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Contrato de namoro
CONTRATO DE NAMORO
Dating contract
Revista de Direito Privado | vol. 93/2018 | p. 55 - 76 | Set / 2018
DTR\2018\19481
Introdução
Este estudo tem como escopo problematizar uma nova modalidade contratual atípica criada por conta
de novas necessidades que surgiram na atualidade. Isso porque, atualmente, as relações afetivas
podem vir a produzir efeitos jurídicos não desejados pelas partes, especialmente no âmbito
patrimonial.
O contrato de namoro surge no sentido de evitar a constituição de uma entidade familiar, a união
estável, que prevê a partilha dos bens onerosos adquiridos na constância da relação amorosa. Isso
decorre do fato de que a expressão “namoro”, no mundo atual, foi ampliada de um relacionamento sem
compromisso para relacionamento no qual os indivíduos se comportam como se companheiros fossem.
Para este artigo, o método utilizado foi o dedutivo, porquanto partiu-se de um estudo sobre as noções
contratuais, analisando a evolução histórica dos contratos, bem como os dispositivos legais atuais e a
transformação da autonomia da vontade em face dos contratos. Em seguida, foram analisados os
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Conforme Carlos Roberto Gonçalves, o contrato não está apenas presente no direito obrigacional, pois
também se encontra disposto em outros ramos do direito civil, como no direito das coisas, no direito de
família e no direito das sucessões.7
Dessa forma, é importante ressaltar que os contratos de direito de família são tidos como contratos
especiais, dos quais podemos citar o contrato de casamento e o contrato de união estável, nos quais as
partes podem dispor sobre os seus interesses.
1.1 Da nova dimensão da autonomia da vontade e das novas possibilidades contratuais
É possível notar que atualmente estamos diante de uma nova dimensão da autonomia da vontade. Isso
porque o princípio clássico no qual o direito faz lei entres as partes ganhou uma nova dimensão, visto
que a vontade foi posta como o centro de todas as avenças. No entanto, é certo que a liberdade nunca
foi ilimitada, porque sempre teve como limites os princípios de ordem pública. 8
Além disso, o princípio da autonomia da vontade dá ensejo aos chamados contratos atípicos, descritos
no art. 425 do Código Civil (LGL\2002\400). Para fins de conceituação, conforme Gonçalves Dias:
Contrato atípico é o que resulta de um acordo de vontades não regulado no ordenamento jurídico, mas
gerado pelas necessidades e interesses das partes. É válido, desde que estas sejam capazes e o objeto
lícito, possível, determinado ou determinável e suscetível de apreciação econômica. Ao contrário do
contrato típico, cujas características e requisitos são definidos na lei, que passam a integrá-lo, o atípico
requer muitas cláusulas minuden- ciando todos os direitos e obrigações que o compõem. Essas noções,
aceitas na doutrina, foram convertidas em preceito legal, no atual diploma civil.9
Nota-se que, a existência de contratos atípicos não é tão recente, conforme Caio Mario:
Essas noções, pacíficas em doutrina, converteu-as o Código em preceituação legal, constante do art.
425. O dispositivo, posto que consignando verdade apodítica, desdobra-se em dois incisos. O primeiro,
a autorizar a estipulação de contratos atípicos, é evidentemente ocioso, pois que, em todos os tempos,
a velocidade da vida econômica e as necessidades sociais conduziram à criação de toda uma tipologia
contratual que o legislador não pode prever, e que os Códigos absorveram após a prática corrente
havê-la delineado. O segundo, a determinar que aos novos contratos elaborados atipicamente se
apliquem as normas deste Código, poderia ser mais preciso, mencionando também as normas que
constem de leis extravagantes, normalmente adequadas a cada contrato atípico.10
Nesse sentido, estamos certos da importância da possibilidade de contratos atípicos, visto que o atual
Código Civil (LGL\2002\400) contempla apenas 23 espécies de contratos nominados (arts. 481 a 853),
não sendo possível abarcar todas as espécies contratuais existentes, uma vez que com o passar do
tempo novas modalidades podem ser criadas. Tanto isso é verdade que o Código Civil de 2002
expressamente prevê sua possibilidade.11
1.2 Sobre a validade nos contratos
Os requisitos de validade do contrato estão dispostos no art. 104 do Código Civil (LGL\2002\400), in
verbis:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.
Entende Carlos Roberto Gonçalves que as condições de validade dos contratos são de duas espécies: as
de ordem geral, que é comum a todos os negócios jurídicos, previstas anteriormente, e a de ordem
especial, que seria o consentimento recíproco.
O contrato será nulo ou anulável, então, se a incapacidade, absoluta ou relativa, não for suprida pela
representação ou pela assistência.12
O entendimento do doutrinador está em consonância com os arts. 166, I e171, I, do Código Civil
(LGL\2002\400):
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Para tanto, será utilizada a teoria da modernidade líquida13 elaborada pelo sociólogo Zygmunt Bauman.
Destaca-se um treco do seu livro que demonstra a opção pelo termo líquido:
[...] Chegou a vez da liquefação dos padrões de dependência e interação. Eles são agora maleáveis a
um ponto que as gerações passadas não experimentaram e nem poderiam imaginar; mas, como todos
os fluidos, eles não mantêm a forma por muito tempo. Dar-lhes forma é mais fácil que mantê-los nela.
Os sólidos são moldados para sempre. Manter os fluidos em uma forma requer muita atenção,
vigilância constante e esforço perpétuo – e mesmo assim o sucesso do esforço é tudo menos inevitável.
14
Nota-se que a ideia de modernidade líquida é no sentido de que os líquidos não conseguem manter
uma forma fixa, adquirindo o formato do recipiente que forem inseridos, distintos dos sólidos que
conseguem manter uma forma fixa por determinado tempo. O referido doutrinador entende que
estamos vivendo em uma sociedade de consumo, que valoriza apenas a satisfação imediata,
repudiando as conquistas que exigem esforços a longo prazo. 15
Dessa forma, entende o sociólogo que os indivíduos estão vivendo uma vida líquida.
A “vida líquida” é uma forma de vida que tende a ser levada à frente numa sociedade líquido-moderna.
“Líquido-moderna” é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam
num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas
de agir. A liquidez da vida e da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A vida líquida,
assim como a sociedade líquido-moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por
muito tempo.16
Os indivíduos estão vivendo um período de instabilidade e fragilidade que repercute nos
relacionamentos sociais.
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E assim é numa cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o
prazer passageiro, a satisfação instantânea, resultados que não exijam esforços prolongados, receitas
testadas, garantias de seguro total e devolução do dinheiro. A promessa de aprender a arte de amar é
a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a
“experiência amorosa” à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem exibindo todas
essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço.17
Dessa forma, o doutrinador entende que houve uma mudança no modo de a sociedade enxergar um
relacionamento amoroso, isso porque o que antes era um princípio (até que a morte nos separe),
atualmente é entendido até quando for oportuno.
Os laços e parcerias são vistos [...] como coisas a serem consumidas, não produzidas; estão sujeitos
aos mesmos critérios de avaliação de todos os outros objetos de consumo. No mercado consumidor,
produtos ostensivamente duráveis são oferecidos por um “período de teste” e a devolução do dinheiro
é prometida se o comprador não estiver satisfeito. Se um parceiro é visto nestes termos, então não é
mais tarefa de ambos os parceiros “fazer o relacionamento funcionar” – fazê-lo funcionar nas boas e
nas más situações, ajudar um ao outro ao longo dos trechos bons e ruins, podar, se necessário, as
próprias preferências, fazer acordos e sacrifícios pelo bem da união duradoura. Em vez disso, é uma
questão de obter satisfação com um produto pronto para ser usado; se o prazer derivado dele não se
equipara ao padrão prometido e esperado ou se a novidade diminui gradualmente com a alegria, não
existe razão para ficar com o produto inferior ou mais velho, ao invés de encontrar outro, “novo e
melhorado”, na loja.18
Portanto, diante do estado atual da sociedade, é imprescindível a existência do contrato de namoro,
isso porque com a mudança do entendimento sobre o que seria um relacionamento amoroso, a própria
sociedade criou “novas possibilidade românticas”,19 que seriam relações de “comprometimento light
que minimizam a exposição a riscos".20 Demonstra Bauman como seriam esses novos relacionamentos
amorosos:
Os esforços para estabelecer e estreitar os vínculos alinham uma sequência infinita de experimentos.
Sendo experimentais, aceitos na base da tentativa e eternamente testados, sempre um provisório
"vamos esperar para ver como funcionam", não é provável que as alianças, compromissos e vínculos
humanos se solidifiquem o suficiente para serem proclamados confiáveis de maneira verdadeira e
integral. Nascidos da suspeita, geram suspeita.21
Nesse sentido, os novos relacionamentos passam por um período experimental para depois tornarem-
se sólidos. O namoro passou por uma mudança no mundo atual e ainda deve ser uma das espécies de
uniões que não geram, por si só, efeitos jurídicos.22
3 Da análise sobre o direito de família
3.1 Entidades familiares
Conforme Silvio Venosa,23 o instituto jurídico da família sofreu várias mutações ao longo do tempo. No
início os grupos familiares tinham como objetivo se abrigar do frio e de possíveis predadores. No
estado primitivo havia predominância por relações sexuais entre todos os membros de uma tribo,
gerando, assim, um desconhecimento do pai, levando a crer que a família tinha um caráter matriarcal.
Entretanto, com o passar dos anos, foi estabelecido o casamento, sendo o único reconhecido pela
sociedade como criador da entidade familiar. Entendiam os romanos que para haver o casamento era
necessário a affectio, sendo que o seu desaparecimento seria causa suficiente para a dissolução
conjugal. Na idade média havia apenas o reconhecimento do casamento religioso. 24
No ordenamento jurídico brasileiro, podemos afirmar que o instituto da família sofreu grande influência
da família romana, canônica e germânica. O país foi colonizado pelos portugueses. Apenas
recentemente, após transformações históricas, culturais e sociais, o direito da família passou a ter
novos rumos, adaptando-se à realidade brasileira, nascendo assim novas entidades familiares além do
casamento. 25
Com a Constituição Federal de 1988 surge um novo direito de família, pois encampou novas entidades
familiares, que já existiam, com fundamento no princípio da dignidade humana, com o intuito de
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O início da união estável é o início da convivência dos companheiros. A dificuldade é reduzida quando
se pode provar o começo da convivência sob o mesmo teto. São inúmeras as possibilidades de prova: a
aquisição de imóvel para a moradia, a aquisição de móveis para guarnecerem a moradia, o contrato de
aluguel do imóvel, o testemunho de vizinhos, de amigos, de colegas de trabalho, o pagamento de
contas do casal, a correspondência recebida no endereço comum. O nascimento de filho pode ser
posterior à convivência como pode ser a causa da convivência.30
Nesse sentido, é possível que os namorados nem percebam que estão em união estável, podendo ser
caracterizados como integrantes de uma entidade familiar. 31
Por outro lado, o namoro é um instituto que não foi regulado pela Constituição Federal de 1988. Isso
porque o namoro é uma relação informal da qual não se busca a constituição de uma família. Todavia,
é certo que há necessidade de diferenciação entre as entidades uma vez que, no caso da união estável:
Se os que vivem, conscientemente, nessa entidade familiar, já se sentem sufocados com a minuciosa
normatização de suas vidas, imaginem as preocupações, a aflição e o medo dos que assumem um
relacionamento afetivo de simples namoro, e têm o justo receio de que essa situação possa ser
confundida com a da união estável...32
Ademais, para Farias e Rosenvald33 a distinção entre a união estável e o namoro, atualmente, é uma
linha muito tênue, já que “namorados viajam juntos, dormem juntos e, eventualmente compram bens”.
Sob um olhar jurisprudencial, pode-se afirmar que o instituto do namoro é reconhecido como um
relacionamento no qual não existe a intenção de constituir uma família. Este pode ter os requisitos para
a instituição de união estável (relacionamento público, continuo e duradouro), porém o que os
diferencia é a intenção de ser uma família.
Apelação cível. Reconhecimento de união estável. Namoro que precedeu ao casamento das partes.
Ausente objetivo de constituir família à época. Inexistência de prova da comunhão de vidas.
Improcedência. – A união estável se caracteriza pela convivência pública, contínua e duradoura entre
um casal com o objetivo de constituir uma família. Ao contrário do que ocorre no namoro, os
conviventes se apresentam perante a sociedade como se casados fossem, e assumem para si ânimo
próprio dos casados, de se constituírem enquanto entidade familiar. – A relação mantida entre o casal,
antes do casamento, embora duradoura e pública, tanto que culminou com o matrimônio, se
caracteriza como namoro, não uniãoestável, sob pena de desvirtuamento do instituto. – Recurso
improvido.34
Apelação. Direito civil. Família. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável. Prova. Ausência.
Mero namoro. 1. Não se reconhece a união estável quando ausentes os requisitos da união contínua,
fidelidade, estabilidade, mútua assistência e ânimo de constituir família. Alegada união que não se
reveste dos requisitos estatuídos no art. 1.723 do Código Civil (LGL\2002\400). 2. Comprovado que a
publicidade do relacionamento era de namoro, ainda que com intimidade, mas ausente prova cabal da
residência sob o mesmo teto e da intenção de constituir família, a improcedência da ação se impõe.
RECURSO DESPROVIDO. 35
Administrativo e civil. Pensão estatutária por morte. Companheiro. Condição não ostentada. União
estável. Inexistência. Namoro qualificado. Requisitos objetivos. Publicidade, continuidade e durabilidade
preenchimento. Elemento subjetivo (affectio maritalis). Ausência. Formação da família. Projeção para o
futuro. Concessão do benefício. Impossibilidade. Sentença de procedência reformada. I. Tanto a união
estável quanto o namoro qualificado são relações públicas, contínuas e duradouras (requisitos
objetivos). O requisito subjetivo (affectio maritalis: ânimo de constituir família) é o elemento
diferenciador substancial entre ambas. II. Na união estável, a família já está constituída e afigura um
casamento durante toda a convivência, porquanto, nela, a projeção do propósito de constituir uma
entidade familiar é para o presente (a família efetivamente existe). No namoro qualificado, não se
denota a posse do estado de casado: se há uma intenção de constituição de família, é projetada para o
futuro, através de um planejamento de formação de um núcleo familiar, que poderá ou não se
concretizar. Precedente do STJ. III. Verificado, no caso concreto, que o Autor mantinha com a falecida
um namoro qualificado, não faz jus à pensão estatutária por ela instituída. Embora a relação fosse
pública, contínua e duradoura, não possuía o elemento subjetivo característico da união estável. O
casal planejava formar um núcleo familiar, mas não houve comunhão plena de vida. IV. Remessa
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Para Maria Berenice Dias, o contrato de namoro, além de não ser válido, pode ser uma fonte de
enriquecimento sem causa:
Não há como previamente afirmar a incomunicabilidade quando, por exemplo, segue-se longo período
de vida em comum, no qual são amealhados bens pelo esforço comum. Nessa circunstância, emprestar
eficácia a contrato firmado no início do relacionamento pode ser fonte de enriquecimento ilícito. Não se
pode olvidar que, mesmo no regime da separação convencional de bens, vem a jurisprudência
reconhecendo a comunicabilidade do patrimônio adquirido durante o período de vida em comum. O
regime é relativizado para evitar enriquecimento injustificado de um dos consortes em detrimento do
outro. Para prevenir o mesmo mal, cabe idêntico raciocínio no caso de namoro seguido de união
estável. Mister negar eficácia ao contrato prejudicial a um do par. Repita-se: o contrato de namoro é
algo inexistente e desprovido de eficácia no seio do ordenamento jurídico.49
Entende Flávio Tartuce que o contrato de namoro deverá ser considerado nulo por violação da função
social do contrato:
Problema dos mais relevantes é o relacionado à elaboração de um contrato de namoro ou de um
contrato de intenções recíprocas entre as partes, justamente para afastar a existência de uma união
estável entre elas. Existindo entre os envolvidos uma união estável, conforme outrora manifestado,
posiciono-me pela nulidade do contrato de namoro, por afrontar às normas existenciais e de ordem
pública relativas à união estável, notadamente por desrespeito ao art. 226, § 3º da Constituição
Federal (LGL\1988\3). Como fundamento legal ainda pode ser citado o art. 166, inciso VI do Código
Civil (LGL\2002\400), pelo qual é nulo o negócio jurídico quando houver intuito das partes fraude à lei
imperativa. In casu, a lei imperativa é aquela que aponta os requisitos para a existência de uma união
estável, categoria que tem especial proteção do Estado. Subsidiariamente, serve como argumento a
função social do contrato que, em sua eficácia interna, deve ser utilizada para a proteção da dignidade
humana nas relações contratuais (art. 421 do CC/2002 (LGL\2002\400)).50
Outros doutrinadores defendem a sua possibilidade, como Zeno Veloso:
Tenho defendido a possibilidade de ser celebrado entre os interessados um “contrato de namoro”, ou
seja, um documento escrito em que o homem e a mulher atestam que estão tendo um envolvimento
amoroso, um relacionamento afetivo, mas que se esgota nisso, não havendo interesse ou vontade de
constituir uma entidade familiar, com as graves consequências pessoais e patrimoniais desta51
Regina Beatriz Tavares da Silva ensina:
Há quem diga que a celebração do equivocadamente chamado “contrato de namoro” configura ato
ilícito. Porém, quem faz esse tipo de afirmação esquece de que a declaração de namoro serve para
provar o que efetivamente existe, ou seja, relação de afeto sem consequências jurídicas. Essa
declaração somente pode ser tida como ilícita se falsear a verdadeira relação que existe entre aquelas
duas pessoas, ou seja, declararem que há namoro quando, na verdade, o que existe é união estável.52
Nesse sentido, para os que afirmam a validade dos contratos de namoro, ele é uma espécie de contrato
atípico com o intuito de demonstrar a vontade de não constituir família, mas apenas um
relacionamento amoroso. Há os que entendem a possibilidade de o documento ser realizado por
escritura pública.53
4.2 Análise jurisprudencial sobre a temática
Existem, ainda, poucos julgados sobre a validade do contrato de namoro, dos quais este negócio
jurídico foi considerado válido, resultando no afastamento da união estável.
O primeiro julgado ocorreu em 16 de junho de 2004 no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo
como relator o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. Em sua decisão afirmou que a configuração do
instituto da união estável deve ser de forma clara, não podendo ser entendida para situações que
trazem dúvidas, e o contrato de namoro é um “aborto jurídico”. Critica a necessidade da existência de
um contrato para que um namoro espontâneo e singelo não seja considerado uma união estável com
todas as suas consequências patrimoniais.54
Outro julgado importante ocorreu no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em 15 de setembro de 2009,
no qual o Desembargador Marcos Alcino A. Torres reconheceu a existência de um contrato particular
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que vedada a partilha de bens.
Por fim, também já foi reconhecida a existência do contrato de namoro em um processo no Tribunal de
Justiça de São Paulo em 2008. Nas palavras do Desembargador Grava Brazil, “Verifica-se que os
litigantes convencionaram um verdadeiro contrato de namoro, celebrado em janeiro de 2005, cujo
objeto e cláusulas não revelam ânimo de constituir família”.56
Portanto, ao analisar as decisões jurisprudenciais acerca do tema, é possível notar que ainda são
poucas as decisões que entendem a existência do contrato de namoro, não sendo este ainda um meio
hábil para afastar os efeitos da união estável.
5 Conclusões
Existe uma nítida diferença entre a união estável e o namoro, porém, a comprovação dela é
extremamente dificultosa diante da regulamentação do instituto da união estável, especialmente sem a
necessidade de um prazo determinado para a sua configuração e com a falta de leis que determinem
sobre o namoro.
Diante de tais dificuldades, é inegável que o contrato de namoro pode ser usado como meio de afastar
o reconhecimento de uma entidade familiar, não podendo ser considerado um contrato nulo conforme
grande parte da doutrina pretende.
Este estudo analisou as consequências do amor líquido vivenciado pela sociedade atual, que faz com
que os relacionamentos amorosos contemporâneos sejam baseados na insegurança e em interesses
individuais, constituindo laços frouxos e facilmente revogáveis.
É certo que o namoro contemporâneo comporta experiências que antigamente só eram realizadas após
o casamento e, além disso, não é mais entendido como um período experimental anterior ao
casamento, podendo ser um mero relacionamento sem compromisso em constituir uma família. Dessa
forma, o namoro tem um significado atual que destoa da visão clássica de anos atrás, sendo
confundido inúmeras vezes com o instituto da união estável, trazendo as suas consequências jurídicas.
Portanto, este estudo buscou demonstrar que, apesar de a doutrina majoritária e a jurisprudência
dominante entenderem que o contrato de namoro deve ser considerado nulo, por meio dele é possível
identificar a existência ou não da intenção de constituir família, sendo o que diferencia a união estável
do namoro. Ademais, é de notório conhecimento que não basta apenas o contrato, havendo a
necessidade de se espelhar a realidade vivida pelo casal, que deverá ser analisada pelo Magistrado no
caso concreto.
6 Referências
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito de família mínimo: a possibilidade de aplicação e o campo de
incidência da autonomia privada no direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Zahar, 2004-06-21.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Zahar, 2001.
BAUMAN, Zygmunt. Vida a crédito: conversas com Citali Rovirosa-Madrazo. Trad. Alexandre Werneck.
Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
BRITO, Rodrigo Toscano de. Conceito atual de família e suas repercussões patrimoniais. In: DIAS, Maria
Berenice (org.). Direito das famílias. São Paulo: Ed. RT, 2009.
CHAVES, Jaqueline Cavalcanti. "Ficar com": um estudo sobre um código de relacionamento no Brasil. 3.
ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 7.ed. rev., atual e amp. São Paulo: Ed. RT, 2010.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSEENVALD, Nelson. Curso de direito civil – Direito das famílias.
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1 LÔBO, Paulo. Direito Civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 21
2 Ibidem, p. 16
3 GONÇALVES, Carlos R. Direito civil brasileiro 3 – Contratos e atos unilaterais. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 24-25.
4 VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil – v. 3 – Contratos. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 7.
5 LÔBO, Paulo. Direito Civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 25.
6 VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil – v. 3 – Contratos. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 7.
7 GONÇALVES, Carlos R. Direito civil brasileiro 3 – Contratos e atos unilaterais. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 22.
8 VENOSA, Sílvio Salvo. Direito Civil – v. 3 – Contratos. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 14.
9 GONÇALVES, Carlos R. Direito Civil brasileiro 3 – Contratos e atos unilaterais. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 42.
10 PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de direito civil – v. III – Contratos. 21. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2017. p. 186.
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11 “Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste
Código.”
12 GONÇALVES, Carlos R. Direito civil brasileiro 3 – Contratos e atos unilaterais. 13. ed. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 33-34.
14 Idem.
15 BAUMAN, Zygmunt. Vida a crédito: conversas com Citali Rovirosa-Madrazo. Trad. Alexandre
Werneck. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 217.
16 BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 7.
17 BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar,
2004-06-21. p. 14.
18 BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Trad. José
Gradel. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 199.
19 BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 27.
20 BAUMAN, Zygmunt. A arte da vida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p.
25-26.
21 BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar,
2005. p. 115.
23 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. v.5: Família. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 4.
24 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. v. 6 – Direito de família. 14. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 32.
25 Idem.
26 PINHEIRO, Luiz Claudio. História do novo Código Civil. Disponível em: [http://www2.camara.leg.br/
camaranoticias/noticias/25690.html]. Acesso em: 05.11.2017.
27 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSEENVALD, Nelson. Curso de direito civil – Direito das famílias.
Salvador: Jus Podivn, 2012. p. 49.
28 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. v. 6 – Direito de família. 14. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 604.
29 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 7. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Ed. RT,
2010. p. 169.
30 LÔBO, Paulo. Direito Civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 167.
31 Ibidem, p. 165.
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33 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil – Direito das famílias.
Salvador: JusPodivn, 2012. p. 382.
35 TJRS, Apelação Cível 70065287575, 7ª Câmara Cível, Relator Liselena Schifino Robles Ribeiro, j.
29.07.2015.
37 BRITO, Rodrigo Toscano de. Conceito atual de família e suas repercussões patrimoniais. In: DIAS,
Maria Berenice (org.). Direito das famílias. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 80.
39 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT,
2009. p. 83-84.
40 LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 47.
41 BARBOSA, Arruda Àguida. Apud LÔBO, Paulo. Direito Civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2014. p. 48.
42 SERPA. apud LÔBO, Paulo. Direito civil: contratos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 19.
43 ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito de família mínimo: a possibilidade de aplicação e o campo
de incidência da autonomia privada no direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 144.
44 Artigo XII: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou
na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção
da lei contra tais interferências ou ataques”.
45 ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Direito de família mínimo: a possibilidade de aplicação e o campo
de incidência da autonomia privada no direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 145.
46 VENOSA, Silvio de Salvo. Contratos afetivos: o temor do amor. Notas e Comentários. Revista
Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 44, p. 83, set.-out. 2011.
47 Ibidem, p. 183-184.
48 LOBO, Paulo. Direito civil – Famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 166.
49 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 186.
50 TARTUCE, Flávio. Direito de família: Namoro – Efeitos Jurídicos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 256.
52 SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Contrato de namoro. Estadão Política. Disponível em: [http://
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53 Idem.
54 TJRS, 7ª Câmara Cível, Apelação Cível 70006235287, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j.
16.06.2004.
55 TJRJ, 19ª Câmara Cível, Apelação Cível 0000305-63.2006.8.19.00003 (2009.001.13617), rel. Des.
Marcos Alcino A. Torres, j. 15.09.2009.
56 TJSP, 9ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível 554.280-417-00, rel. Des. Grava Brazil, j.
12.07.2008.
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