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DA SILVA, Rafael Peteffi.

Antijuridicidade como requisito da responsabilidade civil


extracontratual: amplitude conceitual e mecanismos de aferição. REVISTA DE
DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO, v 19, 2019.

A noção básica de antijuridicidade como ato contrário ao direito é simplista. O


conceito de antijuridicidade, apesar de presente nos mais diversos sistemas jurídicos,
atualmente é deturpado e entendido de forma a buscar harmonização dos sistemas, em vez de
seu puro significado.

Desde o início da utilização do termo, há confusão entre a antijuridicidade e a


ilicitude. Muitas vezes, nas obras de responsabilidade civil, os termos são utilizados como
sinônimos. O problema da questão, para além de conceitual, é linguístico. Cada país, com seu
vocabulário, sofre limitações no momento de nomear os institutos.

“Por ser a antijuridicidade, geralmente, tratada como sinônimo de ilicitude, um termo


que permite variadas interpretações, o caminho inicial para o enfrentamento do tema
deve centrar os esforços na construção de acordos semânticos a respeito da ilicitude e
da antijuridicidade, identificando o contexto em que esses termos são utilizados, de
acordo com a estrutura sistemática dos diversos ordenamentos jurídicos estudados.
Após o tratamento terminológico da antijuridicidade, a análise das diferenças entre a
antijuridicidade formal e material impõe-se, para descortinar a integralidade do
conteúdo do instituto no contexto atual. Esses temas constituem o objeto do primeiro
capítulo.” (p.171)

Neste sentido, conforme o autor, o ordenamento jurídico francês passou a


desempenhar forte influência em países na América do Sul, especialmente Argentina e Brasil.
A terminologia utilizada na França correlacionou-se com o discernimento entre os conceitos
de ilicitude subjetiva e objetiva, utilizado nestes países.

“No ordenamento brasileiro, os elementos subjetivo e objetivo somente podem


estruturar o ato ilícito, que é uma das outras traduções admitidas para a faute francesa.
Com efeito, por seu “enunciado e por sua posição estrutural na arquitetura
codificada”33, o artigo 159 do Código Beviláqua, naturalmente, guiou a melhor
doutrina brasileira, que entende que a violação do direito de outrem, somada à ação ou
omissão culposa, não são elementos da culpa, mas, ao contrário, compunham o
suporte fático do artigo 159 do Código Beviláqua, que tinha por missão precípua
estruturar o conceito operacional de ato ilícito.” (p.178)

O Direito Brasileiro foi moldado pelas noções de ilicitude subjetiva e objetiva. Na


subjetiva, segundo o ordenamento francês, a ilicitude estaria vinculada a um ato voluntário e
culposo do autor que cometeu algo contrário ao direito. Por sua vez, na objetiva, estaria
vinculada à concepção de antijuridicidade. A antijuridicidade, neste caso, ao contrário da
ilicitude, é vista como um dos pressupostos mais significativos para a obrigação de indenizar.
“[...] a ‘ilicitude subjetiva’, sustentada por uma das acepções da faute e pela
possibilidade semântica de se considerar que a conseqüência jurídica imediata da
verificação de todos os requisitos do ato ilícito positivado em nosso ordenamento (art.
159, CC/1916) geraria ilicitude. Com a tradição jurídica alicerçada na norma contida
no art. 159 do antigo Código Civil, ilicitude subjetiva estaria, sempre, vinculada ao ato
voluntário e culposo do agente que contraria o direito. A chamada ilicitude objetiva,
por seu turno, vincular-se-ia à noção de antijuridicidade que vem sendo trabalhada no
presente estudo.” (p.179)

De acordo com o autor, o Código Civil Brasileiro de 2002 mais atrapalhou do que
ajudou na questão ao conceituar os institutos da teoria geral da Responsabilidade Civil,
principalmente quando incluiu o dano como pressuposto do ato ilícito.

Além de abordar o conceito de ilicitude subjetiva e objetiva, o texto distingue a


antijuridicidade formal da antijuridicidade material. Segundo o autor:

"Relaciona-se a modalidade formal com o anseio de segurança jurídica,


restringindo a ambiência do ato antijurídico à infração de uma norma, um
mandato ou uma proibição, expressamente contidos no ordenamento. A
antijuridicidade material ou substancial, por outro lado, é observada na
infração do ordenamento jurídico compreendido em sua totalidade,
englobando os princípios jurídicos, normas consuetudinárias e, segundo
alguns, normas de Direito Natural." (p.184)

Conforme o artigo, discute-se sobre o locus operacional da antijuridicidade,


verificando-se se ocorre no resultado ou na conduta em si. De acordo com a definição trazida
pelo autor, o locus da antijuridicidade relaciona-se ao fato gerador do dano (resultado), da
ofensa a um bem jurídico extensivamente tutelado, o chamado legally relevant damage.
Assim, a lesão causada a um direito alheio configura a antijuridicidade da conduta causadora
do dano e suas razões de justificação retiram somente esta antijuridicidade.

De acordo com o estudo, a antijuridicidade é uma dos pilares do dever de indenizar.


Contudo, caso se utilize somente este pilar para verificação de obrigatoriedade de
indenização, este pilar será insuficiente para determinar o dever de indenizar, visto que,
conforme tratado anteriormente, pode-se identificar um ato antijurídico que não cause lesão
aos interesses juridicamente protegidos.

O dano em si não deveria ser um componente do ato ilícito, visto que este pode ser
ocasionado pelo simples resultado de determinada ação. Assim sendo, quando falamos que
determinado ato não resultou em qualquer consequência danosa, o ato não seria suficiente
juridicamente, pois a obrigação de indenizar seria negada, existindo assim, várias outras
maneiras de ilicitude sem dano indenizável.

“Não há contradição ou artificialismo em se entender a conduta geradora de risco


como antijurídica somente quando exista a causação de dano, pois a efetiva lesão a
interesse juridicamente tutelado, em muitos casos, integra um dos elementos do
suporte fático da ilicitude. Nas hipóteses de responsabilidade objetiva, o ordenamento
jurídico cobre com o manto da antijuridicidade os fatos causadores de danos que
estiverem dentro da área de atuação de determinado agente, ainda que a conduta
normalmente desenvolvida, apesar de perigosa, não seja considerada, ex ante, ilícita.”
(p. 198)

A causa efetiva do dano não é buscada pela responsabilidade civil objetiva. Este
princípio é caracterizado por ações ilícitas que produzem riscos para os direitos de outrem, no
qual, através de tutelas inibitórias, pode-se interromper estes riscos, devido a quebra do dever
de cuidado.

Em conclusão, o autor trata da importância de estudar a forma que os acordos


semânticos se enquadram, dado que, caso sejam compreendidos de forma equivocada à
intenção do princípio. Em relação ao conteúdo da antijuridicidade, percebe-se que nos
ordenamentos que contêm grandes cláusulas para a responsabilidade civil, o instituto é
considerado como contrariedade ao sistema jurídico visto em sua totalidade, superando o
olhar formalista que pleiteava uma proibição categoricamente positivada em lei.

“As precisões terminológicas foram apresentadas no primeiro capítulo,


demonstrando-se a tendência majoritária de se considerar a antijuridicidade e a
ilicitude (objetiva) como sinônimas. Portanto, a antijuridicidade possui um conceito
operacional próprio, totalmente independente da ideia de culpa. O conteúdo da
antijuridicidade, principalmente em sistemas que contam com grandes cláusulas gerais
de responsabilidade civil extracontratual, somente pode ser considerado como
contrariedade ao ordenamento jurídico visto em sua totalidade, superando em muito o
viés formalista que exigia uma proibição expressamente positivada em lei.” (p. 210)

EMENTAS

(a) Apelação Cível nº 2012.049994-3, de Chapecó. Relator: Des. Eduardo Mattos Gallo
Júnior. APELAÇÃO CÍVEL. DANOS MATERIAIS. CORTE NO CABO QUE CONDUZIA
ENERGIA ELÉTRICA EFETUADO POR PROPRIETÁRIO DE BORRACHARIA, A
QUAL COMPARTILHAVA A CAIXA DE MEDIÇÃO COM POSTO DE COMBUSTÍVEL.
CURTO-CIRCUITO. QUEIMA DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS E DO
REBOBINADO DO MOTOR ELÉTRICO DA MOTO BOMBA DO POSTO. PLEITO PELA
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. DESCABIMENTO. INEXISTÊNCIA DO
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS AUTORIZATIVOS DA MEDIDA. AUSÊNCIA
DE INTERESSE. RESPONSABILIDADE CIVIL. LAUDO PERICIAL OFICIAL
CONSISTENTE. INEXISTÊNCIA DE MOTIVO PLAUSÍVEL PARA A REALIZAÇÃO DE
NOVA PERÍCIA. ANTIJURIDICIDADE DA CONDUTA. IMPRUDÊNCIA DO
REQUERIDO EVIDENCIADA. DANOS INCONTROVERSOS. NEXO DE
CAUSALIDADE INARREDÁVEL. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO.

(b) Apelação Cível n. 0300005-22.2014.8.24.0031, de Indaial. Relator: Des. Henry Petry


Junior APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA.
ACIDENTE DE TRÂNSITO. - IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. CULPA. OBRAS.
SINALIZAÇÃO. TRÂNSITO LOCAL PERMITIDO. MAQUINÁRIO EM OPERAÇÃO.
MANOBRA IMPRUDENTE DO CONDUTOR. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA.
DECISÃO ACERTADA.

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