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A UTILIZAÇÃO DA BOA-FÉ NOS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA

Resumo

Tem-se como pretensão evidenciar neste artigo, o modo em que o Princípio da boa-fé
objetiva foi utilizado no decorrer do tempo e, ao mesmo passo, constatar sua inserção
progressiva no ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, faz-se mister, demonstrar o
aperfeiçoamento desse princípio, que detinha apenas a interpretação subjetiva e passou a ter
um aspecto objetivo. Nesse ínterim, serão ressaltadas as alterações e ganhos ocasionadas por
tal mudança, com ênfase nos contratos.

Palavras-Chave: Boa-fé objetiva- Contratos- Aplicação

SUMÁRIO

1- Introdução...........................................................................................................................

2- Retomada histórica e o surgimento da boa-fé objetiva no direito


brasileiro.................................................................

3- Boa-fé objetiva: conceito e positivação no Código Civil de 2002..................................

4- A concepção de boa-fé subjetiva.....................................................................................

5- Boa-fé objetiva nos contratos de compra e venda.........................................................

6- Conclusão.........................................................................................................................

1- INTRODUÇÃO

Para melhor elucidar a importância e aplicação do princípio da boa-fé objetiva no


Direito brasileiro, torna-se indispensável fazer uma retomada histórica. Desse modo, o
instrumento de análise utilizado para concretizar tal objetivo é o direito comparado; pois a
partir de tal parâmetro, far-se-á possível compreender a influência e a relevância gradativa
que esse princípio desenvolveu ao longo do tempo e espaço. Por conseguinte, pode-se
mensurar e avaliar sua repercussão no ordenamento jurídico brasileiro e determinar as
consequências advindas de sua utilização.

Dessa maneira, quando se remete à boa-fé, não se restringe apenas ao caráter objetivo,
mas também, seu caráter subjetivo. Aliás, algo primordial a ser salientado, é que o
surgimento da boa-fé objetiva não extinguiu a boa-fé subjetiva. A última, por sua vez,
também está positivada no Código Civil e é utilizada no ordenamento jurídico. Para
esclarecer o seu uso, será mostrado, no decorrer do artigo, o caso do credor putativo,
estabelecido no artigo 309 do Código Civil de 2002.

No entanto, em algumas situações, como por exemplo nas relações de contratos e


obrigações, o critério subjetivo não era adequado, pois não era possível aferir a intenção e a
vontade da parte quando praticou ou celebrou algum ato negocial. Nesse ínterim, o intuito
deste artigo é avaliar as vantagens da utilização do critério objetivo nas relações contratuais,
com ênfase nos contratos de compra e venda.

Não obstante, além do princípio da boa-fé objetiva, existe outro princípio regulador
das relações contratuais e obrigacionais. Tal princípio é o da autonomia da vontade. Esse
princípio tem suas raízes no Direito Romano, no qual a individualidade era uma das
características que permeavam a sociedade. Todavia, com a evolução das sociedades,
percebeu-se que quem detinha um poderio econômico controlava os efeitos dos negócios
jurídicos, sua vontade era imposta sobre a outra parte. Sendo assim, o princípio da boa-fé
objetiva foi desenvolvido com o escopo de criar limites de cunho moral, baseado na lealdade
e cooperação, que promovem um maior equilíbrio entre as partes e maior igualdade entre as
mesmas.

Diante do exposto, o artigo se propõe analisar decisões judiciais sobre adimplemento


substancial e credor putativo, para ilustrar como a boa-fé objetiva e subjetiva têm sido
utilizadas no país. O objetivo é aproximar a prática jurídica desenvolvida nos tribunais com a
teoria das doutrinas. E por fim, após explanações desenvolvidas, analisar a influência desse
princípio, como um instrumento de igualdade no Direito Privado.

2- RETOMADA HISTÓRICA E O SURGIMENTO DA BOA-FÉ OBJETIVA

Nesse ínterim, tem-se como exemplo o Código Civil Francês e o Código Civil
Alemão. Tratando-se do último, foi na jurisprudência comercial que a boa-fé objetiva se
firmou como um princípio. Posteriormente, o BGB reservou dois parágrafos consagrando-o:
o § 242, que ordena ao devedor e ao credor que ajam de acordo com os costumes do tráfego e
consoante aos ditames da boa-fé objetiva .Sendo assim de modo a resguardar os legítimos
interesses das partes a partir do contato negocial. E o § 157 regula a interpretação dos
contratos determinando que seja realizada de acordo com a confiança e a boa-fé. A partir dos
parágrafos supramencionados, os juristas alemães começaram a identificar a existência de
deveres acessórios ou obrigações anexas decorrentes da própria natureza do vínculo
assumido, ainda que não expressas nos contratos, prescindindo, assim, da vontade dos
contratantes.

O surgimento da boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro teve sua necessidade


exposta a partir da a autonomia privada. Sendo assim, somente após a concessão de poder por
parte da autonomia, que os indivíduos passaram a celebrar de acordo com suas
conveniên’’’cias, celebrar contratos válidos. Com o espaço de celebração mais amplo,
passou-se a gerar um desequilíbrio, pois a validação das imposições das partes sofriam forte
influência de fatores externos, como o poderio econômico ou informacional ou até mesmo
pela assessoria jurídica. “Logo a solidariedade, como preceito constitucional, impõe deveres
de cooperação e colaboração, sendo um fator limitador da autonomia privada, ao impor a
todos deveres positivos de colaboração, levando em conta as diferenças decorrentes da
condição social da cada um. Por sua vez, não é possível construir a justiça com fundamento
apenas nos direitos em detrimento dos deveres, considerando-se que, nos termos da
Constituição Federal, a justiça está intimamente ligada à solidariedade.” (SOUZA, 2012,
p.215)

Em primeira instância, a autonomia privada tinha como propósito criar um espaço


amplo para a determinação dos indivíduos, mas nos planos dos fatos comprometeu a
equiparidade entre as partes do contrato, na medida em que propiciava a imposição de um em
detrimento do outro. Nesse sentido, os tribunais têm utilizado o argumento da boa-fé objetiva
com o intuito de proteger as partes menos favorecidas, e dessa maneira tentar atingir um
equilíbrio entre as partes. “Nesse sentido, a boa fé objetiva passa a relativizar a autonomia
privada das partes permitindo os contratantes exercer sua liberdade contratual, de forma
equilibrada e cooperativa e, sobretudo, primando -se pela imprescindível observância ao
princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CR/88), valor fundamental a ser
realizado pelo ordenamento jurídico.” (309, SILVA; MATOS)

3- BOA-FÉ OBJETIVA: CONCEITO E POSITIVAÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002


O cerne da boa-fé induz que todo o indivíduo tem como obrigação seguir um padrão
de lealdade, eticidade e probidade, da mesma forma que deve agir tendo como padrão os
comportamento usuais de uma determinada comunidade, independentemente do acordo
celebrado entre os contratantes. Não resguardar a esse preceito traz consequências como o
descumprimento do contrato, podendo não gerar os efeitos por ele celebrado. “A expressão
boa-fé integra o vocabulário comum. É usada até mesmo pelas pessoas sem cultura. Quando
se diz que fulano está de boa-fé, todos entendem perfeitamente a frase. Em sentido amplo,
significa honestidade, lealdade, probidade. Expressa intenção pura, isenta de dolo ou
engano.” (ALVIM, 2007, p.43)

Dentre as mudanças realizadas pelo Novo Código Civil de 2002, está a positivação do
Princípio da boa-fé objetiva. Todavia, não seria ocioso lembrar que, a boa-fé já existia e em
certa medida era empregada pelos operadores do direito na efetivação de contratos e solução
de conflitos. Entretanto o Código Civil atual traz em seu texto referência explícita do
conteúdo que abarca o princípio da boa-fé objetiva, sendo assegurado pelo artigo 113 do
Código Civil Brasileiro expresso da seguinte maneira, “os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

Foi também assegurado pelo Código de forma inerente que a boa-fé objetiva transite
durante todo o processo contratual, desde o pré-contratual ao pós contratual. E, esse trânsito
entre as fases contratuais faz com que o princípio estejam presentes entre as partes de forma
contínua. De acordo com o artigo 422 do CC “os contratantes são obrigados a guardar, assim
na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé." Além
do mais, esse artigo elucida a obrigatoriedade de ambas as partes que se proponham a ter
uma conduta norteada pelo princípio de boa-fé objetiva.

Há determinações externas que estabelecem as obrigações de conduta de informação,


cuidado, ética e cooperação que devem ser resguardados na celebração de contratos. Essa
questão, foi assegurada pela lei com o propósito de evitar as chances de quebra de expectativa
das partes contratantes, trazendo assim maior segurança jurídica. “O intérprete parte de um
padrão de conduta comum, do homem médio, naquele caso concreto, levando em
consideração os aspectos sociais envolvidos. Desse modo, a boa-fé objetiva se traduz de
forma mais perceptível como uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com
determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos”. (VENOSA, 2002, p. 379)

Aliás, a boa-fé objetiva detém princípios inerentes a sua aplicação, como princípio da
eticidade que fala sobre a valorização da ética nos negócios jurídicos. Já o princípio da
socialidade diz respeito a interpretação dos contratos de forma compatível ao contexto social.
"A boa-fé, no sentido objetivo, é um dever das partes, dentro de uma relação jurídica, se
comportar tomando por fundamento a confiança que deve existir, de maneira correta e leal;
mais especificamente, caracteriza-se como retidão e honradez, dos sujeitos de direito que
participam de um relação jurídica, pressupondo o fiel cumprimento do estabelecido".
(MARTINS, 2000, p.73). Por último, tem-se a operacionalidade que fala sobre ao conceito
aberto que deve ser preenchido pelo aplicador do direito na proporcionalidade de cada caso.
Tudo isso tem como intuito promover negociações mais dinâmicas e práticas.
Caberia lembrar ainda a existência de funções que demonstram a aplicação da boa-fé
objetiva. São essas, a função criadora de deveres jurídicos e anexos ou de proteção, que tem
como finalidade tornar as situações pragmáticas. Criando assim, deveres colaterais que sejam
passíveis de aplicabilidade. Por outro lado, têm se a função interpretativa, considerada uma
das mais nobres funções devido a possibilidade do magistrado utilizar da função integradora.
Portanto, caso haja lacunas em relação à interpretação e o magistrado faça uso da função
integradora deve, sem hesitar, contemplar a conduta leal e a ética, por exemplo. Por fim, tem-
se a função delimitadora de direitos subjetivos que reporta o preceito constitucional em
relação à dignidade humana. Desse modo, confere aos negócios jurídicos um aspecto mais
social, coibindo assim, a predominância de interesses subjetivos ao almejar constituir
isonomia entre as partes contratantes. “(... função de limite ao exercício de direitos subjetivos
coibindo abusos e corrigindo distorções contratuais que poderão decorrer tanto da vontade
das partes ( em desacordo com a norma posta) quanto de fatores externos alheios a vontade
de contratantes (mas que também poderão causar situações de quebra de reciprocidade entre
os benefícios esperados e sacrifícios exigíveis dos mesmos)”. REVISTA DE DIREITO DO
CONSUMIDOR RDC, ano 25. 106 julho,agosto,2016.
O novo Código Civil estabelece três funções à boa-fé objetiva. Segundo Sylvio
Capanema, a priori, tem-se a função hermenêutica, disposta no artigo 113 do CC, segundo a
qual, os negócios jurídicos deverão ser interpretados de acordo com a boa-fé e os costumes
do local de celebração do contrato. A segunda é a contratual, essa por sua vez, determina
quais condutas devem ser tomadas pelas partes mediante um contrato. E por último, tem-se a
função de equilibradora da equação econômica do contrato, essa se objetiva a promover uma
paridade entre as partes para que a questão financeira não seja um fator influenciador na
realização do negócio jurídico. (CAPANEMA, 2013)
4- A CONCEPÇÃO DA BOA-FÉ SUBJETIVA

A boa-fé subjetiva é contemplada no ordenamento desde o Direito positivo, diz


respeito a um estado psicológico, caracterizado pela ausência de malícia, sendo preciso
indícios de que o sujeito, internamente, não teve a pretensão de prejudicar a outra parte. Um
estado em que caracteriza a ignorância do sujeito em relação ao conteúdo que foi infringido, e
a essa pessoa cabe um resguardo legal. “Na boa-fé subjetiva, o manifestante de vontade crê
que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um negócio.
Para ele há um estado de consciência ou aspecto psicológico que deve ser considerado”.
(VENOSA, 2006, p.393).

Um exemplo em que o Código civil protege o sujeito que age de boa-fé subjetiva é o
artigo 309, que aclara da seguinte maneira: “O pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é
válido, ainda provado depois que não era credor.” A boa-fé tratada neste artigo é a subjetiva.
A falta de conhecimento sobre o real credor sobre o com que o indivíduo fosse protegido pelo
ordenamento, mesmo que ele não tenha feito o pagamento de forma adequada. Dessa forma,
de acordo com Marco Antonio Zanelatto, o erro ou ignorância do agente leva-lhe a crer que
está agindo em conformidade com o Direito, por isso ela também é conhecida como boa-fé
crença (ZANELATTO, 2015). Logo, a boa-fé subjetiva mostra-se também tutelada pelo
Estado. O artigo 1201 do CC demonstra em seu texto que: “É de boa-fé a posse, se o
possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. Parágrafo único. O
possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou
quando a lei expressamente não admite esta presunção.”

Nesse sentido, vários tribunais adotam o dispositivo do credor putativo em suas


decisões. Para ilustrar tal caso, tem-se uma apelação cível (Nº 70064765514) interposta no
estado do Rio Grande do Sul, na décima nona câmara cível na comarca de Porto Alegre.

CONDOMÍNIO. AÇÃO DE CONHECIMENTO CONDENATÓRIA. COTAS


CONDOMINIAIS.CREDOR PUTATIVO.
Não comprovada a má-fé do devedor, que realizou o pagamento em favor do
representante do condomínio, resta configurado o pagamento a credor putativo, na forma
estabelecida no art. 309 do Código Civil.

APELAÇÃO IMPROVIDA.

No caso em questão, o apelante (Condomínio Edifício Residencial Villa Fratelli)


acusava o apelado (Rodrigo Todeschini) de inadimplência de dívida de condomínio. Todavia,
no decorrer do processo, verificou-se que o réu havia pago as parcelas ao representante
administrativo do condomínio-autor (Marcelo de Menezes Kampmann). Desse modo,
constatou que o demandado pagou a quantia devida à quem se fazia representante. Portanto,
como o devedor criou uma expectativa de estar quitando a dívida e tinha motivos razoáveis
para considerar o representante o real credor, mesmo ele não o sendo, ele se torna um credor
putativo. Dessa maneira, a boa-fé subjetiva do agente proporciona que haja a produção dos
efeitos jurídicos.

5- BOA-FÉ EM CONTRATOS DE COMPRA E VENDA

Reconhecer a boa- fé através do comportamento do indivíduo não era tarefa fácil para
os magistrados. Nesse sentido, um contrato justo e livre de influências externas depende da
intenção individual. Esse fato gerava insegurança jurídica, uma vez que a vontade humana é
algo volátil não podendo, portanto, ser utilizada como garantia de contrato, pois é algo
instável, passível de mudança que poderiam ocorrer em qualquer uma das fases contratuais.

Sendo assim, um método eficaz para identificar se as condutas se excedem, ou até


mesmo sofram de inópia, é a criação, mesmo que imaterial, da conduta adequada para a
determinada situação. Sendo assim, poderia ser imaginado como um molde de conduta, no
qual a conduta que está sendo praticada deveria ser baseada e espelhada no molde “ideal”.
Dessa forma, traz ao molde uma característica situacional, variando conforme cada caso
analisado. Ademais, é de suma importância que cada caso detenha suas particularidades e,
por conseguinte esteja de acordo com seus costumes locais. E devido a consideração dos
costumes e peculiaridades do caso concreto, afirma-se que alcançou o devido processo legal,
não ocasionando nenhuma lesão a qualquer uma das partes.

Sendo assim, ao contar com critérios pré-determinados no Código Civil, a boa-fé sai
da subjetividade do sujeito, que só seria identificada com a manifestação das partes em fazer
um contrato ético. Nesse contexto, é um mecanismo que pode ser alegado nas
jurisprudências, como um modo que o ordenamento tem para assegurar a ambas as partes
uma conduta adequada. Este aparato deve ser vislumbrados em todos os tipos relações de
contratuais.

DIREITOS ANEXO E PRINCIPAIS NOS CONTRATOS E A BOA-FÉ

Segundo a autora Alessandra Mattos, a boa-fé objetiva nos contratos atribui efeitos
que anteriormente não estavam pré determinados, mas que precisam dele derivar. E também
trouxe uma função de tornar mais completo as lacunas daquilo que previamente não foi
celebrado.

Para entender melhor como atua a boa-fé nos contratos de compra e venda, temos que
ter a ideia de que nos contratos temos uma relação obrigacional. No caso da compra e venda
de um bem, por exemplo, a relação entre o credor e o devedor está baseada no direito de
requerer do indivíduo que deve a prestação, enquanto o credor tem o dever de efetuá-la, e
posteriormente receber o bem. “A boa-fé objetiva relaciona-se com as características
objetivas da manifestação de vontade e independe da intenção do contratante. É a conduta
que dele se espera. Do comprador, espera-se que pague o preço da coisa adquirida; do
vendedor, espera-se que entregue a coisa vendida e garanta a venda como boa, firme e
valiosa.” (NERY JUNIOR; ABBOUD, 2015)

O conceito de regra obrigacional seria o primordial no negócio jurídico, pois sem ele
o contrato não viria a existir. Porém apenas a relação obrigacional não é capaz de abarcar, no
plano fático, todas as necessidades de um contrato, uma vez que um contrato não é algo
linear, mas sim sistemático.

Analisando a relação obrigacional dos contratos percebe-se que a mesma é composta


por três estruturas, a principal, a secundário, e o anexo. As relações principais são a essência
do negócio jurídico, pois sem elas simplesmente não teria conteúdo de celebração. As
relações secundárias têm autonomia, por mais que esteja intimamente atrelado às relações
principais. Um exemplo de relação secundária contratual é quando o fornecedor se encarrega
sobre a entrega do objeto, ou até mesmo, um recorrente exemplo, são as cláusulas sobre a
inadimplência, pois delas derivam os juros. E por fim, as relações anexas. Estas estão
presentes no contrato de forma indireta a relação obrigacional, por mais que não fora prevista
anteriormente. A sua existência pode ser invocada caso a conduta não seja pautada nos
princípios de lealdade e integridade, desse modo os direitos anexos serão violados e uma das
partes será lesada.

Nessa perspectiva, os tribunais pautam suas decisões neste princípio, a lealdade e


cooperação deve estar presente em todas as fases do contrato. Como exemplificação, tem-se a
teoria do adimplemento substancial. No artigo 475 do Código Civil, aduz sobre a
possibilidade do credor resolver o contrato em caso de inadimplemento, garantindo-lhe a
indenização por perdas e danos. Todavia, tal regra não é absoluta. Com efeito, devido à
integração do princípio da boa-fé no Código Civil, houve uma relativização do direito do
credor quando se tratava de inadimplementos insignificantes. Por isso, em situações que o
inadimplemento da obrigação contratual não apresenta grandes perdas, por exemplo, quando
a maioria do valor já foi quitado, adota-se a teoria do adimplemento substancial.

Segundo Aliciene Bueno, o adimplemento substancial está intimamente ligado ao


princípio da boa-fé objetiva. “Logo, pode-se dizer que a teoria do adimplemento substancial,
também conhecida como ‘substancial performance’, permitiu a relativização do art. 475, ao
impedir que um contrato seja resolvido quando o seu incumprimento não altera
essencialmente a base contratual. A conservação da relação obrigacional neste caso garante
uma maior segurança jurídica às partes, as quais, contratando de acordo com a boa-fé objetiva
esperada, desejam que o contrato seja cumprido.” (LIMA, 2007, p.75-76).

Uma ilustração é o Recurso Especial (nº 1.051.270) interposto no Supremo Tribunal


de Justiça do Rio Grande do Sul:

DIREITO CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL PARA


AQUISIÇÃO DE VEÍCULO (LEASING ). PAGAMENTO DE TRINTA E UMA DAS
TRINTA E SEIS PARCELAS DEVIDAS. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. AÇÃO DE
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DESCABIMENTO. MEDIDAS DESPROPORCIONAIS
DIANTE DO DÉBITO REMANESCENTE. APLICAÇÃO DA TEORIA DO
ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL.

No caso supracitado, a recorrente BBV LEASING BRASIL S/A ARRENDAMENTO


MERCANTIL moveu ação pedindo reintegração de posse do veículo devido a inadimplência
de dívida. Todavia, o réu, Mauro Eduado da Silva, pagou: 31 das 36 prestações contratadas,
86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado) e mais R$ 10.500,44 de valor
residual garantido. Desse modo, como houve um inadimplemento insignificante, a medida de
reintegração de posse encontrou-se demasiadamente injusta e desproporcional. Logo, os
ministros da quarta turma do STJ do Rio Grande do Sul, não reconheceram o recurso
provido, pois nesse caso a teoria do adimplemento substancial impediu que houvesse um
abuso de direito do credor na resolução da desavença. Todavia, o não provimento não exime
o devedor de pagar a dívida, porém direciona que uma outra alternativa menos gravosa seja
tomada.

Assim pode-se entender que o Direito Brasileiro usa-se da boa-fé como um


instrumento de correção de prejuízos que ocorriam da imposição da vontade de um indivíduo
ao outro. A boa-fé objetiva leva que qualquer pessoa, independentemente do que foi firmado
no contrato leve em consideração os padrões de lealdade, na observância local determinada.
Dessa maneira se mantém a autonomia privada de estabelecer contratos válidos, entretanto
deve observar padrões que foram assim impostos pela boa-fé objetiva.

6- CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que a positivação do princípio da boa-fé objetiva no Código


Civil brasileiro representa a inscrição de valores éticos no direito privado. Sendo assim, cria
deveres jurídicos e, ao mesmo passo, regula os direitos subjetivos ao coibir atitudes não
definidas anteriormente no contrato. Além disso, a boa-fé objetiva estabelece maior
segurança jurídica ao garantir que os efeitos do contrato sejam preservados. Por conseguinte,
estimula a celebração de contrato entre as pessoas pois essas não terão suas expectativas
frustradas. Com isso o ordenamento tem como referência um comportamento que segue a
reciprocidade. Nesse contexto, cabe ressaltar que a distinção entre boa-fé nos fez
compreender a individualidade de cada uma delas e a nao supremacia de uma em detrimento
da outra, mas que cada um tem sua real função no ordenamento.

Seria importante salientar ainda, que acima de tudo a inserção do princípio da boa-fé
objetiva no direito brasileiro demonstra a preocupação do legislador em resguardar os direitos
das pessoas mais vulneráveis do país. Isso é pertinente ao se constatar o contexto histórico
social do Brasil em relação a concentração de renda que, tem como um de seus
desdobramentos a desigualdade social reduzindo assim, as chances de acesso à aparatos
financeiros ou informacionais. Essa parcela social estaria desprotegida judicialmente havendo
espaço para abuso de direitos por aqueles que tivessem melhores condições.

REFERÊNCIAS

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<https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/6796/4112#.WJCWv1UrLDc>. Acesso
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