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Jorge Renato dos Reis


Clovis Gorczevski
(Organizadores)

Bruna Schlindwein Zeni Jorge Renato dos Reis


Camila Santos da Cunha Ivo Jose Kunzler
Caroline Müller Bitencourt Leandro Konzen Stein
Charlise Paula Colet Márcio Floriano Júnior
Clovis Gorczevski Mônia Clarissa Hennig Leal
Cristian Ricardo Wittmann Nara Suzana Stainr Pires
Cristiane Epple Neida Terezinha Leal Floriano
Cristiano Cuozzo Marconatto Piero Rosa Menegazzi
Dartagnan Limberger Costa Rosana Helena Maas
Diego Marques Gonçalves Salete Oro Boff
Erotides Kniphoff Tessmann Tricia Schaidhauer Sangoi
Felipe Dias Ribeiro Viviane T. Dotto Coitinho
Filipe Madsen Etges

CONSTITUCIONALISMO
CONTEMPORÂNEO:
Debates acadêmicos

Santa Cruz do Sul - RS

2010

1
Jurisdição constitucional e hermenêutica:
limites e fronteiras da interpretação
conforme a Constituição

Tricia Schaidhauer Sangoi 1


Erotides Kniphoff Tessmann2

Considerações iniciais

Recentemente em uma conferência proferida pelo


Professor Menelick de Carvalho Netto, no Mestrado em Direito
da Universidade de Santa Cruz do Sul, sobre a teoria da interpre-
tação jurídica, chamou-nos a atenção a preocupação do conferen-
cista em deixar claro que Constituição era vida, dor e realização.
Tal observação não foi desnecessária, principal-
mente pelo fato de vivermos ainda sob uma tradição positivista/
legalista, onde muitos juristas acreditam num mundo de "faz de
conta", crendo que tudo que não diz respeito à lei toma-se desne-
cessário e que o estrito cumprimento de seus preceitos satisfaz a
realização do direito.

' Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul; Especialista em Direito
Público Lato Sensu pela Universidade Luterana Brasileira, Professora de Direito Admi-
nistrativo e Constitucional da Faculdade Dom Alberto e do Centro Universitário Francis-
cano, Pesquisadora do grupo de estudos "Jurisdição Constitucional Aberta", vinculado ao
CNPq e Procuradora Municipal. E-mail: triciasangoi@hotmail.com
' Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul, Coordenadora do Núcleo
Docente Estruturante, Presidente da Comissão Própria de Avaliação e Professora do
Curso de Direito da Faculdade Dom Alberto e Advogada. E-mail: erotides.coordenacao@
domalberto.edu.br
A Interpretação Jurídica percorreu uma longa traje- Nas palavras de Cruz 4 :
tória, mas, por não ser objeto desse artigo, apenas será abordada
de forma sucinta a teoria da interpretação em Hans Kelsen e o O processo de criação do direito é acompanhado
chamado giro hermenêutico em Hans Georg Gadamer. pela atividade de interpretação e, esta última, nada
Essa longa trajetória de significativas mudanças na mais é que a materialização da aplicação herme-
forma de entender a hermenêutica ocorreu frente às novas exi- nêutica. Não mais como no Estado Liberal de
Direito, em que a atividade hermenêutica do juiz
gências relativas a essa sociedade complexa e, principalmente,
reduzia-se a mera atividade de interpretação libe-
frente à evolução do constitucionalismo contemporâneo. ral: hoje, é inconcebível tal procedimento. Não
O Estado Democrático de Direito exige do aplica- foi à toa que houve rupturas no decorrer da fase
dor uma resposta frente às complexas demandas judiciais, tendo Moderna, ensejando o já derrocado Estado Social,
clara a difícil tarefa de interpretar, e, de outro lado, necessário ou Estado do Bem-Estar Social, até chegarmos,
que o jurista deixe de lado o processo de automação utilizado hoje, ao Estado Democrático de Direito. No con-
por longos anos, assumindo, assim, uma nova postura frente à texto do Estado Democrático de Direito, em que
hermenêutica constitucional, adequando sua decisão às particu- resta evidente um Direito Pluralista, participati-
laridades do caso concreto. vo e constituído por uma sociedade de interesses
O presente artigo pretende tratar de forma geral da multifacetados, a tarefa do Juiz passou por um
extremo alargamento, cabendo-lhe não mais uma
jurisdição constitucional e da hermenêutica, analisando mais es-
atividade literal, mas muito além, deve ele posi-
pecificamente a modalidade de decisão "interpretação conforme cionar-se perante os textos jurídicos, assim, como
a Constituição" na qual se declara qual das possíveis interpreta- também, dos elementos fáticos que compõem o
ções é compatível com a Constituição. caso concreto.

Jurisdição constitucional Na mesma senda, Strek5 expõe muito bem a questão:

As novas exigências sociais impeliram o poder ju- O enfrentamento do Positivismo não é simples-
diciário a deixar de exercer apenas uma tarefa mecânica de apli- mente um confronto entre modelos de Direito. O
cação da lei subsumida automaticamente ao fato concreto em confronto é paradigmático. O novo constituciona-
análise. A efetivação dos direitos sociais, que antes eram con- lismo nascido da revolução copernicana do Direito
siderados normas meramente programáticas, passou a exigir do público traz para dentro do Direito temáticas que
antes se colocavam à margem da discussão públi-
Poder Judiciário uma aplicação construtiva do direito material de
ca: a política, representada pelos conflitos sociais,
modo a alcançar a justiça, ou seja, para a resolução dos conflitos,
os direitos fundamentais-sociais historicamente
o direito não mais poderia ficar alheio aos valores e, principal- sonegados e as possibilidades transformadoras da
mente, à desigualdade entre as partes.
Coube a esse poder "uma tarefa densificadora e con- 4
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Coord. O Supremo Tribu11al Federal Revisitado. Belo
cretizadora do direito, a fim de se garantir, sob o princípio da Horizonte: Mandamentos, 2003.
igualdade materializada, a Justiça no caso concreto."3 5
STREK, Luis Lenio. lnte1pretar é co11cretizar: em busca da superação da discricionarie-
dade do Positivismo Jurídico. ln: Douglas César Lucas (Org.). Olhares hermenêu-
ticos sobre o Direito em busca de sentido para os caminhos do jurista. Ijuí: UNIJUÍ,
3
CATTONl, Marcelo. Direito Co11stitucio11al. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 55. 2006.

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sociedade a serem feitas no e a partir do Direito. Ressalta-se que a jurisdição constitucional não se
Afinal, Direito Constitucional é Direito Político restringe apenas à questão do controle de constitucionalidade
(H. P. Schneider). Tais perspectivas nos aparecem mas, principalmente, atua como a principal garantidora da tutel~
a partir de um constitucionalismo compromissó- dos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente prote-
rio e (ainda) dirigente, mormente em Países em gidos, efetivação esta que se dá através de um Tribunal Constitu-
que as promessas da modernidade nunca foram
cional ou por via difusa, onde os demais órgãos do Poder Judici-
cumpridas. E a materialidade das Constituições
se institucionaliza a partir da superação dos três
ário têm legitimidade para promover a composição de lides nas
pilares nos quais se assenta(va) o Positivismo quais incidam tais matérias.
Jurídico (nas suas variadas formas e facetas): o Pode-se dizer que há dois grandes modelos de juris-
problema das fontes (a lei), a teoria da norma (Di- dição constitucional que, de certa forma, representam a grande di-
reito é um sistema de regras em que não há espaço visão desse sistema e que tiveram grande influência na jurisdição
para os princípios) e as condições de procedibi- de muitos países. Como assevera Leal, "existem, grosso modo,
lidade para a compreensão dos fenômenos, isto é, dois modelos jurisdicionais distintos de aferição de constitucio-
a questão fulcral representada pela interpretação, nalidade: um difuso, oriundo dos países da common law, e outro
ainda fortemente assentada no esquema sujeito-
concentrado, característico dos países de tradição civilística" 8•
objeto, donde a permanência do modelo subjunti-
No modelo norte-americano, de controle difuso, a
vo, como se a realidade fosse acessível a partir de
raciocínios causais-explicativos.
apreciação da inconstitucionalidade pode ser realizada por qual-
quer membro do Poder Judiciário, não ficando a apreciação res-
Indubitavelmente, as exigências e a complexidades trita exclusivamente à Suprema Corte. Pode-se afirmar que essa
do mundo contemporâneo requerem um poder judiciário ativo modalidade de controle de constitucionalidade surge com o fa-
onde os conflitos de índoles eminentemente políticas são trazidos moso caso Marbury v. Madison, em 1803, histórica decisão da
ao exame, necessitando de soluções compatíveis. Barroso6, quan- Suprema Corte, em que John Marshall sustentou a tese de que a
do trata do pós-positivismo, refere que "sua marca é a ascensão Constituição é a base de todos os direitos, lei suprema do orde-
dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e namento, devendo, por isso, ser respeitada e proibida a sua mo-
dificação pela via ordinária9; esse caso, notadamente, deu início
a essencialidade dos direitos fundamentais".
Inegavelmente, a Jurisdição Constitucional é um ao judicial review nos Estados Unidos, surgindo daí o modelo de
instrumento indispensável para a realização do Estado Democrá- controle difuso de constitucionalidade.
tico de Direito. Na definição de Agra, "jurisdição constitucional é Já o modelo concentrado surge nos moldes no Tri-
a função estatal que tem a missão de concretizar os mandamentos bunal Constitucional austríaco, que tem como sustentáculo a
contidos na Constituição, fazendo com que as estruturas n01mati- Constituição Austríaca de 1920 ( Oktoberve,fassung) e a funda-
vas e abstratas possam normatizar a realidade prática"7 • mentação teórica de Hans Kelsen sobre a hierarquia suprema da
Constituição em relação às demais normas jurídicas. Inspirado
pelo modelo austríaco, porém, foi na Alemanha que a jurisdição
constitucional concentrada atingiu o seu apogeu.
6 BARROSO, Luís Roberto. A inte1pretação e aplicação da Constituição. Fundamentos
de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 342.
8
7 AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da Legitimidade do Supremo Tribunal Fede- LEAL, Mônia Clarissa Hennig. A constituição como Princípio. Barueri: Manole, 2003,
ral: Densificação da Jurisdição Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 96.
9
p. 19. Ibidem, p. 96.

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A constituição de Weimar ( 1919) não previu expres- Abreu Dallari
11
quando fala da "boa rebelião dos juízes" argu-
samente a existência de um controle de constitucionalidade das menta que:
leis. Entretanto, a tragédia vivenciada sob o regime nazista deu
origem à necessária criação de instrumentos impeditivos de uma Em vários pontos do Brasil já existem hoje asso-
nova ditadura da maioria em um regime totalitário, demonstran- ciações de juízes que não seguem o modelo das tra-
do a necessidade de adoção do judicial review pela Lei Funda- dicionais organizações corporativas, as quais, vi-
mental alemã em 1949 1º. sando proteger os juízes de contaminação pela so-
Frente à Constituição Federal de 1988, o sistema bra- ciedade, estimulavam o isolamento e alimentavam
sileiro de controle de constitucionalidade é o JURISDICIONAL, a resistência a qualquer inovação. Como exemplo
contemplando o modelo CONCRETO (difuso) e o ABSTRATO do novo tipo de associação pode ser mencionada
a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul,
(concentrado). Pela existência desses dois modelos, pode-se di-
com seu núcleo de direito alternativo, que pode ser
zer que o sistema de constitucionalidade é o jurisdicional misto.
questionado por algumas posições mais extrema-
Misto no sentido de prever a coexistência de ambos os modelos, das, como quando parece pretender que cada juiz
embora funcionem paralelamente, ou seja, não se colidem nem faça o "seu direito" e a "sua justiça", ignorando as
se confundem, como também não se interpenetram, pois cada um leis do País. De qualquer modo, merecem registro
deles possui regras próprias de funcionamento. suas posições corajosas e seu esforço para conse-
No exercício da jurisdição constitucional, notada- guir que o judiciário saia da acomodação e procure
mente no controle de constitucionalidade, o estudo da hermenêu- assumir papel positivo na busca da justiça.
tica jurídica vem sempre acompanhado de abordagens que inves-
tigam e procuram os limites da interpretação. Tal preocupação, A tentativa de Hans Kelsen de limitar a interpre-
angústia para muitos, ocorre quando se busca um equilíbrio entre tação da lei através de uma ciência pura do Direito, conhecido
os Poderes e, principalmente, a manutenção do Estado Democrá- como Positivismo Jurídico, logrou êxito e por décadas não se
tico de Direito. admitia uma aplicação do direito que não fosse "neutra", "acépti-
ca" ou baseada em princípios e métodos científicos da ciência da
Hermenêutica constitucional e filosófica natureza. Sofre-se ainda a influência dessa escola, e a tarefa de
libertação ainda é árdua e distante, mas notadamente caminha-se
Resta claro que o juiz, ou qualquer outro aplicador para "alforria" do positivismo. Como salienta Streck 12 :
do direito, não pode transformar a prestação jurisdicional num
procedimento mecânico de aplicação silogística da lei, tomada O debate acerca da sobrevivência do positivismo
ou da resistência deste face ao Estado Constitu-
como premissa maior sob a qual se subsume automaticamente o
cional, entendido na sua versão de Estado Demo-
fato. A atividade do juiz precisa ser vista como algo de grande
crático de Direito, deita raízes na discussão sobre
complexidade, uma vez que, em última instância, passa a ser as posições historicamente opostas ao Estado
garantidora dos direitos fundamentais e, consequentemente, das Constitucional: a) norma em vez de valor; b) sub-
demandas sociais, de responsabilidade do Estado. Dalmo de
:: DALLARI, Dalrno_de Abreu. O ~oder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 83.
S_TREK, Lms Lemo. A herrneneut1ca filosófica e as possibilidades de superação do
'º MORAES, Alexandre de. Jurisdição Constitucional e tribunais constitucionais; garan- pos1t1V1sm~ pelo (Neo) ~onstitucionahsmo. ln: SAMPAIO, José Adércio Leite (Org.).
tia suprema da Constituição. São Paulo: Atlas, 2003, p. 117. Const1twçao e Cnse Poht1ca. Belo Honzonte: De! Rey, p. 279.

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sunção em vez de ponderação; c) independência sistematização dos procedimentos interpretativos, maximizando
do direito ordinário em vez de onipresença da a importância do conhecimento jurídico obtido por meio do olhar
Constituição; d) autonomia do legislador demo- compenetrado dos métodos e dos critérios de aprendizagem". 14
crático dentro do marco da Constituição em vez Como prescreve Lucas 15,
da onipotência judicial apoiada na Constituição.
O tecnicamente da hermenêutica está diretamen-
Para o Positivismo Jurídico era necessário que a te relacionado com o processo de esquecimento
hermenêutica jurídica ficasse restrita a uma tarefa meramente de- do ser do Direito, daquilo que o coloca no mundo
clarativa de um direito preexistente, buscando no texto da lei a além da norma jurídica escrita que é responsável
pela sua existencialidade rica e precária fundada
intenção do legislador, de forma a garantir a segurança e a previ-
historicamente. Tomada por essa dimensão instru-
sibilidade, sendo a Escola da Exegese a que melhor representou mental, a hermenêutica produz tecnicamente a si
esse ideal. Entretanto, mesmo tendo essa escola reinado sobera- mesma e transforma/fabrica aquilo que não tem
namente entre os juristas brasileiros desde o início do século XX, sentido além do procedimento no único sentido
hoje, notadamente, não atende mais aos anseios dessa sociedade possível do Direito.
que se encontra em constante transformação.
A necessidade de profundas alterações no direito A hermenêutica filosófica inaugura uma nova fase
faz nascer um novo constitucionalismo, que proporciona a supe- de questionamentos e reflexões acerca da hermenêutica jurídica,
ração do paradigma positivista, compreendido no Brasil como sendo de extrema importância para o "desvelar das possibilida-
13
produto de uma simbiose entre formalismo e positivismo. des do direito 16", demonstrando a necessidade de se compreen-
Como refere Streck, der em vez de fundamentar. Considerando a extrema importância
dessa virada hermenêutica, para um melhor entendimento desse
Na verdade, embora o positivismo possa ser com- fenômeno, pretende-se analisar sucintamente o impacto dessas
preendido no seu sentido positivo, como uma revelações trazidas pela he1menêutica filosófica para a herme-
construção humana do direito enquanto contra-
nêutica constitucional.
ponto ao jusnaturalismo, e tenha, portanto, repre-
Notadamente, o paradigma da racionalidade instru-
sentado um papel relevante em um dado contexto
histórico, no decorrer da história acabou transfor- mental não alcançou o seu intuito de "dominação" da natureza
mando-se e no Brasil essa questão assume foros e do homem, vindo a hermenêutica filosófica diferentemente da
de dramaticidade - em uma concepção matemati- hermenêutica instrumental, acerca da autonomia textual, afastar
zante do social, a partir de uma dogmática jurídica qualquer pretensão de total interpretação, defendendo que a in-
formalista, de nítido caráter retórico. terpretação só ocorrerá a partir da pré-compreensão de um intér-
prete inserido na tradição e consciente da sua historicidade.
Percebe-se, assim, que a hermenêutica tradicional
utilizou-se de técnicas e procedimentos, classificações e teorias
14
LUCAS, Douglas César. Hermenêutica Filosófica e os limites do acontecer do Direito
que sustentavam um rigor investigativo necessário para alcançar numa cultura jurídica aprisionada pelo "procedimentalismo metodológico". ln: Olhares
os sentidos jurídicos essenciais inseridos no Direito, pautou "pela he1;nenê11ticos sobre o Direito: em busca de sentido para o caminho do jurista. Ijuí: UNI-
JUI, 2006, p. 33.
15
Ibidem, p. 34.
16
13
Ibidem, p.34.
Ibidem, p. 279.

162 163
Gadamer, valendo-se do entendimento de Heidegger nêutica jurídica não pode mais ser reduzida a meras técnicas in-
sobre a estrutura ontológica do círculo hermenêutico, acrescenta terpretativas utilizadas para retirar o verdadeiro significado do
o seu caráter universal e histórico, transformando a historicidade texto legal.
da compreensão em um princípio hermenêutico. É o ver a estru- No lugar de uma hermenêutica apta para a reprodu-
tura prévia da compreensão, composta de pré-conceitos que são, ção do texto legal, surge uma hermenêutica filosófica criadora da
condições transcendentais da própria compreensão, não p~dendo nonna jurídica e, no lugar do intérprete que se limita a repetir as
jamais serem excluídos, diferentemente de que se pretendia com palavras do legislador, surge um intérprete que reflete criativamen-
a "ingênua" neutralidade do positivismo jurídico. te o texto a partir do seu contexto, da sua relação com o mundo.
O intérprete precisa ter a consciência crítica de que
Gadamer, valendo-se significativamente do pen- a compreensão pode se deixar conduzir por preconceitos ou pré-
samento de Heidegger, apresenta a historicidade -concepções falsas ou equivocadas, não podendo se afastar esse
da compreensão como princípio hermenêutico risco totalmente, devendo, portanto, o intérprete, sabendo disso,
fundamental, o que significa dizer que a condição desenvolver um meio de compreensão adequado à sua realidade
de possibilidade hermenêutica é a dimensão histó- e que o auxilie. Pois, segundo Gadamer, "são os preconceitos não
rica que envolve o intérprete e o interpretado. Em
percebidos os que, com seu domínio, nos tornam surdos para a
Gadamer, o primeiro momento da tarefa herme-
coisa de que nos fala a tradição" 18 , concluindo que
nêutica é a elaboração de um projeto adequado à
coisa que se quer compreender, de um projeto que
se abra para o desconhecido ao mesmo tempo que Quem busca compreender está exposto a erros de
já esteja balizado pelos juízos prévios que se tem opiniões prévias que não se confirmam nas pró-
sobre a coisa. Não existe, porém, um projeto de prias coisas. Elaborar os projetos corretos e ade-
interpretação que comece vazio, uma vez que está quados às coisas, que como projetos são antecipa-
previamente implicado por uma situação herme- ções que só podem ser confirmadas 'nas coisas',
nêutica específica. Aquele que interpreta projeta tal é a tarefa constante da compreensão. Aqui não
suas possibilidades de conhecimento a partir das existe outra 'objetividade' a não ser a confirma-
perspectivas de mundo e da formação histórica ção que uma opinião prévia obtém através de sua
que possui, resultantes da tradição na qual está elaboração. Pois o que é que caracteriza a arbitra-
riedade das opiniões inadequadas senão o fato de
inserido. 17
que no processo de sua execução acabam sendo
aniquiladas? A compreensão só alcança sua ver-
A proposta de visualizar a hermenêutica constitu- dadeira possibilidade quando as opiniões prévias
cional sob a ótica da hermenêutica filosófica de Gadamer foi de com as quais inicia não forem arbitrárias. Por isso,
arande importância para uma compreensão mais .adequada do
b . faz sentido que o intérprete não se dirija direta-
próprio Direito, questionando a própria hermenêutica, não mais mente aos textos a partir da opinião prévia que
limitando-a ao estudo dos métodos adequados para a descoberta lhe é própria, mas examine expressamente essas
do verdadeiro sentido da norma. Depois de Gadamer, a herme- opiniões quanto à sua legitimação, ou seja, quanto
à sua origem e validez.
" LUCAS Douglas César. Hermenêutica Filosófica e os limites do acontecer do Direito
numa cult~ra jurídica aprisionada pelo "procedimentalismo metodológ_ico". ln:_ ~/hares 18
hermenêuticos sobre o Direito: em busca de sentido para o cammho do JUnsta. IJtll: UNI- GADAMER, Hans Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petró-
polis: Vozes, 2003. Vol. 2, p. 359.
JUÍ, 2006, p.42.

164 165
Portanto, a hermenêutica filosófica demonstra que supremacia constitucional que identifica os Es-
a interpretação por subsunção, onde ao intérprete basta apenas tados Democráticos, servindo, nessa perspectiva,
trazer os conceitos abstratos e preestabelecidos, aplicando direta- c~mo vetor hermenêutico e como parâmetro para
mente ao fato, sacrificando, muitas vezes, dados reais da vida em a mterpretação de todas as demais normas do or-
nome de uma generalidade da norma, deve ceder a uma compre- denamento jurídico. Significa dizer que em face
ensão que reflete criticamente a tradição jurídica quando da con- do processo de constitucionalização que marca o
atual estágio de desenvolvimento da ciência jurí-
cretização da norma, estando sempre a serviço da realidade social.
dica ocidental, rompe-se com a perspectiva liberal
Certamente esse intérprete vai dar vida ao texto constitucional,
assentada numa noção de interpretação legalista
liberto dos dogmas positivistas, assumindo uma postura crítica e e codicista, em que os âmbitos público e privado
reflexiva, não desprezando a sua própria relação com o mundo. não interagiam, cabendo, antes, uma prevalência
O jurista deve estar atento de que o direito é um a este último.
instrumento transformador da sociedade, portanto, o intérprete
deve acordar e deixar ver a sua pré-compreensão (círculo her- ~ . , . A interpretação constitucional não admite a concep-
menêutico), entendendo o seu papel na construção do sentido da çao ilusona de que possa existir uma única solução correta, uma
própria norma, reconhecendo que método algum poderá afastar a vez_ qu~, sob a égide dos seus princípios e regras, numa argumen-
subjetividade do intérprete, sendo o seu reconhecimento a forma taçao smgul~rmente fundamentada, haverá várias soluções, até
mais segura de evitar "injustiças". por s~r um sistema complexo de comunicações que lhe permite
orgamzar suas próprias propostas dentro do quadro no1mativo.
A interpretação conforme a Constituição Por isso a necessidade de um eixo hermenêutico de referência
baseado em pressupostos valorativos, que permita dispor sobr~
Importante modalidade de decisão, a interpretação a acomodação ou estranhamento no confronto com os sentidos
confo1me a Constituição se dá quando o Tribunal declara quais concretos de contexto.
possíveis interpretações se mostram compatíveis com a Lei Fun- , A interpretação conforme a Constituição constitui,
damental.19 Assevera Gilmar Mendes que esse tipo de decisão e o dever do Estado-juiz, quando da proclamação da justiça do
"adquiriu um peculiar significado da Jurisprudência do Tribunal caso concreto de reconhecer a possibilidade de vários sentidos
graças a sua flexibilidade que pe1mite a renúncia ao formalis- proveni~~tes de um mesmo texto de lei. Possibilitando ao julga-
mo jurídico em nome da idéia de justiça material e da segurança dor decidrr conforme a sua consciência e a ordem jurídica, evi-
jurídica". 20 Nas palavras de Leal2 1, tando uma jurisprudência estanque, afastando a possibilidade de
o juízo de conhecimento rechaçar não o texto em si, mas o senti-
Trata-se, antes de mais nada, de um princípio do que dele emanou pela tradição, cuja aplicação frente ao caso
interpretativo diretamente decorrente da própria concreto levaria a uma decisão.

19
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas Assim, segundo essa perspectiva, nenhuma nor-
no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 287. ma pode ser interpretada de forma contrária ao
20
Ibidem, 287. sentido do texto constitucional, impondo-se uma
21
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Interpretação conforme a constituição X nulidade parcial
interpretação que potencialize os seus conteúdos
sem redução de texto, semelhanças, diferenças e reflexão sobre sua operacionalidade pelo
Supremo Tribunal Federal. ln: REIS, J. R.; LEAL, R. G. (Orgs.). Direitos Sociais e Políti- realizando os fins por ela propostos. Resulta daí
cas Públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006, p. 1.565. uma vinculação de todo o ordenamento ao que es-

166 167
tabelece a Constituição, abrindo-se espaço, dessa verenciar o legislador democrático e utilizar com parcimônia o
forma, para a construção da idéia de "interpreta- poder de fulminar as leis". 25
ção conforme a constituição", aqui analisada, e
De qualquer sorte, pode-se dizer, também, que a in-
que passa a ser compreendida como imperati:'a
para a compreensão e aplicação de qualquer legis-
terpretação conforme a Constituição, ao excluir expressamente
lação e/ou ato normativo. 22 outra ou outras interpretações possíveis que levariam a resultado
oposto com a Constituição, funciona como um mecanismo de
Entretanto, alguns autores, dentre eles Tavares, afir- controle de constitucionalidade. Possui uma função conservado-
mam que a interpretação conforme a Constituição seria mais b~m ra da norma no sistema de direito positivo, possibilitando que
compreendida como um método de trabalho a ser des~nvolv1do se realize, sem redução do texto normativo, o controle de sua
no controle de constitucionalidade do que compreendida como constitucionalidade. Nesse sentido, transcrevemos um trecho da
uma forma a mais de interpretação, diz o autor23 : Ementa da ação direta de inconstitucionalidade n. 1.344, em que
foi relator o Ministro Moreira Alves 26 :
Isto porque a sua ratio de utilização se dá no
Tribunal Constitucional (no caso do controle Impossibilidade, na espécie, de se dar interpreta-
concentrado) e até nos diversos tribunais e ins- ção conforme a Constituição, pois essa técnica só
tâncias existentes no seio do Poder Judiciário é utilizável quando a norma impugnada admite,
(na hipótese do controle difuso), quando da ve- dentre as várias interpretações possíveis, uma que
rificacão da eventual (in)constitucionalidade de a compatibilize com a Carta Magna, e não quan-
deten~inado ato normativo, vale dizer, quando do o sentido da norma é unívoco, como sucede
do exercício do que se pode chamar de vertente no caso presente. Quando, pela redação do texto
formal da Justiça Constitucional. É assim, indu- no qual se inclui a parte da norma que é atacada
bitavelmente, uma técnica de decisão da Justiça como inconstitucional, não é possível suprimir
Constitucional. dele qualquer expressão para alcançar essa parte,
impõe-se a utilização da técnica de concessão da
A interpretação conforme a Constituição encontra liminar "para a suspensão da eficácia parcial do
sua origem e evolução na jurisprudência n01ie-americana, desde texto impugnado sem a redução de sua expressão
literal", técnica essa que se inspira na razão de ser
0 famoso voto proferido pelo Justice Brandeis no caso Ashwan-
da declaração de inconstitucionalidade "sem re-
der v. Tennesse Valley Authority. 24 Naquele momento e naquele dução do texto" em decorrência de este permitir
contexto, "a técnica foi utilizada como uma política de atuação interpretação conforme a Constituição.
da Suprema Corte (a avoidance doctrine), como forma de re-
Portanto, uma vez reconhecia a inconstitucionalida-
de de leis e para não aplicá-las a interpretação conforme surge
22LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Interpretação conforme a constituição X nulidade parcial
sem redução de texto, semelhanças, diferenças e reflexão sobre sua operac10nahdade p~lo
como uma técnica "alternativa", contornando e promovendo a
Supremo Tribunal Federal. ln: REIS, J. R.; LEAL, R. G. (Orgs.). Direitos Sociais e Poht1- conformação constitucional do direito, não restando dúvida de
cas Públicas: desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006, p. 1.565. , que a norma para ser constitucional, há de ter pelo menos um dos
"TAVARES, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. São Paulo: Me-
lado, p. 137. , . . . I . M ·-
7
" TAVARES, André Ramos. Fronteiras da Henneneut1ca Constilucwnal. Sc10 Pau o. 1 e " Ibidem, 136.
todo, p. 137. '" http/www.stCbr. Acesso em 07/12/2007.

168 169
seus sentidos em consonância (compatível) com a Lei Maior. É
zação do recurso, quando em lugar do resultado
um recurso que busca a validação da norma tida como incons- requerido pelo legislador se obtém uma regulação
titucional, uma vez que o intérprete, depois de esgotar todas as nova e distinta.
interpretações convencionais possíveis e não encontrando uma
interpretação que se coadune com a constituição e em não con- Ao tratar dos limites da interpretação conforme a
tendo na nonna interpretada nenhuma violência à Constituição constituição, o Ministro do Supremo Tribunal, Gilmar Ferreira
Federal, vai analisar a possibilidade de a norma constitucional Mendes, ~ssever~ que a expressão literal, bem como os propósi-
sofrer algum alargamento ou restrição, a fim de que se compati- tos do legislador impõe limites à interpretação. Diz o Ministro 28 :
bilize com a Carta Maior.
Entretanto, esse alargamento ou restrição deve ser Ressalta-se, assim, a dupla função desempenhada
feito de forma que não afronte a literalidade da norma. Com fle- pela função literal (Wortlaut) do texto normativo:
xibilidade, o princípio da interpretação conforme a Constituição sua plurissignificatividade constitui a base que
permite uma renúncia ao formalismo jurídico e às interpretações permite separar interpretações compatíveis com
convencionais em nome da ideia de justiça material e da segu- a Constituição daquelas que se mostram com ela
rança jurídica, elementos tão necessários para um Estado Demo- incompatíveis; a expressão literal do texto confi-
gura, por outro lado, um limite para interpretação
crático de Direito.
conforme a Constituição. As decisões fundamen-
O problema que se enfrenta é a delimitação dos t~is do legislador, as suas valorizações e os obje-
limites e fronteiras da interpretação conforme a constituição, tivos por ele almejados estabelecem também um
pressuposto de validade (legitimação) que se expira frente a sua limite para a interpretação conforme a Constitui-
incompatibilidade ideológica em relação às expectativas de uma ção. Não se deve conferir a uma lei com sentido
interpretação conforme a Constituição (legitimidade). inequívoco significação contrária, assim como
Como salienta Tavares, a técnica não pode admi- não se devem falsear os objetivos pretendidos
tir um ato de vontade absoluto, desenfreado, ilimitado. Diz ele: pelo legislador.
"Fazê-lo seria trilhar as veredas da mais extremada subjetivida-
de e, consequentemente, da insegurança. Nesse sentido, afigura- . _Não pode o julgador, quando da interpretação, ima-
se essencial estabelecer determinados limites, conforme já dito gmar que a mterpretação conforme a Constituição lhe confere
alhures"27 • Continua o autor: uma delegação para que melhore ou aperfeiçoe a lei. Tal atitude
seria desprovida de legitimidade, sendo uma alteração no conte-
A técnica, contudo, encontra limites, derivados ú?o da lei _"uma intervenção mais drástica na esfera da competên-
tanto do âmbito literal da norma quanto da vonta- cia do legislador do que a pronúncia da nulidade" 29 , como asse-
de (objetiva) do legislador ao aprovar a lei. Exis- vera o Ministro Gilmar Mendes, porque a pronúncia de nulidade
tem, também, limites lógicos ao uso da interpre- "assegura ao ente legiferante a possibilidade de imprimir nova
tação conforme a Constituição, não se admitindo conformação com a matéria" 3 º.
que o julgador se substitua ao legislador, fugindo
da literalidade da lei ( ... ) deve-se afastar a utili-
28
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas
27
no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 290.
TAVARES, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. São Paulo: Mé- 9
' Ibidem, 290.
todo, p. 138. 30
Ibidem, 290.

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171
( ... ) ao entender que a interpretação constitucio- Em síntese, o que se tem na interpretação constitu-
nalmente conforme não foi feita para conformar cionalmente conforme é uma interpretação da lei
um dispositivo infraconstitucional inconstitucio- (e da Constituição) sem qualquer inovação, salvo
nal à norma fundamental, mas, sim, para elimi- a orientação de que, na leitura da lei, não se devem
nar uma interpretação que lhe é desconforme. Do adotar sentidos (significativos) interpretativos
contrário, ter-se-á uma "interpretação constitucio- hermeneuticamente possíveis mas constitucio-
nalmente conforme" inconstitucional. 31 nalmente inviáveis. Neste sentido, a interpretação
constitucionalmente conforme produziu efeitos
Portanto, não cabe ao Poder Judiciário anular uma genéricos na interpretação das leis, constituindo
lei quando puder, de alguma maneira, preservá-la no ordenamen- um patrimônio básico do Estado Constitucional
to jurídico, num dos sentidos que ela comporte e que esteja em maduro. Se, se considera que o ato de seleção da
opção interpretativa, dentre aquelas opções prima
consonância com a Constituição Federal. Sempre que possível, a
facie admissíveis, é ainda um ato de interpretação,
norma deve ser interpretada de maneira a ser dotada de eficácia,
então a interpretação conforme também, contém,
só devendo ser declarada a sua inconstitucionalidade, e conse- em si, uma especificidade interpretativa, por re-
quente banimento do ordenamento jurídico, em última hipótese. duzir o âmbito subjetivo da interpretação da lei,
Nesse sentido, a interpretação conforme a Consti- sem que isso signifique o abandono da idéia de
tuição funciona como um fator de autolimitação da atividade do que se trata, igualmente, de uma técnica da Justiça
Poder Judiciário que deverá respeitar a atuação dos demais Pode- Constitucional. 32
res, Legislativo e Executivo, e, consequentemente, obedecer ao
princípio da separação dos poderes. Tal princípio encontra seus Considerações finais
limites na própria literalidade da norma, ou seja, não é permitido
ao intérprete inverter o sentido das palavras nem modificar a cla- As significativas mudanças na forma de entender
ra intenção do legislador. a hermenêutica oco1Teu frente às novas exigências relativas a
Isso significa que na busca de se salvar a lei não esta sociedade complexa e, principalmente, frente à evolução do
é permitido aos Tribunais fazer uma interpretação contra lege, constitucionalismo contemporâneo. O Estado Democrático de
é dizer, não sendo permitido ao Poder Judiciário exercer a fun- Direito passou a exigir do aplicador que ele responda às deman-
ção de legislador positivo, que é competência precípua do Poder das judiciais, deixando de lado o processo de automação utiliza-
Legislativo. Trata-se aqui de uma interpretação delicada por ser do por muitos anos, assumindo, assim, uma nova postura frente à
feita numa linha tênue da constitucionalidade e o da inconstitu- hermenêutica constitucional, adequando a decisão às particulari-
cionalidade. dades do caso concreto.
E por estar nessa linha limítrofe é que o Poder Judi- Inegavelmente, a Jurisdição Constitucional é um
ciário pode conferir à norma em exame uma interpretação cons- instrumento indispensável para a realização do Estado Democrá-
titucional e afastar, assim, os inconvenientes advindos da decla- tico de Direito. No exercício da jurisdição constitucional, notada-
ração de inconstitucionalidade. mente no controle de controle de constitucionalidade, o estudo da
hermenêutica jurídica vem sempre acompanhado de abordagens

31 32
TAVARES, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. São Paulo: Mé- TAVARES, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. São Paulo: Mé-
todo, p. 139. todo, p. 141.

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que investigam e procuram os limites da interpretação. Tal preo- Referências
cupação, angústia para muitos, ocorre uma vez que se busca um
equilíbrio entre os Poderes e, principalmente, a manutenção do
Estado Democrático de Direito. AGRA, Walber de Moura. A reconstrução da Legitimidade
A hennenêutica filosófica demonstrou que a inter- do Supremo Tribunal Federal: Densificação da Jurisdição
pretação por subsunção, onde ao intérprete basta apenas trazer os Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
conceitos abstratos e preestabelecidos, aplicando diretamente ao BARROSO, Luís Roberto. A interpretação e aplicação da Cons-
fato, sacrificando, muitas vezes dados reais da vida em nome de tituição. Fundamentos de uma dogmática constitucional trans-
uma generalidade da norma, deve ceder a uma compreensão que formadora. São Paulo: Saraiva, 2006.
reflete criticamente a tradição jurídica quando da concretização BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos
da norma, estando sempre a serviço da realidade social. Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
Certamente esse intérprete vai dar vida ao texto
constitucional, liberto dos dogmas positivistas, assumindo uma -----,· O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São
Paulo: Ícone, 1995.
postura crítica e reflexiva, não desprezando a sua própria rela-
ção com o mundo. A interpretação conforme a Constituição é CATTONI, Marcelo. Direito Constitucional. Belo Horizonte:
a comprovação de que a interpretação norma constitucional, o Mandamentos, 2002.
conhece do seu "espírito" da sua essência é indispensável para CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Coord. O Supremo Tribunal
a boa compreensão das demais normas que compõem o nosso Federal Revisitado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.
ordenamento jurídico.
Tendo em vista que a Constituição Federal deve in- DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. São
Paulo: Saraiva, 1980.
formar todo o conjunto do ordenamento jurídico, verifica-se que
a utilização dessas modernas formas de interpretação constitu- ___ . O Poder dos Juízes. São Paulo: Saraiva, 2007.
cional tem como objetivo evitar a criação de lacunas no orde- GADAMER, Hans Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio
namento jurídico decorrente da declaração de inconstitucionali- Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 2003. Vol. 1 e 2.
dade da lei. Elas visam, sobretudo, à manutenção do direito, do
interesse social e ao combate aos danos da insegurança jurídica ___ . A razão na época da ciência. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1983.
gerados pela exclusão da norma inconstitucional do nosso siste-
ma jurídico. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
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cia dos direitos fundamentais, que tradicionalmente são impu-
tadas aos entes regidos pelo direito público, ou seja, o Estado,
verificou-se a necessidade de analisar novamente, e sob a ótica
do constitucionalismo contemporâneo, a questão.
Com esse escopo, questiona-se: A simples remissão
à vinculação dos partidos políticos aos direitos fundamentais é
suficiente para garantir a sua observância? Um paitido político,
com base na sua autonomia, poderia deixar de aceitar filiação em
virtude de raça ou crença? Existe limitação à interpretação dos
paitidos acerca dos direitos fundamentais que devem respeitar?

1
Graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Direito do
Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e Mestrando em Direi-
to pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. E-mail: filipe_etges@yahoo.com.br

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