o Direito Comparado.
c) Quanto ao resultado – pode ser declarativa3, restritiva4, extensiva5,
actualista6 e correctiva7

A actividade interpretativa da normas jurídicas criminais não se limita a buscar o seu


sentido, mas também a realizar os princípios do DC, de que o princípio da legalidade é
a espinha dorsal.

Este princípio tem como corolários:


 A tipicidade dos crimes - não há crime sem uma lei que o preveja como tal,
isto é, os ilícitos criminais pertencem a reserva legal.

1
Por exemplo a incriminação do crime de fogo posto tem uma pena muito grave tendo em conta que o
legislador de então partiu do pressuposto de que as casas daquela altura tinham muitas componentes de
madeira, o que provocava avultados danos relativamente ao que sucede actualmente em que as
construções são feitas de materiais mais resistentes ao fogo.
2
Muitos autores dizem que a ocasio legis não difere do elemento histórico que no fundo também se reporta
ao contexto social em que a norma jurídica surge.
3
Nos casos em que o sentido da norma coincide com os seus elementos gramaticais.
4
Quando se chega à conclusão de que num dado caso o legislador disse mais do que pretendia dizer,
sendo por isso necessário comprimir o sentido da norma jurídica e harmonizá-la com o pensamento do
legislador.
5
Quando se considera que o legislador disse menos do que pretendia dizer, reintegrando-se o seu
pensamento através da extensão da norma àquilo que foi a sua intenção original.
6
Aqui faz-se a sua inserção da norma jurídica em causa no contexto actual ou corrente para ver se ela
está ou não desfasada da realidade.
7
Quando o legislador acabou dizendo algo que não queria e é necessário proceder a devida correcção.
Ex: se atentarmos ao nosso CP verificaremos que várias vezes se faz referência à Portugal mas nós lemos
Moçambique (o mesmo se diga em relação ao nosso Código de Processo Penal).
 A irretroactividade da lei penal – a lei penal dispõe apenas para os factos
que lhe são posteriores. Este princípio só sede se disso resultar benefício para
o arguído.
 Os crimes devem ser specialmente previstos na lei (princípio da
consagração expressa das condutas criminais) – o conteúdo da norma
jurídica penal deve ser expresso, pois só assim estaremos a respeitar os
outros princípios do Direito Penal, como sejam: a Liberdade e segurança dos
cidadãos. (os cidadãos são livres e é necessário que eles tenham a certeza e
segurança de que os comportamentos que adoptam não contrariam a lei).

Para o caso do nosso ramo de Direito revela-se mais importante a classificação da


interpretação quanto ao resultado (declarativa, extensiva, restritiva, correctiva,
actualista).

O intérprete da lei penal está inexoravelmente vinculado ao princípio da legalidade


que abarca o princípio da irretroactividade da lei penal e da consagração expressa das
condutas criminais, como se infere do art. 7 do CP. Daí que, para qualificar qualquer
facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena ou medida de
segurança aplicável, o recurso a interpretação extensiva é proibido, pois resulta numa
nova incriminação (incriminação ex novo), o que ofende o princípio da legalidade, assim
como o princípio da irretroactividade da lei penal e consagração expressa das condutas
criminais. Ex imaginemos um ilícito em que o legislador aponta duas situações e nós
chegamos a conclusão que ele disse menos do que pretendia, pois queria abarcar
também aquela terceira situação. Imaginemos o crime de Parricídio do art. 164 do
anterior CP, ora revogado.8

Por essa razão no Direito Criminal não se admite a interpretação extensiva no


domínio da incriminação. A interpretação extensiva só é admitida se beneficiar o arguído.

As mesmas considerações tecidas em relação a interpretação extensiva são mutatis


mutandis aplicáveis a interpretação actualista9 e correctiva, pois no fundo estaremos a
acrescentar novos elementos a norma jurídico-penal criando novas incriminações ou
penas.

Pelo contrário, o recurso a interpretação restritiva é permitido, pois não briga com os
princípios supracitados, Por exemplo se para um determinado facto o legislador aponta
três situações e vemos que afinal de contas ele disse mais do que pretendia e o último
caso não era sua intenção abarcar, nada impede que façamos uma interpretação
restritiva porque por esta via vamos beneficiar as pessoas deixando-as em liberdade.

8
Recorde-se que o parricídio em 2002 deixou de ser crime autónomo fazendo parte da circunstância 5.ª
do art. 351 do CP de acordo com a redacção dada pela Lei n.º 8/2002, de 5 de Fevereiro. Mais tarde este
crime veio a ser repristinado e o seu âmbito alargado, tendo sido reintroduzido pelo novo CP, aprovado
pela Lei nº 35/2014, de 31 de Dezembro e posteriormente colocado de fora pelo actual CP, integrando um
circunstância agravante especial do Crime de Homicídio Voluntário.
9
Por exemplo o crime de violação de correspondência ou de comunicações (artigo 253 do CP) em face
do art. 461 do nosso primeiro CP (o então designado crime de abertura fraudulenta de cartas e papeis
fechados).
A ideia mais ajustada com o princípio da legalidade é a interpretação declarativa, o
legislador deve deixar muito bem claro quais são os crimes e quais as penas que lhes
correspondem. Do principio da legalidade do DC decorre, à contrário senso, que tudo
aquilo que não está proibido por lei é permitido.

Para terminar dizer que, é preciso não confundir a analogia e a interpretação


analógica. A primeira constitui um mecanismo de integração de lacunas ao nível do
direito, onde vamos buscar outra norma que preveja uma situação que em termos de
ratio legis seja idêntica e aplicamos.

A interpretação analógica é aquela que resulta do facto de por vezes o legislador


recorrer a conceitos indeterminados ou ainda depois de uma enumeração exemplificativa
de algumas situações abrir campo para que outras sejam contempladas. A interpretação
analógica encontra-se na própria norma. Por exemplo nos crimes contra a propriedade
o legislador recorre ao conceito de fraude. O significado deste conceito deve ser buscado
na própria norma. Por exemplo no crime de atentado ao pudor do anterior CP, no seu
artigo 221 o legislador dizia que todo o atentado contra o pudor de uma pessoa e
apontava o fim de satisfazer paixões lascivas ou qualquer outro fim.

Portanto, na analogia há ausência de norma e nós com recurso a este expediente


vamos suprir a lacuna, o que não é permitido no DC, por força do art. 7 do CP. Pelo
contrário a interpretação analógica é perfeitamente admissível no DC, pois realiza-se na
própria norma.

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