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Volume 11 – Número 1 (2022) - Porto Alegre – Rio Grande do Sul – Brasil

O CONTRATO DE NAMORO E A SUA VALIDADE PERANTE O ORDENAMENTO


JURÍDICO BRASILEIRO

DATING CONTRACT AND ITS VALIDITY BEFORE THE BRAZILIAN LEGAL


ORDER

Fabiana Janke Batista1

Resumo: O trabalho “O contrato de namoro e a sua validade perante o ordenamento jurídico


brasileiro” tem como finalidade estudar o conceito de contrato perante o direito civil brasileiro,
e o instrumento do contrato de namoro enquanto negócio jurídico, chegando, por fim, à questão
da sua validade jurídica. Com esse intuito, o trabalho inicia conceituando o contrato como
negócio jurídico e apresentando os requisitos para que o ato jurídico seja considerado válido
juridicamente. Outrossim, o estudo busca conceituar o relacionamento afetivo, identificando os
pressupostos que individualizam o namoro na contemporaneidade, e apresentando,
consequentemente, a liquidez reconhecida nas relações afetivas da atualidade e o termo
“namoro qualificado”, cujo significado não se confunde ao instituto da união estável. Nesse
ínterim, o estudo pontua as características peculiares do namoro qualificado, as quais não
permitem confundi-lo com o instituto da união estável, especialmente no que diz respeito ao
objetivo de formação de uma entidade familiar e referente aos reflexos patrimoniais deste
modelo que poderá ser convertido ou não em casamento. Analisa, igualmente, o contrato de
namoro sob a perspectiva do direito de família mínimo, construída sob o fundamento de que a
autonomia privada deve preponderar e reger as relações familiares e/ou afetivas. Em razão de
sua relevância jurídica, o contrato de namoro motivou a escolha do presente tema uma vez que
sua validade perante o ordenamento jurídico brasileiro, além de gerar discussões doutrinárias
alusivas à possibilidade jurídica de seu objeto, incide, inevitavelmente, sobre o direito de
família, enaltecendo a autonomia privada nas relações afetivas.

Palavras-chave: Contrato - Namoro – Validade Jurídica.

Abstract: The work "Dating contract and its validity before the Brazilian legal order" aims to
study the concept of contract before Brazilian civil law, well as the instrument of the dating
contract as a legal business, finally reaching the question of its validity in the legal sphere. For
that purpose, the work begins conceptualizing the contract as a legal business and presenting
the requirements for the legal act to be considered legally valid. Equally, the study aims
conceptualize the loving relationship, identifying the assumptions that individualize dating in
contemporaneity, presenting, consequently, the liquidity recognized in the affective
relationships of today and the term "qualified dating", whose meaning is not confused with the
institute of stable union. In this context, the study points out the peculiar characteristics of
qualified dating, which do not allow confusing it with the institute of stable union, especially
with regard to the objective of formation of a family entity and with respect to the patrimony
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Graduada no curso de Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade da Região da Campanha/Bagé/RS. Pós-
graduada em Direito Contratual pela UNIAMÉRICA. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela
Faculdade Damásio de Jesus. Mediadora privada de conflitos. Advogada, OAB/RS n.º 94.143.
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reflexes of this model that may or may not be converted into marriage. It also analyzes the
dating contract from the perspective of the minimum family law, built on the basis that private
autonomy must preponder and govern family and/or affective relationships. At this point, due
to its legal relevance, the dating contract motivated the choice of the theme of this article, since
its validity before the Brazilian legal order, besides generating doctrinal discussions regarding
the legal possibility of its object, inevitably focuses on family law, exalting private autonomy
in affective relationships.

Key words: Contract - Dating - Legal Validity.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo científico tem por escopo estudar o contrato de namoro e a sua
validade perante o ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, no primeiro item, analisar-se-á o
conceito de contrato como negócio jurídico à luz do direito civil, bem como os pressupostos
que permitem conferir validade jurídica ao referido instrumento. No segundo item,
conceituaremos o namoro, relação afetiva que, atualmente, pode ser analisada sob a perspectiva
do amor líquido, bem como delinearemos as características que não permitem confundir o
namoro qualificado com o instituto da união estável. Por fim, no terceiro item, adentrar-se-á no
tema núcleo do presente trabalho, o contrato de namoro e sua validade perante o ordenamento
jurídico brasileiro, momento em que será apresentado o seu conceito; a relação com o direito
de família mínimo, o qual entende que a autonomia privada deve reger as relações familiares;
e, por derradeiro, a análise sobre a sua existência no plano da validade jurídica.
A relevância jurídica do tema revela-se na contemporaneidade das relações afetivas, as
quais encontram, no direito contratual, subsídio suficiente para materializar a autonomia
privada e o direito de família mínimo, validadas pelo ordenamento jurídico desde que
observados os pressupostos legais, mas rechaçadas pontualmente pela doutrina majoritária,
discussão que justifica o presente estudo.
Em razão disso, o trabalho em tela objetiva levantar o questionamento acerca da
validade jurídica do contrato de namoro, em especial quando confrontado com o instituto da
união estável, somente possível diante do estudo pontual do conceito de amor líquido, do olhar
preponderante do direito de família mínimo e da análise da legislação vigente no país e do
entendimento doutrinário.

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A metodologia utilizada para realização deste trabalho foi a qualitativa, buscando-se na


legislação brasileira, na análise jurisprudencial e na pesquisa bibliográfica o suporte para o
desenvolvimento do conteúdo.

2 DO CONTRATO
2.1 Conceito

Primeiramente, vale observar que a legislação brasileira não buscou apresentar um


conceito de contrato no Código Civil de 2002. Em razão disso, faz-se necessário conceituar o
instrumento do contrato a partir do entendimento doutrinário.
Para isso, é imprescindível iniciarmos o estudo trazendo o conceito clássico atribuído
ao contrato pelo jurista e legislador brasileiro Clóvis Bevilaqua (1934), o qual afirma que o
contrato representa um “acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou
extinguir direitos”.
Nesse ponto, Cassetari (2013) acrescenta que o contrato se apresenta como um negócio
jurídico bilateral ou plurilateral. Isto é, se trata de um instrumento que cria, modifica, conserva
ou extingue direitos e deveres, obedecendo, imprescindivelmente, a vontade de duas ou mais
pessoas, as quais são identificadas como sujeitos ativos ou passivos da relação contratual.
Por derradeiro, vale ressaltar que, historicamente, as relações contratuais abrangiam
exclusivamente situações econômicas, somente admitindo-se que outras questões fossem
consideradas como objeto do instrumento contratual após a promulgação da Constituição
Federal de 1988 e o advento do Código Civil de 2002, quando, por exemplo, as relações
familiares passaram a compor o conteúdo dos contratos (JUNIOR, 2011 apud NOGUEIRA,
2014).

2.2 Pressupostos de validade no negócio jurídico

Uma vez conceituado o contrato, torna-se imprescindível a análise dos pressupostos que
irão conferir a validade desse negócio jurídico. Tais pressupostos estão previstos no artigo 104
do Código Civil de 2002, quais sejam: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei. Ou seja, não basta que seja firmado um

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contrato entre dois ou mais agentes, é necessário que o instrumento contratual obedeça aos
requisitos de validade para que o negócio jurídico possa produzir seus efeitos.
Pois bem, antes de verificarmos os pressupostos de validade propriamente ditos,
imperioso ponderarmos que eles compõem o segundo degrau da renomada Escada Ponteana,
elaborada pelo reconhecido jurista brasileiro Pontes de Miranda, o qual, em sua obra Tratado
de Direito Privado, datada em 1974, observou que, para o negócio jurídico ser considerado
perfeito, ele deve passar por três planos distintos, os quais são esquematizados pelo doutrinador
clássico em degraus: plano da existência, plano da validade e plano da eficácia (BRASIL, 2020).
Nessa senda, conforme aduz Brasil (2020), uma vez preenchidos os requisitos do plano
da existência (agente, objeto, forma e vontade), o negócio jurídico passará ao segundo degrau
da Escada Ponteana, no qual serão observados os pressupostos do plano da validade (agente
capaz; objeto lícito possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em
lei). O autor esclarece, todavia, que os requisitos do plano da eficácia, terceiro degrau da Escada
Ponteana, são chamados de acidentais, pois, ao contrário dos demais, podem ser dispensáveis,
quais sejam: condição, termo ou encargo (TARTUCE, 2018 apud BRASIL, 2020).
Isto posto, oportuno o estudo dos pressupostos de validade do negócio jurídico
individualmente, considerando que o instrumento contratual, por se tratar conceitualmente de
um negócio jurídico, obedece, de uma forma geral, aos requisitos expostos a seguir:
a) Agente capaz: a capacidade dos agentes se apresenta como o primeiro
pressuposto subjetivo de validade do negócio jurídico. Segundo ela, a incapacidade absoluta ou
relativa, previstas nos artigos 3º e 4º do Código Civil de 2002, devem ser supridas pela
representação ou pela assistência, a fim de que o negócio jurídico seja considerado válido
(NOGUEIRA, 2014).
b) Objeto lícito, possível, determinado ou determinável: Nogueira (2014)
destaca a impossibilidade de um objeto ilícito compor um negócio jurídico, bem como sinaliza
a importância dos requisitos possibilidade e determinação do objeto, uma vez que o
cumprimento e o conhecimento do conteúdo contratual devem estar disponíveis aos
contratantes.
c) Forma prescrita ou não defesa em lei: o professor Christiano Cassettari
elucida que (2013), via de regra, os negócios jurídicos não são solenes, exceto quando a lei
expressamente determinar que seja obedecida determinada solenidade, como é o caso da

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exigência de escritura pública em negócios jurídicos que versem acerca de direitos reais sobre
bens imóveis avaliados acima de trinta salários mínimos.
Superada a apreciação individual dos pressupostos de validade do negócio jurídico e,
consequentemente, do instrumento contratual, analisaremos o instituto do namoro, sua relação
atual com o conceito de amor líquido e as características que o diferem da constituição de uma
união estável.

3 DO NAMORO

3.1 Conceito

O conceito de namoro tem sofrido modificações com o passar dos anos, assemelhando-
se ao instituto de união estável, uma vez que os casais contemporâneos cada vez mais almejam
uma relação duradoura, contínua e pública. Esse é o entendimento da autora Pinto (2020), a
qual conceitua o namoro da seguinte forma:

O namoro é uma condição ou um estado transitório, em que as pessoas mantém uma


relação amorosa, com o intuito de se conhecerem melhor e criarem um vínculo
recíproco de afetividade. A posteriori, se a relação e o convívio forem satisfatórios
para ambos, o namoro tende a se converter em matrimônio, por meio do casamento
ou da união estável.

Sobre o tema, a autora Marília Pedroso Xavier (2020) esclarece a divisão de opiniões
acerca das mudanças enfrentadas no namoro com o passar dos tempos. Primeiramente, a
doutora em Direito Civil apresenta o posicionamento do professor Felipe Aquino, doutrinador
católico que defende o namoro como sendo um assunto sério, encarado atualmente de forma
inconsequente, e que deveria possuir como finalidade exclusiva o casamento (AQUINO, 2009
apud XAVIER, 2020, p. 93). Por outro lado, a autora apresenta a opinião do médico psicanalista
Francisco Daudt Veiga, o qual não apenas celebra o atual conceito de namoro, como também
incentiva seus pacientes a viverem experiências que permitam a eles decidir sobre a
possibilidade ou não de contraírem o casamento (XAVIER, 2020, p. 93).
Habituando-se ao novo conceito de namoro, o qual considera o instituto não mais como
uma fase preparatória ao casamento, mas como uma relação duradoura por si só, o Superior
Tribunal de Justiça firmou importante precedente abordando o tema e utilizando o termo
“namoro qualificado” para contextualizar a nova realidade, como podemos ver:
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“Na relação de namoro qualificado os namorados não assumem a condição de


conviventes porque assim não desejam, são livres e desimpedidos, mas não tencionam
naquele momento ou com aquela pessoa formar uma entidade familiar. Nem por isso
vão querer se manter refugiados, já que buscam um no outro a companhia alheia para
festas e viagens, acabam até conhecendo um a família do outro, posando para
fotografias em festas, pernoitando um na casa do outro com frequência, ou seja,
mantêm verdadeira convivência amorosa, porém, sem objetivo de constituir família
(STJ, REsp 1.263.015/RN, 3ª Turma, Rel. Min Nancy Andrighi, julgado em
19/6/2012, DJe 26/6/2012)” (TARTUCE, 2018).

Ainda neste contexto, o doutrinador Euclides de Oliveira, em sua obra “A escalada do


afeto no direito de família: ficar, namorar, conviver, casar”, acrescenta:

De qualquer forma, o namoro traz ínsita a ideia de respeito mútuo e de fidelidade entre
as pessoas envolvidas. Não significa estarem elas obrigadas a manter o caso, muito
menos a caminho seguro do altar. Pode haver rompimento, é comum a desistência de
namoro e a sua volta lacrimosa, sempre na busca de um acerto na relação, que pode
ou não acontecer nessa fase. (OLIVEIRA, 2005, p. 14)

Como vimos, a doutrina majoritária aponta para um novo conceito de namoro, segundo
o qual o casal mantém o relacionamento sem necessariamente visar a constituição de uma
entidade familiar. Com base nessa perspectiva, analisaremos o conceito de amor líquido,
intrinsecamente pertinente no que diz respeito aos relacionamentos afetivos contemporâneos.

3.2 Conceito de amor líquido

A teoria denominada “modernidade líquida” foi elaborada pelo sociólogo Zygmynt


Bauman, sendo um dos objetos de estudo da autora Marília Pedroso Xavier na obra “Contrato
de namoro: amor líquido e direito de família mínimo” (2020).
Conforme descrito pela autora, a escolha do termo “líquido” encontra subsídio no estado
físico propriamente dito, uma vez que “os sólidos possuem dimensões espaciais bem
delineadas, sendo moldados com ânimo de definitividade”, enquanto “os líquidos são
identificados peça fluidez, não conseguindo manter uma forma fixa por muito tempo”
(BAUMAN, 2001 apud XAVIER, 2020, p. 31-32).
Segundo Bauman, a sociedade líquido-moderna é caracterizada por “uma grande
sucessão de reinícios, já que nada tende a ser duradouro”. Consequentemente, “as rupturas,
rotineiras, tornam-se cada vez mais rápidas e indolores” (BAUMAN, 2007 apud XAVIER,
2020, p. 33).

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Nesse contexto, infere-se que os relacionamentos afetivos na sociedade líquido-


moderna ocorrem a curto prazo, diante do receio em assumir um compromisso, percebido como
uma ameaça na contemporaneidade (BAUMAN, 2005 apud XAVIER, 2020, p. 57).
Sob essa perspectiva, Bauman também argumenta que o individualismo tem prevalecido
nos relacionamentos amorosos contemporâneos, o que justificaria o amor líquido vivenciado
na sociedade moderna. Vale transcrever o entendimento do renomado autor:

A tradicional noção romantizada de amor, como uma parceria exclusiva regida pelo
lema “até que a morte nos separe”, é suplantada por uma concepção individualista em
que a relação perdura cada vez menos. Em outras palavras, enquanto for estritamente
conveniente. (BAUMAN, 2005 apud XAVIER, 2020, p. 57)

Em suma, de acordo com o estudo realizado por Xavier (2020), o namoro é encarado na
sociedade moderna como um relacionamento que não anseia, essencialmente, por produzir
efeitos jurídicos, razão pela qual tem sido a escolha de casais que preferem e escolhem viver o
amor líquido.

3.3 Paralelo entre namoro e união estável

Diante do novo conceito atribuído ao namoro contemporâneo, e do novo cenário


apresentado pela teoria do amor líquido, doutrinadores passaram a discorrer sobre quais
características impediriam que o namoro qualificado, ou duradouro, fosse confundido com o
instituto da união estável. Em virtude disso, uma vez conceituado o namoro, passaremos à
análise da união estável, traçando, ao final, um paralelo entre os dois institutos.
Nessa senda, por união estável compreende-se “a união livre e estável de pessoas livres
de sexos diferentes, que não estão ligadas entre si por casamento civil” (DINIZ, 2014, p. 408).
Apesar de que um dos seus requisitos seja a união entre pessoas de sexos opostos, Diniz (2014)
traz à baila recente entendimento reconhecendo a união estável homoafetiva, decisão proferida
pelo Supremo Tribunal Federal, através da ADI 4.277 e da ADPF 132 (p. 408).
Outrossim, vale salientar que esta entidade familiar foi primeiramente regulada pela Lei
n.º 8.971/94 e, posteriormente, criada pelo artigo 226, § 3º, da Constituição Federal, segundo
Cassettari (2013).

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Neste sentido, prevê a norma constitucional: “para efeito da proteção do Estado, é


reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento” (BRASIL, 1989).
Desta maneira, assim como o casamento, a união estável é considerada uma entidade
familiar, motivo pelo qual também possui previsão de dissolução, apesar de não exigir
solenidade para sua constituição, que se dará a partir da propositura de uma ação judicial
requerendo a declaração do seu reconhecimento, “momento em que deverá ser comprovada a
convivência pública, duradoura e contínua do casal” (CASSETTARI, 2013, p. 523).
Madaleno (2014) refere o fato de a união estável ter sua origem na informalidade, na
convivência afetiva de um casal como se fossem casados. Por esta razão, a sua extinção também
se dá de forma simples, sendo dispensáveis protocolos.
Pois bem, como observamos, o namoro qualificado e a união estável possuem sim
diversas características em comum. Contudo, Pinto (2020) pontua que a principal distinção
entre os dois institutos se refere ao intuito de constituir ou não uma família:

Diante do conceito apresentado acima, reitera-se que a informalidade e os elementos


caracterizadores são aspectos comuns, tanto na união estável, quanto no namoro.
Entretanto, o foco principal está na distinção existente, que se resume, basicamente,
no ânimo de se constituir família. Isto é, ao contrário do que ocorre no instituto da
união estável, no namoro, apesar de existir um forte vínculo afetivo entre o casal, não
há um interesse imediato em formar família, podendo ser um plano para o futuro.
(PINTO, 2020)

Finalmente, Veloso (2016) explica a distinção na seara patrimonial, afirmando que, “ao
contrário da união estável, tratando-se de namoro - mesmo do tal namoro qualificado -, não há
direitos e deveres jurídicos, mormente de ordem patrimonial entre os namorados”. Além disso,
o jurista esclarece que, por conseguinte, “não há, então, que falar-se de regime de bens,
alimentos, pensão, partilhas, direitos sucessórios, por exemplo”.
Sendo assim, traçado o paralelo entre o namoro e a união estável, bem como delineadas
suas características e distinções, abordaremos o tema núcleo do presente trabalho, conceituando
o contrato de namoro, sua relação com o direito de família mínimo e, por fim, delimitando sua
validade perante o ordenamento jurídico brasileiro.

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4 DO CONTRATO DE NAMORO

4.1 Conceito

De acordo com Xavier (2020), o contrato de namoro consiste em uma espécie de


negócio jurídico celebrado entre duas pessoas que mantêm um relacionamento afetivo, mas não
desejam construir uma família juntas.
Pinto (2020) corrobora o conceito supramencionado sobrepondo que o contrato de
namoro consiste na “manifestação de vontade das partes expressa em um documento, composto
por requisitos e cláusulas de cunho obrigatório, que busca exteriorizar o pensamento acerca dos
reais compromissos existentes entre o casal”.
Neste sentido, no ponto de vista da autora supracitada, o objetivo principal do contrato
de namoro “é afastar os efeitos jurídicos oriundos da união estável e evitar consequências, como
partilha de bens, aplicação de regime de bens, fixação de alimentos ou até mesmo direitos
sucessórios” (PINTO, 2020).
Vale salientar que o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que zela pela
proteção das famílias e pelos princípios que regem as relações afetivas, publicou matéria,
inclusive, abordando o contrato de namoro como sendo um instrumento eficaz para reger
relacionamentos durante a pandemia do coronavírus, quando casais optaram por coabitarem
durante a pandemia, mas sem o intuito de constituírem família (IBDFAM, 2020a).
O IBDFAM colheu, ainda, o comentário da advogada Marília Pedroso Xavier sobre o
assunto, a qual afirmou que o contrato de namoro serve como prova justamente do “elemento
anímico” do casal. Além disso, quanto à forma de elaboração do contrato, a especialista
explana:
Não existe forma especial para sua pactuação, mas sugerimos que seja sempre
redigido por um advogado familiarista que possa bem clausular os termos do
relacionamento, trazendo segurança para as partes. Também a forma pública pode
gerar mais segurança, pois permite a extração futura de cópias e também atesta a
veracidade das firmas ali contidas (IBDFAM, 2020a).

Enfim, sobre a possibilidade de o assunto ser regulamentado em um instrumento


contratual, o jurista Zeno Veloso declara que a legislação brasileira não veda a celebração dos
contratos de namoro (2009). A professora Xavier (2020) complementa indicando o disposto no

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artigo 425 do Código Civil Brasileiro, o qual autoriza às partes estipularem contratos atípicos,
ou seja, não previstos em lei, como é o caso do contrato de namoro.

4.2 Princípio da autonomia privada e direito de família mínimo

Seguindo nessa esteira, percebe-se que o contrato de namoro, negócio jurídico atípico,
busca reger a vontade privada de um casal, que não nutre a intenção de formar um núcleo
familiar. Essa premissa está intimamente ligada não só ao princípio da autonomia privada, como
também zela pelo direito de família mínimo.
Para Moraes (2010 apud XAVIER, 2020, p. 79), o princípio da autonomia privada pode
ser conceituado da seguinte maneira:

A expressão “autonomia privada” deve ser entendida não mais apenas como liberdade
contratual, sob uma acepção patrimonialista, mas no seu sentido mis amplo: como a
manifestação do poder da vontade individual, ou melhor, como a manifestação da
vontade do sujeito de direitos em relação a todos os atos da vida civil, sejam
patrimoniais ou não patrimoniais. (MORAES, 2010 apud XAVIER, 2020, p. 79)

Isto é, a liberdade para celebrar o contrato de namoro está interligada ao princípio da


autonomia privada, que garante ao casal o poder de manifestar sua vontade em um instrumento
que irá disciplinar o seu relacionamento (NETTO, 2018).
Em regra, segundo Teixeira e Rodrigues (2010), o princípio da autonomia privada deve
gerenciar as relações afetivas, com exceção apenas no caso de uma das partes envolvidas ficar
exposta a vulnerabilidade, hipótese em que o Estado intervirá no relacionamento visando
protegê-la.
Sob essa perspectiva, adentramos inevitavelmente no direito de família mínimo, que
encontra origem no direito penal mínimo, como ensina Xavier (2020). Isso porque, assim como
o direito penal mínimo prevê que o Estado somente poderá intervir para tutelar os bens mais
caros à sociedade, o direito de família mínimo dispõe que o Estado somente poderá intervir no
âmbito familiar para assegurar a proteção dos direitos considerados fundamentais (ALVES,
2010 apud XAVIER, 2020).
Depreende-se, portanto, que o contrato de namoro encontra subsídio não somente no
direito civil brasileiro, que permite a celebração de contratos atípicos, mas também no princípio
da autonomia privada, que, em regra, rege as relações afetivas, e, consequentemente, no direito

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de família mínimo. Entretanto, persiste o questionamento: ainda assim, esse instrumento


contratual possui validade perante o ordenamento jurídico?

4.3 Validade do contrato de namoro perante o ordenamento jurídico brasileiro

Muito embora o contrato de namoro seja um negócio jurídico cuja existência é amparada
pela legislação vigente, persistem divergências doutrinárias em relação a sua validade jurídica,
como aponta Pinto (2020). Consoante entendimento da autora, “a maioria esmagadora da
doutrina entende que essa declaração de vontade representa apenas um ‘nada jurídico’, pelo
fato da impossibilidade jurídica do objeto”.
Nesse diapasão, Dias (2013) comenta que o objetivo central da celebração do contrato
de namoro, de prevenir responsabilidades e incomunicabilidade de patrimônios, não possui
valor jurídico, vez que o instrumento assegurará tão somente a existência de uma relação
afetiva, razão pela qual o contrato de namoro “é algo inexistente e desprovido de eficácia no
seio do ordenamento jurídico”.
Em consonância, Coelho explica o posicionamento majoritário da doutrina, defendendo
que “o contrato de namoro não prevalecerá, evidentemente, quando provado o preenchimento
dos requisitos legais da união estável ou mesmo se demonstrando que aquela intenção originária
alterou-se com o tempo (2012, p.142)”
Tartuce (2017, p. 16), por sua vez, concorda com os autores supracitados, declarando
que o contrato de namoro “é nulo nos casos em que existe entre as partes envolvidas uma união
estável, por ser nulo o objeto do contrato e também é nulo por fraude à lei imperativa”.
Todavia, segundo matéria publicada pelo IBDFAM (2020b), a doutrina minoritária
defende a validade do contrato de namoro desde que preenchidos os pressupostos de validade
do negócio jurídico, estudados no item 2.2, e no que diz respeito à produção de efeitos para que
o relacionamento não seja confundido com o instituto da união estável.
Adepto ao entendimento doutrinário minoritário acerca da validade jurídica do contrato
de namoro, o advogado Leonardo Amaral, entrevistado pelo IBDFAM, pontuou:

Se já houve a evolução do Direito de Família no sentido de que o STJ, através do


namoro qualificado, define não existir, em determinado relacionamento, uma união
estável – ante a ausência de intenção de constituição de uma família –, como continuar
a negar efeitos jurídicos aos contratos de namoro? (IBDFAM, 2020b)

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Diante do exposto, conclui-se que o contrato de namoro, muito embora tenha sua
existência assegurada perante o direito civil brasileiro, não encontra respaldo frente a doutrina
majoritária, que não atribui ao instrumento validade jurídica para produzir efeitos no
ordenamento jurídico, em especial quando reconhecidos os pressupostos que caracterizam a
constituição de uma união estável e não de um namoro qualificado.

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho analisou, incialmente, a figura do contrato como negócio jurídico


perante o direito civil brasileiro, apresentando, em seguida, os pressupostos de validade
necessários para que o instrumento seja reconhecido juridicamente.
Em seguida, foi realizado um estudo sobre o namoro e a sua definição contemporânea,
chegando-se à conclusão de que os relacionamentos afetivos da sociedade moderna são
identificados pela curta duração, pelos constantes recomeços e pelo receio em assumir
compromissos, em especial no que diz respeito à produção de efeitos no âmbito jurídico.
Observadas essas características, chegou-se ao conceito de amor líquido, cuja
informalidade permite confundi-lo com o conceito de união estável. Nesse ponto, foi construído
um paralelo entre os institutos do namoro e da união estável, o qual admitiu pontuarmos que o
anseio pela formação de uma família e os reflexos patrimoniais do relacionamento amoroso não
permitem associá-los a um único conceito.
Por conseguinte, adentramos no tema principal do presente trabalho, quando foi
examinado o contrato de namoro. Em um primeiro momento, destacou-se o seu conceito e a
sua existência perante o direito civil brasileiro, que autoriza a celebração de contratos não
previstos em lei, chamados atípicos. Posteriormente, foi necessário verificarmos o princípio da
autonomia privada e o conceito de direito de família mínimo, os quais dão suporte à celebração
do contrato de namoro e, justamente, buscam atender exclusivamente ao desejo do casal de ver
seu relacionamento protegido por um negócio jurídico, com o intuito de não configurá-lo em
uma entidade familiar e de não produzir efeitos patrimoniais.
Por fim, através da pesquisa doutrinária, concluímos que, muito embora o contrato de
namoro seja uma realidade defendida pela doutrina minoritária como suficiente para distinguir
e proteger o namoro qualificado dos reflexos da configuração de uma união estável, ele não
encontra subsídio na doutrina majoritária pátria, a qual considera que o instrumento não possui

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validade perante o ordenamento jurídico, sendo considerado nulo, em especial quando o namoro
constitui, de fato, união estável.

REFERÊNCIAS

BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 4. ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1934.

BRASIL. Código Civil Brasileiro. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm Acesso em: 05 de jan. de
2021.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 04 de jan. de
2021.

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