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O NEGÓCIO DENOMINADO CONTRATO

Nesta unidade, abordaremos o contrato como um negócio jurídico celebrado entre várias
partes (ao menos duas) para constituir, modificar, garantir ou extinguir direitos e obrigações
de conteúdo patrimonial.

É importante apreender que o contrato serve, de forma indispensável, às atividades


econômicas desenvolvidas em uma sociedade, independentemente da forma como se
apresente – seja verbal, seja por escrito, por meio físico ou virtual.

O que importa é que o consenso das partes seja obtido de forma livre e consciente, e que
ambas tenham observado as eventuais exigências da ordem pública.

O contrato é fruto da vontade das partes contratantes. Embora deva ser obtida livremente,
haverá ocasiões em que um dos contratantes estará motivado pela satisfação de uma
necessidade, e isso poderá ser um fator de desequilíbrio na formação do negócio.

Isso não significa que o contrato não possa ser considerado válido, eficaz e capaz de
obrigar todas as partes ao cumprimento do seu conteúdo. Isso se dá, justamente, por ser o
contrato um instrumento essencial às relações econômicas, inclusive àquelas que tenham
por fim a satisfação de interesses existenciais.

Nesse sentido, o sistema deve fornecer as ferramentas necessárias para mitigar uma
eventual disparidade de armas entre as partes sem que, com isso, elimine o próprio
contrato.

A AUTONOMIA PRIVADA

Autonomia da vontade ou autonomia privada?

A distinção parece irrelevante à primeira vista, mas as duas expressões traduzem modelos
diferentes de Direito Contratual.

A autonomia da vontade está associada ao modelo contratual que predominou nos séculos
XIX e XX, constituído sobre as premissas de que o sistema jurídico deveria:

1. assegurar ampla liberdade e autonomia aos indivíduos;

2. garantir a mínima intervenção do Estado nos contratos privados e

3. proporcionar a máxima segurança jurídica dos contratos por meio do respeito à sua
obrigatoriedade.
Naquele modelo, o sistema jurídico brasileiro era composto, quase exclusivamente, de
normas dispositivas, ou seja, regras legais que poderiam ser ressalvadas pela vontade das
partes.

A liberdade contratual dava origem a normas entre as partes, que deveriam ser obedecidas
como lei, inclusive pelo juiz ao decidir o caso, limitando-se o papel integrativo da decisão
judicial apoiada em princípios para situações excepcionalíssimas, em que a lacuna
contratual não pudesse ser suprida pela lei, pela analogia ou pelos costumes.

Um bom exemplo desse modo de pensar pode ser extraído da leitura do artigo 4º, do
Decreto-Lei n° 4.657/1942:

“Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.”

Por outro lado, a autonomia privada reflete o modelo pós-positivista do Direito Contratual,
reconhecendo que a liberdade das partes deve ser exercida em atenção aos preceitos da
ordem pública, que contém interesses metaindividuais que, muitas vezes, não estão
expressos em regras legais ou em cláusulas contratuais, mas em princípios normativos
abertos.

A função integrativa da decisão judicial alcança um papel de destaque, mitigando a


obrigatoriedade dos contratos quando em conflito com os valores vigentes à luz de
determinado princípio informador do Direito contemporâneo.

Nesse sentido, podemos concluir que a autonomia das partes continua a existir, mas os
seus limites transcendem os meros interesses individuais dos contratantes, a exigir uma
análise criteriosa da adequação das disposições contratuais aos valores socialmente
relevantes presentes no momento da formação e da execução, e mesmo após o fim do
contrato.

OS LIMITES À LIBERDADE CONTRATUAL

Esta unidade é dedicada à análise do declínio do modelo liberal dos séculos precedentes ao
atual e à consagração do modelo pós-positivista de matriz funcional. Hoje o contrato não
serve mais apenas à satisfação individualista da vontade, pois passa a ter uma função
social a desempenhar.

Ao longo desta unidade, refletiremos sobre o problema da desconfiança dos agentes


econômicos no que se refere à obrigatoriedade do contrato. Além disso, examinaremos se o
que julgamos individualmente justo deve ser imposto a toda a coletividade por meio de uma
interpretação arbitrária dos princípios normativos.

Tais reflexões são fundamentais para preparar-nos para as unidades seguintes, em que os
paradigmas da eticidade e da socialidade serão melhor examinados.
Afinal, somos corresponsáveis pelas mazelas do sistema jurídico quando também não
compreendemos, com clareza, as funções pertinentes a cada princípio e os valores que os
orientam.

FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

Como vimos anteriormente, o contrato contemporâneo deve atender aos ditames da função
social, e não somente aos interesses econômicos individuais.

Mas, afinal, como podemos avaliar se um contrato se alinha ou não à função social?

Primeiramente, é preciso ter clareza de que os valores que norteiam a sociedade devem ser
analisados sob o prisma constitucional. É importante observar, portanto, que se devem
dirigir à tutela de interesses coletivos e difusos, tais como:

​ a dignidade da pessoa humana como valor fundamental do nosso Estado –


art. 1º da Constituição de 1988;
​ a solidariedade – art. 3º;
​ a igualdade substancial – art. 3º e
​ a livre iniciativa – art. 170.

Em seguida, é preciso ter consciência de que tais valores são alinhados a determinados
tempo e espaço. Por esse motivo, a função social não pode ser aferida a partir de valores
não consagrados ao tempo da celebração e execução de um contrato, sob pena de
exigir-se das partes adivinhar o futuro ou serem punidas pelos costumes e tradições sociais
do passado.

A nova redação dada ao art. 421 do Código Civil Brasileiro pela Lei n. 13.874/2019,
denominada de Lei da Liberdade Econômica, retira a expressão “em razão” e mantém
apenas a expressão “nos limites”.

Tal alteração tem o objetivo de devolver à autonomia privada o seu status de razão de
contratar, exigindo das partes o exercício dessa autonomia nos limites da função social, isto
é, as partes contratam em razão da autonomia que o sistema jurídico lhes confere, mas a
extensão dessa liberdade encontra limite no interesse coletivo, contido na função social do
contrato.

BOA-FÉ OBJETIVA
Comportar-se de forma proba e de boa-fé tanto na conclusão do contrato quanto durante
toda a sua execução.

Esse é o comando contido no artigo 422 do Código Civil. O teor desse dispositivo legal,
contudo, é apontado como incompleto, uma vez que omite a fase anterior à conclusão do
contrato (pré-contratual) e o período que se inicia após o seu fim (pós-contratual).

Em que pese a redação desse artigo, tanto a doutrina e quanto a jurisprudência têm
caminhado no mesmo sentido, o de reconhecer a boa-fé e a probidade como deveres
anteriores e posteriores ao contrato, norteando a conduta dos agentes durante as tratativas,
no momento de conclusão, durante a execução do que foi contratado e depois de finda a
relação contratual.

Admitimos, desse modo, a responsabilidade civil de uma das partes em relação à outra no
caso de abandono incoerente e abusivo das tratativas, de violação positiva do contrato, de
esvaziamento do proveito econômico do contrato após a sua execução etc.

Desse modo, os contratantes precisam estar muito mais atentos ao modo como se
comportam, a fim de não serem surpreendidos com a imputação de responsabilidade por
danos sofridos pela outra parte em razão de decisões tomadas que seriam, em princípio,
lícitas, mas que, em determinado contexto, podem ser classificadas como abuso de direito
ou inobservância de dever – e, portanto, ilícitas.

Coerência, transparência, informação e colaboração são condutas que se esperam de


contratantes imbuídos de boa-fé.

CONCLUSÃO

Ao longo deste módulo, pudemos observar como o Direito Contratual se transformou ao


longo das últimas décadas. Vimos como a autonomia e a liberdade foram relativizadas em
nome de princípios normativos e como isso acaba por exigir ainda mais cautela e orientação
na hora de contratar. Desse modo, os contratos, sejam eles empresariais, sejam de
consumo, devem estar alinhados à sua função social, bem como devem ser fruto de
condutas probas e de boa-fé.

NEGOCIAÇÃO E FORMAÇÃO DO CONTRATO

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