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A boa-fé objetiva contratual sob a ótica da philia aristotélica

A BOA-FÉ OBJETIVA CONTRATUAL SOB A ÓTICA DA PHILIA ARISTOTÉLICA


Good faith in contract in light of philia from Aristotle
Revista de Direito Privado | vol. 112/2022 | p. 117 - 137 | Abr - Jun / 2022
DTR\2022\9408

Bruno De Sousa Saraiva


Mestrando em Direito Civil pela PUC/SP. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Pós-graduado em
Direito Imobiliário pela ESA/OAB – CE/FAMETRO. Procurador da Fazenda Nacional. bsousasaraiva@gmail.com
 
Área do Direito: Civil; Filosofia
Resumo: A relevância da cláusula geral da boa-fé objetiva nas relações contratuais é evidente. Todavia, em virtude de
uma concepção meramente econômica do contrato, não é reconhecida a real dimensão de sua relevância. Mas qual é
a real dimensão da boa-fé objetiva nas relações contratuais? Para responder a essa questão, o presente artigo procura
apresentar a boa-fé objetiva nos termos da philia aristotélica, considerando o contrato como uma relação de amizade;
nesse contexto, essa cláusula geral impõe aos contratantes o dever de comportar-se como amigo, em função da
utilidade envolvida na relação contratual. Assim, lança-se a hipótese segundo a qual a boa-fé objetiva deve ser
encarada como componente essencial à própria existência do contrato, já que ela traduz o dever de agir como amigo,
sendo o contrato, em essência, uma relação de amizade. O estudo, para tanto, encontra-se estruturado da seguinte
forma: inicialmente, demonstra-se que a finalidade essencial do contrato é proporcionar utilidade aos recursos
intercambiados; em seguida, aborda-se a concepção tradicional de boa-fé objetiva, apresentando-a como uma
cláusula geral que traz consigo um mandamento de consideração aos interesses do alter; após, adentra-se ao tema
central da pesquisa, descrevendo o contrato como uma relação de amizade fundada na utilidade, à luz do pensamento
aristotélico, para, em seguida, demonstrar a essencialidade da boa-fé objetiva às relações contratuais, na medida em
que ela impõe o dever de comportar-se como amigo. Ao final, restará demonstrada a hipótese acima lançada.
 
Palavras-chave:  Boa-fé objetiva – Contrato – Ética a Nicômaco – Aristóteles - Amizade
Abstract: The relevance of good faith in contractual relationships is evident. However, due to a purely economic
conception of the contract, the real dimension of its relevance is not recognized. But what is the real dimension of
good faith in contractual relationships? To answer this question, this article seeks to present the good faith in terms of
the Aristotelian philia, considering the contract as a relationship of friendship; in this context, this general clause
imposes on the contracting parties the duty to behave as a friend, in function on the utility involved in the contractual
relationship. Thus, the hypothesis is that the good faith must be seen as an essential component to the existence of
the contract, as it translates the duty to act as a friend, the contract being, in essence, a relationship of friendship. The
study, therefore, is structured as follows: initially, it is demonstrated that the essential purpose of the contract is to
provide usefulness to the resources exchanged; then, the traditional conception of good faith is approached,
presenting it as a general clause that brings with it a commandment to consider the interests of the alter; then, it enters
into the central theme of the research, describing the contract as a friendship relationship based on utility, in light of
Aristotelian thought, to then demonstrate the essentiality of good faith to contractual relationships, in so far as it
imposes the duty to behave like a friend. At the end, the hypothesis launched above is demonstrated.
 
Keywords:  Good Faith – Contract – Nicomachean Ethics – Aristotle – Friendship
Para citar este artigo: SARAIVA, Bruno de Sousa. A boa-fé objetiva contratual sob a ótica da philia aristotélica. Revista
de Direito Privado. vol. 112. ano 23. p. 117-137. São Paulo: Ed. RT, abr.-jun. 2022. Disponivel em: inserir link consultado.
Acesso em: DD.MM.AAAA.
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Sumário:
 
1. Introdução - 2. Contrato e utilidade - 3. A cláusula geral da boa-fé objetiva nas relações contratuais - 4. Boa-fé
objetiva contratual e a philia aristotélica: dever de agir como amigo e componente essencial do contrato - 5.
Considerações finais - 6. Referências
 
1. Introdução
Não se nega, na pós-modernidade, a relevância da cláusula geral da boa-fé objetiva nas relações contratuais. Todavia,
em virtude de uma concepção meramente econômica do contrato, esse fator ético das relações contratuais não tem
reconhecida sua real dimensão de relevância para a relação contratual.
Mas qual é a real dimensão da boa-fé objetiva nas relações contratuais?
O objetivo do presente artigo é, precisamente, apreender essa real relevância da boa-fé objetiva. Para isso, procura-se
apresentar a boa-fé objetiva nos termos da philia aristotélica; nesse contexto, essa cláusula geral impõe aos
contratantes o dever de comportar-se como amigo, em função da utilidade envolvida na relação contratual.
Assim, lança-se a hipótese segundo a qual a boa-fé objetiva deve ser encarada como componente essencial à própria
existência do contrato, já que ela traduz o dever de agir como amigo, sendo o contrato, por essência, uma relação de
amizade.
O estudo, para tanto, encontra-se estruturado da seguinte forma: inicialmente, demonstra-se que a finalidade essencial
do contrato é proporcionar utilidade aos recursos intercambiados; em seguida, aborda-se a concepção tradicional de
boa-fé objetiva, apresentando-a como uma cláusula geral que traz consigo um mandamento de consideração aos
interesses do alter; após, adentra-se ao tema central da pesquisa, descrevendo o contrato como uma relação de
amizade fundada na utilidade, à luz do pensamento aristotélico, para, em seguida, demonstrar a essencialidade da
boa-fé objetiva às relações contratuais, na medida em que ela impõe o dever de comportar-se como amigo.
Ao final, restará demonstrada a hipótese acima lançada.
2. Contrato e utilidade

Ensina Caio Mário da Silva Pereira1 que “contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade
de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”. Em sentido semelhante, Orlando Gomes2
aduz que contrato é “o negócio jurídico bilateral ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea
à satisfação dos interesses que regularam”. Nessa mesma linha, outro clássico conceito de contrato é aquele trazido
pelo Código Civil italiano, segundo o qual contrato é “o acordo de duas ou mais partes para constituir, regular ou
extinguir, entre si, uma relação jurídica patrimonial”.
Esses conceitos, entretanto, são incompletos, ou melhor, traduzem para o vernáculo apenas uma faceta do fenômeno
contratual: o jurídico. Com efeito, essas definições descrevem o contrato como uma categoria de negócio jurídico, não
fazendo qualquer referência ao fato econômico que lhe dá causa. Nesse sentido, Enzo Roppo3 ensina que:
“‘Contrato’ é um conceito jurídico: uma construção da ciência jurídica elaborada (além do mais) com o fim de dotar a
linguagem jurídica de um termo capaz de resumir, designando-os de forma sintética, uma série de princípios e regras
de direito, uma disciplina jurídica complexa. Mas como acontece com todos os conceitos jurídicos, também o
conceito de contrato não pode ser entendido a fundo, na sua essência íntima, se nos limitarmos a considerá-lo numa
dimensão exclusivamente jurídica  – como se tal constituísse uma realidade autônoma, dotada de autônoma
existência nos textos legais e nos livros de direito. Bem pelo contrário, os conceitos jurídicos  – e entre estes, em
primeiro lugar, o de contrato – refletem sempre uma realidade exterior a si próprios, uma realidade de interesses, de
relações, de situações econômico-sociais, relativamente aos quais cumprem, de diversas maneiras, uma função
instrumental.”
De fato, a doutrina jurídica mais tradicional preocupa-se apenas em definir o contrato em seus contornos jurídicos,
mais especificamente como categoria jurídica, esquecendo de jogar luzes em sua realidade econômica-social.
Quando muito, o tradicional conceito jurídico de contrato ressalta, como substrato fático, apenas o acordo de
vontades, olvidando sua condição de “instrumento jurídico por excelência da circulação de bens e serviços”4.

Como muito bem ensina Enzo Roppo5, por trás de sua veste jurídica, todo contrato traz consigo a ideia de operação
econômica, entendida esta como “circulação da riqueza, atual ou potencial transferência de riqueza de um sujeito para
outro”.
Essa concepção de contrato como operação econômica nos permite concluir que o contrato, em sua substância,
despido de suas vestes jurídicas, antecede ao próprio Direito. Explica-se.
Como é cediço nas doutrinas de Economia, um recurso também pode ser, em uma mesma época, útil para algumas
pessoas e inúteis para outras. A troca, portanto, ganha relevância econômica, porquanto se mostre um meio idôneo
para a eficiente alocação de recursos, afinal, o que se mostrava inútil para alguns, era útil para outros, podendo ser
trocado por aquilo que fosse útil aos primeiros e inútil aos segundos. É o que ensina Fran Martins6:
“No início da civilização, os grupos sociais procuravam bastar-se a si mesmos, produzindo material de que tinham
necessidade ou se utilizando daquilo que poderiam obter facilmente da natureza para sua sobrevivência – alimentos,
armas rudimentares, utensílios. O natural crescimento das populações, com o passar dos tempos, logo mostrou a
impossibilidade desse sistema, viável apenas nos pequenos aglomerados humanos. Passou-se, então à troca dos
bens desnecessários, excedentes ou supérfluos para certos grupos, mas necessários a outros, pelos que esses
possuíam e de que não precisavam, mas eram úteis aos primeiros. Inegavelmente, a troca melhorou bastante a
situação de vida de vários agrupamentos humanos. Esses mais facilmente poderiam adquirir bens de que careciam,
trocando-os pelos que não lhes eram mais úteis.”
A importância da troca para o ser humano é tamanha a ponto de considerar ser essa “propensão a cambiar, permutar
e trocar uma coisa pela outra” comum a todos os homens e que os distingue dos outros animais7, sendo um dos
fundamentos da vida em sociedade8. Com efeito, adotando uma linha darwiniana, pode-se dizer que a troca é uma
excelente forma de adaptar-se ao meio em que se vive, já que possibilita o homem a dar utilidade a algo que lhe é
inútil.
De toda forma, verifica-se que a troca é uma forma de circulação de riqueza, já que o recurso A passa de X para Y e o
recurso B passa de Y para X, podendo ser, posteriormente, repassado para Z e assim sucessivamente, conforme
sejam os recursos úteis ou inúteis para as partes. Como forma de circulação de riqueza, portanto, pode-se dizer que o
contrato, em seu sentido material, surgiu como fato econômico antes mesmo de ser institucionalizado pelo Direito9.
Ademais, com base nas ideias trazidas no parágrafo anterior, é possível afirmar que a relação contratual, considerada
como operação econômica, é uma das relações essenciais que os seres humanos possam estabelecer entre si, o que,
naturalmente, independe da ideia de Direito. Ainda, pode-se dizer que, por detrás de toda troca, existe um contrato em
sua acepção econômica, já que “onde não há operação econômica, não pode haver também contrato”10-11.
Concluindo o presente tópico, constata-se que é por meio do contrato que os recursos inúteis passam às mãos
daqueles que o consideram úteis. Ou seja, o contrato proporciona utilidade aos recursos intercambiados.
3. A cláusula geral da boa-fé objetiva nas relações contratuais
A boa-fé objetiva é princípio positivado já nos códigos oitocentistas. Com efeito, encontra-se ela prevista no art. 1.134
do Code Civil bem como no § 242 do BGB. Já nas codificações do Século XX, ela aparece no Código Italiano de 1942,
em seus artigos 1.337 e 1.375; no Código Civil (LGL\2002\400) Português de 1966, em seus artigos 227, 334, 437 e
762. Não restou, todavia, expressamente positivado como princípio geral no Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro de
1916. No Novo Código Civil, encontra-se previsto notadamente no art.  422 e no art.  187, além do art.  113,
notadamente com as alterações trazidas pela Lei de Liberdade Econômica.
É lição básica de direito que a boa-fé é classificada sob dois aspectos: o subjetivo e o objetivo. Sob o primeiro aspecto,
a boa-fé tem natureza psicológica, “é um estado de consciência, uma crença de agir conforme o direito”12, ao passo
que, sob o segundo, tem-se a boa-fé como regra de comportamento13. Essas duas categorias da boa-fé interagem
entre si, pois como bem destaca Eduardo Tomasevicius Filho14 “a boa-fé objetiva é norma que protege a boa-fé
subjetiva de outrem”.
Feitas tais considerações, a pesquisa parte da seguinte concepção de boa-fé objetiva da lavra de Judith Martins-
Costa15:
“A chamada boa-fé objetiva configura, diferentemente, uma norma jurídica. A expressão boa-fé objetiva (boa-fé
normativa) designa não uma crença subjetiva, nem um estado de fato, mas aponta, concomitantemente a: (i) um
instituto ou modelo jurídico (estrutura normativa alcançada pela agregação de duas ou mais normas); (ii) um standard
ou modelo comportamental pelo qual os participantes do tráfico obrigacional devem ajustar o seu mútuo
comportamento (standard direcionador de condutas, a ser seguido pelos que pactuam atos jurídicos, em especial os
contratantes); e (iii) um princípio jurídico (norma de dever ser que aponta, imediatamente, a um ‘estado ideal de
coisas’).”
Como regra de conduta, a boa-fé objetiva estabelece uma obrigação de cooperação entre as partes voltada ao
adimplemento. Nesse sentido, Clóvis do Couto e Silva16 destaca que o mandamento de conduta imposto pelo
princípio da boa-fé objetiva estabelece entre as partes um elo de cooperação em face do fim objetivo contratual
visado.
Essa obrigação de cooperação baseada na boa-fé objetiva manifesta-se como “máxima objetiva que determina
aumento de deveres, além daqueles que a convenção explicitamente constitui”17, de forma a “contribui[r] para
determinar o quê e o como da prestação e, ao relacionar ambos os figurantes do vínculo, fixa, também, os limites da
prestação”18. No mesmo sentido, Ripert19 ensina:
“O credor e o devedor duma obrigação contratual são, pois, obrigados a respeitar a relação jurídica que os une, agindo
de boa-fé um para com o outro. A existência da situação contratual cria-lhes de certo modo deveres particulares. Têm,
sem dúvida, interesses opostos, mas a lei comum que se impuseram obriga-os a uma conduta moral, e o juiz não
deixará nunca de apreciar esta conduta.
De forma geral, esses deveres “aumentados” (ou “particulares”, nos termos de Ripert) pela boa-fé objetiva são
chamados de deveres acessórios e podem ser classificados em “deveres de proteção”, “deveres de esclarecimento” e
deveres de lealdade”20.
Pelos primeiros, “considera-se que as partes, enquanto perdure um fenômeno contratual, estão ligadas a evitar que, no
âmbito desse fenômeno, sejam infligidos danos mútuos, nas suas pessoas ou nos seus patrimônios”21.
Os segundos deveres acessórios “obrigam as partes a, na vigência do contrato que as une, informarem-se
mutuamente de todos os aspectos atinentes ao vínculo, de ocorrências que, com ele, tenham certa relação e, ainda, de
todos os efeitos que, da execução contratual, possam advir.”22
Por fim, os terceiros deveres acessórios “obrigam as partes a, na pendência contratual, absterem-se de
comportamentos que possam falsear o objetivo do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por elas
consignado”23.
Diante do acima discriminado, esses deveres acessórios traduzem, resumidamente, “dever de consideração para com
o alter”24. Em outras palavras, o princípio da boa-fé objetiva opera como “mandamento de consideração” voltado ao
adimplemento da obrigação25.
Nos ordenamentos jurídicos em geral, incluindo-se o brasileiro, a boa-fé objetiva é prevista na fórmula de cláusula
geral – também chamada por Karl Larenz26 de “pautas de valoração que carecem de preenchimento valorativo” –que
se conceitua como “uma formulação da hipótese legal que, em termos de grande generalidade, abrange e submete a
tratamento jurídico todo um domínio de casos”27. Assim, “as cláusulas gerais caracterizam-se pela grande
generalidade e pela necessidade de serem concretizadas por referência a valores”28.
Em virtude dessa generalidade ampla das cláusulas gerais, é que o raciocínio jurídico acaba sendo sensivelmente
alterado, pois inaplicável o tradicional juízo de subsunção lógico-formal no contexto das cláusulas gerais, tal como se
faz com as demais regras jurídicas de menor amplitude e bastante em voga à época do início das Codificações.

Com efeito, a elas aplica-se a máxima de Oliver Holmes29, ainda que relacionada ao common law, segundo a qual “a
vida do Direito não é lógica, é experiência”, experiência essa que vai se revelar na atuação das Cortes quando do
preenchimento das referidas cláusulas gerais, de forma a fazer incutir nelas, ainda nos termos de Holmes, “a história
do desenvolvimento de uma nação através dos muitos séculos”.

Franz Wieacker30 destaca, por sua vez, que as cláusulas gerais são “linhas de orientação, que, dirigidas ao juiz, o
vinculam e, ao mesmo tempo, lhe dão liberdade”. Dão-lhe liberdade, porquanto esteja ela “carecida de preenchimento
com valorações, isto é, o ela não dar os critérios necessários para a sua concretização, podendo-se estes,
fundamentalmente, determinar apenas com a consideração do caso concreto respectivo”31. Vinculam-no, pois,
conforme ensina Karl Larenz32:
“Tais pautas não são, por assim dizer, pura e simplesmente destituídas de conteúdo; não são ‘fórmulas vazias
pseudonormativas’ que seriam compatíveis com todas ou quase todas as formas concretas de comportamento e
regras de comportamento. Ao invés, contêm sempre uma ideia jurídica específica que decerto se subtrai a toda a
definição conceptual, mas que pode ser clarificada por meio de exemplos geralmente aceites. Estas pautas alcançam
o seu preenchimento de conteúdo mediante a consciência jurídica geral dos membros da comunidade jurídica, que
não só é cunhada pela tradição, mas que é compreendida como estando em permanente reconstituição.”

Apesar da cláusula geral dar mobilidade ao sistema, adaptando-o ao caso concreto33, ela pode favorecer “as pressões
políticas e ideológicas sobre a jurisprudência e o oportunismo jurídico”34-35.

Além disso, conforme alerta Hedemann36, e em sentido semelhante, Santos Briz37, tem-se o risco de que o juiz, para a
sua própria comodidade, refugie-se nas “cômodas cláusulas gerais”, a fim de furtar-se do “cuidadoso exame das
normas legais concretas”; afinal, é mais fácil depender apenas de seu próprio senso de justiça do que pesquisar em
volumosos corpos legais a solução para o caso concreto38.

Não obstante os riscos, a cláusula geral é técnica legislativa39 necessária. Com efeito, o legislador (e, por extensão, as
partes de um contrato, já que o contrato faz lei entre elas, nos termos da redação original do Code Civil) não tem como
prever o futuro por completo, pois a todo momento as situações da vida se transformam, e, ainda que pudesse prever
todas essas transformações, estaria limitado pelos seus próprios meios de expressão, porquanto humanamente
incapaz de expressar ou reproduzir suas ideias de um modo completo e inequívoco40.
Assim, somente uma norma de semântica aberta, trazendo um vetor de conduta, e não a descrição pormenorizada
desta, é capaz de resolver essa deficiência humana do legislador (e dos contratantes), de forma a proporcionar ao juiz
ou árbitro “uma maior possibilidade de adaptar a norma às situações de fato”41.
Enfim, resumindo o tópico, “a ideia de boa-fé, por si só, não é outra coisa senão um conceito técnico cunhado pelos
técnicos do direito e utilizado como elemento de descrição. É, como se disse, um standard ou um modelo ideal de
conduta social. Aquela conduta social que se considera como paradigmática”42, e que consiste, precisamente, em um
mandamento de consideração para com os interesses da contraparte.
4. Boa-fé objetiva contratual e a philia aristotélica: dever de agir como amigo e componente essencial do contrato
A doutrina tradicional entende que a cláusula geral da boa-fé objetiva tem como finalidade a eticização das relações
contratuais. De fato, é lugar comum visualizar os contratantes como o homo economicus da economia neoclássica, o
qual busca, acima de tudo, a maximizar seus ganhos e reduzir seus ônus, independentemente de qualquer
consideração ética. Assim, a boa-fé objetiva, uma vez imposta pelo Estado por meio das cláusulas gerais, seria o
instrumento jurídico apto e necessário a barrar essa sanha egoísta do homo economicus.
Não por outro motivo, portanto, pode-se afirmar que a fundamentação ética da boa-fé objetiva é a mais tradicional.
Antônio Menezes Cordeiro43 informa, embora discordando desse posicionamento, que autores como Alfred Hueck,
Antunes Varela e Castanheira Neves defendem que “a boa-fé surge, em primeiro lugar, entendida como remissão
ética”. No mesmo sentido, Clóvis V. do Couto e Silva44, citando Esser, consigna que a boa-fé objetiva abre “janelas para
o ético” no sistema jurídico, ao passo que Cláudio Luiz Bueno de Godoy45 destaca que “expandiu-se a boa-fé objetiva
como uma exigência da eticização das relações jurídicas”. Pedro Pais de Vasconcelos46 é direto: “o princípio da boa-fé
é um princípio do Direito Justo ou, o mesmo é dizer, de Direito Natural”.

Georges Ripert47, por sua vez, generaliza a questão e afirma que a regra moral é um elemento essencial do Direito,
tendo se proposto, em seu “A regra moral nas obrigações civis”, a mostrar “a que ponto a teoria das obrigações está
ligada à vida moral e [o] quanto a técnica jurídica se torna mais segura quando se toma a consciência destas relações
da moral e do direito”48.
Mas, precisamente, de que ética se trata? A seguir, procurar-se-á demonstrar que essa ética contida na cláusula geral
da boa-fé objetiva pode ser traduzida em termos da concepção aristotélica de amizade (philia).
Uma vez demonstrada a hipótese acima, objetivar-se-á evidenciar que esse elemento ético contido na boa-fé objetiva e
pautado na philia aristotélica, é uma componente essencial a toda e qualquer relação contratual.
4.1. A ética em Aristóteles: felicidade (eudaimonia), virtude e meio-termo
Quando se fala em ética, inevitável é lançar os olhos à obra de Aristóteles, notadamente a sua “Ética a Nicômaco”,
pois, como aduz Manfredo de Oliveira49, toda a tradição ocidental vive da concepção da filosofia ético-política
elaborada pelo Estagirita.
A obra ética aristotélica apresenta a felicidade (eudaimonia) como alguma coisa completa e suficiente, e que é a
finalidade de toda ação humana50, na medida em que ser ela, ao mesmo tempo, “a melhor, a mais nobre e a mais
prazerosa das coisas”51.

A felicidade para Aristóteles não se trata de um sentimento passivo, “um sentir-se-bem apenas passivo”52, tal como
modernamente ela é enxergada, mas sim uma atividade consistente em “bem viver e bem agir”53. Nesse sentido, é a
explicação trazida por Ursula Wolf54:
“Em seu significado, a eudaimonia não corresponde exatamente ao nosso conceito de felicidade. Não só porque nossa
palavra ‘felicidade’ é por demais pálida; além disso, ela pode ser empregada tanto para a felicidade interior como para
a felicidade como sorte fortuita; os gregos, porém, usam uma palavra própria para designar o que é o derradeiro,
eutykhia. A explicitação que Aristóteles apresenta logo a seguir esclarece o significado de eudaimonia. Trata-se,
segundo ele, do eu zen kai prattein (bem-viver e bem-portar-se, bem viver e bem agir, bem-viver e bem-conter-se), o
“viver bem e agir bem”. As duas expressões significam que as coisas vão bem para uma pessoa, e a segunda
expressão deve esclarecer que o ir-bem não é simplesmente um sentir-se-bem apenas passivo, mas também ativo,
que possui aspectos ativos. Para que denote eudaimonia, uma vida humana precisa alcançar sucesso em todos os
seus aspectos e, como veremos, também em toda a sua duração.”

Mais especificamente, a felicidade é “uma atividade virtuosa da alma”55, na medida em que, ainda segundo o filósofo,
“o bem do homem nos aparece como uma atividade da alma em consonância com a virtude, e, se há mais de uma
virtude, com a melhor e mais completa”56. Em outras palavras, “a felicidade é uma atividade da alma que se ajusta à
virtude perfeita”57.
A virtude, nesse contexto, aparece como instrumento para se alcançar a felicidade, ou, pelo menos, um parâmetro ao
qual a atividade da alma deve se ajustar para fins de alcance da eudaimonia, já que é precisamente por meio dessa
“atividade virtuosa da alma” que se atinge o bem supremo, que é a felicidade.

Segundo Aristóteles58, existem dois tipos de virtude: a intelectual e a moral. A primeira surge e se desenvolve a partir
do ensino, enquanto a segunda é “adquirida em resultado do hábito”. Com efeito, a virtude moral, necessária à busca
pela felicidade, é cultivada por meio da prática, ou seja, ela é “produto do hábito”59. Assim, “pelos atos que praticamos
em nossas relações com os homens nos tornamos justos ou injustos; pelo que fazemos em presença do perigo e pelo
hábito do medo ou da ousadia, nos tornamos valentes ou covardes60.
Para Aristóteles, a virtude moral se encontra no meio-termo. Ou seja, ela encontra-se na mediania entre dois vícios, um
em função da falta e outro em função do excesso61. Como exemplo, tem-se a coragem: seu excesso conduz à
temeridade, ao passo que sua falta gera a covardia. Em termos mais abstratos, ele apresenta didaticamente seu
raciocínio na seguinte passagem:
“Existem, pois, três espécies de disposições, sendo duas delas vícios que envolvem excesso e carência
respectivamente, e a terceira uma virtude, isto é, o meio-termo. E em certo sentido cada uma delas se opõe às outras
duas, pois que cada disposição extrema é contrária tanto ao meio-termo como ao outro extremo, e o meio-termo é
contrário a ambos os extremos [...].”62
A ética aristotélica se resume à busca da felicidade, bem supremo, à qual se chega mediante o hábito das virtudes, as
quais se encontram no meio-termo. Em outras palavras, para Aristóteles, “a felicidade seria um bem supremo e
poderia ser compreendida como um modo de vida consistente em uma existência virtuosa, cuja realização seria a
finalidade da ética”63.
4.2. A amizade em Aristóteles
Nos livros VIII e IX de “Ética a Nicômaco”, Aristóteles apresenta sua concepção de amizade (philia).
Logo no início de sua apresentação, o Estagirita contextualiza a amizade em sua ética, já apresentada nos termos
acima: para ele, a amizade “é uma virtude ou implica virtude, sendo, além disso, sumamente necessária à vida”64. E
justifica: “porque sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que possuísse todos os outros bens”65. Assim, a
amizade é virtude  – ou, pelo menos, algo que envolve virtude  –, de forma a ser ela um meio necessário para se
alcançar a felicidade. Em resumo, nas palavras do próprio Aristóteles66, “o indivíduo feliz necessita de amigos”.

Em seguida, o filósofo classifica a amizade em três espécies, conforme o objeto do amor envolvido. Para Aristóteles67,
“nem tudo parece ser amado [ou seja, suscetível ou capaz de ser amado], mas apenas o estimável, e este é bom,
agradável ou útil”. Em outras palavras, o amor pode ter por objeto, ou qualidades, o bom, o agradável (prazeroso) ou o
útil, e é exatamente isso que vai distinguir cada um dos três tipos de amizade.
Em seguida, o filósofo destaca que a amizade se caracteriza por sua reciprocidade, pois, caso contrário, se trata
apenas de benevolência. Com efeito, para Aristóteles68,
“[...] dizem-nos que devemos querer o bem do nosso amigo naquilo que constitui o seu próprio bem. Mas daqueles
que assim querem o bem, se o sentimento não for recíproco, diz-se apenas que são benevolentes. Essa benevolência
só é chamada de amizade quando é mútua.”
Assim, tem-se a amizade quando existe benevolência mútua, ou seja, os amigos devem querer o bem um do outro,
reciprocamente.
Mas além de mútua, para que exista amizade, é necessário que essa benevolência seja reconhecida por ambos os
agentes. Por conta disso, a relação de amizade, para ser qualificada como tal, exige que a benevolência mútua tenha
sua predisposição reconhecida em um agente pelo outro, e vice-versa69-70.
Para além disso, cumpre destacar que a benevolência mútua e reconhecida entre os agentes, estabelece-se em
função de uma das três qualidades do amor: o bom, o agradável (prazeroso) ou o útil. Assim, o querer-bem envolvido
na relação de amizade encontra-se sintonizado à qualidade que é o fundamento de seu amor, ou seja, o querer-bem
mútuo da amizade varia conforme se trate de um amor fundado no bom, no agradável (prazeroso) ou no útil71-72.

Em arremate, tem-se que, para Aristóteles73, a amizade “requer que essas pessoas sejam mutuamente benevolentes,
ou seja, queiram o bem uma da outra, reconheçam essa mútua benevolência e isso em função de uma entre as
qualidades acima mencionadas”.
4.3. O contrato como uma relação de philia fundada na utilidade
Conforme consignado acima, a amizade, para Aristóteles, funda-se no bom, no agradável (prazeroso) ou útil.
Especificamente em relação à amizade pautada na utilidade, a qual recebe tratamento análogo à amizade baseada no
prazer74, o Estagirita observa que aqueles que se amam não o fazem por si mesmos, mas sim por algum benefício que
lhes possa ser proporcionado um do outro75. Nesse contexto, o amor envolvido nesse tipo de amizade “visa ao bem e
ao prazer pessoais, não se cogitando aqui das pessoas amadas, mas da utilidade ou prazer que elas propiciam”76. Por
conta disso, a amizade fundada na utilidade é uma amizade incidental77, já que ela não subsiste por si mesma, mas
sim pela utilidade por ela proporcionada.
Amizades assim, ainda segundo o filósofo, são facilmente rompidas. Com efeito, “resulta que, desaparecido o motivo
da amizade, ela mesma é dissolvida, sua existência tendo apenas servido de meio para um fim em particular”78-79.
Assim, tem-se que “o prazer [a utilidade, por analogia] que encontram um no outro não vai além de suas mútuas
expectativas de benefícios”80.
Paralelamente a isso, concluiu-se no ponto 2 que é por meio do contrato que os recursos inúteis passam às mãos
daqueles que o consideram úteis, ou seja, a razão de ser do contrato está em proporcionar utilidade aos recursos
intercambiados. Nessa ordem de ideias, fica claro que a amizade fundada na utilidade está por trás da relação
contratual.
Todavia, essa relação entre contrato e amizade por utilidade aparece de forma sútil em “Ética a Nicômaco”.

Inicialmente, Aristóteles81 cita a amizade entre Estados amigos como exemplo de amizade pautada na utilidade.
Modernamente, Estados amigos formalizam essa amizade por meio de tratados internacionais, que, sob certo
aspecto, podem ser encarados como contrato em um sentido amplo82.
Em seguida, ao destacar que a amizade por utilidade é a que parece nascer dos opostos (notadamente relações de
superioridade, por exemplo), Aristóteles83 aproximar-se à concepção de contrato como troca, apresentada no ponto 2.
Com efeito, ele expressamente afirma que, nesse tipo de amizade, “uma pessoa que almeja alguma coisa de que
precisa estará disposta a dar outra coisa em troca”84.

Embora ele exemplifique essa situação com “o caso daquela entre pobre e rico, ou a entre ignorante e instruído”85,
esses exemplos, de certa forma, aplicam-se às relações contratuais modernas, cuja nota de destaque é a
vulnerabilidade: consumidor e fornecedor, empregado e empregador, verdadeiros opostos, com nítida relação de
superioridade. E justamente por envolver opostos, tais como empregado/empregador e consumidor/fornecedor, é que
a relação de amizade baseada na utilidade e as relações contratuais são frequentemente objeto de queixas por seus
participantes:
“Mas a amizade que se baseia na utilidade é repleta de queixas; porquanto, como cada um se utiliza do outro em seu
próprio benefício, sempre querem lucrar na transação, e pensam que saíram prejudicados e censuram seus amigos
porque não recebem tudo o que ‘necessitam e merecem’; e os que fazem bem a outros não podem ajudá-los tanto
quanto eles querem”86.

Mais à frente, Aristóteles destaca que a amizade por utilidade pode ter origem legal ou moral87.
Segundo ele, o tipo moral não se assenta em termos fixos. Em verdade, trata-se do costume de dar algo e esperar
receber algo em troca, tal como acontece na dádiva88. Em outros termos, nesse tipo de amizade, existe a expectativa
consuetudinária de receber algo em troca, pelo bem realizado a outro89.

Por sua vez, “o tipo legal é aquele que assenta sobre termos definidos”90. Esses “termos definidos” podem ser
identificados com os termos do contrato, e essa interpretação encontra-se contextualizada no exemplo dado pelo
filósofo: transações econômicas91.
Duas últimas comparações entre a lógica contratual e a amizade pautada na utilidade devem ser explicitadas, de
forma a demonstrar, cabalmente, que a relação contratual é uma relação de amizade, em termos aristotélicos.
A primeira delas se refere ao cumprimento contratual e o caráter incidental da amizade baseada na utilidade. Como
destacado acima, “a amizade cujo fundamento é a utilidade se dissolve tão logo a vantagem que a determina deixa de
existir”92. É precisamente o que ocorre com o contrato: uma vez cumprida a obrigação, a utilidade contratual se esvai,
porque alcançado o seu objetivo, ao mesmo tempo – e por consequência –, em que se dissolve aquela amizade cuja
qualidade é a utilidade. Ou seja, o motivo da amizade desaparece exatamente quando se obtém o perfeito
cumprimento das obrigações contratuais.
A segunda delas se refere à concepção econômica de contrato e sua relação com a natureza social do homem,
inúmeras vezes referenciada em Aristóteles. Como citado no ponto 2, a troca, que, em essência, traduz a ideia de
operação econômica trazida no contrato, é o fundamento da vida em sociedade, ao passo que, para Aristóteles93, “o
ser humano é um ser social e destinado naturalmente à vida coletiva”, sendo que “o senso de comunidade é a base da
amizade”94-95. Assim, pode-se dizer, com base no filósofo, que o contrato, como espécie de amizade, é uma das
formas de realização do indivíduo junto à coletividade que ele integra.
Por tudo isso, é possível concluir que a relação contratual traduz uma relação de amizade fundada na utilidade,
segundo a concepção aristotélica de philia.
4.4. A boa-fé objetiva contratual como dever de comportar-se como um amigo
Uma vez demonstrada a relação contratual como espécie de amizade, no contexto do pensamento de Aristóteles,
indaga-se: qual o papel da boa-fé objetiva nessa relação de amizade pautada na utilidade?
Como visto acima, a philia aristotélica baseia-se na mútua benevolência, ou seja, no querer-bem ao outro, além de que
essa benevolência seja reconhecida pelos envolvidos. Assim, nas palavras do filósofo96, a amizade “requer que essas
pessoas sejam mutuamente benevolentes, ou seja, queiram o bem uma da outra, [e] reconheçam essa mútua
benevolência”.

Especificamente em relação à benevolência mútua, Aristóteles97 caracteriza um amigo como “aquele que deseja e faz,
ou parece desejar e fazer o bem no interesse de seu amigo”. Observe-se, portanto, sua equiparação ao mandamento
de consideração consubstanciado na boa-fé objetiva e que impõe, nas palavras de Clóvis do Couto e Silva98, o “dever
de consideração para com o alter”.
Quanto ao reconhecimento dessa benevolência, com a positivação da cláusula geral da boa-fé objetiva, tem-se um
reforço da pressuposição (reforço, afinal, ninguém se relaciona contratualmente com alguém sem um mínimo de
confiança99), por parte de ambos os contratantes, de que seu parceiro, em virtude dessa imposição legal, está
disposto a atuar com benevolência. Isso importa dizer que a positivação da referida cláusula geral sinaliza
categoricamente para ambas as partes que os contratantes/amigos reconhecem a benevolência de um e de outro.
Nessa ordem de ideias, tem-se que a cláusula geral da boa-fé objetiva impõe aos contratantes o dever de comportar-
se como amigo100. Isso não quer dizer, por exemplo, que um deva aproveitar a companhia do outro, ou que um deva
compartilhar segredos íntimos ou dilemas familiares com o outro. É que, como visto101, essa amizade (e, por
consequência, os deveres dela decorrentes) está funcionalizada à qualidade que lhe fundamenta, a qual, no caso da
relação contratual, é a “utilidade”.
Assim, mais exatamente, pode-se dizer que a cláusula geral da boa-fé objetiva impõe aos contratantes o dever de
comportar-se como amigo, em função da utilidade envolvida102.
4.5. A boa-fé objetiva como elemento essencial do contrato
Posta nos termos do ponto 4.4, verifica-se que a boa-fé objetiva é componente essencial a toda e qualquer relação
contratual. Isso porque, ao impor um mandamento de benevolência recíproca, é ela que faz da relação contratual uma
relação de amizade pautada na utilidade. Em outros termos, não existe relação contratual sem relação de amizade
(fundada na utilidade), e essa relação de amizade pressupõe necessariamente um comportamento pautado nos
ditames da boa-fé objetiva.
Não se olvide, contudo, do outro elemento essencial à relação contratual, qual seja, a operação econômica que ela
toma por objeto. No ponto, repise-se que “onde não há operação econômica, não pode haver também contrato”103, já
que é o contrato que gera circulação de riqueza, ou seja, é por meio dele que os recursos inúteis passam às mãos
daqueles que o consideram úteis.
Assim, tem-se que a relação contratual não encerra apenas uma relação econômica, mas também uma componente
ética (philia) trazida pela boa-fé objetiva. Conotativamente, então, pode-se dizer que a operação econômica é o corpo,
e a boa-fé objetiva é o espírito da relação contratual: uma não existe sem a outra.
Decorrência disso é que um ordenamento jurídico pode até não explicitar, por meio de cláusula geral, a boa-fé objetiva,
como no caso do Código Civil de 1916. Todavia, jamais, ao menos em um sistema de mercado, poderá afastá-la por
completo das relações contratuais, sob pena de extingui-las.
5. Considerações finais
As relações contratuais são tradicionalmente visualizadas sob seu aspecto econômico. A concepção do contrato
como veste jurídica de uma operação econômica é sintomática do fenômeno. Essa tônica ficou mais evidente diante
da popularização da análise econômica do direito e sua abordagem neoinstitucionalista do contrato.
Nesse contexto, em que a operação econômica é da essência do contrato, a boa-fé objetiva é encarada como algo
incidental. Para alguns, inclusive, ela representaria um risco à previsibilidade das relações contratuais, na medida em
que o preenchimento da cláusula geral no caso concreto poderia dar azo à arbitrariedade dos julgadores, com a
imposição de um pretenso paternalismo estatal.
O presente estudo, todavia, desfaz essa concepção exclusivamente econômica do contrato. Conforme restou
evidenciado, o elemento ético trazido pela boa-fé objetiva é uma componente essencial às relações contratuais, a par,
é claro, de sua componente econômica. Fato é, portanto, que inexiste contrato sem ética.
Além disso, verificou-se que essa ética contida no contrato é, em termos aristotélicos, a amizade. Não uma amizade
que seja um fim em si mesma, mas uma amizade baseada na utilidade. Comportar-se como amigo, esse é, em
essência, o dever básico imposto pela boa-fé objetiva.
Espera-se, enfim, que essa definição mais singela e clara (e, por que não dizer, poética) do que seja a boa-fé objetiva
possa não só facilitar a vida dos julgadores, mas também afastar qualquer nuvem de desconfiança acerca da
atividade jurisdicional perante os contratantes, além de tornar mais claro o papel de cada contratante na relação
contratual e conscientizá-los desse mesmo papel.
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1 .PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 37.
 
2 .Contratos. Atualizado por Humberto Theodoro Júnior. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 10.
 
3 .O contrato. Trad. Ana Coimbra e Manual Januário Costa Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. p. 7.
 
4 .VICENTE, Dário Moura. Direito comparado: obrigações. V. 2. Coimbra: Almedina, 2017. p. 35.
 
5 .ROPPO. Op. cit., p. 13.
 
6 .Curso de Direito Comercial. 41. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 1.
 
7 .SMITH, Adam. A riqueza das nações. Trad. Alexandre Amaral Rodrigues e Eunice Ostrensky. São Paulo: Martins
Fontes, 2016. p. 18.
 
8 .MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. Trad. Rachel Sztajn. 2. ed. São Paulo: Atlas,
2014. p. 87.
 
9 .Daí por que Enzo Roppo (op. cit., p. 15-16) ensinar que: “Parece lícito pensar que, enquanto sempre existiram
operações econômicas (atos materiais de transferência de riqueza), os contratos, no sentido em que estamos
habituados a entendê-los, como categoria lógica e instrumento da sua formalização jurídica, são, ao invés, matéria de
aquisição mais recente. Parece, de fato, remontar a tempos “históricos” o emergir da ideia de ser possível e
conveniente sujeitar as operações econômicas (os seus pressupostos e as suas consequências) a um sistema de
regras cogentes, cuja observância fosse eventualmente assegurada, até com o uso da força, por parte de órgãos da
coletividade – numa palavra, submetê-las ao direito. E ‘contrato’ é, precisamente, o conceito que vem resumir esta
realidade complexa, não linear, de progressiva ‘captura’ das operações econômicas por parte do direito, assim como
outros conceitos jurídicos exprimem, sinteticamente, fenômenos de expansão do direito a governar outros
comportamentos humanos, até então subtraídos – tal como as operações – ao seu império, e assim colocadas, como
se costuma dizer, num ‘espaço vazio de direito’”.
 
10 .ROPPO. Op. cit., p. 11.
 
11 .Conceituando operação econômica como transferência de riqueza, Roppo (Op. cit., p. 18-19) também conclui que,
embora não exista contrato sem operação econômica, o inverso não é verdadeiro, já que há situações jurídicas de
transferência de riqueza que prescindem da figura contratual, como a tributação e a sucessão hereditária.
 
12 .AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 435.
 
13 .CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé no direito civil. 7. reimpressão. Coimbra: Almedina, 2017. p. 407.
 
14 .TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. O princípio da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2020. p. 89.
 
15 .MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
p. 281-282.
 
16 .SILVA, Clóvis V. do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: FGV, 2006. p. 33.
 
17 .Ibid., loc. cit.
 
18 .Ibid., p. 34.
 
19 .A regra moral nas obrigações civis. Trad. Osório de Oliveira. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2009. p. 294.
 
20 .CORDEIRO. Op. cit., p. 604.
 
21 .Ibid., loc. cit.
 
22 .Ibid., p. 605.
 
23 .Ibid., p. 606.
 
24 .SILVA, op. cit., p. 33.
 
25 .Ibid., p. 34.
 
26 .LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 8. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2019. p. 310.
 
27 .ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. trad. J. Baptista Machado. 11. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2014. p. 229.
 
28 .VASCONCELOS, Pedro Pais de. Contratos atípicos. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 396-397.
 
29 .HOLMES Jr, Oliver Wendell. The common law. New York: Dover, 1991. p. 1.
 
30 .WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. Trad. A. M. Botelho Hespanha. 5. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2015. p. 545.
 
31 .CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Trad. A. Menezes
Cordeiro. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2019. p. 142.
 
32 .LARENZ. Op. cit., p. 311.
 
33 .CANARIS. Op. cit., p. 135-142.
 
34 .WIEACKER. Op. cit., p. 546
 
35 .Nesse sentido, por exemplo, cite-se Béatrice Jaluzot (La bonne foi dans les contrats: étude comparative de droit
français, allemand et japonais. Paris: Dalloz, 2001. p. 48), que afirma que “o objetivo da doutrina nacional-socialista era
interpretar as cláusulas gerais com base nos ‘novos valores’, tais como a ideia de ‘comunidade’, ou de ‘sentimento
jurídico’, dar-lhes um domínio de aplicação o mais extenso possível a fim de infiltrar esses valores na lei já posta”.
 
36 .Derecho de las obligaciones. Santiago: Ediciones Olejnik, 2019. p. 63.
 
37 .Derecho económico y derecho civil. Madrid: Revista de derecho privado, 1963. p. 143.
 
38 .SCHLECHTRIEM, Peter. The fonctions of general clauses, exemplified by regarding germanic laws and dutch law.
In: GRUNDMANN, Stefan; MAZEAUD, Denis. General Clauses and Standards in European Contract Law. Amsterdam:
Kulwer, 2006. p. 41-55. p. 52.
 
39 .PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008. p. 239.
 
40 .HECK, Philipp. El problema de la creación del derecho. Santiago: Ediciones Olejnik, 2018. p. 40.
 
41 .PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco.
3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 237.
 
42 .DÍEZ-PICAZO, Luiz. Prólogo. In: WIEACKER, Franz. El principio general de la buena fe. Santiago: Ediciones Olejnik,
2019. p. 13.
 
43 .CORDEIRO. Op. cit., p. 1.160.
 
44 .Op. cit., p. 42.
 
45 .Função social do contrato. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 89.
 
46 .Op. cit., p. 401.
 
47 .Op. cit., p. 42.
 
48 .Ibid., p. 51.
 
49 .OLIVEIRA, Manfredo A. de. Ética e sociabilidade. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2009. p. 56.
 
50 .ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução e notas de Edson Bini. 4. ed. São Paulo: Edipro, 2014. p. 58.
 
51 .Ibid., p. 62.
 
52 .WOLF, Ursula. A ética a Nicômaco de Aristóteles. Trad. Enio Paulo Giachini. São Paulo: Loyola, 2010. p. 28.
 
53 .ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1984. p. 51.
 
54 .Op. cit., loc. cit.
 
55 .ARISTÓTELES. Op. cit., p. 59.
 
56 .Ibid., p. 56.
 
57 .Ibid., p. 73.
 
58 .Ibid., p. 67.
 
59 .Ibid., loc. cit.
 
60 .Ibid., p. 68.
 
61 .Ibid., p. 101.
 
62 .Ibid., p. 76.
 
63 .DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e
tempo perdido. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2015. p. 56.
 
64 .ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1984. p. 179.
 
65 .Ibid., loc. cit.
 
66 .Op. cit., p. 346.
 
67 .Id., op. cit., p. 180.
 
68 .Op. cit., p. 292, destaques no original.
 
69 .“Essa benevolência só é chamada de amizade quando é mútua. E, talvez, também devêssemos acrescentar que a
benevolência precisa ser reconhecida, pois muitos indivíduos são benevolentes com pessoas que jamais viram, mas
que acreditam serem boas ou úteis; ora, uma dessas pessoas pode experimentar igualmente o mesmo sentimento por
um desses indivíduos. Parece se tratar de mútua benevolência, porém como classificar essas duas pessoas de
amigas se desconhecem suas predisposições mútuas?” (Ibid., loc. cit., destaques no original).
 
70 .Ibid., loc. cit.
 
71 .Ibid., p. 293.
 
72 .“Assim, há três tipos de amizade correspondendo numericamente às qualidades amáveis. Com efeito, um amor
recíproco e reconhecido é capaz de se basear em cada uma das três qualidades; e entenda-se que os que se amam se
querem o bem com referência à qualidade que é o fundamento de seu amor” (Ibid., loc. cit.).
 
73 .Ibid., p. 292, destaquei.
 
74 .Ibid., p. 293.
 
75 .Ibid., loc. cit.
 
76 .Ibid., loc. cit., destaque no original.
 
77 .Ibid., loc. cit.
 
78 .Ibid., loc. cit.
 
79 .Em outra passagem, Aristóteles (Ibid., p. 296) é bem claro: “A amizade cujo fundamento é a utilidade se dissolve
tão logo a vantagem que a determina deixa de existir. Nesse caso, com efeito, os amigos não se amavam, mas sim ao
que obtinham um do outro”.
 
80 .Ibid., p. 294.
 
81 .Ibid., p. 297.
 
82 .A Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, por exemplo, conceitua “tratado” como “um acordo
internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento
único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”, bem como refere-
se a “Estado contratante” como “um Estado que consentiu em se obrigar pelo tratado, tenha ou não o tratado entrado
em vigor” e a “parte” como “um Estado que consentiu em se obrigar pelo tratado e em relação ao qual este esteja em
vigor”. Assim, fica evidente a natureza contratual por trás dos tratados internacionais.
 
83 .Ibid., p. 305.
 
84 .Ibid., loc. cit.
 
85 .Ibid., loc. cit.
 
86 .Id., op. cit., p. 193.
 
87 .“Ora, é de supor que, sendo a justiça de duas espécies, uma não escrita e a outra legal, haja também uma espécie
moral e outra legal de amizade baseada na utilidade” (Ibid., p. 194).
 
88 .A ideia de dádiva permanece até hoje. Quem nunca recebeu, inesperadamente, um presente ou um favor (dádiva)
de alguém afastado e sentiu-se na obrigação de retribuir? Esse fenômeno social é tão importante que foi objeto de
estudo antropológico de Marcel Mauss (Ensaio sobre a dádiva. Trad. Antônio Marques. Lisboa: Edições 70, 2019),
denominado “Ensaio sobre a dádiva”, no qual ele apresenta a ideia de dádiva nas sociedades “primitivas” e sua
repercussão nas sociedades atuais.
 
89 .“Faz uma dádiva, ou o que quer que seja, como se fosse a um amigo; mas espera receber outro tanto ou mais
como se não tivesse dado e sim emprestado; e, se a situação de um deles é pior após dissolver-se a relação do que
antes de havê-la contraído, esse homem se queixará. Isso acontece porque todos os homens ou a maioria deles
desejam o que é nobre, mas escolhem o que é vantajoso; ora, é nobre fazer bem a um outro sem visar a qualquer
compensação, mas receber benefícios é que é vantajoso” (Ibid., p. 194).
 
90 .Ibid., loc. cit.
 
91 .Ibid., loc. cit.
 
92 .Id., op. cit., p. 296.
 
93 .Ibid., p. 345.
 
94 .Ibid., p. 306.
 
95 .“[...] em toda comunidade pensa-se que existe alguma forma de justiça, e igualmente de amizade; pelo menos, os
homens dirigem-se como amigos aos seus companheiros de viagem ou camaradas de armas, e da mesma forma aos
que se lhes associam em qualquer outra espécie de comunidade. E até onde vai a sua associação vai a sua amizade
como também a justiça que entre ele existe”. (Id., op. cit., p. 188).
 
96 .Id., op. cit., p. 292, destaquei.
 
97 .Op. cit., p. 203.
 
98 .Op. cit., p. 33.
 
99 .Sobre a confiança como componente da philia aristotélica, confira-se Camila de Jesus Mello Gonçalves (Princípio
da boa-fé: perspectivas e aplicações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 37), a qual entende que “a importância da
confiança para o relacionamento humano foi destacada por Aristóteles, em suas lições sobre amizade (philia), que
qualifica como virtude e como uma das exigências mais imprescindíveis da vida”.
 
100 .Também encontrando semelhança entre a boa-fé objetiva e a philia aristotélica, cite-se Camila de Jesus Mello
Gonçalves (Op. cit., p. 20): “As lições dos gregos tornam-se atuais no debate sobre a boa-fé objetiva, especialmente, na
medida em que, por meio desse instituto, se estipula um padrão de conduta que prestigia a confiança, a lealdade e a
cooperação, identificadas com a realização do bem, por meio da ação, em concepção semelhante à da amizade
(philia) aristotélica”.
 
101 .“Assim, há três tipos de amizade correspondendo numericamente às qualidades amáveis. Com efeito, um amor
recíproco e reconhecido é capaz de se basear em cada uma das três qualidades; e entenda-se que os que se amam se
querem o bem com referência à qualidade que é o fundamento de seu amor” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco.
Tradução e notas de Edson Bini. 4. ed. São Paulo: Edipro, 2014. p. 293).
 
102 .Percebe-se uma certa sintonia da conclusão acima com o pensamento de Antônio Junqueira de Azevedo, para
quem a intensidade dos deveres oriundos da boa-fé objetiva variam em função dos valores envolvidos na relação
contratual, valores esses que, em comum, se encarnam na ideia de utilidade: “A boa-fé objetiva, prevista como
cláusula geral no art. 422 do CC/2002 (LGL\2002\400), tem um primeiro nível, negativo e elementar, comum a todo e
qualquer contrato, consistente em não agir com má-fé, e um segundo nível, positivo, de cooperação. Neste último, a
boa-fé inclui diversos deveres (deveres positivos), como o de informar, mas a exigência de boa-fé, nesse patamar, varia
conforme o tipo de contrato. Ela, em primeiro lugar, é muito maior entre os contratos que batizamos de ‘contratos
existenciais’ (os de consumo, os de trabalho, os de locação residencial, de compra da casa própria e, de uma maneira
mais geral, os que dizem respeito à subsistência da pessoa humana) do que entre os ‘contratos empresariais’. Essa
nova dicotomia, que defendemos, ‘contrato existencial/contrato empresarial’, é, a nosso ver, a verdadeira dicotomia
contratual do século XXI”. (AZEVEDO, Natureza jurídica do contrato de consórcio. Classificação os atos jurídicos
quanto ao número de partes e quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. A boa-fé nos contratos relacionais.
Contratos de duração. Alteração das circunstâncias e onerosidade excessiva. Sinalagma e resolução contratual.
Resolução parcial do contrato. Função social do contrato. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 832, fev. 2005. p. 123-
124).
 
103 .ROPPO. Op. cit., p. 11.

     

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