Você está na página 1de 22

Questões Teóricas sobre Penal I

2019.

I. Relacione prevenção geral positiva ou de integração com a compreensão


unilateral do princípio da culpa.
R: A doutrina da prevenção geral radica na conceção da pena como um instrumento
político-criminal destinado a atuar sobre a generalidade dos membros da
comunidade, afastando-os da prática de crimes graves através da ameaça penal,
estatuída pela lei, da realidade da sua aplicação e da efetividade da sua execução.
Esta atuação estatual assume, porém, uma dupla perspetiva: a prevenção geral
negativa (ou de intimação) e a prevenção geral positiva (ou de integração). A
prevenção geral positiva radica na ideia de que a pena é uma forma de que o Estado
se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade, na validade e força de
vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos, e assim, do ordenamento
jurídico-penal. Desta forma, a pena é vista como um instrumento para revelar a toda
a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica. Estando presentes
determinados efeitos nesta prevenção, como o efeito de confiança, de aprendizagem
e de integração verdadeira e própria.
Esta doutrina terá como objetivo a restauração da paz jurídica. Desta forma, este
critério irá permitir que se encontre uma pena que, à partida, será uma pena justa e
adequada à culpa do delinquente. E a medida concreta da pena a aplicar a um
delinquente deve ter limites inultrapassáveis ditados pela culpa, que se inscrevem
na vertente do Estado liberal democrático e se erguem justamente em nome da
inviolável dignidade humana, aqui se encontra a compreensão unilateral do
princípio da culpa.
O princípio da culpa radica na ideia de que não pode haver pena sem culpa e a
medida da pena não pode em nenhum caso ultrapassar a medida da culpa.
Entretanto, isto não significa que toda a culpa supõe pena, apenas vai supor pena,
aquela que acarrete a necessidade de pensa. Desta forma, e neste plano, podemos
afirmar que a culpa é o pressuposto e limite da pena, mas não o seu fundamento.

II. Relacione a teoria «ético-retributiva» dos fins das penas com a conceção
«bilateral» do princípio da culpa.
R: A teoria absoluta vê a pena como um instrumento de retribuição/compensação
do mal do crime, e é nesta essência que a pena se esgota. Contudo, a pena pode
ainda assumir determinados efeitos reflexos socialmente relevantes (como a
ressocialização), sendo que esses efeitos não contendem com a essência da pena,
nem sequer são suscetíveis de a modificar. Isto devido ao facto da essência e
natureza da pena serem a justa paga do mal com o crime que se realizou. Assim, a
medida concreta da pena apenas vai ser encontrada em função da correspondência
entre a pena e o facto.
O fundamento desta doutrina centrou-se, durante muito tempo, na conceção de
que a culpa seria fundamento e medida da pena. E com isto, verificamos a
existência do princípio da culpa, na sua conceção bilateral. Este princípio afirma
que não poderá haver pena sem culpa e a medida da pena não pode em nenhum dos
casos ultrapassar a medida da culpa, com visto verificamos que a culpa será um
pressuposto da pena (deixa-se de ser possível sofrer uma pena relativamente a um
facto se não houver culpa); um limite da pena (não se pode sofrer mais pena do que
a culpa que foi apresentada no momento da violação da norma); um fundamento da
pena (sempre que houver uma situação onde existe culpa, inevitavelmente haverá
pena); e uma medida da pena, sendo a exata proporção – a pena é igual a culpa.
Com isto, a conceção retributiva erigiu o principio da culpa como o princípio
absoluta de toda a aplicação da pena e, deste modo, levantou um veto incondicional
à aplicação da pena criminal que viole a dignidade humana.

2018. (não houve)

2017

I. Relacione analogia e causas de exclusão da ilicitude em direito penal.

R: a causa de exclusão da ilicitude não cai no exame.

CC: A função garantistica do direito penal e o princípio da legalidade (proibição


de analogia como corolário); o problema do art. 38/4 do CP no contexto das
causas de justificação.

2016.

I. Pronuncie-se sobre o problema da analogia em direito penal.


R: Perante o direito penal vigora o princípio da não analogia, este está
expressamente disposto no artigo1º, nº3 do CP. Toma-se como conceito de
analogia como aplicação de uma regra jurídica a um caso concreto não regulado
pela lei, através de um argumento de semelhança substancial com os casos
regulados (analogia legis).
A analogia deve ser proibida por força do sentido do princípio da legalidade,
sempre que funcione contra o agente e vise servir de fundamentação ou de
agravação da sua responsabilidade. Caso esta fosse permitida verificaríamos a
quebra da ideia de segurança jurídica que o princípio da legalidade criminal visa
proteger, e seria violado o princípio da separação dos poderes.
A proibição da analogia pressupõe a resolução do problema dos limites da
interpretação admissíveis em direito penal. É relevante lembrar que a interpretação
é permitida, o legislador penal é obrigado a exprimir-se através de palavras, as
quais normalmente apresentam-se como polissémicas. Daí que o texto legal se
torne carente de interpretação, oferecendo palavras que o compõem um quadro
legal de significações, dentro do qual o aplicador pode se mover sem ultrapassar os
limites da interpretação. Caso o aplicador ultrapasse este quadro, ele estará no
âmbito da analogia proibida. Assim, pode-se verificar que este quadro constitui um
limite da interpretação admissível no direito penal.
Pode-se verificar que a doutrina aqui defendida trata-se da posição teleológica e
funcionalmente imposta pelo conteúdo de sentido próprio do princípio da
legalidade.

II. Comente a seguinte afirmação: “Entre o direito penal e o direito de mera


ordenação social intercede uma diferença qualitativa e não meramente
quantitativa.”
R: Para justificar a criação do direito de mera ordenação social surgiram as teses
qualitativas e quantitativas. Nas primeiras defendia-se uma natureza material,
substancial. Foi com base no tratamento qualitativo que se justificou esta diferença
material entre os dois direitos que permitem assim diferenças de tratamento. No
direito penal estão em causa bens jurídicos vitais para a comunidade, enquanto que
no direito contraordencional estão em causa interesses administrativos, i.e., relação
entre particulares e a administração.
Já as teses quantitativas defendiam que não há diferenças entre o ilícito criminal
e o ilícito contraordenacional. O ilícito penal refere-se a atos mais graves e o ilícito
de DMOS a atos menos graves. Não se trata de uma diferença material, mas sim de
uma diferença de densificação do crime. Com o 25 de abril, surgiu a necessidade
de rever o direito penal que teria de ser adequado à nova CRP que tínhamos e é
após 1976 que se dá uma renovação do direito penal português, com o objetivo de
tornar o direito penal um direito penal ético, que se dirige às violações mais graves
de bens jurídicos relevantes. É o pensamento do Dr. Figueiredo Dias que é o
espelho dogmático fundamental do direto das contraordenações até hoje: ele veio
defender a diferença material entre o direito penal e o direito das contraordenações.
Figueiredo Dias veio dizer-nos que a diferença é basicamente material, sendo
que se distinguem na medida em que no DP tendencialmente lidamos com
condutas eticamente relevantes. Por sua vez, no direito das contraordenações,
lidamos com condutas axiológico-socialmente neutrais, que por razões de ordem
social. É necessário regular através da intervenção do legislador que elas adquirem
uma maior densidade ética.

2015.
I. Relacione o problema dos elementos subjectivos das causas de justificação com
o binómio desvalor de acção/desvalor do resultado.
R: O tipo subjetivo está relacionado com os crimes dolosos e os crimes de
negligencia. Pode-se compreender por desvalor da ação um conjunto de elementos
subjetivos que conformam o tipo ilícito subjetivo e o tipo de culpa, nomeadamente,
a finalidade delituosa. Este conceito está relacionado com a atitude interna do
agente que ao facto preside e a parte do comportamento que exprime faticamente
este conjunto de elementos. O desvalor da ação foi enfatizado pelo finalismo, se a
finalidade do atuar constitui o elemento essencial da ação, então ela tem de ter ao
mesmo título momento integrante do tipo e do ilícito – ilícito pessoal. Enquanto que
o desvalor do resultado é compreendido pela criação de um estado juridicamente
desaprovado e, assim, o conjunto de elementos objetivos do tipo ilícito que
perfeccionam a figura do delito.
Podemos verificar casos em que estão presentes os elementos objetivos da causa
de justificação, mas não os subjetivos (há somente um desvalor do resultado), i.e, o
agente atua num contexto de objetivamente preenche os pressupostos de uma causa
de exclusão da ilicitude, mas o sabe. Segundo a doutrina maioritária manda punir o
agente com a pena aplicável à tentativa.
Pode-se explicar isto devido ao facto de como na tentativa se dá o desvalor de
ação, mas não o do resultado, assim também nestes casos. O resultado é tolerado,
mas permanece uma ação desvaliosa: o agente pretendia realizar uma violação de
um bem jurídico.

II. Refira-se, com brevidade e precisão, a duas características do direito penal:


fragmentariedade e subsidiariedade.
R: O direito penal serve para tentar que as pessoas respeitem uma determinada
norma de comportamento, de modo a garantir a tutela de bens jurídicos (art 40º, 1º
do CP). Estes bens serão tutelados através de normas que proíbem determinados
comportamentos, quando essa norma não é cumprida, aplica-se uma pena, sanção;
sendo estas uma forma de privatização da liberdade humana. Neste sentido a função
de restringir os DLG´s só pode ser utilizada para salvaguardar outros DLG´s (artigo
18º, nº2 CRP). Entretanto nem todos os bens jurídicos são tutelados, somente os
com dignidade penal, isto é o que reside a característica da fragmentariedade do
direito penal: só será proibido caso haja uma razão forte para o fazer e para tal
escolhe um conjunto de valores essenciais e não todos os valores. Para além, da
fragmentariedade, o direito penal tem uma característica de subsidiariedade.
Esta consiste na função do direito penal de proteger os bens jurídicos, mas de
forma subsidiaria. Ou seja, como uma ultima ratio a que se deve recorrer, ou seja,
só irá se recorrer ao direito penal caso os outros ramos do direito ( com sanções
menos gravosas) não forem suficiente para tutelas os bens jurídicos em causa.
Questões práticas sobre Penal I

2019.

I. A, cidadão português, deslocou-se a um país asiático, onde pretendia falsificar


Euros (art. 262º CP) e colocá-los depois em circulação. Na execução desse seu
propósito, precisou de uns dados informáticos essenciais para ser bem-
sucedido e telefonou a B, que conhecia o plano e se encontrava em Portugal,
pedindo que lhos enviasse por e-mail, coisa que este se apressou a fazer. Serão
os tribunais portugueses competentes para julgar o caso? Em caso afirmativo,
que lei devem aplicar? Justifique.
R: Estamos perante um problema no âmbito da validade espacial da lei penal. Trata
de saber sobre a possibilidade de o sistema judiciário português de poder processar
determinado facto.
O artigo 33º, nº4 do Código de Processo Penal afirma que os tribunais
portugueses são competentes para conhecer de um crime quando a lei penal
portuguesa é aplicada. O problema de aplicar a lei penal portuguesa no espaço tem
uma dimensão subjetiva e depois uma repercussão processual (se pode ou não abrir
um processo em Portugal de um facto decorrido no estrangeiro). A aplicação da
nossa lei penal baseia-se em diversos princípios e num certo modelo de
combinação. Estes não assumem todos uma igual hierarquia, antes existindo o
princípio base (princípio da territorialidade) e princípios acessórios.
O princípio da territorialidade é o princípio base do nosso sistema, estando
consagrado no artigo 4º a) do CP, da aplicação da lei penal portuguesa no espaço.
Afirma-se que se um facto penalmente relevante for praticado no território
português, a lei penal é aplicada; e quando o facto criminoso tem uma conexão com
o território português, a lei também é aplicada. Este é um princípio que vale na
generalidade dos países.
Os Estados aplicam a sua lei penal aos factos praticados no seu território e
abstém-se de aplicar quando não ocorre no seu território, isto prende-se com
questões jurídico-internacionais e de política estadual (facilita a harmonia
internacional e o respeito pela não ingerência em assuntos de um Estado
estrangeiro); jurídico-penais e politica criminal (vai ser na sede do delito que mais
se irá sentir a necessidade de punição e de cumprimento das finalidades); e razões
processuais (é no lugar onde. Crime foi cometido, onde se encontram as provas do
crime, onde correrá melhor a sua investigação de modo a que se possa obter uma
decisão judicial justa).
Para determinar o local do delito, artigo 7º do CP cumulou dois critérios: a
conduta e o resultado, no sentido daquilo que doutrinalmente corre como solução
mista ou plurilateral.
O caso da comparticipação, que tenha lugar em Portugal sob qualquer forma,
num facto praticado no estrangeiro é aplicado a lei penal portuguesa em nome do
princípio da territorialidade. O inverso (a comparticipação ter lugar no estrangeiro)
e em casos de omissão, vale igualmente este critério. Desta forma podemos concluir
que os tribunais portugueses têm competência para julgar o caso com base no artigo
7º, nº1 do CP.
II. Na noite do fim do ano, A empurra B, vestido, para dentro da piscina à volta
da qual se servia um aperitivo. Pretendia brincar com o amigo. B é retirado da
água com grandes dificuldades respiratórias. Transportado de imediato para a
urgência do hospital mais próximo, ficou internado para tratamento.
Aconteceu que, nessa circunstância, foi vítima de uma infecção hospitalar que
o levou à morte. Pode imputar-se o resultado morte de B à conduta de A?
Fundamente a sua resposta.
R: Não poderá imputar-se o resultado da morte de B à conduta de A. O resultado
imputa-se à conduta quando esta seja causa do resultado, é necessário um nexo de
imputação. Existem quatro teorias relativas ao nexo de imputação, a teoria das
condições (rejeitada atualmente); a teoria das condições conformes às leis naturais;
a teoria da causalidade adequada e a teoria da conexão de risco.
A teoria da causalidade adequada afirma que será imputável a conduta se,
segunda as leis da experiência, for normal e previsível que essa conduta se sig
aquele resultado. Uma conduta é adequada a causar um resultado quando, segundo
o que é normal acontecer, essa conduta origina o resultado. Poderemos auferir a
causalidade adequada através de um juízo de prognose póstuma- póstuma porque
tudo já aconteceu, e é prognose porque o juiz vai ter de se colocar mentalmente no
momento em que a conduta foi realizada, sabendo o que o agente sabia ou podia
saber, se seria normal e previsível que àquela conduta se seguisse aquele resultado.
Se a resposta for afirmativa, a conduta é causa adequada do resultado. Figueiredo
Dias afirma que para além de deverem ser levados os respetivos conhecimentos
correspondentes às regras de experiência comum, devem também ser tidos em
conta, os especiais conhecimentos do agente.
Na maioria dos casos, a intervenção de um terceiro não é normal e previsível.
Isto é, a intervenção de um terceiro, por norma, interrompe o nexo de causalidade
existente. Desta forma, podemos afirmar que a conduta de A foi interrompida pelo
facto da vítima ter contraído uma infeção hospitalar (uma intervenção de um
terceiro, no nosso caso, o hospital).
Se tivemos em conta a teoria da conexão risco, A também não será imputado
pela morte de B. O critério utilizado para esta teoria é a conexão de risco - o
resultado apenas deve ser imputado à ação quando esta tenha criado (ou amentado)
o risco proibido para o bem jurídico protegido e, esse risco, tenha materializado o
resultado. O risco proibido radica na consideração de determinados riscos que
devem-se considerar juridicamente desaprovados e, neste sentido, proibidos.
Ou seja, o resultado apenas poderá ser imputado à conduta, se esse criar ou
aumentar o risco proibido, e para além disto, se o risco se materializar no resultado
típico. O empurrão de A não criou ou atenuou a morte de B, a conduta que atenuou
isto foi a infeção hospitalar.

III. Suponha que A matou B com um tiro certeiro. Construa, com estes dados, uma
hipótese de erro sobre a pessoa ou o objeto, resolvendo-a depois à luz dos
critérios doutrinais e legais que entender pertinentes.
R: erro - não cai
IV. A, cidadão português, que se encontra junto à fronteira, mas do lado espanhol,
dispara um tiro homicida sobre B, que está em território português, e falha o
alvo. Será a lei penal portuguesa aplicável ao caso? Justifique.
R: Estamos diante um problema no âmbito da validade espacial da lei penal. Trata-
se de saber da possibilidade de o sistema judiciário português e poder processar
determinado facto.
O artigo 33º, nº4 do Código de Processo Penal afirma que os tribunais
portugueses são competentes para conhecer de um crime quando a lei penal
portuguesa é aplicada. Este problema do âmbito de aplicação tem uma dimensão
subjetiva e depois uma repercussão processual, e baseia-se em diversos princípios,
num modelo de combinação. Estes princípios dispõem de uma hierarquia, sendo o
princípio base o Princípio da territorialidade, e depois dispondo de princípios
acessórios (nacionalidade, proteção de interesses nacionais, universalidade e
supletivo da administração subsidiaria da lei penal).
No caso concreto, houve um caso de tentativa de homicídio, visto que o tirou
falhou o alvo. O artigo 7º, nº3 do CP afirma que em caso de tentativa, o facto
considera-se igualmente praticado no lugar em que o resultado se deveria ter
produzido. Sendo que B estava em território português, consideramos então que a
lei penal português será aplicada de acordo com o princípio da territorialidade, com
base no artigo 4º, a) do CP, que afirma que a lei penal portuguesa é aplicada a
factos praticados em território português.

a. Imagine agora que o disparo de A atingiu B num órgão vital. E que se


provou em tribunal que a vítima acabou por morrer devido ao facto de um
técnico ter trocado o frasco de soro por o de uma substância altamente
tóxica. Imputa-se o resultado morte de B à conduta de A? Fundamente a
sua resposta.
R: A conduta de A não será imputada pela morte de B. Estamos neste caso
diante de um problema no âmbito de nexo de imputação da conduta.
Pode-se afirmar que um resultado se imputa a conduta quando esta seja
a causa do resultado. Para determinar o nexo de imputação dispomos de quatro
teorias, nomeadamente, a teoria das condições; a teoria das condições
conformes às leis naturais; a teoria da causalidade adequada; e a teoria da
conexão de risco. As duas primeiras teorias já não são utilizadas atualmente.
A teoria da causalidade adequada afirma que será imputável à conduta
se, segundo as leis naturais da experiência, for normal e previsível que essa
conduta se siga do resultado, ou seja, a conduta é adequada quando origina o
resultado. Se aufere a causalidade adequada através de um juízo de prognose
póstuma – é póstuma pois tudo já aconteceu e prognose porque o juiz irá ter de
se colocar mentalmente no momento em que a conduta foi realizada e, sabendo
o que o agente sabia ou poderia saber, se seria normal e previsível que àquela
conduta se seguisse aquela resultado. Se a resposta for afirmativa, a conduta
será imputada. Figueiredo Dias afirma que apara além de deverem ser levados
os respetivos conhecimentos correspondentes às regras de experiência comum,
devem também ser tido em conta, os especiais conhecimentos do agente. Além
disto, podemos afirmar que, na maioria dos casos, a intervenção de um terceito
não é normal e previsivel, ou seja, por norma, interrompe o nexo de
causalidade. O que se verifica no caso em concreto, pois a troca por um frasco
com substância toxica, fez com que o nexo da conduta de A para a morte de B
fosse interrompida.

b. Suponha, por fim, que A, com o seu tiro, quer atingir B mas, afinal, atinge
C. Na base deste enunciado, construa uma hipótese de «erro na execução»
(aberratio ictus), indicando e justificando o respectivo regime.
R: erro.

2018.

I. Suponha que, na sequência da seca extrema que se viveu no nosso país há


alguns meses, tinha sido aprovada, em Setembro, a Lei 1, segundo a qual era
punido com pena de prisão até um ano todo aquele que, comprovadamente,
esbanjasse água. As populações dos concelhos afetados foram sensibilizadas
para a importância de se cumprir o desígnio de poupança de água. A, residente
em Viseu, um dos concelhos mais devastados pela seca, tem por hábito lavar o
telhado de sua casa duas vezes por ano, alegando que não gosta de ver as telhas
com muito pó. O Ministério Público tomou conhecimento de que A, no dia 17
de Novembro, lavou o telhado de sua casa, tendo usado água da rede pública
durante cerca de quatro horas, ininterruptamente, para esse efeito.Com a
chuva que caiu nas últimas semanas, a Assembleia da República entendeu que
era possível reduzir a moldura penal prevista na Lei 1, passando a prever,
desde 15 de Dezembro, com a aprovação da Lei 2, uma pena de prisão até seis
meses para todo aquele que, comprovadamente, esbanjar água.
A está hoje a ser julgado. Refira, justificando, qual a lei aplicável a A.
R: Estamos neste caso diante de um problema relacionado com a sucessão de
leis temporárias, ou leis de emergência.
São chamadas leis temporárias aquelas que, a priori, são editadas pelo
legislador para um tempo determinado. Este período de tempo pode ser
determinado, pelo legislador, em termos de calendário ou em função da
verificação ou cessação de um determinado evento - estas são as leis
temporárias em sentido estrito; ou o período se torna reconhecível em função de
certas circunstâncias temporárias- leis temporárias em sentido amplo. No caso
podemos verificar se tratar de uma lei temporária em sentido amplo, a
circunstância no caso é o período das secas.
A lei temporária é uma exceção ao princípio da aplicação da lei mais
favorável (subprincípio do princípio da legalidade), isto devido ao facto de ter
havido uma modificação legal em função da alteração fática que deram base à
lei. A alteração não recide no fundamento de uma alteração da conceção
legislativa, por isso não há expectativas que merecem ser tutelas, e, assim, não
vale o regime da lei mais favorável ao agente.
Com isto, apesar do nº3 do artigo 2º do CP afirmar que é sempre
aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente, A
não gozará deste regime, pois estamos diante de uma exceção deste. E de
acordo com o nº2 do mesmo artigo, quando a lei valer para um determinado
período (como é o nosso caso- período da seca), continua a ser punível o facto
praticado durante esse período. Sendo o facto praticado por A em Novembro,
valerá a Lei 1.

II. Em Março de 2016, A e B, respectivamente mãe e filha, ambas portuguesas,


mas com ascendência somali, residentes no Porto, viajaram até à Somália para
que aí se procedesse ao ritual de mutilação genital de B, tal como é tradição
naquele país. Neste ritual participaram várias mulheres, entre elas A. A e B
regressaram, entretanto, a Portugal. Sabendo que o Ministério Público tomou
conhecimento dos factos e que o crime de mutilação genital feminina (art.
144.º- A) foi aditado ao Código Penal português pela Lei n.º 83/2015, de 5 de
Agosto, diga se e em que termos A poderá ser julgada em Portugal. Justifique
legal e doutrinalmente a sua resposta.
R: Estamos diante de um problema no âmbito da validade da lei penal portuguesa
no espaço. Trata-se de saber da possibilidade de o sistema judiciário português de
poder processar determinado facto.
O artigo 33º, nº4 do Código de Processo Penal afirma que o tribunal português
tem competência para conhecer determinado crime quando a lei penal é aplicada.
Este problema tem uma dimensão substantiva e depois uma repercussão processual
(se pode ou não abrir um processo em Portugal). A lei penal no espaço baseia-se em
diversos princípios, num certo modelo de combinação. O princípio base (e de maior
hierarquia) é princípio da territorialidade (art. 4º do CP), e podemos verificar
também os chamados princípios extraterritoriais ou princípios acessórios
(nacionalidade, universalidade, proteção do interesse nacional e o princípio
supletivo da administração subsidiaria da lei penal) - artigo 5º do CP.
O artigo 7º do CP afirma que o facto se considera praticado tanto no lugar em
que o agente atuou, como naquele em que o resultado típico ou resultado não
compreendido no tipo de crime se tiver produzido. Ou seja, devemos verificar se a
conduta ou o resultado foram em Portugal, no nosso caso verificamos que ambas
foram na Somália, fora de Portugal. Com isto podemos concluir que não se pode
utilizar o princípio da territorialidade.
Com isto, é necessário verificar se o caso esta dentro de algum dos princípios
complementares. Foi um crime cometido por uma nacional e contra uma nacional.
Com isto, podemos verificar estarmos diante do princípio da nacionalidade. Este
pode se dividir em casos de princípio de personalidade ativa (quando o crime é
cometido por um português) e em casos de princípio da personalidade passiva, em
que o ato ilícito é cometido no estrangeiro, contra nacionais. A lei penal pode ser
aplicada a factos cometidos fora do território nacional, de acordo com o princípio
da nacionalidade, se forem verificados três requisitos: é necessário o agente estar
presente em Portugal; que o facto também seja punível pela legislação do lugar em
que tiver sido praticado; e que o facto constitua crime que admita extradição e esta
não pode ser concedida.
A princípio, a lei penal portuguesa não poderia ser aplicada pois o facto
cometido não é punível na Somália, e desta forma A e B agiriam de acordo com a
lei. Entretanto podemos verificar uma extensão do princípio da nacionalidade no
artigo 5º, nº1, b), que afirma que ainda é aplicável a lei penal portuguesa a factos
cometidos fora do território nacional, contra portugueses, por portugueses que
viveram habitualmente em Portugal ao tempo da sua prática e aqui foram
encontrados. Esta extensão foi justificada com a consideração de que era
imperativo, impedir a impunidade nesses casos, dado que o português se dirigiu ao
estrangeiro para cometer um facto que nesse país era lícito, mas que segundo a
nossa legislação configura crime. Argumenta-se que, nestes casos, o agente havia
adquirido um verdadeiro “direito à impunidade” através de uma fraude penal. De
acordo com Figueiredo Dias, a justificação apenas prende-se na fidelidade do
agente e da vítima aos princípios fundamentais de uma comunidade a que
pertencem e onde o agente habitualmente vive.
Podemos verificar no caso acima que vale o princípio extraterritorial da
nacionalidade atípica, pois A e B saíram do país somente com a intenção de
cometer o crime de mutilação da genital. Desta forma, se o caso não for restringido
pelo artigo 6º do CP, o que não é, então os tribunais portugueses terão competência
para aplicar a lei penal.

III. A e B estão a conversar na berma da estrada. A dada altura, A distrai-se e não


repara num automóvel que, desgovernado, vem na sua direcção. Nesse mesmo
instante B empurra A e salva-o de uma morte certa. Devido ao empurrão, A
caiu e partiu uma clavícula, facto que lhe causou 30 dias doença. Por isso, A
apresentou queixa contra B pelo crime de ofensa à integridade física (art. 143.º
do CP). Aprecie o caso, do estrito ponto de vista da imputação do resultado à
conduta.
R: Estamos diante de um problema no âmbito do nexo de imputabilidade. Pode-se
afirmar que um resultado se imputa a conduta quando esta seja a causa do resultado.
Para determinar o nexo de imputação dispomos de quatro teorias, nomeadamente, a
teoria das condições; a teoria das condições conformes às leis naturais; a teoria da
causalidade adequada; e a teoria da conexão de risco. As duas primeiras teorias já
não são utilizadas atualmente.
A teoria da causalidade adequada reside na ideia de que será imputável à
conduta se, segundo as leis da experiência, for normal e previsível que essa conduta
se siga aquele resultado. Ou seja, a conduta será adequada quando originar o
resultado. Podemos auferir a causalidade adequada através de um juízo de prognose
póstuma- póstuma pois tudo já ocorreu, e prognose porque o juiz vai ter de se
colocar mentalmente no momento em que a conduta foi realizada e, sabendo que o
agente sabia ou podia saber, se seria normal e previsível que àquela conduta se
seguisse aquele resultado. Se a resposta for positiva, a conduta é causa adequada.
Figueiredo Dias afirma que para além de se levar em consideração os
conhecimentos correspondentes às regras de experiência comum, deve-se ter em
conta os especiais conhecimentos do agente. Ao empurrar uma pessoa é normal e
previsível que esta tenha uma lesão. Logo, de acordo com esta doutrina, a conduta
seria imputada. Entretanto não podemos utilizá-la, isto porque a conduta de B teve a
intenção de salvar A de um atropelamento, e é necessário levar isto em conta.
Há situações em que a teoria da adequação conduz a afirmação de um nexo de
imputação e que claramente leva a soluções insatisfatórias, não fazendo jus ao
significado de um facto típico. Esta teoria não responde devidamente ao problema e
permite a afirmação da tipicidade em situações em que a conduta não tem um
significado social valioso, é o que se verifica no caso. Assim, para olhar de uma
outra perspetiva para a matéria, surgiu uma outra teoria no âmbito da imputação
objetiva que é a chamada teoria da conexão de risco (defendida por Figueiredo
Dias).
A teoria da conexão do risco afirma que os resultados apenas devem ser
imputados à ação quando esta tenha criado ou aumentado o risco proibido para o
bem jurídico protegido e, este risco tenha materializado no resultado tipo. O risco
proibido consiste em riscos que devem ser considerados juridicamente
desaprovador e, neste sentido, proibidos. Com isto, temos que verificar dois fatores
para a conduta ser imputável: se na conduta, o agente criou ou potencializou um
risco proibido de lesão daquele bem jurídico; e, cumulativamente, se foi esse
concreto risco que se materializou na produção do resultado ocorrido. Se estas duas
condições estiverem verificadas, então o resultado é imputado à conduta.
No caso em concreto, podemos verificar que B diminuiu o risco que impedia
sobre A – situação de redução de risco. B salvou a vida de A. Assim, não criou nem
potencializou um risco proibido, antes pelo contrário. Nessa medida, ele não pode
ser imputado aquele facto. Logo, não há imputação objetiva.

IV. Suponha que A praticou o facto X em Março de 2016, numa altura em que este
facto era punido com uma pena de prisão até 1 ano (Lei 1). Entretanto, em
Janeiro de 2017, entrou em vigor uma lei (Lei 2) que passou a punir o facto X
com uma coima de 500 euros a 3000 euros. Desde Dezembro de 2017, porém, o
facto X, devido à aprovação de uma nova lei (Lei 3), é punido com pena de
prisão até seis meses. A está hoje a ser julgado. Refira, justificando legal e
doutrinalmente a sua resposta, qual a lei aplicável.
R: Estamos diante um problema no âmbito da lei penal portuguesa no tempo.
Os factos, por norma, são regulados pela lei que vigora no momento da sua
prática. Logo, à princípio, uma lei que foi aprovada num momento posterior não
pode ser aplicada a factos anteriores (proibição da retroatividade), isto por motivos
de proteção da pessoa contra o poder punitivo do Estado. Ao analisar o artigo 3º,
relativo ao momento da prática do facto, podemos afirmar que o facto se considera
praticado no momento em que o agente atuou, independentemente do momento em
que o resultado típico se tenha produzido. Com isto verificamos que no nosso caso,
o facto foi pratico em Março de 2016, quando estava em vigor a Lei 1.
Entretanto, a proibição da retroatividade pode não funcionar quando uma norma
seja a favor do agente. Esta regra vale relativamente para todos os elementos da
punibilidade. A maior consequência pratica disto, é o chamado princípio da
aplicação da lei mais favorável, tendo não só expressão a nível da lei ordinária
(artigo 2º, nº4 do CP), mas também a nível constitucional (artigo 29º, nº4, 2º parte
da CRP), afirmando, assim, que sempre será aplicado o regime que concretamente
se mostre mais favorável ao arguido. Contudo, a sua fixação no texto constitucional
também trouxe alguns problemas, como o da descriminalização.
A descriminalização ocorre quando uma lei posterior à prática do facto deixa de
ser considerar como crime. Esta situação cabe em rigor dentro do princípio da
aplicação da lei mais favorável. Há autores que defendem que o facto deixa de ser
punível. Não pode mais ser objeto de punição penal pois o legislador alterou a
natureza jurídica do facto; e não pode ser punido no direito contraordenacional pois
na altura não era considerado uma contraordenação. Entretanto, há quem defenda
que o facto deve ser punido como contraordenação, pois no momento da prática do
facto não existiam razões para que o agente pudesse ficar impune. Esta última é a
doutrina defendida pelo curso.
Quando A for julgado, podemos verificar que a lei se alterou três vezes. Por
norma, seria aplicada a lei que estava em vigor no momento que ocorreu o facto.
Entretanto como a Lei 2 é a mais favorável ao arguido, será esta a ser aplicada,
mesmo havendo uma descriminalização, o facto continuou a ser ilícito, o autor já
sabia que era crime. Logo não há bem uma segurança ou garantia a proteger nesse
sentido, mas sendo ilícito, há uma continuidade do caráter sancionatório, logo,
pode-se aplicar a Lei 2 que continua a ser uma sanção, embora mais favorável (art
2º, nº4 CP).

V. A, português, e B, italiano, residentes em Milão, enviam uma encomenda


armadilhada para C, francês residente em Lisboa, com intenção de o matar. A
encomenda acaba, porém, por extraviar-se e nunca chegar ao seu destino. Diga
se e em que termos A e B poderão ser julgados em Portugal. Justifique legal e
doutrinalmente a sua resposta.
R: Estamos diante um problema no âmbito da validade da lei penal portuguesa no
espaço. Trata-se da possibilidade do sistema judiciário português poder processar
determinado facto.
O artigo 33º, nº4 do CP afirma que aos tribunais portugueses competem
conhecer o crime quando a lei portuguesa penal for aplicável. Este problema tem
uma dimensão subjetiva e depois uma repercussão processual (de poder ou não
abrir o processo em Portugal). Além disto, baseia-se em diversos princípios,
existindo assim um modelo de combinação. O princípio base (de maior hierarquia)
é o chamado princípio da territorialidade (artigo 4º do CP); e há os chamados
princípios complementares, ou acessórios (art 5º do CP). São estes o princípio da
nacionalidade; proteção do interesse nacional; universalidade; supletivo da
administração subsidiária da lei penal.
O artigo 7, nº1º do CP afirma que o facto se considera praticado tanto no lugar
em que o agente atou, como naquele em que o resultado típico se deveria ter
produzido. Ou seja, para a aplicação da lei penal no espaço é importante tanto
considerar a conduta como o resultado. Entretanto, no caso em concreto podemos
verificar que não houve o resultado, pois a armadilha foi extraviada e nunca chegou
ao seu destino, com isto verificamos que houve apenas uma tentativa. O nº2 deste
mesmo artigo afirma que em caso de tentativa, o facto considera-se praticado no
lugar em que o resultado se deveria ter produzido. Como o objetivo era ser
produzido em Lisboa, cidade de Portugal, o facto será considerado praticado em
território português.
Podemos assim, aplicar as leis penais portuguesas com base no princípio da
territorialidade – artigo 4º, a) do CP (a lei penal portuguesa é aplicável a factos
produzidos em território português, seja qual for a nacionalidade do agente).

VI. A, vendo o seu filho B com muita tosse, decidiu dar-lhe uma colher de um
conhecido antitússico à base de produtos naturais, de venda livre. Em virtude
de uma patologia raríssima de que B padecia e que nunca fora detectada, o
medicamento vem a provocar um choque anafiláctico, colocando a criança em
risco de vida. Diga, fundamentando, se o resultado poderia ser objectivamente
imputado à conduta de A.
R: Estamos diante um problema no âmbito do nexo da imputação. Podemos
afirmar que o resultado se imputa à conduta quando esta seja causa do resultado.
Existem critérios utilizados hoje em dia para se determinar o nexo de imputação de
um resultado à conduta.
A primeira é a teoria da causalidade adequada, esta afirma-se que será
imputável à conduta se, segundo as leis da experiência, for normal e previsível que
essa conduta se siga aquele resultado. Ou seja, a conduta será adequada quando
originar o resultado. Ira se auferir a causalidade adequada através de uma prognose
póstuma; póstuma pois tudo já aconteceu e prognose pois o juiz ira se colocar no
momento em que a conduta foi realizada e, sabendo o que o agente sabia, ou
poderia saber, irá avaliar se aquele resultado é normal e previsível. Se a resposta for
afirmativa, a conduta é causa adequada do resultado. Figueiredo Dias afirma que
para além de levar em conta os respetivos conhecimentos das regras da experiência
comum, é necessário ter em conta os especiais conhecimentos do agente.
Ao analisarmos o caso em concreto, verificamos que a conduta de B não era
imputada ao resultado. Isto devido ao facto de se levarmos em consideração os
conhecimentos do agente, este não sabia da doença rata que B tinha, pois esta nunca
tinha sido detetada, assim não se assumiria ser um resultado normal e previsível o
choque anafilático de B.

2017.

I. A, francês, vizinho de B, espanhol, não suportava o facto de B ter um cão em


casa. Queixava-se de as zonas comuns do prédio terem passado a estar sujas.
Certo dia, B deixou a porta de casa entreaberta e o cão desapareceu, sendo
encontrado só dois dias depois, tão maltratado que foi necessário amputar-lhe
uma perna. Convicto de que A era o responsável pelo sucedido, B confrontou o
vizinho com a situação e A acabou por confessar. B apresentou queixa contra
A. Tome nota ainda dos seguintes dados: A e B são estudantes e residem em
Coimbra desde 2013; os factos ocorreram em Março de 2014; em 1 de Outubro
de 2014, entrou em vigor a Lei 69/2014, que aditou os artigo 387.o e ss. ao
Código Penal e A está a ser hoje julgado. E responda: têm os tribunais
portugueses jurisdição sobre o facto? Em caso afirmativo, poderão aplicar os
referidos artigos do Código Penal?

R: O artigo 33º, nº4 do CPP afirma que aos tribunais portugueses compete conhecer
o crime quando a lei portuguesa por aplicada. O problema do âmbito da validade da
lei penal no espaço tem uma dimensão subjetiva, e depois uma repercussão
processual (se poderá ou não abrir o processo em território português). Este âmbito
dispõe de diversos princípios, sendo o princípio base o da territorialidade, mas
existindo também os extraterritoriais (o da nacionalidade, proteção do interesse
nacional, supletivo da administração subsidiaria da lei penal e da universalidade).
Estes são considerados princípios acessórios, ou complementares.
O artigo 7º do CP afirma que o facto se considera praticado no lugar em que o
agente atuou, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não
compreendido no tipo de crime se tiver produzido. No nosso caso em concreto,
ambas as pessoas são residentes em Coimbra, território português. Com isto
podemos afirmar que as leis penais portuguesas serão aplicadas aos casos com base
no princípio da territorialidade (artigo 4º, a) do CP). Ou seja, o tribunal tem
jurisdição sobre o facto.

No âmbito das leis peais portuguesas vigora o princípio da legalidade criminal


(artigo 1º do CP e artigo 29º, nº1 da CRP). Este dispõe de quatro subprincípios, e
cada um tem consequência em um determinado plano. São estes o princípio da lei
escrita (plano da forma); princípio da lei certa (plano da determinabilidade);
princípio da lei escrita (proibição da analogia); e princípio da lei previa (proibição
da retroatividade).

A lei penal apenas pode ser aplicada para frente, pro futuro, não se pode aplicar
retroativamente, é nisto que consiste a proibição da retroatividade. Por força do
princípio da legalidade criminal, não pode punir-se criminalmente o comportamento
que não era crime na altura em que foi praticado, nem aplica uma pena mais grave
do que aquela prevista na altura. Só poderá aplicar uma lei retroativamente quando
esta for mais favorável ao arguido (princípio da aplicação da lei mais favorável ao
arguido). Com isto, A será julgado de acordo com as leis penais em vigor no
momento de seu facto, ou seja, a Lei 69/2014 não terá vigor no caso.

II. No meio de um jogo de futebol, A, excitado, dá três murros de satisfação no


braço do amigo, B, que o acompanhava. Estarrecido, vê que B desmaia e tem
de ser transportado de urgência para o hospital. Só então se lembrou de que B
tinha um gravíssimo problema circulatório nesse membro. Depois de tentarem
tudo, os médicos foram obrigados a amputar o braço de B. A é acusado do
crime de ofensa à integridade física grave. Pronuncie-se sobre o caso, do estrito
ponto de vista da imputação do resultado à conduta.

R: Estamos diante de um problema de nexo de imputação. Podemos afirmar que a


conduta será imputada àquele resultado, quando esta o causar. Existem hoje
critérios que utilizamos para poder descobrir se determinada conduta tem um nexo
de imputação para determinado resultado em causa.

A doutrina da causalidade adequada afirma que a conduta será imputada


quando, de acordo com as leis da experiência, for normal e previsível que essa
conduta se siga aquele resultado. Ou seja, a conduta será adequada quando originar
aquele resultado. Podemos auferir a causalidade adequada através de uma prognose
póstuma, é póstuma pois tudo já ocorreu e prognose pois o juiz ira se colocar no
momento da prática da conduta, sabendo o que o agente sabia ou poderia saber, e se
for normal e previsível àquela conduta seguisse àquele resultado, a conduta será a
causa adequada do resultado. Figueiredo Dias afirma que para além de ter em conta
os conhecimentos às regras de experiência comum, deve se ter em conta, os
especiais conhecimentos do agente.

No nosso caso em concreto, A sabia que B sofria de um gravíssimo problema de


circulação naquele membro, apesar de não ter se lembrado. Logo, podemos
verificar que seria normal e previsível que B sofresse com aquela determina ação.

2016.

I. Em Junho de 2013, A foi mandado parar numa operação STOP, acusando


uma taxa de 1,3 g/l de álcool no sangue. Foi julgado em Outubro de 2014 pelo
crime de condução em estado de embriaguez (art. 292º CP) numa pena de
multa de 60 dias à taxa diária de 100 euros. Inconformado, A recorreu da
decisão para o Tribunal da Relação. Entretanto, em Janeiro de 2015, entrou
em vigor uma lei que alterou a taxa de 1,2 g/l para 1,5 g/l, considerando
contra-ordenação a condução de veículo com uma taxa de álcool no sangue até
1,4 g/l. Como deverá decidir o Tribunal da Relação?
R: - descriminalização – quebra do regime jurídico. Deve utilizar o regime mais
favorável ao arguido mesmo sendo de outra natureza jurídica.

II. A, português, pretende matar B, português, mas para garantir uma fuga bem
sucedida, A leva B para a fronteira de Vilar Formoso, chegando com B a
Fuentes de Oñoro, onde desfere o tiro certeiro. A foge em direcção a
Salamanca. B, moribundo, pede a C que o transporte para um hospital
português, acabando, todavia, por falecer em Vilar Formoso. A vem a ser
capturado, mas invoca que deverá ser julgado pela lei espanhola, por esta ser
mais favorável. Quid iuris?
R: - 2019 época especial

III. A pretende pregar uma partida a B, fazendo-lhe um piercing enquanto B


dormia. Chegando silenciosamente junto de B, faz-lhe um piercing no nariz. B
acorda sobressaltado e esse grande sobressalto desencadeia-lhe uma arritmia
cardíaca, da qual resultou a sua morte súbita. Tenha ainda em conta que A
sabia da grave insuficiência cardíaca de B. E ignorava um outro facto que veio
a provar-se em tribunal: B queria fazer um piercing no nariz. Analise a
responsabilidade jurídico-penal de A.
R: nexo de imputação

IV. A e B, dois jovens norte-americanos, residentes em Portugal, decidiram passar


uma semana de férias no Médio-Oriente durante o Natal de 2015. Durante a
sua permanência na Arábia Saudita, A violou B. Sabendo que ambos
regressaram, entretanto, a Portugal e que o crime de violação é punido na
Arábia Saudita com pena de morte, serão os tribunais portugueses
competentes para julgar A? Justifique a sua resposta
R: Estamos diante um problema no âmbito da validade da lei penal no espaço.
Trata-se da possibilidade do sistema judiciário português poder processar
determinado facto. Este problema tem uma dimensão subjetiva, que depois irá ter
uma repercussão processual. Para além disto, falamos na existência de um modelo
de combinação de princípios, pois dispomos de diversos princípios, sendo o
princípio base o da territorialidade e os demais chamados de princípios acessórios
ou extraterritoriais.
O artigo 33º, nº4 do CPP afirma que aos tribunais portugueses competem
conhecer o crime quando a lei portuguesa for aplicada. O artigo 7º do CP,
relacionado com o lugar da prática do facto, afirma que o facto se considera
praticado no lugar em que o agente atuou (ou deveria ter atuado em caso de
omissão), como naquele em que o resultado típico ou resultado não compreendido
no tipo de crime se tiver produzido. Podemos verificar que importa nestes casos
tanto a ação como o resultado do facto típico. No nosso caso em concreto podemos
verificar que o caso ocorreu em um território fora de Portugal, e desta forma
podemos utilizar um princípio complementar (artigo 5º). Antes de ser aplicada a lei
portuguesa, devemos verificar se o agente já foi julgado no país da prática do facto,
o que não ocorreu; e se a lei do país do lugar da prática do facto é mais favorável
ao arguido, o que não se verifica também; isto de acordo com o artigo 6º, relativo
às restrições à aplicação da lei portuguesa.
O caso em concreto é relativo à um crime cometido no estrangeiro, por um
estrangeiro que se encontra em território português, e se trata de um crime de
violação, expresso no artigo 164º do CP. A extradição desses jovens neste caso não
pode ser concedida devido ao facto de na Arabia Saudita o crime de violação ser
punido com pena de morte, só poderia ser concedida caso a Arabia Saudita fosse
parte da convenção internacional a que Portugal esteja vinculado e ofereça
garantias que não será aplicada esta pena (33º, nº4 do CRP). Desta forma podemos
verificar duas situações no caso: se a vítima for um menor de idade, podemos
utilizar o princípio da universalidade de acordo com o artigo 5º, nº1, d). Este
princípio permite a aplicação da lei penal portuguesa a factos cometidos no
estrangeiro que atentem contra bem jurídicos carecidos de proteção internacional.
Para os tribunais serem competentes para julgar o caso é necessário ser verificado
duas condições: que o agente esteja em Portugal e que a extradição não possa
ocorrer; o que é verificado. Neste princípio é indiferente o lugar da prática ou a
nacionalidade do agente ou da vítima.
Entretanto, se a vítima não for menor de idade, os tribunais portugueses irão
poder julgar o caso com base no princípio da administração supletiva da justiça
penal (artigo 5º, 1, f) do CP). Com este princípio a lei portuguesa passa a ter
competência para conhecer os factos que foram praticados no estrangeiro, por
estrangeiros que se encontram em Portugal e que a extradição, apesar de requerida,
não foi concedida em virtude da pena aplicável ao crime que o Estado competente
requente. Aqui vamos verificar a atuação de um juiz nacional, ao invés do juiz
estrangeiro, mas sem deixar de se aplicar as regras jurídicas-penais nacionais. Este
princípio funda-se apenas na vontade da cooperação de internacional, e no facto de
se for extraditar o arguido, deve puni-lo.

V. A e B, vizinhos, alimentavam há anos uma profunda inimizade por conta de


um terreno agrícola muito cobiçado. Na sequência de mais uma discussão, A
disparou um tiro contra B, tendo-o atingido no abdómen. B foi, de imediato,
transportado para o hospital mais próximo. C, médico anestesista que
acompanhava a operação de B, usou uma dose excessiva de anestesia, tendo B
acabado por falecer durante a intervenção cirúrgica. Poderá o resultado
morte de B ser imputado à conduta de A? Justifique.
R: não. Intervenção de terceiro faz com que haja uma interrompe o nexo de
causalidade.
2015.

I. A e B, portugueses, planearam raptar C assim que este aterrasse em território


brasileiro. Para tanto, A, que se encontrava em Portugal, acompanhou todos os
movimentos de C, comprou-lhe a viagem e informou B sobre todos os
pormenores da chegada de C ao Brasil. B raptou C à sua chegada àquele país e
manteve-o aprisionado até ser pago o elevado montante exigido a título de
resgate, o qual depois dividiu com A.
a. Poderiam A e B ser julgados em Portugal pela prática de um crime de
rapto (art. 161.º, nº 1, do CP)? E se invocassem a aplicação pelo tribunal
português da lei brasileira mais favorável?
R: Estamos diante de um problema no âmbito da validade da lei penal relativo
ao espacial. Trata-se da possibilidade do sistema judiciário português processar
determinado facto. Este problema tem uma dimensão substantiva, que depois
irá ter uma repercussão processual. Além disto, falamos da existência de um
modelo de combinação de princípios, pois dispostos de diversos princípios,
sendo o princípio base o da territorialidade (artigo 4º), e os demais são
chamados de princípios complementares ou extraterritoriais (art 5º).
O artigo 33º, nº4 do CPP afirma que compete aos tribunais portugueses
conhecer o crime quando a lei portuguesa for aplicada. O artigo 7º, relativo ao
lugar onde o facto foi prático, afirma que o facto se considera praticado tanto no
lugar em que o agente atuou (ou deveria ter atuado em caso de omissão), de
forma total ou parcial, como naquele em que o resultado se tiver sido
produzido. Ou seja, o que importa neste caso é tanto a conduta como o
resultado. No caso em concreto podemos verificar a existência de uma atuação,
ainda que parcial, em território português, pois A não saiu do país e
comparticipou do crime junto com B. Desta forma podemos verificar que o A e
B podem ser julgado de acordo com as leis portuguesas com fundamento no
princípio da territorialidade (artigo 4º, a) do CP).
Este princípio prevê que qualquer facto penalmente relevante que seja
praticado no território português, ou que tenha uma conexão com o território
português, pode ser aplicado a lei penal portuguesa. Uma das consequências
deste princípio é o facto do princípio da aplicação da lei mais favorável ao
arguido não se aplicar. Com isto, A e B devem ter julgados de acordo com a lei
portuguesa.
b. Suponha que A e B foram ambos condenados a penas efetivas de prisão de
7 e 5 anos, respetivamente, que começaram a cumprir em Janeiro de 2012.
Em Julho de 2013, o legislador alterou a moldura penal do artigo 161.º, n.º
1, do CP para 1 a 5 anos de prisão. Quid iuris?
R: Estamos diante de um problema no âmbito da lei penal no tempo. Os factos,
por norma, são regulados pela lei que vigora no momento da sua prática. Logo,
à princípio, uma lei que foi aprovada num momento posterior não pode ser
aplicada a factos anteriores (proibição da retroatividade), isto por motivos de
proteção da pessoa contra o poder punitivo do Estado. Ao analisar o artigo 3º,
relativo ao momento da prática do facto, podemos afirmar que o facto se
considera praticado no momento em que o agente atuou, independentemente do
momento em que o resultado típico se tenha produzido.
Entretanto, a proibição da retroatividade só funciona quando for contra
o agente ou como fundamento para atenuar a sua responsabilidade sobre o facto
ilícito, valendo para todos os elementos da punibilidade. Com a consequência
prática deste facto, surge o princípio da aplicação da lei mais favorável ao
arguido, que além de estar expresso na lei ordinária (2º, nº4 do CP), tem base
constitucional (artigo 29º, nº4 da CRP). Com isto podemos verificar que quando
houver uma atenuação da consequência jurídica, a lei mais favorável deve ser
retroativamente aplicável, todavia, com ressalvo dos casos julgados. Esta
ressalva não significa que a mesma não pode ser eliminada ou restringida e, a
partir de 2007, foi substituída por outra. Desta não resultará de uma imposição
de reabertura do processo, mas somente um limite à execução da pena concreta.
E este limite irá coincidir com o limite máximo da pena aplicável pela lei nova
mais favorável (artigo 2º, nº4, in fine).
Desta forma, A e B poderão cumprir a pena até o limite máximo que foi
estabelecido pela Lei de Julho de 2013.

II. A é o responsável pelo controlo de qualidade numa fábrica de alimentos para


bébés. Deve testar sobretudo algumas substâncias que, por vezes, não se
encontram em bom estado de conservação e, se ingeridas nessas condições,
constituem um perigo para a saúde das crianças. A usou sempre todo o
cuidado exigido na sua tarefa. Apesar disso, um dos lotes desse alimento
continha um ingrediente em mau estado e houve dez bebés que sofreram, por
ingeri-lo, transtornos de saúde. Ficou provado que essa alteração no
ingrediente era indetetável. Pode imputar-se a lesão da integridade física de
tais crianças à conduta de A?
R: — O caso situa-se, como a pergunta indica, na matéria da imputação do resultado à
conduta do agente. Normalmente, há de começar-se a abordagem pela aplicação dos
critérios da doutrina da causalidade adequada e depois, se necessário, avançar para os
princípios da conexão do risco. Aqui valeria o princípio do risco permitido.

2019- época especial.

I. Refira-se ao conteúdo que no Código Penal português determina o momento


da prática do facto e diga se lhe parece adequado e porquê.
R: O Código Penal determina o momento da prática do facto com base no artigo 3º.
Este refere-se quando é que o um facto se considera pratico. Para ter um facto
punível podemos ter uma ação ou um a omissão. À partida, não parece impactantes
para o direito penal, a ação omissão; só por si não tem impacto. Aquilo que tem
impacto é a ação, ou omissão, depois de juntar características como a culpa e a
ilicitude.
Com isto podemos verificar que o importa para a aplicação dos princípios da lei
penal, relativos ao tempo, é a conduta do agente, a sua ação (ou omissão). Isto
devido ao facto de o aplicador analisar o ato em causa para a aplicação das leis. Ou
seja, no momento em que a conduta foi realizada qual era a norma vigente relativa
ao ato ilícito, por exemplo. Consideramos adequado ter relevância a ação, ou
omissão, do agente pois pode ocorrer, em alguns casos, de o resultado não ocorrer
no mesmo momento que a ação, e se este fosse levado em causa e, por exemplo,
outra lei entrasse em vigência relativamente a este tipo ilícito, poderíamos ter
problemas na aplicação das normas.

II. A, pt, desfere contra B, pt, um tiro certeiro, com intenção de o matar. Isto
aconteceu em Fuentas de Oñoro (espanha, perto da fronteira portuguesa).
Logo a seguir, A foge em direção a Salamanca. B, moribundo, pede a um
transeunte que o leve para o hospital português, acabando por morrer em
Vilar Formoso. A vem a ser detido e, em julgamento, requer que se já aplicado
ao caso a lei espanhola, por esta lhe ser, em concreto, mais favorável. Quid
iuris?
R: Estamos diante de um problema no âmbito da validade da lei penal no espaço.
Trata-se da possibilidade de o sistema judiciário português poder processar
determinado facto. Este problema tem uma dimensão subjetiva, que depois
repercute em uma processual. Neste âmbito dispomos de diversos princípios, há um
modelo de combinação.
O artigo 33º, nº4 do CPP afirma que compete aos tribunais portugueses
conhecer um crime quando a lei portuguesa é aplicada. O artigo 7º, relativo ao
lugar da pática ao facto, afirma que o facto se considera praticado no lugar em que
o agente atou (total ou parcialmente), como naquele em que o resultado típico ou o
resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido. Verifica-se que
importa para este artigo onde ocorreu a conduta e o resultado. Como a morte de B
foi em território português (o resultado). Portugal dispõe de jurisdição para aplicar
as suas devidas leis penais, com base no princípio da territorialidade.
Este princípio é o chamado princípio base do modelo de combinação. Com este,
afirma-se caso o facto penalmente relevante for praticado no território português,
ou tiver alguma conexão com Portugal, a lei penal é aplicada. Este princípio está
disposto no artigo 4º, a) do CP.
Uma das consequências da utilização deste princípio é o facto de o arguido
sempre ter de ser julgado de acordo com a lei portuguesa. Com isto, apesar de a lei
espanhola ser mais favorável ao arguido, ele terá que ser julgado em Portugal, com
leis que podem ser consideradas como menos favoráveis.

III. A pegou num pedaço de madeira e lançou-o em direção ao automóvel do


vizinho B, adepto ao clube de futebol rival, para lhe estragar a pintura e
provocar, eventualmente, alguma amolgadela. Exactamente nesse momento e
sem que nada o pressagiasse, uma fortíssima rajada de vento desviou o curso
do bocado de madeira, de tal modo que este acabou por ser arrastado, vindo a
ferir uma criança, C, que se encontrava do outro lado da rua. Pode imputar-se
o ferimento de C à conduta de A? fundamente a sua resposta.
R: Não poderá imputar-se o ferimento de C à conduta de A. Estamos diante um
problema no âmbito do nexo da imputação. Afirma-se que o resultado se imputa à
conduta quando esta seja causa do resultado. Desta forma, é necessário apurar
determinados critérios para avaliar o nexo causal entra a conduta e o resultado.
De acordo com a doutrina da causalidade adequada será imputado à conduta se,
segundo as leis da experiência, for normal e previsível que essa conduta siga aquele
resultado. Ou seja, aquela conduta será adequada quando origina aquele resultado.
Aufere-se a causalidade adequada através de uma prognose postuma- póstuma pois
tudo já ocorreu; e prognose pois o juiz ira se colocar no momento da prática do
facto, levando em consideração o que o agente sabia, ou poderia saber, e irá
verificar se aquele resultado era normal e previsível. Se a resposta for afirmativa,
então a conduta será a causa daquele resultado. Figueiredo Dias afirma que além
das considerações das regras de experiência comum, é necessário ter em conta o
conhecimento do agente.
Na maioria dos casos a intervenção de um terceiro não é normal nem previsível,
e desta forma irá se verificar uma interrupção no nexo de causalidade. No caso em
concreto não era previsível que houvesse uma rajada de vento tão forte que levasse
o pedaço de madeira até C. Com isto, e de acordo com esta teoria, podemos
verificar então que não poderá se imputar o ferimento de C à conduta de A.

IV. A furta a B um cinzeiro, pensando que se trata de uma peça valiosíssima e


antiga. Afinal, quando se dispunha a vendê-lo, ganhando bom dinheiro,
descobre que o cinzeiro furtado vale muito pouco: trata-se de uma mera
imitação do autêntico. Quid iuris? Fundamente.
R: Sobre erro.
2019- época especial 2

I. Suponha que A praticou o facto X em Março de 2018, numa altura em que este
facto era punido com prisão de até 2 anos (lei 1). Entretanto, em Agosto de
2018, entrou em vigor a Lei2, que passou a punir o facto X com multa. Desde
Marco de2019, porém, o facto X, devido à aprovação de uma nova lei (Lei 3) é
punido com prisão até seis meses. A está hoje a ser julgado. Refira, justificando
legal e doutrinalmente a sua resposta, qual a lei aplicável.
R: Estamos diante de um problema relativo a validade das leis penais no tempo. Os
factos, por norma, são regulados de acordo com as leis vigentes do momento da sua
prática. Logo, à princípio, uma lei que foi aprovada num momento posterior não
pode ser aplicada a factos anteriores (princípio da proibição da retroatividade), isto
por motivos de proteção das pessoas contra o poder punitivo do Estado. Ao analisar
o artigo 3º, verifica-se que o facto se considera praticado no momento em que o
agente atuou, ou deveria ter atuado, independentemente do momento do resultado.
Com isto, verificamos que o facto no nosso caso foi efetuado em Março de 2018,
quando a Lei 1 estava em vigor.
Entretanto, a proibição da retroatividade não funciona quando uma norma seja
mais favorável ao arguido. Isto significa que a retroatividade só é proibida quando
foi utilizada como fundamento ou aumento da responsabilidade do arguido, valendo
para todos os elementos da punibilidade. A maior consequência prática é o chamado
princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, que além de ter expressão a
nível da lei ordinária (artigo2º, nº4 do CP), tem a nível constitucional também (29º,
nº4 CRP). Afirmando, assim, que sempre será aplicado o regime que concretamente
se mostre mais favorável ao arguido. Contudo, este princípio traz algumas
dificuldades relativas à algumas questões, como é o caso da descriminalização.
Esta ocorre quando uma conduta deixa de ser considerada como crime e passa a
ser uma contraordenação, sendo a sua sanção alterada de pena (ou medida de
segurança), para uma coima. Esta situação tem rigor dentro do princípio da
aplicação da lei mais favorável. O curso defende que esta conduta ainda deve ser
punível, mesmo que no ramo do direito contraordenacional, pois no momento da
prática não havia fundamento para a conduta não ser punida. Entretanto, há autores
que defendem que o facto não deveria ser punível pois se alterou a natureza jurídica
do facto.
Quando A for julgado deveria, a princípio, ser aplicada a lei que estava vigente
no momento da sua conduta (a lei 1). Entretanto, podemos verificar que a lei Lei 2 é
a mais favorável ao agente, apesar de se tratar de uma descriminalização, o facto
continua a ser ilícito; o autor já sabia que era crime. Logo não há uma segurança ou
garantia que deverá ser protegida neste sentido. Há uma continuidade do caracter
sancionatório, logo, pode-se aplicar a Lei2 que continua a ser uma sanção, e mais
favorável ao arguido (artigo 2º, nº4 CP).

II. A e B, italianos residentes em Portugal, enviam de um correio de Lisboa uma


encomenda armadilhada para C, também italiano, residente em Itália, com
intenção de o matar. A encomenda acaba, porém, por extraviar-se e nunca
chegar ao seu destino. Diga se e em que termos A e B poderão ser julgados em
Portugal. Justifique legal e doutrinalmente a sua reposta.
R: Estamos diante um problema no âmbito da validade da lei penal em relação a
espaço. Trata-se de saber a possibilidade de o sistema judiciário português poder
processar determinado facto. Este problema tem uma dimensão substantiva, e
depois haverá uma repercussão processual. Dispomos de diversos princípios neste
âmbito, havendo, assim, um modelo de combinação. O princípio base é o chamado
princípio territorial (art4º) e os demais são chamados de princípios complementares
ou extraterritoriais (artigo 5º do CP).
O artigo 33º, nº4 do CPP afirma que aos tribunais portugueses competem
conhecer um crime quando a lei penal portuguesa é aplicada. Para saber se será
aplicada, devemos analisar o artigo 7º do CP. Este afirma que o facto se considera
praticado tanto no lugar em que o agente atuou (ou deveria atuar em caso de
omissão), como naquele que o resultado típico ou o resultado não compreendido no
tipo de crime se tiver produzido. O seu nº2 afirma que em caso de tentativa, o facto
considera-se igualmente praticado no lugar em que o resultado se deveria ter
produzido.
No caso em concreto verificamos que os autores do facto atuaram em território
português, com isto, podemos afirmar que há jurisdição para os tribunais
portugueses conhecerem o crime, com base no princípio da territorialidade. Este
prevê que se o facto penalmente relevante for praticado no território português, a lei
penal portuguesa é aplicada, independentemente da nacionalidade dos agentes
(artigo 4º, a) do CP). Com isto, verificamos que A e B poderão ser julgados em
Portugal.

III. A circulava a 80km/h dentro de uma localidade onde o limite era 50 km/h.
numa zona de menor visibilidade, por não se aperceber da presença de B, A
acaba por atropelá-lo. B, muito embora queixoso relativamente a uma fratura
exposta numa perna, encontra-se perfeitamente orientado. Chamados os meios
de socorros, B é transportado para o hospital. Durante a intervenção cirúrgica
a que é submetido, B acaba por morrer na sequência de um excesso de
anestesia administrado por C, médico anestesista. Poderá o resultado morte de
B ser imputado à conduta de A? Justifique.
R: A não será imputado pela morte de B. Estamos diante de um problema no âmbito
do nexo de imputação. Afirmamos que a conduta será imputada a determinado
resultado quando está o originar. Desta forma, é necessário apurar determinados
critérios para avaliar o nexo causal entra a conduta e o resultado.
A doutrina da causalidade adequada afirma que será imputado uma conduta se,
segundo as leis da experiência, for normal e previsível que essa conduta siga estes
resultados. Ou seja, será a causa adequada quando a conduta originar o resultado. A
causalidade adequada será auferida através de uma prognose póstuma; póstuma pois
tudo já ocorreu, e prognose pois o juiz deverá se colocar no momento da pratica do
facto, e verificará, de acordo com as regras normais da experiência e de acordo com
o que o agente sabia, ou podia saber, se aquele determinado resultado era normal e
previsível. Se a resposta for afirmativa, a conduta é causa adequada daquele
resultado. Figueiredo Dias afirma que para além de se levar em conta os respetivos
conhecimentos correspondentes às regras da experiência, é necessário se ter em
conta o especial conhecimento do agente.
Na maioria dos casos que haja intervenção de terceiro, a conduta perderá o nexo
de causalidade, isto pois a maioria das ações dos terceiros não serão normais, nem
previsíveis. Assim, verifica-se que será interrompido o nexo da causalidade. No
nosso caso em concreto, o excesso de anestesia dada por C é considerado uma
intervenção de um terceiro, o que fará com o nexo de causalidade entre a conduta
de A e o resultado da morte de B não tenha nexo causal. Desta forma, a morte de B
não será imputada a conduta de A.

Você também pode gostar