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16/09/2021 Envio | Revista dos Tribunais

A responsabilidade civil por violação à boa-fé objetiva processual na litigância


de má-fé

A RESPONSABILIDADE CIVIL POR VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA


PROCESSUAL NA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Civil liability for breach of procedural good faith in barratry
Revista de Direito Privado | vol. 109/2021 | p. 123 - 136 | Jul - Set / 2021
DTR\2021\45609

Bruno De Sousa Saraiva


Mestrando em Direito Civil pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Imobiliário pela ESA/OAB- CE/
FAMETRO. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Procurador da Fazenda Nacional.
bsousasaraiva@gmail.com

Área do Direito: Civil; Processual


Resumo: O presente artigo procura demonstrar que toda e qualquer violação à boa-fé objetiva
processual, expressamente prevista no art. 5º, CPC/2015, uma vez tendo se causado danos, enseja a
responsabilidade civil do agente infrator com base no art. 79, CPC/2015, por enquadrar-se,
automaticamente, nas hipóteses elencadas no art. 80, CPC/2015, rol esse jurisprudencialmente
reputado como taxativo. Com efeito, mais do que regras de proteção à boa-fé, concretizadoras desta,
as hipóteses de litigância de má-fé previstas no art. 80 são formas diversas de enunciar aquela norma
jurídica principiológica, obtendo-se o seu mesmo alcance. Em outras palavras, toda litigância de má-fé
implica violação à boa-fé objetiva, e toda violação à boa-fé objetiva implica litigância de má-fé. Assim,
tem-se que a violação da boa-fé objetiva processual é fonte de responsabilidade civil, nos termos do
art. 79, desde que ocorrido o dano, demonstrado o dolo do agente e comprovado o nexo causal entre
eles.

Palavras-chave: Responsabilidade civil – Processo civil – Litigância de má-fé – Boa-fé objetiva


processual – Dano processual
Abstract: This article seeks to demonstrate that all breaches of procedural good faith, expressly
provided in art. 5º of Brazilian Civil Procedure Code (CPC/2015), as long as a damage has occurred,
entails the civil liability based on art. 79, CPC/2015 of the offending agent, because those breaches fit
into the cases listed in art. 80, CPC/2015, that is jurisprudentially considered as exhaustive. In fact,
more than single rules of protection for good faith, the cases of barratry provided in art. 80 are
different ways of enunciating that principiological norm, having the same reach. In other words, any
barratry implies a breach of procedural good faith, and any breach of procedural good faith implies
barratry. Thus, it is concluded that the breach of procedural good faith is a source of civil liability, under
the terms of art. 79, as long as the damage occurred, the bad faith of the offending agent has been
demonstrated and the causal link between them has been proved.

Keywords: Civil Liability – Civil Procedure – Barratry – Procedural good faith – Procedural damage
Para citar este artigo: Saraiva, Bruno de Sousa. A responsabilidade civil por violação à boa-fé
objetiva processual na litigância de má-fé. Revista de Direito Privado. vol. 109. ano 22. p. 123-136.
São Paulo: Ed. RT, jul./set. 2021. Disponível em:
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Sumário:

1.Introdução - 2.A boa-fé objetiva processual - 3.Responsabilidade civil por litigância de má-fé - 4.A
violação à boa-fé objetiva processual como sinônimo de litigância de má-fé - 5.Responsabilidade civil
por violação à boa-fé objetiva processual - 6.Boa-objetiva processual como fonte de responsabilidade
civil subjetiva x boa-fé subjetiva - 7.Considerações finais - 8.Referências

1.Introdução
No Brasil, há muito tempo se enxerga a “obrigação como processo”, por força das ideias de Clóvis do
Couto e Silva1. Segundo ele, a relação obrigacional é “algo que se encadeia e se desdobra em direção
ao adimplemento”2. Em outras palavras, o adimplemento é o fim da relação obrigacional, e é,
precisamente, por haver uma finalidade que se estabelece uma concepção da “obrigação como
processo”3. Para a obrigação ser visualizada como processo, é necessária a existência de alguns
princípios, dentre os quais se destaca o da boa-fé objetiva. Tal princípio fixa o quê e o como da
prestação4, sempre à luz do fim que polariza a relação obrigacional, qual seja, o adimplemento.

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Por outro lado, se a obrigação pode ser vista como processo, não seria equivocado afirmar o inverso: o
processo pode – e deve – ser encarado como uma obrigação complexa, ou, de maneira mais simples, o
“processo como obrigação”. De fato, a relação jurídica processual, assim como a relação obrigacional,
envolve um complexo de situações jurídicas ativas e passivas, que dão origem a poderes, faculdades,
deveres e ônus, e que interagem entre si com um determinado fim. Todavia, enquanto a finalidade da
relação obrigacional é o adimplemento, o fim da relação jurídica processual é, em termos genéricos, a
resolução justa do conflito levado a juízo.
Se a “obrigação como processo” pressupõe o princípio da boa-fé objetiva, é decorrência lógica que o
“processo como obrigação” também exige tal princípio. Isso importa dizer que o princípio da boa-fé
objetiva permeia o Direito Processual Civil, ainda que o Código de Processo Civil não o previsse
expressamente em seu art. 5º, como, aliás, não o previram os diplomas anteriores.
Partindo da essencialidade da boa-fé objetiva à relação jurídica processual, nos termos apresentados, o
presente artigo procura demonstrar que toda e qualquer violação à boa-fé objetiva processual, uma vez
tendo se causado danos, enseja a responsabilidade civil do agente infrator, por enquadrar-se,
automaticamente, nas hipóteses elencadas no art. 80 do Código de Processo Civil de 2015, rol esse
jurisprudencialmente reputado como taxativo. Assim, mais do que regras de proteção à boa-fé,
concretizadoras desta5, as hipóteses do art. 80 atingem, em seu conjunto, o mesmo âmbito de alcance
do princípio da boa-fé objetiva processual.
Para tanto, inicialmente, traçam-se algumas considerações acerca da boa-fé objetiva processual,
desnudando-a em puro dever de cooperação; em seguida, analisa-se a responsabilidade civil por
litigância de má-fé; ato contínuo, demonstra-se, partindo-se da distinção entre norma e enunciado, que
todas as hipóteses do art. 80, CPC/2015 (LGL\2015\1656), não são apenas deduções do princípio da
boa-fé objetiva processual, mas, uma vez tomadas em seu conjunto, são formas diversas de enunciar
aquele princípio, obtendo-se o mesmo alcance deste; após, demonstra-se que a boa-fé objetiva
processual é fonte de responsabilidade civil, sendo elemento da culpa em sentido lato, para, ao final,
relacionar-se a boa-fé objetiva processual com a boa-fé subjetiva, no contexto da responsabilidade civil
decorrente de litigância de má-fé.
Marcar esse entendimento é importante, pois robustece a boa-fé objetiva no âmbito processual, na
medida em que torna sua violação fato gerador da obrigação de indenizar, uma vez, é claro, presente o
necessário dano processual. Isso apresenta nítida relevância prática, notadamente no aspecto
argumentativo, uma vez que o ofendido não necessita enquadrar precisamente a conduta do agente em
um dos incisos do art. 80, mas simplesmente demonstrar que ele violou a boa-fé objetiva processual.
2.A boa-fé objetiva processual
O Código de Processo Civil de 2015 positivou em seu art. 5º o princípio da boa-fé objetiva processual.
Assim, “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-
fé”. A rigor, trata-se apenas de uma formalização de um entendimento que já vinha sendo construído
há algum tempo, notadamente em virtude do art. 14, II, CPC/1973 (LGL\1973\5).
Mas, afinal, o que vem a ser a boa-fé objetiva processual? Ela se distingue da boa-fé objetiva nas
relações obrigacionais?

Em nível de direito material, Judith Martins-Costa6 ensina que a boa-fé objetiva é uma autêntica norma
jurídica que, como tal, impõe uma regra de conduta, não se referindo nem a um estado de fato nem a
uma crença subjetiva. Como regra de conduta, a boa-fé objetiva estabelece uma obrigação de
cooperação entre as partes do negócio jurídico, manifestando-se como “máxima objetiva que determina
aumento de deveres, além daqueles que a convenção explicitamente constitui”7.
Com isso, pode-se dizer que a boa-fé objetiva traduz essencialmente um dever de cooperação à luz do
objetivo obrigacional, qual seja, o adimplemento. Nesse sentido, Clóvis do Couto e Silva8 destaca que o
mandamento de conduta imposto pelo princípio da boa-fé objetiva estabelece entre as partes um elo de
cooperação em face do fim objetivo visado. Assim, tem-se que esse dever de cooperação terá sua
intensidade modulada conforme o fim do negócio jurídico9-10.
Estipular, no campo obrigacional, a boa-fé objetiva como dever de cooperação já é percorrer grande
parte do caminho para estabelecer a concepção de boa-fé objetiva processual. Isso porque, de fato, “a
boa-fé objetiva processual não diverge da de direito material”11.
Isso, contudo, não implica concluir uma perfeita identidade entre os princípios processual e material da
boa-fé objetiva. Explica-se.
Não obstante apresentem o mesmo conteúdo, qual seja, a imposição do dever de cooperar, esses
princípios se distinguem em um ponto: a finalidade. Com efeito, se, no campo das obrigações, o dever
de cooperação é polarizado pelo adimplemento, à luz dos valores nele envolvidos, de forma a modular a
intensidade daquele dever, no direito processual, o dever de cooperação tem como finalidade a
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resolução justa e efetiva do conflito, por ser esse o escopo precípuo do processo. Nesse sentido, o
próprio Código de Processo Civil dispõe, em seu art. 6º, que “todos os sujeitos do processo devem
cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Segundo ensina Cândido Rangel Dinamarco12, “o processo tem o desenho de uma série de atos
interligados e coordenados ao objetivo de produzir a tutela jurisdicional justa, a serem realizados no
exercício de poderes ou faculdades ou em cumprimento a deveres ou ônus”. Juntamente a essa série de
atos concatenados, que é chamada de “procedimento”, há o “conjunto de situações jurídicas ativas e
passivas que autorizam ou exigem a realização dos atos”, conjunto esse denominado “relação jurídica
processual”13. Em essência, o “processo é, ao mesmo tempo, uma relação entre atos e uma relação
entre sujeitos”14.
Nesse contexto, pode-se dizer que o “procedimento” são os trilhos por onde passa a locomotiva que
representa a “relação jurídica processual”, trilhos esses que têm como parada final a “produção da
tutela jurisdicional justa e efetiva”. Com isso, é possível concluir, parafraseando Clóvis do Couto e
Silva15, que a relação jurídica processual, seguindo a linha traçada pelo procedimento, se encadeia e se
desdobra em direção à tutela jurisdicional justa, ou, em termos mais simples, ruma à correta resolução
do conflito levado ao Poder Judiciário.
Assim, o princípio da boa-fé objetiva processual impõe, em essência, um dever de cooperação não só
entre as partes, mas, também, entre aqueles que de qualquer forma participam do processo, inclusive
o juiz, orientado à obtenção, em tempo razoável, de uma decisão de mérito justa e efetiva.
3.Responsabilidade civil por litigância de má-fé
O processo se caracteriza como uma série de atos concatenados que se destinam à resolução de um
conflito, ou, em termos positivados, à obtenção, em tempo razoável, de uma decisão de mérito justa e
efetiva. Cada um desses atos surge da atividade humana, como é próprio do conceito de ato, o que
gera a probabilidade da ocorrência do dever de indenizar, na medida em que, conforme já consignado
anteriormente, “toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade”16.
Especificamente em relação à responsabilidade civil decorrente por condutas de litigância de má-fé,
verifica-se que, desde o Código de Processo Civil de 1939 (v.g. art. 3º), passando pelo Código de 1973
(v.g. art. 18) e culminando no Código de 2015 (v.g. art. 79), legislador e doutrina brasileiros em geral
sempre se preocuparam com a questão. De fato, embora a relação jurídica processual seja de certa
forma enxergada como um combate (troca de golpes), não se toleram os “golpes baixos”17.
Segundo o Código de Processo Civil de 2015 dispõe em seu art. 79, “responde por perdas e danos
aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente”. Por esse dispositivo, verifica-se, de
imediato, que a responsabilidade civil, nesse caso, fundamenta-se subjetivamente. Com efeito,
somente litiga, ou pleiteia (na redação do Código de Processo Civil de 1973), de má-fé quem atua com
dolo18 ou culpa grave19, na linha do que dispõe o Código de Processo Civil italiano e do que previa o
Código de Processo Civil de 1939 (art. 3º).
Já no art. 80 do mesmo diploma, delimita-se o conceito de litigante de má-fé:
“Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.”
Analisando as hipóteses de configuração da litigância de má-fé, constata-se que o Código objetiva
combater a “mentira latu senso”, pois, conforme destaca Rogério Donnini20, nas hipóteses de litigância
de má-fé elencadas pelo legislador, “há engodo, burla, embuste, atitudes inadmissíveis e
manifestamente contrárias ao Direito e ao ideal de Justiça, fim colimado do processo”.
Por fim, destaque-se que o litigante de má-fé não apenas será obrigado a indenizar o prejudicado bem
como “a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou” (art. 81, CPC/
2015 (LGL\2015\1656)), mas também lhe será aplicada uma multa21.
4.A violação à boa-fé objetiva processual como sinônimo de litigância de má-fé

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Elencou-se anteriormente as hipóteses configuradoras de litigância de má-fé, trazidas no art. 80, CPC
(LGL\2015\1656). Segundo o Superior Tribunal de Justiça, esse rol é taxativo22, sendo “dever do
magistrado, ao aplicar a sanção por litigância de má-fé, proceder à correta capitulação e
enquadramento da conduta da parte às hipóteses do art. 17 do CPC (LGL\2015\1656) [art. 80, CPC/
2015 (LGL\2015\1656)]”23. Nessa ordem de ideias, tem-se que a responsabilidade civil por dano
processual causada por aquele que litiga de má-fé, prevista no art. 79, CPC (LGL\2015\1656), exige o
prévio enquadramento nas hipóteses fixadas no art. 80, CPC (LGL\2015\1656).
Imediatamente, pode-se fundamentar cada um dos incisos do art. 80, CPC (LGL\2015\1656), no
princípio da boa-fé objetiva processual. Como afirma Fredie Didier Jr.24, são algumas das regras de
proteção à boa-fé, que concretizam o princípio da boa-fé e compõem a modelagem do devido processo
legal brasileiro.
Conforme exposto, o princípio da boa-fé objetiva processual impõe, em essência, um dever de
cooperação orientado à obtenção, em tempo razoável, de uma decisão de mérito justa e efetiva. Se
decompormos esse conceito em três partes, identificamos cada um dos incisos do art. 80. Primeiro, o
dever de cooperação perpassa todos os referidos incisos, proibindo às partes que se minta, aqui
compreendida a mentira em seu sentido lato. Segundo, a ideia de tempo razoável encontra-se presente
nos incisos, I, IV, V, VI e VII, pois as condutas ali vetadas visam, nitidamente, evitar um desenrolar
desnecessário da marcha processual. Terceiro, a ideia de obter um provimento justo e efetivo encontra-
se, também, em cada um dos incisos do dispositivo, conquanto ainda mais evidente nos incisos I, II, e
V.
Em verdade, o que se verifica é que os incisos do art. 80, tomados em seu conjunto, mais do que
simplesmente destacarem uma ou outra faceta do princípio da boa-fé objetiva processual, eles são
formas diversas de enunciar aquela norma jurídica principiológica, obtendo-se o mesmo alcance
daquele princípio.
No ponto, cumpre traçar considerações acerca da distinção entre enunciado e norma.
De partida, ao se analisar todo e qualquer texto legal, percebem-se dois níveis de “realidade”. Em um
primeiro nível, material, tem-se o modo de expressão da mensagem, o suporte físico utilizado para
veiculá-la: as letras escritas, no caso da linguagem escrita adotada pelo Código. No segundo nível,
mental, tem-se a afetação dos sentidos, a qual, organizada por nosso intelecto, faz surgir a proposição
ou o pensamento respectivo em nossa mente. É o que ensina Paulo de Barros Carvalho25:
“Vejo os símbolos linguísticos marcados no papel, bem como ouço a mensagem sonora que me é
dirigida pelo emissor da ordem. Esse ato de apreensão sensorial propicia outro, no qual associo ideias
ou noções para formar um juízo, que se apresenta, finalmente, como proposição. Dito de outro modo,
experimentamos as sensações visuais, auditivas, tácteis, que suscitam noções. Estas, agrupadas no
nosso intelecto, fazem surgir os juízos ou pensamentos que, por sua vez, se exprimem verbalmente
como proposições. A proposição aparece como o enunciado de um juízo, da mesma maneira que o
termo expressa uma ideia ou noção”.
Nessa ordem de ideias, tem-se o suporte físico da informação e a compreensão da informação por
parte do receptor, enunciado e norma, respectivamente. A norma está encapsulada pelo texto legal,
sendo este, portanto, invólucro da norma. Não se pode, assim, confundir a cápsula (texto legal,
enunciado) com aquilo que ela contém (norma). Caberá ao intérprete quebrar esse invólucro e obter a
norma jurídica por meio da atividade hermenêutica26. Em outras palavras, “a norma jurídica é
exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito”.
Desenvolvendo o raciocínio, pode-se dizer que uma mesma norma pode ser enunciada de formas
diferentes. Isso se demonstra, por exemplo, com uma simples análise dos enunciados de norma que
trazem o princípio da boa-fé objetiva. Para tanto, façam-se referências aos dispositivos § 242 do Código
Civil alemão e art. 6.2 do Código Civil holandês: enquanto o primeiro enuncia expressamente as
palavras “confiança e lealdade”, o segundo registra em seu enunciado as expressões “lealdade e
equidade”. Com efeito, embora esses dispositivos utilizem termos literalmente diversos entre si, ao fim
e ao cabo, ambos encapsulam o princípio da boa-fé objetiva. Essa, portanto, é a prova empírica cabal
de que uma mesma norma pode ser descrita de diferentes formas.
As considerações anteriores, quando aplicadas ao presente estudo, autorizam-nos a concluir que o
art. 80, CPC/2015 (LGL\2015\1656), com todos os seus incisos, é uma forma diversa de enunciar o
princípio da boa-fé objetiva processual. Ou seja, o art. 80 tem, precisamente, o mesmo conteúdo do
art. 5º, CPC/2015 (LGL\2015\1656). Em verdade, fazendo uso de uma metalinguagem, o art. 80 pode
ser resumido nos seguintes termos: “considera-se litigante de má-fé a parte que não se comportar de
acordo com a boa-fé objetiva”. Em outras palavras: toda litigância de má-fé implica violação à boa-fé
objetiva, e toda violação à boa-fé objetiva implica litigância de má-fé.

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A relevância prática do entendimento é evidente, notadamente no aspecto argumentativo: o ofendido


não necessita proceder à correta capitulação e enquadramento da conduta da parte infratora às
hipóteses do art. 80, como o exige a jurisprudência do STJ anteriormente citada, mas, simplesmente,
demonstrar que ela violou a boa-fé objetiva processual.
5.Responsabilidade civil por violação à boa-fé objetiva processual

A Responsabilidade civil, segundo Francisco Amaral27, apresenta dois sentidos, um lato e outro estrito.
Em sentido amplo, a Responsabilidade civil significa não só a situação jurídica em que uma pessoa está
obrigada a indenizar outra, mas também a própria obrigação decorrente de tal situação, ou, ainda, o
instituto jurídico que formado pelo complexo de normas e princípios que regulamentam e orientam o
nascimento, o conteúdo e o cumprimento daquela obrigação. Em sentido estrito, “designa o específico
dever de indenizar nascido de fato lesivo imputável a determinada pessoa”.
No Código Civil (LGL\2002\400), a Responsabilidade civil encontra-se fundamentalmente
regulamentada nas cláusulas gerais trazidas nos arts. 186 e 927, citadas a seguir:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por
sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Da leitura dos dispositivos, na linha do que já era destacado pela doutrina tradicional, a
responsabilidade civil exsurge quando preenchidos, pelo menos, três requisitos: conduta (ação ou
omissão), dano e nexo de causalidade. Na falta de um desses requisitos, portanto, inexiste dever de
indenizar.
Os artigos 186 e 927, no entanto, descrevem fundamentos diversos para o instituto da
responsabilidade civil. Com efeito, simples leitura dos dispositivos nos mostra que “a razão por que
alguém deve ser obrigado a reparar o dano causado a outrem”28 está pautada na violação de um dever
jurídico com culpa ou dolo no primeiro dispositivo, e pautada no risco da atividade, no segundo.
Com isso, o Código Civil de 2002 consolida uma tendência evolutiva da matéria. Se até o fim do século
XIX o fundamento da responsabilidade civil era exclusivamente subjetivo, exigindo a demonstração da
ocorrência de culpa ou de dolo, a partir dele a doutrina passou a defender, em um primeiro momento, a
culpa presumida para, posteriormente, sustentar a responsabilidade fundada única e exclusivamente no
risco da atividade.
Com efeito, diante do rápido desenvolvimento tecnológico por que passou o fim do século XIX e início
do século XX, situações de injustiça, no âmbito da responsabilidade civil, passaram a ser frequentes
nas Cortes, notadamente nos tribunais franceses, razão pela qual a doutrina, diante desse “mal-estar
moral”29, evoluiu seu entendimento que culminou na fundamentação objetiva do dever de indenizar30.
No entanto, cumpre destacar que a fundamentação objetiva não substituiu a fundamentação subjetiva,
de forma que ambas subsistem no Código Civil (LGL\2002\400)31. Assim, diz-se que “o que se observa
é a convivência de ambas: a teoria da culpa impera como direito comum ou a regra geral básica da
responsabilidade civil, e a teoria do risco ocupa os espaços excedentes, nos casos e situações que lhe
são reservados, cada vez mais frequentes”32.
Com essa duplicidade de fundamentação da responsabilidade civil, tem-se que àqueles três requisitos
essenciais informados, quais sejam, conduta (ação ou omissão), dano e nexo de causalidade,
acrescenta-se o requisito de violação a um dever jurídico, com culpa ou dolo, no caso da
responsabilidade subjetiva. No caso da responsabilidade objetiva, tais requisitos essenciais
permanecem os mesmos, de forma que, nessas situações, “basta, então, para justificar o dever de
indenizar, que o agente cause o dano em decorrência de atividade que lhe traz benefícios”33.
Especificamente em relação ao Código de Processo Civil de 2015 e a fundamentação adotada, a
responsabilidade por atos processuais encontra-se prevista notadamente nos artigos 79, 302 e 520, I.
Não obstante todos se refiram à responsabilidade civil por atos processuais, as responsabilidades neles
prescritas se fundamentam de maneira diversa. Com efeito, enquanto a responsabilidade civil prevista
no art. 79 está baseada em elemento subjetivo, exigindo o dolo, a responsabilidade civil trazida nos
outros dois dispositivos citados fundamentam-se objetivamente, ou seja, dispensam a culpa e o dolo
para fazer surgir o dever de reparar.
Dos dispositivos mencionados, atenção total deve receber o art. 79, por ser ele aquele que atribuiu o
dever de indenizar ao litigante de má-fé. A seguir, será ele relacionado com a boa-fé objetiva
processual do art. 5º, CPC (LGL\2015\1656), e com o art. 186, CC (LGL\2002\400).
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Como visto anteriormente, a violação à boa-fé objetiva processual redunda, invariavelmente, em


litigância de má-fé. Portanto, o enunciado do art. 79, CPC/2015 (LGL\2015\1656), pode ser assim
descrito, sem perder o seu sentido: responde por perdas e danos aquele que dolosamente violar a boa-
fé objetiva processual como autor, réu ou interveniente.
Ocorre que a mera infração aos deveres oriundos da boa-fé objetiva não enseja, por si só, a
responsabilidade civil por danos processuais do infrator. É que, como consignado anteriormente, aquele
que litiga de má-fé atua, necessariamente, com o dolo (ou culpa grave) de violar a norma ética
processual. Trata-se, portanto, de responsabilidade com fundamento subjetivo, devendo o art. 79, CPC/
2015 (LGL\2015\1656), ser lido à luz do art. 186, CC/2002 (LGL\2002\400).
O fundamento subjetivo, como já destacado, tem como elemento central a culpa. Não obstante toda a
celeuma que envolve o conceito de culpa, pode-se dizer que ela pressupõe a violação, intencional (dolo)
ou por descuido (culpa em sentido estrito, a englobar, imperícia, imprudência e negligência), de uma
norma jurídica preexistente34, daí por que se tratar de ato ilícito, nos termos do art. 186, CC
(LGL\2002\400)35.
Nessa ordem de ideias, tem-se que a norma jurídica preexistente, no caso da responsabilidade
subjetiva do art. 79, CPC/2015 (LGL\2015\1656), é, precisamente, o princípio da boa-fé objetiva
processual. Assim, conclui-se que a violação da boa-fé objetiva processual é fonte de responsabilidade
civil, desde que ocorrido o dano36, demonstrado o dolo do agente e comprovado o nexo causal entre
eles.
6.Boa-objetiva processual como fonte de responsabilidade civil subjetiva x boa-fé subjetiva
Uma vez demonstrada a boa-fé objetiva processual como fonte de responsabilidade civil subjetiva,
albergada no art. 79, CPC/2015 (LGL\2015\1656), é de indagar-se se ela se transmuta em boa-fé
processual subjetiva.
Absolutamente. A boa-fé objetiva é uma autêntica norma jurídica que, como tal, impõe uma regra de
conduta, ao passo que a boa-fé subjetiva compreende um estado psicológico, que, dentre outros
aspectos, traduz a convicção de estar-se agindo em bom direito, e, por antinomia, é atrelada à má-fé37.
Paralelo a isso, o conceito lato de culpa apresenta dois elementos. Um objetivo, que é o próprio dever
jurídico preexistente, e um subjetivo, que é o dolo ou o descuido (culpa em sentido estrito).
Em relação à responsabilidade por litigância de má-fé, nitidamente, os deveres oriundos da boa-fé
objetiva encarnam o elemento objetivo da culpa, e existem independentemente da boa-fé subjetiva do
agente. Por outro lado, a boa-fé subjetiva, ou a sua falta, que redunda em má-fé, compõe o elemento
subjetivo da culpa. Boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva estão, portanto, contidas em elementos diversos
do conceito lato de culpa.
Essa distinção não tem relevância apenas teórica, mas também prática. Com efeito, muitas vezes um
ato processual viola a boa-fé objetiva, a configurar litigância de má-fé, conquanto o elemento subjetivo
da culpa, mais especificamente o dolo, não se encontre comprovado.
Exemplo comum de tais situações se dá em sede de execução fiscal, com a entrada em vigor do Código
de Processo Civil de 2015. De fato, em virtude do art. 1.010, § 3º, uma vez interposta a apelação e
intimado o apelado para contrarrazoar, “os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz,
independentemente de juízo de admissibilidade”.
Ocorre que muitos executados interpõem apelação em face de decisões interlocutórias, que desafiam,
como cediço, agravo de instrumento. Como o juízo a quo não mais faz o juízo de admissibilidade, ele
acaba remetendo os autos da execução fiscal para o Tribunal, o que, por óbvio, frustra a persecução do
crédito público. Por conta disso, evidente que a interposição de apelação, nesse contexto, configura
violação à boa-fé objetiva processual, enquadrando-se em praticamente todos os incisos do art. 80,
CPC/2015 (LGL\2015\1656), com destaque para os incisos IV, V e VII.
No entanto, o dolo (má-fé, ausência de boa-fé subjetiva) não fica configurado, razão pela qual deve o
juízo e, principalmente o apelado, criar a situação necessária para comprová-lo. Em casos que tais,
deve o apelado pedir ao juízo, após expor a situação, que seja o apelante intimado para que ratifique o
recurso apresentado. Assim, caso o ratifique, resta completamente configurado o dolo do apelante,
devendo ser, por isso, condenado em litigância de má-fé.
Por tudo isso, fica evidente que, não obstante a responsabilidade civil prevista no art. 79, CPC/2015
(LGL\2015\1656), se fundamente subjetivamente, e os deveres oriundos da boa-fé objetiva
componham a culpa em sentido lato, não importa dizer que aquela se transmute em boa-fé subjetiva.
7.Considerações finais
A boa-fé objetiva é princípio que permeia todo o sistema jurídico. Ela independe de estar prevista
expressamente em um dado diploma legal para poder gerar efeitos no respectivo ramo do Direito
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regulado por aquele. Em verdade, a ideia trazida pela boa-fé objetiva é um pressuposto da própria vida
em sociedade.
Em virtude de sua essencialidade, sua positivação expressa no art. 5º, CPC/2015 (LGL\2015\1656),
deve ser comemorada, e toda interpretação que lhe conceda robustez deve ser privilegiada. No
presente estudo, por exemplo, restou demonstrada a hipótese segunda a qual o art. 80, CPC/2015
(LGL\2015\1656), com todos os seus incisos, é uma forma diversa de enunciar o princípio da boa-fé
objetiva processual, a ponto de se poder dizer que o art. 80 tem precisamente o mesmo conteúdo do
art. 5º, CPC/2015 (LGL\2015\1656).
Assim, danos originados pela violação, dolosa ou culposa (culpa grave), da boa-fé objetiva devem ser
indenizados, para além da aplicação de multa e condenação em honorários advocatícios, nos termos do
art. 81, CPC/2015 (LGL\2015\1656), uma vez que tal violação, nessas condições, configura litigância de
má-fé.
8.Referências
ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Novos rumos da responsabilidade civil por ato ilícito. In: ALMEIDA, José
Luiz Gavião de (Org.). Temas atuais de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 57-74.
AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio. Classificação os atos
jurídicos quanto ao número de partes e quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. A boa-fé nos
contratos relacionais. Contratos de duração. Alteração das circunstâncias e onerosidade excessiva.
Sinalagma e resolução contratual. Resolução parcial do contrato. Função social do contrato. In: Revista
dos Tribunais. v. 832, fev. 2005.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
DIAS, Aguiar. Da responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. 1.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
v. 2.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 29. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 1.
DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento
com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2015.
DONNINI, Rogério. Boa-fé, mentira e o litigante ímprobo. In: GUERRA, Alexandre Dartanhan de Mello
(Org.). EPM – Estudos em homenagem a Clóvis Beviláqua por ocasião do centenário do Direito Civil
codificado no Brasil. São Paulo: Escola Paulista da Magistratura, 2018. p. 125-138. v. 1.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil.
2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006.
JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil. Trad. Raul Lima. In: Revista Forense, Rio de
Janeiro, 1941. p. 52-63.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2018.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Atualização de Gustavo Tepedino. 12. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2018.
SILVA, Clóvis V. do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: FGV, 2006.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. v. 4.

1 .SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: FGV, 2006.

2 .Ibidem, p. 17.

3 .Ibidem, p. 21.

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4 .Ibidem, p. 34.

5 .DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1. p. 105.

6 .MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2018. p. 279-280.

7 .SILVA, op. cit., p. 33.

8 .Idem.

9 .Ibidem, p. 41.

10 .Essa modulação do dever de cooperação conforme o adimplemento também pode ser deduzido
das lições de Antônio Junqueira de Azevedo (Natureza jurídica do contrato de consórcio. Classificação
os atos jurídicos quanto ao número de partes e quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. A boa-fé
nos contratos relacionais. Contratos de duração. Alteração das circunstâncias e onerosidade excessiva.
Sinalagma e resolução contratual. Resolução parcial do contrato. Função social do contrato. Revista dos
Tribunais. v. 832, fev. 2005. p. 123-124). Para esse autor, o princípio da boa-fé terá sua intensidade
variando à luz dos valores envolvidos na finalidade da relação contratual (adimplemento), conforme se
trate de contratos existenciais ou contratos empresariais, os quais representam a verdadeira dicotomia
contratual do Séc. XXI: “A boa-fé objetiva, prevista como cláusula geral no art. 422 do CC/2002
(LGL\2002\400), tem um primeiro nível, negativo e elementar, comum a todo e qualquer contrato,
consistente em não agir com má-fé, e um segundo nível, positivo, de cooperação. Neste último, a boa-
fé inclui diversos deveres (deveres positivos), como o de informar, mas a exigência de boa-fé, nesse
patamar, varia conforme o tipo de contrato. Ela, em primeiro lugar, é muito maior entre os contratos
que batizamos de ‘contratos existenciais’ (os de consumo, os de trabalho, os de locação residencial, de
compra da casa própria e, de uma maneira mais geral, os que dizem respeito à subsistência da pessoa
humana) do que entre os ‘contratos empresariais’. Essa nova dicotomia, que defendemos, ‘contrato
existencial/contrato empresarial’, é, a nosso ver, a verdadeira dicotomia contratual do século XXI. Por
força da renovação dos princípios contratuais e da frequência de sua concretização, não se pode mais
empregar a palavra ‘contrato’ sem consciência dessa nova dicotomia; ela é operacional e está para o
século XXI, como a de ‘contrato paritário/contrato de adesão’ esteve para o século XX”. Em resumo,
pode-se dizer que, em nível de direito substantivo, o princípio da boa-fé objetiva impõe um dever de
cooperação cuja intensidade sempre será modulada à luz dos valores envolvidos no objeto
(adimplemento) do contrato.

11 .DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, proteção,


enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor. 2015, p. 135.

12 .DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros,
2009. v. 2. p. 25.

13 .Idem.

14 .Idem.

15 .SILVA, op. cit., p. 17.

16 .DIAS, Aguiar. Da responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. 1. p. 1.

17 .DINAMARCO, op. cit., p. 274.

18 .“A litigância de má-fé exige que estejam preenchidas as condutas descritas no art. 80 do CPC de
2015 (art. 17 do CPC/1973 (LGL\1973\5)). A litigância de má-fé não pode ser presumida, sendo
necessária a comprovação do dolo, ou seja, da intenção de obstrução do trâmite regular do processo, o

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que não se verifica na hipótese em exame” (AgInt no REsp 1.858.206/MG, Rel. Ministro Raul Araújo,
4ª T., j. 29.06.2020, DJe 05.08.2020).

19 .Destaque-se, todavia, que a doutrina processual brasileira, em geral, bem como a jurisprudência
dos Tribunais Superiores, se refere apenas ao dolo, quanto ao tema da responsabilidade civil por
litigância de má-fé. Ocorre que a epistemologia da questão deve ser feita sob a dogmática do Direito
Civil, por ser a responsabilidade civil instituto de direito material, sendo já bastante consolidado o
adágio culpa lata dolo aequiparatur (“a culpa grave equipara-se ao dolo”).

20 .DONNINI, op. cit., p. 134.

21 .A respeito especificamente da multa, por ser ela uma punição pela conduta ímproba, a
comprovação da ocorrência de dano não é necessária para a sua imposição (REsp 1.628.065-MG, Rel.
Min. Nancy Andrighi, Rel. p/acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., j. 21.02.2017).

22 .REsp 250.781/SP, Rel. Ministro José Delgado, 1ª T., j. 23.05.2000, DJ 19.06.2000. p. 120.

23 .REsp 1.035.604/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª T., j. 05.02.2009, DJ 26.02.2009.

24 .DIDIER JR., op. cit., p. 105.

25 .CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 8.

26 .GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 32.

27 .AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 575-576.

28 .Ibidem, p. 577.

29 .JOSSERAND, Louis. Evolução da responsabilidade civil. Trad. Raul Lima. In: Revista Forense, Rio de
Janeiro, 1941. p. 54.

30 .PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Atualização de Gustavo Tepedino. 12. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2018. p. 343-366.

31 .DONNINI, op. cit., p. 41.

32 .PEREIRA, op. cit., p. 358.

33 .ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Novos rumos da responsabilidade civil por ato ilícito. In: ALMEIDA,
José Luiz Gavião de (Org.). Temas atuais de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 60.

34 .PEREIRA, op. cit., p. 94; VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2004. v. 4. p. 26-27.

35 .No mesmo sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (Novo curso de direito civil:
responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 3. p. 138) assim ensinam: “[...] a culpa (em
sentido amplo) deriva da inobservância de um dever de conduta, previamente imposto pela ordem
jurídica, em atenção à paz social. Se esta violação é proposital, atuou o agente com dolo; se decorreu
de negligência, imprudência ou imperícia, a sua atuação é apenas culposa em sentido estrito”. Assim,
também, Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 29. ed. São
Paulo: Saraiva, 2012, v. 1. p. 599): “A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico,
imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência e cautela,
compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa, em sentido estrito,

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caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um


dever”.

36 .Frise-se que a jurisprudência pacificada do STJ entende que “é desnecessária a comprovação do


prejuízo para que haja condenação ao pagamento da indenização prevista no artigo 18, caput e § 2º,
do Código de Processo Civil, decorrente da litigância de má-fé” (EREsp 1.133.262/ES, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, Corte Especial, j. 03.06.2015, DJe 04.08.2015).

37 .MARTINS-COSTA, op. cit., p. 279-280.

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