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1. IMITAÇÃO E MIMESE
lisonjeando a parte irracional (...), que está sempre a forjar fantasias, a uma
são cópias das ideias puras, modelo ideal, o artista, ao imitá-las, produz imagens
das ideias. Daí, a «mimesis» ser um processo enganador e perigoso para a alma,
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nasce, dado tratar-se do modo como aprende e apreende o mundo e que o
diferencia dos animais. Segundo Aristóteles, a arte seria imitação por imitar a
– que o produto artístico seja não verdadeiro ou falso, mas possível, provável,
A obra de arte (um quadro, por exemplo) será como uma duplicação
simbólica. Não consiste em duplicar, dado não existirem duas imagens iguais –
cultural – a obra de arte imita a realidade, mas não é reflexo da realidade, uma
pela tradição e por mecanismos que permitem reconhecer uma imagem como
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«(...) os poetas imitam homens melhores, piores ou iguais a nós, como o fazem os pintores (...).»
(Aristóteles, id.:105).
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com as convenções de cada área artística possibilitará julgar a expressão das
ideias ou emoções de uma obra a ela pertencente. Entenda-se, pois, que haja
caso das vanguardas – por exemplo, a revista Orpheu, em 1915, tinha como
autor faz da realidade, da sua relação com ela, com outros textos escritos,
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«(...) o possível não é mais do que a face invisível do real.» (Magalhães, 2000:258).
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«Mas foi a minha imaginação (partindo do real, eu sei) a construí-la. Magia para filtrar o mundo, dar-lhe
algum sentido.» (Oliveira, 2003:28).
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«Toda a designação do real cabe à linguagem.» (Bessiére, 1995:381).
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«A percepção e a representação não copiam, pela simples razão de que o mundo apreendido é já o
produto da interacção entre sujeito e objecto, entre o homem e o real.» (Buescu, 1990:268).
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leitura do real: «A work of art that imitates a model of reality thus seems to be
imitating reality itself.» (Steiner apud Buescu, id.:266). O mundo está no texto
enquanto é referido por ele – o texto apenas pode falar do mundo, representá-
2. REPRESENTAÇÃO
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«Não há representação a não ser através de um lugar e de um momento, através de uma personagem e de
uma acção que é a relação da personagem com os objectos desse lugar e desse momento (I. Watt, 1957).»
(apud Bessiére, id.:383).
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«As goteiras tilintam: como registar este som?» (Oliveira, id.:30). Para representar sons da natureza,
recorre-se à criação de palavras que traduzam o seu significante.
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representação quer dizer tornar presente, mas implica sempre uma mistura de
daquela imagem que denota o objecto que se pretende imitar. Porque não é
mais que uma norma religiosa o acto de ver e de acreditar nas imagens a
santificação dos seres a que correspondem. Nem sequer se podem dizer que são
primitivas da Virgem ou dos santos que nos mostrem, com fidelidade, como
ou em substituição do que não está lá. E a cruz - como ler o que representa a
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«(...) porque representar é seguramente referir, estar por, simbolizar. Toda a obra representacionista é
um símbolo (...).» (Goodman, id.:104-105).
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necessário mais para despertar a memória da narrativa da Paixão de Cristo. Mas
harmonia das partes, à proporção das superfícies e dos volumes, à dimensão dos
membros e à sua relação com o tronco e a cabeça, ela é posta em causa quando
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Pode entender-se o conceito de representação como: a) reprodução na
apenas por vir.» (Matos, id.:213). Por isso, o Romantismo defendia o valor da
3. AUTO-REPRESENTAÇÃO E ENCENAÇÃO
segundo uma convenção, que adquire uma nova vida enquanto houver leituras e
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«A arte é, antes de mais, criadora, no sentido de desencadear experiências antecipadoras e alternativas
relativamente à realidade de determinado momento e circunstância.» (Matos, id.:213).
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cruzamento de dados e apuramento de um contexto epocal. A representação
mortal:
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O GRAVADOR
Eu não sabia como era a minha voz; nunca a tinha escutado a sério, com
atenção... Como havia de ser se falo ao mesmo tempo?
Um dia apareceu lá em casa um gravador, e ei-la a entrar-me pelos ouvidos. Isto
é a minha voz? perguntei num espanto. E todos a dizerem que sim, pois claro, que era
exactamente a minha voz, sem tirar nem pôr.
Coisa mais misteriosa! Uma pequena máquina que rasga os véus entre nós e a
nossa voz, que a fixa ali, como ela é, na fitinha castanha, até à curta eternidade das fitas
magnéticas. Ali está ela, a minha voz (dizem todos que sim e eu acredito) a dizer não sei
o quê há três meses e tal, uma frase qualquer sem pés nem cabeça, a que me ocorreu na
altura.
Coisa útil também, já pensaram? Não para gravar canções, nem conversas, nem
frases sem pés nem cabeça, nada disso. Pedir às pessoas que nos são mais queridas, aos
grandes amigos, àqueles que farão tudo por nós, que gravem frases tranquilizadoras que
depois podemos ouvir incessantemente. Frases definitivas sobre o amor e a amizade e a
lealdade e a imperecibilidade das palavras, das frases ditas num momento e logo
petrificadas para todo o sempre, ali, na fitinha giratória. Hei-de gostar sempre de ti.
Você sabe como eu sou seu amigo (ou sua amiga). Nunca seria capaz de uma
deslealdade. Longe de ti, não sou eu. Não tem ninguém tão seu amigo (ou tão sua
amiga). Coisas assim.
A fitinha a voltar atrás a um simples gesto nosso, e nós tranquilos, meu Deus
que tranquilidade. De olhos fechados, de sorrisos nos lábios, a ouvir, a ouvir... A
acreditar, a acreditar... Na tal imperecibilidade, na tal petrificação... Hei-de gostar
sempre de ti. Você sabe como eu sou seu amigo (ou sua amiga). Nunca seria capaz... E
adormecer assim.
técnica que regista, para além do que é escrito, também o que é dito. Num texto
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escreve, oculta-se no que diz; quem fala, fala na sua ausência. Um texto de
ouvir a sua voz gravada e apercebe-se de não ter consciência de como soa. Mais
e a nossa voz (…)», marca do sujeito, qual pintura rupestre, legado verbal,
permanência da voz, «(…) fixa ali, (...) até à curta eternidade das fitas
sua efemeridade e da daqueles que lhe são queridos? Solicita-lhes, pois, que
sujeito, das outras pessoas, dos seus discursos, mas permanentes na memória:
«(…) meu Deus, que tranquilidade. De olhos fechados, de sorrisos nos lábios, a
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«(...) a ausência é o lugar primeiro do discurso (...).» (Foucault, 1992:31).
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4. A REPRESENTAÇÃO NAS ARTES PLÁSTICAS E NO CINEMA
escura, uma espécie de caixa escura através da qual o artista copiava sobre
ponto (de fuga) que atrai o olhar, tal como na representação teatral um foco de
luz orienta o olhar dos espectadores para o palco ou destaca um espaço ou uma
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Representação de objectos em proporções menores que a realidade, efeito de perspectiva segundo o
qual os objectos, vistos de frente, apresentam dimensões reduzidas.
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Pelo contrário, representavam perfeitamente plantas e animais. Por
mais importante num tamanho maior, como na arte egípcia, dado a diferença no
segundo a impressão do que vê, basta passar à sua frente, com rapidez
suficiente, imagens encadeadas umas nas outras para que se possa reconstituir o
movimento – o olho consegue-o facilmente, pois cada imagem surge antes que a
desenhar com tanta exactidão estas figuras? Que verdade nas posições, que
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2002:319) – perante uma tapeçaria, o observador não se cansa de exultar as
nesse jogo, ter um efeito catártico, permitindo os possíveis que a vida não
concede.
morte. Vinte e um gramas separam o tudo do nada. Tão pouco e tanto. Mas o
como é ele perdido? De que órgão? De que forma? Sob que forma? Voltamos à
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«‘Fabricação’ tornou-se um sinónimo de ‘falsidade’ ou ‘ficção’ por oposição a ‘verdade’ ou ‘facto’.
(...) a ficção é fabricada e o facto descoberto.» (Goodman, id.:141).
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mulher, o seu namorado e o seu ex-namorado – e a sua reacção à violação dela,
regra de contar uma história linear, do início até ao seu desfecho, aqui, o
que fazer ligações constantes e permanentes entre as cenas que já viu, sabendo,
no início, como acaba a história, não porque deduza de imediato ou lhe seja
oferecido tão simplesmente essa conclusão, mas porque tem, logo à partida,
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BIBLIOGRAFIA
volume III.
------- (1992). O que é um autor?. (Colecção Passagens n.º 6). S.l., Vega.
15
Congresso da Associação de Literatura Comparada. Lisboa, Edições Colibri, pp.
255-263.
Verbo.
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in Vértice n.º 150. Lisboa, Editorial Caminho, Janeiro/Fevereiro de 2010,
pp. 42-52.
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RESUMO
real.
perenidade de um sujeito.
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