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KARL BINDING

AS NORMAS E SUAS INFRAÇÕES


(DIE NORMEN UND IHRE ÜBERTRETUNGEN)

Tradução de Antonio José Miguel,. Feu Rosa

VOL. 1
ÍNDICE

Introdução à primeira edição - Pág.7


Introdução à segunda edição - Pág.II
Prefácio à terceira edição - Pág.I4
Primeira Parte
§ 1. A harmonia entre o crime e a condição nas leis penais.
Conceito e conteúdo das Normas - Pág.I5
§ 2.A. O suposto imperativo da lei penal. O significado da lei
penal - Pág. 17
§ 3.B. O verdadeiro significado da lei penal - Pág.23
§ 4.C. Objeções à concepção correta da lei penal- Pág.27
§ 5. Os três modos de sua indicação. IIl. o Princípio jurídico que
coage o cirminoso: a Norma - Pág.34
§ 6.1. A prova indireta, a partir das leis penais. As três formas
possíveis, e a forma real do imperativo - Pág.35
§ 7. A extensão da insegurança nessária do resultado - Pág.41
§ 8.2. A prova indireata a partir das exigências. Finalidade das
Normas. Sua extensão - Pág.45
§ 9.a. A agressão à teoria das Normas. 3. A prova indireta do
Direito escrito - Pág.49
§ IO.b. A Norma, autêntico princípio jurídico, também como lex
imperfecta - Pág.52
§ 11.c. O crime como infração da Norma no direito comum
escrito - Pág.54
§ 12.d. Formulação e extensão da Norma - Pág.60
§ 13.e. A autonomia da Norma - Pág.62
Complemento. A autonomia da Norma e a praxis alemã - Pág.66
§ 14.1. Direitos e deveres da tutela. IV. A norma como princípio
jurídico afirmativo - Pág.71
§ 15.2. Norma e não-norma - Pág.74
§ 16.1. Proibições e mandados. Normas e ação ou normas de
omissão? V. Espécies e Normas - Pág.78
§ 17.2. As três espécies de persegição de fins através as Normas
- Pág.80
§ 18.3. Normas incondicionadas e condicionadas - Pág.87
§ 19.4. Normas gerais e normas especiais - Pág.89

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vez que ela não o obriga a devolver a coisa. Não devolveu o que se torna-se delinquente, e o processo civil, então, serve para modificar a
julgou intencionalmente ante a litiscontestação, não o que .s~ ju~gou situação jurídica do denunciado, colocando, seguramente, em culpa, o
sem sua culpa, com base na mesma, mas, sim, tudo o que eXIstIa amda condenado - mas apenas quando ele é capaz de querer, capaz da
no momento da sentença: daí resulta, evidentemente, que as fontes prestação, mas não deseja a prestação - e então isto tudo não prova
acham que ele não se encontrava em ilícito antes da litiscontestação, e, que antes do dolo subsequente, antes da litiscontestação e da sentença
aliás, sua negação intencional da coisa poderia ser vista como dano já existia uma antijuridicidade. Sua declaração pertence exatamente à
material doloso. substância da queixa.
Se se compreende o fato sob exame no chamado ilícito objetivo,
uma vez que exista a renúncia a um direito de queixa do mesmo, então § 39. 2. As possíveis espécies de delito
apresenta-se a seguinte consequência. Um sujeito de direito possui um
determinado direito: seu exercício se contrapõe ao acaso, na forma da Se todo delito é ilícito e todo delito é contrariedade culpável à
ação voluntária de uma homem. Ao lobo, que nos leva uma ovelha, norma, então uma divisão do ilícito para fins de delimitação daquela
podemos novamente tomar com força: em tempos de vida jurídica espécie que deve atrair a pena, só pode ocorrer:
ordenada e estabelecida não se permite à força privada, unilateralmen- I. ou com base na diversidade de normas que são infringidas. Por
te, coagir um sujeito de direito a uma prestação. A via da persuasão, ou enquanto deixamos aqui de lado a questão acerca das normas policiais
a via do Direito são as duas únicas admissíveis ao que é perturbado especiais e do conteúdo das mesmas, e assim:
inculpavelmente em seu círculo de direitos. O inculpável não precisa 1. determinadas proibições ou mandados dão a entender que
parar a perturbação até que a veja como tal, ou deveria vê-la: isto é , tratamos de contrapor às análises de Direito Civil, as proibições e
até que se encontre em ilícito culpável frente ao lesado. A afirmação de mandados do Direito do Estado, do Direito das Gentes, do Direito
que o possuidor de boa-fé é inculpável, apesar de sua ótima-fé, até que Processual, para, em outras palavras, querer opor às normas de Direito
o proprietário o obrigue à devolução da coisa, contanto apenas que Privado as de Direito Público. Certamente esta tentativa não é permiti-
este a exija, encontra minha mais decisiva oposição. da, e mesmo se fosse admissível, não resultaria em qualquer resultado
. O proprietário não perde sua propriedade e pode exigí-Ia; o para nossa determinação de limites. Qualquer proibição ou mandado
possuidor de boa-fé, inculpável, mesmo por acaso, não tem nenhum fundamenta para o obrigado uma dever perante a sociedade, do qual o
dever jurídico de devolvê-la à pessoa. Só se apresenta um dever indivíduo não pode se furtar arbitrariamente: qualquer norma é,
jurídico de devolver a coisa ao proprietário quando o que perturba portanto, de natureza pública, qualquer violação da norma uma viola-
ocasionalmente o Direito age culpavelmente, e só surge esse dever ção de Direito Público.
frente à sentença de restituição obrigatória. Mas, mesmo se se estivesse autorizado a admitir normas específi-
Assim o Processo Civil não serve apenas para proporcionar o cas de Direito Civil, então tais normas, interpretadas desse modo, se
reconhecimento da pretensão jurídica contra a ação culpável; mas apresentariam como princípios básicos de tipos penais de crimes, e
também, no interesse da situação jurídica perturbada, transformar o indicariam, portanto,' como na realidade suas violações são persegui-
violador inculpável num real perturbador da paz, e obrigá-lo, deste das com pena.
modo, à restituição do enriquecimento ilícito, desde que ainda tenha 2. As normas dividem seu conteúdo em proibições e mandados.
existido um tal. A sentença civil condenatória reconhece, portanto, ou O mandado obriga o sujeito de direito a tomar a iniciativa de uma
uma obrigação do condenado, precedente a ela, ou dá origem a ela, e determinada conduta; a proibição obriga o homem que age a manter
impõe as conseqüências desses atos em desfavor do condenado. sua conduta dentro dos limites do direito. O mandado é violado através
Sem dúvida alguma, somente após o seu reconhecimento, e da inatividade, conduta negativa, a proibição, através conduta imprópria.
decisão judicial, o causador inculpável de uma situação antijurídica Já Merkel não quis que essa distinção esgotasse os ilícitos puníveis e

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não pumveIs, mas que fosse utilizada apenas para delimitação de
ambos. Logo nos primeiros casos, principalmente, "em que basta a marinheiros, não puníveis, mas comissivos e de indenização obrigató-
mera coação para indenização", apresenta-se o "ilícito negativo": "o ria, são os danos materiais culposos. Questiona Thon com
não cumprimento de obrigação" que se converte numa intervenção justiça:aquele que invade o terreno de um outro, ou que dispõe' de um
positiva na esfera jurídica de outrem". "Até onde seja possível, por terreno do vizinho como próprio, fazendo-o sofrer, não infringe um
esse ilícito negativo, uma coação direta na natureza da coisa, para mandado ou uma proibição do Direito?
cumprimento, tem de bastar, em geral, essa intervenção". 3. Uma imagem muitas vezes repetida, mas que é sempre
Como exemplos aparecem aqui, principalmente, o contribuinte e apropriada, define o crime como o simplesmente não permitido, ou não
o devedor inadimplentes.Muito imprudentemente faz Heyssler, como permitido em si: o que foi apresentado acima só pode ter o sentido que
"segundo fundamento, que através do pagamento da dívida é excluída a uma classe de condutas é proibida sem exceções e em todas as circuns-
imputabilidade do delito, vigendo a negatividade do tipo penal ilícito". tâncias, que, portanto, a norma exprime incondicionalmente e não
Ele coloca nisso que o ilícito é cometido através uma conduta negativa, conhece exceções. Apenas se viesse a ser provada a incorreção dessa
através um não-agir. O que devia ser pago, não foi pago. Como afirmati,:,a; também não se sustentaria a definição que crime é violação
reconhece o Direito atual, no tipo penal simples fica, em geral, apenas de pr?I?Ição e mandado incondicionados, e, portanto, ilícito
ilícito civil, e desde que esteja isenta de dolo ou culpa, dívida civil. incondIcIOnado.
Nisso Heyssler pensa, nos mesmos casos, como Merkel,mas na verdade 4. Tantas normas há no Estado, tantas espécies de condutas ilíci-
coloca todo ilícito negativo nos ilícitos civis, ainda que a existência de tas há nele: P.oder-se-ia agora apurar quais as normas cujas violações
crime de omissão próprio seja inegável. geram o dIreIto penal, para, de acordo com um princípio genérico
Mas tanto Merkel como Heyssler desconhecem que o devedor separá-las das outras cujas infrações ficam impunes. Só então poderia~
não lesiona o credor através uma omissão, mas através uma ação. ser traçados nitidamente os limites entre as violações das diversas
Ninguém pode lesar o patrimônio de um outro através a inércia. Isto é normas: pois o crime poderia parecer, ao contrário das outras normas
ainda mais evidente nos casos em que o devedor se tornou obrigado à como a violação jurídica não punível. '
prestação através contrato: ele apanhou uma coisa emprestada, ou fez Eu mesmo acreditei que todo o chamado ilícito civil consistiria
um empréstimo, e recusa-se agora à devolução. Fica en- tão, inconfun- na~ v~ola~ão ~ uma proibição de se causar dano a alguém em seu patri-
dível, o tipo do chamado delito comissivo por omissão. Com o não mon~o,. Ide~t~ficando-se bastante como ilícito ao direito patrimonial e
cumprimento do contrato, o devedor fica com aquilo que o credor tem ao dIr.eItO cIvIl; e c~~amente s~i desse ilí~ito civil admitido, uma grande
de exigir dele, e furta-o em parte do seu patrimônio, que torna seu: se quantidade de especIes de delItos que vIolam outras proibições como
apossa de partes do patrimônio sobre a qual o credor tem o direito de contra a vida, privação da liberdade, etc. Só então - e isto é di~isivo -
4ispor. Não se omite para enriquecê-lo, mas para torná-lo mais pobre. se contentaria também o ilícito civil e se satisfaria com uma norma
E completamente ativo e viola o princípio: non laede. Assim, esse que precisaria tomar exclusivamente para si: enquanto furto, roubo:
ilícito civil negativo transforma-se em positivo, e não cabe portanto ser estelIonato, danos patrimoniais se tornam direitos com ele. E nisso
ilícito civil, ou é impraticável a divisão do ilícito em positivo e negativo Merkel tem toda razão: quando a violação da mesma norma tanto tem
para a delimitação entre ilícito punível e não punível. consequências civis como penais, então a divisão do ilícito em criminal
Mas se também se considera realmente o não cumprimento da e civil pode tornar impossível uma divisão das condutas ilícitas com
exigência legal como uma pura omissão, pode-se então afimar que com base em seus tipos penais.
isso se exaure o ilícito civil e não é punível tal descumprimento? Nem Uma outra possibilidade, de separar da massa de normas um
um nem outro são puníveis.Puníveis são a sonegação alfandegária e a ~rupo que seria, essencialmente, o contrário de todos, e que teria suas
sonegação tributária, punível é a fuga do navegador com o soldo dos m~rações ameaçadas com penas - não existe, porém. Daí, resulta:
cnme e não-crime não se deixam compreender, de forma alguma,

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como em oposição a dois grupos permanentes de normas diferentes; se não é mais obrigação nenhuma, mas um catavento, que o vento gira, à
se considera o ilícito como contrariedade à norma, então sua divisão vontade, ora para um lado, ora para outro.
em punível e não-punível não pode ser nenhuma divisão das condutas Replicará agora Hálschner, que se tem somente de compreender
ilícitas com base na diversidade de seus objetos de agressão. a identidade entre norma de direito civil e vontade individual, que a
lI. Ou a distinção se baseia no fundamento da culpabilidade vontade individual tem a força da obrigatoriedade da norma "tu deves
diferente dos agentes. As espécies de condutas antijurídicas ficam não lesar o patrimônio de outrem!" para seu patrimônio, e não para
dobradas pelo fato que qualquer norma tanto pode ser infringida dolosa colocar fora de vigência a outra, em determinados casos de agressão.
como culposamente. Mas a tentativa de se levar ao Juiz penal apenas a Provará com isso que o suposto ladrão, quando o proprietário da coisa
metade dolosa, e deixar sair uma parte livre, a culposa, para transferí-Ia a abandona no momento da subtração, não se torna ladrão através
a um Juiz civil tanto o ilícito civil doloso como o crime culposo, criam, desse ato de arbítrio; que o credor pode condescender com o devedor
os dois, embaraços que significam pena de morte para toda a teoria atrasado antijuridicamente e deixar que este, por vontade do credor,
hegeliana. Quando Walther estabeleceu expressamente como um ideal enriqueça às custas do mesmo; que quando o lesado não se queixa, o
futuro essa distinção, e fixou-a, sem dúvida, como o conceito razoável direito fica tão tranquilo como se não tivesse ocorrido um ilícito.
entre ilícito punível e ilícito civil, acreditando que "quanto mais culto Em outras palavras, a norma de direito civil soa: "tu não deves
um povo fica, menos se apresentam crimes graves junto a ele, e por lesar a propriedade de outrem quando o autorizado não consente!"
isso podem ser criadas outras áreas do direito penal", então não posso Nisso, portanto, que a norma infringida é uma norma condicionada, e
concordar com ele,nisso. que a condição está colocada na vontade do lesado, estaria a peculiari-
De acordo com a evolução atual do direito, não se pode prever dade da norma de direito civil, e, por conseguinte, também a do ilícito
uma ampliação da punibilidade de todas as condutas dolosas; e dificil- civil. Há estupro com o consentimento da estuprada, violência contra
mente seria desejável que se pudesse deixar sem qualquer consequência um que está perfeitamente satisfeito com o emprego da violência,
o homicídio culposo de mendigos, cuja perda não fere ninguém e injúria a um que toma as palavras ofensivas por troça? Há um furto
facilita muito o caixa de uma sociedade. com consentimento do detentor na subtração, uma apropriação indébita
lI!. Justificar ilícito punível e impunível como espécie do ilícito com o consentimento do proprietário? Não tenho dúvidas em dizer,
não tem êxito com vistas ao objeto da agressão, nem mesmocom vistas frente a isto, que a função da vontade do lesado, frente à agressão
à culpabilidade diferente dos agressores; certamente fica ainda uma cuiminosa seria exatamente a mesma como a frente ao suposto ilícito
única possibilidade: talvez para indicar uma diferença no modo de reali- civil.
zação da agressão antijurídica, na conduta antijurídica. Só qualquer Nos dois casos essa vontade não tem o poder de excluir a
violação à norma pode ser conduta de auto-realização de uma vontade obrigatoriedade de uma norma pertinente para casos isolados - nenhum
culpável; dentro dessa conduta retoma apenas uma diferença, que já indivíduo pode isto, mas apenas o legislador! - mas, ao contrário, o
existe sozinha na norma de direito civil, é, sim, a do legislador. Quando único que pode é o objeto da agressão, através uma determinada
ele quer outra, esta é eliminada como norma; em outras palavras: direção de vontade, tornar inapta uma agressão antijurídica. A coisa
objeto do crime é o direito, objeto do ilícito civil, o arbítrio subjetivo. abandonada não goza maIs da tutela da propriedade, porque é "res
Mas as chamadas normas de direito civil estão acima da livre nullius". Uma exclusão da norma: "tu deves não se apropriar de coisas
disposição dos súditos, exatamente tão alto como qualquer outra alheias! ", poderia ser achada apenas através o soberano arbítrio da
norma: pois elas representam uma obrigação; quando, ao contrário, vítima, que quisesse manter a coisa furtada como sua própria e conser-
esta obrigação só tem sua existência na vontade do autorizado, então vá-la em sua posse, e portanto se contrapunha tanto à subtração da
posse pelo furto como à apropriação do furto, e, por conseguinte,
poderia manifestar: a subtração antijurídica da posse cometida na

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intenção de apropriação dessa coisa, pode não ser contrária ao Direito, E quando o próprio tutor lesa o tutelado ou o bem do louco,
e nesse caso não é furto. inexistiria qualquer possibilidade de se verificar por meio de uma
Mas quando, no momento do furto, a vontade do proprietário e manifestação de vontade, esse necessário "ilícito indireto", e o tutor
possuidor ainda estão na coisa, então a conduta permanece furto, caso não poderia, portanto, lesar o tutelado em matéria de direito civil. Mas
também o furtado não queira mais ter de volta a coisa manchada. é reconhecido exatamente o ~ontrário: há, portanto, ilícito civil que
Portanto, também através a caracterização de qualquer norma de não é ilícito indireto; por conseguinte, o ilícito civil não é, essencial-
direito civil como uma espécie condicionadada mesma, não achamos mente, ilícito indireto, não é, essencialmente violação de uma vontade
que possa frutificar para uma distinção entr~ il.ícito civil e crim~. . subjetiva. Por conseguinte, não fica nessa suposta ação indireta o crité-
Entretanto, toda a concepção de dIreIto natural do dIreIto de rio que o distingue do ilícito punível. Não existe, portanto, a capaci-
propriedade como uma parte do poder da vontade subjetiva, f~i dade da vontade privada transformar o ilícito civil em Direito.
refugada vitoriosamente por lhering. Dois fenômenos, dos quaIs Se alguém tem a autorização - para usar provisoriamente a
nenhum desapareceu a partir do direito positivo, põe por terra aquela expressão de lhering - de renunciar a um "interesse juridicamente
teoria. Se o direito de propriedade consiste somente na vontade, então protegido" - o tutor não o tem com relação ao bem do tutelado - e fêz
só pode ser constituído através um ato de vontade. "O direito conc~eto uso deste no momento em que, de acordo com a intenção do agressor,
ao patrimônio é criado e constituído através a vontade da pessoa pnva- era agredido antijuridicamente - e sem dúvida fêz isso em favor do
da". Basta pensar, desde logo, no princípio do direito alemão: "o morto agressor - então com isto tornou-se impossível, certamente, a antijuri-
faz o vivo herdar", na aquisição pelos escravos e "filhos da casa" no dicidade. Mas, se no momento da agressão o bem ainda existe como
Direito Romano, etc. Em todos esses casos a aquisição do direito fica um bem do agredido, que quer conservar a coisa como própria, não
antes do início da vontade do que o possui. Vontade e direito não se quer ser lesado, quer que o devedor pague a dívida, então o agressor
correspondem. Além disso: se o direito de propriedade só consis~e na culpável comete um ilícito civil, que só não se consuma através da
vontade, então pessoas incapazes de querer não podem ter propneda- manifestação da vítima. Se esta se encontrava em viagem no momento
de, e, por conseguinte, também não podem ser agredidas em seu patri- da agressão, então não se aprsentaria a qualificação legal do fato até
mônio. que a mesma regressasse, ou, até que ele soubesse, a ação ficaria em
Mas, mesmo o louco incurável adquire propriedades e as possui, suspenso.
sem a vontade de adquirí-Ias; e crianças, da mesma forma. No sono e A decadência do direito de queixa não começa apenas com a
com febre, não ficamos sem direito, para entrar em pos- se, novamente, manifestação da vítima de querer oferecê-la: por conseguinte, a queixa
no café da manhã, dos mesmos direitos do ontem. Pode-se objetar: a não se fundamenta, também, nesta, mas no fato como tal, porque sem
criança, o louco, recebem, sim, uma vontade que lhes é atribuída pelo ela, ele já é antijurídico
tutor e curador. A criança só adquire sua herança pela vontade do O autorizado à queixa certamente não precisa,' normalmente, se
tutor? De forma alguma! E, além disso: se a vontade do tutor e do queixar do dano patrimonial - digo normalmente: pois o tutor parece
curador representassem a da criança e do louco, então seria também obrigado à perseguição, no interesse do tutelado, o negotiorum gestor,
para se encontrar nessa mesma vontade o órgão que declararia ilícita a não menos. Mas também numa série de casos de crimes o Ministério
violação do bem do tutelado. Se o tutor desejasse a subtração do bem Público está terminantemente proibido de denunciar caso a vítima, ou
do tutelado, então existiria com esta, ainda que com a consciência de seu representante legal não apresente um requerimente para a persegui-
I que com sua violação jurídica seria cometido um furto, não existiria, ção penal. De maneira que, só pelo fato de um ilícito não ser persegui-
certamente, um ilícito civil. O direito positivo, sem dúvida, é de outra do, não se transforma em Direito.
opinião. Ou a lesão corporal não permanece antijurídica mesmo quando a
vítima não oferece a queixa penal? Na área dos danos patrimoniais a

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coisa não é diferente: até que o proprietário anterior não abandonou a I. Estas duas consequências jurídicas são na realidade consequên-
coisa que foi furtada dele, ou presenteou-a ao ladrão, até que o credor cias do delito, e portanto essencialmente diferentes, e assim essa diver-
não tenha perdoado a dívida ao devedor relapso, ladrão e devedor sidade não pode estar baseada numa diferença fundamental de tipos
permanecem no ilícito; e quando também abando~a a coisa o~. pr,e~en­ penais antijurídicos;. t:.0is com iss~ se retornar~a à di~~r~idad~ ~enérica
teia-a e a dívida é perdoada, o fato que era consIderado antIJundIco, que existe na ~posIçao ~e conceItos entre cnme ~ IhcIto cIvIl, ~o~o
não pode, por isso, nem realmente, ser suprimido: só a continuação de espécies do dehto. Podenamos, neste caso, conclUIr: as consequencIas
uma situação proibida colocará nisso, um fim. jurídicas di~tingu~m-se essenci,alT?ente; o ~ndamen~o da cons:quência
Com isso, a força da vontade privada frente ao dano patrimonial jurídica esta no tIpO penal; so tIpOS penaIs essencIalmente dIferentes
antijurídico deveria retornar à medida certa: uma ação antijurídica a podem gerar consequências jurídicas essencialmente diferentes.
tomar, ex post, o caráter de antijuridicidade, que não possuía. Mas com Quando, portanto, certas ações delituosas só se apresentam com
isso cai por terra toda a teoria de Hãlschner. consequências penais e outras só com consequências civis, então não
Mas, mesmo para admitir monentaneamente sua correção, que .. o se pode, sob nenhuma condição, recorrer, para esclarecimento desse
ilícito civil é ilícito indireto e o crime, ilícito direto, então essa dIstm- fato, à diversidade dos tipos penais delituosos; certamente furto e
ção já se relaciona, por completo, com a história da fon?ação do ilíci- estelionato naufragariam nessa tentativa de explicação.
to. O ilícito tornado civil atravessou, felizmente, a barreIra da vontade Fica agora a investigação ante a alternativa seguinte. Se podem
privada e compõe agora a ordem jurídica e se consolidou de fato tão ser reconhecidas consequências jurídicas de espécies diferentes, os
imperativa e diretamente como o delito. Tudo que ainda não se tornou tipos penais não podem explicar essa diversidade, e assim se poderia
ilícito, não é ilícito: comparáveis são somente o crime pronto e o ilícito dizer:
civil pronto e este viola o direito, da mesma forma, diretamente 1. o que a consequência chama um ilícito, é na verdade um
Com isso, entretanto, estabelece-se para nós pelo menos o resul- desses, com causa não condicionada; pena e obrigatoriedade de indeni-
tado: há duas espécies de ilícito; sem dúvida, de todas as divisões zação não são consequências do ilícito e devem ser declaradas como
possíveis de contrariedade à norma em espécies, nenhuma combina ligadas à ação antijurídica em si. Quanto à pena, quando também não
com a distinção entre criminal e civil, nem uma única com a distinção quanto à indenização, uma parte escolheu a teoria relativa, mas certa-
entfe ilícito punível e impunível. A linha de fronteira passa sempre mente só por uma questão de esforço: a teoria da intimação através a
perfeitamente no meio, entre as espécies punível e impunível! execução da pena, através a ameaça da pena, através a advertência, as
teorias da prevenção geral e prevenção especial, e a da readaptação
§ 40.3. ou desigualdade entre pena e indenização social, justificam a pena e até mesmo colocam em primeiro plano algo
diferente do crime, que só se toma em consideração como material de
Parece portanto inadmissível colocar o crime como um modo prova indispensável para a necessidade de intimidação, ineficácia da
específico de contrariedade à norma, frente ao chamado ilícito civil, e ameaça penal ou da advertência, a idéia de crime impregnada nos
então não há nada a definir quanto à consequência jurídica, que se trata homens ou no delinquente, a formação defeituosa de caráter do
de designar inexatamente como as duas principais consequências jurídi- mesmo.
cas do ilícito, se se distinguem genericamente a pena e a obrigatorie- De incurável fraqueza científica, essas teorias colocam a pena
dade de indenização, ou se as duas, ao contrário, se apresent~m juntas, fora de posição, para separá-la totalmente da natureza do crime, e a
como essencialmente da mesma espécie, na área do ilícito? E evidente indenização, da natureza do chamado ilícito civil, ou deixando-a
que a via adequada para se esclarecer o sentido das duas partes alterna- derivar da mesma apenas em parte; deve portanto, a consequência
tivas tem que se procurar, antes, na resposta acerca da igualdade e jurídica se entrelaçar com o tipo penal, como seu fundamento. Para
desigualdade entre pena e indenização (ressarcimente do dano). evitar estas falhas e deficiências da teoria relativa, e realmente não

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deduzir a pena do ilícito, para declarar pena e crime inteiramente
de indenização - uma concepção que não raramente se repete na histó-
independentes um do outro, eu, pelo menos, não pude encontrar o ria do problema penal, e que pode ser definida como a fonte da teoria
caminho. da cura. Na Alemanha, tem especialmente Welcker e Hepp por seus
2.Então, sempre no pressuposto de diferenças fundamentais
defensores. "Restabelecimento do dano material na matéria do Direito
entre as duas consequências jurídicas, restaria a segunda alternativa.
Civil, desde que realmente se tome em consideração que o dano moral
Certas ilicitudes só seriam punidas, enquanto em outras só se aplicaria
se comunica, ou não, à matéria do direito criminal, através a reanula-
a obrigatoriedade da indenização, e um terceiro grupo produziria as
ção do dano material". Q~al.quer, crime pode ~r~var e produzir. uma
duas consequências jurídicas: seria agora muito bem possível:
pluralidade de danos moraiS, ISto e, "uma destruIçao total ou parCIal da
a. que toda contrariedade à norma aparentasse uma fase de
vontade jurídica existente, e de seus princípios, no membro das
delito, à qual poderia estar ligada uma consequência penal, e que ao
relações jurídicas". E, de acordo com a concepção de Welckers, só
mesmo tempo todo ilícito, como tal, obrigasse à indenização, ou algo
dois aspectos desse dano são para destacar: o crime prova no crimi-
semelhante: as duas consequências jurídicas seriam, então, sempre, noso uma falta da confiança necessária no criminoso.
irmãs gêmeas produzidas por uma violação jurídica.
Raramente uma analogia é tão infeliz como a que retirou a pe- na
Então só seria necessário, ainda, esclarecer:como acontece que o
dos efeitos da indenização. Constitui erro dos mais graves deixar
direito positivo não pune o ilícito em toda parte, e em muitos casos só
parecer a pena como espécie de indenização. Antes de tudo, essa teoria
pune? E novamente esta tentativa viria deixar claro que não se pode
permite uma confusão entre os sujeitos de dever inteiramente de
basear nos tipos penais uma diferença fundamental confirmada. O caso acordo com uma espécie de prestidigitação. Reanular tanto o dano
normal seria, pois, o furto com sua dupla consequência. Ou: moral como o fisico seria, portanto, matéria do criminoso - e sem
b. toda contrariedade à norma poderia, como tal, gerar apenas dúvida matéria tanto mais de sua livre vontade quanto mais fortemente
uma consequência jurídica, seja a pena, seja a obrigação de reparar o alcançou sua sensibilidade jurídica. Mas nem Welcker, nem Hepp
ocorrido, e então, a chamada outra consequência jurídica não se ligaria querem admitir tal louvável esforço do criminoso e considerá-la como
à ação ilícita do tipo penal, como tal. A pena seria portanto a única pena. Quem cria, portanto, a obrigação penal e, deriva- da dela, a
consequência jurídica do ilícito como tal, e a obrigação de indenização obrigação moral, mesmo sem ter sido cometido crime, é, de acordo
viria· de uma outra fonte: bastaria só isso para indicar e provar a
com sua concepção, o Estado. Ele não pode, por exemplo, só impor ao
frequente impunibilidade do ilícito. Ou a pena não teria suas raízes no
criminoso uma reparação que ele não ofereça espontaneamente: pois
ilícito, e a única consequência jurídica do mesmo seria a obrigação de ele tem de punir mesmo o criminoso voluntário.
indenizar, com seus assemelhados.
Mas a pena é supressão de um dano ideal, esta supressão pesa
II. Mas seria também possível que a coação da pena e a coação sobre o lesado, e está o Estado obrigado a ela - então entra o Estado
para indenizar aparecessem como essencialmente da mesma espécie.
em lugar do criminoso, e o criminoso pode realmente se queixar
Então as duas seriam realmente consequências jurídicas do ilícito unitá- amargamente que se sacrificou para o cumprimento de um dever de
rio; a diferença entre elas, ou acabaria sendo quantitativa, ou se decidi- outrem!
ria por considerações de adequação quanto ao emprego de uma ou Mas, certamente com exceção dessa completa confusão de
outra nos casos isolados de ilícito. Exatamente essa concepção da posições, deveria essa teoria, se outros quisessem prová-la no direito
igualdade essencial das duas, foi recentemente defendida, em pormeno- vigente, apresentar a prova que a mais frívola violação contratual
res, por Merkel, e mesmo Heinze coloca agora a indenização sob a impune não estaria em posição de gerar tal dano moral, que não
"forma imperfeita de aparição da pena civil". provasse uma falta de intenção jurídica no agente, que não provocasse
Assim como a indenização pode ser carimbada como uma contra ele um abalo na confiança de seus concidadãos. Esta prova é
espécie da pena, também a pena pode ser carimbada como uma espécie impossível; Welcker, portanto, de fato não a tentou, Hepp empreendeu

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apresentá-la do modo mais débil possível, sendo o~ri~ado a conf~~s~r: ela). A coação penal toma essa tarefa diretamente da agressão, a
"É a natureza da lesão que determina, em geral, os lImites entre o dICIto coação civil, indiretamente.
civil e o crime, e assim esses limites devem permanecer, mesmo Por conseguinte, na coação penal se apresenta da maneira mais
quando, em casos isolados, os fundamentos em que os mesmos se nítida o conceito de "consequência jurídica unitária", que, tomado
baseiam possam não ser exatos". estritamente de acordo com as conclusões de Merkel, pode-se dizer: a
É verdade, como afirma Hepp, "que indenização e pena se coação civil contém a coação penal em si, e, portanto, são idênticas as
baseiam no mesmo fundamento jurídico, principalmente na obrigação duas; mas a coação civil compreende ainda, além disso, a coa- ção para
de eliminar novamente os danos fisico e moral causados pela violação" a reanulação do fenômeno que pertence à esfera externa do ilícito. Isso
e "sem contrariar a Lei, pode não bastar uma simples eliminação se ressalta mais evidentemente no furto, fraude e apro-prição indébita:
p'arcial dos mesmos", razão por que qualquer ilícit? culpável deve, quando a pena já produz as relações normais entre a vontade do ladrão
incondicionalmente, gerar tal dano moral e ser castIgado com pena. e a vontade social, então permanece a coação civil, quando ainda não
Mas não é para se pensar nisso! tem de cumprir uma função para isso, nada mais resta a fazer, e, de
2. Mais energicamente Merkel coloca a mão na ferramenta para acordo com Merkel, deve cair, porque já foi alcançado seu "objetivo
explicar por intermédio de sua teoria, o direito vigente. peculiar". Mas Merkel não quer isto, de maneira alguma, como se
Merkel paralelisa o conceito unitário de ilícito com o "conceito quisesse designar e justificar aquelas duas funções como, essencialmen-
unitário da consequência jurídica do ilícito como conteúdo do mesmo, te, apenas um acidente.
pelo que o fenômeno em que o ilícito tem sua existência, deve ser A consequência jurídica unitária de todo ilícito é, portanto, de
novamente eliminado, de acordo com as exigências da vontade social". acordo com Merkel, a pena, e, pois, a coação civil tem em si "a fase
Liga agora àquele fenômeno, que pertence à "esfera externa", a conse- essencial da coação penal" (que, por conseguinte, é pena), e "assim é
quência jurídica civil do ilícito, que pertence à :'es,fer,a ,interna" ,(q~e possível que esta última (a coação penal) a substitua em certas circuns-
logo a seguir chama de "moral"), a consequêncIa jUndICa do dIreIto tâncias". Certamente o que é pena não pode substituir a pena; o
penal. "O ilícito inclui em si sua essência peculiar na forma de uma problema que Merkel teria de solucionar seria, portanto, este: como
discrepância entre aquela (a vontade individual) e esta :,o~tade (a acontece que o autor de certas condutas antijurídicas não seja punido
vontade social), e assim a coação jurídica para combater o Ilícito deve apenas através a coação civil, mas que a coação civil ainda persiga
ter em vista essa discrepância e uma eliminação essencialmente em frente a um outro, e sem dúvida, "objetivo seguinte"? A pena pura
todas suas formas" . deveria ser a regra, a pena qualificada da coação civil, a exceção, e
Também a coação civil não combate o fator externo, mas "uma poderia ser definida a extensão da mesma. Em vez de enfrentar o
vontade objetivada que se opõe ao predomínio do Direit?:', e a coaç~o problema dessas relações, Merkel de repente vira a cabeça e, dum
penal é dirigida diretamente "à integridade moral da VItIma, e ~ss~m golpe, coloca novamente em questão todo seu valioso resultado
ambas as consequências jurídicas coindidem em suas propnas negativo.
essências" . Em vez da pena incluir a coação civil, uma vez que deve ser
Não é fácil, aqui, passar ao largo de recifes que estão em expres- idêntica àquela, para ser considerada como a primária, e aquele "obje-
sões e conceitos indefinidos, sem se chocar com o entendimento de tivo seguinte da coação civil" como a secundária, para a "consequência
autores: mantenho-me, portanto, na expressão determinada, que tanto jurídica" acidental, chega de repente, por sua "finalidade essencial, de
a coação penal como a coação civil encontram "seu objetivo peculiar" acordo com os meios idênticos para a repressão do ilicito", a coação
na restauração de um ideal das relações normais entre a vontade do penal como o "meio mais enérgico", numa "posição naturalmente
agressor e a da vítima (a vontade social e a do indivíduo protegido por subsidiária", e de repente tanto se considera a mesma na área da
coação civil, como se deixa cair a natureza penal da mesma,

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dizendo-se: quando a coação civil já atinge o "don:ínio d~ von~ade q~e
se opõe ao Direito, então achamos que para se obngar, amda, ~ coaçao vontade comum e vontade individual nos fatos externos, contra a qual
penal, podem ser exigidas várias coisas, c?mo uma con?u.ta resIste?te a se dirige a coação civil, não encontrou sua explicação definitiva, como,
esse domínio, uma, portanto, em que haja as caractenstlcas geraIs do portanto, nem o excesso da pena pode ser compreendido junto à
coação civil. Mas então é a riqueza do ladrão a causa de atenuação da
ilícito. .
Podemos pressupor quanto a isso que a discrepância eXIstente in pena, e sua pobreza a causa de agravamento?
concreto entre a vontade individual e a geral, nos fatos externos, contra E a área da coação civil não se identifica, novamente, com o
a qual se dirige a coação civil, não encontrou sua expressão defi~iti~a'.'. mesmo lugar da violação patrimonial. Então, leciona Merkel: não há
Uma outra série de idéias resistentes, resume-se nesses poucos pnncIpl- espécies de ilícito com relação à punibilidade ou impunibilidade; a
os. A coação civil é primária (também a do homícidio?), a coação penal única consequência jurídica de todo ilícito é a pena, à qual pertence,
o meio mais enérgico, e portanto, subsidiária. Só pode, então, ser em comum, a coação civil. Acha agora, para poder vincular a coação
aplicado o meio mais enérgico, quando não ba~ta o mais brando: a~uele civil à pena, que devem ser exigidas "várias coisas como característi-
deve excluir este. Na existência de tipos penaiS, como furto, es~el~on,a­ cas gerais do ilícito: a pena não alcança, portanto, apenas o ilícito, mas
to, etc., que têm consequências jurídicas tanto, civis c~mo ,cnmmaIs, uma espécie do ilícito: sobretudo uma discrepância, que não é total,
fracassam todas tentativas para compreender cnme e nao-cnme como entre agente e direito, nos fatos externos, contra a qual se dirige a
espécies diferentes do delito: naufr~ga nos ~esAm~s recifes a opinião de coação civil. Com isso, novamente os limites entre crime e não-crime,
serem pena e indenização essencialmente Identlcas e aquela apenas são procurados na área dos tipos penais antijurídicos, mas o novo
critério é, infelizmente, da maior indeterminação possível, e ainda fica,
mais enérgica do que esta. , ,
nisso, na mais clara oposição à teoria do ilícito de Merkel.
Pois não dá o que pensar, que exatamente aqueles tIpO,S penais,
na maioria dos quais possa existir dúvida quanto à sua pUm?I~ldade, De acordo com ela, ilícito é exatamente aquela discrepância que
devem ser tomados sob os duplos limites penais da coação CIvil e da atua entre vontade individual e vontade social; com isso, de repente,
coação penal? Pena e indenização constituem, realmente, uma esca,da, ,e radica a pena não numa, mas em várias coisas: na incongruência do
assim, o pé só alcança o degrau mais alto se chegou, antes, ~o p~l~el­ ilícito com os fatos externos, contra os quais se dirige o ilícito civil;
poder-se-ia dizer, na renitência desses fatos, não para, empregando
ro, e, portanto, deve começar sobre a ba,se extern,a ,~a, coaçao CIvil, e
não pode começar pelo meio mais enérgIco, SubsIdIano d~ me~ma,_ a mais exatamente, deixar o ilícito no leito de Pro custo, mas para ser
pena não-civil (com licença da palavra!). Só s~ pena a mdem~açao mais resumido. Apenas, como se pode ressaltar aqui uma espécie
forem essencialmente diferentes, pode-se exphcar que os dOIS se específica de ilícito? E quando, através essa incongruência, nenhuma
apresentem juntos em delitos relativa~ente ,leves, e ai~~a se~ que a espécie específica de ilícito se justifica, então se liga de repente a um
fato fora do ilícito.
pena aplicada reduza a extensão da obngatonedade da CIvIl, e a mcapa-
cidade do estelionatário em pagar a indenização apareça como causa de O motivo por que Merkel se enreda numa confusão insolúvel,
agravamento da pena. Com isso sucumbe irremediavelmente essa está na precipitada identidade essencial admitida, entre pena e indeniza-
afirmação da igualdade essencial entre pena e indenização. ção: Merkel descuidou de investigar se e até onde existe realmente
Não sem forte violência às suas próprias conclusões, tenta uma tal identidade, e, para salvá-la num lugar onde ela aparece como
Merkel explicar esse fato da dupla punição. Merkel não provou ,ai~,da, impossível de ser salva, cai no erro combatido tão vitoriosamente por
de forma alguma, nem pode provar através todo seu curso de IdeIas, ele mesmo: para compreender crime e não-crime como espécies do
delito, e para explicar tanto a pena como a indenização a partir de
que a indenização não é absorvida pela pena: não justifi,cou ~ue e
diferenças nos tipos penais dos ilícitos.
porque a coação civil só se apresenta frente à vlOlação patn~~mal; de
repente isto é admitido como evidente e vemos como a opOSlçao entre

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§ 41. 4. As diferenças fundamentais entre pena e indenização
insustentáveis frente ao princípio de Merkel, que a coação para indeni-
Entre as duas consequências jurídicas, que de um lado Welcker e zar se dirige essencialmente ao restabelecimento das relações normais
Hepp trazem sob um conceito, e de outro lado Merkel e Heinze, outro: entre a vontade do agressor e a da VÍtima (a vontade social e a tutelada
existem as mais profundas diferenças essenciais. Como o dano e por ela).
reparado através um sujeito de direito e a pena é executada atra~és uI? A pena é coação à vontade, e deve ser sentida como tal. Incapaz
outro, poderia ser-me permitido reunir sofrer sua pena e pagar a m~e?I­ da pena é portanto o culpado no momento em que desaparece sua
zação, sob a designação de uma prestação jurí~ica 'por parte do sUjeito capacidade de sentir a pena: neste mesmo momento suspende-se a
de direito. Pena e indenização distinguem-se pnmeIramente: . execução da pena. Mas, se se trata da execução de um direito resul-
1. relativamente às pessoas que podem ou devem pagar. Pumr.o tante da violação dolosa de um contrato, nem a morte, nem a doença
inocente é assassinato judicial; que o inocente repare o dano que fOI impedem o juiz da execução de cumprir seu dever de execução.
causado por um outro culpado, ou menos inocente, ou por acaso, Do que foi dito, segue-se um resultado importante: a obrigação
parece menos chocante. A pena é, portanto, _in~ga,"~lmente, um de indenização radicada no fato culpável, não pode ser considerada
como tal, pois do contrário não poderia se formar sem culpabilidade,
pagamento pessoalmente maior do .culpa~o pela l~sao J~nd:ca, ~~ que a
indenização, e, sem dúvida, em dOIS sentIdos. A mdemzaçao dmge-se deveria desaparecer com a culpabilidade; por conseguinte sua definição
normalmente, mas nem sempre, contra o devedor, e quand~ o faz, o essencial não pode ser a de, através a coação, forçar a vontade do
Direito não toma na menor consideração suas boas-maneIras, para culpado para o pagamento, e, da mesma forma é impossível dizer que
declarar a extinção da ação quando a vítima obteve completa rep~ração o pagamento da indenização elimina o fato culpável: da mesma forma,
através um terceiro qualquer. Mas como são pouco pareCIdos o é evidente que o estabelecimento legal de uma obrigação de indenizar
não se busca em considerações sobre o culpado, como tal.
culpado e o devedor da indenizaçã~, de acordo com a ~oncepção do
Direito isto se prova - sem se consIderar os casos especIficos em que 2. De resto, pena e indenização distinguem-se relativamente ao
alguém' se responsabiliza por um terceiro - pela trasm~ssão do ~e~er de que é pago pelas mesmas, e ao favorecido pelas mesmas. Não se repara
indenizar para os herdeiros: uma pena contra os herdeIros do cnmmoso um dano contra a vontade do lesado. Na indenização, portanto, o que
é tão ilógica para o Direito como uma execução penal contra seu deve ser pago pelo sujeito é determinado tão absolutamente como a
espólio. pena do sujeito que deve pagá-la. A pena pública, como tal, não é paga
O espólio é capaz de reparação de dano, não é capaz ~e pena. em favor de um particular, não é, realmente, em favor de um sujeito de
Isto leva a um outro ponto de diferença, não menos Importante: direito; é sempre paga à autoridade, especificamente, ao Estado, que
a inculpabilidade é causa obrigatória de exclusão da pen~, não .da cumpre um dever na imposição da pena. Se causou ao mesmo tempo
uma diminuição de direitos do lado do criminoso em proveito de um
indenização. A culpa do testador não se transmit~ ~os herdeIros~ f~h~­
mente o direito ainda não conhece um pecado ongmal; o propnetano particular, isto é um efeito colateral, que não é da essência da pena. O
Estado pode destinar esse proveito em favor do lesado, do delator, de
pode reivindicar sua, coisa tanto do possui~o~ ~em cul~a como do
uma instituição específica, ou de um fundo social, e o atual direito
possuidor de má-fé. As vezes objeta-se: a restItu:çao da cOI~a por parte
comum, assim como a atual legislação policial-penal oferecem bastan-
do possuidor de boa-fé não é reparação, e mUItas ~ez.es_ e menos do
tes exemplos que o Estado assim tem procurado agir.
que reparação. Esta última está correta, mas a :estItUIçao pod~ fica~
como completa reparação: e mesmo o possUIdor de boa-fe esta Igualmente, nisso não se baseia a pena. Só a pena privada, na
obrigado à completa reparação. Deve pagar a pena o agente culpado, essência, vem em favor de um particular, ora o enriquece, ora lhe é
sempre pessoalmente: a dívida pode ser sempre paga - ~ fr~quente­ paga como satisfação por injúrias recebidas. Certamente o direito atual
não conhece, mais, penas privadas.
mente o é - por um que não deve. Estes fatos são mteIramente

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3. Mas a mais importantes distinção existe com relação ao que é porém, realmente tivesse perdido a honra, então seria a injúria aparen-
para pagar. Assim, a pena tem por base o. sofrimento, e, na ~ndeniza­ te, e o que foi produzido pela mesma não teria sido realmente lesão à
ção, evidencia-se o fazer - tampouco sena correto fazer dISS? UI~a honra, e não é o perdão, então, que pode causar a entrada de nova
diferença essencial entre pena e reparação. Mesmo quan~o a obr~gaçao honra.
de indenizar não possa ser cumprida de outro modo senao atraves uma Objeto da injúria é a honra, desde que não tenha sido perdida; a
ação, entretanto a pena consiste ora num fazer, ora e.m se. sub:net~r a injúria diminui a honra, senão seria cometido, ao mesmo tempo, um
um sofrimento. A pena de multa e o pagamento da mdemzaçao ~em, suicídio em sua natureza criminosa; ela fere o portador da honra;
exteriormente a maior semelhança. Mas, ainda há nisso uma oposIção perdão e satisfação podem bastar para pagar algo irreparável, mas
essencial: a p~na quer um culpado inteiramente determi~a~o? que uso nunca para suprimir uma situação antijurídica, como a indenização.
na expressão mais ampla, para. adicionar-~he u~ dano Jun~lco,. e .ele Um outro argumento em sentido contrário, é mais importante.
sempre lhe é adicionado; a obngação de mderuzar,como Ja fOI dIto, Como não tem sido afirmado muitas vezes, assim como a indenização
não está ligada essencialmente à culpa,. e a reparação. ~restada. por sobre o solo do valor patrimonial, também a pena repara um dano
aquele que a pagou não significa necessanamente um preJUlzo patnmo- ideal: ela restabelece o domínio do direito, ou as relações normais com
nial. .' , o direito, ou elimina o efeito turbulento do crime. Certamente este
Quem só deve restituir novamente o que havIa obtldo atraves ato exemplo evidencia-se erradíssimo, exatamente tão errado como o da
ilícito, delinquiu, sem que em consequência do de~it? tenha se tornado "anulação do crime" de Hegel, que finalmente deveria desaparecer das
mais pobre do que era antes do mesmo. Sem duvIda, o que ~aga a exposições dos nossos criminalistas. Nossas normas não são substân-
indenização com a coisa que estava obrigado a reparar, ~n:lq~e~e cias divinas, e nem o criminoso é realmente maior do que seu crime.
menos do que se tivesse de pagar, mas sofr~ também ~m.a dlrmnUlçao Tampouco crime e anarquia atuam da mesma forma: a vontade do
de direitos. Mas não tem nenhuma importância para o dIreIto, o que ele legislador, que os súditos devem viver de acordo com as normas, não é
sofra. Isto se evidencia claramente quando ele, através o delito, ganhou alterada, em nada, pelo crime; seu domínio, portanto, não precisa ser
mais do que o outro perdeu: ele conserva, então, até mesmo o restabelecido.
excedente. A pena pode bater numa ferida, a indenização curar uma Mas, no que se refere ao restabelecimento das relações normais
outra, se possível sem causar uma segunda; caus~, ~am~ém, uma entre o criminoso e a lei, pode-se, por outro lado, dizer: que o cri-
diminuição de direitos, e portanto serve apenas para ehrmnaçao de uma minoso delinquiu, não pode ser tornado como não acontecido; que a
situação que não está de acordo com o direito: aquilo que o que pena vai dar-lhe oportunidade de se submeter ao direito, geralmente
indeniza paga, não vem positivamente em favor do lesado, mas apenas não é essencial para ele, e muitas vezes a prisão causa ódio nele contra
remove o dano que foi causado a ele. . . a sociedade, separando-o definitivamente do direito! Que a pena
E com isso estamos no cerne da distinção entre pena e mderuza- elimina o dano ideal, no sentido de Welcker, é uma presunção sem
ção: a essência da indenização consiste numa determin~ç~o pa:a qualquer fundamento. A única coisa que se pode dizer de uma repara-
reparar, a fim de que uma situação jurídica ~ã~ ?aseada no dIreIto, seja ção pela pena, é isto: a pena expiada extingue o criminoso perante o
suplantada por uma ajustada com a ordem Ju.ndlca. ACI..uele .qu.e sofre a sistema punitivo do Estado; fica liberado perante ele. Mas quem vê
pena, porém, deve e pode, através seu sofnmento, n~o _ehn~mar uma nesta reparação uma outra imposição de pena, seguramente vê nesta
situação antijurídica; a pena, de acordo com sua defiruçao, e bastan!e situação a essência da pena, que, essencialmente, devem ser idênticos:
diferente de uma reparação. Apresenta-se, talvez, como argumentaçao pena, perdão, prescrição da ação penal e da execução penal, e fuga
em sentido contrário, a pena anulada pelo perdão e a satisfação. Mas com êxito - uma concepção que só poderia encontrar poucos amigos.
na verdade quando estes devem reparar, então o injuriado. s~P?sta­ A pena é, portanto, redução de direitos do culpado, sem ser, ao
mente teria perdido a honra que deve receber de volta. Se o mJunado, mesmo tempo, a eliminação de uma situação desajustada do direito.

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Tanto a pretensão penal como a indenização têm origem num funda- a que se opõe, uma ação, uma conduta, uma situação, um resultado
mento: no que se opõe ao direito e ao mesmo tempo seria reparável, e natural, e o que é considerado sob o direito, é controvertido, se a lei,
assim, pelo mesmo, aqui e ali poderiam a força ~ i~divisibilida?e do ou o direito subjetivo, ou ambos, estão contidos na palavra, pelo
direito, e os meios econômicos oferecidos para atmgIr essa finalIdade, menos na expressão positiva "antijuridicidade".
realçar a tendência para fazer a punição atuar em comum com essa Por acaso, mais proveito oferece a "violação jurídica": pois ela
reparação. Mas não é este, de forma alguma, o caso. A fonte da ~e~a contém um julgamento sobre o efeito do ilícito, e como na pala-vra
está, portanto, numa irreparabilidade do ilícito; ela é a redução de dIreI- pode ser encontrada pelo menos uma indicação da conduta hostil ao
tos para satisfação dessa irreparabilidade do ilícito; a inden!z~ção, ao direito, e uma tal conduta só pode ser atribuída ao homem, então não
contrário, é a eliminação de uma situação que se opõe ao DIreIto, mas fica tão distante interpretar na definição o ilícito causado pelo homem,
reparável. . ou, mais exatamente, apenas pelo homem culpável. Em lugar de uma
A pena, portanto, encontra s~a ju~tificação n~ tIp~ pe~al ~o ambiguidade, apareceram duas. Que direito é violado? E o que signifi-
delito " como tal sem que resulte daqUI logIcamente;,
a mdemzaçao
., .
nao ca, portanto, "violação"? Sofreu o direito uma redução substancial, ou
encontra nisso sua justificação. Se o dano e, em pnncIpIo, uma não?
grandeza matemática, de cuja definição co-participa também a inden~­ Fala mais claro "violação da lei" - sem dúvida não na última, mas
zação - o que até qua~to, no ~áximo: deve ser pag?, :esulta da apreCI- na primeira relação. Designa inconfundivelmente o direito objetivo
ação do dano - então e aquele Irreparavel que constItuI a f?nte da pena, como a matéria, e o homem como sujeito da violação. Pois parece
não para medir em escala numerada não podendo ser me?Ida em ~scala impossível uma "violação da lei" por acaso.
numerada, pois não se pode ler simplesmente a partIr do cnme ~ A teoria predominante, da unidade do ilícito encontra sua essên-
espécie e tamanho da pena. O dano é ~m sofrim.ento, agudo, que e cia exatamente na violação da lei, ou, o que deve significar a mesma
curado homeopaticamente pela reparaçao; o debto e uma doença coisa, na infração da lei.
incurável, que o direito trata alopaticamente. Com isso a língua esgota nosso estoque, mas ainda restaram
bastantes dúvidas.
m~ A dissolução da unidade do ilícito num preenchimento de
antijuridicidade. em tipos penais totalmente diferentes § 43. 2. Violação da lei?
§ 42. 1. A incerteza do nome do ilícito
Comete um duplo erro quem quer reconhecer em todos os ilíci-
A diferença fundamental, provada, das duas consequências ju- tos, ou mesmo apenas numa parte dos mesmos, uma "violação" do
rídicas, é simplesmente incompatível com a unidade do. ilí~ito, quan- do "direito objetivo" e somente isto. Pois:
se quer negar a uma das duas, ou às duas, a pecubandade de ~u~a 1. realmente a agressão direta afastou a lei. Uma tal só seria
consequência do ilícito. Mas isto é possível? E qual consequenCla possível como agressão à existência ou efeito da lei.
jurídica? E de que resulta a outra, se não do ilícito? Um~ ~es~os~ ta 1. A primeira só poderia se apresentar como violência na área da
satisfatória a todas essas questões depende de uma defimçao mteIra- competência subjetiva do legislador, seja coagindo-o à revogação da
mente exata do conceito do ilícito e suas consequências jurídicas. lei, seja que uma assembléia popular revolucionária, por nefas, a decla-
Pobre é a lingua alemã na definição da infração ao Direito (ou ao rasse revogada. Como uma tal declaração seria nula enquanto essa
justo?), e suas palavras são ao mesmo tempo pouca~ e ambíguas, assembléia não tivesse conseguido a posse legítima do poder legislati-
próprias para causarem idéias erradas. O "ilícito" negatIVO ~, textual- vo, então só se pode considerar, aqui, a coação contra o legislador: e
mente, apenas" sem direito": portanto não é empregado ao Irrele:~nte agressão só é diretamente antijurídica sobre o poder subjetivo do
juridicamente, mas ao que se opõe ao direito. Mas quanto ao que e IstO mesmo.

182 1 Ri
2. A finalidade principal de todo o princípio jurídico, é estabele- Certamente o delito não significa que uma lei se toma eficaz
cer a existência de direitos e deveres subjetivos, para alcançar, regular, onde produz efeito. Se me fosse permitido por um momento personifi-
e ficar, assim, íntegro em seus efeitos, enquanto a área dos direitos car a lei, então esclareço: se um direito subjetivo pode ser violado em
subjetivos fique ajustada à vontade da lei. A lei, portanto, só pode ser observância da lei, então fala-se inexatamente de violação da lei.
atingida por meio desses direitos subjetivos. Qualquer contrariedade à
lei, ou seja, a antijuridicidade direta, deve, portanto ser chamada viola- § 44. 3. Todo ilícito· contraria direitos subjetivos.
ção de direito subjetivo, desrespeito a deveres subjetivos por parte do Violação de direitos?
violador. São impossíveis condutas que deixem os mesmos incólumes e
violem diretamente a lei. Qualquer anarquia não importaria apenas na É impossível uma ação antijurídica ou uma conduta antijurídica
ruína da lei, mas também na revogação de todos os direitos subjetivos: que não contrarie um direito subjetivo. Neste único ponto, o objeto da
o mesmo ímpeto lançaria ao solo tanto seus partidários como seus agressão é idêntico em todo ilícito. Se se chama violação de direito,
opositores. então esta é impossível em outra forma senão como uma violação de
lI. A lei é inviolável. A concepção que a violação à norma é ao direitos subjetivos.É impossível,da mesma forma,que se viole esse
mesmo tempo violação à norma, não está correta. A lei é vontade, direito através a agressão, como tal, e que portanto pudesse ser
não força e coação: mas a vontade, como tal, é inviolável. A energia violado ou reduzido em sua existência ou em certas circunstâncias. No
da vontade legal está antes da conduta antijurídica, durante e após ela. mesmo momento em que tal violabilidade do direito fosse reconhecida
Se o crime pudesse realmente causar prejuízo à lei, então muitos crimes legalmente, estaria abandonada, sem tutela, a existência jurídica do
teriam a força de, aos poucos, destruí-la. ilícito.
Sem dúvida, se a norma fosse Poder, então o homem se esfor- Pode-se dizer que o Direito, como norma objetiva, é derrubado e
çaria para dominá-lo, de acordo com sua vontade, e o homem coloca- rompido pela força revolucionária e os direitos subjetivos são destruí-
ria coação frente a coação, e, de sua parte, violentaria aquele Poder, dos aos milhares. Mas se se considerar esses fenômenos exatamente
que assim seria violado nessa luta, porque golpeado. Para isso deveria em seu curso, então evidencia-se, também: a lei e os direitos subjetivos
a lei ser executada com tal força fisica inerente. Certamente se trans- baseados nela não se esfacelam quando a força toma impossível sua
forma no único órgão pelo qual alguém pode na realidade ser persua- execução e seu exercício, mas só quando existe uma causa de extinção
dido diretamente a se submeter à livre decisão dele, e que pode talvez reconhecida legalmente, especialmente um ato de legislação que tomou
impô-la sob violência. Neste caso, o direito de coação do órgão de legítimo o novo Poder ou revogou os direitos existentes.
execução pode ser "violado", e em consequência disso, pode falhar a O que se chama violação de direito subjetivo, nunca é uma
execução da lei. Mas a autoridade do mandado legal é a mesma, e eliminação de sua validade, mas uma delimitação material de sua
I também continua a existir com toda sua força original mesmo onde o validade. A vida recusa-se a constituir-se de acordo com o direito, ou a
"

mandado não é obedecido. modificar, para pior, a forma jurídica vigente.


O criminoso também não viola, por exemplo, as relações neces- A área de validade da tutela do Direito, do direito de proprieda-
sárias da lei com a norma. Pois violável é apenas a porventura existen- de, do direito de ação, permanece intata, apesar do delito cometido,
te. Aquelas relações normais são criadas e recriadas naquele momento apesar do procedimento do possuidor de boa ou má fé, apesar da insol-
através a vontade do súdito da lei. A vontade dele não faz somente o vência do devedor.
que a norma exige: provoca uma incongruência entre o conteúdo da Exatamente quando não é correspondido, o direito subjetivo
norma, que entretanto não foi mudado nem enfraquecido, e o conteúdo necessita de sua plena força legal para executar-se. Se no momento do
de sua ação. perigo perde a cabeça ou membro, é porque desde o início vinha
perdendo valor. Um direito existe completamente, ou de fato não

184 185
existe: não dá um direito violado. Qualquer um obtém seu direito da pelo delito. O direito tanto é inviolável, em verdade, sob a forma de lei
fonte legal, e o que esta concede ao seu possuidor, não lhe pode ser como de direito subjetivo: só a situação jurídica - não considerada em
retirado pelo delinquente. É possível que seja violado ou ~té. mesmo sentido figurado - é inviolável.
destruído o bem, pelo qual ou sobre o qual alguém tem um dIreIto: mas
seria mais do que ilógico alguém se investir num direito que se desse § 45. 4. Tantas espécies de direitos subjetivos,
por vencido tão logo se apresentasse o arbítrio cont~a ele. tantas espécies e tipos de ilícitos
Posso esperar a objeção, que se levanta por SI mesma, que, sem
dúvida há direitos que podem desaparecer pela "violação". Ou sobre- Ilícito ou antijuridicidade ou violação jurídica, designo, a partir de
vive o' direito de propriedade ao desaparecimento da coisa destruída agora, toda conduta ou evento que se opõe a um direito subjetivo;
pelo delito? Desaparece o direito do depositante na Caixa de ~oupança, designo como delito sua sub-espécie, o desprespeito culpável à tute- la
frente ao depositário, em virtude de ter o ladrão furtado o lIvro onde de direito público;a conduta que se opõe ao direito subjetivo, deve ser
estava anotado o dinheiro? Certamente isto acontece! Mas provoca, designada contrária à lei, desde que, na oposição a esse direito subjeti-
então nestes casos, a infração contra o direito do proprietário e do vo, esteja ao mesmo tempo a garantia da vontade do direito objetivo,
cred;r a extinção do direito, ou, ao contrário, apenas a extinção da na contrariedade a esse direito subjetivo. E impõe-se responder, agora,
coisa e o pagamento normal pelo devedor? Qualquer direito tem su.as três questões da maior importância: I. a que se refere à essência e
causas de extinção prescritas em lei, sendo indiferente para sua eficácIa, espécies de antijuridicidade; n. a da essência da contrariedade à lei, e,
se produzidas através conduta legal, por acaso ou por delito. Se o raio finalmente In. a, se o delito deve ser mais como uma peculiaridade da
atinge a coisa, se alguém paga pelo direito de destruí-la ou se ~la é antijuridicidade, ou pelo menos pode sê-lo?
destruída através delito - sua extinção produz sempre o mesmo efeIto. Quanto à I - Se todo ilícito é chamado "violação" de direito
Que aqui o direito não sucumbe ao ilícito, isto se. e~idencia ~ais subjetivo, então não há nenhum tipo penal unitário do mesmo, mas
ainda quando se considera como podem ser formados dIreI~os ~ambem, tantas sub-espécies quantas espécies de direito subjetivo. Só se pode
aparentemente, através o delito, principalmente quando fOI cnada ~or definir o conteúdo e extensão deste, de acordo com o conteúdo e a
ele sua causa de formação legal. A possibilidade de ser produzIda extensão da espécie isolada de antijuridicidade. Se o direito surge de
,I :;
ta~bém pelo crime tanto a causa de formaç~~ do ~i~eito com~ a. de uma conduta determinada exatamente por uma vontade capaz de agir,
extinção do direito, reconhecida legalmente, e mdeseJavel pelo dIreIto, então o ilícito pode admitir uma outra forma, como quando o direito
mas inevitável. reivindica sua validade também frente a incapazes, e às vezes procura
Como o direito subjetivo resiste a tal extinção, isso se evidencia- se firmar contra lesões oriundas da força da natureza. É graças ao
quando de qualquer modo possível - no momento em que seu desconhecimento dessa verdade tão simples que, dentre outros, não
abandono se transforma num outro direito do mesmo valor, e se desaparece o conflito acerca do chamado ilícito objetivo, que até
apresenta portanto, não como uma destruição do direi.to ?~ propri~da­ agora se desconhece completamente como aparentemente um ilícito
de, mas apenas como uma transformação, menos prejudIcial ~ossIvel, pode ocultar um concurso de antiguidades completamente diferentes, e
dentro da mesma. Em lugar da coisa extinguida através do debto entra como se explica, então, muito simplesmente daí, a decorrência de
o direito de indenização completa, com base no direito de propriedade consequências jurídicas inteiramente diferentes.
e de pretensão, que não desaparecem. . ,. 1. Uma espécie quase totalmente fechada de ilícito, é o delito.
Pode-se, temerariamente, afirmar: a fixação em pnncIplOs Seu objetivo de agressão é o direito tutelado pela lei que garante a
errados, que só a culpa obriga à indenização, é,. b~~icamente, . u~a norma. Só no delito a "contrariedade à lei" significa contrariedade à
expressão da necessidade de insistência da indestrutlbIhdade do dIreIto norma. Aquele direito surge de uma prestação personalíssima de obedi-
ência, de um homem capaz, e aquele direito só é violado, portanto,

186 187
através conduta culpável de insurreição, dolosa ou culposa. ~~d.o
ilícito inculpável, visto do ponto de vista da norma, não é nenhum Ihc.I- exatamente tão essencialmente diferentes do ilícito civil e do delito,
to, mas, ao contrário, acaso, e irrelevante juridicamente para a teona como um em relação ao outro. Pensa-se nas violações dos direitos
do delito. . estatais legais, regulamentares, administrativos e condução honorífica
2. Apenas na área de outros tipos penais de ilíci~o - não dIgO: de atividade pública, em cujas divisões das mesmas aparece o
todos os outros - relaciona-se numa medida totalmente dIferente, e sem chamado ilícito disciplinar, na violação dos direitos tributários e alfan-
dúvida numa medida que é, na essência, diminuída, porque suposta- degários, no dever de extradição do direito das gentes, etc., etc.
mente só chega ao ilícito até o ponto ~a r~sponsabili~ade pelo ~esmo; Por conseguinte, divide-se o ilícito nos dois grandes ramos do
Mas, como ao lado do crime está o deltto Impune, entao ha tambe~ a~e ilícito civil e do ilícito público, sendo que o delito se apresenta como
mesmo ilícito que de fato não puxa consIgo nehuma conseq~en~Ia uma importante sub-espécie deste último.
jurídica, junto, em geral, ao da mesma espéc~e, q~e g~ra c~nseq~encI~s b. É simplesmente inadmissível a afirmativa que toda violação
jurídicas. Ou apresenta-se o furto em que nao ha obng~çao .de Ir:.dem- jurídica tem sua origem na ação humana, ou pelo menos se reduz à
zação, tanto no caso do furto famélico co~o na ~utênt~ca vIOla~ao de atividade da vontade humana quando não é ação. O que é o delito
direito privado, e o princípio casum sentlt domznus nao cont~m u_m essencialmente, não é todo ilícito.
reconhecimento da verdade, que aqui foi pr~d~zida ~ma .vIOI~ç~o O lado prático do meu direito de propriedade admite, por intei-
jurídica por acaso, mas que não pode gerar um dI~eI:o ~e mdemzaç~o . ro a mesma deformação, pois, pode um desconhecido de boa-fé, ou
Não é pela consequência que se prova a eXlstencla de uma vIOla- u~ ladrão, ou a tempestade, ou minha própria falta de cautela, levarem
ção jurídica, mas apenas no direito, que é sempre "~iolado", quando meu bote à vela para sempre; meu direito de credor é contestado, na
ocorre ruptura da sua área de vigência, sem que esteja de acordo com mesma medida, pelo devedor de má-fé que não quer pagar a dívida
suas prescrições, e sem que esteja compreendida .dentre ~s ~ca~sas de vencida, como por aquele que gostaria, mas não pode, como final-
extinção aprovadas pelo legislador, o que contrana as eXIgenclas d~s mente pelo devedor que não paga porque não reconhece a dívida. O
direitos subjetivos ou só não se realiza o que teria de ocorrer em segUI- acaso não é, portanto, de maneira alguma, autor inapto para todos os
da: diz-se, então, que o direito foi violado. . . tipos penais de ilícito.
. Não tenho nenhum motivo, portanto nenhum dIreIto, a e~trar em c. Aquela afirmativa, que o homem é a fonte de todos os males
pormenores, aqui, sobre a formação dos tipos penais não-d:htuosos, na área do ilícito, pode constituir a ponte entre o ilícito e os homens,
ainda que seja contrário ao abandono dessa teona. Apenas tres pontos que leva à responsabilidade para eles, e pode ser a única ponte entre os
exigem esclarecimento. . . dois. Certamente ela não leva e quebra. Pois há danos patrimoniais
a. Primeiramente é admitido, em geral, se deSIgnar todas as VIola- intencionais dos quais o autor realmente não se torna responsável
ções de direito privado como ilícito civil. Ilícito civil e delito sã~ funda- (assim, infelizmente, normalmente a chamada lesão em estado de
mentalmente diferentes, tanto pela diferença quanto ao obJe~o da necessidade), ou que, além disso, não o torna responsável, nem a um
agressão como ao modo da agress~o .. Tam?ém, não se determ!na. o outro, como nas grandes avarias: finalmente, a lei só exige um dano
"ilícito civil" como a violação do dIreIto pnvado com consequenclas causado pela natureza, portanto ocasional, para dividí-Io entre várias
jurídicas civis, mas realmente como violação de direito privad?; Cert~­ pesssoas, e o lesado se queixa contra a lesão jurídica que aconteceu
mente não existe um tipo penal unitário do mesmo, como Ja se ve, com ele.
numa rápida olhada, muitos diferentes tipos penais de violações Há, portanto, ilícito intencional, que não é ilícito, e ilícito ocasi-
contratuais. onal, que fundamenta a responsabilidade por ele.
Mas junto ao delito e ilícito civil estão ainda ~n~meros, o~tros lI. Assim, é antijurídico tudo que ocorre, como o que não se
tipos penais, e sem dúvida todos na área dos dIreItos pubhcos, efetua, contra um direito subjetivo, e só se define sua forma concreta
de acordo com o conteúdo e extensão do direito "violado", e assim não

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"
se pode pensar em antijuridicidade que não corra contra a vontade do delito! Mas, omite-se que essa fase da insubordinação seja essencial, de
.':1
princípio jurídico afirmativo que criou o direito subjetivo e além disso o todo, à constituição do "ilícito civil". Esta última pode perI?anecer,
contém, que portanto não seria antijuridicidade no sentido definido mesmo quando se prescinde da primeira, enquanto, sem dÚVIda, esta
acima. Se a lei me dá uma coisa para me apropriar dela, ou um direito espécie concret~ de del~to, po~ exemplo, a apropriação indébita, n~o
de reivindicação, e aquela coisa me é retirada ou esse direito fica aparece como VIOlação a prop~Iedade, consumada, ou, pelo menos nao
insatisfeito então ele corre - sendo indiferente o motivo porque aparece como essencial, a agressão à propriedade de outr~m: ,. ..
aconteceu '- sempre contra a intenção do direito que está concedido Seria errado, então, dizer que nesses casos "sena Ihclto CIvIl
pela lei,quando ela não reconhece naquele acontecimento a causa criminal". A violação de direito privado muitas vezes só vem em consi-
prescrita pela lei, de extinção do meu direito. .. deração para o delito como característica dependente do tipo penal. O
Como é impossível um direito subjetivo que não esteja contIdo direito privado é objeto de tutela da norma como a integridade fisica é
na vontade da lei, que se apresenta, de acordo com a precisa definição uma tal. Existe, a partir do ponto de vista do Estado, um delito unitá-
de Cierulif "como a unidade concreta das vontades do Estado e indivi- rio. Por causa da insubordinação cometida através a violação de direito
dual", entã~ simplesmente não se disse nada de novo acerca da antijuri- privado, não por causa desta como tal, o Estado exige a satisfação.
dicidade, caso se a defina como contrariedade à lei. Mas essa definição Mas concorre com este delito, tão logo a situação é examinada sob o
está a ponto de causar sérios erros, e o tem feito, como será mostrado ponto de vista da propriedade lesada, um ilícito civil autônomo.
mas considerações que se seguem. Essa "contrariedade à lei" não pode 2. Tal concurso de violações jurídicas não se produz, na realida-
mesmo , ser identificada como "contrariedade à lei", não pode mesmo, de, raramente, e o número de casos de ilícito em concurso pode ainda
ser identificada como "contrariedade à norma" . se elevar acentuadamente. Pensa-se numa lesão corporal no exercício
de função pública, em que a vítima se tornou total ou parcialmente
§ 46. 5. Pluralidadde de antijuridicidade no delito? incapaz de ganhar a vida, então concorrem com o dano patrimonial, a
violação do direito à tutela, do direito do lesado à omissão da agres-
lII. A criação legal do direito subjetivo significa sempre, ao são, do direito do detentor do cargo, de condução legal da função,
mesmo tempo, a edição de sua norma protetora - o desrespeito a eSsa contra o funcionário, e ás quatro diferentes violações jurídicas corres-
proibição pode ser formulado expressamente, como, por exemplo, na pondem quatro diferentes consequências jurídicas: a formação do
Lei sobre os direitos autorais, ou quando é considerado como evidente direito penal do Estado, do direito de legítima defesa do agredido e seu
no direito não-legislado. auxiliar, o direito do dententor do cargo à pena disciplinar, finalmente
Estas normas de proteção do direito subjetivo - não qualquer o direito de indenização ou reparação do dano fisico. Nada leva tanto
norma é uma dessas! - só podem ser infringidas através violação culpá- a erro como, em tais casos, admitir a unidade do ilícito e até mesmo a
vel, tentada ou consumada, do direito protegido. unidade de suas consequências jurídicas.
1. Nos últimos casos uma violação jurídica é o meio para a 3. Mas se o delito consiste na infração de uma tal norma de
comissão de outra: e certamente no chamado concurso ideal existem proteção para o direito subjetivo, então o concurso é duas vezes antiju-
duas violações jurídicas, sendo infringido tanto o direito protegido ridicidade, sem dúvida muito frequentemente, mas não necessariamen-
como o direito à tutela. Se, por outro lado, o direito violado é um te. Combina com isto, que certos direitos só podem ser violados
direito privado, então é deixada de lado a fase do concurso e é mantida através infração consumada, outros, mesmo através infração tentada.
a culpabilidade para uma característica essencial do ilícito civil, e assim A primeira toma lugar no direito privado, a última, no direito à tutela e
não é possível nada mais senão admitir como certa a afirmativa da também no direito do agredido ilicitamente à omissão da agressão.
completa igualdade essencial entre ilícito civil e criminal. A Quando o ladrão agarra meu relógio de bolso e eu o seguro com as
chamada violação contratual dolosa, sem dúvida contém em si um mãos, então exerço, com meus punhos, meu direito de legítima defesa,

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a tentativa de furto deriva para o Estado o direito penal, e, por outro violação jurídica e uma contrariedade ao direito de propriedade, mas
lado, não se realizou uma lesão à minha propriedade. Isto mostra não é, necessariamente, nenhum delito, pois simplesmente não é
claramente que só se pode falar de uma violação à propriedade sob o contrária à lei. O direito de propriedade, numa exceção da norma,
ponto de vista do proprietário, mas do ponto de vista do Estado só se pode ceder vez à propriedade na violação do estado de necessidade:
pode falar numa insubordinação cometida. mas nem sempre na mesma medida.
Mas também aqui evidencia-se novamente como as diferentes a. Ora fica a propriedade agredida do capaz de estado de neces-
antijuridicidades têm seus diferentes tipos penais. A fase da culpabili- sidade, no chamado furto famélico, ora ela pode resultar inútil, como,
dade que uma exige, não é essencial para a outra, e às vezes, como em geral, onde é estatuído o direito de violação frente a ela.
Heyssler afirmou, constitui uma qualificadora do ilícito civil. A distin- b. Ora cede, mas não sem se transformar num direito de indeni-
ção entre tentativa e consumação, que uma não sofre, a outra exige. A zação - como, por exemplo, na expropriação e fenômenos análogos -
ação, que numa só pode ser efetuada pelo homem, na outra pode ser ora vai sem motivo para sub-rogação. Toda essa diversidade fica total-
realizada através o acaso. Interessante é o modo totalmente diferente mente sobre o solo das violações à propriedade, e de fato não sôbre o
de definir a unidade da violação no crime, por um lado, e no ilícito dos delitos: pois todas essas violações carecem do caráter de delitos.
civil, por outro lado. O ladrão que limpa um vestuário de centenas de 6. Quem examina com profundidade essas relações, chegará aos
ocupantes, comete cento e uma violações jurídicas; desrespeita uma seguintes princípios irrefutáveis:
vez a proibição de intervir na propriedade; junto a um crime ficam a. O delito, como violação de direitos subjetivos, simplesmente
centenas de ilícitos civis. só pode ser compreendido como violação do direito tutelado. Todas as
Investigações mais detalhadas poderão, sem dúvida alguma, demais violações jurídicas, ainda que possam ser cometidas não inten-
apresentar muitas outras distinções entre as diversas espécies de ilícito. cionalmente, podem cair sob exceções das normas. Não a violação
4. Também quando é cometido crime consumado na proprie- jurídica como tal, mas apenas a violação jurídica proibida pode ser
dade alheia, pode desaparecer a contariedade ao direito privado. Se delito. Isto, entretanto, não quer dizer que qualquer delito, além da
alguém coloca fogo na residência de alguém, com o consentimento do insubordinação, seja ainda, essencialmente, a violação de um outro
dono, então o consentimento não exclui o crime de incêndio, mas a direito. Tanto inúmeros crimes como crimes graves, afastam-se de
lesão de direito privado. qualquer outra violação jurídica. Em outros, dentre os quais não
5. Não menos importante é a observação que intervenções devem ser esquecidos, especialmente, os crimes patrimoniais, é possí-
intencionais no direito de outrem, não são, necessariamente, delitos. Os vel sua tentativa e até mesmo sua consumação, sem tal intervenção no
direitos subjetivos estendem-se mais longe do que as normas contra direito patrimonial. Assim, pode-se afirmar: a violação consumada de
suas violações, sua antijuridicidade ultrapassa o delito. Com isso um outro direito, como do direito que parte da norma, não é essencial-
abre-se uma visão muito importante nas relações de precedência das mente delito.
normas e suas exceções, com os demais princípios jurídicos afirmati- b. A culpabilidade, com suas duas espécies - dolo e culpa - é o
vos. aspecto da vontade, exclusivo do delito. Não há nenhuma violação
Quando, por exemplo, é reconhecido o direito de estado de culpável de um outro direito, como a do direito tutelado. Quem furta
necessidade, de intervenção na propriedade alheia, como na avaria um pão em autêntico estado famélico, sabe perfeitamente que intervém
forçada, ou quando o estado de necessidade deixa parecer tal inter- na propriedade de outrem, e talvez não saiba também que o proprietá-
venção pelo menos como permitida, como no furto famélico, então não rio pode defendê-la: mas não age com dolo mala. Sem dúvida a infra-
são afastados os princípios jurídicos respectivos, do direito de proprie- ção da norma consiste na intervenção do direito de outrem, e assim
dade, pela apresentação do estado de necessidade sobre o direito não deve faltar dolo ao agente, que deve conhecer e querer essa inter-
subjetivo de propriedade: a intervenção permanece portanto uma venção como tal. Não basta apenas esse conhecimento, sozinho, para o

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dolo: ele deve contudo se estender também a que essa intervenção caiu Pois se a indenização obrigatória é consequência do delito,
sob a norma, e portanto é proibida. então não 'está errada sua existência, em dete:mi.nadas cir~unstâncias,
c. O direito civil, como tal, esgota-se na pura violação do direito como causa da eliminação da pena, consequenCla do dehto, ou_ pelo
privado, e portanto não é delito. Numa parte aparece incap~z de en~rar enos considerar-se a indenização paga como causa de atenuaçao da
em concurso com o delito, principalmente quando não fOI produzIdo ~na. Significa portanto, sem dúvida, um progresso jurídico i~portante
através ação de um agente capaz ou através uma tal, mas de modo ~ostrar definitivamente fora do ilícito civil a f~~e do dehto, pa~a
lícito. reconhecer primeiramente em lugar da culpabIlIdade a causaçao
d. Em todos os demais casos concorre com o delito. Quem não proibida da perturbação de direito privado, e a causação do mesmo,
sabe distinguir, fala de ilícito unitário e erradamente relaciona dolo e realmente, como causa da consequência jurídica civil. Pois o ilícito civil
culpa com violações de direito privado, co.mo ocorre ~t~almen.te de se definirá somente de acordo com os princípios de direito privado.
maneira quase generalizada. Mas há apenas vIOlação de dIreIto pnvado Compreendemos esse progre~so, no momento, tanto pr~tica ,c~mo
intencional e não-intencional; não há violação de direito privado dolosa teoricamente, e avançamos amda para ele como nosso malS proXlmo
e culposa. Quem, de modo proibido, intervém no direito priv~do ~e objeto.
outrem acreditando ter direito, quem, por exemplo, toma arbItrana-
mente a coisa do devedor relapso na crença de se fazer pagar com isso, IV. O tipo unitário do delito e a diversidade de sua formação
desrespeitou intencionalmente aquele direito privado - agiu com dolo, § 47. A. O tipo penal unitário
mas não porque sua ação não foi subsumida pela norma. Na maior
parte das vezes, esta violação intencional do direito privado está v~n~u­ I. As características do delito, como espécie do ilícito, expressas
lada ao conhecimento, ao mesmo tempo, delito doloso. Para o dIreIto nitidamente, esgotam-se na infração culpável da norma, portanto na
civil, isto não parece essencial. violação culpável do direito tutelado. Inexiste o delito quando falta a
Então, diz Heyssler corretamente, quando também se liga a obrigatoriedade jurídica da norma, o mandado é juridicamente nulo, ~
outras idéias totalmente diferentes, que a fase da culpabilidade "não ordem da autoridade é ineficaz juridicamente, quando a conduta Cal
tem nenhum significado constitutivo para o direito civil". Mas, se ele, sob a exceção de uma norma, quando o possuidor do direito tutelado
com exatidão, atribui a essa um "significado qualificador"? consente na violação do seu direito, finalmente, quando o fato, que
e. Se concorrem ilícito civil e delito, então, sem dúvida, podem, exteriormente contraria a norma, não é executado culpavelmente.
mas não devem obrigatoriamente se ligar nos dois direitos subjetivos Correspondem à norma, como pelo apelo à liberdade" mandados e
violados, as consequências jurídicas características da pena e da indeni- proibições em forma de condutas livres que corresponden: ~ norma e
zação. Como é bem possível que também o legislador, como no caso contrariam a norma. Esta insurreição culpável contra o dIreIto tutela-
presente, não tenha estabelecido para o fato qualquer concurso, e que do falta tanto na tentativa como na consumação, na culpa não menos
reconheça exatamente na fase da culpabilidade, portanto, numa parte do' que no dolo. Um delito inculpável é um contra-senso. ..
do tipo penal, o fundamento da indenização obrigatória. Então lI. Se um delito é cometido, só pode sempre ser responsabIh-
forma-se muito bem a regra que somente a culpabilidade obriga à zado a partir do ponto de vista de uma determinada orde~ jurídica.
indenização: não é para se executar pura; portanto mesmo agora a Delinquente, de acordo com o direito alemão, é apenas o mfrator de
culpabilidade não é constitutiva para o ilícito civil, mas, sim, qualifica- normas alemãs, como também ao de normas estrangeiras que perten-
,

dora: a concepção correta de direito privado vicia a matéria pelo çam às leis penais alemãs em branco; pois elas são reconhecidas como
desconhecimento daquele concurso. Mas também facilita o direito parte do nosso sistema jurídico. Quem não violou nosso próprio, mas
penal! um direito de obediência estrangeiro, pode, apesar disso, ser delin-
quente aos nossos olhos, mesmo quando somente o seja de acordo

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com o direito estrangeiro. Também, nem o Império, nem o Estado, têm I. Não há dúvida que a investigação que se dedicasse à distinção
um direito penal contra ele, e assim nega-se talvez ao Estado estrangei- ao parentesco entre o crime e o chamado ilícito policial, seria
ro, não a ajuda jurídica para aplicar a punição ao culpado de acor~o o~nduzida unilateralmente desde o início. Não se a fase do delito se
com o direito estrangeiro. Mas quem infringe a norma do estrangeIro ~iferencia dentro do ilícito ameaçado com pena, ma~ se t.oda a área do
que se opõe ao direito alemão, que manda o que o nossso proibe, e delito se deixa desmembrar de acordo com tal d~versl~ade e, caso
proibe o que é mandado aqui no País, não é, também, ao nossso olhos, afirmativo, que divisões resultám - isto é o que cabe InVestIgar.
nenhum delinquente. Para uma parte, a questão controvertida é exclusivamente o
E impor pena a ele não presta ao País nenhuma ajuda jurídica. resultado, mas, para a maior parte, o resultado da união de ilusórias
III. O delito, como espécie do ilícito, não se determina, natural- causas de distinção, que o defensor de uma distinção essencial entre
mente de acordo com a consequência jurídica. A pena não é, para ele, crime e as chamadas contravenções policiais deve enfrentar dificulda-
de fo;ma alguma, essencial: a infração da [ex imperfecta personifica o des para remover as objeções de seus opositores, e pode no máxim~,
conceito de delito exatamente tanto como homicídio e estelionato. retribuir o inimigo de igual para igual. São também, armas de dOIS
Assim como não há tipo penal punível que não seja delito. O crime é gumes, que podem ser empregadas 'pe~os d?is lados nessa .luta. Ou
aspecto do delito. Qualquer tentativa de provar seu tipo penal co~o qual das duas partes não leva o dIreIto VIgente como alIado, no
qualitativamente diferente do delito impune, fracas- s~ tão nece~~a:la­ combate?
mente como a tentativa de afirmar a igualdade do delIto, como llIcItO, Quem compara, com isenção, lei penal e lei das contravenções
com as demais espécies de ilícito. A igualdade interna dos delitos penais em seu conteúdo, acredita perceber, em grandeza e conjunto,
punível e impunível, não prova, porém, que é de se considerar a pena uma diferença nos tipos penais das condutas puníveis, mas que na
como consequência do delito. Mas prova que a pena não é consequên- realidade enfraquece em muitos pontos, até chegar a desaparecer, e
cia necessária de qualquer delito, e que o moti- vo de sua apresentação assim fica ante a alternativa de, ou admitir que qualquer distinção de
como não-apresentação não pode estar só no delito. conteúdo entre as duas classes de leis é apenas aparente, ou a legisla-
ção não sabe abrangê-la, ou queria ignorá-la na prática enquanto ela
B. As diferenças em sua formação existe na teoria. Então, certamente, deve ser levado agora àquela prova
§ 48.1. Introdução do conceito jurídico a partir do direito positivo, mesmo onde pode ser
indicada a imperfeição de sua criação legal, tão reduzido é o material
A definição apresentada para o delito, é uma definição formal. de prova para a comparação externa da igualdade e desigualdade entre
Seria possível agora, que o exercício do direito de tutela se separasse lei penal e lei contravencional penal.
em diversos grupos de acordo com a espécie e medida de suas exigên- Fica agora ao grande mérito do opositor uma tal suposta
cias, aos quais deveriam corresponder, necessariamente, gru- pos de diferença essencial dentro do ilícito, de modo inteiramente incontestá-
delitos análogos. Em qualquer desse grupos deveria surgir o tipo penal vel, a igualdade das fases do delito no crime e nas chamadas infrações
do delito com a formação de uma espécie própria: pois o conteúdo da policiais, desde que ela exista, tê-la tornado válida. Sem dúvida, tanto a
lei e do direito subjetivo fundado através dela espelha-se exatamente, conduta proibida pela lei das contravenções penais como a lei penal
novamente, em sua "violação". O mesmo espaço não- tutelado poderia exigem, antes que possam ser puníveis, a norma, que poderia tranfor-
ser preenchido então com conteúdo de espécie muito diferente; e que mar uma conduta não proibida até então, numa conduta proibida; as
isto ocorre na realidade, tem sido afirmado bastante frequentemente. duas condutas são, portanto, de modo igual, infrações à lei: tidas as
Se isto fosse certo, então seria possível que essa diversidade de delitos normas só podem exigir de pessoas capazes: ao chamado ilícito
também levasse à das consequências jurídicas. policial é portanto a fase da culpabilidade tão essencial como em todo

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ilícito: não há a menor dúvida, portanto, que está contida, do mesmo IV. Agora, todas as proibições, como já foi mostrado anterior-
modo, no ilícito policial. mente, têm apenas uma e a mesma finalidade: querem evitar que,
lI. Certamente, da incontestabilidade desses princípios resulta através conduta humana, seja produzida certa modificação no ~~ndo
que, aquele que, desprezando-os, tenta estabelecer distinção entre o jurídico. Para atingir essa finalidade, distinguem-se elas, nas especIes e
chamado ilícito policial e o crime, pode compreedê-Ios, de qualquer modos, em três grupos. As "proibições de violações" proibem a causa-
modo, erradamente, mas não pode existir uma tal distinção, e exata- ção dos result~dos inde~ejados, como. t~is; a proibição ~onstitui o
mente aquela distinção deveria se provada pelos opositores. parapeito que cIr~unda dIretamente o dIre.ItO o~ bem protegId~. Ma~ a
Quando esses opositores afirmam, além disso, uma diferença lei leva ainda maiS longe sua obra de fortIficaçao e quanto maIS valIo-
essencial entre ilícito criminal e ilícito policial, o último é "violação sos são os bens protegidos, mais encontra motivo para dobrar e tripli-
jurídica" como o primeiro, então teriam toda razão quando quisessem car a amurada de proteção. Assim, leva adiante a proibição de causa-
ver tanto através o crime como através o ilícito policial, violada, da ção com dois cintos, com. ~ proibição de coloc~ção e~ perigo na
mesma maneira, a norma da qual decorre o direito à tutela. frente da violação do bem Ja tutelado, desde que ISto seja realmente
Apenas,isto fica completamente distante deles. Ao contrário, querem possível.
dizer -abstraída esta desobediência- que a fase da insurreição jurídica O direito exige obediência nos dois casos, porque a desobediên-
apresenta-se na mesma extensão, tanto no ilícito policial como no cia contra a proibição seria ao mesmo tempo meio para a produção de
crime. E exatamente como está, em primeiro lugar, sob investigação. O uma determinada condição que se opõe à estabilidade jurídica. Final-
crime poderia, sem dúvida, ser "violação" como o ilícito policial não o mente a terceira classe procura manter a atividade humana bem
é, e os adeptos de uma distinção essencial entre os dois poderiam distan~iada do bem tutelado: proibe condutas sem qualquer considera-
apenas definir erradamente uma idéia correta, com a tese: é própria do ção ao seu resultado real, preocupando-se apenas com suas muitas
crime uma "violação jurídica", da qual sai o ilícito policial. formas indefinidas e suas possíveis variedades; proibe a desobediência,
lI!. Em seguida oferece-se a possibilidade de vincular a proibi- não porque e desde que fosse causa para uma situação jurídica que
ção ao crime e o mandado ao ilícito policial. Apenas, mesmo admitindo contraria o direito, mas simplesmente a desobediência.
uma vez que o mandado e o respectivo delito de omissão corresponde- Daí resulta imediatamente uma oposição mais profunda entre a
riam, total e em tudo, ao ilícito policial, mesmo com isso ainda não se infração da proibição de violação com a proibição da colocação em
alcançaria uma distinção definitiva: pois de acordo com a concepção, perigo, de um lado, e a simples proibição, do outro lad?: as duas
pelo menos vigente atualmente, não cobre, de forma alguma, então, primeiras possuem um objeto de agressão totalmente determmado, fora
com toda probabilidade, não se poderia acrescentar a infração da do direito à obediência, enquanto falta à infração da "simples proibi-
proibição de dirigir nas ruas à noite sem lanterna, nem a de andar em ção" um tal, completo
via interditada. Todos são delitos de desobediência, dividem, portanto, um
Assim, a questão se todo ilícito deve ser separado em várias objeto de agressão, e assim se separam dos demais delitos de comissão
espécies, de acordo com a formação da fase do delito, desdobra-se em em dois grandes grupos: o dos delitos qualificados com dois objetos de
duas questões: agressão, e o dos delitos simples como apenas um único.
1. Existe uma tal diferença dentro das condutas proibidas, e, se Já ficou provado que o ilicito tem num grupo um conteúdo
sim, qual é? essencialmente diferente do segundo. Aqui e acolá pode reinar a
2. Todas as infrações de mandados, na formação de sua fase de dúvida, se um delito pertence à forma simples ou qualificada. Mas que
delito, coincidem com um dos grupos encontrados de condutas proibi- a distinção existe, isto é tão inegável como sua transcendental
das, em sua fase de delito? importância.

198
V. Mas, onde, no ilícito qualificado, encontra-se aquele segundo estrito, como conteúdo dessa escala, uma violação ou colocação em
objeto de agressão, que normalmente se considera como o único objeto perigo de bens jurídicos, mas negava que o segundo objeto de agres-
de agressão do mesmo, têm se apresentado, quanto a isso, no curso são nos delitos qualificados poderia ser um outro direito subjetivo. O
dos séculos, opiniões divergentes interessantíssimas. crime não é "violação de direitos", mas "violação de bens jurídicos" .
1. Também aqui Feuerbach representa o ponto de partida. No § A última definição não me parece, atualmente, sustentável; ela
21 do seu Tratado define o crime como "uma conduta que se opõe ao deixa na obscuridadeaté onde o crime é ao mesmo tempo agressão a
direito de um outro, ameaçada pela lei penal", e os direitos por ele direitos subjetivos e desperta idéias erradas, quando a verdade é na
violados são, de acordo com o § 23, ora diretamente direitos do realidade tão simples, como já apresentei uma vez.
Estado, ora de pessoa privada. Por conseguinte, o crIme é, essencial-
mente, violação de direitos subjetivos e nada mais. E notório que as 2. O objeto da agressão
conclusões altamente duvidosas de Feuerbach serviram, por um lado, § 49. a. O direito subjetivo
para a sistemática, especialmente na delimitação entre crime e contra-
venções policiais, e, por outro lado, para o estabelecimento de c.ausas I. Com qualquer direito subjetivo, forma-se sua norma protetora,
de exclusão da pena. As que seguiram imediatamente, a de Thlbaut, e assim se poderia muitas vezes esperar que ao sistema dos direitos
abriram luta contra esta característica de lesão jurídica, do crime e subjetivos corresponderia um sistema de tipos penais, cujos membros
apontaram que esta característica se apresenta generalisadamente. se apresentariam igualmente como violações dolosas ou culposas
Recentemente, só Loening se colocou novamente ao lado do ponto de daqueles direitos subjetivos, e que esse sistema se esgotasse no
vista de Feuerbach. conjunto desses membros.
2. Já foi apresentado acima, como a partir dessa supressão da Sim, a existência de um tal sistema de delitos, em mais detalha-
fase da antijuridicidade subjetiva, o crime teve outra evolução, que das considerações, torna-se induvidosa. Surpreende cada vez mais a
levou a um conceito unitário do ilícito como infração culpável do observação, que não desempenha quase nenhum papel na árvore dos
direito objetivo. Por conseguinte, a fase da violação jurídica subjetiva tipos penais de crimes. Finalmente são tão pouco provados esses siste-
de todo ilícito não aparece como essencial. mas, que o conceito de crime é talhado com nitidez semelhante, para
. 3. Para a descoberta do objeto da lesão no crime, primeiramente raramente se apresentar em determinados direitos subjetivos, fora da
Birnbaum tentou novos caminhos. Ele observa que "quando se quer violação externa dolosa ou culposa do direito do autor. Além disso,
tratar o c~ime como violação, este conceito deve ser relacionado, abstraída a desobediência, o crime contém, na maioria dos casos, uma
naturalmente, não com um direito, mas com um bem". Pois, quando outra antijuridicidade que de fato pode, ou não, se personificar no
perdemos um bem, esse direito não nos foi retirado. Acredita "que tipo penal, tão bem como numa violação jurídica como numa violação
como o crime, pela natureza das coisas ou como aquela vontade de bens jurídicos.
humana racional punível, para se imputar qualquer violação ou Por conseguinte não deve ser desconhecido que mesmo em tais
colocação em perigo, e torná-la logicamente punível pelo Estado, todas delitos puníveis, acontece que a agressão a direitos subjetivos é essen-
devem ser vistas igualmente como a garantia de bens pelo poder do cial aos mesmos. Quanto mais esse ponto era antigamente obscurecido
Estado". por mim mesmo, mais eram, em parte, desprezadas suas consequênci-
4. Como Merkel e Halschner, segui também esta concepção de as, e mais necessário se tornava seu esclarecimento.
Birnbaum. Na primeira edição foi dada uma resumida teoria do bem II. Se vejo corretamente, então as ações podem se colocar em
jurídico. Mas em divergência com a teoria predominante, vindiquei oposição aos elementos de direitos subjetivos, de dois modos: através
novamente, em qualquer delito, na insubordinação, a característica da negação de direito existente materialmente e usurpação de direito
contravenção contra direitos subjetivos, dei ao crime, em sentido materialmente não existente - analisados sob o aspecto do

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dever:através negativa material de direito ao deve~ corres??nden~e, e idéia da usurpação do direito de pretensão constitui o fundamento da
através a pretensão de fundamentar deveres ou torna-los vahdos, amda quantia do seguro. Aliás, muitos casos de outras espécies de crimes
que inexista seu pressuposto de direito. . podem conter também outras usurpações de direito.
A. A usurpação de direito é possível de dOis modos; tanto B. A negação material do direito de outrem aparece sob várias
quando alguém afirme expressamente possui~ um .di~eito ~ue ~ão ten:, formas. Se vejo claramente, seu fundamento é o impedimento perma-
como quando ele, ainda que saiba não possUIr o dlfelto, sIlencie ou aja nente ou temporário do seu exercício, portanto a paralisia direta ou
como se o possuisse. Evidencia-se claramente que o agente que se indireta da vontade de exercê-lo. Se se trata do uso permitido a
atribui suposto direito, que usurpa com êxito através uma conduta pessoas ou coisas, então pode st;;r suprimida a vontade dele. E assim a
normal, sabe que a mesma compete apenas ao aut~rizado .. Mas a negação material do direito de outrem será ao mesmo tempo agressão
conduta no exercício de um direito é, como se mostrara postenormen- à vontade de outrem, ou as coisas sob seu domínio, e, portanto, ao
te um chamado bem jurídico: a usurpação de direito é, portanto, na mesmo tempo violação de bens jurídicos. O último é o meio, o primei-
v~rdade, usurpação de um bem jurídico, e, uma vez que ."v~o~e" direito ro, o fim.
de outrem, é violação jurídica através usurpação de bens Jundicos. A negação de direito pode, agora, ser:
A usurpação de direitos será inúmeras vezes, ao mesmo tempo, 1. Anulação do direito. O mesmo é:
realmente, negação de direitos, sobretudo, principalmente, quando a. negação dos pressupostos de sua existência jurídica, como,
importa na utilização material do direito de outrem. Assim, em todos por exemplo, a alteração violenta do direito objetivo com a finalidade
os casos em que há apropriação antijurídica, como quando o devedor de eliminação de direitos subjetivos, portanto agressão à liberdade de
frauda o credor. Mas se faltou um voto do eleitor, apesar de o mesmo afirmação da vontade do legislador, mas, de forma inteiramente
ter votado, sem que entre em questão o direito de voto de outrem, diferente, a destruição das coisas do poder jurídico pessoal ou materi-
então existe apenas usurpação jurídica. al, ou a destruição do sujeito do direito ou da obrigação. Exatamente
Uma agressão a um outro direito determinado, não contém, aqui resulta, para a análise jurídico-penal, uma circunstância muito
portanto, necessariamente, a usurpação ao direito, mas confirma, característica. A morte tem como consequências, para o morto, a perda
realmente, uma usurpação à existência do direito. Isto é ampliado numa de todos seus direitos e deveres: uma parte dos dois, os chamados
pseudo área. O dever corresponde, agora, ao direito, e assim a usurpa- direitos e deveres intransmissíveis, desaparece logo para sempre. Esse
ção jurídica material ora se apresenta mais nítida, ora menos nítida, efeito definitivo da morte sobre a existência de direitos e deveres, é,
como aplicação de pseudos deveres a terceiros. por assim dizer, totalmente ignorado pelo direito penal. Apenas a
A usurpação jurídica ligada à negação material do direit? de destruição do bem da vida constitui, exclusivamente, a matéria de
outrem, designo como negação jurídica qualificada, e trato-a admnte interesse jurídico-penal.
como tal. Na alta traição a lei só pensa - se interpreto direito - na morte
A usurpação jurídica pura,só raramente constitui um tipo penal pela perda causada à pessoa que tem a posse do poder do Estado. De
punível. Ela existe sempre no uso inautorizado da bandeira federal, do qualquer maneira só nesses casos é possível a destruição do direito
Império ou de um Príncipe federal, ou de um brasão estadual, a usurpa- através a destruição de bens jurídicos;
ção de Ordem, sinais honoríficos, títulos, dignidades, graus de nobreza. b. influência proibida na vontade do autorizado, para determinar
Mas não pode estar contida no exercício inautorizado de um cargo a ele o exercício do seu direito, especialmente através ludíbrio (fraude)
público ou na execução que só possa ser realizada em virtude de car?o ou violência (extorsão).
público, na usurpação de um poder de mandado ou poder penal, aSSim c. atividade jurídica proibida, através o procurador. Na qual
como na formação ou comando de uma multidão armada. Existe, de existe sempre uma violação dos deveres de procuração e uma usurpa-
fato, em vários crimes funcionais, até mesmo na exação ilegal. A

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ção dos poderes concedidos, e da qual portanto se desistirá ainda uma Também aqui o delito se apresenta, portanto, como violação
vez. jurídica por intermédio da violação de bens jurídicos. A primeira pode
2. Embaraço a ações no exercício de direitos. Este se realiza: às vezes, certamente, faltar nos casos concretos de crimes, mas a
a. ou como coação material direta à vontade, contra aquele que última, porém, nunca.
poderia exercer seu direito através determi?~da conduta. O ~egi~lador beta. De modo diferente vemos na supressão do estado de
se opõe, tanto através ameaça penal genenca como. atrav.es diversas pessoa o exercício do direito de família através supressão do seu
ameaças penais específicas. Ou a pena vige para impedimentos de pressuposto material, da permanência no grupo familiar natural, e,
espécie determinada, para o exercício de um dir~ito específico, ,co~o portanto, o impedimento novamt:nte através violação de bens jurídicos.
por exemplo, para o aprisionamento ou extradição de um pnncipe gama. Além disso é possível que não exista mais para o autori-
federal que provoque, naturalmente, sua incapacidade f~tica para o zado a posse da coisa e ainda não existe o domínio material sobre a
governo; na resistência contra o poder do Estado; na coaç~o para at~s pessoa, e a ocorrência de ambos seja evitada. Assim, na apropriação
de oficio; no impedimente arbitrário para o voto; e tipos penai~ de coisa alheia sem a eliminação da posse alheia (a apropriação indébi-
semelhantes. Ou a lei cria um delito de coação que compreende em Si ta, em muitos casos a receptação), há a tentativa do proprietário, de
todos os impedimentos arbitrários, não somente para o exercício de obter de volta a posse jurídica; no favorecimento próprio muitas vezes
direitos mas também a execução não proibida - sim, de modo estra- não há nada mais do que uma tentativa de impedir a fundamentação
nhame~te raro, também a execução de uma parte de condutas proibi- do poder estatal sobre o culpado.
das. delta. Como impedimento ao exercíéio de direito pode-se consi-
Assim como a lei tutela diretamente de violação o bem jurídico derar, finalmente, também, a danificação ou inutilização do objeto de
da livre disposição da vontade, tutela indiretamente, ao mesmo tempo, direito.
o exercício de direito através a liberdade de disposição. Esta última é o 3. O desatendimento ao direito de outrem gera obrigações. De
objeto de agressão indispensável do delito de coação. Ma.s a c~~ção modo relativamente frequente, os tipos penais de delitos são constituí-
será muitas vezes o que sempre são as chamdas condutas impeditivas dos através contravenção culpável a direitos de outrem, correspondem
arbitrárias: violação jurídica através violação de bens jurídicos. O~: . a deveres.
b. como supressão ou destruição do que corresponde ao direito, Quanto a isso, é para observar novamente que a conduta do
e portanto da situação que norm~lmente f~vor~ce o ~xe:c~cio de obrigado, ajustada com a lei, pode ser designada, da mesma forma,
outros direitos. Nisso fica sempre a cnação de situaçoes antijundicas. como bem jurídico. Estas infrações se elevam de formas muito simples
alfa. Pressuposto do exercício do poder jurídico é, em princípio, para formas muito desenvolvidas.
o poder fático sobre a pessoa ou coisa subordinada, o qual,. co~ a. O culpado se omite em prestar aquilo a que está legalmente
relação a pessoas, falta a designação técnica.' mas fr~n~e a, cO.isa~ e obrigado (sonegação de impostos) ou o que assumiu contratualmente:
denominada posse. Num grande número de cnmes o direito e atmgido o marinheiro foge com o seu soldo ou oculta-se para não prestar servi-
através supressão da possibilidade material do seu exercício, ~o~~ na ço; o fornecedor não fornece no tempo de guerra ou de necessidade.
separação de territórios do Estado, entrega de fo~alezas ao illillligO, b. O culpado faz o que não tinha que fazer, e sua ação:
tomada de símbolos da autoridade do Estado, viOlação de arresto, alfa. Ou se esgota no acontecimento antijurídico. Rompe o
furto, roubo, apropriação indébita, destruição de documentos, dest~1Ii­ juramento; apresenta obras musicais inautorizadamente; caça, sem
ção de coisas de transporte postal - ou podem as pessoas serem retira- resultado, onde não pode caçar; trai segredos privados; ou:
das do poder do autorizado, como na deserção ou incitação à mesma, a beta. Cria situações em detrimento do direito alheio. Enqua-
liberação de prisão em suas diversas formas, no chamado rapto de dra-se aqui a usurpação do poder estatal, cabem aqui os delitos
crianças, sequestro, etc. coletivos chamados próprios, desde que não sejam compreendidos

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negativamente sob o aspecto da expropriação material, mas positiva- Poder-se-ia agora verificar que falta a outros crimes dos mais
mente, como apropriação material, e faz parte disto a apropriação importantes essa agressão a direitos subjetivos, que se esgota na agres-
antijurídica de bens de caça; ou: são ao mundo dos bens jurídicos, e assim não se constata, portanto, a
delta. Cria o contrário de bens jurídicos; gera coisas que só são necessidade de distinção entre os dois grandes grupos de crimes, os
produzidas no exercício do direito de outrem, a despeito desse direito. quais, um exprimiria o bem jurídico, e o outro o objeto da agressão:
Tomam-se objeto da propriedade e de todos negócios jurídicos possí- pois toda e qualquer agressão a direitos subjetivos se realiza através a
veis, mas permanecem contrabando ilegal. Não penso, quanto. a iss,.?, agressão a bens jurídicos, sem a qual é impossível. A agressão ao bem
antes de mais nada, na fabricação de moedas falsas, nem na falsrficaçao jurídico é portanto característicá comum a todos os crimes, e a distin-
que existe na reimpressão de moedas do direito comum antigo e do ção consiste apenas em que essa agressão, em muitos deles, deve ser
direito comum atual, em que se dá a violação das leis monetárias feita indiretamente a um determinado direito subjetivo, mas nos demais
estatais, mas na violação do direito de invenção através reimpressão, - pensa-se no homicídio, lesões corporais, estupro - pode atuar como
reprodução inautorizada de obras de arte, de coisas patenteadas, de violação a direitos subjetivos das mais diferentes espécies.
marcas de comércio, bem como pela preparação arbitrária de chaves
residenciais ou de quartos, pelo chaveiro; ou, finalmente: § 50. b. O bem jurídico
gama. Como representante legal ou procurador viola seus
deveres perante o representado ou o que deu a procuração, para tomar Mas quem está familiarizado com as concepções jurídico-penais,
inválidos os direitos do mesmo, ou cria para o mesmo direitos tão maus sente logo a estreiteza e limitação de uma concepção de crime em que
quanto possível, ou atribui-lhe maiores obrigações, ou, finalmente, o fato punível deve cobrir direitos subjetivos com violação culpável.
renuncia a direitos válidos, do mesmo. Incidem aqui especialmente a I. Conforme o legislador tenha em vista outros objetivos, mais
traição diplomática e os delitos de infidelidade. elevados, e, embora não tenha compreendido, tenha pressentido o
c. O culpado se omite no cumprimento de suas obrigações, e faz, caráter inteiramente universal de sua missão. De qualquer maneira ficou
além disso, o que teria de fazer: impede a execução geral ou especial a confiança nela. Mais sublime do que assegurar a existência de direitos
em seu patrimônio, assim como aliena partes do patrimônio, ou estabe- subjetivos, pensou em assegurar condições à sociedade para uma vida
lece dívidas fictícias. jurídica sadia, em que reine a paz imperturbada, em que os direitos
In. Assim, é, sem dúvida, inegável: um não pequeno número de subjetivos se estendam livres, ao mesmo tempo moderados e podero-
crimes contraria direitos subjetivos e esta contrariedade ao direito é até sos, e os direitos possam ser exercidos sem pertubações e sem impedi-
mesmo essencial a determinadas espécies de crimes. Mas a agressão mentos. Esta garantia de pressupostos da vida jurídica pacífica e
que vale para o direito, pode não atingí-Ios diretamente: atinge os abençoada: isto é o em que se tomou a grande missão estritamente das
pressupostos materiais do mesmo, seus objetos, seus sujeitos, a normas e das leis penais, até onde elas existirem. Passando por cima
vontade de dispor dele. Procura atingir o direito sob o aspecto dos dos direitos subjetivos, o direito de tutela deve abranger todos os
bens jurídicos. Todas essas contrariedades ao direito - se vejo correta- aspectos da vida jurídica para conceder-lhes a indispensável tutela
mente - são cometidas de duas formas: através apreensão e através jurídica.
usurpação de bens jurídicos. Na apreensão, englobo a destruição e a Em sua missão universal, que ultrapassa todas as missões especí-
simples lesão; a usurpação compreende em si a usurpação real e a ficas das demais áreas do direito, desenvolve-se a peculiaridade de sua
produção de supostos bens jurídicos. De fato muitas agressões delituo- maneira de encarar os fatos cada vez mais realisticamente. O legislador
sas, como, por exemplo, a deposição do monarca pelo pretendente ao procura as condições materiais de uma vida em comum sadia: lança
trono e qualquer furto, apresenta-se ao mesmo tempo como apreensão suas vistas sobre pessoas, coisas e situações, muito mais energicamente
e usurpação de bens jurídicos.
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do que sobre o direito. Busca, além disso, aquelas condições que, v. O valor dos conceitos apresentados é muitas vezes discutido
digo eu, se referem ao aspecto do tempo: a peculiaridade que cha~a e por j~rist~s dos mai.s eminentes - muitas vezes porque o próprio
atrai a agressão que perturba o direito. E com isso encontrou o objeto conceIto e desconhecIdo. Em todo caso, o mesmo necessita de maiores
da necessidade de tutela direta: este se estampa no objeto da norma, esclarecimentos para se tornar utilizável.
sua violação no fato punível. Da prudência e prática do legislador, de- 1. Não há o menor mérito em Kraus e seus discípulos, especial-
pende reconhecer este objeto o mais completamente possível, da agu- mente Ahrens, em terem colocado em vigor o conceito de bem em
deza de sua fusão, sua fixação exata, das duas, a extensão da norma e direito. Certamente sua execução poderia causar um duplo dano.
sua força de aplicação, e até mesmo a aplicabilidade da lei penal. Perturbador, porque os diversos significados de bem atuam confusa-
lI. Pelo que foi dito, explica-se porque o legislador ajusta seu mente, como uma brincadeira, no conceito jurídico de bem como
conceito de crime tão exatamente a essa concepção realista da pertur- também para identificar o bem moral como objeto de interesse~ jurídi-
bação jurídica, e então tão raramente a agressão a um determinado cos. Mas, ainda mais condenável é o desconhecido da natureza de
direito subjetivo, como tal, é carimbada de tipo penal de crime; porque dire~to positivo, também, do conceito de bens. O bem jurídico não
não toma sob sua tutela os direitos diretamente, mas indiretamente, eqUlvale, na conservação e criação de uma ordem jurídica, a todos
pelo lado de seus objetos, de seus pressupo~tos mate~iais;. e po~que aqueles que se espelham como um ideal na cabeça de um tratadista de
tantas vezes a realização concreta do mesmo tIpo penal mclUl em SI ora direito natural, pois deve ter um interesse, mesmo quando o direito
uma violação jurídica, ora sua falta. positivo não admita um tal interesse.
IlI. Aqueles objetos carcterizados acima, designo bens jurídicos, 2. O bem jurídico distingue-se nitidamente do direito subjetivo.
por causa de sua peculiaridade de bens para a vida jurídica. O conte- Exatamente a transformação errada de bens jurídicos levou às conse-
údo dos bens garantidos pelas normas, constitui o bem capital da or- quências mais insustentáveis junto a F euerbach e outros e foi utilizada
dem jurídica. São os mesmos bens jurídicos para os quais querem que além disso, para carimbar o crime de violação jurídica. ' ,
sejam evitadas, tanto as proibições de causação, como as proibições de .C:rtamen~e .apenas um excesso de bens jurídicos, não o objeto
colocação em perigo, como as simples proibições. Na criação de bens dos dIreItos subjetIvos. Nem o homem, nem o Estado, têm um direito à
jurídicos e na instituição de normas de proteção dos mesmos, a fonte vida humana ou à integridade corporal, nem o indivíduo, nem a socie-
jurídica só é limitada por suas próprias considerações e pela lógica. O dade têm um direito à paz do Estado, no sentido do direito das gentes;
que não pode ser violado ou destruído, não P?de também ser rec~~e­ ~ que ,é. violad? ~través .d~ bigamia, do incesto, da sodomia, tampouco
cido pelo direito positivo como violável, e mUlto menos pode o dIreito e matena de dIreIto subjetIvo. Ao contrário: o que é matéria de direito
positivo fazer sugir uma relação causal onde ela não existe. subjetivo muitas vezes não é nenhum bem jurídico, mas um meio para
IV. Esses bens têm, todos, valor social. Sua inviolabilidade não obtenção de bens jurídicos. A partir da proibição de condutas caracte-
pode atribuir valor, apenas, a este ou àquele, mas a toda vida social em rizada .ac~ma, sem qualquer consideração ao seu resultado r~al, surge
comum. Portanto, só a encontramos na tutela social. Nada é mais um dIreito do Estado frente ao súdito da lei para exigir a omissão
errado do que empregar aqui uma espécie de consideração individualís- dessa conduta, que corresponde, a um dever de não executá-la. Em
tica para querer, por exemplo, distinguir firmemente bens individuais lugar da obediência exigida, presta-se a desobediência então isto não
dos da sociedade e do Estado. O efeito devorador da violação dos bens signifi~a, de forma alguma, a destruição de um bem jurídico.
passa por cima do círculo de direitos individuais. O bem jurídico é um E diferente quando alguém ofende a resolução de uma terceira
conceito da ciência do direito público, não do direito privado. Mesmo pessoa, de obedecer a lei, ou de fato a elimina: então existe, sem
quando o bem constitui a matéria de um direito privado, a norma pode dúvida, uma destruição de bens jurídicos.
até mesmo declará-la inatacável pelo seu detentor.

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Por outro lado, há bens jurídicos que possuem relações conceitu-
, sobre os ovos e filhotes, sobre o âmbar das praias do Mar Báltico,
ais com determinados direitos subjetivos. Mas não esgotam, al, sua sobre o carvão em minas no terreno de outrem.
natureza. Dos dois grandes grupos do direito, o do poder jurídico, c. Se se segue a lei, sobre esses trilhos, um passo adiante, então
onde estão os direitos de domínio sobre pessoas e coisas, e o das podem ser vistos e reconhecidos bens jurídicos com a finalidade de
autorizações jurídicas, onde estão os direitos à execução de c~n~ut~s manutenção da possibilidade de justificação futura de determinadas
determinadas, aqueles são condicionados, exatamente pela eXls.te~Cia espécies de direitos. Nas florestas são reservadas áreas onde realmente
de seu objeto, enquanto que uma espécie de autorizações, os dl.rel.tos não se pode caçar, o animal de caça é garantido, em determinada
pessoais, devem exigir do obrigado ao direito, pelo que tem dlreito, época, mesmo contra o autorizado à caça, e até mesmo a foca, em
uma ação ou omissão relevante, como se dá na ação do credor contra determinadas latitudes nórdicas, que não está envolvida em direito de
seu devedor. Agora: . " caça, obteve sua época de temporada.
a. bem jurídico é, antes de mais nada, o objeto do poder jun.dlc_o, d. Bens jurídicos são, além disso, todas as prestações que o
ou seja, a pessoa ou coisa que está sujeita ao dete~tor. Se a lel, nao credor tem de esperar do devedor, portanto a ação de cumprimento da
desse esses como bens, então não teria nenhum motivo para torna-los dívida, a execução da encomenda, a produção da obra de arte.
objetos de direitos. Eles são, sobretudo, bens para o detentor. Mas o 3. Com isso esgotam-se os bens jurídicos que não se apresentam
mesmo bem de acordo com o seu conteúdo e seu detentor, pode estar como objetos de direitos subjetivos. Nem todos os direitos têm um
sujeito a vá;ios poderes jurídicos, como por exemplo, à soberania terr~­ objeto neste sentido, como, por exemplo, o direito eleitoral, o direito à
torial, à propriedade, ao usufruto, ao direito de pe~ora: a .uma servl- celebração de contratos de direito público. Mas um outro círculo de
dão. A tutela do bem atua, então, da mesma manelra, mdlretamente, bens é constituído por direitos subjetivos capazes de serem reconheci-
para a tutela de todos esses direitos. Os interesses do detentor podem dos legalmente para serem obtidos ou para serem exercidos. O bem não
ser opostos aos dos bens. O melhor desse direito de tutela real~ente é mais matéria, mas pré-condição do direito. Capacidades de direito e
não se preocupa com essa luta de interesses, e simples~ente prOlb~ a de ação, não são direitos, mas bens. Quem é capaz para se tornar um
destruição e lesão do bem, desde que esteja na propnedade alheia, Chefe de Estado ou funcionário, para adquirir bens imóveis, para
usufruto, direito de penhora, etc. Por outro lado, a tutela é incompleta, impulsionar uma indústria, que é capaz de agir e capaz de testar, que é
como na realidade o é. Se o proprietário destroi a coisa dada em capaz de cambiar, possui, com essa capacidade à vista, o direito a um
penhora, então, infelizmente, atualmente fica impune. bem perante todos os demais, que precede a necessidade deles.
A variedade de peculiaridades dos bens jurídicos evidencia-se 4. Mas é permitido também considerar como bens o oferecimento
ainda, aqui, por outros aspectos. Ela pode exigir que se asse?ure o da possibilidade material do exercício de um direito ou de adquirir
bem contra agressões do próprio autorizado, quando há pengo de direitos. De que serve o direito inexequível? Pode me consolar meu
dano à sociedade. A floresta particular também pode ser bem jurídico, direito de voto, se estou preso no dia da eleição? Pode me satisfazer o
uma vez que retenha as águas pluviais ou sirva como muralha contra poder paterno sobre o filho, quando é retirada minha influência sobre
avalanches. Uma compreensível lei de proteção de florestas tutela-a, ele, pelo raptor? Ou a propriedade, quando o ladrão maliciosamente me
então, mesmo contra o proprietário, e sem dívida não enquanto dure o roubou a posse? Assim, tantos bens que pertencem à vida jurídica sadia
interesse da sociedade, mas enquanto dure a lei. não estão contidos em direitos subjetivos como tais. A possibilidade
b. Bens jurídicos são os mesmos objetos, uma vez que ainda não do exercício desimpedido do direito é um bem, tanto como o poder
estejam sujeitos ao poder jurídico, mas estejam destinados a se torna- material sobre as pessoas e coisas do meu direito de poder, sobretudo a
rem, através reconhecimento de um direito de ocupação ou de um posse, como a capacidade de pagamento e vontade de pagamento de
direito de pretensão. Assim, sobre a caça, que se encontre na floresta,

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meus devedores. A perturbação daquela possibilidade, a eliminação de atos oficiais do Estado, no respeito às suas instituições oficiais e às
desse poder material, são lesões a bens. ordens de suas autoridades, nos símbolos de seus lacres, de suas classi-
5. Todas as relações entre bens jurídicos e determinados direitos ficações, de suas ordens de sequestro, na existência das obrigações de
subjetivos, além dos que decorrem de mandados, quando se trata de serviço militar.
garantir sujeitos de direitos através proibição de agressão a seus bens 6. Característica do modo de ver do legislador, é, sem dúvida,
jurídicos. sua posição quanto a certas ordens e círculos da vida. São levados à
a. Bem jurídico é a vida do homem não-nascido, como a do unidade, através sua análise da necessidade de tutela, acentua.
homem nascido, que no último caso é tutelada também contra diversas a. Com relação às sociedades religiosas, toma posição de tal
condutas negligentes do seu portador. Bem jurídico é a saúde; a liber- natureza, que primeiramente estampa o sentimento de respeito para
dade, como peculiaridade essencial da pessoa, em oposição à escravi- com Deus, em seguida o respeito às igrejas cristãs e às demais socieda.:.
dão; a liberdade de agir segundo a vontade; a vontad~ de merecer des religiosas autorizadas a atuar no Império, seus equipamentos e
respeito dos outros; a honra, como merecedora do respeito desde que usos, o respeito aos locais de culto, e, finalmente, o próprio culto.
tenha ao mesmo tempo necessidade de respeito; a honra sexual da b. O caráter monogâmico do matrimônio, isto é, a estrita obser-
mulher; a moral sexual de ambos o sexos; a posição familiar como o vância do princípio legal, que qualquer um só pode estar num
fato de uma pessoa pertencer a uma família; o crédito. casamento - portanto a congruência entre direito e estado - é, para ele,
Sim, o suposto direito assim tão enriquecido, ocupa-se muitas um bem jurídico autônomo; não menos o é a exclusividade da vida
vezes da tutela da vida sentimental dos homens: os sentimentos de sexual entre cônjuges; afirma a proibição de relações sexuais entre
respeito a Deus não devem ser escandalizados por blasfêmias ofensivas parentes próximos e pessoas do mesmo sexo, a sexualidade inter-ho-
a Deus; os sentimentos religiosos não podem ser molestados através mens do sexo humano, e o predomínio da educação sexual em certos
ofensas à Igreja ou através desrespeitos cometidos em locais de reuni- círculos da vida e idades da vida.
ões religiosas; o respeito aos mortos não pode ser violado por intrusos 7. Toma em consideração os principais meios de comunicação, e
nos túmulos e injúrias aos mortos; o sentimento médio se revolta com assim vê como muitos, nos mais diversos sentidos, dependem da
torturas e maus-tratos aos animais; para se manter o sentimento de segurança do tráfego ferroviário, dos serviços marítimos, da capaci-
segurança e de paz, não podem ser feitas incitações através ameaças e dade de funcionamento das instalações de telégrafo público, e eleva
provocações contra a tendência para a paz. Até mesmo o sentimento esses bens a bens jurídicos para estender a eles sua tutela.
natural dos homens encontra às vezes, mesmo, tutela indireta. Pelo 8. Para a concepção realística da lei, muito instrutivo é o modo
menos os pássaros cantores e seus ovos devem ser poupados, não para da tutela ao conteúdo de cartas fechadas, despachos e documentos,
si mesmos, mas para a alegria dos homens. contra violações inautorizadas. Simplesmente proibe a qualquer inauto-
b. De maneira bastante semelhante, formam-se os bens jurídicos rizado a abertura do lacre, sendo indiferente por que proceda. Carimba
do Império e de seus Estados federados, como sujeitos de direitos. O da mesma forma o lacre de volumes postais como bem jurídico, frente
Estado é tutelado em sua existência, sua integridade territorial, sua ao funcionário postal.
existência constitucional, sua existência de paz na comunidade jurídica 9. Seria impossível para o legislador prosseguir com tal reconhe-
internacional, na sua situação de paz interna e até mesmo em sua cimento em todos os escritos, e assim não se deve fazer, neste sentido,
coligação com potências de guerra, em seus segredos oficiais, seus a grande proeza de admitir sentidos implícitos. Direito e fatos relevan-
sinais de autoridade e de soberania, na correção das eleições e dos tes juridicamente necessitam de prova: seu reconhecimento na vida
resultados eleitorais, na liberdade de suas autoridades e funcionários jurídica pode estar inteiramente atrás, ou pelo menos ser destruído pelo
com relação à execução de atos de oficio, na gratuidade da execução aspecto da prova. Assim, são carimbados de bens jurídicos:

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a. a autenticidade do juramento das partes, das testemunhas, dos direito das coisas e dos direitos de pretensão se juntam como bens
peritos e a autenticidade do certificado, sob juramento, pelo funcion~­ jurídicos patrimoniais: assim se sistematiza uma grande massa de
rio competente, isto é, a concordância da manifestação com a conSCI- crimes como crimes contra o Estado. Tais generalizações são perfeita-
ência do manifestante; mente admissíveis, mas têm um inconveniente como consequência.
b. a veracidade da mesma manifestação, isto é, sua concordância Estes objetos genéricos são completamente impraticáveis para a
com a verdade, que o agente no momento da declaração embora não apresentação das normas. Não lesam o Estado, a pessoa, o patrimônio!
conheça, deveria conhecer. - são proibições de natureza muito vaga para poderem servir à riqueza
c. a autenticidade do "documento", totalmente indiferente de das condutas humanas.
quem seja seu proprietário, isto é, da concordância do seu testemunho O súdito da lei quer saber em que o direito vê uma lesão ao
escrito com o do firmatário real do documento, e: estado, patrimônio, pessoa; exige, portanto, a divisão do bem genérico
d. a veracidade dos documentos públicos e privados; em seus conceitos parciais concretos, compreensíveis por todos: só
e. além da incolumidade do mesmo, a possibilidade de seu então o bem, definido de maneira satisfatória, encontra o respeito que
emprego permanente, que é eliminada através a supressão do impõe. Tampouco pode-se retirar do conceito genérico da coisa a
documento; qualidade do bem.
f. a autenticidade de sinais de certificação, públicos ou privados, Por outro lado, um conjunto de bens de espécies totalmente
e a concordância do que foi certificado com a autenticidade do sinal de diferentes, nunca pode se tornar um conceito total, um bem genérico, e
certificação. Como violação desses bens devem ser compreen?idas tampouco tais bens posteriores desempenham papel em nossas fontes
todas as falsificações que nao são falsificações de prova: as falsIfica- positivas: um pássaro que se cobre com penas de outros, que não
ções de moeda, de carimbos, de limites e de níveis d'água, de medidas combinam, apenas se enfeita.
e pesos, de marcas comerciais. Pertence a isso, antes de mais nada, o conceito de ordem pública.
É comum a este grupo de bens que a maioria de suas falsifica- Este consiste nisso: que tais e tais crimes não sejam cometidos, que não
ções tanto pode ocorrer através falsificação do autêntico como através sejam violados nem colocados em perigo a paz do lar, pessoas e coisas,
preparação do falso, produzindo-se, sempre, bens falsificados - coisas o respeito às instituições do Estado ou às ordens da autoridade, o
que exteriormente se assemelham o mais possível com os bens verda- Estado, documentos fornecidos oficialmente, registros, atas, etc. Como
deiros, que reinvindicam a confiança dos bens autênticos, enquanto são é possível empregar na legislação uma tal arrecadação de conceitos?
o contrário. Estes bens falsificados podem ser objetos de propriedade e Eventualmente, relaciona-se de outro modo com o conceito de
até mesmo bens jurídicos autênticos, tutelados. Mas sob o ponto de paz pública. Definem-se com isso duas coisas inteiramente diferentes:
vista da prova devem ser eliminados, como personificação de fraudes primeiramente o sentimento de segurança jurídica diante da agressão
jurídicas: estão predestinados ao confisco. criminosa, e, então, o estado de liberdade para o crime, desde que ele
Entretanto, no inventário dos bens jurídicos, deve-se estar preve- se apoie nos sentimentos pacíficos de uma classe de pessoas frente à
nido especialmente para um erro: de fato as leis penais não raramente outra. Ambos são autênticos bens jurídicos, mas dois diferentes, não
levam ao reconhecimento de bens aparentes, que se apresentam, em um único, e sem dúvida aparece, nos dois casos, essencialmente, o
análises mais detalhadas, como impraticáveis, no conceito coletivo. sentimento pacífico como substrato da vontade criminosa como objeto
Um grande número de bens jurídicos admite uma concentração da agressão.
num conceito mais elevado, cujo substrato é então, da mesma maneira, Mas, simplesmente inadmíssivel é: o casamento monogâmico, o
compreendido como bem jurídico: assim a vida, saúde, liberdade, honra casamento como área exclusiva da vida sexual dos cônjuges, a luxúria
se reúnem como bens jurídicos da personalidade; assim os objetos do sexual do agente, a liberdade da mulher em vista da vida sexual em

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comum, a honra sexual da mulher, os muito diferentes bens que devem julgamento de valor só não é capaz de garanti-la - pois ele é inteira-
ser tutelados através a norma contra o rufianismo, reunindo-os sob a mente independente dela e pode transformar-se, enquanto ela ainda
aparência de um bem da moralidade, como o fez o Código Penal permanece - mas eleva seu objeto a bem jurídico, com a confirmação
alemão, quando rotula seu Capítulo 13: "Crimes e Delitos contra a do julgamento de valor na norma. Compreender o interesse jurídico
Moralidade" . como "sentimento" não é nada mais do que sentimentalismo no campo
Exatamente esses bens aparentes têm contribuído para o valor do das idéias e leva à conclusão errada que os princípios jurídicos não
conceito de bens, por admitirem dúvidas. duram mais do que qualquer sentimento, e são inaplicáveis ao caso
Mas quem acompanha o esforço do legislador em sua busca para isolado tão logo falte qualquer selltimento. Significa garantir um valor,
seguir atrás dos bens jurídicos, vê logo: não uma análise sistemática garantir o objeto do mesmo.
dos fenômenos da vida, mas uma análise inteiramente casuística, leva-o Quem quer tornar qualquer valor objeto da norma, sob a vaga
à sua revelação. Junto aos reconhecidos acham-se muitos, merecedores designação do interesse mesmo, cria com isso um objeto de tutela
do mesmo reconhecimento, que ainda não tomam parte deles: sim, impossível, torna um sentimento, mais corretamente, um juízo do legis-
muitos fenômenos que se cruzam, que deveriam levar à fixação de bens lador, objeto da lei, e assim confunde o motivo da lei com o objeto da
concretos. Não se poderia esperar encontrar, portanto, na existência mesma.
dos bens jurídicos uma ordenação sistemática. III. Este juízo de valor como motivo da legislação é sempre um
Para concluir, é preciso ainda uma pequena retificação do tal da sociedade jurídica, para ela. Se o Direito é ordenamento da vida
conceito global. A nenhum bem jurídico falta a tutela da norma; aquele em comum, então vê pessoas, coisas e objetos apenas como partes da
é um dever de respeito para com coisas; muitos deles são também vida jurídica em comum, e ao que atribui valor jurídico, tem este
matérias de direitos subjetivos - objetos do dever de obediência são apenas para o todo. O bem jurídico é sempre bem jurídico da socieda-
todos eles! de, embora aparentemente possa ser individual. No "interesse" geral
está o sentimento do indivíduo cuja vida, cuja honra, se tutela. Nisso, é
§51. c. Bem ou interesse? bem possível que a sociedade considere a necessidade de tutela de um
bem que se dirige somente a pessoas capazes, como o da conservação
Por conseguinte, bem jurídico é tudo o que, mesmo sem nenhum da vontade individual sobre o bem. Bem jurídico é, então, a qualidade
direito, apareça aos olhos do legislador como condição e de valor para daquela pessoa, desde que apresentada através sua vontade.
a vida sadia da sociedade jurídica, e, a seu ver, tenha interesse para Aliás, esta admissão é dada com cautelas. Pode acontecer que
mantê-la inalterada e imperturbada, e se esforça, portanto, para garan- certas leis penais, como infelizmente hoje, deixem sem tutela o bem,
tir através suas normas, contra violações indesejadas ou sua colocação em quase toda extensão, nas lesões temporais, sob pressuposto do
empengo. consentimento intencional da vítima, mas como, por exemplo, no
I. Quando eu mesmo emprego aqui o conceito de interesse,então duelo - querem garantir o mesmo bem, apesar da existência do consen-
compreendo quanto a isso nada mais do que um julgamento de valor: a timento, nas lesões, frente à leviandade do que dá o consentimento.
existência de pessoas ou coisas, determinadas peculiaridades das Pode resultar, então, na ignorância da segunda lei, a partir da primeira:
mesmas, determinados estados, são de valor para a sociedade jurídica: bem jurídico é apenas a saúde portada por vontade do seu possuidor.
daí resulta o valor de sua conservação e o desvalor de sua modificação. Isto só é correto para a proibição de lesões corporais, não para a
lI. Este julgamento de valor é, sem dúvida, o único motivo da proibição de duelo, e, aliás, para as primeiras, também não em toda
tutela jurídica legislativa. Vem em consideração para Norma e Lei extensão, como já ficou evidenciado.
Penal. Constitui o fundamento, não o objeto de qualquer norma. O

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IV. Que este reconhecimento não é dado apenas pela teoria honra e a saúde, desde que mantidas pela vontade de seus possuidores,
correta da ciência, mas também pela prática do legislador, isto se foi acentuado e esclarecido acima. A vontade de não perder um bem é
verifica pelo texto e sentido da Lei. compatível com o maior interesse na sua perda. Ao contrário, pode a
1. A lei designa sempre o bem como objeto da lesão ou coloca- vontade se opor diretamente ao verdadeiro interesse do seu possuidor
ção em perigo, nunca o interesse no bem. Objetos da agressão são o em abandoná-lo.
Imperador, o Império, o Príncipe Federal, a Constituição, a sucessão Objeto de agressão no homicídio é a vida, "não o interesse de A
no trono, o território federal, o estado de paz do Império alemão, o ou B em sua vida". Pois o homicídio do que consente é proibido e
segredo de Estado, etc.. Muitas vezes são designados pelo próprio punível como homicídio. Que no aborto só se toma em consideração o
Código como "objeto". A palavra interesse de fato não aparece nos bem jurídico da vida do feto, e não interesse, ou da mãe, ou do pai,
Códigos Penais para designação do objeto da agressão criminosa. naquela vida, verifica-se incontestavelmente nos §§ 218-220.
2. Uma vez que é proibida a violação do bem, contém sempre, Realmente a vida é tutelada mesmo junto àqueles que não sentem nem
de acordo com a palavra interesse, uma violação do interesse da socie- sabem, para quem, portanto, um interesse na vida é tão impossível
dade jurídica no bem. Isto prova a norma através sua proibição. Exigir com um consentimento relevante. Vale perfeitamente o mesmo com
a prova que a lesão ao bem no caso concreto corresponde ao juízo de relação à saúde, à liberdade de movimentos, à honra sexual feminina: o
valor da sociedade, portanto, por exemplo, a prova que o Estado, no consentimento do louco não é apto para afastar a antijuridicidade da
caso concreto de alta traição tinha interesse em conservar a parte agressão. Uma vez que esses bens encontram tutela inteiramente
arrancada do seu território, e afirmar que, caso contrário não existiria independente da vontade de seus portadores.
alta traição, não significa deixar de aplicar a lei, mas anulá-la, tornan- Não o interesse da pessoa no Estado, mas este mesmo, sozinho, é
do-a dependente de questões de prova muitas vezes inteiramente o objeto da agressão no § 169. A supressão punível do estado pessoal
insolúveis. Quando a prova do interesse fica duvidosa, deve-se aplicar pode ser cometida exatamente no interesse dela, que talvez queira
o princípio in dubio mitius? conseguir parentesco numa família melhor.
3. A violação do bem jurídico prova ipso facto a violação do 5. Numa série de casos, tutela-se a pessoa contra ela mesma. A
chamado interesse jurídico na conservação do bem, e assim ela é, por proibição do jogo profissional tanto serve à defesa do patrimônio do
seu lado, inteiramente independente quanto a se viola ao mesmo tempo jogador profissional como de seus sócios. As ameaças penais contra as
interesses individuais ou do chamado público. O juízo de valor do explorações ilícitas querem tutelar o bem da liberdade, tanto de deter-
indivíduo sobre bens e estados nunca pode se tornar motivo da legis- minadas imposições obrigatórias de agiotas sobre os menores, como da
lação, pois coincide com o juízo de valor da sociedade jurídica. Apenas leviandade deles mesmos.
como bens sociais, como bens jurídicos, nunca como bens puramente 6. O único exemplo conhecido por mim, em que um juízo de
individuais, qualquer matéria de juízo valor individual encontra tutela valor foi colocado no tipo penal, encontra-se no § 92 do Código Penal.
jurídica. Que este juízo de valor individual chegaria a bem como tal, Não interpreto "segredo de Estado " (tampouco o segredo privado do §
seria inimaginável, em dois contextos. O juízo de valor é motivo, mas 300) como interesse no segredo, mas como vontade de conservação
não matéria da lei, e o juízo de valor individual realmente, como tal, do segredo, sendo indiferente se o interesse do Estado está aí, ou, ao
não é tomado em consideração frente a coisas e estados de valoração contrário, na divulgação. Mas, continua a lei: "quem sabe que a
social. conservação de tais documentos em segredo frente a um outro Gover-
4. Fosse diferente,então isso se poderia evidenciar sobretudo nos no, é necessária para o bem-estar do Império alemão ou de um Estado
crimes contra a pessoa. Que na coação o objeto da agressão é a liber- federal e os tranrnite a esse Governo" - há, aí, sem dúvida, um juízo de
dade de afirmação da vontade, como tal, na injúria e lesões corporais, a valor, mas que o do agente, não o da vítima, elevou à característica do

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tipo peanl. O verdadeiro objeto da agressão, também aqui, não é o assim corno dá sua interpretação sobre que interesse pode ser apto ou
interesse do Império, mas sua posição no direito das gentes,frente ao inapto, e, portanto pode ser competente corno objeto do crime.
outro Estado. Fracassou, portanto, a tentativa teórica de atribuir erradamente
Muito frequentemente utiliza-se, portanto, o "interesse" para ao bem, o interesse, e ao interesse o sentimento, corno o próprio objeto
designação apenas do objeto da agressão criminosa, porque é de agressão do crime. Se o legislador quisesse se atrever a tal tentativa
incômodo resaltá-Io mais exatamente, e a popularidade da expressão se prática, naufragaria nos rochedos desse mar de interesses. A tutela de
baseia, em grande parte nisso, que nada significa, mas muitas vezes dá direitos e de bens jurídicos, é a tarefa da ordem jurídica, e não a tutela
a entender, e o escritor precisa pensar tão pouco nisso e pode se de sentimentos, desde que o ~entimento não esteja compreendido,
enganar facilmente, com muito gosto, ora quanto a isso, ora quanto ao excepcionalmente, corno bem jurídico.
que compreende por isso. Este "prego de todo mundo", corno Büllo~
urna vez batizou o interesse, muito apropriadamente, é fraco demaiS 3. Os delitos de agressão
para levar a um trabalho sério de pensamento a seu respeito. § 52. a. O delito de lesão
No "interesse da circulação de moeda no País" deve o Conselho
Federal poder proibir a circulação de moedas estrangeiras. O interesse As proibições de causação querem impedir a apresentação de um
do público na produção e distribuição de comestív~is, be?i.das e u~ensí­ determinado resultado lesivo, e assim a infração consumada deve
lios de cozinha sadios, fêz com que gêneros ahmentlcIOS sadIOS e consistir exatamente na produção desse resultado lesivo. O resultado é
coisas de uso comum, fossem tutelados pela Lei respectiva. Mas, não sempre dano material à existência do bem jurídico, e, de fato, muitas
o interesse, porém o corpo e a vida, constituem o objeto da tutela vezes também, um tal à existência do bem, e apresenta sempre urna das
jurídica indireta, e as condutas são proibidas mesmo quando, por duas formas. Na maioria das vezes é realmente modificação proibida,
exemplo, o público prefere certas tintas que lesam a saúde. . mais raramente criação proibida, às vezes também uso de bens jurídicos
Muitas vezes, também, o interesse é apenas a vaga deSignação do fictícios. Mesmo nos últimos casos existe um dano material à existência
direito subjetivo. O interesse do funcionário estrangeiro na fidelidade daquele bem: na preparação e uso do dinheiro falso, não menos do que
da informação, o do funcionário marítimo em não obter juramentos na falsificação do autêntico. Mas sente-se aí, sempre, corno perturba
mentirosos de fidelidade por parte da tripulação de um navio, o dos facilmente o observador, a necessidade de ver em dois sentidosdiferen-
marítimos de não serem dispensados no curso da viagem, poderiam tes, para, na investigação das fases do delito, deixar de lado, antes de
ser designados corno objetos de agressão do Código Penal e do mais nada, a criação desses supostos bens.
Código do Mar. Mas em geral existem aqui direitos subjetivos que são Fosse objeto da agressão um outro direito subjetivo, corno o da
desrespeitados ou é impedido o seu exercício. obediência, então designa-se o resultado consumado corno lesão jurídi-
Finalmente convém ainda salientar corno justamente, sob o ponto ca; fosse um bem júridico, então fala-se de lesão a bens jurídicos, e nas
de vista da técnica legislativa, a tutela dos bens aparece corno tal. Um duas expressões a lesão inclui também a destruição. As infrações de tais
bem pode ser objeto de vários direitos, corno também de vários int~­ proibições de causação podem portanto, ser designadas delitos de
resses: estes interesses podem coincidir relativamente aos seus maIS lesão. Certamente não se pode deixar de ver, em consonância com a
diferentes modos, corno também podem se cruzarem. Assim corno a lei expressão, corno o direito só é violado simbolicamente, enquanto o
tutela o bem, tutela os vários direitos e os interesses que correm no bem jurídico é sempre violado realmente. Através a infração não ocorre
mesmo sentido deles; mas se a matéria é de interesses conflitantes, nenhuma ruptura na substância do direitos subjetivo; mas a vida é
então são elevados a leis, assim corno. assegura sua tutela no ponto destruída pelo homicídio, a coisa é destruída ou danificada pelos danos
controvertido, dizendo que interesse fica relegado em casos isolados, materiais, urna parte do território federal é desmembrada através a alta

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traição, a autenticidade do documento é eliminada pela falsifica?ã~. C?S queria que agisse, que foi desobediente? O direito foi atingido por
bens jurídicos constituem ao mesmo tempo o elemento da eX1stencla aqueles fatos em seus esforços mais nobres: foi frustrado seu objetivo
jurídica realmente violável. de conservação, pela destruição; seria preferível para ele que o agente
A análise das fases do delito, nos delitos de lesão consumada, tivesse dez vezes desobedecido a ele, do que ter atingido seu objetivo
mostra logo a forma complexa, peculiar dos mesmos. Na escala das uma única vez.
desobediências, oculta-se uma violação de bens como cerne. Se a fase Esta retirada, sem dúvida forte, mas nunca completa, da fase da
do delito está na inextinguibilidade do mesmo, que foi violado de modo insubordinação, ante a violação material, evidencia ostensivamente
culpável, então essas condutas contêm um~ fas~ de d~lito ~esd~bra~a, como deve parecer forte ao próprio direito a distinção entre estes
sem que possam ser desdobradas em dOlS cnmes: 1.neXtl.ngUl,"el ~ a delitos e os outros grupos, em que a fase do delito se esgota na
conduta culpável contra a norma, e, da mesma forma, mextmgUlvel e o desobediência sozinha. Ante, porém, que possa ser investigado onde é
efeito lesivo dessa conduta de insubordinação no mundo dos bens este caso, o reconhecimento a que chegamos necessita de uma retifica-
jurídicos, mesmo quando se caracteriza como lesão patrimonial. ção. Aquela característica da "violação" é, essencialmente, apenas da
Algumas de suas consequências podem ser novamente reparadas, ~as infração consumada da proibição de causação. É para ocorrer exata-
nunca o fato que o possuidor do patrimônio lesado pode ter so~ndo mente e completamente o que ela proibe - assim, falo da consumação
com a lesão. Dos dois elementos existenciais das fases do delito, do delito. Certamente é punível, também, a infração tentada da proibi-
nesses delitos, a desobediência ao direito atinge menos sensivelmente ção de violação. Uma tal tentativa, como por exemplo a do homicídio
do que a lesão de bens jurídicos. através pancadas, do furto qualificado por arrombamento, pode conter
A obediência à norma só deve ser o meio para a conservação do uma violação autônoma: apenas, isto não é necessário.
bem jurídico em sua integridade: a lesão ao bem evita, em ~:rt~s E assim a Lei prova incontestavelmente que entre a fase do delito
casos, o objetivo que o direito persegue com a norma, a desobedlencla da infração consumada e da tentada, da proibição de violação, não há
constitui apenas o meio reprovável para isso. uma distinção essencial. De acordo com o Direito francês - sem dúvida
Como em muitas destas condutas a fase da violação supera a muito erradamente - tentativa e consumação ficam sob penas iguais; de
outra, da desobediência, isto se mostra ainda melhor em suas penas. acordo com o direito do Império alemão, o máximo da pena de tenta-
Elas provam como estes delitos oscilam, não de aco:d~ ~om a. fase da tiva fica apenas um pouco abaixo da pena da consumação.
desobediência, mas de acordo com o valor dos bens jUndlCOs vlOlados,
. Sim, muito mais frequentemente do que poderia, o legislador
e de acordo com a gravidade da lesão causada por eles, se determma, introduziu o marco da consumação do crime no meio da fase da tenta-
então, por seu lado, a gravidade da insubordinação. Pode-se muito bem tiva do delito. Expressamente, eleva a alta traição tentada, já a alta
dizer, em determinado sentido, que o Estado exige para todas suas traição consumada, ou ameaça aquele que empreende executar uma
proibições, observância na mesma medida. Apesar disso, em sua determinada intenção criminosa, ou, crimes naturalmente de dois atos,
balança de valores nem todos os deveres de obediência pesam da como na falsificação de moedas, já como consumados após o término
mesma forma: pois o valor do bem jurídico violado é a única medida do primeiro ato.
de valor para a gravidade dessas espécies de crimes, em suas relações Daí resulta: competente para a definição das fases do delito, na
um com o outro. lei, não é tanto a proibição de violação, em que se oculta a própria
Quem pensa no homicídio como algo diferente do que no terrível violação na escala de desobediência, mas a que apresenta a agressão
desrespeito à vida, como um dos bens jurídicos mais sagrados, e, quem proibida iniciada como bem jurídico tutelado. Se a agressão teve resul-
assinala no homicida, no latrocida, no ladrão, no estuprador, na alta tado, ou não, isto já não é relevante em primeiro lugar, mas só no
traição, em sua violação culpável, que ele não fêz como o Estado segundo.

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Delitos de violação são, portanto, tanto as infrações começadas em perigo e à desobediência mais sem perigo, a mesma medida, com
como as consumadas, da proibição de violação. pena insignificante?
Estes fatos ultrapassam todos os limites do esclarecimento,
§ 53. b. O delito de perigo quando a fase da culpabilidade na infração da terceira norma pode ser
mínima, e quando se deixa a mesma inteiramente de lado, e, além
Mas, tanto a existência de bens jurídicos como a de direitos, disso, o efeito das duas condutas, desde que ambas tenham causado um
pode, além da lesão, ser agredida através colocação em perigo, perigo comum, é considerado de forma puramente matemática, ex posto
enquanto é impossível uma terceira espécie de agressão. Portanto, principalmente o resulí:ado das duas tem as mesmas relações
Questiona-se se na infração da proibição de colocação em perigo de interesse na medida de condição da valoração dos bens jurídicos, em
tem lugar a forma simples ou qualificada das fases do delito? A desfavor das mesmas, e se pressupõe a mesma culpabilidade nas duas
resposta correta é traçada pela investigação da última. condutas, como devem parecer com a mesma gravidade. Sim, para elas
I. Verifica-se a resposta principalmente a partir das relações das seriam equivalentes, como essenciais, para tratar com mais rigor,
proibições de colocação em perigo, com o objetivo das normas, e das apenas por uma culpabilidade eventualmente mais grave, ainda ligada à
proibições de lesão, com as proibições simplesmente, em particular. tentativa de homicídio, uma vez que a intenção do agente estaria
Comparem-se três normas: tu deves não matar, tu deves não dirigida à morte de série de pessoas e evoluiria até à provocação de um
causar uma inundação com perigo comum para a vida de outras pesso- perigo comum.
as! Tu não deves fabricar fogos de artificio sem consentimento prévio, O que tem de pressupor agora a infração da proibição da coloca-
por escrito! Todas as três visam à segurança da vida humana, as duas ção em perigo antes da simples proibição da infração de colocação em
primeiras completamente, a última, em parte. A infração da segunda perigo, e o que tem de pressupor a tentativa de lesão, antes das duas?
norma comunica-se com a da terceira pois as duas podem se desenvol- Pois o direito não as concebe como essencialmente equivalentes, como
ver até à mesma medida de periculosidade, e, sem dúvida, ao perigo se verifica não apenas pela diversidade de proibições que as infringem,
comum. Mas as duas se distinguem nisso, que aquela deve provocar o mas também pela gravidade tão diferente com que aparecem na escala
perigo comum, mas esta tanto pode ser com perigo comum, como de valor de suas penas.
com perigo individual, como sem perigo. Esta diversidade se evidencia de imediato, tão logo se considere
Como se explica, agora, que a norma contra a provocação de que em todas as três condutas chegou-se, do mesmo modo, ao ponto
inundação proibe exclusivamente a realização, realmente, do perigo, e de vista básico da colocação em perigo, não se olha para trás, nem para
mesmo a inundação que possivelmente poderia ser perigosa, é lícita, a alteração que ocorreu nas relações de condições desde o início
enquanto não considera essencial, por exemplo, para a terceira proibi- daquelas condutas; tão logo, ao contrário, se tenha em vista, o efeito
ção, a provocação do perigo comum, e coloca, portanto, na mesma da colocação em perigo sobre o bem que através as três espécies de
linha, a provocação de um perigo limitado e a fabricação de fogos de proibições deve ser tutelado ao mesmo tempo. Uma proibição de não
artificios sem licença, inteiramente sem perigo? colocar em perigo o mesmo bem da vida humana, junto à proibição de
Então aquele que produziu um perigo comum para a vida matar de um lado, e uma série completa de condutas proibidas porque
humana através a preparação de fogos de artifício não agiu exatamente possivelmente perigosas à vida, tem, por outro lado, como único
como o provocador de inundação? Porque a última conduta, mesmo pressuposto, um sentido: este pressuposto consiste em que o direito
quando não foi escolhida como meio para um dano material, aparece concebe a colocação em perigo não como parte da lesão, mas também
de maneira mais intensa do que a primeira, e como pode a lei penal não a compreende como idêntica a uma certa relação de interesse da
ameaçar, lá, com pena mais grave, enquanto aqui atribui à colocação

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condição " mas ao contrário, o legislador vê nela um dano peculiar ao perigo nunca ficam sem aquele espírito principal, e só raramente
bem, colocado em perigo na incolumidade de sua existência. apresentam o efeito psicológico colateral
Ele quer proibir a colocação em perigo pelo efeito do perigo Daí verifica-se agora a apresentação da fase do delito na própria
sobre o bem. A colocação do bem em perigo não constitui, como na colocação em perigo proibida, como tal. Como na infração às proibi-
simples proibição, o motivo da norma, pois, do contrário, o perigo ções de lesão, a desobediência contém a destruição ou lesão, assim
produzido não precisaria aparecer como característica essencial da oculta aqui, da mesma forma, um dano material como cerne: um dano
conduta proibida, mas é proibido o dano ao bem jurídico através o ao bem colocado em perigo, em sua existência imperturbável. Produ-
perigo. Isto significa que, aos olhos do legislador, em tais circunstân- zido este dano ao mundo dos b~ns jurídicos, não se pode, da mesma
cias apresenta-se sempre uma situação em desfavor do bem jurídico, forma, retornar ao não acontecido. A fase do delito na colocação em
que coloca em dúvida a capacidade inquestionável, até então, do perigo proibida coincide, portanto, como dispõe sua formação, com a
prosseguimento incólume do bem. Colocação em perigo é sempre violação do bem jurídico; apenas que o cerne material da desobediência
abalo na certeza da existência. Sua culpabilidade característica e essen- não entra no mundo dos bens jurídicos com o mesmo ímpeto e gravi-
cial se dirige, antes de tudo, à intenção antijurídica de causar esse dade como na lesão proibida. As múltiplas formações da fase do delito
abalo, ou à vontade culposa. encontram-se naqueles crimes em que coincidem a infração da norma
Se o que ameaça toma consciência do perigo - o que não é de lesão e a da norma de perigo.
necessário, e muitas vezes não é possível -, então isto provoca facil- 11. Esta concepção da igualdade essencial das fases do delito nos
mente uma forte perturbação no seu equilíbrio interior - medo ou crimes de lesão como nos crimes de perigo, encontra-se naqueles
sobressalto em alto grau - podendo deixá-lo desnorteado, e um perigo Estados federados que vêm a essência da tentativa exatamente na
maior pode levá-lo à auto-lesão não-intencionada. Como muitos são colocação em perigo. Assim, diz v. Rohland: liA tentativa divide,
levados ao medo, ante a morte de sua presa! Este efeito psicológico portanto, ,com os crimes de perigo, o aspecto objetivo, a colocação em
retroativo do perigo sobre aquele que ameaça, pode ser tomado em perigo". E característica da tentativa "que a conduta fique fincada na
dois sentidos pelo legislador: pode levá-lo, por isso, a proibir a coloca- fase do perigo". Apenas, infelizmente não posso me congratular com
ção em perigo, como também tomá-lo em consideração para efeito de esses Estados federados; pois considero erradas suas afirmações.
graduação da pena. Para ele, contudo, isso fica em segundo plano, e Também os crimes de perigo permitem, sim, exigem a distinção entre
não é essencial para a colocação em perigo. Com isso sofre uma tentativa e consumação. O que fica, pois, para sua tentativa, caso a
possível objeção. Pode-se dizer que o perigo nem sempre, mesmo onde tentativa seja, essencialmente, a colocação em perigo? Então coinci-
fica sob proibição específica, exerce um espírito intranquilizador, dem aqui tentativa e consumação!
atemorizador ou retritivo sobre o ameaçado. Mas, abstraindo-se disso, sob o ponto de vista do legislador penal
As vezes o perigo passa, o bem é salvo, e o mundo do bem a colocação do motivo para a lesão é eventualmente, em essência,
jurídico permanece exatamente tão incólume após, como durante o diferente de colocar o motivo para o perigo. Aquela significa destrui-
perigo. Isto evidentemente pode acontecer, mas não é essencial. Pois ção de bens jurídicos, este, apenas infra-estrutura de sua existência.
onde o Direito encontra motivo para proibir a colocação em perigo Esta distinção se estende também à fase inicial de ambas as condutas.
como tal, considera sua existência completamente, e sem exceção Finalmente, é impossível uma tentativa que não se apresente como
como um abalo à segurança da existência jurídica; traz, portanto, à colocação de uma condição para a causa, seja da lesão, seja do perigo.
evidência, o efeito ruim sobre o bem colocado em perigo como conse- Mas quem quer lesar, encontra-se, portanto, sempre, em seguida, na
quência, sempre, da colocação em perigo, vê-se logo que os casos de situação, feliz para ele, de se achar numa relação de interesse entre
condição positiva e negativa, na qual, para se mover silencioso precisa

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somente provocar o perigo da condição negativa? Quantos criminosos todas as circunstâncias em conjunto, não poderia haver nenhum
ficaram com as forças paralisadas na fase da tentativa, muito antes de perigo, mas apenas conduta lesiva e não-lesiva".
terem criado uma situação perigosa! Que todo direito formado a partir do reconhecimento do conceito
Quantas tentativas, no ponto máximo de sua evolução, podem de perigo, e o perigo, desde que atribuída à colocação em perigo os
também fracassar, dada a capacidade de resistência do bem agredido! mais diversos efeitos jurídicos, não pode, sob qualquer aspecto, ser
Assim, resulta: se se compara apenas objetivamente o resultado da negado. Por força de seus erros, o legislador todo-poderoso cria então
tentativa, mesmo na tentativa de lesão, com o perigo consumado, um tipo penal disparatado.
então aquela, infinitas vezes, fica atrás deste. Mas também quando as Mas exótico! Em todos os lugares onde a ciência fez seu
duas, como é facilmente possível, são iguais em seus efeitos, na caminho, com segurança e continuidade, seguindo os projetos da legis-
posição de condição - para o jurista a tentativa de lesão é sempre lação, incorreu em graves erros - encontrei o erro sob o aspecto do
diferente do perigo consumado, e para ele o contrário de tentativa e projeto.
consumação compreende também toda a área dos crimes de perigo. Na realidade, sem dúvida o medo não raramente é produto do
Mas nisso, que elas contêm uma agressão à existência de bens perigo, mas o perigo nunca o é do medo. O último pode muito bem
jurídicos, coincidem, na realidade, tentativa de lesão e perigo consuma- considerar perigosa uma situação sem perigo, mas nunca torná-la
do. Ambos se ligam, tanto de acordo com a concepção da lei, como de perigosa. Nem tampouco o conceito de perigo é produto de nosso erro,
acordo com a teoria mais correta, também, da tentativa de perigo. Pois "um filho de nossa ignorância", mas sua apresentação e o reconheci-
tentativa e consumação realmente não se distinguem apenas através a mento de sua realização milhares de vezes formam o medo digno do
medida diferente da evolução da agressão. reconhecimento humano, na sua continuação. E a ciência bem conquis-
IH. Três correntes de opinião se opõem a esta afirmação da tada nasceu de bons fatos. Viver significa, atualmente, não somente
igualdade, na essência, das fases do delito tanto na lesão como no estar em perigo, mas também participar sempre, dia a dia, de acordo
perigo, cujos defensores estabelecem expressamente: uma, elimina com as energias e as circunstâncias, da luta sempre crescente contra o
ousadamente a fase do delito tanto de todas as ações tentadas como de perigo. Segundo as expressões muito apropriadas de Clausewitz, "a
todas as de perigo; a segunda identifica o crime de perigo em sua guerra é no campo do perigo", mas o perigo constitui também a grande
formação, não com os crimes de lesão, mas com as infrações policiais; área de uma guerra perpétua para combate. E esta grandiosa luta deve
a terceira, finalmente, deixa apresentar os limites entre essas e a ser empreendida contra um fantasma?
colocação em perigo, apenas através ficção legal. Se o perigo se transformou em lesão, e ela foi vista antes, então
1. Um princípio adequado para a nossa época, agradável especi- confirma-se o resultado de nosso julgamento: pois evidencia-se que é
almente para os defensores de uma teoria da causalidade puramente para se preocupar com a ocorrência da lesão. Mas se conseguiu se
mecânica, mas também muitas vezes repetido de boa fé pelos seus salvar, então prova-se, pelo seu desvio, que faltou o esforço psíquico e
opositores, manifesta que realmente não há nenhum perigo em que fisico necessário, na hora.
nosso juízo de perigo se oponha sempre à verdadeira situação, que o Quando o comandante do barco, na maré alta, manda os
perigo todo representa apenas produto de erro humano e de medo membros da tripulação para lugar perigoso, para tapar e fixar o barco
humano. Ou o perigo levaria à lesão: então faltou exatamente a especí- já naufragando, e, graças à sua energia e à persistência dos auxiliares,
fica colocação em perigo; ou se deformou, e tudo o que aconteceu consegue salvá-lo, então, porque ele venceu, não houve nenhum
poderia ter acontecido desde o início, e consideramos isso a prova de perigo? O inimigo morto, não era inimigo? Quando, num naufrágio, um
que não houve perigo. "Para uma inteligência que visse claramente par de marinheiros se salva num bote e agora anda a vaguear no mar,
por dias e dias, sem comida e sem bebida, até que um morre e o outro

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fica louco, mas finalmente surge o navio salvador, então porque produção de um "perigo concreto", como, por exemplo, a inundação,
poderia ser estabelecido desde o início que o navio salvador s~posta­ mas outros, não, como por exemplo, o chamado perigo de navegação.
mente deveria encontrá-los numa determinada hora, não podenam ter Explica isso a partir do "comprometimento da fase da prova". A
sido levados à morte? colocação em perigo é muitas vezes de dificil prova, o legislador vê
Como no território de Bermina, na cordilheira de Kamm, dos então, como ocorreu, sempre, através determinadas normalmente
Pauli: dois guias se obrigaram com um cavalheiro inglês e sua cunhada perigosas, e coloca uma presunção juris et de jure para a periculosi-
a puxá-los numa corda; o guia que ia mais à frente rompeu a cAorda ~a dade da conduta habitual: este não é perigo concreto, mas "perigo
montanha de neve com os dois turistas, e agora todos os tres estao abstrato".
pendurados no ar, com peso excessivo; o guia que ficou esquecido Se fosse certa esta concepção, então, sem dúvida, para todos os
mais atrás, quase teve sua espinha quebrada, ficando sem p~?er crimes de perigo seria essencial apenas o perigo jurídico, pelo qual,
ajudar; os demais conseguiram se salvar graças à presença de e.spmto, apenas por meio de presunção, se incorporaria à área de crimes um
tranquilidade, destreza, força, e, pelo feito espantoso que realIzaram, grande número de não-crimes. Tanto a teoria do perigo genérico como
poderia mesmo dizer que graças sobretudo às orações que fizeram a a do perigo abstrato coincidem em que, de acordo com ambas,
um Santo salvador; por isso não deveriam ter se preocupado, porque realmente o perigo nos delitos de perigo nem sempre é, de regra,
uma inteligência superior estava velando por suas seguranças, como peculiar: mas o último evita uma falha lógica do primeiro.
em Abraham Schooss. Esta ciência teórica vale apenas para aqueles Pois, frente à teoria do perigo genérico, não se pode compreen-
que nunca .estiveram em perigo, nunca tiveram q~e :ecor!er a to?as as der porque apenas nos crimes de perigo, e não também em todos os
forças, e também nunca observaram outros em taIs sltuaçoes da Vida. demais em que a lei exige um perigo, pode bastar o perigo genérico? É
2. A segunda opinião apoia-se, em princípio, na primeira, ~:s~o verdade "que para a avaliação jurídica de uma conduta tomamos
quando uma parte de seus adeptos dificilmente tenham conSCIenCIa como critério o conceito genérico, portanto o caráter genérico que se
disso. A periculosidade não é atributo de condutas isoladas, ~~s, de verifica em sua forma normal de apresentação", e assim pode haver
acordo com observações de caráter geral, aparece como peculIandade legítima defesa também contra o perigo genérico, ainda que in concreto
de um grupo de condutas. A experiência ensina que ações dessa não exista de fato nenhum perigo, e pode a ameaça de perigo genérico
espécie muitas vezes se transformam, de maneira relativamente fácil, tornar-se meio apto para o estupro e para o roubo. A lei não exige
em lesão: são de "perigo genérico", e as assim formadas, de acordo aqui, em toda parte, um perigo genérico, mas um perigo atual, portan-
com a experiência "resultam normalmente numa lesão". . to, seguramente, um perigo concreto.
Aos delitos de perigo específico não é portanto essencIal a O que é correto para o perigo, deveria portanto ser também
colocação em perigo, mas somente o fato de pertencerem ao grupo de análogo para a lesão. Também para ela deveria bastar a lesão genérica.
perigo: a proibição não vale para a conduta perigosa, mas para a Entretanto, no que se refere a ela, ficou tudo duvidoso. Nos dois
conduta apenas normalmente perigosa, e, de acordo com a vontade do grupos de crime esta opinião fica em oposição direta com as fontes. O
seu autor, compreende também a conduta não-perigosa com as tipo penal da lei contém como característica essencial a conduta crimi-
mesmas características. nosa concreta. Nos crimes em que a lei exige a lesão ou o perigo,
Por caminho inteiramente diferente, a terceira teoria chegou ao ocorre isto excepcionalmente, no sentido de que devem produzir, nos
mesmo resultado, sem dúvida, não cientificamente, mas na prática, que casos concretos, lesão ou perigo. Uma conduta não-perigosa subsu-
aos crimes de perigo próprio poderia faltar, realmente, o perigo. Ela mida sob tal conceito de crime, viola todas as regras da mais correta
parte de uma observação dos tipos penais daqueles crimes que tratam aplicação da lei.
dos crimes de perigo e levam à distinção, que muitos deles exigem a

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Mas, tanto a teoria do perigo genenco como a do perigo 2. O emprego consumado do meio contra o objeto tutelado signi-
abstrato devem ser colocadas frente à questão se, faltando o perigo fica sempre a provocação do perigo, porque é meio apto para o perigo.
concreto, aquele que acreditar perceber o delito de perigo e quiser Não precida ser suposta a apresentação do mesmo, pois sem dúvida
justificar-se, está realmente vinculado a ele? . ocorrerá. Porque a conduta perigosa, é a proibida: a infração consu-
Podemos, então, dizer, que a exposição não é crime de pengo mada da norma deve ser a colocação em perigo. O emprego incom-
próprio, e portanto se consuma mesmo quando a criança, colocada em pleto do meio para o fim de colocar em perigo, não pode se apresentar
noite branda, numa rua de pouco trânsito, é encontrada sadia, na de outro modo senão como tentativa. O dolo compreende a consciência
manhã seguinte, por mãos piedosas, que vão cuidar dela? Onde fica da aptidão do meio para a colocação em perigo.
então o perigo concreto ao corpo ou à vida? E, além disso, não existe 3. Mas os dois só bastam, com a condição que o agente não
perigo comum para a vida de outros homens numa inundação, mesmo tenha tido êxito, desde o início, no seu esforço para retirar a periculo-
"quando a conduta não poderia evoluir, no caso concreto, realmente, sidade de sua conduta, ou para poder afastá-la de terceiros, cuja
para perigo comum, porque os habitantes da região ameaçada evacua- agressão ela causa, ou causou, como calculado. Uma conduta perigosa
ram o local tão logo o agente vazou a represa e antes que as águas que se tornou um passo no estímulo ao perigo, é contradictio in adjec-
atingissem nível perigoso?" to. A norma de perigo não a compreende; o crime de perigo só é
IV. Exame mais aprofundado mostra agora que nos casos isola- proibido sob a ressalva implícita que na conduta não se realizou aquela
dos dos delitos de perigo, nunca falta a característica do perigo, que, reação. A lei, sem qualquer consideração a tal reação, estabeleceria,
portanto, não é preciso sua presunção, que, sem dúvida, o perigo tanto portanto, praesumptio juris et de jure que a execução da conduta
pode ser tentado como consumado. caracterizada externamente seria sempre perigo tentado, ou, mais
1. É característica das proibições de perigo próprias a indicação exatamente, perigo consumado, e assim faltaria completamente aos
exata, não apenas dos objetos, mas também dos modos de provocação crimes de perigo, na realidade, muitas vezes, o perigo, e seus princípios
do perigo proibido. Não existem tipos penais de acordo com o modelo: não poderiam deixar de merecer censura pela grave injustiça.
"quem dolosamente coloca em perigo o corpo ou a vida de um Pois a pena da colocação em perigo atinge na mesma medida as
outro". Todos os crimes de perigo pertencem, ao contrário, aos delitos condutas mais perigosas como todas as condutas intencionais reverti-
de meio cerrado legalmente - só raramente não é assim, como na das de perigo: não menos ao que produziu perigo à navegação
colocação do navio em perigo através contrabando, e, mais frequente- colocando um fogo na praia, como aquele que atiçou o fogo, mas
mente, por outros motivos. Em geral o que compreende a proibição de todos os navios que poderiam chegar ao seu círculo de iluminação se
perigo, constituiria na realidade uma limitação insuportável à liberdade preveniram em tempo hábil; o crime não é menor quando a desobedi-
de ação humana. Por isso o legislador tem de selecionar as mais ência não produziu dano.
perigosas das condutas de perigo para um bem jurídico. Como elas são Tais presunções de Direito não se encontram em parte alguma do
por demais insuportáveis para o mundo jurídico, então a proibição, atual direito comum; mas, não raramente tentam seus intérpretes ofere-
como limitação autorizada à liberdade, é ainda suportada da maneira cer concepções exteriormente próprias para uma espécie de praesum-
mais leve possível. tio juris et de jure dos crimes de perigo, elevando a Lei seu medo ante
Mas a medida da periculosidade se define de acordo com a o pengo.
aptidão do meio. Por isso é preciso que a norma torne importante tanto 4. A colocação em perigo, como abalo à certeza da existência do
o objeto como o modo do perigo: ela serve para a delimitação tanto do bem em perigo - nisso é igual à tentativa - possui um ponto máximo
perigo proibido como do permitido, e preceitua todos para os quais o insuperável: transforma aquilo que vai além da mesma, na lesão; mas
mandado vale, exatamente como tem de fazer. desde seu início até aquele ponto máximo há um espaço livre para se

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desenvolver. Isto explica porque a extensão do perigo, nas várias pode ser lesiva para seu corpo ou para sua vida, mas na qual pode
espécies de crimes de perigo consumado, não precisa ser necessaria- encontrar segurança. Mas também, ao contrário, pode prever o perigo,
mente grande, da mesma forma. Quem desconhece isto e considera e, por assim dizer, remetê-lo contra sua vítima.
sempre o perigo máximo como necessário, deixa de lado casos leves, Então cria uma situação que pode atingir todos os bens duma
ou casos menos graves, aos quais na verdade não falta totalmente a determinada espécie, desde que tenham a infelicidade de ter contato
fase do perigo. com ele; mas, em vez de impedir este contato, desencadeia às vezes um
Pelo perigo consumado a um bem, antes de mais nada é culpa- elemento realimentador que procura sua vítima ou atraia-a exatamente
do, sem dúvida, aquele que, sem intenção de lesão, produziu uma para, de sua parte, procurar o ptrigo, como o pirata que com seu farol
relação de interesse que se apresenta entre a condição positiva para a atrai os navios, ou sabe que eles virão, mesmo sem outros atrativos, ou
destruição e a negativa para a conservação de um bem; que, por força sabe que parece impossível que eles não venham.
de nossa experiência e de nossa compreensão, esta deve superar a O desencadeamento do meio perigo não representa, necessaria-
força de resistência que aquela deve desempenhar. O agente, por mente, um perigo consumado em bens concretos, principalmente
exemplo, arrastou a vida de sua vítima até os umbrais da morte. Esta quando ainda não se apresentou nenhum bem no círculo de eficácia do
forma expressa de perigo máximo, representa a lesão corporal, quando meio, e caso ao mesmo tempo o meio desencadeado não procure, por
é cometida como "meio para uma conduta perigosa à vida". Aqui o si, alcançar tais bens. Se é rompida a represa de uma lagoa em posição
próprio agente deve ter elevado o efeito dos maus-tratos até o perigo elevada, e, portanto, será inundado o vale habitado, então, a meu ver,
de vida. existe a colocação em perigo com o furo, mas quando a água demore
Mas não coloca menos em perigo, aquele que desloca um bem às vezes algumas horas para chegar até suas primeiras vítimas. Já agora
para local onde esteja insuficientemente protegido, deixando-o numa poderia o povo se abrigar e começar a fugir! Ao contrário, se um pirata
situação que, de acordo com a experiência, constitui solo propício para iluminou ou ateou fogo, e na noite do fato não passou -nenhum navio
a evolução de condições positivas de sua destruição, sem que cuide naquela costa, então não foi criado nenhum perigo para um barco
satisfatoriamente para evitar a evolução das mesmas. No mesmo isolado.
momento tirou-se do bem a segurança de sua existência, que ficou Mas existe talvez tentativa de perigo consumada? Esta questão
entregue ao acaso. Nisso pode ser indiferente para o fato do perigo, leva a uma outra, infelizmente muito pouco tratada: a da possibilidade e
quando também não para a extensão do mesmo, se o acaso atua em do tratamento legislativo correto da tentativa condicionada. O pirata
seguida, lenta ou brutalmente, protótipo deste grupo é a exposição. quer que na noite do fato apareçam navios naquela costa, o que danifi-
Com o abandono da pessoa carente numa situação desprotegida contra cou os trilhos da estrada de ferro quer que circulem trens sobre eles:
todas as influências lesivas decorrentes de sua carência, aperfeiçoa-se o assim existirá o perigo.
perigo, e, portanto, o crime. Nada seria mais incorreto do que eventu- O legislador não pode agora duvidar, em nenhum momento, que
almente falar aqui de uma tentativa acabada de perigo ou de fato negar este perigo condicionado, de que ocorra ou não se apresente a condi-
totalmente o perigo em determinadas hipóteses. ção, pode ser colocado inteiramente pelo acaso, e, no interesse da
5. Qualquer perigo a bens exige a produção de um contato entre prevenção da lesão poderia ser tão proibido quanto o incondicionado.
o bem e a situação de perigo. A tentativa de tentar provocá-lo é a Tanto do ponto de vista do autor, como também do do legislador, a
própria provocação do perigo consumado. Para juntar objeto e perigo, conduta é considerada exatamente com o dolo dirigido à mesma trans-
o agente pode atuar eficientemente em vários sentidos. Ou exerce sua formação do perigo condicionado - possa o navio aparecer posterior-
força sobre o bem para levá-lo ao perigo: atira sua vítima no rio, mente na costa, ou não. A norma realmente não pode proibir somente o
coloca a criança na rua da cidade, e, com isso cria uma situação que último caso. Pois, antes do início de sua realização deve fixar se ela é

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proibida, ou não. Pode ser impossível definir acerca do puro acaso, isolado ou do trem, e, portanto, o perigo. A segurança do trânsito e a
após o seu irrompimento. . confiança legítima em sua isenção de perigo, são lesadas através ativi-
Mas como a apresentação ou não-apresentação de um detertnl- dades obstaculizadoras de ferrovias ou do tráfego marítimo.
nado bem jurídico na esfera do perigo, depende, muitas vezes, do Por essa ampliação a tutela obtém, por um lado, grande comple-
acaso, como de fato em navios e trens a ligação entre o bem e o mentação, e prova, por outro lado, que um bem jurídico concreto caiu
perigo, caso tenha se realizado a seguir, é muitas vezes incomprovável em perigo real, mas de fato não se tornou necessária a apresentação de
ou dificilmente comprovável, então restam ao legislador apenas dois um ficção jurídica da ocorrência do mesmo. Quem atua impedindo a
meios técnicos: ferrovia, que felizmente desvia o trem pesado de mercadorias, viajando
alfa. proibe a conduta, desde que seja apropriada ou apta para lentamente, mas sem perigo, pode entretanto ainda estar sujeito a pena,
o perigo concreto, isto é, coloca a norma numa forma de conduta que caso o rápido fosse colocado em perigo. Na verdade não falta aqui o
em princípio é tentativa condicionada consumada ou incondicionada. perigo obrigatório, ou mais corretamente, a lesão!
Em tais casos não é para se juntar simplesmente sob a mesma norma 6. Não são colocadas em perigo todas as instalações, mas bens
sua intenção dirigida à conduta perigosa e sem perigo. Contudo, ambas jurídicos isolados - então compreende-se que a extensão do perigo
apresemtam, para ele, a natureza de autêntico crime de perigo. Tenta- possível não pode ser diferente, em nada, das diferentes lesões possí-
tiva de perigo natural e autêntica. Quando nos crimes de lesão o veis. Sob o do ponto de vista do agente, tanto vale a lesão como o
delito tentado se eleva com frequência demasiada a crime consumado, perigo; um bem determinado especificamente, como a exposição num
então ocorre isto sem motivo suficiente. Mas o que de fato as normas duelo, ou um único bem, cuja determinação seja entregue ao acaso; ou
de perigo caracterizam, corresponde aos tipos penais em que a uma pluralidade de bens, cujo círculo fechado o agente imagina, mas
apresentação do perigo pode não ser, essencialmente, a consumação. cuja delimitação com maior ou menor raio fique novamente entregue
Como a norma já se apresentou na tentativa acabada, deve, de resto, ao acaso. A extensão da destruição do bem jurídico ou o efeito do
ser compreendida sua infração como delito de perigo consumado: pois perigo produzido pelo crime, são, por isso, totalmente independentes
ocorreu tudo o que a norma proibia . do fato se o agente antes do crime pensou numa rigorosa delimitação
. Trata-se de infração dolosa, e assim a vontade deve ser dirigida à de bens juntos e numerados fixamente, ou se omitiu isto, talvez porque
produção antijurídica do perigo, com o conheci~ento da aptidão da não fosse possível: pode, nos dois casos, ser exatamente do mesmo
conduta, como tal, para colocar em perigo. E inadmissível uma tamanho.
suposição de dolo. Daí resulta, tanto na teoria como na lei, o conceito de crime de
Ou: perigo assemelhado ao conceito de perigo comum:
beta. o legislador amplia o objeto da agressão e define como tal, alfa. pode ser impossível depender da extensão da manifestação
não o navio isoladamente e a ferrovia isolada, mas a navegação e o consciente do agente sobre a futura abrangência do perigo. A oposição
transporte ferroviário, isto é, a corrente de navios que se move numa entre perigo comum e perigo específico pode não coincidir com a do
determinda costa, o conjunto de trens, máquinas, locomotivas que perigo em tamanho determinado e indeterminado: aquela é uma oposi-
circulam numa ferrovia - junta suas forças vivas, pensadas como ção puramente de tamanho, com que esta nada tem a ver. Em posição
unidade e faz do conjunto um interesse de segurança, isto é, trata da ainda mais relevante, o Código Penal usou também a expressão "perigo
isenção de perigo em suas instalações, em toda linha. Quem vê com comum", no qual não se pode falar, de fato, do reflexo de seu tamanho
atenção, observa logo que a ampliação do objeto significa, na verdade, na consciência de um agente. No § 360: "quem é convocado pelas
ao mesmo tempo uma mudança do delito de perigo num delito de autoridades competentes, nos casos de desastre, ou de perigo comum,
lesão. Não é colocada em dúvida a certeza da existência do nayio ou de necessidade, e não presta ajuda, desde que poderia atender à

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convocação sem perigo próprio relevante", ressalta-se a oposição e~tre portanto compreenderá aqueles que lhe estão próximos, enquanto
perigo geral e o perigo isolado, da maneira mais nítida. Se este pe~Igo coletividade possa estar próxima dele.
genérico é um tal para seiscentos habitantes, inteir~mente ~eterm:na­ Portanto, qualquer delito de perigo próprio é ação de perigo
dos, da vila, ou para uma generalidade inteiramente mdetermmada, Isto concreto!
é totalmente indiferente.
Perigo comum não é o de grandeza indeterminada, mas o perigo § 54. 4. A simples desobediência
geral de grandeza determinada ou indeterminad~. Parece-me co~o se
se quisesse, através aquela indefinição, tirar as vIstas das necessIdades I. É evidente que nenhuma lei lógica vai querer obediência para si
de colocar os limites entre o individual e o generalizado. Isto só se mesma. A norma, como limitação à liberdade, só pode encontrar sua
pode, mas não se deve. justificação nisso: que a proibição de um determinado grupo de condu-
beta. Perigo comum é o perigo de lesão generalisada - não outra tas, aos olhos do legislador, é um mal menor do que sua liberação, e
coisa. Realmente aparece mais frequentemente como perigo comum nenhuma proibição pode ser editada senão visando-se às consequências
de grandeza indeterminada do que determinada. Para ambos os caso~ é da conduta proibida para a vida jurídica. Desta verdade, tirou-se a
relevante a questão, se o perigo deve ser ao mesmo tempo, necessana- falsa conclusão que não poderia haver delito cujo conteúdo ilícito não
mente, comum para um grande número de homens ou para uma área se esgotasse na desobediência lesiva. Sua existência se contrapõe
territorial maior? Também pode existir perigo comum quando, por exatamente ao princípio da causa suficiente. Em seu modo vigoroso,
exemplo, só envolveu uma vida ou talvez nenhuma, na luta pela diz Brinz: "A infração à lei já é, em si, um mal; mas a lei, cuja infração
existência? Para escolher um simples exemplo, existe o tipo penal do § não resultasse em nenhum outro mal senão o da infração, seria ela
366 mesmo quando a praça pública onde é domado um potro selva- mesma um mal". Este princípio estaria perfeitamente correto se não
gem, ficou despovoada e vazia, e, portanto, ninguém nas proximidades quisesse negar que não poderia haver delito puramente formal.
foi atingido pelo animal? . A aparente contradição entre a proibição que deve ser tomada
Vem em consideração, para a resposta correta, que o pengo, necessariamente no interesse de impedir um mal, que por· conseguinte
desde o seu início até o seu ponto máximo, não possui apenas uma exige que não se produza tal mal, decorre simplesmente da natureza da
área de manobra para crescer, mas também para mudar seus efeitos. proibição.
Efeito do perigo existente não é apenas, por exemplo, a necessidade de 1. A constituição de um grupo de condutas que diga respeito aos
lutar pela vida, mas também a coação para a fuga; o efeito remoto do pressupostos necessários à edição de qualquer norma, pode ocorrer de
perigo condicionado é a necessidade de evitar seu lugar, seu círculo. da dois modos diferentes. Ou o legislador parte da observação do caso da
atuação. A decorrência da lesão está então na conduta de pengo conduta isolada e porque este se apresenta como agressão concreta a
comum, apesar da cautela daquele que imaginou evitar o perigo. Se, determinados bens jurídicos na forma de lesão ou de perigo, ergue o
portanto, aquele lugar de recreio ficou vazio ante o medo do cavalo e caso a espécie e o proibe junto a todos que lhe são iguais. Portanto,
do cavaleiro, se todos os habitantes da vale conseguiram chegar às retoma naturalmente, em cada caso do grupo todo, à fase do delito
alturas da colina antes da enchente, não deixou de haver o perigo cuja observação serviu de estímulo ao legislador para a edição da
comum, quando ele era capaz ainda de aumentar quantitativamente. norma, e que se transformou na norma para caracterização da conduta
Mas às vezes o tipo penal do crime de perigo comum é colocado proibida.
nos de perigo condicionado, e então existe a consumação caso também Mas pode também impelí-Io a observação que uma espécie
nenhum bem se inclua no círculo do perigo ou evitou-o cautelosamen- completa de condutas está ligada com vários danos, enquanto o caso
te, quando só o perigo abriu suas portas para um bem jurídico geral, e, isolado das mesmas não os produz obrigadamente. A observação do

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conjunto atua então possívelmente, contra o gênero, como tal. necessana através permissão especial, portanto, através negócio
Junta-se isso a impossibilidade de separar legislativamente os casos jurídico.
inofensivos dos melindrosos, e então fica apenas a alternativa de juntar Quem não recebe esta permissão, e entretanto age, deve poder
aqueles a estes, cientificamente, para proibir, ou deixar os casos ruins, apresentar os motivos mais justos para o seu modo de agir: ele delin-
da espécie, junto aos bons, para deixá-los livres de proibição. quiu - um fenômeno eminentemente característico da essência desta
2. Para a escolha é decisivo o princípio fundamental, que sempre espécie de delitos!
o mal menor tem preferência ante o mal maior. Ambos ficam um frente Pela reserva da permissão específica, reserva-se ao mesmo tempo
ao outro, aqui, de um lado, como limitação à liberdade pela proibição, o exame da conduta individual. A intenção da lei consiste portanto em
na qual a fidelidade à lei não pesa mais do que a inconsciência,. e ao colocar permanentemente sob controle legal um ramo completo de
mesmo tempo, do que a necessidade de intervenção contra seu mfra- condutas, mostra que o controle deve se realizar antes de sua comissão.
tor, e, de um lado, a reprodução dos efeitos lesivos do grupo de Decorre daí a conclusão, portanto, que quem age sem ter se submetido
condutas, sem a proibição. O mal da omissão da proibição aumenta o ao controle, fêz isto presumivelmente com o objetivo que evidente-
percentual de condutas lesivas frente às condutas inofensivas do grupo; mente se receia.
é maior - como se costuma dizer - quando uma conduta desta espécie é Aquela reseva se encontra sob formas as mais diferentes. Ora a
cometida normalmente do que quando possivelmente apresenta efeito pena já vale para a ação, desde que realizada "sem o conhecimento
lesivo; aumenta, além disso, a gravidade, também, às vezes, a varie- prévio das autoridades", ou "sem anúncio" às mesmas, ora só se
dade desses efeitos. Por outro lado, toma-se em consideração a gravi- ocorreu "inautorizadamente", ora "sem autorização especial", "sem
dade do mal da proibição e da limitação da liberdade em relação às permissão policial" ou "consentimento", "sem permissão escrita do
necessidade crescentes, de acordo com a execução mais livre de tais Comandante ou Chefe", "contra as prescrições legais, sem permissão
condutas. das autoridades estatais", "sem permissão do detentor do direito de
Daí explicam-se duas importantes observações. caça", "sem ordem das autoridades ou sem permissão do proprietário
a. A proibição de um grupo de condutas inofensivas já se justi- de uma residência", "sem determinação escrita de uma autoridade".
fica portanto, mesmo que uma parte relativamente pequena das mes- Mas, seja como a reserva possa se apresentar, ela atesta sempre
mas produza consequência lesivas, de talvez mínima gravidade. A com- que o legislador considera a infração ao grupo de condutas, mas ao
pleta dispensabilidade da conduta toma sua proibição da natureza do mesmo tempo sabe que ela inclui casos em que existe a execução de
mal. Portanto resulta da mesma, sem exceções. Esta verdade penetrou uma exigência legal.
em nossa legislação. Pode-se dizer que os chamados decretos policiais 3. Quais os motivos, entretanto, que levam o legislador a estra-
empreenderam guerra contra condutas inofensivas, que não estão total- gar o grupo todo? De todas as teorias sobre a apresentação da proibi-
mente isentas de risco. Exatamente por isso não se pode definir o ção, obteve aprovação da maioria aquela que colocou em oposição à
chamado ilícito policial como a conduta normalmente lesiva ou perigo- proibição de dano a guerra contra o perigo. Sem dúvida seria até
sa. Muito frequentemente a possívellesividade provoca a proibição. mesmo supérflua a investigação sobre a essência desse "perigo polici-
b. Mais dificil é a regra,quando o grupo compreende também tais ai". De qualquer maneira aquela concepção caracterizará o chamado
condutas, cuja execução pode originar uma necessidade reconhecida delito policial em sua importância material para a vida jurídica, e se
juridicamente. É possível que esta última suporte uma separação legis- poderá apenas dizer que será colocado sob pena como conduta perigo-
lativa que, por exemplo, se permita, por decreto, o trânsito rápido do sa, ou normalmente perigosa, ou, sem dúvida perigosa, mas não
Corpo de Bombeiros, mesmo nas Cidades. Mas como, quando isto não absolutamente perigosa.
é possível? Então nada mais resta do abrir a via jurídica para a conduta

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Aquele que se torna consciente da importância material desse transporte ou de carga, contra casas de outros, prédios, jardins ou
grupo de delitos, não pode metodicamente proceder diferente do que locais fechados".
procurá-lo nos casos mais graves genéricos, isto é, naqueles com As condutas cometidas podem ser lesões corporais tentadas ou
efeitos lesivos para o mundo dos bens jurídicos, e, portanto, com consumadas, injúrias, danos materiais, mas apresentarem também
aqueles que provavelmente causaram a proibição do grupo todo. perigo de vida tentado ou consumado, ou culposo, contra a vida
Se vejo corretamente, então, com base nessa investigação, (lançamento de pedras contra cavalo montado).
pode-se dividir as chamadas proibições policiais em dois grandes Exatamente nestas simples proibições complementares prossegue
grupos: no de proibições complementares e no de proibições com a luta das proibições de lesão e perigo, na tutela de bens jurídicos por
objetivos autônomos. seu intermédio, sobretudo indiretamente. E nisso se juntam as ameaças
a. Evidentemente uma série completa de ameaças penais dos penais contra os delitos de agressão, com os quais os delitos policiais
chamados delitos policiais constitui uma reserva penal para determina- formam uma unidade através a uniformidade de objetivos.
dos delitos de agressão, no sentido que os casos mais casos ameaçados Sob o ponto de vista da técnica, aquelas proibições despertam
representam a lesão consumada, perigo intencional ou não-intencional, ainda um interesse todo especial.
tentativa, atos de ajuda ou atos preparatórios de delitos de agressão. Assim como elas vão ao encontro daquelas condutas e as retêm
Os delitos policiais ficam, então - o que nem sempre é o caso -, em ainda mais longe dos bens jurídicos, alcançam ao mesmo tempo, com
relação completa com bens jurídicos determinados. Aquela posição de poucas palavras e menos limitação à liberdade, uma variedade de bens,
reserva é especialmente de importância prática, quando a conduta de para conceder-lhes a tutela contra agressões de espécies muito diferen-
agressão, como tal, ora não é ameaçada com pena porque existe uma tes. Provam também com isso, uma autêntica natureza de reserva. Isto
causa de exclusão da punibilidade, ou não é oferecida queixa, ora alcança muitas vezes tão longe que dificilmente se pode pensar na
porque o perigo, ou a tentativa ou a lesão culposas, como nos danos apresentação exata dos bens jurídicos acerca dos quais se pensou
materiais, não são punidos; ora a impunibilidade decorre, às vezes, especificamente na edição da norma.
também, porque não foi produzida prova para todas as características Assim, o rufianismo do atual direito comum apresenta cada vez
do tipo penal, como, por exemplo a culpabilidade ou a relação de mais a estrutura de um dos chamados delitos policiais. "A proibição,
causalidade. aqui, só pode ter origem na intenção de prevenir as más consequência~
O § 366, n. 6, do Código Penal ameaça aquele que "instiga ca- da luxúria para o que vive da luxúria mesma, e para a sociedade. E
chorros contra homens". A conduta pode ocorrer na intenção de matar, editada tal proibição, não somente porque a condução ora ostensiva,
de lesão à saúde, de coação, de ameaça, pode ser executada com dolo ora simulada e astuciosa para a mesma luxúria seria muito frequente-
de autor ou com dolo de auxiliar, ameaça, pode se apresentar tão bem mente proibida e seria permitida a luxúria com a mulher inocente
como brincadeira de mau-gosto, totalmente sem perigo, quando o cão seduzida no importante bem de sua honra feminina; não somente por
é manso ou não tem dentes. Se se prova a tentativa de homicídio ou causa dos efeitos da luxúria, facilmente totalmente corruptores para a
de coação, então tem lugar a pena da tentativa. Se, por outro lado, se moral e o fisico daqueles que a exercem; mas também por causa da
pensa na conduta como lesão corporal com resultado leve, ou sem re- corrupção moral que a luxúria facilmente ocasiona; por causa do escân-
sultado, então a pena vai do § 366 para a do § 223, caso esteja sujeita dalo que ela provoca; e, não menos, por causa do perigo de contami-
à queixa, e substitui a pena inexistente, da tentativa de lesão corporal. nação sifilítica e do envenenamento de toda a geração que pode se
De maneira inteiramente parecida procede-se quanto à ameaça penal formar a seguir".
do § 366 contra aquele que "atira pedra ou outros corpos duros, ou
imundícies, sobre homens ou cavalos, ou outros animais de

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Correspondem aqui à gravidade da pena, tanto a importância lesão e do crime de perigo; como espécies de delitos, não são condutas
como o número de bens jurídicos em vista dos quais foi editada a de perigo nem de lesão: não quantitativamente, mas qualitativamente, e
proibição sob tutela. sem dúvida com base nas diferentes espécies de delitos de perigo.
b. Evidentemente surge uma outra série de proibições, simples- 5. Mas que a simples proibição constitui seu grupo de condutas,
mente para a tutela de bens jurídicos que não constituem objetos de a partir de casos muito heterogêneos, sem consideração aos efeitos
delito de lesão nem de delitos de perigo: para a tutela da "decência concretos dos delitos isolados, isto tem três motivos:
pública", da "segurança, bem estar, asseio e tranquilidade nas vias a. Primeiramente o da certeza jurídica. A proibição tem de dizer,
públicas, ruas, praças ou aquavias", da "livre circulação" nas mesmas, com clareza inconfundível, o que ela proibe. Ainda mais dificíl do que o
das festas dominicais e feiras, do progresso profissional dos portadores legislador, deve a vida encontrar os limites entre os casos melindrosos e
de carteiras de trabalho. Pensa-se, além disso, na proibição de emprego não-melindrosos, para achar condutas pouco caracterizadas como da
de crianças, de parturientes, nas fábricas, de levar consigo crianças mesma espécie. A separação compreensivelmente genérica confunde as
para finalidades profissionais na mendicância, e em inúmeras outras duas, uma com a outra. No interesse da segurança jurídica não resta
editadas com o objetivo do bem-estar geral. outra coisa senão colocar o grupo todo, sem distinções, sob proibição
Enquanto as proibições complementares provocam a ampliação para que qualquer um possa saber claramente o que tem de fazer e o
da tutela jurídica para os mesmos bens jurídicos, para os quais já foi que tem de deixar de fazer.
editada a tutela de proibição de lesão e perigo, as proibições da última b. Então, a economia de provas. O impulso que o legislador
espécie dirigem suas preocupações para outros bens da sociedade: oferece ao grupo pode, por exemplo, consistir nisso, que ele se encon-
estão subordinadas às proibições de lesão e de perigo, portanto, não tre em atos preparatórios, atos de auxílio ou atos de perigo, enquanto
como proibições complementares, mas juntadas a elas. presumivelmente a prova dessas peculiaridades em muitos casos, por
Na soleira dos dois grupos, motivo principal da própria elabora- causa de sua pequena impressão, é dificilmente produzida, ou
ção legislativa, estão as duas proibições de mendicância e vagabundice. realmente não existe. Assim, fica a dificuldade da perseguição penal
4. Mas as duas espécies de proibição são, da mesma forma, com êxito, em oposição à insignificância do resultado da pretensão
grupos de proibições, e os grupos compreendem condutas de impor- penal. Se, ao contrário, o legislador desfaz em proibições o grupo todo,
tância material muito diferente. Alguns casos da mesma espécie de então poupa o Estado não somente de todo o ônus da prova, mas,
delito, ainda que não necessariamente a maioria, são, às vezes, condu- além disso alcança ainda condutas tais que, de acordo com o seu conte-
tas perigosas, outros lesionam, outros facilitam a comissão de crimes údo, poderiam ser atos preparatórios ou atos auxiliares, mas que não o
de lesão, outros preparam-nos, em outros faltam todas essas caracterís- são pela falta da culpabilidade; podem não se efetuar, mas, não contra a
ticas, e exatamente a conduta inofensiva constitui um elemento neces- intenção do agente, poder estimulá-lo à comissão de outras espécies de
sário, ora maior, ora menor, daqueles delitos policiais. Daí evidencia-se cnmes.
a extensão da inadequação da expressão que nos delitos policiais ficam c. Finalmente, para levar o dissimulador à responsabilidade.
sob pena condutas perigosas, normalmente, ou geralmente. Não é Dentro destes tipos penais simplesmente incomuns. o legislador distin-
apenas inexato, mas metodicamente errado. O jurista deve definir a gue também, ainda, os casos insidiosos dos não-insidiosos, para colocar
fase delituosa do chamado ilícito policial, como tal, não simplesmente sob pena somente aqueles, e assim acabaria por garantir o delinquente,
de acordo com o conteúdo material da mesma. como se estivesse de fato no conceito, para cometer condutas não-insi-
É exatamente da essência desses delitos que a lesão, o perigo, a diosas - e muitas vezes não seria de se refutar sua afirmação.
qualidade de tentativa, de atos de auxílio, de atos preparatórios, não é 6. Entram portanto, tanto as condutas insidiosas como as não-in-
essencial a eles; representam simplesmente o contrário do crime de sidiosas, na mesma proibição, pois seria grave injustiça se a lei penal

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quisesse carimbar as últimas de condutas insidiosas, pela via duvidosa Trata-se aqui apenas de uma divisão de condutas proibidas reunidas
da ficção, para cominar-lhes pena. Então muitas vezes fica aberta com base em seus tipos penais, não em suas consequências.
apenas uma via. A lei penal ameaça as duas naquilo em que são Portanto, seria mais grave o conteúdo do delito da lesão contra-
comuns, como simples desobediências à Norma, e concede ao Juiz, em tual impune do que o da desobediência punível? Claro! Não há dúvida,
todo caso, numa ameaça penal determinada relativamente, a possibili- também, que, aquele que, dolosa e antijuridicamente, não mantém o
dade de considerar as diferentes gravidades materiais dos casos isola- que firmou contratualmente, comete um ilícito muito mais grave,
dos, para a graduação da pena. compreensivelmente, do que aquele que leva seu cachorro para passear
Com isso o delito comissivo se divide em duas classes, de acordo sem a mordaça ou não limpa a chaminé. Quando agora o daqui é
com as diversas apresentações da fase do delito: na pura desobediên- punido, e o de lá, não, isto só prova um fato: que o direito não compre-
cia, que não é, essencialmente, outra fase, e na desobediência em que ende a pena, frente à indenização, como a consequência mais enérgica
se inclui, essencialmente, uma lesão ou perigo do bem jurídico. do delito.
Não se admite designar essas duas espécies de delitos como Para a definição dos dois membros da divisão, uso para os dois as
ilícito policial e crime. Pois se quer compreender o ilícito policial, de expressões de pura desobediencia e danos proibidos a bens, ou, mais
maneira superficial e não-causal historicamente, como o ilícito que as resumidamente, delito de agressão, de preferência, antes da designação
autoridades policiais ou os juízes policiais encaminham para julgamen- de ilícito formal e material. Pois esta última daria a idéia que como o
to, ou como o ilícito que se opõe a normas apresentadas pelas autori- ilícito seria material, não seria ao mesmo tempo formal, enquanto
dades policiais - e assim só se pode querer julgar seu nome tendo em realmente a desobediência se encontra, em tamanho constante, em
vista a finalidade de prevenção da Norma com a qual entra em contra- todos os ilícitos. Por outro lado, a designação de ilícito puramente
dição. Mas com isso se desconhece que o objetivo da norma: tu deves formal de um lado e ilícito material-formal, de outro lado,parece-me
não matar, não furtar, etc., consiste exatamente em prevenir o homicí- realmente inexata. A última divide-se novamente nas proibições de
dio, o furto, na extensão mais ampla possível, ainda que, sobretudo, lesão a bens jurídicos e nas proibições de perigo a bens jurídicos.
haja homens que não façam ouvidos à determinação da lei. Todas as 11. As fases do delito, na omissão proibida, devem ser examinadas
normas querem ser preventivas. Ou, finalmente, se quer designar de por seu parentesco com as dos de pura desobediência e as dos de danos
ilícito o ilícito policial que se pune, e com isso se previne, pela punição, proibidos a bens. Como a inatividade, ou seja, a paralisia das forças,
outros ilícitos da mesma espécie? nunca pode ser causalidade, então não se pode compreender nunca a
Isto também estaria completamente errado: pois as normas inação como autora de um dano ou perigo a um bem jurídico. Esta não
podem sempre, e assim deveriam, perseguir a pena legal, nunca a finali- pode se referir nunca, portanto, a um elemento das fases do delito, na
dade de prevenção, Então a designação "ilícito policial" é perfeita- omissão proibida. Pergunta-se agora se a omissão se apresenta como
mente inexata: ainda mais, que todo ilícito leva em si a fase da desobe- pura desobediência, ou as fases do delito admitem, nela, ainda uma
diência, e portanto o chamado ilícito policial. A designação "crime" terceira forma? Isto poderia ser ressaltado mais evidentemente, nas
para seu contrário, está também errada, porque estrita demais. A vio- formas mais graves de omissão, em que a norma manda provocar a
lação patrimonial contrária à norma e culpável, mas não punível, con- produção de um resultado favorável ao direito.
tém a fase do delito na mesma combinação de desobediência e dano, Se o mandado não é correspondido; então a situação jurídica fica
como o homicídio e o furto. Portanto, enquanto de fato a desobediên- exatamente como ela seria sem a omissão: a desobediência que está na
cia punível e o dano punível de bens jurídicos juntam-se no conceito de omissão, deveria agora ter um conteúdo para ser algo diferente do que
ilícito punível, em oposição ao não-punível, unem-se a lesão punível e a pura desobediência; mas o único conteúdo da omissão consiste na
a não-punível à desobediência formal, frente à unidade conceitual. não-reivindicação do direito, o único efeito da omissão, ao qual o

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conteúdo da desobediência só poderia se referir num não-efeito, A pena pública, tanto no passado como no presente, é, essencial-
portanto, numa não-lesão. A desobediência na omissão não tem, mente, execução de sentença, ato de encerramento de um processo.
portanto, outro conteúdo: é a pura desobediência ...portanto, ~s Assim cuidam, também agora, as diferentes espécies de processos, dos
omissões completas, junto às infrações de simples prOlblções, constI- diferentes fundamentos dos direitos materiais aos quais estão ajustados
tuem os ilícitos puramente formais, que ora são comissivos, ora omissi- e para cujo reconhecimento e execução legais, servem; todos se
vos, enquanto o ilícito material-formal só pode ser, sempre, delito igualam quando vão, antes de mais nada, em busca de uma sentença,
comissivo. que, com base na denúncia, afirmará o direito material.
Este direito material se estabelecerá pela sentença, cuja prevalên-
V. O DIREITO À OBEDIÊNCIA E O DIREITO À PENA cia o denunciante obtém pela execução, que fundamentará a confirma-
§ 55. 1. A finalidade da pena de acordo com o direito positivo ção da existência desse Direito através a confirmação de um determi-
nado tipo penal como sua causa de formação; que a matéria da prova
Há verdades que são dificeis de compreender, exatamente forma este tipo penal; que a plenitude da prova fundamenta a formação
porque estão tão perto. A essas pertence a verdade sobre a pena públi- do Direito - abstraída a prova contrária - que tem como consequência
ca, desde a época de sua introdução na Alemanha. Consiste em poucos seu reconhecimento por sentença e a pretensão jurídica confirmada;
princípios, e inscritos sobretudo na evolução do processo penal, que a coisa julgada da sentença consome a denúncia porque esta
portanto na equivalência entre crime e pena, finalmente na natureza do cumpriu sua finalidade e a execução do direito material ao seu porta-
ameaçado que é proclamado através da sentença, e, portanto, também dor, que não coincide necessariamente com o portador do direito de
da pena aplicada. denúncia, proporcionando a prevalência de sua pretensão.
Esta teoria penal imanente ao Direito positivo só pode portanto Ainda é muito pouco reconhecido que o efeito da sentença, que
nos revelar o que o Direito vigente pensou de suas penas, o que queria consome a denúncia ou queixa, vai ao lado de um efeito da execução
com elas e o que alcançou. Serve para ser lida, mas isto não é fácil. realizada, que consome, propriamente, o direito de coação; vai ao lado
Daí explica-se a oposição entre ela e o pensamento do Juiz, do de uma peculiar força de coisa julgada, do processo de execução.
jurista e até mesmo do legislador sobre a finalidade ou as finalidades da Com o fim da execução eficaz, acaba o processo além da senten-
pena. De fato, com relação à finalidade da pena é que tem havido ça, exatamente pelo mesmo motivo como a denúncia ou queixa desapa-
muito poucas e lentas mudanças. E estas mudanças têm, essencialmen- recem com a força de coisa julgada da mesma sentença; para o direito
te, manifestado: se pertencia à coação penal ser coação para suportar material, basta ocorrer, e com isso alcança o objetivo do processo. Não
sofrimentos fisicos, cada vez mais desaparece a vontade da sociedade há nenhum processo cuja finalidade fique além do seu ponto final
na dor fisica do criminoso. Esta sua continuidade prova que se encaixa definido legalmente.
nela, também, relativamente à finalidade da pena, um conteúdo de Em todas as suas formas, o processo penal prega uma verdade:
verdade mais profundo, que certamente é mais fortemente percebido que a pretensão da pena só tem uma única causa de formação: o crime
pelos sentimentos do que compreendido claramente pelo entendimento. culpável. Sobre ele, denuncia o denunciante; só ele constitui a matéria
Daí explica-se a impotência das teorias jurídico-penais, muitas vezes da prova e o fundamento jurídico da sentença. A afirmação de culpabi-
tão espirituosas, sempre tão ambiciosas, acerca da pena real. lidade cabe à denúncia, a prova da culpabilidade, à prova da denúncia;
Como a teoria da coação psicológica de Feuerbach se tornou, e o qualquer exclusão de culpabilidade provada, constitui uma causa de
novo Direito tentou empreender, uma profunda transformação da exclusão da pena; assim, a pretensão penal relaciona-se com o crime
finalidade histórica da pena, caminha a história, avassaladoramente, exatamente como a prestação e a indenização relacionam-se com o
sobre experiências temerárias.

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contrato e o dano. Assim como o contrato gera o direito à prestação vontades para a sociedade. Com isso, esgotam-se todas as finalidades
contratual, assim o crime culpável gera a pretensão à pena. das antigas multas, com isso a pena dos germânicos mais antigos. Pois
Só o desconhecimento da finalidade de todo processo ou a a vingança é o contrário da pena e nada é mais anti-histórico do que
ignorância de toda doutrina processual penal pode manif~sta: a afirma- deixar as duas correram juntas, uma com a outra.
ção: ainda que o crime seja o único fu~da~ento _da denuncia pen~l, ? Como a paixão da vítima, com especial energia, em relação ao
único objeto da prova, a única causa de Jusüficaçao da sentenç~, nao e, criminoso, representa a porta da paz social, apesar da dualidade de
porém, o verdadeiro motivo da pena. Ficaria esta. total ?~ parcIaI~ente pretensões jurídicas à pena, só a ela cabe a ação penal. A sociedade não
fora do crime; seria o crime, para ela, apenas smtomatlco, e aSSIm o hesita em renunciar a impor, autunomamente, seu direito.
processo penalpoderia se exprimir de qualquer mod~ ou em qualquer As mais próximas finalidades da pena permanecem, desaparece
lugar, na denúncia, prova ou sentença, como se da, atu~l~ente, na seu antigo objetivo final com a substituição da multa pela pena pública.
realidade nos casos raros de Direito Penal duplamente condlclOnado. O criminoso não perde mais a sua paz por seu crime; não precisa
O fato criminoso constitui não apenas o único fundamento da comprá-la de novo. Com isso desaparece o princípio fundamental de
denúncia, mas só ele determina a pessoa do denunciado. Em processo uma pretensão penal autônoma, da vítima; as duas prestações penais se
sem falha, que não se chocou com erro o~ má-fé, o criminoso ~ul~ável juntam numa única, do Estado.
responde apenas, justamente, pelo que fOl apresentado na denuncl~. A Mas o fato de se considerar a pena como ofensa ao sentimento da
denúncia apresenta, contra ele, a pretensão penal por seu cnme, vítima do crime, não desaparece. Por muito tempo ainda o queixoso
porque do seu crime resultou a pretensão penal contra ele. Nenhum privado provoca a pena pública; a necessidade de sua satisfação deve
outro, indiferente se culpado ou inocente, pode ficar em seu lugar na poder se exteriorizar através a queixa, e evidentemente deve ser atendi-
denúncia ser sentenciado, sofrer a pena. Como não há representação da, em primeiro lugar, pela pena. O agredido participa de sua execução,
no crime: não há uma tal, na pena. Ela atinge exatamente o principal, material ou simbolicamente. Isto se modifica na mesma medida em que
aquilo que surgiu do crime, pois o crime carimba a futur.a 'punibilida~e. a queixa privada é transformada pelo processo de repreensão, pela
Realiza-se uma interessante transformação no sUjeIto da denun- queixa ex-officio e pela intervenção inquisitorial.
cia, no sujeito da pretensão penal, como numa não menor consolidação Mas seria errado acreditar que a pena pública teria a função de
intencional na finalidade da pena. ser satisfação para a vítima, até onde o crime gerou uma necessidade de
A finalidade da pena se manifesta de forma perfeitamente clara satisfação para a vítima completamente lesada, e como deveria, a que
na época do sistema da composição. Divide a multa em duas partes; ela ficou incólume, entregar essa tarefa à Justiça.
é paga para dois bolsos diferentes: a vítima, ou o clã da vítima,. obtém a No momento da agressão criminosa o Direito deixou o agredido
"satisfactio" a comunidade, o "fredum". São apresentados dOlS preços sem proteção. Se a peculiaridade do mesmo como membro da socie-
de compra da paz: a multa apaziguará o ódio da vítima no sentido dade jurídica não pode ser ilusória, não pode ser abalada tão profunda-
estrito, o que se evidenciará de maneira toda especial na promessa mente sua confiança no poder da ordem jurídica em garantir e paz, e
solene de paz, após o pagamento do "Wergeld", levando as partes assim pode exigir que o Estado crie para ele o mínimo de satisfação
atingidas pelo crime ao restabelecimento do estado de paz. para que ele possa ver, não deixando impune o crime.
Mas a paz da comunidade foi violada; para o reconhecimento e Esta necessidade de satisfação da vítima exterioriza-se processu-
melhoria da mesma, o criminoso paga o preço da paz. Pena é o preço almente de várias formas: mais normalmente, pela denúncia do crime,
de compra para reaquisição da paz perdida, para o reingresso na socie- com as devidas consequências; mais duvidosamente e pouco eficaz,
dade jurídica e proteção da mesma. Nisso, pode ser que ela possa se quando, como atualmente, nos crimes dependentes de representação, é
tornar ao mesmo tempo satisfação, que é mudança de sentimentos e de concedido um direito de representação, autônomo, ou como nas lesões

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corporais e injúrias, institui-se um direito de queixa privada para pena sentir o sofrimento. Nisso o direito positivo colocou, em todos os
pública, e a vítima promove, então, a queixa ou representação. ,. tempos, pesos iguais.
Esta finalidade da pena pode falhar completamente, caso a VItIma Daí resulta uma finalidade, a seguir, da pena pública: a atuação
falhe· em outros casos, atualmente a pena pública pode ter apenas no sentimento do criminoso, e, através desse sentimento, no seu enten-
finalidade colateral, que é alcançada, ipso jure, pela execução da dimento.
mesma, e, semdúvida, só pode ser alcançada através essa execução, Também o louco sente dores, mas como ele não compreende a
não por sua ameaça ou seu reconhecimento. . . , . dor da pena, é incapaz da pena. A pena será, portanto, não somente um
Mas, o que se verifica como a tarefa pnncIpal da pena publIca, a dano exterior, mas sempre, ao lIleSmO tempo, sofrimento sentido pelo
partir da transformação positiva da mesma? criminoso e lição compreendida por ele. Como coação do Estado
Vista a partir do ponto de vista, tanto do que pune como do contra o criminoso, ela ensina primeiramente o predomínio do primeiro
criminoso, ela aparece sempre como a retirada, sob coação, de bens sobre o último. Deve ficar claro tanto para o entendimento como para
jurídicos ou de direitos, como um sofrimento, uma perda, um mal para o sentimento do que despreza a lei, que junto à lei obrigatória, despre-
aquele a quem a pena atinge, é dirigida e é imposta pelo detentor do zada por seu crime, está o poder coativo do Estado, que torna valida
Direito Penal. essa obrigatoriedade quando curva a pessoa, toda, do criminoso, ao
O direito ao sofrimento tem sua única causa de formação no fato Direito. Pena é sempre sujeição coativa do criminoso ao domínio do
antijurídico culpável, e assim o dever do sofrimento possui nisso Direito. Não é seu crime, mas por causa do seu crime, que se pune.
também sua única causa de justificação. Pela igualdade e pelo mesmo Que a pena objetiva ser tal submissão, mas realmente nem sempre
valor de todos perante a lei, não se poderia admitir que o, sof~im,e~to o pé, isto se prova exatamente pela necessidade incontestável de que a
fosse imposto a um terceiro, substituindo o condenado. A area ]undIca pena seja sentida. A intimidação da prevenção geral poderia muito bem
toda não conhece nenhum exemplo em que um sofrimento fosse ser exercida através a execução penal de um louco.
imposto a um sujeito de direito apenas para favor~cer um terce~ro. O Costumam definir essa finalidade induvidosa da pena como repre-
sofrimento, no sentido jurídico, é sempre um sofnmento mereCIdo, e sália. Na realidade o Estado responde o mal do crime com o mal da
nenhum outro pode merecê-lo, senão o mesmo que o suporta. pena, e como esta pena segue a culpabilidade, e é portanto merecida,
Por isso todo o conflito jurídico do processo penal move-se corresponde à nossa necessidade de compensar "sorte e mérito". Por
apenas entre duas partes, e não conhece a intervenção de ter.ceiro que, conseguinte, a palavra "represália" muitas vezes desperta idéias colate-
por exemplo, estivesse interessado em se submeter ao sofnmento da rais. nocivas e erradas, que desacreditam em parte a idéia fundamental,
pena. Por isso a prova da culpabilidade produz também a prova da sadIa.
obrigação de sofrer a pena, e não se pode falar que o culpado pr?vado A paixão do Estado não se saciará no sofrimento do criminoso o
não mereceu a pena. Por isso só há, historicamente, uma medIda da Estado não quer pagar o mal com o mal, o igual com o igual; 'ao
pena pública: a gravidade do crime. . . contrário: o Estado responde à paixão do criminoso com uma paixão
A pena, como sofrimento merecido, deve ser sofnmento medIdo comprimida nos limites do necessário, praticando atos cada vez mais
corretamente; ninguém tem dúvida quanto a isso - que a escala da pena limitados, e que visam exatamente à preservação da vida jurídica;
define ao mesmo tempo a escala da gravidade do crime. inegavelmente, responderá à lesão jurídica com a cura da ordem jurídi-
Este direito ao sofrimento é, realmente - não apenas simbolica- ca, o mal jurídico com o bem jurídico. Falo, com preferência, de uma
mente - exequível apenas naquele que pode sentir o dano e a coação preservação do domínio do Direito, dobrando o criminoso sob a
que lhe é causada como tais. Não qualquer um que seja capaz do sofri- coação do Direito, do que de uma represália, tão facilmente
mento da pena, mas apenas aquele que seja ao mesmo tempo capaz de confundida.

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Esta primeira finalidade principal da pena poderia ser a única, O projeto radical de suprimir a medida penal judicial, deveria ser
mas poderia ser mesmo, também, o meio, no,:,ame~te, p.ara .outras ampliado, por via de consequência, com a eliminação de toda lei penal
finalidades. Falo de finalidades, portanto de efeitos mtenClQnalS, aos determinada absoluta e relativamente - o que fica totalmente fora da
quais devem ser ajustados, então, o p!ocesso p~nal e .a pena como teoria do Direito Penal positivo que dominou a história do Direito
meios não de efeitos reflexos ora desejados, ora mdesejados. Quanto Penal, da introdução da pena pública até hoje; quer tornar o processo
mais ~nergicamente a pena atinge o criminoso. prin~ipa~, tão mai~ int~~­ penal utilizável para uma finalidade inteiramente nova e sujeitar o crimi-
sos e ao mesmo tempo diversos são seus efeitos, mteIramente mevita- noso à discrição soberana das autoridades da execução, portanto das
veis, sobre a vida sentimental de todas suas testemunhas. Ela pode autoridades administrativas. Que isto tanto é absurdo como não-históri-
despertar ódio e sede de vingança contra ~ e~ecutor d~ pe~a, horror e co, parece-nos que não há necessidade de qualquer outra palavra a
até mesmo compaixão relativamente ao cnn:moso: satlsfaç~o pel,a su~ respeito.
justeiça, cólera pela sua injustiça, observância ou mobse~ancla ~ Lel. Mas a finalidade da pena não fica, de forma alguma, fora das
Tudo isto fica totalmente fora da finalidade da pena. POIS a finalIdade relações entre Estado e criminoso, e assim é possível ser suscitada
de qualquer processo jurídico se alcança dentro do ~es~o: dúvida - e na realidade o é - quanto a se ela se esgota na preservação
O processo de execução penal só conhece do~s ~Ujeltos: o deten- do poder da Lei através a sujeição do criminoso sob o poder da Lei
tor do Direito Penal exerce coação legal contra o cnmmoso. durante o cumprimento da pena, ou se ela consiste em tornar o crimi-
Daí resulta incontestavelmente: a finalidade da pena só é alcançá- noso complacente, permanentemente, à autoridade do Direito. Quanto
vel nestes dois sujeitos exatamente como a finalidade da execução civil a isso, para falar com o sofista Protágoras: para dobrar exatamente a
só é alcançável junto ~os credor e devedor. Exatamente tão legítima e madeira curva - seja pela intimidação, seja pela melhora?
exatamente tão sem sentido como a afirmação de que a coação para o Como a medida da pena é determinada pela sentença, e perma-
pagamento ou a coação para a indenização servem a outra finalidade nece inalterável, mesmo quando ela poderia se apresentar, no caso
senão forçar o devedor que viola o contrato, é a análoga, que a ~ena isolado, insuficiente para a intimidação ou melhora, se poderia definir
serve como meio de intimidação contra terceiro. Ambas contranam, c~m? finalidade da pena a tentativa de melhora ou intimidação do
com a mesma força, o princípio fundamental de todo processo legal. cnrmnoso.
A execução da pena, uma vez terminada, está definitivamente Esta finalidade deveria ser perseguida, igualmente, por todas as
terminada - ela não conhece nenhuma revisão com a finalidade de se espécies de penas do sistema de penas legais.
acrescentar uma pena complementar ou adicional. Uma rápida olhada sobre as espécies de penas históricas, ensina
Em outras palavras: através uma única imposição de pena é alcançável, que ela não quer ser utilizável. A pena de morte se opõe a isso, antes
necessariamente, a finalidade da pena, de acordo com a concepção do de mais nada, não menos do que as penas de mutilação. Quando, de
direito positivo. Se este pensasse diferente, então deveria portanto bom grado, se castigava com estas últimas, o membro pecador, não se
permitir a reabertura de processos de execução completam~~te encer- fazia isto para tornar impossível ao punido outros abusos idênticos -
rados. Em toda a história do Direito não se tem notlCIa de tal afirmar isto seria pura interpretação racionalista de um profundo
permissão. . instinto popular - mas para dar um sinal temível e permanente da força
O ponto final do processo de execução penal é sempre deterrm- do Direito no instrumento da arrogância criminosa.
nado pela sentença, já desde a imposição da pena pública. Com base na A pena de prisão perpétua tira as esperanças numa tal mudança
determinação da culpabilidade o Juiz é capaz, também, da extensão ~a de mentalidade do criminoso, a "custodia honesta" em fortaleza tem-na
pena, portanto para fixar a pena apta para assegurar o alcance da finalI- como desnecessária, as pequenas penas privativas de liberdade e de
dade da pena. multa, não confiam nela; a pena, caso não intervenha a graça, indulto ou

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anistia, não é aplicada mesmo, atualmente, para meter medo e e:it~r .a § 56. 2. O direito à obediência e a coação para sua preservação
repetição do crime, não na esperança de melhora e confiando na mtIml-
dação. Pois só nas penas privativas de liberdade aplicadas adequada- Nada se me afigura mais temerário do que atribuir idéias do
mente, pelo tempo necessário, se poderia possibilitar, pela execução passado ao presente, como se fossem dele. Mas me parece perfeita-
penal, uma influência profunda no criminoso, se poderia pensar como mente permitido elevar à idéia o que antigamente ficava na área do
perseguida aquela finalidade - partindo-se. do pressuposto que elas sentimento: tornando isso possível tanto através esclarecimento como
seriam executadas contra pessoas que estanam necessitadas e fossem por sua crítica.
ao mesmo tempo capazes de uma tal mudança de mentalidade. . Que o indivíduo deve obeciiência à Lei e que o criminoso em vez
Uma finalidade própria da pena não pode, portanto, persegmr disso despreza o direito, são duas concepções tão antigas como a
apena~ este pequeno lado, e assim fica clar~ aquilo de que só se .tr~ta, própria ordem jurídica. A pretensão, que designo atualmente como
nela. E bem possível ligar a ela, com a finahdade da pena, um obJetlvo direito à obediência, está portanto de acordo com o que foi apresenta-
colateral pedagógico, desde que a perseguição desse objetivo não do. Apenas deixou de reconhecer que essa pretensão é emanação de
prejudique a execução penal como tal. . um direito subjetivo, e como este direito, não sendo visto, também não
A história da pena pública só conhece, portanto, uma finahdade seria analisado, isto não ficou compreensível. Mas o sentimento
principal da mesma: a preservação do predomínio da lei junto ao culpa- jurídico encontrou, segura e corretamente, a consequência prática da
do, de acordo com a medida de sua culpabilidade. Mas com a busca da violação desse direito.
mesma, atende-se ao mesmo tempo a finalidade de satisfação, uma vez 1. O que sofre este direito à omissão de homicídio, sequestro,
que, pelo crime, produziu-se uma necessidade de satisfaç~o da vítima. apropriação indébita, estupro, falsificação de moeda, diante da lesão
Que nas legislações modernas uma parte da finahdade da pena executada não é anulado pela aplicação das medidas coativas. Coagir
privativa de liberdade está conscientemente ligada à finalidade de posteriormente a uma obediência ao que a desobediência prestada criou
melhoria, é inegável. Mas que essa melhoria seria finalidade da pena, é para o mundo, é impossível. O agredido é morto, a mulher desonrada,
um erro de interpretação dos princípios positivos, provocado pela a moeda falsa colocada em circulação: as lesões que aquele direito
separação de determinadas penas privativas de liberdade de todo sofreu, são simplesmente insuprimíveis, não há uma indenização ideal.
sistema penal: a finalidade da pena é a finalidade que coincide em todas O direito à desobediência não é portanto exequível através a pura
as penas legais. . coação para seu cumprimento, nem modificado através a coação para o
A pena, como objeto do dever penal atual, é, portanto, a medlda seu cumprimento.
indispensável à preservação do predomínio da Lei, através a submissão 2. Infelizmente a violação de qualquer direito não é impedida pela
do criminoso à coação legal, e ao mesmo tempo uma imagem fiel da coação para assegurá-lo. Certamente a lei penal atuará também como
energia exigida pelo Direito isolado para a coação para a obediência. E ameaça psicológica: mas qualquer crime prova a medida limitada de seu
uma prova da falta de sucedâneo suficiente para a ameaça penal e pena. poder. Sim, o legislador pode, mesmo através ameaça material à
Sobre a extensão de sua indispensabilidade, decidem as diferentes desobediência, tentar levar à omissão de desobediência futura da
necessidades das diferentes épocas. O limite entre o ilícito punível e mesma espécie. Só pode ter visão do resultado dessa tentativa frente
impunível está em movimento permanente e variável. Se a estranha àqueles delitos para cuja comissão não existiram motivos atuando com
linha em ziguezague se perde hoje, isto se justifica realisticamente, e força, sobretudo frente à pura desobediência. Então a lei ameaça para
não é questão a ser respondida, ainda, pela ciência penal. o caso de infração, com a chamada pena administrativa, e executa-a
como a mais grave ameaça criada contra inconveniências futuras, que,

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cometidas, são sentidas ao mesmo tempo como atos de pequena necessárias. Só a partir dessa mudança se explica a identidade incondi-
reprovação. cional do detentor do direito à obediência e do direito à pena. Só a
A pena policial perseguiu, de vez em quando, esta tarefa, e quem partir da natureza do direito à obediência, pelo qual se determina,
quer atribuir-lhe atualmente uma função essencialmente diferente da da naturalmente, também, o conteúdo de sua lesão, explica-se a conse-
pena legal, deveria colocá-la a serviço da coação para segurança e quência do delito, a coação da pena.
carimbá-la de drástica lição para séria ameça psicológica
Por esta autêntica pena administrativa o direito à obediência não § 57. 3. Capaz de pena, punibilidade e impunibilidade
se transforma, pelo delito, no direito à pena, mas, pela desobediência
fica produzida a prova da insuficiência da coação de segurança através O fundamento da pena fica na violação culpável do direito à
ameaças orais, e deriva daí o direito a ameaças materiais mais graves. obediência; o que ocorreu não pode ser refeito e por isso só há satisfa-
Assim, ainda que penas legais e penas administrativas possam ser vistas ção e não há reparação para o mesmo; assim qualquer delito é castigá-
semelhantes, exteriormente, uma da outra, diferem fundamentalmente, vel. Mas também só o delito é castigável. Quando Thon diz: "Também
interiormente: pois servem a finalidades inteiramente diferentes. A pena o ilícito inculpável pode o Estado ameaçar com pena válida jurídica-
legal é consequência do delito e não é meio de coação psicológica; a mente, e fez isto em tempos passados, muito frequentemente", então é
pena administrativa, ao contrário, é um convite sensível, após cometida para se observar, por outro lado, que o erro do legislador poderia
a infração administrativa, a não prosseguir delinquindo. Aquela, admitir uma culpabilidade onde não encontramos nenhuma, mas a
sozinha, é pena, mas esta é só coação psicológica, ameaça, aplicável aflição consciente do inculpável com pena, é repugnante assassinato
apenas para garantir proibições e ordens irrelevantes, só eficaz, às judiciário e ato despótico do poder. Mas na afirmação de que qualquer
vezes, frente a futuros ilícitos, de qualquer maneira impotente frente ao delito é castigável, não está também a exigência de que todo punível
acontecido. seja punido: pois a pena é, certamente, consequência, mas não conse-
3. Assim, o crime concluído nega tanto a coação de cuprimento quência necessária do delito. Para a existência da fonte da pena em
como a coação de segurança. O Estado não quer, agora, suportar qualquer delito, só cabe, muitas vezes, um significado tríplice:
inativo a violação da paz, quer tornar válido, coativamente, seu direito 1. Nunca seria injusto, por parte do Estado, prover também os
de obediência frente a seus desprezadores, que não sofrem nenhuma ilícitos mais insignificantes com consequências penais. Incapaz de pena
coação de forma imutável, e então só fica possível para ele, para é todo ilícito cuja essência não contém uma contrariedade à norma,
conservação de sua sacralidade, uma única: o direito à obediência, especialmente o chamado ilícito objetivo.
desprezado, transforma-se, diante da desobediência, num direito à 2. A capacidade de pena da conduta antijurídica é dada com seu
coação por causa da desobediência. Quem desprezou o direito tem delito, desde que o legislador não determine expressamente o contrário.
sua pessoa sujeita coativamente ao poder da Lei e com isso sente e Ao delinquente nada acontece de errado com a pena, caso a lei não lhe
reconhece quem é Senhor, a vontade do direito ou o arbítrio do indiví- tenha garantido a impunibilidade. Se e até que ponto o Estado, que não
duo. Esta submissão à coação para preservação do direito, esta coação garantiu a impunibilidade, transforma em realidade a possibilidade e
para preservação, que tem sido designada tanto como coação de repre- admissibilidade de uma disposição de pena, se quer levar ao delito a
sália como coação para satisfação, é a pena pública da História. execução do direito penal formado, isto depende apenas de seu juízo.
Qualquer transformação do direito à obediência num tal à preser- Ele não precisa, de forma alguma, já ter tomado esta decisão antes de
vação do predomínio da Lei contra o delinquente, à satisfação por seu qualquer crime ou de fato tê-la anunciado legalmente: uma verdade
delito, é apenas uma das muitas mudanças jurídicas que a insuficiência teórica que encontrou bastante reconhecimento, muitas vezes, na histó-
da coação para cumprimento e da coação de segurança, tornam ria do Direito.

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Apresenta-se aqui também, portanto, o conteúdo verdadeiro do Porque o Estado, apesar da capacidade de pena de todos delitos,
princípio que o crime existiu antes da lei penal. Está certo que a lei deixa impune muitos, ou parte deles, isto só pode ser explicado a partir
penal não leva dentro, consigo, apenas a fase delituosa do crime, mas do próprio conteúdo do direito penal.
só sua ameaça liga à conduta, essencialmente, o caráter de delito: está Assim como a pena pode ser criada, ou seja, pena de prisão
certo que no momento em que não se considera a imposição da pena perpétual ou corporal, desterro, prisão ou multa, sua execução é, estra-
apenas como fundamento do dever do Estado através da lei penal, nhamente, uma conduta que, como a morte, encarceramento, danos
aquele delito que não teve a impunibilidade reconhecida expressa~en­ patrimoniais, normalmente é proibida, e só excepcionalmente é permiti-
te, gerou um direito penal, e, pela espécie de punição, tornou-se cnme. da. Abstraída a diferença, aliás muito profunda e abrangente, entre
Mas é possível que o Estado apresente ainda uma outra exigência para direito e ilícito, o crime de homicídio e a pena de morte, o crime de
que o delito tenha o efeito de gerar o direito penal. Então se desfazem, sequestro e a privação da liberdade, têm um conteúdo assemellhado:
tanto a capacidade de pena de delito como a possibilidade de, sem bens jurídicos de determinadas pessoas são destruídos ou diminuídos.
injustiça, impor a pena a seu autor, e, realmente, a punibilidade do A vítima do crime e o autor do delito que é punido, sofrerão um mal,
mesmo. de acordo com a concepção do direito, corno um dano a bens jurídicos,
Assim nas mais recentes legislações, em homenagem ao princípio aquela, só por nefas, este por fas. Mas este mal natural da pena é uma
nulla poena sine lege praevia. O delito só se torna ilícito punível, e, faca de dois gumes: a pena não é só um mal para o criminoso, e é até
portanto, crime, através a lei penal. Mas também aqui, o delinquente possível que seja poupado dela, mas também para o Estado.
cujo crime é anterior à edição da lei penal, não adquire nenhum direito Se quer impô-la, então isto obriga-o à instituição de juízes e
à impunibilidade: uma lei que suspendesse a necessidade de uma tribunais penais, de órgãos da queixa penal e da defesa: obriga-o, além
ameaça penal precedente, para a punição, como o Império alemão disso, a destruir ou encarcerar homens, ou a lesá-los em seus patrimô-
editou uma dessas, num caso interessante, não seria impossível, certa- nios, cuja vida, liberdade e bens não são valiosos apenas para seus
mente, a partir de outros fundamentos, só não violaria, de nenhum portadores e suas famílias, mas também para a sociedade jurídica; cria
modo, o direito adquirido do delinquente, à impunibilidade. Transfor- para o Estado, além disso, sérias preocupações, por causa da execução
maria a capacidade de pena do delito, posteriormente, em punibilidade. da pena, onerando-o com grandes sacrificios patrimoniais. Sofrer o
3. Se o Estado quer reagir contra o delito, só pode fazer isto direito penal, é pesado sacrificio - exercitá-lo é, para o portador do
através a pena. Mas nem sempre quer: pois a oposição entre delito poder penal, urna carga pesada, que só deve assumir quando esta for
punível e impunível encontra-se em todos os direitos positivos. necessária, isto é, quando o direito penal se transforma num dever
Consiste nisso: ilícito punível é a contrariedade à norma, na qual a fase para ele.
do delito é reconhecida como fonte da consequência penal; ilícito E aqui estamos num ponto até agora pouco observado. O delito é
impunível é aquele cuja fase do delito o legislador ignora. Que entre os capaz de pena, gera às vezes um direito penal; mas em nada obriga o
dois não existe distinção qualitativa, e que todo ilícito é capaz de pena, Estado à pena; até mesmo poderia qualquer ilícito ser crime, e o
isto fica provado também pelo fato que muitas condutas não puníveis perdão seria um contra-senso. Então se deveria esclarecer o que, fora
isoladamente, podem se unir num crime. Condutas isoladas podem não do delito, causa essa transformação do direito penal num dever penal, o
estar providas de matéria suficiente, perante o direito, para se tornarem que leva o Estado a formar a opinião de matar o assassino e atirar na
puníveis, e então sua conexão com outras pode fazer ressaltar, de prisão o incendiário, assaltante, ladrão?
repente, a peculiaridade característica dessa conduta que existia até Como o Estado só deve tomar sobre si um mal, caso com isso
então, mas não era observada. desvie de si um mal maior, então só pode se considerar obrigado à pena

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quando o mal da não-punição seria, para ele, um mal ainda maior do considerou que deve não ter sido assegurada satisfatóriamente, dado o
que o da punição. . desprezo do seu destinatário. Tanto quanto, em sua opinião, a aceita-
A não-punição só pode aparecer como mal, sob dOIS pontos de ção tranquila do ilícito fique em oposição com a medida pretendida de
vista: porque bens jurídicos, como a vida ou a l~berdade, que ~ermane­ sacralidade e inviolabilidade da lei, ou tanto quanto a impunibilidade
cem no delinquente não-punido, oferecem pengo para a socldad~. A permanente enfraqueceria mais a autoridade de uma lei do que esta
periculosidade do delinquente, por si só, obriga o Estado a medidas pode tolerar, tanto se fundamenta para o Estado o dever da pena.
policiais para o futuro, mas não à pena. Se a pena pu.desse se aprese~­ Para as dimensões desse dever penal, o Estado tem também que
tar por essa via, então a inexistência ~a periculo~Idade ~tura s.er~a tomar em consideração se às vezes não quer vincular a observância de
causa de exclusão da pena, o que não e exato. POIS tambem o cn~­ um determinada norma ou a extensão de sua autoridade através uma
noso que, segundo tudo indica, nunca reincidirá - mesmo o assaSSInO outra fase, por exemplo, ao egoísmo ou ao interesse bem entendido
que num ataque de apoplexia ficou aleijado dos dois braços - recebe por parte daquele, ou até mesmo que não seja garantida sua infração
uma pena. . através consequências penais de outras espécies, que uma renúncia à
A coação para a pena não está, portanto, na personah~ade do pena pareça inconcebível. A partir de tais considerações, mas não,
criminoso, Ela não é para outra coisa senão para tornar válIda, .p~r porém, porque a indenização seria, essencialmente pena, pode muito
parte do Estado, a observância à Lei, e assim a omissão na persegUlçao bem o legislador deixar, em delitos que violem ao mesmo tempo direi-
penal só pode aparecer como. um mal pela. o~s~ão e~ :or~ar"vál.ida a tos privados, tendo em vista a admissão da coação para reparação, ou
vigência da lei, ou, mais preCIsamente, o direIto a obedlencla. Lei sem seja, coação para indenização, renunciar ao exercício da coação penal.
pena é sino sem badalo", diz o ditado alemão - e~ ~arte erradam,e~te: A pena, como objeto do dever penal atual, é, portanto, a medida
pois mesmo as leges imperfectae exercem. esse dlreI:o, e, s~m dUVida indispensável à preservação do predomínio da Lei, através a sujeição
por isso: porque a maioria dos homens, seja por egOIsmo, seja por ~m do delinquente à coação legal, e ao mesmo tempo uma imagem fiel da
direito interior, querem com sua sobrexistência um efeito mUlto energia exigida pelo direito isolado para a coação para a obediência; e
curativo e muitas vezes exatamente aquele que é procurado pelo uma prova da falta de sucedâneo suficiente para a ameaça penal e pena.
Estado. Mas, certamente, a esperança do Estado na observância da lei Sobre a extensão daquela indispensabilidade, decidem as diferentes
e seu interesse no cumprimento regular da mesma, não podem ser necessidades das diferentes épocas. O limite entre o ilícito punível e
sempre do mesmo tamanho. O Estado sabe muito bem qu.e ~uitas impunível está em movimento permanente e variável. Se a estranha
vezes as paixões podem ser eliminadas exatamente sobre os lImItes da linha em ziguezague se perde hoje, isto se justifica realisticamente, e
proibição de matar. não é questão a ser respondida, ainda, pelas investigações existentes
Mas ele tem o interesse de manter a autoridade dessa norma atualmente.
desde que mantenha ao mesmo tempo o direito, porque qualquer
homícidio antijurídico lesa gravemente o mundo jurídico. Então, como
poderia, aqui, pensar em editar uma lex imperfecta? Ele sabe perfeit~­
mente que de fato muitos comerciantes fazem lançamentos não-permI-
tidos em seus livros contábeis, mas acredita - abstraídos poucos casos
excepcionais - poder deixar impune essa desobediência e deixá-la a
cargo de outras regulamentações.
A pena é exatamente a expressão e a medida do interesse que o
Estado coloca na obediência àquela lei, cuja observância normal

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VI. A OBRIGATORIEDADE DE REPARAÇÃO COMO segunda idéia eliminou a primeira, e não poderia, portanto, complemen-
CONSEQUÊNCIA JURÍDICA tá-la.
DE TIPOS PENAIS NÃO DELITUOSOS Assim, tenta a ciência alemã, nos últimos tempos, muitas vezes
§ 58. 1. A obrigatoriedade de indenização não é de modo delicado, causar prejuízos à teoria da indenização jurídico-pe-
consequência do delito nal que ela mesma mantém porém suprime seu domínio absoluto
através o reconhecimento de consequências exclusivas da teoria da
A investigção sobre o delito e suas consequências jurídicas indenização do direito civil. Mas as duas são inimigas mortais, e não
apresentou, até agora, dois resultados principais: não há delito incapaz sócias.
de pena; e, não há consequência do delito que seria indenização e não O reconhecimento dessa incompatibilidade das duas tem como
pena. A partir desse resultado, fica o primeiro tanto no espírito das pressuposto a fixação de duas negativas. Mas a prova desses princípios
recentes investigações sobre a essência do ilícito, como o segundo no é exatamente a conclusão da minha investigação. Entretanto, só até o
momento em que fosse, antes de mais nada, provado o primeiro, em tanto e quanto devo e posso tomar parte nesta luta.
violenta oposição com a teoria das chamadas consequências jurídicas Aqueles dois princípios negativos soam: a indenização não é
do ilícito e em suas relações um com o outro, como está ainda hoje. pena; e não é consequência do delito. O primeiro é seguido, na verda-
Nesse meio tempo realizou-se, sem dúvida, uma revolução de, pelo segundo: ainda mais estranhamente que minha prova penetrou
altamente satisfatória no tratamento da indenização, tanto na lei como o primeiro, o significado do princípio que realmente a indenização não
na doutrina. Pode-se designar o movimento como a luta gradualmente é consequência do delito é desconhecido quase generalizadamente, e se
vitoriosa da teoria da indenização do direito privado contra a teoria da considera sua incorreção imparcial, muitas vezes como evidente! E
indenização do direito penal. Realiza-se nela, ao mesmo tempo, o entretanto só pode constituir o princípio fundamental e a pedra angular
domínio de uma teoria mais restrita, estreiteza, aliás, já sentida pelos de uma teoria da indenização do direito privado!
romanos como perturbadora, e portanto em parte abandonada a 1 Como dano compreendo, em consequência, apenas o dano
concepção romana pelas novas idéias jurídicas, que podem ser patrimonial: só ele é indenizável. Este dano patrimonial não pode ser
designadas como evolução das idéias jurídicas germânicas. determinado, para a área do direito, puramente pela economia nacional:
Constitui uma evolução tão extraordinária como sadia, e um dos contudo se apresenta sempre como "lesão" ao direito patrimonial
fenômenos mais importantes da mais recente história do Direito. público ou privado, ou como obstáculo à aquisição ou ao gozo econô-
Para onde esse movimento nos leva, que expressão legal seus mico, ou, mais exatamente, como causação da sua não-aquisição e da
resultados devem, finalmente, alcançar, isto ainda nos está oculto. omissão na sua não-utilização.
Encontramo-nos apenas ante necessidades práticas colocadas, sem Este dano, exatamente porque é dano patrimonial, é, portanto,
poder perceber claramente, ainda, até onde alcançam seus efeitos sem dúvida, pagável, e também, sem dúvida alguma, suprimível. Se se
coativos. A legislação avança audaz e cautelosamente, passo a passo; a designa essa supressão como indenização, então esta pode se apresetar
ciência procura explicar racionalmente aquelas necessidades para justi- em duas - e só em duas - formas: como restituição natural e como
ficar a extensão dos seus efeitos. Com isso apresenta um espetáculo indenização. A situação criada e lesiva progressivamente é eliminada
análogo ao que apresenta, por seu lado, na teoria do direito penal pelo restabelecimento do status quo, ou se ajusta o pagamento de um
internacional. Como a estupidez insuportável do princípio da territoria- equivalente em dinheiro, pelo dano. Compreende-se que o restabeleci-
lidade, a cuja tarefa se entregaram definitivamente, que a legislação e a mento do status quo não oferece indenização para o tempo durante o
ciência acreditaram manter, para poderem complementá-la através o qual o dano perdurou, e que portanto só por intermédio do pagamento
princípio da sujeição - com isso ficou completamente no escuro que a

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de um equivalente em dinheiro um dano é realmente removido com jurídico (ratio). Pena é exatamente aquele mal imposto que é conse-
efeitos retroativos. quência jurídica de um delito. Sofre o mal, seja em que venha a consis-
Como o direito ao dinheiro não pode dar, originariamente, tir, mas apenas com base na lei, porque fez um ilícito, então
nenhum sub-rogado, então no pagamento em dinheiro desaparece a juridicamente é pena. O tamanho dessa pena é graduado de acordo com
distinção qualitativa entre prestação natural e indenização: a. p~estação o tamanho do dano causado, e limitado simplesmente à reparação do
devida originalmente e a prestação do interesse completo dIstmgue~­ mesmo, então existe indenização ... Quando, ao contrário, a indenização
se, no máximo, quantitativamente. Seria completamente errado acredI- não é um efeito do delito, mas, por exemplo, do contrato, tampouco é
tar que a indenização, frente à restituição natural, teria valor .ap~~as pena no sentido jurídico - como isto pode ser afirmado da chamada
subsidiário: a última se apresenta como a forma normal, em pnncIpIo, pena convencional".
primária, da indenização. "Pois quando uma é certa, e~tão é des~a ~ue De nenhum modo, portanto, em todos os casos em que a fase da
pode derivar a variedade viva, o livre jogo d~ ~ormatl~~ção subJetiv~, culpabilidade presumivelmente não fica sem importância para a justifi-
que se evidencia em geral na delimitação do dIreito POSItiVO entre restI- cação de uma indenização obrigatória, o delito é admitido como funda-
tuição natural e indenização em dinheiro, e torna impossível a oposição mento da mesma: não, por exemplo, na violação contratual culpável.
formal entre possibilidade e impossibilidade da restituição natural". Com isso, essa teoria de uma identidade parcial entre pena e indeniza-
Assim diferem também os remédios da restituição natural e da ção cai em duas dificuldades, não pequenas. Porque a indenização
indenização, como formas de aparecimento da indenização, e permi- obrigatória só se liga aos delitos extracontratuais, eu poderia então
to-me o dever de designar a prestação dos dois, como habitualmente, dizer resumidamente: pode ficar impune a que se realiza antijuridica-
de maneira cômoda, inexata, mas de acordo com a ênfase da duplici- mente dentro das relações contratuais? E, além disso, como se explica
dade e diversidade de seus conteúdos, como indenização obrigatória. que uma pena e uma não-pena fiquem tão semelhantes à indenização
lI. Quase sem exceção, acha-se agora reconhecida a indenização obrigatória do dano material doloso daquele que viola dolosamente o
obrigatória nos casos dos chamados delitos de obrigação, como conse- mandato? É natural, extraordinariamente, para evitar, no primeiro
quência jurídica do delito. De acordo com o direito romano o delito impacto, a culpabilidade em extensão muito ampla, reconhecer como
fundamentava a queixa penal, e Q.ão existe portanto nenhum outro fundamento o direito à indenização, sobretudo em geral onde ela
motivo para se procurar um outro fundamento na transformação da supostamente dá apoio a uma queixa civil.
pena objeto da queixa, na obrigação da indenização! ., Este passo parece tão mais legítimo quanto realmente mais
A partir desse ponto fundamental deve ser negada a umforml- absurdo é querer reconhecer somente o delito extracontratual e não
dade do conceito de indenização,deve ser reconhecida a natureza penal também na violação contratual culpável uma pena em forma de
de uma.série de indenização obrigatórias. Isto só é natural, quando um pagamento de indenização. Assim, então, v. Jhering encontra no direito
homem da finura dogmática como Kierulff, proclama isto com firmeza, privado romano, em sua fase de culpabilidade, em sua mais estrita
e para o Direito Romano, com bons fundamentos. "O entendimento execução, o princípio característico e da maior importância para a
habitual - diz ele - compreende esses conceitos (pena e indenização) teoria jurídica dos romanos, que "não o dano, como tal, mas somente a
como opostos juridicamente, distingue-os de acordo com seus conteú- culpa, fundamenta uma responsabilidade pelo fato, e com isso a obriga-
dos, e designa pena aquele mal que vai além da mera indenização. ção de indenizar". E quando v. Jhering também gostaria de manter
Nós, ao contrário, afirmamos que a indenização como tal, não é, nítida a clara oposição entre pena e indenização, então fica a obrigatori-
de fato, conceito juridicamente autônomo, mas uma forma ocasional na edade de indenização em geral como "represália" da culpa, isto é, da
qual pode se apresentar uma pena,uma obrigação contratual,etc.O con- pena, e distinção entre pena e indenização torna-se meramente quanti-
ceito de pena só se pode determinar de acordo com seu fundamento tativa.

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Daí, v. Jhering só pode definir o resultado final com transfo~ma­ consequências do delito. Se se considera mais exatamente sua natureza,
ção da pretensão penal em pretensão reipersecutória: "a queixa reIp~r­ então evidencia-se logo que ela não se diferencia, em nada, de outros
secutória exerce, pois, ao mesmo tempo, a função de pena secundana, fundamentos jurídicos em que se apoia a obrigatoriedade de indeniza-
que repete todo direito do delito dentro da relação de propriedade ção, e que ela, em especial, não é pena em nenhum ponto. Este fato não
isolada ou das relações contratuais, indo sobre a "condictio furtiva", a é só de importância teórica, mas para toda sua existência, nos prece-
"acto legis Aquiliae", a "actio de dolo", e, mais exatamente, na "actio dentes da Alemanha. Se o delinquente podia substituir a pena, então a
in rem" ou "in personam", só recebendo as modificações corresponden- indenização obrigatória seria um elemento do direito penal, e junto ao
tes ao espírito dos novos tempos, que a pena se restringe a mera Código Penal alemão, que reguia as consequências penais do ilícito e
indenização e que a prisão não alcança os herdeiros". não conhece a indenização obrigatória, não foi mantida corretamente.
Com esta teoria, v. Jhering entra diretamente ao lado de Merkel Sem dúvida, o Código Penal alemão desconhece mesmo como
e Meinze, que afirmam a identidade essencial entre pena e indeniza- permitidos os chamados direitos à indenização do delito junto à pena,
ção, e para quem "a fase da culpabilidade no direito pri:ado ro~a~o" simplesmente a partir do fundamento que não são penas. Este fato se
significa a realização e fundamentação de suas teses relatIvas ao dIreIto evidencia:
penal. Aliás, as duas não podem encontrar um apoio integral. 1. No fundamento da obrigatoriedade da indenização. Toda pena
Tampouco se amontoam, frente a essas teorias, obstáculos intransponí- tem somente um fundamento jurídico: o fato culpável, ou, falando mais
veis, em grandeza e tamanho, como já tive oportunidade de acentuar. precisamente, a violação culpável do direito à obediência, um direito
Nenhum dos seus adeptos pode, também, só afastar a dupla público que pertence ao Estado frente ao delinquente. Este princípio
punição do delinquente nos crimes relativamente mais leves, nem a fundamental uniforme do Direito Penal não pode ser, ao mesmo tempo,
transfonnação da queixa indenizatória para o herdeiro impune, nem o direito à indenização e o dever à sua prestação. A competência do
silenciar os fatos em todos os outros impedimentos, para declarar que direito à indenização por causa dos danos materiais, da fraude, etc., é
há direitos à indenização completa mesmo onde o obrigado, de nenhum determinada, sobretudo, pelo dano que alguém sofreu. Este dano pode,
modo, agiu culpavelmente, que, portanto, a indenização se apresenta mas não precida ser, lesão de direitos. Toda lesão de direitos é sempre
como pena, e a indenização, de acordo com o aspecto do detentor de lesão a um patrimônio que cabe a um lesado - por exemplo, uma coisa -
direitos e do obrigado, onde atua do mesmo modo, e, portanto, não é ou a um direito. Este direito pode ser um privado ou um público, mas
pena, as duas se apresentam como gêmeas inindistinguíveis. nunca um direito à obediência. Pelo direito à obediência o Estado está
Só um único caminho leva à saída desse labirinto: a prova, autorizado e o particular obrigado. Pelo dano, está o lesado, raramente
sobretudo, que a identidade parcial entre pena e indenização é apenas o Estado, na grande maioria dos casos está o particular autorizado e
aparente, que a obrigatoriedade de indenização e pena se apresentam, um outro particular obrigado, ou mesmo o Estado.
para o direito atual, como contrastes apodíticos, que a única conse- Pela lesão a um direito de poder do Estado frente aos indivíduos,
quência jurídica da pena é a única consequência jurídica da indeniza- ficam estes ligados àqueles, donde resulta que o direito de indenização
ção, ou, dito mais corretamente, a obrigatoriedade de reparação sofre do indivíduo frente a seu igualou contra o Estado mesmo, é absoluta-
diversas transformações e que os tipos penais a que ela se liga não são, mente impossível.
de fato, de natureza delituosa. O que faz valer o direito à indenização, portanto a competência
111. Aí, constitui o inimigo mais perigoso o reconhecimento passiva do direito, a chamada obrigação do delito, se define primeira-
correto da existência das chamadas obrigações do delito - obrigações mente pela fase da causação do dano; portanto, quando houve a inter-
cuja indispensabilidade ninguém pode negar - e assim compreendo venção dessa lesão de direito na pessoa que foi lesada, que sofreu o
antes de mais nada a indenização obrigatória dentre as supostas dano em seu direito patrimonial. Assim como a lesão do direito à

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obediência gera o direito penal do Estado, a lesão ao patrimônio gera relação à grandeza da culpabilidade; e também na literatura, que, na
para o agredido em seu patrimônio, um direito à indenização. Nos dois essência, fica sobre o solo de uma teoria da indenização civil, e na qual
casos surge, na mesma medida, para o ferido em seu direito, a preten- Jhering encontra direito a uma equivalência entre dívida e queixa
são: sempre, e sem exceção, o Estado, quando há a pretensão à pena, penal, e complemento.
nunca o Estado, como tal, quando há pretensão à indenização. Por conseguinte, é para se rejeitar, definitivamente, uma teoria da
Mas, não só a causação, mas só a causação culpável pode deter- indenização sob o ponto de vista exposto. Reconhecidamente é muito
minar a obrigação de indenização. Como o aspecto da vontade vem, na dificil, em certos casos, calcular corretamente o nível do dano, e uma
honra, fundamentar a responsabilidade civil, como o lesado pode lei pode, em situações diferentes, considerar indicadas diversas espécies
dissolver o direito contra o agressor, justificando sua eliminação, de cálculos (princípio normal, damnum emergens ou lucrum cessans).
contra a vontade do Estado, é, antes de mais nada, dificil de compreen- De acordo com o número das mesmas, em cada caso, evidencia-se
der. De qualquer maneira, não só a culpabilidade obriga à indenização, uma medida mínima do dano, na avaliação mais desfavorável ao
mas a consequência lesiva do fato culpável - e também esta, nem lesado, ou um cálculo duas vezes maior, mais favorável ao mesmo.
sempre. Quando a intenção de fraude não se realiza até à lesão patri- Para a determinação do direito de indenização e, sempre, do seu conte-
monial consumada, ou quando o lesado encontrou outro modo de údo, não é para se partir da grandeza da culpabilidade, mas do dano,
reparação, então na realidade, apesar da causação culpável ou da lesão que o lesado tem de exigir pelo menos o valor mínimo, e, nos melhores
patrimonial consumada, não surge o direito de punir o delinquente com casos, o valor máximo - quanto a isso predomina o entendimento.
a imposição de uma prestação de direito patrimonial para o lesado. Como pode ser produzida uma equivalência entre culpabilidade e
2. Do mesmo modo se prova a medida da indenização obrigató- dano, quando a grandeza do último, tanto no máximo, como no
ria frente à sua natureza penal. mínimo, se determina de maneira inteiramente independente do nível do
a. Enquanto a pena é sempre graduada ao mesmo tempo de primeiro? Vem quanto a isso, que o valor mínimo da indenização exigí-
acordo com a intensidade da culpabilidade e de acordo com a gravi- vel, apesar da culpa mínima, pode ser extraordinariamente grande e o
dade do crime, a medida da indenização obrigatória do direito romano valor máximo pode ser inteiramente insignificante, apesar do pior ardil
comum, quando se reserva, em tamanho e no conjunto, modificações e da mais pérfida astúcia. Estes dois fatos bastam para refutar aquela
irrelevantes e, consideração às diferentes responsabilidades, é somente exigência de equivalência entre culpabilidade e indenização. Quanto a
do tamanho do dano causado. A actio legis Aquiliae tem exatamente o isso, tenho de negar o último, que na dimensão do dano pode ser
mesmo conteúdo, tanto quando o dano material foi causado dolosa escolhido o cálculo mais favorável ou mais desfavorável ao lesado,
como culposamente. A indenização obrigatória aparenta, portanto, tendo em vista, também, a conduta e as relações do causador do dano.
ocasionalmente, um duplo aspecto: Não expõe a culpabilidade do Significado inteiramente diferente alcança aquele direito quando
agressor, e até mesmo prescinde dela para graduar, mesmo o grosso na dívida mais reduzida a indenização só exige, por exemplo, três
modo, a indenização obrigatória; não surpreende quando no maior quartos ou a metade do dano mínimo. Mas, então, ficaria fora do
dano material se encontra a mais leve imprudência e muitas dívidas, direito de indenização e dentro da distribuição do dano.
apesar de pequenas, resultarem em grandes prejuízos, enquanto num Do ponto de vista do direito de indenização, é competente
pequeno dano, que resulta do mais intenso dolo, se despreza inteira- apenas o tamanho do dano e nunca o tamanho da culpabilidade, para a
mente a grave dívida ocasionada. medida do direito de indenização.
Não pode haver dúvida que este é o ponto de vista fundamental b. Mas há ainda uma segunda fase que fica inobservada na
do direito romano comum, que foi levado para os Códigos vigentes na obrigatoriedade de indenização, que ela seria uma outra pena, que não
época, colocando, em certa extensão, o nível da indenização em se deveria tomar obrigatoriamente em consideração: penso na injustiça

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que sofreria o sujeito do patrimônio, não o patrimônio I?esm~. S.e a executaria a sentença transitada em julgado, contra ele, impondo o
indenização obrigatória devesse ser pena, então esta devena ser InteIra- pagamento da indenização.
mente independente do tamanho do respectivo dano, sem tomar em d. Quando o bem que a pena deve retirar do de1inquente não se
consideração qualquer antijuridicidade isolada que s~ forme e~ suas encontra nele, quando, em outras palavras, ele é sem patrimônio, então
fases peculiares: necessitaria, para isso, de uIn: a.dltamento a pena deveria ocorrer uma modificação da pena. Isto se encontra prescrito
especialmente variável, enquanto a evolução do dIre~to co.mu~ c~egou tanto na queixa penal do Direito Romano clássico como do de Justinia-
exatamente ao objetivo que mesmo nessa ações de Indemzaçao e .para no, especialmente na actio legis Aquiliae e na actio de dolo. Nos casos
se limitar o direito à ação estritamente à indenização do dano. ASSIm, a de insolvência, como também em outras ações penais em que a pena
indenização do dano ignora, e sem dúvida não uma vez, mas. ~uas não ficava em relação com um outro dano material, o acusado era
vezes, a fase delituosa, no delito: a culpabilidade do agressor e a InJus- castigado com uma boa surra.
tiça ao lesado. Sob o ponto de vista do Direito Romano, onde uma pena era o
3. A indenização obrigatória não é definida para atuar como mal objetivo da ação, essa modificação da pena aparece como consequência
para o obrigado a indenizar. Se atuasse como pena, então: . necessária: mas nunca ninguém afirmou que era o mesmo no Direito
a. deveria ser indissociável da pessoa do culpado, ou seja, comum.
nenhum outro poderia ser forçado à indenização. Mas não é isto o e. Se a indenização fosse pena do delito, então a lei penal, no
que ocorre, de forma alguma, no direito vigente: o credor é obrigado a círculo da pena pública, deveria tomar em consideração o tamanho da
aceitar o pagamento do não-devedor, que queira pagar-lhe; e quando o indenização necessária, e a indenização prestada, ou não prestada. A
pagamento é feito por aquele que o lesado considera inocente, este não pena privativa de liberdade do homícidio culposo, por exemplo, teria de
será considerado favorecedor do delinquente. O credor, atualmente, baixar quando o agente ainda tivesse pago, também, a indenização, e
em nítida oposição ao Direito Romano, está autorizado a propor ação deveria ser reduzida ainda mais, de acordo com o montante dessa
indenizatória contra herança do devedor - mesmo quando, de acordo indenização paga; se deveria então, finalmente, considerar um direito à
com a praxis mais comum, mas mais injustificada, até o montante, ~a obtenção de grande indenização como pena satisfatória. Certamente
herança. Pelo menos a pena de multa, só se executa contra o esp~ho deveria, então, ser retirado o tratamento processual-civil desse direito à
quando é imposta, por sentença transitada em julgado durante a VIda indenização, a ser transferido para o Juiz penal, que realizaria uma
do culpado, e mesmo isto é um grave erro. Mas.aquela permissão p~ra avaliação cuidadosa da culpabilidade e da pena, tendo em vista as
ação indenizatória contra a herança, basta, por SI, para provar a ausen- maiores garantias de verdade oferecidas pela prova no processo penal.
cia de seu caráter de pena: o que cometeu o herdeiro, para eventual- Mas nada disso indica nosso direito positivo, e nenhum defensor
mente ncarprivado do todos os seus direitos de herança? . da indenização prestada voluntariamente como força atenuadora da
b. Deveria, além disso, produzir, intencionalmente, um efeIto pena, fala desta natureza penal do pagamento da indenização, e
prejudicial sobre o patrimônio do obrigado à indenização. Mas, se o tampouco quer fundamentar no ato de arrependimento o pagamento
obrigado à indenização, através seu pagamento, se tornará mais pobre, voluntário
ou não, se, às vezes, apesar dele, fica mais rico do que era antes do Só pelo fato que o pagamento da indenização não tem relação
dano, quanto a isso, de fato e de propósito, nada tem a ver o direito com a pena, se explica, da mesma forma, que o Direito pode tranquila-
civil. mente entender que em crimes relativamente leves como furto e estelio-
c. Fosse o delinquente irresponsável, então não deveria ser nato, o agente, normalmente, junto com a pena, tem de pagar, ainda,
proposta ação indenizatória contra ele, e, da mesma forma, não se indenização, sem que a pena faça depender sua própria gavidade do
pagamento ou não-pagamento da indenização, nem do tamanho desta.

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Seria grosseira injustiça se a Lei quisesse admitir, nestes casos, uma reconhecimento, torna-se inconcebível como a vítima da infração da
dupla punição - uma se determinaria de acordo com a gravidade do norma poderia obter do delinquente e seus herdeiros um direito, em
fato culpável, e para a outra seria competente o tamanho do ~~no próprio nome, contra o instigado r do crime e seus herdeiros. E o que se
patrimonial causado pelo furto, cujas medidas poderiam ficar em mtIda aplica à vítima acidental da infração a uma proibição do Estado? A
oposição uma com a outra. . partir das relações do causador do dano com o direito da vítima, só
Mas, de acordo com a concepção certa, tampouco se pode conSI- pode resultar um direito de indenização desta contra aquele, sendo
derar esta pena de indenização obrigatória que supostamente decorre impossível que seja a partir das relações de desobediência do infrator
do delito como tal, como obrigação contratual que o ladrão tem de para com o Estado. A vítima se queixa da lesão ao seu direito patrimo-
cumprir eventualmente para com o furtado, no momento da sentença nial e ao seu patrimônio, portanto normalmente de uma violação a seu
penal. . .. direito privado, mas, de forma alguma, com base na violação do direito
4. Se a indenização fosse pena decorrente do delIto, o dIreito a público do Estado à obediência.
ela não seria da vítima, mas do Estado. A pena é sempre um direito do Foi mostrado acima, que só se pode falar em delito sob o aspecto
Estado: resulta só para ele, o direito ao cumprimento da pena. Eviden- da vontade culpável, que é intencional ou não-intencional, mas não se
temente o criminoso pode ser autorizado a cumprí-Ia em favor de uma pode falar de disposição dolosa ou culposa de um direito civil. Quem,
terceita pessoa, como já foi feito em muitas penas policiais. Mas, portanto, quer tornar a culpabilidade fonte da indenização obrigatória,
mesmo quando o dinheiro da pena de multa é encaminhado ~ar~ o liga esta a um elemento que é inteiramente da área do direito público e
caixa de uma comunidade ou de uma instituição de benemerêncIa, ISto está por completo no tipo penal, do outro lado das relações jurídicas
ocorre em consequência de doação generosa do Estado. Isto se aplica, entre agressor e vítima. Causa e consequência jurídica diferem funda-
do mesmo modo, na indenização do dano contra o delinquente? Na mentalmente em sua natureza jurídica; a consequência não é deduzível
verdade o Estado tem o direito de exigir, em favor do seu Caixa, todas muito remotamente da causa. Como se responsabiliza o réu por sua
as somas decorrentes do dano patrimonial culpável e é apenas culpabilidade, assim também a consequência da culpabilidade. Como
generoso quando transfere seus direitos à pena para a pessoa da sua causa, ela é também personalíssima, e, sem dúvida, em dois senti-
vítima? Em outras palavras, seria a ação da vítima equivalente à ação dos. O culpado deve somente ao que lesou. Ações pessoais não são
popular romana, derivando do direito da sociedade, ou, ao contrário, hereditárias, nem ativa, nem passivamente. Nisso a obrigatoriedade de
decorreria de direito pessoal? indenização, com o seu cumprimento, é para modificar o elemento de
Se proviesse de direito pessoal, como querem os defensores da dois bens, em suas relações um com o outro.
natureza penal da indenização obrigatória decorrente do delito, como Ela responsabiliza, portanto, não a pessoa, como tal, mas o
se explicaria essa anomalia extraordinária, de acordo com as concep- sujeito de uma, e existe não em favor de uma determinada pessoa, mas
ções jurídicas atuais? Então querem, com isso, que o Estado venha em favor do sujeito do outro bem. Exatamente por isso a ação de
sempre a definir o dano de uma vítima do acaso, e não, ao contrário, indenização, tanto ativa como passivamente, vai em cima dos herdeiros,
que isto seja feito de acordo com a culpabilidade e o dano resultante e porque o pagamente é material, não é pessoal, pode o credor
do crime para a sociedade jurídica? Estas considerações levam, final- aceitá-lo de terceiro. Com base no princípio "só a culpabilidade obriga
mente, aos últimos passos acerca dos objetivos da elaboração da à indenização", não se pode explicar o último fato, nem tampouco a
prova, atualmente. transmissão hereditária ativa da ação indenizatória; a responsabilidade
5. Se a indenização do dano fosse pena, então só poderia se justi- hereditária, portanto, só através a admissão, inaudita, de uma transmis-
ficar nas infrações das proibições de direito público, ou seja, exata- são hereditária de culpabilidade. Assim, o fundamento jurídico da
mente nos delitos, como tais. Mas ela não é pena. No momento desse chamada obrigação do delito, uma vez que se negue a natureza penal

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do pagamento da indenização, não pode mais ser encontrado no delito conduta do sujeito de direito obrigado, obrigação em virtude da auto-
como tal. sujeição - ou o le?islador ~eclara-o obrigado, por um motivo qualquer,
O delito explica apenas a formação de uma "obligatio" sobre a favor de um terceIro - obngação em virtude de sujeição coativa. Se se
pena, entre o agente e o sujeito da punição, mas nunca entre o agres- pude~se compreender os dois fenômenos ao mesmo tempo como causa
sor com seus herdeiros, por um lado, e o lesado, com os sucessores e efeIto, então se poderia dizer que no primeiro caso o dever do
universais do mesmo, por outro lado. Há uma insignificante petitio obr~g~do é a fonte do direito do detentor do direito, e, no segundo caso
principii quando se conclui como evidente ou como "axioma o dIreIto constitui o primário e o dever, sua consequência.
jurídico" que alguém deve reparar o dano que causou com seu Em. todo~ ~asos :m que alguém se obriga em virtude da própria
conduta, Isto so e possIvel quando nesta conduta, expressa ou implici-
delito.
tamente, mas obrigatoriamente, seja declarada sua vontade de sob
§ 59. 2. A indenização obrigatória como consequência jurídica d~terminadas circunstâncias, efetuar uma prestação de direito pat~imo­
uniforme e como espécie da reparação obrigatória mal em favor de um outro. Pois, do contrário, como poderia resultar,
dess~. con,d~ta, uma auto-obrigação de direito patrimonial? Não pode
Seus fundamentos, suas espécies
admItIr duvIdas que nas chamadas obrigações do delito é apenas a
Considero como completamente apresentada aqui a prova nega- conduta do agressor que o obriga. Quem poderia insinuar que a lei o
tiva do que foi por mim afirmado. Mas o não, não convence sem o sim. considera responsável por um outro fundamento? Toda a teoria da
natur~za, p.enal da indenização obrigatória retoma sempre, novamente,
Em que fica, então, o fundamento jurídico daquelas obrigações total-
~o pnnCIplO: o fundamento da obrigação está no delito, portanto na
mente indispensáveis, quando se pode negá-la, de acordo com o direito
hvr~ conduta do delinquente. E está correto: ele obriga a si mesmo.
pandectista do delito, como tal? Até onde, e em que sentido tem-se
deslocado a idéia fundamental do mesmo? Onde chega quem pensa ir ASSIm, o direito da vítima contra o delinquente deve encontrar um
até o fim dessa evolução espiritual? Trata-se, na teoria da indenização, fundamento na posição em que este mesmo se colocou frente ao bem
lesado.
aliás, da teoria completamente individualista apresentada pelo direito
romano comum, que devo investigar - primeiramente não ainda, de Aquele que se encarrega de vigiar o bem de outrem, no interesse
fato para a apresentação e resposta da questão de lege ferenda. do ,seu proprietário, ~ aquele que se encarrega do bem de outrem para
1. Dizer que o delito, ou, mais corretamente, o dano decorrente lesa-lo, se Igualam msso: que ambos não têm um direito de disposição
do delito, é um fato ao qual o direito liga a formação de uma "obliga- sobre o bem, que não lhes pertence. Aí está uma usurpação da autori-
tio", significa dizer nada. Pois não há uma única obligatio que não zação do proprietário do bem, que pode ser chamada muito bem até
deva ser reconhecida pela Lei, e nem uma única, sequer, cuja formação mesmo,. usurpação do direito - previsível pelo proprietário que d~u o
do Direito não declare dependente de determinados tipos penais. consentImento. Quando alguém me dá o mandato para administrar seu
p~trimônio, entã? me encarrega de defender seus interesses patrimoni-
Deveria àquela resposta seguir-se outra pergunta: por que liga então o
Direito, ao dano do delito, o direito de exigir a reparação patrimonial aIS n~quele sentl?o: se não quero assumir esta obrigação, então não
contra um outro? E, quanto a isso, não me parece dificil a resposta, a perffilto ao propnetário que me encarregue de seu patrimônio. Quando,
partir do ponto de apoio daquele direito. seu: me, entender co~ o mesmo, me disponho a usurpar seu patrimônio,
Por conseginte, dividem-se todas as obrigações de direito patri- entao ~o posso fazer ISto contra o proprietário, quando me comprometi
monial, quanto à sua origem, em dois grandes grupos: ou o obrigado a s~gu~r .a vontade do mesmo, relativamente à administração de seu
se obriga à prestação, por sua própria manifestação obrigatória de patnmomo, como norma para minha conduta.
vontade em favor de um outro - obrigação decorrente da própria

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Como eu com esta intenção, poderia defender o patrimônio Quando se pensa que na violação contratual lesiva o fundamento
alheio por via j~dicial, caso me dispusesse a isso, en~ão pode o ?irei:o, da ação não se constitui de três partes - o contrato, o delito e a vítima -
por seu lado, admitir que realmente tomei sobre mim esta o~ngaçao, mas apenas de duas - a lesão e sua contradição com a obrigação
pelo fato da minha atividade. Se leso o patrimônio, contra o mter~sse contratual - então isto explica que o delito não pode ser tomado em
do proprietário, então me torno responsável perante este, por ~mnha consideração como tal, mas apenas em sua oposição com a obrigação
auto-obrigação. E o que vem a ser isto, então, se ela não contivesse assumida contratualmente. O mandatário se obriga a conduzir o
exatamente a obrigação para com aquele cujo patrimônio se usurpou, negócio confiado a ele, da maneira mais cuidadosa possível, no inter-
nos casos de querer ressarcir o dano? Assim, acredito que a teoria dos esse do mandante; caso infrinja esta obrigação sem poder apresentar
romanos com a mudança da pena em indenização, não teve nenhum fundamento jurídico, obriga-se a manter incólume, como seu
dificuldade em colocar, também, o fundamento da indenização patrimônio, o do mandante. Só surge, então, uma obrigação de indeni-
obrigatória no lugar do delito. zação para ele, quando, de modo responsável, infringiu, de modo
Se não era do gosto dos romanos tratar o "praed" o como "gone - responsável, sua primeira obrigação. Esta contravenção não é tomada
tiorum gestor" e torná-lo responsável por seu "negotiorum gestor", em consideração como tal, para a indenização de dano, mas como
então só precisavam meditar mais sobre essa. idé~a para reti:ar. a prova para o pressuposto da eventual auto-obrigação.
conclusão analógica, que aquele que usurpa arbitranamente o direito Exatamente a mesma função exerce o delito na chamada
patrimonial de outrem, por atos, fica obrigado à indenizaçã? d~ dano. obrigação do delito. O direito civil nada sabe começar, relativamente à
Se se quisesse definir o princípio fundamental da obng~ç~~ em indenização obrigatória, com o delito como tal.
conexão com a linguagem das fontes romanas, então consistma no lI. Mas, como se pode compreender também positivamente o
quase-contrato. Dito mais exatamente: a usurpação, como tal, teria de fundamento da indenização obrigatória - como a pena, a consequência
se separar do delito. uniforme do delito - ela é sempre, também, tanto internamente como
Com este resultado, eliminam-se pelo menos todas as exteriormente, uma consequência jurídica uniforme do ilícito de
dificuldades que poderiam ser reconhecidas como intransponíveis, na relações contratuais, na forma de tipos não-delituosos, seja porque na
definição do delito com princípio fundamental da obligatio. Tam~ém, lesão patrimonial, sob a qual o direito não consiste, aqui, somente na
sobretudo, que não o delinquente sozinho, mas também seus herdeiros: lesão do direito patrimonial, mas também na de bens jurídicos de valor
aparecem como obrigados: a dívida descansa apena~ sobre ele. e .so patrimonial, em concurso com o delito, seja porque ela foi provocada
pode atuar sobre aquele através um ato de auto-obngação de direito por conduta legal, ou pela ação voluntária do incapaz, ou pelo acaso,
patrimonial que constitui o proprietário do patrimônio, sujeito do na forma de um fenômeno natural. Assim, a diversidade de causas pode
patrimônio; junto com seus sucessores universais. Alén: disso explica- equivaler também, em seus efeitos, de acordo com a concepção do
se com isso, da maneira mais completa, porque nos dehtos dentro dos Direito, na criação de um dano que exige reparação.
cdntratos, vale, não o delito, mas o contrato, como princípio funda- Como qualquer delito capaz de pena, então qualquer indenização,
mental da obrigação: seria muito mais fácil reconhecer aqui do que nos neste sentido, é capaz de indenização; como não é qualquer delito que
outros delitos, o ato através do qual o violador se obrigou para com o exige pena, também não é qualquer dano que exige a eliminação,
lesado, e desde logo se reconheceria que o delito seria deixado de lado, específicamente, pela indenização. Com a prova que a indenização do
como inteiramente inaproveitável para fundamento da obrigação. O dano nunca é pena, cai o mais forte argumento contra a uniformidade
mesmo processo pode agora ser repetido na chamada obrigação do do conceito de indenização do dano; mas não decorre daí, ainda, a
delito. prova que ela tem algo a ver com um instituto jurídico uniforme, como
é o da pena.

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Os institutos jurídicos se caracterizam, sobretudo, pelos objeti- indenização total ou parcial dessa redução, do ponto de vista do direito
vos que o direito persegue com eles. Todos institutos jurídicos que não sofre, realmente, o dano, ou pelo menos, não totalmente; pois seu
servem essencialmente a objetivos diferentes, são mesmo essencial- patrimônio sofreu, sem dúvida, uma modificação, mas uma redução, só
mente diferentes. Quando um conjunto de prescrições jurídicas procura aparente.
alcançar o mesmo objetivo, essencialmente do mesmo modo, então se O problema jurídico, portanto, não consiste em determinar quem
está autorizado a declarar que existe mais do que um agregado é obrigado a indenizar o dano patrimonial de outrem, mas, ao
ocasional de disposições semelhantes, mas um instituto jurídico contrário, em fixar a pessoa que está obrigada a suportar, definitiva-
uniforme. mente, o dano patrimonial apresentado. A obrigatoriedade de indeni-
A pena e a indenização do dano, em todos os casos e que apare- zação e a obrigação de suportar, mesmo, o dano sofrido, são, portanto,
cem, ficam a serviço de objetivos completamente diferentes. Quando de conteúdo idêntico. Esta definição será encontrada, em todos os
qualquer satisfação é por fato culpável, e sua área de aplicação se casos, onde um dano se originou - este pode ter sua origem num acaso,
limita, portanto, ao império do delito, então surge o problema que a num fato legal ou ilícito, como também o dano pode consistir na
ordem jurídica se esforça para solucionar através a entrega da obriga- destruição do objeto do patrimônio, sem que possa ser produzido o
toriedade de indenização do dano, mesmo em se tratando de um delito equivalente para o mesmo, com o que o inventário dos objetos patri-
em que essa mesma ordem jurídica ficou imperturbada. monias sofre uma redução, no sentido absoluto, ou através uma modifi-
Na história do direito aparece uma lei que serve para a solução cação do objeto do patrimônio, de forma que o patrimônio de um se
da indenização obrigatória, e, aliás, só relativamente mais tarde foi enriquece com a redução do patrimônio do outro. O problema legisla-
reconhecida em sua unidade, e, portanto em sua pureza e em suas tivo acerca de quem tem de suportar o dano é, portanto, inteiramente
corretas relações para solução pela pena: no período passional a pena independente dos motivos e da espécie do dano.
não era utilizada em sua finalidade essencial, mas para outros fins, não A origem daquele problema se relaciona intimamente com a
sem prejuízo par seus próprios objetivos; até o elemento passional, que essência do dano patrimonial. Na maior parte dos outros danos o
nesses casos também aderia à pena, mergulhava no mar de consid- atingido é, em primeiro lugar, e, definitivamente também o lesado.
erações jurídicas mais tranquilas e enganosamente proclamava a indeni- Quando um homem foi morto, ou se lhe arrancaram um dedo, ou caiu
zação obrigatória com uma finalidade totalmente diferente, que era a na escravidão, ou sofreu uma injúria, então fica traçado definitivamente
de mandar para o céu. seu destino. Vida, liberdade, honra, estão ligadas indissoluvelmente à
Para reconhecer aquele problema, agora, em sua totalidade, pessoa; a transferência desses bens de um sujeito para outro, só é
deve-se chegar à consciência que a expressão "indenização obrigatória" possível através a fantasia dos poetas. O objeto desses bens jurídicos
é, por um lado, estrita demais, e não deixa de ser definição unilateral distingue-se de duas maneiras do objeto do direito patrimonial: através
para o produto de uma das muitas outras definições jurídicas; que, por sua solubilidade ao até então proprietário, ligada com sua transferibili-
outro lado, e emprego isolado da mesma leva de volta a dois funda- dade ao patrimônio de um outro sujeito de direito; além disso, pelo fato
mentos de espécies inteiramente diferentes, que, em parte, conflitam que, quando não consistem em dinheiro possuem um valor calculável
um com o outro. em dinheiro, e, portanto, mesmo quando "in natura", encontram um
A questão acerca de quem tem de indenizar o dano alheio, só equivalente em dinheiro.
pode ser respondida com a resposta, ao mesmo tempo, a duas outras O dano patrimonial não está, portanto, de forma alguma, pelo
questões: nos casos do próprio dano patrimonial, quem deve aceitá-lo fato de sua ocorrência, ligado necessariamente à pessoa cujo
mesmo sem poder exigir indenização de um outro. Quem sofre uma patrimônio foi atingido: é transferível, divisível, através transferência do
redução patrimonial, mas ao mesmo tempo obtém um direito à objeto patrimonial, ou do dinheiro da indenização.

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Mas esta transferibilidade do dano patrimonial não explica o fato foi causada esta transferência. Trata-se aqui de caracterizar o fato do
que o direito faz uso dele realmente em grande q~antidade? e recon- enriquecimento injustificado como fundamento do direito; vale, porém,
hece a obrigatoriedade da indenização, para se refenr tranqmlamente a indicar, quanto a isso, que na verdade o dano causado pela conduta do
ela em vez de ao lesado. enriquecido, atua exatamente para sua realização, através a manutenção
, Se isso não significa ultrapassar os limites de minha investigação, da transferência: toma parte de uma esfera patrimonial de um outro
desejaria agora ousar a dificil tentativa de descobrir, em cone~~o, o como parte da sua própria - indiferente se incide a culpabilidade, ou
motivo por que o Direito, na regulamentação. da. responsabl~ldade não. Nestes casos se realiza a eliminação do dano através a entrega do
obrigatória, acompanha e prescreve: ora, para pnmelra~ente delxar o proveito injustificado; este último não é dano, no sentido jurídico, mas
lesado suportar todo o dano, ora para colocar este na poslção de reper- o indeniza: o dano, portanto fica completamente fora do mundo - desde
cutir o dano sobre um outro, na extensão completa, ou em parte, ou que isso seja realmente possível. Falo aqui de compensação do dano.
dentro de determinados limites (pensa-se, por exemplo, no puro valor 2. Mas como, quando o dano se realizou de outro modo, como
material, em oposição aos juros, na proibição de juros co~po~tos,. em através transferência, por exemplo, através danos materiais, não através
certas cicunstâncias, de juros de mora). Investigação malS mmUClOsa prejuízos fraudulentos com objetivo de lucro? Aqui o legislador tem à
realçaria, seguramente, que esta definição não result~u,. de forma escolha dois que suportam o dano. O que é mais justo, atribuir o dano
alguma, de fórmulas simples, mas, eventualmente, se e:Cl.stlU um caso ao seu causador ou ao que o sofre? Não poderia haver um momento de
fortuito ou uma lesão legal, ou um dano apenas não-prOlbldo, como no dúvida. O que o homem piora, com ou sem culpa, deve melhorar. Se
estado de necessidade, ou um dano em consequência de ato ilícito! ele teve a infelicidade, por exemplo, num momento de perturbação
Para compreensão do direito vigente, como também para mental, de destruir a coisa alheia, é, portanto, autor de dano, lesou
compreensão do grande movimento que se realiza no ~omen~o ~a coisa de outrem, e o lesado é ainda muito menos culpado do que ele. O
área do direito de indenização do dano, considero necessldade mdls- princípio fático é o autor sofrer as consequências do seu ato, não sua
pensável dividir o direito de indenização em espécie, de acord.o coI? vítima. Seria bastante injusto que esta primeiramente devesse suportar a
seus vários efeitos: ele provoca a compensação do dano, ou a mdem- agressão e em seguida o dano.
zaçã,o do dano, ou a participação no dano alheio. A compensação tira Não é possível encontrar-se um fundamento para atribuir-se a ela,
o dano do mundo, a indenização transfere-o do lesado originariamente permanentemente, no processo, o papel de vítima. Certamente não se
para o que paga a indenização, a distribuição do dano provoca pode impor a ela permanentemente, em parte, o sofrimento
realmente o alívio em suportar o dano, através a participação de várias experimentado.
pessoas no mesmo. Portanto, como no primeiro grupo, assim também aqui o
De ínicio, deixo fora de considerações a idéia de divisão de dano, princípio da causação dá a definição quanto à pessoa do que tem de
e então fundamento sempre o reconhecimento do direito de indeni- suportar o dano da via judicial. O autor sofre o dano: este não sai do
zação em favor do lesado na convicção jurídica, para admitir que é mundo, mas sai totalmente do lesado para seu causador. Só quando o
injusto que ele venha a suportar o dano, e, certamente, injusto frente dano é co-causado pela vítima, seria justo dividi-lo entre os dois.
ao obrigado à indenização, como possuidor de um patrimônio, do qual Mas pessoas que não tenham causado o dano, caso não tenham
ele deverá se beneficiar, de modo justo, pelo dano sofrido. assumido, através negócio jurídico, o ônus do dano, não podem ser
1. Evidencia-se imediatamente o primeiro fundamento responsabilizadas, do ponto de vista do direito de indenização.
obrigatório para o reconhecimento de tal direito de indenização: o pa- 3. Mas pode muito bem acontecer, sob o ponto de vista da
trimônio de um, sem permissão legal, enriquece o patrimônio do outro, equidade, que o legislador se mova no sentido da divisão do dano.
em coisas ou valores, sendo totalmente indiferente o modo como Como três homens unidos suportam facilmente um peso que esmagaria

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qualquer um deles isoladamente, assim qualquer dano é, sem dúvida posslvels: a solução correta no caso isolado só pode ser encontrada
alguma, suportado muito mais facilmente por vários do que por um pelo julgador correto.
sozinho. Haveria mais fundamento para isso, talvez, nos grandes danos Mas a quem o Direito atribui definitivamente o ônus do dano,
econômicos: com a divisão, são pouco sentidos. Quanto mais o direito seja o atingido primeiramente, ou o causador do dano, não tem em
se coloca a serviço do bem estar comum, mais deve fazer a força de vista, nunca, em definitivo, torná-lo mais pobre. Mesmo aquele que
suportar o dano ser dividido pelo maior círculo da sociedade, para sofre o dano, que culposamente coloca fogo em sua própria casa ou na
ajudar o indivíduo seriamente atingido. casa de outrem, e agora, em virtude desse fato, obtém talvez o dobro
A realização mais notável dessa idéia, se manifesta no princípio do que seria o valor de sua barraca, ou do que deveria ser pago ao
que todos os membros da sociedade devem contribuir para as insti- proprietário lesado. Assim como aquele que, em virtude de uma aposta,
tuições de previdência, que dão assistência aos membros economica- deixa escapar uma corça apanhada e agora obtém da aposta mais do
mente fracos, suportando, todos os sócios, a carga de apoio aos pobres que o valor da mesma. Muitas vezes para se determinar o direito,
e doentes; o mesmo se verifica no seguro social e na nova Lei de depende apenas de quem tem de tomar sobre si o resultado lesivo da
Acidentes. redução patrimonial que se apresentou, sem que com isso se queira dar
Nestes casos a divisão do dano não é feita apenas entre os uma decisão sobre a situação patrimonial geral do que vai suportar o
prórios participantes do fato, ou seja, entre ocausador do dano e o que dano. A tendência de atuar como tal para o obrigado fica, portanto, tão
sofre o dano: o legislador colocou todos, com a sociedade, no mesmo pouco na indenização obrigatória, como tal, como na obrigação de
nível. indenizar o próprio dano.
Mas esta idéia da divisão do dano pode se colocar, em seus O problema do pagamento da indenização não se esclarece
resultados,. em oposição à idéia fundamental da indenização melhor quando o obrigado à indenização se torna definitivamente mais
obrigatória. Isto ocorre, por exemplo, quando o direito estabelece o pobre com o seu pagamento do que quando ele nada ganha ou ainda
cálculo máximo, insuperável, do dano, ou quando, por qualquer faz um bom negócio com o cumprimento de sua obrigação.
motivo, não atribui ao causador do dano, a indenização total, ou O reconhecimento de uma indenização obrigatória nunca ocorre,
quando às vezes não nega ao proprietário, que de fato, culposamente, portanto, como pena para o autor do dano, mas apenas para atuar em
colocou sua própria casa em chamas, o direito ao seguro, frente à consideração ao lesado, para isentá-lo do dano, total ou parcialmente.
Seguradora, apesar de sua auto-lesão. É uma luta do mais alto inter- A obrigatoriedade de pagar não é o próprio fim, mas meio, para o fim
esse que se desenvolve recentemente entre os dois princípios, na legis- da reparação do dano. Sua coação, a chamada coação para indenizar, é
lação e na ciência. coação para o cumprimento: o lesado deve obter esse cumprimento
Do que foi dito, evidencia-se bastante como a solução dos dois com base em seu direito violado, por exemplo: a coisa dele, retida ilici-
problemas, da indenização do dano e da divisão do dano, não pode ser tamente (coação para cumprimento direto), ou um equivalente em
retirada simplesmente da natureza delituosa do dano. O direito de dinheiro por seu dano, que entra muitas vezes em lugar da prestação
indenização é determinado pela causação da obrigação de indenizar, devida originalmente, e até mesmo pode ser designada como cumpri-
enquanto que relativamente ao direito de divisão, não se pode apresen- mento modificado, (coação para cumprimento indireto). O direito de
tar um fundamento único para a determinação dos participantes: devem indenização é levantado apenas no interesse da "rei persecutio". Mas a
preponderar aqui considerações sobre justiça e possibilidade. Seria característica essencial da rei persecutio está em que seu fundamento
errado acreditar que poderiam ser apresentados legalmente princípios jurídico não é um delito.
completos sobre a justa divisão do dano. A missão do legislador está, Esta finalidade é portanto exatamente tão externa como aquela
ao contrário, na apresentação de princípios jurídicos o mais elásticos que o direito procura alcançar internamente com a pena; lá, trata-se da

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consideração de uma alteração prejudicial, na situação patrimonial de direito, exatamente como a pretensão à indenização na área do direito
um pessoa; aqui, é a própria pessoa que se vê de frente com o culpado patrimonial.
e exige dele satisfação. A • • ,. Por outro lado: se um homem, sem fundamento jurídico, é
Assim a indenização obrigatória é uma consequencIa jundica privado de sua liberdade, se lhe é retirado o estado familiar, se celebrou
uniforme, c~mo a pena; os tipos penais a que se ligam são tão variados um casamento bígamo ou incestuoso, então o direito não se satisfaz, de
como os tipos penais aos quais se segue a pena: mas um bifurca-se de forma alguma, em punir o autor culpável, se existiu um, mas exige do
todos , e este um distingue-se dos tipos penais mais graves, de pena:
. " . autor da situação ilícita contínua, possa este ser culpável ou inculpável,
estes são delitos, aqueles não o são. Mas, aSSim como a consequenCIa que devolva ao preso a liberdade, a criança à sua família, que anule o
jurídica da pena sofre graduação dentro de si mesma, o ~e.smo casamento duplo ou o casamento proibido por laços de parentesco.
acontece com a indenização; a pena encontra seu ponto maX1mo, Sim, a obrigação permanece a mesma, quanto ao conteúdo, até
intransponível, no bem mais valioso do culpado, que é a vida; o mesmo antes que se tenha chegado ao ilícito consumado. Aquele que
máximo da indenização está no tamanho do dano patrimonial do outro, ainda, mesmo sem culpa, colocou a condição para a apresentação de
que também conhece, como a pena, suas causas de diminuição - só que um resultado ilícito, deve destruí-la, para que ela não atue adiante.
aqui elas ficam de modo diferente, do que lá. Esta reparação obrigatória fora do direito patrimonial, ora surge
III. Mas a própria indenização participa, com outras obrigações, como ação autônoma, ora não - são dois lados que se apresentam
da finalidade e essência de melhorar danos reparáveis, e aparece, bastante interessantes: não um único deles tem suas raízes no delito,
portanto, apenas como uma sub-espécie das outras consequências mas todos, na autoria da situação ilícita; não um único toma em consid-
jurídicas da obrigatoriedade de reparação. Dessa sua subordinação ao eração que o autor possa ter agido culpavelmente ou isento de toda
conceito mais alto, evidencia-se de maneira mais clara ainda, sua essên- culpa; que efeito exerce, o cumprimento da obrigação, se em proveito
cia. A obrigatoriedade de reparação, como a obrigatoriedade de ou em prejuízo para o obrigado. Só se pretende melhorar o dano, mas
indenização, pressupõe a existência de uma situação jurídica controver- não se considera se apenas se tira o dano do sujeito de direito e com
tida, que, pela atividade do homem, pode ser tranformada em f~vor da isso se lança o ônus sobre um outro.
situação legal das coisas. No que se refere à situação da Vida, de Fica mais nítida a imagem quanto à essência da indenização
acordo com as imposições da lei, a ordem jurídica deve ter o máximo obrigatória, quando a peculiaridade da natureza do dano patrimonial e
interesse, e. onde pode ser encontrado um fundamento jurídico para da reparação, que resulta na forma obrigatória do pagamento da indeni-
obrigar um determinado sujeito de direito à eliminação da situação zação, se reconhece como modo ocasional e não essencial da reparação
antijurídica, estabelece a obrigatoriedade de reparação. obrigatória. E assim se constroem ao lado uma da outra, com a mesma
Que não há dano isolado que seja eliminado tão completamente origem, compondo a mesma unidade, duas igualmente poderosas
como o dano patrimonial, porque com a indenização pode ser dado consequências jurídicas e ao mesmo tempo consequências do ilícito: a
também aqui um equivalente para a permanência do dano - isto a melhora que cura e a pena cortante.
reparação pode lamentar, mas não pode determinar, nem tampouco
como aspiração oportuna. A pretensão de um Estado contra o vizinho,
***
Ainda se poderia se levado a caminhos errados, ao se examinar a
para devolver o território limítrofe ocupado; do marido ou chefe de diversidade de áreas e as áreas totais onde dominam as duas. Também
família contra o que se nega à restituição de sua mulher ou filho; a eu mesmo tenho, muitas vezes, vagueado por elas. A partir do princípio
pretensão do marido, que quer o regresso da mulher que o abandonou que o ilícito é apenas uma agressão ao direito subjetivo, mas o crime é
- estas são pretensões da área do direito do Estado e do direito da uma agressão à lei como tal, tem-se desconhecido naquela a oposição à
família , mas não da melhoria de uma situação que corresponde ao lei de garantia do direito privado violado, e nesta a agressão ao direito

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subjetivo. A evolução do reconhecimento que tudo que tem sua essên- COMPLEMENTO
cia na antijuridicidade, é ilícito, liga-se à crença que ela é necessária A COAÇÃO JURÍDICA
para a responsabilidade do ilícito culpável, e, portanto, do delito - mas DE ACORDO COM SUA ESSENCIA, ESPÉCIES E LIMITES
a resposta está na pena de morte, que está acima de todas as espécies
de ilícitos, exceto o delito, especialmente sobre o ilícito civil. Esta Um ou outro que se recorde bem deles, verificará que meus
desapareceu - naturalmente não da vida, mas da doutrina. estudos sobre a essência do delito têm me obrigado a investigar so- bre
Que um delito só poderia produzir uma consequência jurídica: a a essência do mandado legal, e, além disso, sobre a essência da con~e­
pena. Numa doutrina tirânica a indenização obrigatória poderia se quência penal, especialmente Slias relações com a indenização
revestir de sua essência e se transformar em pena. obrigatória. Mas essas investigações se relacionam apenas com uma
Sobretudo, o passado mais recente mostra uma forte tendência parte de um problema importante, que poderia designar como o da
monística: um princípio jurídico deveria ser a norma; um ilícito: o coação legal,de acordo com sua essência, suas espécies, seus limites.
delito; uma consequência jurídica: a pena. Sem dúvida é sedutor, e, Surge como um fantasma. Qualquer um de nós olhou-o,
caso tenha êxito, compensará retornar ao preenchimento dos fenôme- impressionou-se com ele e picou-o; qualquer um escreveu sobre ele,
nos num tipo simples. Mas este só seria autêntico se espelhasse todos mas ninguém com tranquilidade, todos precipitadamente, todos
os fenômenos da vida. E exatamente qualquer teoria monística não tem diferentemente. Realmente ainda não perdeu seu feitiço. Pelo menos
possibilidade de atender a essa exigência: por isso coloca a vida de alguma hora a coação deve ficar junto a nós! Não poderia portanto,
lado, no que tenta imaginar. Ao lado da norma move-se, com os esperar me tornar seu Mestre! O que quero apontar dele, são mais
mesmos direitos, a permissão; ao lado do delito, como espécie do caminhos do que fins, mais esboço do que apresentação. Mas quere-
ilícito civil, com os mesmos direitos, o ilícito civil e as demais espécies mos vê-lo , certamente,com . olhar sério e descrevê-lo com renúncia
de ilícito civil, em suas variadas formas; ao lado da pena, as inúmeras solene ao fraseado comum e de fato tão prejudicial ao seu exame. Não
outras consequências jurídicas do direito e do ilícito - sobretudo a queremos apelar para a sociologia nem para a retórica, mas apenas
pena, com os mesmos direitos da mais imponente de todas as outras: a para a jurisprudência.
reparação obrigatória. A vida ama o domínio e a variedade das formas. l. Não tema V.S. que eu venha a entrar na guerra travada há
Então, a ciência não tem de hostilizá-la, mas de se satisfazer com tanto tempo, sobre se o direito é essencialmente coação. Transferimos,
ela. com justiça, às artes plásticas, examinarem se a deusa da justiça lamen-
tavelmente ficou com seus atributos reduzidos demais, se leva à mão a
espada como símbolo da guerra ou como símbolo da paz. Cientifioa-
mente aquela controvérsia tem exatamente tão pouco sentido como a
sobre a obrigatoriedade dos contratos. Quem não quer participar dessa
guerra, pode, entretanto, apenas tomar parte do assunto e obter
alguma coisa com astúcia.
Não o Direito é tutelado através a coação. Sim, tão estranho
isto, antes de mais nada, possa soar, também não a lei isolada e sua
autoridade. Pois a lei existe apenas para criar um elemento de direitos e
deveres subjetivos, e o que deve ser obrigado - com exceção de um
pequeno número de exceções que logo verificaremos - é a realização
de um direito subjetivo, e, portanto, o cumprimento de um dever

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subjetivo. O direito do Estado à prestação do serviço militar, ao lI. A coação jurídica dobra a vontade resistente do homem à
pagamento dos impostos, o direito do credor à tradição da coisa, ao vontade do detentor do direito, desde que sob a da lei, talvez também
recebimento do empréstimo, podem ser realizados coativamente. somente a da sentença. O Direito concede-lhe não apenas SUa
Mas o exercício da coação em nome do direito não é nada mais pretensão, mas também seu poder de domínio, sua força sobre o
do que a realização de um direito subjetivo de coação. Este serve obrigado à obediência. Assim, o direito de coação é necessariamente
sempre ao direito, devendo ajudá-lo a realizar-se. Todo o problema da um direito de cima para baixo, decorre de uma força dominadora: nos
coação jurídica fica compreendido nas relações do direito subjetivo casos em que caiba, é necessariamente um direito público subjetivo.
primário com o direito de coação, secundário. IlI. Os fracos possuem este mais enérgico de todos os direitos,
Mas já aqui é preciso uma retificação de áreas. A coação jurídica para poderem não ficar sozinhos sobre os próprios pés; necessitam
não é a única coação que não ofende a ordem jurídica. Junto à permi- imperiosamente de um direito primário, não coativo, para apoio: são,
tida há também uma não-permitida, mas também uma coação portanto, junto ao direito principal, autênticos direitos acessórios. Sua
não-proibida. Os crimes dos antigos germânicos faziam o agente perder finalidade é conceder aquela energia contra a resistência, para, se for
a paz, ficando sem tutela como os animais na floresta e o pássaro no possível, assegurar a vitória sobre ela. Quer conceder, não tanto a
céu - esta era a lei, na sua experessão mais ampla. Mas como pode proteção contra violação, eventualmente negativa, como a atualidade
haver direito de coação contra o lobo? Vemos, portanto, uma ordem de seu conteúdo de vontade. O direito quer viver, e só poderá viver
jurídica arbitrária, na qual o direito de coação não desaparece com o através a coação. Daí resultam para o conteúdo de duração e energia
crime. A vingança, na perda da paz, é historicamente a única fonte do do direito de coação, fundamentalmente, três faces: de acordo com seu
direito de coação autêntico, que se tornou Direito Penal: mas ela conteúdo, ele se determina através o direito principal, a que serve; de
mesma só é, aliás, substituição arbitrária temível, na falta da coação acordo com sua duração, pela duração da resistência; de acordo com
jurídica. sua energia, portanto na escolha de seu meio, apenas pela medida da
Agora, ligo sua observância ao direito do estado de necessidade. mesma resistência.
Ainda que às vezes não seja reconhecido totalmente o direito do estado IV. Daí, a observação da origem histórica desse direito acessório
de necessidade, que deve ser realizado por meio da coação, a lesão em mostra diferenças importantes e da mais alta significação. Ou são direi-
estado de necessidade não é proibida, mas não é legal: exatamente por tos de coação ou direitos à coação. Ou direito principal e direito de
isso vale a legítima defesa, por outro lado, como perfeitamente lícita. coação ficam na mesma mão. Assim, basicamente, quando um direito
Não menos me parece a legítima defesa contra incapazes, como muito público deve ser executado: o próprio detentor do direito coage, seja
mais frequentemente a contra capazes, realização coativa de um direito pessoalmente, seja através seus órgãos. Ou é negado ao detentor do
à omissão de agressão: ao contrário, como salvação não-proibida, de direito o uso da coação: seu direito acessório consiste, ao contrário,
perigo não desviável de outro modo. em exigir da autoridade o emprego da coação. Assim, atualmente as
Daí, evidencia-se: a violência não-proibida do presente, baseia-se pretensões de direito privado apresentam-se com características de
somente na situação de necessidade. Para se querer retirar esta violên- direito público acessório.
cia não-proibida da teoria da coação jurídica, é cientificamente impor- O processo das execuções dos antigos romanos e dos antigos
tante distinguir dois fundamentos, porque ela não se apresenta como germânicos era dirigido ao arbítrio do detentor do direito. De acordo
único caso de coação antijurídica que não é o exercício próprio de um com a Lei Axthieb, que está em suas origens, só havia necessidade,
direito de coação, nem ajuda à realização de um outro direito subjetivo, para essa execução arbitrária, que a autoridade antes examinasse Slla
que, portanto, de acordo com sua essência, não é secundário. regularidade. Mais tarde as autoridades proibiram a coação individual.

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o Estado que emprega a coação, não o f~z c~mo ,representan~e resistência. Portanto é de evidente interesse prático tomar a coação
do credor no exercício do direito de coação: pOiS nao ha credor. POiS para suportar como uma terceira espécie da coação.
pertence a este, sob determinados pressupostos, ~ma pretensão cont,!a Assim, não pode haver coação:
o emprego de coação pelo Estado, e só pela validade dessa pretensao 1. naqueles direitos em que as relações jurídicas entre o detentor
forma-se, no caso concreto, o poder coativo estatal. O Estad? que e o obrigado coincidem na mesma pessoa. Ninguém pode coagir a si
coage cumpre, portanto, um dever jurídico frente ao credo:. ~o ,q,:e, mesmo. Muito frequentemente isso acontece com o Estado. Ele tanto é
como a coação deve servir para a execução de u~a pretensao jU~ldlCa detentor do direito à execução penal como obrigado: mas não pode ser
renunciável, o direito de coação do Estado age aqUi, no seu conte~d~ e forçado ao cumprimento do seu dever penal.
extensão, dependendo do poder de disposição do detentor d? ~lr.eIt~ 2. da mesma forma, todos os direitos dos súditos contra a autori-
principal. O credor não executa - deixa executar. O ex~c,:tor JudIcIal ~ dade, uma vez que não podem coagir o Estado, nem seus órgãos resis-
seu indispensável auxiliar na coação; mas só serve ao dIreito do credo;. tentes, nem o juiz ou fisco resistente, nem forçar um Estado ou
por isso o pagamento ao executor judicial vale como pagamento as Estado-membro da Federação, que age contrariamente ao dever ao
cumprimento do dever. O alemão tem o direito de exigir prot~ção
partes. , . d' .
A coação como direito acessório é, portanto o propno ,lr~lto ~ diplomática do Império alemão, no exterior: se o Império a nega, que
coagir, ou direito para deixar coagir através o Esta~o. Este ~1t1.m0 e súdito poderia coagir o poder estatal? E que parte poderia proceder
historicamente o posterior: o Estado tomou nas maos o arbItno do coativamente contra um Estado que lhe nega Justiça? Esta impotência
poder de coação. Imaginemos uma justiç~ ~o.rmal que, com. p~deres do Estado de baixo para cima, é limitada significativamente pela
originários, se negue a aceitar o papel ~lv~dIdo e .fa?a o dIr~ItO de abertura, especialmente, da via do direito administrativo: esta nunca é
coação retornar às mãos do detentor do dIre1~O~ O. dIreito da Falda, da suprimida totalmente. Quando o "monopolista da coa- ção" nega a
Idade Médica é a prova mais notável desta eXIgenCla. coação, quem deve exercê-la? A oportuna observação de Jhering: "em
V. Quando a área do direito e a área da coação corres~ond,e~ qualquer ponto da máquina coativa estatal deve acabar o coagido e
uma à outra - como se apresenta centenas de vezes - ent.ao. so e restar somente a coação", se complementa pelas palavras verdadeiras
possível que aquele direito principal seja. capaz de ter ~~ dIreito ~e de Rümelin: "fica na natureza do poder mais alto não poder mesmo ser
coação junto a si, caso, por outro lado seja capaz de a~xIhar a coaçao também, por sua vez, coagido".
do detentor do direito , de todos modos, para a execuçao. . Um
. alcança 3. Todos os direitos materiais como tais: a soberania territorial,
exatamente tão pouco quanto o outro. Examinemos pnmeIramente o não menos do que a propriedade privada, o usufruto, não menos do
direito principal que não sofre junto a si a coação. .. , que o direito de garantia. Só quando uma pessoa se intromete pertur-
O direito ao uso da coação - pelo menos quo ad exercItmm - so badoramente entre o detentor do direito e sua coisa, pode-se apresen-
pode pertencer a homens contra homens. Não o animal, não a natureza tar uma competência de direito material, capaz de realização sob
morta mas só o homem tem de se submeter coativamente à vontade do coação. Não o direito de propriedade - apenas a pretensão do propri-
Direit~. Uma coação contra o Estado, contra pessoas jurídicas, só pode etário contra o possuidor da tradição, contra o perturbador da posse, é
atingir diretamente o soberano, a população, os dirigentes. capaz da coação para eliminação da perturbação. Não há, portanto, na
Agora, toda coação é a violência a um ~on:e~ p~r~ p:oc~der de verdade, uma ação material pura, isto é, não há tal ação que só faça
acordo com a vontade de um outro. A coação jUndlCa e vlOlencIa para, valer o direito material!
por ação ou omissão, satisfazer o direito, subjeti:,o de outro .. N!o há 4. Finalmente, todos aqueles direitos de crédito, no mais amplo
uma coação específica para suportar: e coaçao para omlssao de sentido, que pairam entre a vida e a morte, que aí estão mas não
deviam viver, que vegetam mas têm falta de energia, que aguardam

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inertes o momento em que se apresenta para eles uma espécie de coativamente: pois sua vontade foi ignorada totalmente e não poderia
eficácia, às vezes apenas muito simples. Pode-se designá-la n~tu:al! ter ch~gado à realização por ato próprio.
Pensamos nos direitos de crédito sem ação, mas também nos dlreitos E característica, por outro lado, a coação fisica direta - a
penais sem ação, de crimes cometidos no exterior para o.s quais ainda chamada vis absoluta - na qual a vontade do coagido só chega à reali-
falta a jurisdição nacional, nos crimes dependentes de quelxa, enq~anto zação porque o mesmo é impedido de exercer sua vontade de resistên-
a queixa não foi apresentada ou após o decurso do prazo decadencial. cia ou de realizar uma vontade de curso paralelo.
VI. Mas há também direitos principais, em grande número, que Daí resulta que:
exigem a realização da coação, mas a ~oação é deix~da de la?o. O a. a coação fisica é o único meio de solucionar com exatidão o
meio é tão impotente quanto o que eXlge sua magmfica .fi~ahdade. problema ,da coação. Pois aqui se executa a vontade realmente pura e
Todas as vontades resistentes deveriam se dobrar sob o Dlreito, mas infalível. E a coação mais consumada.
isto não é possível. Não raramente, mas em milha:es de c~sos, .a coação b. Exatamente porque na coação fisica só atua a vontade do que
produz a falência, e, sem dúvida, por dois motlvos mUlto ~lf~rentes, coage, não há coação fisica para fazer, mas somente para omis-são e
dos quais o primeiro, prático, o segundo Guridicamente maiS mteres- suportar. O coator faz com que o coagido não possa realizar sua
sante), teórico, desempenha o maior papel. Ou, sobretudo, ne.ga. o vontade. Dos dois grandes objetivos da coação, para provocar uma
exercício de um direito de coação existente, ou é impossível um dlreito ação ou uma omissão, de fato a primeira não é para obter, por coação
de coação. , . , fisica, uma ação, mas a segunda não o é exclusivamente. Em outras
1. Vale distinguir o direito de coação, do seu exerClClO. Aquele e palavras: a coação para fazer é sempre indireta; deve se dirigir à
inútil sem este. E ainda mostra a experiência como o direito de coação vontade daquele para quem vale a coação, e procura dar a este o
pode mesmo ser apresentado no papel de direito natural,e seu exercício sentido da vontade coatora.
se torna juridicamente ou faticamente impossível. O devedor sem É essencialmente coação psicológica, para falar com Jhering,
dinheiro e sem bens penhoráveis pode aguardar, tranquilo e rindo, o vencer a resistência da vontade de outrem para impor a sua.
executor judicial. O credor que obteve uma sentença favorável no Em compensação ao enfraquecimento da vontade, deve entrar,
estrangeiro, mas não executável no País, não tem nenhuma execução. em acréscimo, a vontade do que ameaça, e assim a ameaça que só atua
O criminoso político vive com segurança no asilo inglês. O condenado através a coação psicológica deve fazer ceder a vontade fraca ante a
à morte pode morrer mais adiante, impune. O criminoso que, após o vontade do que ameaça. É, portanto, tentativa de coação, o que bs
processo instaurado, ficou louco. E o pequeno Estado que ten: ~m criminalistas designam tentativa consumada: a tentativa aguarda sua
tratado violado por uma grande potência, tem, seguramente, um dlrelto consumação pela vontade do coagido. Seu único veículo é constituído
de coação: mas não declarará guerra - que é o modo de exercê-lo. pelo medo ante o mal. Mas o mal pode ser duplo: ou se é ameaçado
2. Mas como muito outros direitos não podem também exercer a com uma perda de direitos ou se incorre numa coação fisica: condução
coação, isto se evidencia a partir de uma mais exata investigação dos debaixo de vara para o que não atende à intimação, pena para o delin-
limites de eficácia da coação. quente. Então a coação fisica atira antes sua sombra. Não intimida a
O comportamento de um homem só é determinado diretamente ameaça, mas só o medo ante a sua execução. Não de acordo com a
através uma das duas forças: pela vontade própria ou pela força de seriedade e temibilidade da ameaça, mas de acordo com a medida de
outrem. No primeiro caso, só quando a força do homem não é natural, certeza em sua execução, determina-se, portanto, sua força coativa ..
oferece, aqui, interesse. Não é característico dela que se dobre a Exatamente por isso é a "norma" que intimida, não o mandado
vontade do coagido, isto é, que se vença a resistência do mesmo. Se legal por meio do qual ela atua, porque ela se dirige ao livre reconheci-
alguém cometeu um crime para ir para a prisão, então foi preso mento da autoridade legal, porque ela funda o direito de obediência

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primário, não o direito de coação, secundário, e, daí, o puro mandado contraditória, por sua natureza. Então sua lei apresenta-se como uma
legal fica fora da área da coação jurídica. A menos quando fique oculta "lex imperfecta" e justifica uma área de deveres em princípio isenta de
uma ameaça no mandado - pensa-se, por exempl~, n? ~andado dos coação. Assim, o dever de nosso Imperador alemão para a elaboração
chefes militares - ele não exerce qualquer coação pSIcologIca. e publicação das leis do Império alemão, que ele não realiza como
Em comparação com a coação fisica, a psicol?gica tem preferên- Monarca, assim os diversos deveres do Parlamento e das Assembléias
cia e causa maiores prejuízos. O que decorre dIstO: que ela pode estaduais, assim se baseia o dever nas proibições da Dieta, constantes
também coagir a uma conduta, que, como por exemplo n~ ameaça da Constituição do Império, para os Deputados do Império e, de fato,
penal da Lei, pode atuar ao mesmo ~empo sobre um grande cIrculo, e, muitos outros.
antes de mais nada, às vezes não eXige o emprego de nenhuma. força. Essa renúncia voluntária ao direito de coação ensina àquele que
Coação sem força é a mais econômica e ao m~smo temp? a maIS b.ela quer aprender, que tal renúncia não pode ser considerada, de forma
de todas as coações. Apenas fica exatamente msso, tambe~~ o motIvo alguma, como suicidio, tendo em vista que a f'l-se da coação não pode
de sua fraqueza. Pois seu resultado é sempre problematIco, e, na ser considerada como uma característica essencial do direito subjetivo.
mesma medida duvidoso quando a vontade do ameaçado se prepara Este reconhecimento se fortalece pela observação que uma grande
para enfrentar' a ameaç;, quando, por ~utr? ~ado, ? intelecto não parte do direito realmente formado é constituída de direitos puros e
compreende o significado da coação pSIcologIca. SIm, como ~ode não somente do reverso de direitos subjetivos. Pode, mas não deve
faltar à coação fisica a capacidade para impor uma conduta, aSSIm a haver coação. Assim, sem dúvida adquiriu méritos através o eminente
coação jurídica psicológica não é acessível a um cí:culo compl:to ~e Thomasius, que definiu a fase da coação como o critério decisivo do
pessoas: aos menores em geral, aos loucos, aos fascmoras que nao sao princípio jurídico frente ao princípio moral, e certamente ninguém hoje
intimidáveis. E em geral, nem sempre se pode encontrar um represen- pode apresentar mais esse ponto de vista, caso tenha pensado na coisa
tante legal para sofrer coação. . em detalhes. Quando um dos mais importantes juristas vivos, recente-
Assim evidenciam-se claramente os dois limites da força coatIva mente, torna a definir o direito como "a essência das normas de coação
legal, para a' qual vige uma coação fisica e uma coação l~gal. P: cO,a~ão vigentes num Estado", então não se pode dizer que ele foi muito feliz
fisica não pode obrigar nenhum homem a fazer, a coaça~ pSIcologIC~ na expressão, e cada vez mais posso considerar errada sua idéia. Onde
pode obter de um grande número de homens o fazer e o .nao-fazer. Ate a coação pode acabar, resulta de sua natureza; mas que o direito deve
mesmo pode o direito renunciar à realização da ~o~ção. dIreta. , acabar onde a coação acaba, isto é a maior inversão possível do
Mas às vezes liga-se a esta coação necessana, amda, uma renun- verdadeiro conteúdo das coisas. Pois o direito pode se apresentar
cia voluntária. E esta, também, se apresenta sob duas formas. Em também apenas sobre a livre vontade, e deve-se admitir que corre-
primeiro lugar como isenção total o~ parcial ,d~ uma determinada sponde a ela, em sua maior parte. Não somente direitos subjetivos
pessoa realmente à coação, ou a determmada especIe. da mesma. Pens~­ isolados, em grande número, mas grupos completos, baseados na lei, e
mos , com isso, nos monarcas, nos regentes, nos Isentos da . coaçao
. no entanto expressos de maneira totalmente incorreta pela lei, carecem
judicial extraterritorial, nos parlamentares federais e est~dUa1S,_Isentos do aparato da coação.
de responsabilidade em delitos relativos às suas mamfestaço.es. De VII. Mas, quase com mais peso do que o reconhecimento da
acordo com o direito atual do Império alemão, até mesmo Jurados insuficiência da coação é a visão do antagonismo existente entre o
estão isentos de pena quando violam dolosamente o direito. Mas então direito principal e o direito acessório. Sempre terrível - mesmo nas
como recusa da coação, porque parece indigno da finalidade a q~e coisas mais justas - é a violência. A natureza do meio se opõe ao
deve servir. O legislador exige prestação que lhe parece tão essencIal objetivo: sente-se a necessidade de utilizá-lo como um mal, e o meio se
como atuação da livre vontade, que qualquer coação pode parecer

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vinga; assim como leva para os seus trilhos o direit~ pr~ncipal, co!ge obtém a dívida, mas em vez dela, apenas seu valor em dinheiro, apenas
para afastar-se de sua natureza e para transformar em J~stl?a a coaçao. "indenização". Como muitas vezes essa indenização não é nenhuma
Este antagonismo entre meio e objetivo é a maiS nca fonte das indenização, sabemos todos. É bem conhecido de todos como, em
chamadas transformações jurídicas. princípio, essa profunda transformação na execução se dá sobre o solo
Em certo sentido é necessário, em todos os casos, o emprego da do direito material - especialmente, também, no Direito Romano - e,
coação. Assim em todos os direitos primários, tanto quanto consista~ em suas raízes, toma em consideração a capacidade do executado. O
em fazer ou deixar de fazer; e só os que estão de acordo com ~s m~ls direito primário simplesmente se adapta, através essa adaptação da
recentes investigações da ciência antediluviana, esperam sua s~tIsfaçao coação.
através a livre vontade. Do funcionário, espera o Estado a fidehdade ao Mas essa transformação pressupõe que a prestação primária, ou,
dever o exercício legal do poder estatal; o Direito confia na boa mais corretamente, sua omissão, comporta uma liquidação em dinheiro
vont~de dos cônjuges quando regula as relações matrimoniais: o v~nde­ e que o detentor do direito se satisfará com ela. E quando esse pressu-
dor deve tradicionar as mercadorias voluntariamente, o comerCiante posto não é exato? O direito serpenteia formalmente para tornar
deve lançar seus livros em ordem não somente com medo das penas da possível o impossível: mas em vão. É oferecido, no máximo, um
falência. medíocre sucedâneo - às vezes nada.
Desde que seja correto que qualquer prestação é coagida por~ue Sigo o Código de Processo Civil. Se a conduta exigida pode ser
falta a ela a fase da voluntariedade, é apenas um sucedâneo grosseIro realizada por um terceiro, então o Juiz do processo pode possibilitar ao
que se tem de exigir o direito. Neste se.ntido pode-se defen~er o credor deixar que ela seja prestada por terceiro que queira presentear o
paradoxo: a coação é meio absolutamente mapto para a execuçao do devedor com o pagamento.
direito. Se a conduta é personalíssima, mas depende da vontade do
O conflito entre o ideal do direito, a moralidade vulgar e o devedor, como, por exemplo, a produção de uma obra de arte, então, a
egoismo, que prende os homens, lev~-o.s, aqui, a e~pre~sões concisas. requerimento do credor, o devedor pode, às vezes, ser forçado à
Mas nas mãos da coação o dIreito em reahzaçao transforma-se conduta, através coação psicológica - às vezes através pena de multa
ainda totalmente de outro modo . alta demais e insuportável para ele, eventualmente a prisão. Se a
. Se uma pretensão jurídica se realiza por coação direta, e~tã? isto coação falha e o devedor, por exemplo, não presta a declaração
ocorre através a chamada coação para cumprimento. Se o dIreIto se juramentada de insolvência, então o credor vê falhar o seu direito. No
apresenta como uma obrigação de fazer, entã~ .a co~ção de <:,um- máximo pode consolá-lo a pretensão ao interesse.
primento obtém seu maior triunfo quando a matena, cUJa p~est~çao ~ Se o seu direito consiste na contração de um matrimônio, então
detentor de direitos exige do obrigado - a coisa, a soma em dmheIro - e não é possível a coação fisica nem psicológica, nem um sucedâneo, e o
apreendida e entregue ao detentor do direito . O dever de entrega se condenado não casa quando não quer.
transforma no de sofrer a apreensão da COisa: mas o detentor do Por último, a necessidade leva a lei à ficção. Se o devedor é
direito, sem dúvida alguma, só por outra via poderia obter o resultado condenado a oferecer uma declaração de vontade (cessão, recibo,
do que lhe era devido. Já muito mais profunda se apr~s~nta a.transfor- consentimento), então a declaração é tida como dada, tão logo a
mação do direito a uma prestação determin~da: no dIreito a. mteresse, sentença judicial transite em julgado. O legislador abre mão da decla-
por causa de omissão na prestação. A pe~u~lana ~o?d,e~natlO tem um ração porque ele sabe que de fato não pode coagir fisicamente para
conteúdo totalmente diferente do do dIreito ongmano, quando se obtê-la, e, psicologicamente, só com grande dificuldade.
refere à entrega da coisa adquirida, à produção de um quadro a óleo, à Se a conduta a ser exigida é personalíssima, mas não depende
composição do livro prometido pelo editor, ao ensino. O credor não exclusivamente da vontade do devedor, então, de acordo com o

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Código de Processo Civil alemão, o devedor simplesmente não pode totalmente na área da coação psicológica. Todos estão de acordo
ser forçado à sua execução. Assim fica a sentença para o aceite de uma quanto a isso - que quem coage um outro, por pancadas, à entrega de
cambial com relação a um condenado que não sabe escrever, a de seu dinheiro, não coage através força fisica, mas através ameaça. Que
prestação de contas comerciais para um comerciante qu~ pro~a que o direito de coação se impõe sempre, mesmo, através coação; que a
não possui a documentação obrigatória porque não pOSSUI os hvros e coação jurídica, em todos os casos de seus múltiplos empregos, não
se os possui, estão sem lançamentos - tudo isso torna a sentença inexe- pode ser cumprida apenas com a supremacia da vontade da lei sobre a
cutável pelo Estado. A livre vontade, ainda que injusta, triunfa sobre a do coagido, mas submete-o sempre a ela durante a permanência da
coação, que não tem força para se impor. coação - isto não torna o exercício de qualquer direito, ainda, em
O mais notável exemplo de transformação do direito fica por coação para cumprimento.
enquanto sem ser mencionado! Há autêntica coação de cumprimento quando o executor judicial
VIII. Tentei finalmente mostrar quanto a coação é auxiliar apreende a coisa devida pelo devedor e a penhora, quando a legítima
insatisfatória do direito, como ela às vezes só incide sobre a metade, ou defesa do agredido faz com que pare a agressão, quando a força
mais corretamente, alcança somente a metade do que lhe foi deter- armada dispersa a multidão sublevada na subversão à lei, quando o
minado. A análise foi feita com intenção unilateral. Assim o exige a Estado agarra coativamente para aplicação do seu mandado de prisão,
complementação. O que presta a coação? De que modo se ajusta aos quando determina que o réu não se ausente da jurisdição processual e
fins? Como compreende seus próprios fins? Que espécies de direitos de não deixe de atender as intimações.
coação há, respectivamente, e em que relações ficam um com o outro? A condução coativa da testemunha renitente, a prisão do
1. Sobretudo o acima mencionado vale para determinar mais devedor que se nega ao juramento da declaração de insolvência; a
exatamente a coação para cumprimento. Nela está à disposição apenas prisão cautelar do que representa ameaça de cometer crimes - admitida
o direito subjetivo, que ora admite uma realização da coação de forma pela Carolina, e que hoje infelizmente se transformou na prisão preven-
inalterada, ora de forma modificada. O direito de coação para tiva para os que já se mostraram perigosos, cometendo crime; a coação
pagamento tem agora a missão de ajudar a execução direta do seu para prestação de todas as espécies de caução - tudo isso não são
direito principal, através sua auto-realização. Dito, por exemplo, de medidas da coação para cumprimento.
maneira incisiva: a execução da conduta coativa coincide, no tempo, 2. Elas se tornam de fato, nitidamente, finalidade e essência da
com a criação da situação exigida pelo direito principal. segunda espécie da coação jurídica. Não se executará, por seu
No mesmo momento fica claro: coação de pagamento é coação intermédio, o direito principal, contra o sujeito do direito de coação,
fisica. A ameaça cria apenas uma troca para o futuro: o fim da ameaça pessoalmente, mas, através a ameaça de um mal, o direito principal se
é, naturalmente, o início de sua eficácia: sim, ela é somente tentativa de torna flexível para que seja atendida sua obrigatoriedade.
coação. Daí resultam, até então, pelo menos duas espécies de direitos Este não tem sua formação através a ameaça, mas a ameaça
de coação. pressupõe sua existência, como, por exemplo, a lei penal pressupõe a
Mas com isso não se pode agora inverter o princípio já dito e norma. Mas posteriormente com a ameaça surge para o ameaçado,
fixado acima: qualquer coação fisica é coação para cumprimento. A com a desobediência, o direito condicionado à concretização da
partir de dois fundamentos, não pode haver tal inversão. Há coação ameaça.
fisica aí e exatamente por isso, porque a lei duvida na execução, sob Aquela ameaça e este direito, muitas vezes só servem para o
coação, do direito principal:assim a coação da pena. Mas há também fortalecimento de uma obrigação de cumprimento, já existente sem ela,
coação fisica que não quer ser como um ameaça fortalecida por ou, mais corretamente, para o fortalecimento da tendência para o
conduta exequível, que exatamente por isso sua finalidade cai cumprimento. A chamada coação psicológica é tentativa para

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assegurar o cumprimento pelo obrigado: sua finalidade não é atuar protegê-los permanentemente. Apenas, isto não é permitido: então só
diretamente para o cumprimento, mas apenas garantir a coação: é resta possível aplicar-lhe a pena do § 223 do Código Penal alemão,
coação de garantia. quando já ficou estabelecido desde o início que ele, além disso, após o
Aqui entramos agora em distinção do maior interesse no campo cumprimento da pena, seria expulso da antiga sociedade.
da visão. b. O mal ameaçado pode, novamente, ter diversos significados.
a. O mal que se tem em vista tanto para o realmente ameaçado Ou é apresentado através palavras ameaçadoras, em vista de uma
na citação como para o que despreza a citação, pode .ser de fat? o ameaça real. Para se intensificar a coação psicológica, ela é renovada,
emprego da coação de cumprimento. Sim, não é audacIOsa demaIs a mas ainda mantém a possibilidade de um resultado feliz.A ameaça legal
afirmação que ela deverá ter pelo menos este conteúdo, press~pondo da condução forçada da testemunha renitente e de levar à prisão o
que é possível a coação para cumprimento. Mas exatamente na Imp~s­ devedor obrigado, que se omite em prestar sua declaração de insolvên-
sibilidade da mesma se baseia o emprego muito mais numeroso e mUlto cia sob juramento, encontra novamente na coação psicológica seu fim
mais importante, da coação psicológica. necessário quando alcança seu objetivo, ou seja, quando a testemunha
Os direitos principais poderosos que zombam da coação de depõe e o devedor prestou seu juramento.
cumprimento, tanto são direitos a prestações isoladas como direitos a c. Mas é também possível que o mal ameaçado não possa ser
uma conduta permanente. uma segunda ameaça, que a coação psicológica, não tendo alcançado
O funcionário público que dedica sua vida ao Estado ou à seu objetivo nem na primeira nem na segunda investida, duvide de si
comunidade, deve permanecer digno, dentro e fora do cargo do mesma, porque vê sua inexequibilidade ou porque sente forte demais o
Estado, para que seja digno de representá-lo; deve conduzir suas desprezo à ameaça, para se satisfazer com uma ameaça mais recente.
funções regularmente, legalmente, de acordo com as normas. Como Aqui há o conflito entre a vontade da lei e a do obrigado, para
seria possível, pela coação, torná-lo máquina desprovida de vontade imposição da autoridade da primeira: a vontade antijurídica escarnece
que caminhasse sobre os trilhos da dignidade, da lei, dos deveres do da coação fisica, escarnece da coação psicológica, seu destinatário ri
cargo, com a mesma velocidade? E as inúmeras normas que e~ inúme- de suas obrigações. E é verdade que o direito fica impotente frente a
ros delitos negam a todos os súditos da lei a mesma medIda, que essa contrariedade ao dever, como tal: não pode rompê-la, não pode
onipotência poderia executá-las coativamente? eliminá-la; insolente e indestrutível, fita-o face a face.
A orgulhosa alta posição da coação começa aí, onde acaba a Aí apela para seus meios de ajuda mais poderosos: a transfor-
coação de cumprimento, onde, em primeiro lugar, a coação psicológica mação do direito impraticável em direito praticável, e não é tão
é seu substituto forçado. irrazoável dizer que não responde ilimitadamente pela ineficácia da
Como a ameaça aqui deve ameaçar de um outro mal diferente do coação psicológica. Exige um equivalente paréj. a omissão no cumpri-
da coação para cumprimento, então, na concretização da ameaça o mento do dever, e na verdade um do qual não seja possivel escapar
Direito ganha uma autonomia fatal ao lado do direito principal. A novamente para contrariar o dever, por exemplo, uma ação, uma
ameaça pode se realizar, mas não o direito principal. O direito de retratação, uma desculpa, ou um sentimento, ou uma mudança de
coação se afasta do objetivo de cumprimento e seu conteúdo, portanto, sentimentos, mas uma tal que seja acessível à coação fisica: um sof)"i-
do conteúdo do direito principal. O direito à concretização da ameaça mento, uma aflição ao delinquente, e, sem dúvida uma tal que equivale
contém sua extensão e sua energia, não de acordo com o direito princi- à represália do Direito para expiação do delinquente: o sofrimento, sob
pal, não de acordo com a energia da resistência, mas de acordo com o a soberania do Direito, no corpo do delinquente. O direito à obediên-
conteúdo da ameaça. Pensamos num brigão habitual. Além de tudo, cia, que é irrealizável através a coação, transforma-se, no interesse da
seria melhor deixar os companheiros do bruto em estrita segurança e capacidade de execução, num direito à pena por causa da

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desobediência, e este direito é levado à execução através a coação necessariamente com a apresentação do mesmo. A chamada pena
para confirmar o direito, que também é designada como coação de policial tem sua natureza oscilando muitas vezes entre a pena de
represália, coação para satisfação e coação penal. coação e a pena legal.
A teoria do genial Anselmo Feuerbach, que a disposição da pena b. É à pena disciplinar que se poderia atribuir mais exatamen-te,
só ocorreria para assegurar a eficácia da ameaça penal, apenas foi como pequena pena de coação e pequena pena legal, o conceito de
conceitualmente errada. Ela confundiu o efeito reflexo com a pena. A pena administrativa, em seu rico emprego incomum no Estado, nas
realização da ação ameaçada tem sempre, como qualquer ação do comunidades, na família, na igreja, na advocacia, nas sociedades
processo, uma finalidade própria racional:ou ela é ~ma nova ameaça, comerciais - emprego do poder de fiscalização a serviço da coação de
ou é pena, e de fato a última não é ameaça e~ potencial. . ,. garantia, não a fim de coagir para uma prestação concreta, mas para
3. A ameaça com a pena tem seu sentIdo como a maiS energIca um comportamento universal de acordo com as normas. Chama à
espécie de coação psicológica: mas o próprio Direito Penal e a punição ordem o funcionário, o filho da casa, o aluno, o preso, o advoga-do, o
não pertencem mais à área da coação de segurança. A coação da pena investidor da Bolsa, a propósito de uma determinada inconveniência. A
iguala-se à coação para indenizar nisso: ambas produzem um advertência, a repreensão, a pena de multa, querem prevenir: sobre-
sucedâneo da prestação original; distinguem-se fundamentalmente, tudo a repetição dessa inconveniência, principalmente junto à indisci-
contudo, que a indenização vale juridicamente como cumprimento, e a plina e à indignidade. Mesmo a demissão do funcio-nário não tem
pena como satisfação pelo não-cumprimento. outra finalidade se não a garantia do cumprimento do dever funcional.
4. Em outras finalidades da coação, e, portanto, em outras Ela torna-o impossível de cometer outras inconveni-ências no cargo e
espécies do direito de coação, não se pode pensar; toda coação é de atua como coação psicológica e atua no interesse da preservação da
três espécies: é coação de cumprimento, coação de garantia, e coa- ção pureza na condução dos cargos públicos, frente aos seus colegas de
de confirmação ou coação de satisfação. Coação de cumprimento e função. Uma autêntica pena administrativa, neste sentido, é também,
coação penal são, essencialmente, coações fisicas, já a coação de em princípio, a denúncia do Ministro, que faz com que seja imposta a
garantia é coação psicológica. Apenas para justificar o princípio nulla demissão do Ministro. Ela não é pena disciplinar pois atua exatamente
poena sil1e lege, ainda vigente em geral, a coação penal já não está frente ao Ministro que é chefe do que faz a denúncia, que tem sobre o
baseada no delito, mas através deste, em conexão com a ameaça penal mesmo o poder disciplinar, e, portanto, nega a disciplina. Ela é um
preexistente. A coação penal é, nisso, subsidiária necessária da coaçã? sucedâneo para a aqui impossível pena disciplinar, igualando-se no
de garantia. Consequentemente só haveria esta, quando o conhecI- objetivo.
mento da lei penal por parte do de1inquente, portanto o desprezo da c. A pena legal não é coação para prestação concreta nem para
coação psicológica, se tornasse pressuposto da punição; quando vale conduta de acordo com as normas: a intimidação do punido e seus
exatamente o contrário. camaradas, através a ameaça penal, é um efeito colateral pretendido
A visão das diversas finalidades e espécies de coação possibilita pela pena; seu efeito principal é a solução do conflito entre a vontade
traçar em poucas linhas o que mesmo a legislação muitas vezes descon- da lei e a rebeldia do súdito, que sofre a pena, na prisão, em favor da
hece, e, numa má terminologia, confunde as relações das três chamadas prevalência da lei.
penas, uma com a outra. Em nenhum outro caso é realmente objetivo da coação esta
a. A chamada coação penal é o emprego da coação de garantia, sujeição da vontade ao poder do direito, mas é sempre apenas meio
com o fim de coagir para uma prestação concreta: por exemplo, uma para cumprimento, para garantia do direito principal. O objetivo fica
testemunha, uma notificação. Ela não tem o delito, essencialmente, do outro lado, portanto fora do meio. O objetivo da pena é, sem
como pressuposto; dura, em princípio, até o resultado, e acaba dúvida, também, tomar satisfação pela violação do direito à obediência.

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Mas esta satisfação consiste no sofrimento da coação penal pelo conde- mais o Estado concentra o direito público em suas mãos, mais o direito
nado: portanto no efeito direto da coação sobre o coagido. Portanto o de coação se concentra na coação fiscal, mais sensível.
objetivo da pena fica compreendido na atualidade e duração da coação Mas quem poderia esquecer o grande papel que desempenhou os
penal: é alcançado, incondicionalmente, com o fim da pena. O Direito poderes judicial, penal, policial e disciplinar da sociedade, da Igreja e
ficou vitorioso, o criminoso se curvou perante ele. A pena quer agarrar das igrejas na História jurídica alemã, e quem poderia esquecer que
o condenado exatamente para essa finalidade e não neste ou naquele esse papel só foi reduzido, mas não eliminado? Precisaria relembrar
sentido; mas ela dobra sua personalidade completa sob o jugo, não apenas os poderes policiais locais. Como se pode, realmente, pensar
raramente com tanta força, que quebra seu pescoço. numa corporação de direito público sem poder coativo próprio?
IX. Mas, apesar de tudo, como a coação não é bem vinda ao Mas, também, além desse, não há nenhum poder coativo
Direito, isto se evidencia, finalmente, no empenho em acabar com a derivado. O pai, o empregador, o comandante de navio, não têm seu
coação. poder disciplinar do Estado e portanto não concentram em suas mãos
Só aí, onde o desdobramento do poder coativo é imediata e o direito à obediência e o direito penal de castigo.
incondicionalmente necessário à defesa do Direito, pode o que se Lamentavelmente, sobretudo, é, finalmente, o hoje habitual
ameaça ou se executa chegar às vezes, no máximo, à violação jurídica abandono do uso das próprias forças, ao qual se atribui de fato uma
ocorrida, e, ipso facto, à formação do direito de coação. Seja lá até natureza absolutamente hostil ao direito. Nada mais incorreto do que
onde se vá, tem-se que aguardar um julgamento a respeito, se ocorreu isto! O uso das próprias forças é inteiramente indispensável à proteção
a violação jurídica e se existem os pressupostos da coação jurídica. A do direito, e qualquer um de nós é, por assim dizer, defensor inato do
coação penal é, quase sem exceção, coação para execução de sentença; direito e da coação jurídica. Nosso direito ao uso das próprias forças,
a coação civil o é na grande maioria dos casos; e a coação disciplinar, não o obtivemos do Estado; é muito mais antigo do que o Estado -
nos casos mais importantes. Não dá para pensar aqui na execução este apenas o reconhece. Mesmo os Estados mais fortamente consti-
provisória nem na sentença civil transitada em julgado. Não é para se tuídos não podem, por exemplo, dispensar a legítima defesa, que é
esquecer, também, como muitos direitos se perdem na busca desta essencialmente, direito à coação. Mas, sem dúvida: o aparato mais
coação: o deslise das partes ou a sentença errada levam-no à morte, em poderoso de forças coativas é o possuído pelo Estado. Ele tem à sua
vez de à eficácia vital. disposição não somente as forças de seus inúmeros funcionários, que
X. Finalmente, se se tem em vista o possuidor do poder de ora voluntariamente, ora de acordo com o dever, são apoiados pelos
coação e as forças que o concretizam, então fica-se verdadeiramente cidadãos: mas organizou também o exército, um órgão de poder
surpreendido ao se constatar como o Estado se tornou para a ciência específico, que nos bons tempos era seu povo em armas, e nada é mais
jurídica, cada vez mais, o Leviatã devorado r de tudo. errado do que fal
Como o produtor da única fonte do Direito é também o único ar no caráter legal da coação do exército.
possuidor da coação, quem não exerce a coação em seu nome e por Quem sonha com a paz eterna através a extensão necessana
atribuição sua, torna-se culpado de uma intervenção antijurídica no dessa coação, sonha! Os homens, a realidade, o conhecimento das
monopólio coativo do Estado. Mas esta afirmação usual apoia-se em necessidades jurídicas, sabem que a ordem jurídica que fosse simples-
dois erros: uma parte dos fenômenos é deixada de lado e uma outra é mente a coação para impor a paz, seria para impor a luta. A guerra é
interpretada erradamente. apenas o lado internacional dessa luta, mantida tão eternamente quanto
Aquele direito acessório fica, naturalmente, nas mãos do detentor o egoismo e o erro humanos. Quando viria a época de se forjar a foice
do direito principal, e, portanto, também o direito de coação. Quanto com a espada?

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Vamos resumir! A nobreza do direito se envergonha da coação, VOLUl\-IE DOIS
que não tem nobreza nenhuma, mas necessita demasiadamente de sua INTRODUÇÃO À SEGUNDA EDIÇÃO
ajuda. O direito procura, portanto, a coação, que lhe empresta um
elemento de força frente as forças que resistem a ele; enobrece-a, Nosso próprio trabalho pode se tornar em estorvo para nós
porém, quando a toma a seu serviço, regula o modo e a forma de seu como já experimentei no segundo volume das Normas. Desde a últim~
exercício, e em pagamento por seus serviços, como fazem os grandes década move-me o desejo imperioso de apresentar a elaboração de
Senhores, glorifica suas fraquezas. Mas, tiramos a coação da coroa dos erro e, ~ulpa. ~ambém acreditei po?er encontrar, ainda, o tempo
chefes vencedores e não a exibimos, como fantasma jurídico pairando necessano para ISSO e para as reuniões obrigatórias em Leipzig, junto
ao largo, não a considerando como patrimônio de todos, tendo sempre, aos meus trabalhos profissionais.
em todos os tempos, respostas prontas, na ponta da lingua: que os Mas, nesse meio tempo foi impressa a primeira edição deste
orgulhosos paladinos do Rei venceram aquela resistência que se volume (e~ição de 1877), e a literatura, de modo quase inquietante,
opunha a ele. Embora o tenham feito como criados, e ainda a força lançou-se Impetuosa na teoria da culpabilidade. E sempre menos
empregada tivesse a natureza de autêntica força servil, o Senhor, entre- aceitável justificar o terceiro volume no segundo, que temporalmente
tanto, não pode viver sem ela e constitui motivo do maior orgulho sua precede a todo este movimento. Assim, a transformação do mesmo
dedicação e seu empenho a serviço do Senhor, ultrapassando mesmo o torna-se inevitável. Isto exige uma intensidade de trabalho e um
que prometeu e o que se podia esperar; que, no entanto, se ufana e período de trabalho ininterrupto, como não poderia me ser concedido
promete mais do que pode alcançar, que não presta pouco, mas pode em Leipzig, com sua sempre crescente carga de negócios profissionais.
se esforçar nas profundezas da vida jurídica, sem se tornar completa- . Assim, aquilo que certamente foi iniciado nos últimos anos em
mente seu Senhor e permanece banida dela - como incapaz e indigna de Leipzig deveria ser sempre aperfeiçoado e só aqui pôde ser levado ao
se aproximar do cume onde reina o supremo ideal dos direitos e fim.
obrigações sem coação. Mas, como na outra vez apresentamos um trabalho que levou
quase quatorze anos, já não existe mais aquele jovem autor que
naquela época saltava, audaz, por cima de todos os obstáculos.
Tornou-se seu próprio crítico, reconheceu claramente as lacunas as
~e~ilidades, os pontos duvidosos de sua exposição e o resultado p~de
facIlmente ser que sua segunda edição seja um livro totalmente novo
distanciado completamente daquelas concepções básicas. '
Neste sentido, um novo livro não se tornou minha reedição. Ele
se relaciona com a primeira edição de modo muito diferente do que a
segunda edição do primeiro volume com a primeira forma do mesmo.
Naquela época tive motivos para a apresentação correta de grandes
concepções fundamentais, especialmente a da uniformidade do ilícito.
Não vi necessidade de mudar as concepções básicas do segundo
volume, e, na essência, mesmo nenhuma. Estão todas, em geral, fundi-
das, de acordo com as minhas atuais convicções científicas.
Mas havia necessidade de uma revista. ora num sentido ainda
melhor, que indiscutivelmente se justifica, ~ra no sentido de maior

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clareza e compreensão, ora no sentido de complementação, do preen- Mas a vingança não deixa de vir. A culpabilidade tornou-se um
chimento de lacunas. demônio para os deterministas, e quase obrigou cada um deles a travar
Comparece-se, quanto a isso, a segunda a edição com a p~imeira, luta com esse demônio - e cada um deles foi batido ao chão. Trata-se
e pode ser mais apropriado ainda ser designado como um novo hvro. sempre apenas do modo como mascarar isso para si mesmo e para o
Esta primeira encadernação do segundo volume, com seus 39 mundo. Pois a força maior da coação mata toda culpabilidade, e urna
parágrafos, corresponde aos 19 paráwafos do 'p~~meiro v?lume: Uma teoria niilista da culpabilidade é a mais violenta aberração que pode
mais cuidadosa fundamentação de mmhas opmlOes era lmpenosa e caber à ciência jurídica.
inteiramente necessária, especialmente frente à recente literatura. Como gostaria de poder levar com o meu trabalho a um grande e
Abstração feita dos grandes acréscimos a parágrafos isolados e sadio movimento, quão agradecido ficaria a seus defensores por tudo
novas inclusões são completamente novos os §§ 60, 63, 65, 66, 71, que me foi exigido e onde coloquei meus esforços para ir além de
72, 73, 74, 76, 77, 78, 81, 85, 89, 91, 93, 94 - portanto, 17 parágrafos. minhas forças. Em vez disso, sou forçado a uma polêmica contra
Não me é fácil manifestar, mas em grande parte, meu trabalho concepções que são absolutamente hostis ao Direito, que pelo menos
era insatisfatório numa grande extensão, sobretudo nas partes em ~ue a agridem, em grande estilo, seus defensores, como bem o fêz Ferri,
exposição não continha minhas próprias opiniõe~. Quando lancei ~I? símbolo do conjunto.
olhar retrospectivo sobre a colossal e volumosa hteratura da culpablli- Mas esta admissão voluntária de concepções completamente
dade e me perguntei: onde se mostra o grande progresso? - então pude hostis ao Direito é apenas um resultado isolado de uma tendência geral
reconhecer, envergonhado, que não somente estava em falta dela, por amplamente difundida no círculo das teorias jurídicas humanas.
completo, que, por exemplo, urna grande parte do trabalho se mostrava Como tantos juristas se tornaram juristas porque não puderam
omissa quanto ao chamado problema do d~lo ~ventual, mas que _ a resolver o que outros poderiam fazê-lo, assim também falta a muitos a
teoria da culpabilidade nunca se encontrou tao aerea, numa confusao crença no valor das concepções a cujo serviço se colocaram somente
tão lamentável e indizível, como atualmente. com meia vontade. Do tesouro e valor das idéias originariamente
E a explicação para o triste "facit"? ... sadias que há séculos resultaram em princípios jurídicos, após se
Também seu motivo não é simples. A devastação pnnclpal fO! tornarem enriquecidos e esclarecidos definitivamente, desapareceram, e
provo~ada pelo choque da onda das conce~ções determi?istas, que de sua indispensabilidade para a ordem jurídica restou muito pouco, ou
desabou sobre a literatura jurídica, e, de manelra toda espeCial, sobre a de fato nada restou.
literatura criminalística - de maneira não totalmente feliz, mas em não E agora, deixando de apreciar os trabalhos de sua própria
pequena parte, é de origem brutalmente materi~lista;. al,cançou ciência, aos quais não retoma urna segunda vez, deixa de lado o que já
multidões além das fronteiras da Alemanha e varreu o hxo clentlfico da é de sua propriedade, e supostamente tenta criar o direito através
literatura estrangeira. empréstimos ao trabalho intelectual de outras áreas. Aí, em primeiro
Mas, para nenhuma área de nossa vida espiritual as concepções lugar, sem dúvida são sacrificadas as concepções das ciências do
básicas deterministas constituem corpo estranho tão absolutamente espírito às das ciências naturais, ainda que as criações do homem
inaceitável como a do Direito. Se elas têm êxito em caminhar sobre seu tenham tido mais êxito e se apresentado mais ricas até então nas
solo , então o Direito e sua ciência começam a murchar como as ciências do espírito. As concepções jurídicas são definidas errada~ente
árvores roídas por baixo pelo cupim. corno concepções filosóficas, psicológicas, éticas, econômicas, políti-
E têm conseguido êxito - sem dúvida não na lei, mas nas obras cas, sociológicas, da medicina, e coisas antigas são anunciadas, com a
dos seus chamados intérpretes fiéis! maior simplicidade, corno se fossem urna grande novidade, fruto da
evolução interminável da ciência jurídica, ainda que nada possa resultar

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dali , se não erro e confusão, e, ao final, a mesma grande desilusão de Em época diticil, concluí o volume. Como escrevi antes, sofría-
sempre. _ mos o canhoneio de Belfort, a partir do combate de Lisaine, através as
Mas em nenhuma área do Direito este contra-senso expoe sua escotilhas do Vogesen, sobre nós, em Freiburg.
falta de substância na mesma medida como na do Direito Penal! Agora, onde, em vida, desejava concluir aqui meu trabalho em
Passo um olhar retrospectivo sobre um longo período de paz, cerca-me novamente a maquinária de guerra em mobilização, e os
trabalho científico e fico orgulhoso em ver, em qualquer época, ser do canhões se preparam de novo para sua música temível e fatal.
homem o Direito e a Justiça. É duro para mim, portanto, dever confes- Como agradeço aos queridos amigos que naquela época da mais
sar que lamentavelmente venho perdendo este orgulho, como resultado esplendorosa ressurreição política alemã tinham sempre os ouvidos
de minhas observações da vida jurídica. atentos para todas as idéias científicas, sacudindo minha jovem cabeça,
Assim neste meu trabalho, quase a cada passo devo empreender e, mais do que qualquer outro, me ajudaram a trazer pureza e clareza
esta luta, a ~ais inatural possível - a de escrever, como jurista, o direito na confusão de idéias.
científico deste livro jurídico! Assim, deixo a obra retornar a seus padrinhos e dedico-lhes este
Só o escrevi como tal. Aguardarei tranquilamente a censura de volume, nesta época em que se anuncia nova guerra, com os melhores
antolhos ante minhas vistas, de desprezo às demais ciências. Mas todas agradecimentos: eles, que felizmente tiveram a vida poupada e me
as ciências têm o mesmo valor, como pesquisadoras da verdade, e honraram com a amizade, foram os meus mais queridos amigos:
devem ter, por conseguinte, a mesma humildade e o mesmo o!gulho. A sempre fiéis e verdadeiros, compreensivos e previdentes, espíritos
falta do orgulho próprio significa sempre a falta de atençao a~te o elevados e de sentimentos profundos - amizade eterna!
todo, que só pode prosperar quando se subme:e às grandes lel~ .da
divisão do trabalho. Assim, estou orgulhoso da mmha e da sua matena! Freiburg, 6 de agosto de 1914
Para minha surpresa, a literatura tem me ensinado como
raramente as "normas" são lidas e compreendidas como um todo. E,
portanto, pensadas como tal! Arrancar e sacudir certas idéias, é um
trabalho a que habitualmente a gente tem que se entregar e se submeter
a ele. .
Na segunda metade do segundo volume foi analisada, amda,
além da teoria do dolo antijurídico, a do erro.
Uma grande sorte propiciou que dois queridos amigos. e alunos
meus, pudessem me prestar valiosa ajuda neste :olume: os d01~ ~ro~es­
sores de Direito Penal da Universidade de Frelburg: meu maIS mt1mo
conselheiro, Professor Rohland, que já na primeira edição adquiriu,
merecidamente, oportunos registros, e o Professor N agler, que desde a
época do meu Tratado da Parte Especial ficou confiantemente ao meu
lado.
Na verdade sua ajuda estendeu-se não apenas à correção dos
impressos; chegou também, muito bem, ao conteúdo do livro. Meus
melhores agradecimentos a eles!

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LIVRO DOIS É também inconcebível para qualquer observador e conhecedor
AS AÇÕES AJUSTADAS AO DEVER E CONTRÁRIAS AO dos homens, que a espécie humana poderia viver em paz sem a ordem
DEVER jurídica.
§ 60. I. A psicologia esotérica do Direito Assim, há verdades jurídicas oficiais que são eternas, quer dizer,
verdades que devem ser reconhecidas por qualquer ordem jurídica
I. Pequena no número, mas grande em capacidade, porque com enquanto ela mesma existir. Elas não se surpreendem com as
suas raízes mergulhadas profundamente na experiência, que é o melhor agressões, nem tampouco são por elas atingidas, ignoram os teóricos
de todos os fundamentos, está a idéia que todos os direitos se baseiam, que as desprezam e seguem, a passos· firmes, ao largo deles. Mas, o
na mesma medida, na atividade dos próprios homens compreendidos que surpreende é que de repente o vencido se levanta e faz soar os
por eles, e em sua capacidade de se adaptar a uma vida em comum clarins da vitória!
ordenada autoritariamente. II. As concepções fundamentais da "Psicologia das Leis" que
Por isso, o que pode realizar o homem que age, assim como o interessam aqui, são as seguintes:
que deve ser exigido dele, não pode ser cogitado teoricamente por 1. Todas as leis se dirigem aos poderes psíquicos dos homens - o
nenhum legislador do mundo, mas, com base na observação prática dos que se prova pelo fato que só estes estão em condições de determinar
homens e do seu comportamento, com base, portanto, na experiência, o comportamento prático dos seus portadores, e, portanto, de derrubar
tem servido para a combinação mais extraordinária de direitos e a ponte existente entre estes e a vontade da lei.
deveres, e para dar aos homens o que eles utilizam com bom senso, ao 2. A tentativa de influenciar os homens para levá-los a condutas
se exigir deles muitas vezes - pelo menos intencionalmente - mais do legais está muito longe de atuar coativamente. Toda lei sabe que tanto
que evidentemente poderiam realizar. pode ser respeitada como infringida pela sociedade jurídica. Mesmo
A psicologia esotérica, que está contida em qualquer ordem nos casos em que há o respeito, o Direito não vê nunca a autodetermi-
jurídica, tem se enriquecido e aperfeiçoado, no curso da História, por nação do indivíduo como eliminada pela lei. O sucesso da influência
séculos e séculos, mas, milagrosamente, nunca, e de nenhum modo, foi psiquica nunca pode por conseguinte ser reconhecido nem considerado
alterada em suas linhas fundamentais. Certamente ela mesma vence como causa de conduta, nem de conduta influenciada.
suas próprias dúvidas. Tem se mantido firme como um rochedo, 3. A mente do homem é a única fonte de todas as suas ações.
através o decorrer dos tempos, na História de todos os povos, Com a negação desse princípio, todo direito perde a razão de sua
banhando-se tranquilamente nas tempestuosas transformações da existência. A capacidade da mente para atuar sobre o corpo, e através
ciência, mas nunca devorada por elas, nem tampouco se deixando dele sobre o mundo exterior, é axioma para qualquer Direito. Graças a
sacudir por elas. Deus! Sim, esta causalidade foi a primeira realmente compreendida
Assim, o passado mostra e proclama a sua indestrutibilidade, e pelos homens e permaneceu compreensível e incontestável até os dias
oferece, ao mesmo tempo, um testemunho do futuro. atuais. Todas as dúvidas quanto a esta função causal da mente humana
Pois na realidade não se pode pensar numa ordem jurídica, nem sobre o corpo, na formação da vontade - derivadas da teoria da lei da
sequer numa mínima parte de uma tal - em Direito do Estado, nem em causalidade mecânica e das leis da conservação de energia - podem ser
Direito Penal, nem em Direito privado, nem tampouco num Direito rejeitadas completamente diante dos resultados de nossa experiência
processual - sem que se possa inserir antes aquela concepção básica diária. A realidade tem sempre vitória sobre a suposta impossibilidade
dos direitos do homem que age. teórica.
A pretensão do legislador, por exemplo, de aproveitar na prática
a teoria do paralelismo fisico-psíquico, é negada pelo fato que, nenhum

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homem mesmo com a melhor boa vontade, e mesmo só de algum de vontade e atos de fato, mas até o momento um deles não foi consid-
modo, ~oderia fazer uma clara idéia; que, por este motivo, a teoria é erado satisfatoriamente: o erro. A psicologia jurídica do erro ainda se
legislativamente impraticável, mas que não se poderia desviar também encontra muito longe do fim de sua completa evolução.
de suas consequências práticas enquanto a idéia do efeito do fisico 6. Mas esta capacidade de querer só é valor positivo para o
sobre o psíquico constitui o pressuposto inevitável do efeito das leis Direito como capacidade para condutas relevantes juridicamente, como
sobre a conduta humana - e qualquer um - filósofo ou homem do capacida para ações no sentido jurídico. E isto está muito longe de
mundo - a reconhece, na prática, em toda sua vida. corresponder a todos homens na mesma medida. Enérgica e decisiva-
4. Já por isso, porque a lei só quer atuar sob o aspecto do futuro, mente distinguem-se, nessa capacidadé, os chamados ~apazes de agir
e porque só espera resultados da mente da sociedade jurídica, deve ou responsáveis, cujas ações são carimbadas, no sentido da Lei, por
reconhecer a potência exclusivamente causal para todas as condutas suas personalidades, e são portanto responsáveis por elas, dos
humanas, e portanto negar que possa ser admitidà para esta, qualquer incapazes de agir, como inaptos para isso.
causa fora da mente do que age. Qualquer lei que queira se apresentar Nenhum Direito e nenhuma parte do direito poderia e pode,
para o futuro sem o concurso daquela previsão, .rejeita, portanto, ~e tanto agora como no futuro, renunciar a essa distinção. Evidentemente
fato, em princípio e definitivamente, aquela admIssão da predetermI- o início dos limites não é facilmente distinguível e estão traçados a
nação humana. grosso modo. Mas nunca deixaram de existir de todo. Se a linha mais
5. Aparentemente a mente humana só poderia interessar ao tarde se desloca e se afina, apesar disso torna-se ao mesmo tempo
direito normativo em sua capacidade para transformar fenômenos em sempre mais clara e reconhecível para os olhos !l1ais apurados.
realidade prática. A mente, compreendida nesta atividade de criar reali- 7. Para a capacidade de obedecer a norma e de violação da
dade, é designada de vontade. Relativamente à ação cometida, ela norma - deixando de lado, aqui, a de realização de negócios jurídicos _
constitui a fonte real precedente ou a fonte psiquica provável ou é decisivo para a concepção do direito, se um homem é capaz de poder
possível. O direito considerou sempre como querido o objetivo compreender o mandado obrigatório e de quem provém o comando.
imaginado pela vontade. De acordo com a vontade do Direito, este motivo deve ganhar, no
Tudo o que a mente vive, até mesmo em imagens e sentimentos, caso isolado, de todas as outras motivações da conduta, e se considera
só vem em consideração para as ações reguladas pelo Direito como capaz o raciocínio e o caráter amadurecidos suficientemente para
conteúdo e como causa de determinação ou como grau da força do ato criarem nela o esforço psíquico necessário à vitória.
de vontade isolado. Seu modo de vida psíquica é completamente Quem, portanto, ainda não compreendeu o dever nem sua
voluntário. natureza categórica, ou, devido a deficiência nos sentidos ou nas idéias
Para todos os homens, a mente é apenas capacidade de vontade é, no caso isolado, impotente para corresponder aos seus comandos, é
em potencial, o ato psíquico é ato de vontade dela ou ato prepa~atório. reconhecido como incapaz de delinquir.
Eliminar a vontade da vida psíquica significa querer deixar o lII. Por aqui devem bastar estes princípios fundamentais da
Direito sem vida. O que são seus princípios senão a vontade comum? O psicologia esotérica do direito. Maiores e mais minuciosos complemen-
que são as milhões de ações, senão testemunhos da vontade? Portanto, tos serão apresentados na sequência.
qualquer tentativa de eliminar a vontade do mundo do Direito só atua Compreende-se que a ciência não é obrigada a fazer disso, por
tragicômicamente na ciência jurídica, ou pelo menos deveria ser assim. assim dizer, verdades oficiais. Ela tem tanto o direito como o dever de
Com as crescentes exigências de obrigações legais mais exatas, provar a verdade de seu conteúdo.
houve uma evolução do fenômeno psíquico em suas relações com atos Só não se deve esquecer, quanto a isso, que se trata de princípios
retirados da experiência da vida, para a vida, que se provam na vida da

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humanidade através os séculos como praticamente indispensáveis e que 2. Talvez seja-me permitido, em conexão com esta apresentação,
portanto têm do seu lado a humanidade em ação e não somente teorias. advertir ainda para um outro conceito substitutivo, que tenho obser-
"Onde as conclusões da ciência são incompatíveis com a vado em todas as áreas do direito - não somente no Direito Penal - e
experiência prática da vida", exprime Wundt, "tem-se que admitir. que que, aliás, é, da mesma forma, funesto: é a confusão de "realidade" _
todos os fundamentos - exceto este mesmo - estão num cammho compreendida como tudo perceptível sensivelmente - com a "realidade
errado". no sentido jurídico". Esta última é sempre, principalmente, imper-
"Talvez - diz Rümelin - quando se aplica principalmente a ceptível. Ninguém tem um direito, ou uma obrigação, ou um sujeito de
psicologia, que só opera com conceitos ou emprega o processo das direito percebido fisicamente, enquanto o mundo jurídico se constrói
ciências naturais diretamente em toda a área desigual dos fenômenos dessas realidades. Pelas referências de sujeito de direito visível, os
psíquicos para alcançar princípios fundamentais tão pouco seguros: ~ão homens quererão me punir por causa das fraudes do sujeito. Mas que o
há caminho mais infrutífero, quando se procura obter em suas anahses homem é sujeito de direitos e de que direitos ele é sujeito, ninguém
pedra de toque e ponto de referência para os gran~es. e inalteráveis pode ver nele; e que o sujeito da condominio e da pessoa jurídica são
fatos da vida social. .. Não se poderia desprezar o Dlrelto a ponto de imperceptíveis - isto tudo só prova sua realidade jurídica.
interpretá-lo como José interpretava os sonhos do Faraó, para esclare- Como qualquer obrigação, qualquer violação de obrigação é
cer seu inconsciente". retirada da percepção sensorial, e assim as realidades e ocorrências do
IV. Compreende-se que o jurista, como intérprete da Lei, tenha mundo do direito - e, portanto, também a omissão contrária ao dever.
que se fixar em princípios da psicologia judicial, mas não trocá-los por Com frequência interminável, são deixadas de lado, ou negadas, reali-
princípios da psicologia teórica. Mas sua sobriedade tem que se esten- dades jurídicas, que, por exemplo, desaparecem em "ficções", porque
der ainda mais longe. não corresponderiam aos conceitos correntes de realidade! Isto prova
1. A linguagem jurídica se utiliza de uma série completa de desig- somente para ela, não contra ela.
nações para situações psiquicas e fenômenos, que são empregadas, da Os efeitos dessa realidade jurídica caem, sem dúvida, não em
mesma maneira, pela psicologia. Mas, mesmo para essas situações, tem pequena parte, mas somente em parte, na área da realidade perceptível
de fixar seu significado estritamente jurídico, ainda que ocorram, por sensorialmente.
exemplo, para interpretar a terminologia psicológica ou de fato para
corrigi-la. Assim, neste contexto, se emprega recentemente a expressão § 61. lI. A capacidade de autodeterminação (liperdade) como
consciência muitas vezes para o conjunto dos fenômenos psiquicos - pressuposto indispensável à capacidade de ação
não analisemos se feliz ou infelizmente. Mas, no sentido jurídico, um no sentido jurídico
ato humano consciente é apenas um tal, do qual o homem esteja
consciente no momento da ação, que" se encontre no ponto de vista da I. Quem considera como fato originário de todas as ordens jurídi-
consciência" - e só, desde que o que age esteja consciente, no momento cas do mundo os homens em ação, curva-se ante a liberdade humana e
da ação, de sua peculiaridade legal. se refere ao mesmo tempo à vontade livre como a que se determina
Junto à consciência pode entrar o erro com relação à mesma sem razão suficiente, à qual pertence, nisso, a movida por erro
conduta, que exclui a consciência do ato. O Direito tem, antes de mais vencível. O que ocorre, ocorreu por razão suficiente, de acordo com a
nada, seu próprio conceito de consciência, que emprega obrigatoria- lei. Se se compreende por "necessidade", de acordo com Schopen-
mente, e que não se pode confundir como da psicologia. hauer, nada mais do que isto, então se poderia também dizer inconfun-
divelmente, o que ocorreria necessariamente. Mas se tão fácil é a
necessidade, que a um "facit" se segue, sem exceção, uma ocorrência,

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poderia se apresentar, sob essa expressão,. um outro sentido .para a As cO'nsequências desse rompimentO' nunca ninguém apresentO'u
coação. Isto causaria uma troca de conceItos, mas provocana .uma de maneira tãO' simples e clara como encontrei no capítulo de Hume
grande confusão. E assim seria melhor evitar a expressão na teona da sO'bre liberdade e necessidade, em sua "Pesquisa relativa aO' entendi-
ação. mento humanO''': "A única verdadeira matéria do ódiO', diz o cético
Mas foi preciso a razão suficiente. Se o livre arbítrio ficasse escO'cês, tem sua essência em pessoas dotadas de cO'mpreensão e
como motivo independente entre a idéia do fato, o nada ?u. f~.zer cO'nsciência, e quando esses sentimentos, de qualquer maneira desper-
diferente então não se chegaria à decisão. Frente a essas tres Idems, tam cO'ndutas criminosas O'U violadO'ras, entãO' isso só ocorre através
poder-se~ia comportar indiferentemente; nada de~eria p_uxar para um.a e sua combinaçãO' cO'm uma peSSOá ou 'em relação com ela. Mas essas
afastar da outra; pois o que puxa ou afasta atuana entao como motl~o cO'ndutas são, por sua natureza, passageiras e provisórias: tãO' logo não
e eliminaria a liberdade no sentido da imotivação. O livre arbítno provenham, pO'r um mO'tivo qualquer, do caráter O'U cO'mpreensãO' da
deveria então ficar sempre suspenso entre essas três idéias. A liberda~e pessoa que age, entãO' o bem dela não pO'de ser hO'nrosO', nem O' mal
humana coincidiria então com a eterna indecisão, e, em consequêncla dela pode ser desO'nrO'sO'. As condutas pO'dem ser mesmo dignas de
da mesma com a inatividade humana. "O quadro natural de uma censura e contrariar todas as regras da religião e da moral, mas o
vontade li;re é o de uma balança vazia; tampouco como o movimento hO'mem não é responsável pO'r elas; e como nãO' resultam permanentes
dela mesma, a livre vontade pode, por si mesma, produzir uma ação, nem persistentes nele, e de tal maneira que ele não pode entregar-se a
porque de fato do nada só se produz o ~ada". _ . ela, então é impossível tornar-se, por sua causa, objeto de uma pena ou
Mas se poderia essa vontade livre, apesar de nao ser cond.l- ódiO'. De acO'rdO' cO'm o princípio que nega a necessidade e consequen-
cíonada por motivos, chegar porém a decisões e atos, então havena temente a causa, um homem após a comissão do crime mais horrível
somente uma força que poderia impeli-la para os braçO's de uma O'U está tão purO' e sem mácula cO'mo no momentO' de seu nascimentO'. Seu
outra idéia: é o equivalente da necessidade, O' simplesmente indepen- caráter nãO' participou, de mO'do algum, de sua conduta; pois ela não
dente de nenhum motivo, o acasO' absoluto. Para a área das ocO'rrên- proveio dele, e a maldade de uma não pode nunca servir de prova para
cias, pO'rtanto, seriam absolutamente idênticos a l~berda~e absoluta e o a perversidade de O'utra".
puro acaso, e pO'rtanto o indeterminismO' negana, mUltO' cO'ntra sua n. Da essência dO' hO'mem isolado brota a fonte de seus atO's.
intenção, através O' livre arbítrio, a liberdade dO' hOI?em. Liberdade nãO' é nada mais do que capacidade de auto-determinação, e,
PO'is esta sua vontade livre é incapaz de agIr de acO'rdO' com O'S portanto seu cO'nceito é um conceitO' cO'mpletamente positivo. Mas
motivos morais ou imO'rais. Em resposta viria O' acasO' cO'mO' a última cO'loca em perigO' essa verdade quem considera qualquer cO'nduta cO'mo
fonte dO's atO's. Todos O'S seus atO's seriam, pO'r acasO', igualmente bons "produtO' necessário do caráter e do motivo apresentadO'''. Por cO'nse-
e maus, igualmente racionais e irracionais, e, pO'r cO'nseguinte, seriam guinte, parece cO'mo se O' motivo, com uma determinada medida das
inteiramente indiferentes o ato legal e O' delitO', O' crime e a pena, a próprias forças, tivesse rompidO' os obstáculO's que O' impediam, e
execuçãO' da pena e o perdão. Mas, desaparecendo a ~istinçãO' entre o trilhado O' caminho para O' crime. Nossas expressões ajudam a dar essa
bom e o mau elimina-se também toda ordem moral, aSSIm cO'mo, cO'm a idéia. Elas persO'nificam as emO'ções e saltam então sobre O'S hO'mens. A
intrO'duçãO' dO' acaso comO' fonte de atos entre O' agente e suas cO'ndu-
cO'mpaixãO' mO've-o, O' ódiO' dO'mina-o. Se, cO'm essas idéias, tO'rna-se
tas elimina-se tO'da responsabilidade dO's homens. Assim cO'mO' com o austerO', entãO' desaparece em seguida a fonte de força dO' movimentO',
ro~pimentO' da relação entre o ato e seu IO'cal de origem, pelo indeter- que encO'ntra sua cO'nclusãO' no resultado da conduta que provém do
minismo, romperia a essência do homem, retO'rnandO' O' fato como mO'vimentO' dO' homem, e age O' motivo, não O' hO'mem.
acaso da liberdade, mas não de seu autO'r. Mas O' motivO', que, sO'zinho, dá supO'rte à liberdade, nãO' é o
dominadO'r dO' hO'mem, mas apenas a causa de definiçãO' de suas

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resoluções isoladas. Isto é também reconhecido p.elo Direito. ~or nossas mais próprias forças psíquicas. É nossa obra, e, novamente, só
nenhum outro motivo se declara inimputável o cnme sob a maior nós somos responsáveis por ela, e, sem dúvida, não juridicamente, mas
emoção, do que pelo fato que o homem, dominado pelo impulso de moralmente - ainda que nem sempre na mesma medida. Pois atributos
uma força irresistível, cai sobre a vítima. . herdados podem fazer criar ou proporcionar o bem, mais num e menos
Exatamente ao mesmo resultado insustentável levana a no outro!
concepção que o motivo, em consequência de .s~a i~filtração no Esta construção do psiquismo dura tanto quanto nossa vida e
caráter, produziu com este, mas sem qualquer partlClpaçao d~ste, p~r nunca o homem de amanhã é exatamente o mesmo que foi hoje. A
seu lado a combinação que produziu o crime. A força do motIvo fana ação que supostamente é determinada 'pelo nosso caráter, constitui ao
tombar 'então, sem resistência, o caráter, no mesmo instante que a mesmo tempo uma pedra para essa reconstrução. E essas pedras que
vítima. 'Certamente se tornaria então uma das condições do resultado, e constroem o caráter, apresentam no mesmo homem - e não apenas nos
portanto não se prescindiria dele, sem que aquele deixasse de aparecer: diversos momentos de sua evolução - as mais diferentes colorações,
só o que surgisse do movimento ficaria além dele; em vez de ser a porque certamente não consistem sempre do mesmo material.
própria fonte do movimento, seria impelido para fora dele. Mas não qualquer conduta, indiferentemente, caracteriza o
1. Mas não somente aos motivos - sobre o qual voltaremos logo homem, isto é, distingue-o como ele era no momento de sua execução.
a falar - como também ao caráter, esta idéia atribui o papel errado, Possivelmente, sim, provavelmente, corresponderia ao sentido médio
como frequentemente, na teoria da responsabilidade. Parece como algo da conduta, até então, talvez o máximo consciente, mas é possivel
fixo, definido inatamente aos homens. Tudo isto está errado! também que essa consciência tenha se debilitado, ora por fraqueza, ora
Caráter é, antes de mais nada, o quadro que tàzemos de um por ser menor em nós, ora por erro, ora pela alteração do máximo
homem com base na observação de suas idéias, de seus sentimentos, consciente, que tanto pode ser um sinal da grandeza espiritual, como
mas, especialmente, de suas condutas. As linhas .do quadro. serão no Príncipe Henrique, da Inglaterra, como em Hans Schwarzenberg,
tiradas de acordo com a média das concepções do pmtor, ou seja, por quanto um sinal de miséria oculta até então, ora, finalmente por motivo
aquilo que sua vida psíquica acredita ter percebido,. para ap~esentar um da realização consciente de uma exceção da máxima fixada.
sucedâneo, ou o máximo que, de acordo com suas lmpressoes e com o Também o caráter toma parte da conduta. A ação não é reali-
seu e~tendimento, estaria na base daquelas condutas. Este quadro, zada, por assim dizer, mecanicamente, de maneira pronta e acabada: o
preferimos concluir: é uma nec.essidade est~t~ca. e ~si~ológica. A caráter atua e marca-a como um carimbo, tanto na preparação como na
conclusão dá facilmente ao percebido um acessono lmpropno. execução.
Considerado como peculiaridade do próprio homem, seu caráter Quando, por conseguinte, falo de caráter, é para se compreender
é a construção de sua vida espiritual. Determinados atributos pOdeI? quanto a isso o homem na fase de sua construção psíquica na qual se
ter sido herdados, mas sua formação e seu emprego são tanto maiS inclina, ou já se inclinou ou de fato quis atos mais recentes.
espontâneos quanto amadurecem com o homem. Neste processo de 2. Mas, o que leva o homem a se tornar ativo? forças eternas ou
formação há apenas uma força atuante: é a do próprio homem. Seu internas? Quais são as causas de sua determinação, seus "motivos"?
caráter é verdadeiramente algo absolutamente diferente de um simples Os antecedentes da resolução se realizam normalmente em duas
coeficiente de suas disposições e dos estímulos do mundo exterior. fases, que podem se concentrar numa e podem, também, se ampliarem
Torna-se individual porque alcança-o por si mesmo, arbitrariamente ou numa terceira: no surgimento do primeiro estímulo à conduta e na
sem-arbítrio; não nos é concedido, mas muitas vezes, por um lado, é formação dos motivos para a resolução e para a ação. O primeiro
utilizado por herança, e por outro lado oferecido de fora - e, tanto num incentivo à ação já pode, porém, desenvolver logo o motivo.
como no outro caso criado, de material todo informe, por aplicação de

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o que estimula em primeiro lugar a uma aç~o é sempre uT? :enti- sentimentos é o resultado de um processo de exame, no qual três
mento. Pode às vezes já existir em nós de há mUlto, como a afhçao da fatores desempenham um papel: a idéia de uma ação ou omissão, nosso
pobreza nos pobres, mas pode também se desatar lentamente ~través eu, e a idéia das relações dos dois, um com o outro. Esses dois senti-
qualquer de nossas percepções externas. ~ ou. rI1:esmo at~aves um mentos devem agora ser pesados um em relação ao outro, e aquele que
fenômeno puramente interno de nossa conSClenCla. E um sentimento de de acordo com nossa idéia corresponde na maior parte ao nosso ser,
deSGosto que se torna em estímulo à ação através a idéia - a fonte de prevalece sobre a força -que quer levar à outra ação, e sobre as outras
nos~o desgosto pode talvez atuar por influência de algo do mundo idéias, e se torna agora, para nós, motivo para aquela ação cuja idéia
exterior. nos satisfaz mais, interiormente. '
Nada seria mais errado do que a crença que es~e estímulo à ação Se a ação que realizamos está realmente ajustada conosco, isto
se apresentaria como sedutor, de fora, dos ho~ens. E u:n produto, por só será mostrado pelo resultado, e o fato executado prova então, aliás
completo, dele mesmo, que surge nele - mUltas e mUltas vezes, sem bastante frequentemente, como erramos nos seus efeitos retroativos
dúvida como resultado da percepção de fatos do mundo externo, mas sobre nós mesmos, e portanto acerca dos reclamos práticos de nosso
muitas'vezes, também, como um produto involuntário. homem interior. Seria impossível o arrependimento, sempre quando o
Duas pessoas observam ao mesmo tempo, numa rua, uma moeda que foi feito está em perfeita consonância, realmente, com a conduta
de duas coroas. Ambas são igualmente pobres. Numa, move-se um planejada por nosso homem interior, que foi a fonte dos motivos da
forte impulso para a apropriação, enquanto a outra fica completamente ação.
isenta do mesmo. O metal dourado é impotente, como tal, frente às Agora, muitas vezes se ensinou que, não a idéia da ação, que
duas mentes. Mas para uma, brilha como ouro, e a idéia de poder ocorreu naquela hora correspondendo à nossa essência, entrou em luta
obtê-la desperta-lhe o desejo de apanhá-la; para a outra, tal posse é~lhe para a formação do motivo e sempre obteve a vitória, mas que na
indiferente, e assim fica apática. Como o impulso para a ação conslste maioria das vezes foi "a ênfase de um desejo", cuja realização nos
numa combinação de sentimento e idéia do mesmo homem, é um proporcionaria uma maior satisfação; e de fato esta teoria foi apresen-
fenômeno de consciência inteiramente individual. O homem impele a si tada como a do estímulo da força mais agradável que determina a
mesmo à ação. . , . vontade.
É possível que aquela idéia seja completamente vaga de lnIClO, de Abstração feita desta partida mecânica da força e certamente da
algum modo uma questão do homem consigo mesmo, que talvez p~rce­ impossibilidade de ser compreendida, esta concepção hedonística é tão
bida a inconveniência poderia ser evitada a ação, de qualquer manelra? errada como chã. O cumprimento de um dever pode ser ao mesmo
Para essa questão há, então, talvez, novamente a mesma tempo um "desejo". Mas como muitas vezes o caminho espinhoso do
resposta: que há vários caminhos para o objetivo, todo~ ~ransitáv~is por dever é transposto com o coração a sangrar e percorrido até o fim com
ele, e assim no lugar do primeiro, vago, entre uma sene de estlmulos os pés a sangrar! Nós o percorremos e ficamos fiéis a ele porque nosso
mais aperfeiçoados para a ação, aos quais se li?~ ~ind~, talvez, a próprio Eu o exige, porque para nós tem maior valor permanecer de
predisposição a um estímulo que o leva a se omItlr mtelramente da acordo com ele do que seguir os nossos desejos. Dizer então que a
ação. idéia que incorporamos à vontade seria portanto a "ênfase do desejo",
Assim ficam na fase da indecisão, que, aliás, não poderá ser significa um erro fundamental de interpretação da vida psíquica, Pois
atravessada,' de forma alguma, com qualquer conduta, mas com exatamente na resolução de conteúdo mais dificil, em que nossa
estímulo em luta com outro estímulo - contra-estímulo -, portanto, vontade é afastada, nossa liberdade de consciência é malOr, porque
consegue sua maior vitória.

324 325
A formação do motivo, toda, é, exatamente como a formação do Qualquer decisão constitui, porém, na vida psíquica, um ponto
impulso para a ação, só e exclusivamente obra do ~osso homem de parada no conflito dos sentimentos e das idéias, quando há um tal,
interior. E sem dúvida a decisão reproduz sempre os sentImentos. . e, de qualquer maneira, sempre que um ponto de partida pensado se
Abstraídas as causas externas de sua formação, qualquer motIvo torna em seguida causa de um movimento futuro. James designa-o,
é produto exclusivo do caráter, e toda a construção dualística de apropriadamente, o "fiat" da consciência. É sempre um fato interno e
decisão e ação como produtos de motivos e caráter, parece errada. _0 assim permanece, mesmo quando não prossegue para a concretização
motivo é produto do caráter num determi~~do momento. N~ resoluçao de seu conteúdo. A peculiaridade de suas relações de interesse internas
voluntária a vontade do Eu impele defimtIvamente para tras todas as produz sempre que ainda inexiste completamente e só termina quando
tendências que não combinam com ele. a decisão foi completamente realizada ou houve a desistência.
Na realidade o motivo esgota e obtém sua força para mover Mas, novamente, combinam perfeitamente na peculiaridade de
qualquer ação, só a partir de nós e através nós ~esmos. . poder haver a desistência, as decisões com execução condicionada ou
Motivo é uma vitória obtida sobre o Impulso para agIr: seu velha, e as decisões que já estão com sua realização quase pronta.
competidor ou opositor. Não é "causa parcial" de um ato ?e vontade,
°
mas causa total do mesmo. homem se define - como se dIZ em nossa
lingua - quer dizer: fazendo a análise e ponder~ndo entre um impulso e
A vontade que interessa ao direito é a decisão mínima, mas não
precisa, para sêlo, que sob o aspecto da vontade tenha se tornado uma
ação.
outro; frente a um que dá força e o outro que tIra a, força, encon~ra s~a Compreendo como resolução da vontade a autodeterminação do
essência congênita ou não congênita, e talvez tambem uma combma?ao homem para produzir acontecimentos imaginados por ele mesmo.
de dois ou tres impulsos, ou uma resultante dos mesmos, no motIvo Evidencia-se que essa autodeterminação é impossível sem a crença em
concreto. poder alcançar o acontecimento imaginado através a própria atividade.
Isto tudo não é um processo que corre mecânicamente, mas um A questão, que se apresenta quando se procura num fato aconte-
processo de criação individual. . _ cido a vontade que causou, se, portanto, numa análise "a posteriori",
Pelo fato que o que decide considera na formação ~e sua dec~sao pode ou não ser ampliado o querido além do querido imaginado, fica
sua situação, seu ambiente, o interesse seu e de outros, e as vezes amda por enquanto deixada de lado.
todas as possibilidades, não se está autorizado ~ambém a colocar lII. Também a chamada livre ação se submete, portanto, em todo
apenas a menor parte da motivação ~o mundo I~terno no mundo caso, desde o momento do motivo formado, até o fim, ao domínio de
exterior, por exemplo, no "ambiente". E certo, porem, que - ~esmo princípios de causa suficiente; sim, também a formação do próprio
nos momentos das maiores decisões - podemos ser levados a agIr por motivo se realiza completamente sob o comando dos mesmos.
um impulso mais forte do sentimento, sem que tivé~sem?s consciência Somente para o fator determinante de um ou outro impulso - como se
clara do motivo de nossa ação. Nosso Eu atua, entao, dIretamente por poderia dizer - escarnece desse domínio. Se o homem não decide por si
si mesmo. mesmo, mas novamente como instrumento, por motivos de outros,
3. Realmente se compreende como motivo, para os efeitos jurídi- então a fonte de todos os atos humanos, sem exceção, fica fora de
cos, aquilo que se apresenta especificamente como motivo da aç~o todos os homens: um fato que na prática, desmente mesmo o mais
definitiva,para partilhar da resolução, como tal, e de sua execuçao zeloso negador da liberdade.
como tal. Um motivo pode ser os dois ao mesmo tempo, quando se Assim a ação livre encontra suas fontes numa chamada causa
pode e deve juntar a realização em seguida à forn:ação da de~isão. Mas incondicionada. Que é, de fato, . a própria personalidade, que
inumerave1mente frequente é a realização da decIsão - especIalmente a permanece sempre um conjunto indivisível e incompreensível. É uma
para o crime - pensada condicionada ou velha. empresa completamente inútil e sem sentido, qualquer um mergulhar

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na tormentosa tarefa de procurar encontrar em qualquer conduta causado o homem a agir. E esta impossibilidade continuaria a existir
humana qualquer outra causa que esteja fora das causas do motivo e mesmo quando se quisesse afirmar como mecânico o efeito do mundo
ação - ou, mais corretamente, que esteja por trás delas. Uma vez, externo na vida psíquica - o que, também, é, novamente, impossível
porém, que se faça a tentativa de. encontrar apenas uma ~~l ~aus~, cientificamente.
sente-se a impossibilidade de fazer istO. O famoso regresso .m mfim- Por outro lado, contudo, a única decisão que seria puro coefi-
tum" , com o qual o próprio Wundt não se nega a operar relativa:nente ciente de tal influência externa já prova incontestavelmente sua
à conduta humana - compreendido naturalmente como relaçao de formação histórica. A resolução poderia até mesmo surgir como um
condicionalidade com as correntes do passado e futuro - pode em geral movimento reflexo. Mas onde ela faz' isso de fato, não imputamos o
ser retido; pensado como relação de causalidade, leva a co~clusões crime ao homem.
monstruosas: as primeiras causas para as ações do presente te~lam q~e Kant acreditava que, se se encontrasse um fenômeno que tivesse
ser procuradas numa época em que o ho~em certamente. amda ~ao uma causa fora da lei da causalidade, na qual cai, sem exceção, tudo
tinha a felicidade de existir no mundo, ou seja, antes que tivesse tido que é do mundo dos fenômenos, não restaria outra coisa se não
tempo, até então, de conhecer o mundo como era. Pois para fazer torná-lo um Ser sujeito à lei da causalidade. De sua grandiosa teoria
algo, deveria ter existido!. . , . . . surgiu a da liberdade inteligível, de Schelling e Schopenhauer, que foi
Com ironia mais pecuhar a teona do dommlO exclUSiVO da lei da exaltada com maiores méritos do que a de Kant. De início também
causalidade apresenta considerações mais exatas do conceito tota.l de assim a reconheci, até que vi que essa liberdade inteligível só pode ser
causas, a partir do mundo. Pois tudo é efeito dela, e o que e.la deSigna utilizada por nós para o julgamento dos fenômenos do mundo da
causa não é nada mais do que o efeito de uma causa antenor, e este experiência e que não necessitamos dessa fusão espirituosa, mas estra-
efeito é novamente efeito de uma anterior, de maneira que realmente só nha, do determinismo imanente com o indeterminismo transcendente.
há efeito na forma de uma cadeia interminável, para a qual aquela Continuei reconhecendo, por completo, a teoria da causalidade.
teoria simplesmente não apresenta nenhuma causa, quando não desem- Diz esta - e numa lógica inteiramente inatacável - que todo efeito é
boca num Criador todo poderoso. efeito de uma causa. Mas a inversão desse princípio, que toda causa é
Assim, não falta à ação humana a causa suficiente: ela consiste na efeito novamente, não é nada mais do que hipótese arbitrária, na qual
decisão do próprio homem, fica, portanto, inteiramente no homem se oculta a afirmação inautorizada que estaríamos em condições de
mesmo, e, com o indivíduo, autor dessa decisão, rompe a relação de provar novamente toda causa como uma causada. E o tema não se
causalidade com o passado. afasta disso.
E isto não é apenas para afirmar, porque em toda a área da Entretanto, ainda hoje nada sabemos sobre a natureza material da
atividade humana qualquer observador não chega de fato à causa, mas causa e os modos de seu efeito!
apenas ao causador pessoal, ao autor, e porque atrás do autor da ação De fato, não podemos compreender a admissão do mundo,
isolada não há nenhum outro autor para revelar esta conduta. Poder- cientificamente, como a causa não-causada.
se-ia então afirmar que este rompimento da corrente causal retroativa Mas esta admissão é idêntica ao reconhecimento de um princípio
da conduta humana que está atrás do seu autor, só poderia ser tomado Criador para o mundo e não para todas as Criaturas, quando se pode
. em consideração pelas ciências psíquicas e só para elas. Aliás pode cai: afirmar, com a maior razão, que o homem tem pane nesse princípio.
fora destas - apesar de todo respeito ante o fato que qualquer homem e Todas suas grandes obras estão feitas a partir do início da criação.
filho de sua espécie e de sua época. Assim, o homem fica como autor de seus atos - ora é um gênio,
Mas também para o observador do curso causal mecânico é intei- ora o mais pobre diabo em talento, ora uma maravilha em grandeza
ramente impossível provar uma tal causa que por seu lado tenha moral, ora um ser abjeto: nesta força maior são todos iguais.

328 329
§ 62. OS FUNDAME~TOS DOS OPOSITORES COMO domínio exclusivo da lei da causalidade - exatamente tão fraca como
CONTRARIOS A SI MESMOS seu reverso tão pequeno.
I. Mas, antes que eu queira apresentar a prova desta afirmação,
Como prova da verdade daquela coexistência da liberdade do dirijo-me a uma suposta sociedade federal de negadores da liberdade,
homem e da validade do princípio da causa suficiente para qualquer que, como tais, deveriam ser saudados desde logo ao lado dos materi-
conduta sua estão os argumentos mais brilhantes de seus inimigos. A alistas: refiro-me à interpretação baseada nos trabalhos do eminente
insustentabiÚdade completa do indeterminismo, que aquele princípio Quetelet, da chamada estatística moral.
neaa é derivada de suas consequências apontadas acima. Vale agora Assim, como esta prova ctue as' chamadas ações arbitrárias do
co~~ prova igual para o opositor mais perigoso da desigualdade, ~ara homem como o casamento, o suicidio e os crimes variam regularmente
o determinista que não se satisfaz em sujeitar as ações isolad~s à leI da dentro do mesmo círculo da população na sucessão de ano a ano, como
causalidade, mas que gostaria de negar a própria liberdade. E o det~r­ se presumivelmente se pudesse esperar o arbítrio, mas quando não
minismo fatalista, como se designa recentemente. De maneIra completamente, permanecem constantes numa medida predominante,
brilhantíssima foi ensinado pela primeira vez por Stoa. parece não poder se reservar nenhum espaço para a liberdade.
Esse determinismo se apresenta sob duas formas: na do material- Qualquer ano começa, portanto, sob o domínio de uma lei férrea'
ismo, ao qual estão sujeitas todas as leis da causalidade mecânica, e na segundo a qual nos doze meses seguintes um determinado número d~
outra, no sentido da teoria da predestinação, que sacrifica a liberdade homens se casará, da mesma forma, uma determinada quantidade de
humana à onipotência divina. Assim, estas doutrinas divergem em seus homens se suicidará por tiro, por afogamento ou por envenenamento, e
pontos de partida, mas coincidem perfeitamente em sua ,Posição frente um não menos determinado número de pessoas deverá cometer
ao problema da liberdade, de maneira que o que uma dIZ vale sempre homicídio, latrocinio, lesões corporais ou furtos. "A sociedade prepara
para a outra. o crime, e o culpado é apenas o instrumento que o executa", resume
Ambas oferecem, juntas, o complemento científico de seu Quetelet em suas investigações sobre a estatística criminal, segundo a
reverso, o indeterminismo. O que, inautorizadamente, rompe a série de qual desaparece toda responsabilidade.
fenômenos que predomina através a lei da causalidade, acrescenta Mas, raramente uma pesquisa exata se desviou tão evidente-
inautorizadamente o materialismo e o predeterminismo divino nessa mente para um sofisma, como aqui - um sofisma que deveria ser tão
série. Se o conceito de responsabilidade não deve cair totalmente aí, deslumbrante como as cabeças brilhantes de que proveio, que se
então seu sujeito perde-se impessoalmente nas trevas do passado, ou só baseou em estudos amplos, e parece apto para iludir as vistas do julga-
Deus é responsável. Aqui se ressalta um parentesco interessante entre o dor, pelo menos ao primeiro olhar, pela indicação de dados importan-
materialismo e a teoria do liberum arbitrium indifferentiae. tes, que num exame mais aproximado desaparecem sempre pela
A fonte das ações é, nos dois casos, o acaso: o acaso mais constância do número maior.
recente data a fonte da ação isolada, de acordo com a concepção do A estatística fixou somente que determinadas espécies de
indeterminismo; o primeiro acaso, que foi a mais antiga causa provoca- fenômenos, para aqueles que interpretam retroativamente as decisões
dora do movimento, a fonte de todas as ações, de acordo com a humanas como suas únicas fontes, se repetem dentro do ano isolado
concepção do materialismo. A perspectiva que a última abre para o em algarismos aproximadamente iguais. A mesma cifra autorizou o
império monstruoso da necessidade é realmente notável, e o livre resultado, e obrigou à conclusão de cifra igual de causas, e deu autori-
arbítrio do in determinismo se apresenta, junto a ele, em sua completa zação para os períodos de tempo seguintes - sem dúvida apenas sob a
pequenez e fraqueza. E essa é a solidez que oferece a notável teoria do reserva que as relações gerais não sofreriam qualquer alteração impor-
tante - para se esperar a repetição do mesmo fenômeno, em números

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aproximadamente iguais como no ano anterior. Com isso a estatística arbítrio quando elas, em sua essência, se apresentam de maneiras tão
moral chegou, no fim, à sua legítima conclusão. A única conclusão diferentes, dependendo dos indivíduos, e só de acordo com a regra dos
relaciona-se realmente com o passado, e diz apenas dele, que deveria cálculos de probabilidade, numa combinação extraordinária e
ter existido em muitos resultados muitas causas iguais; consiste, improvável de casos, alcançariam uma constante regular de ações".
portanto, apenas no número de relações de causas e resultados. t:- Surpreende aqui uma dupla: a certeza da falta de liberdade
segunda conclusão relaciona-se com possibilidades, não com a realI- humana como resultado de uma conclusão de probabilidade, e a estra-
dade do futuro. Não diz: como nos últimos anos o número de resulta- nha identificação entre liberdade e arbítrio cego que transita desenfre-
dos permaneceu constante, e portanto também as causas permaneceram ado e sem regras. Pode-se calcular um conceito de liberdade que, na
constantes, então deve se apresentar exatamente o mesmo número de desordem, deve levar à regra, para resultar, então, num círculo vicioso:
causas e resultados, também nos próximos anos; mas diz somente: por porque domina a regra, não pode dominar a liberdade como a
esses motivos é provável que se possa esperar a conclusão - reservada não-regra. Além disso, a última. nunca é compreendida por esta teoria
a hipótese de modificações imprevisíveis nas relações gerais -, q~e o da liberdade como acaso constante ou causador.
número de causas será aproximadamente o mesmo que nos ultImos Como se ajusta a constância aproximada das causas do suicidio e
anos. A certeza da primeira conclusão determina; a certeza da segunda, dos crimes com a liberdade, só pode oferecer conclusão quanto a isso
resulta da primeira - quando, na realidade fêz um cálculo de probabili- uma investigação mais cuidadosa sobre o caráter humano e os motivos
dades que só se provará no fim dos próximos anos. mas nunca uma conclusão sobre a própria constância. Aqui não é ~
Mas em vez de se satisfazer com a interessante indicação da local para uma tal investigação: só pode ser indicado quanto a isso que
constância' aproximada das cifras de causas de período a período e a admissão da liberdade humana antes esclarece aquela existência
retirar daí a conclusão das probabilidades para o futuro, deixam-se quanto impede seu esclarecimento.
seduzir pela estatística, e são levados por ela a dois outros caminhos, Prova-se as ações completas de um homem isolado e faz-se a
inteiramente ilegítimos, chegando a conclusões metodicamente erradas. interpretação - e sem dúvida muitas vezes do modo mais surpreendente
Ousaram, a partir de relações de números de causas, a concluir sobre a - de uma causa constante nelas: elas são mais ou menos, de maneira
espécie e a natureza da "causa movens" das mesmas. Verifica-se agora, completa, e no todo, a manifestação consequente de sua personalidade,
pela análise mais simples, que mesmo a prova de uma estrita repetição ou, como se prefere, ou se diz menos exatamente, de seu caráter, que
regular da mesma causa no mesmo extenso período, deixa-nos comple- nas diversas situações da vida toma sempre posição original. Esta
tamente no escuro quanto à natureza desta causa. continuidade das ações humanas é tão mais surpreendente quando as
Raridade e frequência, normalidade e anormalidade da apresen- ações se apresentam com grandes alterações dependendo do clima,
tação das causas, são designações para as numerosas relações dessas vida profissional, domicilio e ambiente: ela mostra então, palpavel-
causas com outras causas, mas não atiram luz, nem de longe, sobre o mente, que esses fatores que influenciam o homem são, sem dúvida, de
cerne da causa. A estatística moral evidentemente acreditou não violar, natureza secundária, que podem muito bem impeli-lo a agir ou a não
aoora, esse princípio incontestável quando, a partir da constância dos agir, mas a ação nunca pode dar a ele seu próprio caráter. As causas da
r:sultados, admitiu pelo menos uma conclusão negativa da inexistência ação realmente não ficam no homem, mas no mundo exterior, e assim é
do fator da liberdade nas causas daqueles resultados. "A ausência do incompreensível que o viajante no mundo pudesse agir sempre de
livre arbítrio - diz Wagner - é uma consequência da essência desse fator acordo com o máximo das mesmas. Está perfeitamente correto,
e provém da conclusão da probabilidade, que se determina por si portanto, designar sua liberdade individual, em suas consequências,
mesma e que não deve atuar para provocar ações que sejam determina- como causa constante de suas ações. Mas, de acordo com aqueles
das por causas constantes e de efeitos iguais, tornando-se de livre estatísticos, devemos, contudo, abstrair os homens isolados e ter ante

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os olhos o grande número de homens. Apenas, com isso não se muda Para esta afirmação falta, em primeiro lugar, qualquer funda-
nada mas só se aumenta tudo numericamente. Nas ações do grande mento jurídico! Um número de crimes, suicidios e casamentos -
núm~ro, devemos dar ênfase aos mesmos fatores como nos indivíduos; crescente ou decrescente, não exatamente proporcional, mas apenas
elas são apenas a soma das ações isoladas. O nú~ero co~st~n~e de pelo menos oscilante em relação ao número de habitantes - não
certos grupos de ações só encontra sua causa no carater dos mdIVIdu?s permite, certamente, a conclusão de urna causa inteiramente constante
isolados como várias ações contribuiram para aquele número; ademaIs, nem tampouco causas concretas de coação da lei em vigor. Novamente
numa d~ nossas sucessões de gerações, portanto na mais alta seme~­ se encontra o erro, que a partir do número de consequências se conclui
hança natural das constantes relações mistas de caráter e ?o e~traordI­ a espécie das causas, e através desse' erro a teoria se enreda, além
nariamente grande número de motivos comuns, de que mnguem pode disso, numa contradição consigo mesma. Sua conclusão, a partir do
se livrar completamente. passado para o futuro, seria, até aí, uma conclusão de probabilidade;
Só quem pensa na liberdade como u~.a espécie de fo?ue:,e que mas tão logo a constância do número de crimes deve levar de volta a
corre perdido, sem rumo certo, pode admItIr que, sem h~sI~açao, se uma lei, não é só provável, mas matemàticamente certo que o ano
reconheça como fonte das ações humanas o chamado arbItno. Se s~ seguinte deve oferecer exatamente o mesmo número de crimes como o
pode cair nesse conceito insustentável de liber~~de, então se CO~clUl, passado. Pois lei é somente a expressão para o elementar, constante,
daí, que a constância de certas condutas se concIlIa melhor .com a lIber- em todos os casos isolados, corno forma básica do efeito reconhecível
dade, do que com a transferência da fonte das ações, a partIr da falta de de forças. Mas efeito constante significa o retorno de forças constantes,
liberdade dos homens. e estas devem sempre funcionar na mesma medida. Para aquela trans-
Mas este primeiro erro da antiga estatística moral seria apenas o formação de uma conclusão da possibilidade, numa conclusão da reali-
condutor inevitável a um segundo erro. O que foi provado como certo dade, falta porém qualquer autorização científica.
pelo espaço de tempo determinado do ?assado, surgiria como Mas, ao mesmo tempo uma lei que só normatiza o número de
provável, numa constância aproximada das CIfras de caus~s. de deter- crimes dentro de um povo, sem comandar os crimes isolados, é uma
minados fenômenos, passando a ser de repente, sob ? ~onu_mo de .uma não-lei. Pois a lei só se desenvolve exatamente a partir da dependência
lei natural necessidade condicionada. Portanto, a ehnunaçao da hber- constante dos fenômenos isolados dela!
dad~! Ela: que não combina exatamente com a existência de ~u~alq~er Finalmente não se pode imaginar a predestinação das ações
causa entra sob o império de uma lei natural, sob suas eXIgenClaS, arbitrárias isoladas através qualquer lei, mas apenas se opor a uma tal
numa' forte contradição entre o que deve ser admitido pela lei natural admissão. Pode-se fazer o esforço de somar as causas dos casamentos
ou ser negado por ela mesma. . isolados, suicídios e crimes num número constante, para decompô-las
Poder-se-ia agora acreditar que aquela afirmada legahdade da em seus elementos. Um se casa com sua namorada porque urna repen-
chamada conduta arbitrária não quisesse dizer outra coisa se não que a tina e inesperada herança tornou-o rico; outro se mata porque sua
constância daquele fenômeno seria aproximadamente tão grande como noiva morreu numa grande explosão; o terceiro reduziu a cinzas a
poderia ser um fenômeno contínuo sob a lei; legalidade signi~ca, e?tão: residência de seu irmão, porque este o magoou profundamente. A
a regularidade condicionada pela lei, de acordo com a analogIa. So que "necessidade" dos casos isolados é evidente "a posteriori"; resultou de
com esse paralelismo se ilustra ao máximo, mas .nada se esclarece, ?a~a causas suficientes. Mas a apresentação daquela excitação para as ações
se satisfaz com qualquer estatística moral. MUltas vezes a constanCla isoladas é um mero acaso, que não está sob o domínio de qualquer lei:
das causas, e portanto também a formação de qualquer detalhe delas a ação, portanto, não é necessária "a priori". Tão logo urna sorna
pode ser consequência necessaria, permanente, ou inalterável, ou, no constante de casos pode encontrar o fundamento de sua existência
máximo, ser apenas urna causa variável em sua composição. numa lei, e as causas dos fenômenos isolados não estão sob o domínio

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de qualquer lei, então rompeu-se a relação de causali- dade entre o imoral, legal e cnmmoso, devem desaparecer na consclencia da
resultado e a suposta lei que comanda, e é impossível, portanto, que a igualdade absoluta de todos os homens e da existência extra-humana
soma de fenômenos seja reconduzida a uma lei. como instrumentos fungíveis nas mãos das leis naturais. Mas o membro
A chamada "lei do grande número" não é lei para o caso isolado, e de uma sociedade humana que não fosse mais movido por motivos
portanto não é lei verdadeira. Assim, incontestavel~e~te, chegou-se a morais e imorais, que não pudesse mais ter nenhum lugar no direito e
um sentido mais refletido e mais recente para a estatIstIca moral e para na lei, não restaria mais do que uma emoção tão estéril como
a filosofia, diferente das conclusões precipitadas de Quetelet, inexplicável com o destino próprio e alheio, ou, aliás, como também
mostrando que o problema da liberdade não pode realmente se basear uma tal emoção mal se ajustaria como uma peça heteronômana da
em resultados da estatística. natureza externa e apenas na definição mais repugnante de uma
lI. Assim, o auxílio desejado só prestou aos opositores da liber- existência sem sentido.
dade, um apoio aparente: vemos agora se estão em posição de se Como o indeterminismo, nesse esforço zeloso e desajeitado pela
manter por suas próprias forças? liberdade, se coloca em oposição evidente a essa, assim, no ardor cego
Do modo mais estranho, o determinismo que nega a liberdade para o reconhecimento do materialismo, entra em conflito com ele, na
nunca ousou retirar, fria e sobriamente, todas suas consequências práti- forma da ciência mais pura. Rejeita uma admissão indispensável;
cas, pois silencia em sua concretização. Se sua teoria tivesse funda- contraria todas as nossas experiências sobre a história da evolução
mento então sua evolução deveria ocorrer não somente em nossa humana; apresenta finalmente uma teoria que não permite tirar resulta-
imagidação e em nossos sentimentos, mas também na ordem da socie- dos práticos.
dade humana. Então o homem seria mero instrumento nas mãos de A contradição apodítica considera o reconhecimento da lei da
uma força superior, uma simples rodinha encaixada na grande má~uina causalidade e admite mesmo uma causa sem causa. Apenas isso fica
do curso da natureza, que só recebe movimento para dá-lo adIante, incondicionalmente, não só do outro lado de toda nossa experiência,
uma onda no oceano do movimento eterno das matérias, não ponto de mas também além de nossa imaginação, e assim não haveria uma única
partida, mas simples ponto de trânsito de efei:os, na ve~d~d~, apenas o concepção materialista do mundo que pudesse ser dispensada. Poder-
homem máquina, de Lametrie! Que havena uma hIstona fora da se-ia também considerar a matéria em movimento como causa de todos
história natural, seria um erro; que o homem agiria, aparência; sua os fenômenos e se poderia conceber também que a matéria se
responsabilidade, uma mentira; o conceito de pena, um contra-senso! movimenta em si e a parada seria um caso especial de movimento para
Qualquer mérito do homem isolado, como tal, de acordo com .a não se precisar chocar com nenhum outro movimento: sempre está,
grandeza de sua visão e de seus conhecimentos, s~a. for~a .e. seus sentI- portanto, a matéria mesma não formada, e, portanto, a própria causa
mentos nobres, estaria proibido por si mesmo: pOlS meXlstma qualquer sem causa. Admitir uma causa sem causa, uma causa "livre" , é,
mérito para ele em seu valor! O sentimento de admiração dos outros, e, portanto - abstraído longe o anticientificismo - uma necessidade para
ainda mais, o sentimento de execração deveria desaparecer dele como aquele pesquisador I
resto de um passado vencido, diante do conhecimento que o homem III. Agora, todas as experiências, tanto as que se relacionam com
pode ser tão pouco cheio de méritos para se orgulhar e tão pouco o indivíduo como tal,como as que se relacionam com a espécie,
cheio de vergonha para lamentar, como a pedra quando se desprende manifestam, quanto a isso, que o homem tem parte nessa liberdade.
da montanha e, com maior ou menor energia rola livre ou se destrói no Ilusões próprias podem durar milhares de anos; mas só quando a
abismo. verdade entrou no lugar do erro pode o indivíduo estar em condições
Todos os antagonismos que movimentam a vida humana e cuja de sair fora de sua cadeia. Como acontece que ainda nenhum homem,
guerra é só o que dá valor ao esforço: grandezas e pequenezas, moral e nenhum mesmo, por maiS materialista que seja, apesar da suposta

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firmeza de sua teoria da não-liberdade dos homens, em nenhuma vez que se refere às ações legais e ajustadas ao dever. A teoria da liber-
deixou de ter consciência da própria responsabilidade? Nenhum homem dade, principalmente quando quer analisar o direito, pensa exclusiva-
viveu e amou sem que ficasse satisfeito com suas ações, temesse ou se mente na responsabilidade pelos delitos, em prejuízo de outras áreas, e
envergonhasse delas, e contra esse testemunho da liberdade interior deixa totalmente de considerar o uso da violência dos capazes, fora do
desaparece toda e qualquer afirmação racional. Essa experiência não direito penal.
deve ser tomada em consideração porque não agrada aos opositores da Duas evoluções interessantíssimas mostram agora como o
liberdade? Direito não se abala ao detinir a liberdade, que compreende em si o
Mas essa consciência da liberdade humana não se limita aos problema da responsabilidade cada vez mais profundamente. Deveria o
indivíduos. Ao contrário, toda a ordem moral, como a jurídica, medo desse reconhecimento evolutivo não ter nenhum valor porque
baseiam-se nessa pedra fundamental. Todas não apenas se consideram muitas vezes seriam necessários vários anos para serem colhidos os
livres mas assim consideram uma a outra. Só daí explica-se, em conse- resultados e porque os diferentes povos deveriam percorrer, com o
quên~ia, a formação da escala moral; mas, quase ainda mais eloquente, mesmo esforço, o mesmo caminho? Nenhum direito têm todos os
testemunha a existência da ordem jurídica junto a todos os povos em homens de serem considerados responsáveis da mesma maneira; mas já
todos os tempos e a evolução das idéias de responsabilidade e pena por ao antigo e primitivo direito era dificil traçar os limites onde a respon-
esta liberdade. sabilidade desaparece e começa a loucura. Exagera-se então a admissão
Nunca houve uma ordem jurídica cuja idéia fundamental não da liberdade e só as formas mais ofuscantes de loucura aparecem como
proviesse da docilidade de seus membros às leis. Nunca nenhum ,legis- causa de irresponsabilidade. Só lentamente uma visão mais profunda e
lador acreditou que suas leis atuassem de acordo com o modo msen-. penetrante da vida psíquica leva a uma delimitação do cJrculo de
sato como se pensa que atuam as leis naturais, na forma de coação pessoas capazes.
irresistível. Nunca quiseram tentar, como os homens das leis, mas Estreita-se o círculo dos responsáveis; mas amplia-se o círculo da
agiram como eles. Ao contrário, nunca ninguém manteve a ingênua responsabilidade. Como no direito romano mais antigo, assim também
esperança que a lei viesse a atuar sobre o público com força irresistível. no direito germânico a imprudência cai na área do acaso, pela qual
A nenhum povo faltou, até agora, o conceito de delito, e onde este se ninguém parece punível. Mas então lentamente distingue-se a culpabili-
encontra, domina a convicção da liberdade humana. Aqueles sobre os dade do caso fortuito; a seguir, primeiramente só externamente, realis-
quais a lei provoca uma outra espécie de efeito, sabem de fato que ticamente, distinguem-se os homens, um do outro, como se o próprio
aquela lei colocou, evidentemente, a espada, junto, para intimidação homem se separasse do seu inimigo por um profundo abismo: e a
geral, que assim atuaria do mesmo modo como a bengala levantada culpabilidade cresce na área da responsabilidade. Este processo repre-
sobre o cão que ameaça. Apenas deixam de lado que todos os chama- sentou um estreitamento externo, mas um aprofundamento interno na
dos princípios jurídicos legítimos podem dispensar essa espada e que as responsabilidade, e tem ainda hoje progressos notáveis. Por toda parte
leis nunca deixaram de empregar a espada da pena contra todos os a evolução jurídica mostra, contra a concepção materialista, em vez de
infratores capazes, aos quais era oferecida a intimidação pela ameaça. um preenchimento contínuo, um aprofundamento contínuo do abismo
Menores e doentes mentais dificilmente são menos capazes de sentirem entre culpabilidade e acaso, entre liberdade e não-liberdade.
a ameaça do que adultos e sadios. Mas o direito separou-os nitida- Mas o materialismo não tem força para tapar esse abismo de
mente, como homens incapazes, dentro da sociedade dos homens repente, pela força, e então arrisca esperar seu enchimento gradual. E
felizes, por estarem privados, pelo erro ou pela doença, de fazerem uso sua tàlta de forças serve aqui para justificar um melhor reconhecimento
de sua liberdade. E certamente essa distinção não deveria ser impor- de sua audaciosa afirmação do domínio exclusivo da lei da causalidade.
tante apenas para a área dos delitos, mas, da mesma forma, para tudo Nunca a negação da liberdade se expôs ao demérito científico de forma

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mais clara do que na tentativa de retirar suas consequência~ ~ara a - pressuposta sua periculosidade - ser encarcerados nas diferentes
ordem da moral e do direito. E interessante ver como os matenahstas e divisões da mesma casa de segurança. A medida da manutenção na
predeterministas procuram se enganar, sobre as cons~quências de sua escola de segurança, pensão de segurança ou hospital de segurança
teoria fundamental, que uma parte e forma-da, eVIdentemente: ?or dependeria somente da medida e da duração da periculosidade dos
idéias incompatíveis com suas próprias con-. cepções .- por IdeIas inquilinos, portanto especialmente de sua força corporal e de sua irrita-
pertencentes a outro círculo e que são co~bat1das energIcamente por bilidade. Nenhum dos chamados direitos civis poderia ser perdido por
eles mesmos. Só através artificios inconSCientes conseguem supostos uma dessas infelicidades. O assassino e o que apresenta perigo de
resultados de necessidades indesviáveis, para colocar exigências que cometer assassinato, o batedor de carteiras comum e o falido fraudu-
surgem igualmente na vida em comum de todos os homens, não na lento apareceriam na urna eleitoral sob a mesma boa cobertura. Nada
rude inimizade que existe por toda parte. . _ impediria que o funcionário preso por perjúrio e o que foi preso por
Assim, apesar de o conceito de crime não se apOla: na negaçao estupro, continuassem no exercício das atividades do seu cargo na
da liberdade, exige-se uma enérgica reforma no conceito. de pena. prisão, sob as necessárias medidas de vigilância. Só o preconceito mais
Todos os opositores da liberdade são inin:ig?s ~atos da ~eona absoluta ilegítimo poderia impedir que se estendesse a mão a tais homens honra-
do direito penal em suas duas formas pnnCIpais: a teona da cura e a dos. Ou se deveria poder pagar a esses pobres, ante os quais a socie-
teoria da satisfação. Às teorias da intimidação e d~ prevenção dade treme? Geniais pesquisadores da mente saberiam determinar,
opõem-se muitas vezes as teorias relativas em su~ ~umamdade;. para a então, com a segurança divina, o momento em que o preso deveria ser
teoria da melhoria falta-lhes, com a maldade do cnmmoso e sua mcapa- liberado porque não poderia apresentar mais nenhum perigo.
cidade para agir de acordo com as n:áx~~as morai~ e l:ga~s, ou pelo Uma sociedade humana que também só admitisse uma dessas
menos devia-lhes faltar o fundamento JundIco, e aSSIm nao e por acaso consequências medidas da negação da liberdade, é de fato, pelo menos
que tanto os materialistas modernos .co:n0 os ~redeterministas tão pouco inimaginável como uma causa sem causa. Em vez disso, o
compreendem o direito à pena como ? dIreitO, d~ socIeda~e, para se homem desce cada vez mais nessa escala de indiferença ou àquele cume
garantir contra impulsos lesivos naturais, atr~~es. mter:enç~o ~ont:a. o sublime do perdão para todos - o que digo eu? Perdão? Não há nada
delinquente. Scholten, que no meio de uma sena mvest~gaçao CIent1~Ca mais a perdoar! Pois aquele cume sendo respeitado ou desprezado em
coloca expressamente numa linha as penas com as medIdas contra caes geral, igualmente por todos, perde todos os indícios.
loucos, mendigos e alcoólatras, gostaria, com prazer, .de mudar o nom~ Mas, tanto a teoria do materialismo como a da predestinação não
"Direito Penal" para colocar um "Direito ao estabelecImento da ~rdem poderiam ficar mesmo nestas consequências. Pois de acordo com as
ou "Direito da sociedade se garantir a si mesma". Menos radl~al. se suas premissas não há nenhum delito, porque não há mais nenhuma
apresenta recentemente a mesma concepção da escola cnmmal infração da lei I Tudo o que ocorre é, aliás, igualmente necessário,
sociológica. . portanto igual legalmente e de igual valor. Tudo, implacavelmente, está
Evidencia-se por conseguinte, como esta teona da pena como sob o domínio da vontade de Deus ou da lei da causalidade: aquela
uma medida policial, entra em oposição consigo mesma, quando só vontade e esta lei excluem qualquer possibilidade de uma ação infra-
espera, com a pena, impedir a comissão de crimes. Caso. de qualquer tora. Caso um ato humano contrarie a lei do Estado, ela é, por conse-
maneira fosse possível a sociedade ser colocada com maiS seguranç.a guinte, legal: pois a lei do Estado só pode querer ser eficaz em virtude
ante homens perigosos, antes que eles tivessem encontrado a oportum- da vontade divina ou da lei da causalidade; uma capacidade do homem
dade de feri-la; e em geral a pena deveria ser suprimida em todos ~s para escapar desses dois' domínios e desobedecer à norma, seria a
casos em que o agente, após seu crime, presumivelmente n~o pode~a admissão de um contra-senso. O homem portanto não pode mais agir
voltar a delinquir. Adultos e menores, sadios e loucos, devenam, entao de acordo com essa lei e não pode mais contrariá-la: torna-se

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apenas instrumento de uma força maior, mais poderosa, cujos impulsos o liberum arbitrium indiferentiae, e, ao contrário, estejam convencidos
deve seguir, porque atuando com precedência, tornam impotente a lei que nenhuma ação ocorre sem causa suficiente, são teoricamente
do Estado, levando ora no sentido que eles indicam, ora num outro, impelidos cada vez mais para mais perto dos seus opositores e final-
mas sempre com resultados mais altos do que os da lei! Quem não mente cai-lhes melhor o nome dos seus antigos partidários: pois se
mata, obedeceu a essa lei; quem mata, age de acordo com essa lei; referem à antiga disputa, e seu clamor de guerra lhes é apropriado para
quem deixa o assassino impune, se omite em virtude da autoridade atiçar sempre novas contendas. Isto deveria ocorrer, ainda mais quando
superior; quem esquarteja-o, queima-o, empurra-o do alto duma combinam, da mesma maneira, nas mais importantes consequências
pedreira, enche-o de beneficios ou perdoa-o, executa apenas sua práticas. Estranhamente aquela rejeita, desta, a concepção do
sentença, exatamente como o próprio assassino o fêz. O indetermin- monopólio para explicação da responsabilidade humana, que ambas,
ismo só leva à indiferença total entre o bem e o mal, o permitido e o em princípio, no entanto, reconhecem.
ilícito, e assim ajusta-se perfeitamente ao materialismo e ao predeter- Sem dúvida as diferenças de concepção ainda existentes são,
minismo o terrível princípio: há somente uma lei suprema, cuja violação mesmo agora, bastante grandes. Referem-se à causa da causa das ações
é impossível, e que portanto corresponde a tudo: o que acontece. isoladas, e portanto ao modo de sua formação.
Podem os Estados ou os indivíduos proibirem, do modo mais tolo, Mas, quem tenta se aprofundar cientificamente nisto, pode,
determinadas ações, ou impor penas, aquela ação e aquela pena é sobretudo, isolar-se de seu tema. Considero inadmissível qualquer um
permitida, e necessário o que ocorreu através delas. Toda omissão e que tenha concepções preconcebidas do mundo, querer partir, por
todas as ações constituem, juntas, apenas o cumprimento de um dever assim dizer, para soluções lógicas. A ciência, além de sua sede de
eterno e contínuo, sem falhas e imperturbável. verdade possui também ambição, e sempre se submete, novamente, a .
O mundo não é nada mais do que uma rede gigantesca de obediência seus impulsos, para projetar, apesar do seu conhecimento parcial, uma
cega frente a uma lei formal! Só esse sublime ponto fundamental deixa- imagem completa do mundo, negando, portanto, para ignorá-las, as
nos reconhecer, com toda evidência, a legitimidade da chamada contradições flagrantes que não lhe agradam. Nesta sombra ela
maldade e do chamado ilícito; e quase nos causa vergonha a persistên- conserva o inimigo do conhecimento isento de preconceitos.
cia no antigo e horrível erro, se não nos pudesse consolar o reconheci- Trata-se de uma tarefa puramente psicológica para a observação
mento que também o erro, no dever e na mentira, tem o mesmo valor mais exata dos fenômenos psíquicos humanos, próprios e dos outros -
que a verdade! silencia-se aqui totalmente quanto ao psiquê dos animais - e de inter-
Na pregação dessa concepção do mundo não fala bem alto a falta pretação tão dificil. Se o resultado se afina de maneira inteiramente
de premissas, das quais ela resulta? segura com uma concepção do mundo talvez levantada, ou não - é
Elas constituem na realidade um absmo pavoroso, no qual completamente indiferente. Se se baseia na mais cuidadosa observação,
mergulham todos os valores morais. merece toda atenção. A ciência também tem, às vezes, de sofrer
IV. Em nítida oposição a esse fatalismo que, sob o ponto de vista divergências que se apresentam, esperando, com paciência, que as
das ciências do espírito se caracteriza por analisar o crime eliminando a soluções surjam mais tarde. Qualquer tentativa de forçar, o passado
pessoa do causador, e, portanto, o conceito de autor, apresenta-se o tem provado que malogra.
determinismo não fatalista, no qual se reconhece a grande maioria dos Pode-se agora muito bem definir as diferenças de concepções,
novos deterministas. como seguem:
Com seus opositores, vêm também no homem o autor de suas 1. de acordo com uma resolução qualquer que constitui o
ações: o "Eu" é, também para eles, o fundamento último de explicação produto necessário de todos num determinado momento, em grandeza
da ação humana. E como nenhum dos novos indeterministas prega mais fixa, na realidade psiquica existente - que, indiferentemente, se pode

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também designar como idéia, sentimento, esforço, motivo ou caráter. ora uma, ora outra, parece obter vitória, até que a luta seja decidida em
Na medida em que as realidades psíquicas concretas são a arena onde o favor do dever ou de seus opositores.
psiquismo forma a vontade e o homem não pode prescindir, em suas Só se admitiria a discussão de fenômenos tão simples sobre o
ações, do que se encontrava originariamente em seu psiquismo. Assim, solo de uma teoria da inalterabilidade dos caráteres! Como já apren-
ela quase que se enlaça com um determinado indivíduo. Mas o demos que o homem, na realidade, pode querer, ou não querer,no
psiquismo constitui apenas o palco onde se apresenta o drama da mesmo momento,desejos contraditórios, ou mudar para uma vontade
formação da vontade. Este se realiza mesmo sem sua co-participação oposta com a maior velocidade.É uma das mais finas observações de
ativa. O homem nada pode acrescentar a esse curso, nem eventual- Ríbot: "Qual é o verdadeiro eu, o que áge, ou o que resiste? Se não se
mente retê-lo. escolhe, há dois". Ele nos lembra também, ao utilizar com cautela o
Todos os fatores que vêm em consideração para o curso do escárnio, admitindo jocosamente, que o homem quando quis ainda
drama, e que, por assim dizer, se personificam, são dotados de uma poderia ter querido diferente. Era ainda possível uma segunda opção e
determinada medida de energia que faz mover os homens e pode forçá- poderia ter sido possível também que numa natureza nobre se apresen-
los a agir. tasse antes uma resolução indigna. Sentimentos iniciais são muitas
Os motivos se personificam frente ao caráter, predominam sobre vezes em nós, infiéis e mentirosos. Mas que o homem possa querer a
ele ou se juntam a ele para a causa concreta, como uma espécie de qualquer momento o contrário, isto não tem sentido e não será susten-
combinação química. As idéias, os sentimentos, que se formam espon- tado por nenhum pensador sério.
taneamente nos homens, ligam-se autonomamente umas aos outros, e A expressão frequentemente usada leva a erro - tornamos alguém
as idéias que produzem os maiores sentimentos de prazer coagem o responsável porque ele esteve na situação de agir de outro modo e agiu
homem para obterem sua realização. de modo que não é apreciado nem por nós, nem por ninguém;porque
Não há uma teoria mecanicista da formação da vontade, mas se em vez de ter agido bem, poderia também ter agido mal. Responsabili-
pensou inteiramente no espírito de uma tal. Assim se encontra em zamos o homem por sua ação porque chegou exatamente a fazer o que
muito diferentes formas de expressão, com uma multidão de pequenas queria: mas assim chegou ao que não devia.
variações, junto aos mais diferentes defensores do chamado determin- 3. E assim a opinião da formação autônoma de vontade deve se
ismo, enquanto uma parte dos mesmos, que se designa determinista, confrontar com a teoria automática, e é incorreta sua observação da
sem dúvida saiu dele para se inserir, passo a passo, em suas conclusões. vida psiquica e sua interpretação da mesma. Pois se fosse também
certo, ele nunca chegaria a um e deveria se decidir, "contre coeur" por
2. Esta teoria, que, como expus, apesar de ser a da formação um outro:
automática da vontade no indivíduo coagido, se opõe a todas nossas a. Ninguém chegaria com ela a fundamentar a responsabilidade
observações. Pois, poderíamos esperar uma derivação imediata ela humana, mesmo para se manter direito junto a ela.
resolução, de acordo com o modo de efeito reflexo. Em vez disso, Esforcei-me seriamente para corresponder aos desejos e garan-
entretanto, vemos como os homens muitas vezes lutam ao longo de tias dos deterministas, para descobrir a compatibilidade da responsabili-
semanas, meses, anos, para chegar a uma resolução. Não há portanto dade humana com sua concepção fundamental da formação da vontade.
nenhuma surpresa em que exatamente nas "ações aconselhadas" seja Mas sem um elemento - o que pertence inteiramente ao próprio
reconhecida, mesmo sob o aspecto determinista, uma certa medida de homem, o que determina sozinho, nele, o movimento psiquico - é
liberdade. impossível compreender o fato como sua obra e torná-lo responsável
Observe-se apenas um homem numa de suas milhares de lutas por ele.
entre a atração de suas inclinações e as imposições do dever, em que

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Com a negação desse elemento causal original, a responsabili- se essa consciência como a mais profunda e expressiva espécie de
dade cai totalmente, ou cai sobre um elemento aparentemente fora da consciência, se a responsabilidade só se pudesse formar a partir da
conduta humana. A chamada ação pode então ser designada como liberdade, então o homem deve ser livre em sua essência. Mas então, só
lesiva ou prejudicial à vida jurídica ou mesmo à sociedade: o que de então, se fãlaria de homem culpável enquanto durasse o gênero
fato não tem nada a ver com a personalidade do que age. Pois o que ele humano: a pena seria imposta ao culpado e ele não faria caso dela, pois
realizou não pode ter sido por si, nem por seu caráter, nem por seu seu crime resultaria da vileza; mas o inocente poderia também calcular
espírito. . consideração e honra quando a mão pesada do destino utilizou-o como
Assim explica-se que essa teoria da formação automática da instrumento para o crime de sangLle. Que esta consciência da liberdade
vontade não é jurídica nem ética, porque não pode sê-lo. poderia desaparecer, isto é tão impossível como inviável na ordem
b. Mas, se se pudesse sustentar essa teoria, então seus adeptos jurídica estabelecida sobre ela, e uma sociedade humana sem tal.
deveriam se juntar às fileiras dos deterministas fatalistas. Pois todos os Mas quando a dificil dúvida na liberdade ficou quase totalmente
homens a que pudessem ser impostas condutas dessa espécie não sem resultado prático, então isto explica o fato que em cada novo
seriam verdadeiramente homens; embora parecessem ser executadas homem surge novamente um jovem defensor da liberdade, e ela fica
por homens, o seriam na verdade pelo acaso sob forma de coincidência nele durante toda sua vida,indiferente se com sua vontade ou contra
incalculável do homem com a fase da coação. Peculiaridades herdadas, ela. Daí a razão de ser inabalável nossa consciência de liberdade daí o
idéias e sentimentos desenvolvidos, a influência do meio, as tendências motivo do Direito fundamentar sua ordem na liberdade! '
para o bem e para o mal, ou seja lá que nomes tenham, isto tudo se
enlaça e se junta numa força coativa. E a partir desses elementos de § 63. UI. AS ÚNICAS EXCEÇÕES À CAPACIDADE DE
coação aquele tem novamente suas causas, e este, novamente os seus, A UTODETERl\1INAÇÃO
que finalmente se perdem nas sombras do passado mais distante. E que
os membros dessas diferentes cadeias de causalidade coincidem no Em vez de "liberdade", comprende-se corretamente como
mesmo momento no mesmo homem e obrigam-no irresistivelmente - é pressuposto a capacidade de ação, especialmente a capacidade de
novamente apenas acaso cego, que certamente às vezes ocasione responsabilidade. Sim; a ética e o direito têm até mesmo querido
consequências importantes. Mas o homem na verdade tem sua coroa enc~ntrar. a responsabilidade moral apenas no domínio sobre os impul-
roubada: ele não é mais autor de seus atos; ao contrário, suas ações são sos ImoraIs.
todas ondas isoladas na grande torrente do fatalismo. O determinista r. Mas, torna-se claro que a autodeterminação humana só signi-
não tem nenhum direito e nenhuma possibilidade de manter sua person- fica a exclusividade da vontade individual com base exclusivamente em
alidade, com suas considerações sobre a causalidade: sua concepção motivos individuais, e assim vê-se em seguida que sem a capacidade de
fundamental chama-o fatalmente de volta ao infinito. responsabilidade não se pode pensar que já não houve com ela a
Riehl ressalta corretamente: determinismo e predeterminismo não capacidade de responsabilidade, que a última ainda não se formou ou
podem se separar, e Dunkmann sustenta a mesma opinião e oferece o pode j á ter desaparecido onde a primeira está e ainda perdura, mas que
fundamento do preceito: porque nunca se poderia atribuir ao indivíduo, também os fundamentos da falta de autodeterminação se limitam de
no determinismo, um princípio de auto-criação. maneira inteiramente extraordinária, e só existem na vontade que
Em resumo, digo: se pudesse existir causa sem causa, se decorre do movimento humano - é inteiramente inadmissível falar de
qualquer homem de conhecimento amadurecido e seguro se julgasse, ação que possa ter alcançado na inconsciência seu impulso inicial.
por si mesmo, responsável por suas ações, se a evolução da ordem Naturalmente ocorrem, aqui também, motivos suficientes, e
moral e jurídica junto a todos os povos, em todos os tempos, provas- atuam em conjunto, sentimentos, imagens, criações em sonho, febre e

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narcose. Mas na inconsciência falta qualquer possibilidade, para o Mesmo os mais fortes impulsos para formar a própria vontade de
estímulo ao movimento que se apresenta, tomar caráter individual: não acordo com a vontade de outrem: os impulsos ao dever, aos mandados
pode provocar nenhum estímulo ao fundamento, mas, ao contrário, obrigatórios, as ameaças de perigo de vida, encontram, sem dúvida, na
joga com ele. . vontade de outrem, sua origem, mas só alcançam sua força motivadora
lI. Em relação com essas situações de inconsciência, é para se a partir da pessoa que quer impeli-los - sempre sob o pressuposto que
acrescentar também a hipnose. A ordem hipnótica paralisa, por assim o medo, talvez, não tenha levado à inconsciência dos resultados.
dizedr, a personalidade do hipnotizado em relação a essa exteriori~aç~o Também de acordo com a psicologia do direito é errado
da vontade individual - sua vontade é instrumento sem vontade propna, equiparar os efeitos da força e da ameaça de perigo.
nas mãos de outrem. "Às vezes sofremos a influência irresistível de O mais tàcilmente a ação é simulada através de mandado pessoal
uma vontade estranha". Mas nos doentes mentais despertos, que não obrigatório Enquanto Paulus nega completamente a culpabilidade do
são raivozos, a meu ver não pode ser negada a autodeterminação. Eles que deve obedecer ao mesmo, disse Ulpiano, com menos exatidão que
se determinam mais de acordo com suas idéias erradas, seus sentimen- "velle non creditur qui obsequitur imperio patris vel domini". Mas
tos doentios - não ao contrário - mas esses são individuais, idéias e certamente ele quer, e quer assim como fez, porque se diz que ele,
sentimentos desse Eu doentio, e neles essas ações muito frequente- aqui, tem de obedecer.
mente se ajustam com maior avaliação e mais lúcido domínio dessas
inibições internas e externas. Os crimes dos doentes mentais espelham IV. A AÇÃO NO SENTIDO JURÍDICO
exatamente a personalidade de seus agentes no momento da ação, § 64. 1. Seu conceito
como ocorre com as ações dos que são psiquicamente sãos. "O fazer o
erro tem pelo menos o caráter de movimento de coação puramente I. Ação e acaso: assim designa o Direito os dois grandes
automático" , contrários, aos quais subordina tudo o que acontece, feliz e infeliz-
diz um dos maiores psiquiatras do século passado. O ódio que impele mente, em sua área. Acredita-se facilmente que se tem de querer traçar
o doente mental a agir é exatamente o mesmo impulso qaue impele o a área do acaso como aquela em que a força da natureza cega destrói
caçador ilegal a matar a caça proibida: apenas falta ao doente, sem sua ou gera bens jurídicos sem o movimento da mão humana, e deixa o
culpa,· a força de resistência contra o impulso, da qual devem dispor os império da ação começar onde a vontade humana tomou as forças da
sãos. natureza a seu serviço e através dela praticou a ação. Só que os limites
A força do impulso e o domínio doente de seus motivos deixam entre as duas áreas são muito estreitos. Infinitamente frequente é
incólume a capacidade de autodeterminação. A técnica de formação da também a produção de atos humanos filhos do acaso, principalmente
vontade, se assim posso dizer, é a mesma, tanto em sãos como em quando se realizou a vontade do Direito, que não pode ser vista como
doentes. uma vontade da Lei, porque falta ao portador da vontade a maturidade
Se negamos às ações dos doentes mentais, em seu favor, de fato, necessária para isso. A nova ciência, portanto, deveria distinguir estrita
a fase da espontaneidade, é porque admitimos que eles, no estado sadio e incisivamente entre ações e fatos, pertencendo estes últimos à área do
de seu Eu, não teriam agido do mesmo modo: daí a tendência para se acaso. Mas só abusiva e surpreeendentemente se poderia designar
identificar autodeterminação e capacidade de ação. Porém não falta a como ação o movimento convulsivo de um doente ou a assinatura que
primeira, mas, sim, a última. alguém
IlI. Mas estaria totalmente errado se fosse negada a característica traça, tendo sua mão conduzida, sob força, por seu opositor. Embora,
da autodeterminação às condutas humanas decorrentes da incitação de aí, exista, essencialmente, vontade própria. Mas a vontade do que age é
outrem.

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