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DIREITOGV
302 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL
1. lntrodução
1,.
O controle de constitucionalidade brasileiro, tanto o concreto
como o abstrato, apresentou, desde o final da década de 1980,2 a par-
tir de conceituações jurisprudenciais e doutrinárias de outros Países,' (i) a presunção de constitucionalidade, (ii) a unidade da ordem jurídi-
uma nova técnica de decisão que, de certa forma, se afasta da mais ca e (iii) a preservação do trabalho legislativo.7
comum declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade Assim, os motivos - conceito central do trabalho - abarcam tanto
da norma. o pressuposto quanto as justificativas para a adoção da interpretação
Intitulou-se tal método de interpretação conforme a Constitui- conforme a Constituição. Logo, o intuito do trabalho é, basicamente,
ção,4 a qual, sem o intuito de ser definitiva ou abarcar todas as concei- verificar (i) quais são os motivos presentes para o uso da técnica na
tuações já firmadas, pode ser conceituada da seguinte maneira: diante jurisprudência do STF e (ii) a congruência que apresentam com a hi-
de uma norma que abarca, em sua interpretação, múltiplos sentidos, pótese tradicional.
deve-se adotar, graças à unidade da ordem jurídica, à preservação do Para isso, foram procurados acórdãos sobre o tema no sítio ele-
trabalho legislativo e à presunção de constitucionalidade das normas, trônico do STF.' A pesquisa das expressões "interpretação adj. con-
aquela interpretação que seja mais compatível - conforme - com a forme" e "interpretação adj. conforme adj. constituição" resultou em
Constituição, excluindo todas as demais.5 mais de 200 acórdãos nos quais aparecem as expressões, A monogra-
Dessa forma, há um pressuposto para o uso da interpretação con- fia da qual decorre este artigo analisa os resultados da pesquisa com
forme, que é a pluralidade de sentidos da norma, sendo um deles com- maiores detalhes. Por uma questão de espaço, irei abordar as conclu-
patível com a Constituição, e três fundamentos que justificam a apli- sões da monografia por meio da indicação e exposição dos casos mais
significativos do tema.
cação do sentido que está em maior conformidade com a Constituição:'
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JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL JNTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTJTUIÇÃO 307
306
Tabela 1 - Origem dos votos vencedores que apresentaram abstrato, os quais muitas vezes precisam ser devidamente delineados
interpretação conforme a Constituição em seus limites temporal, espacial, pessoal ou material.
··.
. Modo de .controle . l'roporção .
.
3. Motivos de adoção da interpretação conforme a Constituição
Concentrado 88 (81,48%)
Para descobrir os motivos de adoção da interpretação conforme,
Difuso 20 (18,52%) precisa-se determinar uma relação de causalidade entre um argumen-
Total 108 (100%) to e a conclusão à qual se chega. No entanto, realizar essa análise em
~córdãos do STF pode ser extremamente complicado, devido à plura-
lidade de argumentos e conclusões diversas que emergem dos votos
Como se pode perceber, há uma incidência mnito maior da inter- individuais. Como determinar que o argumento detectado, o qual po-
pretação conforme no controle concentrado de constitucionalidade. deria explicar o aparecimento da interpretação conforme, é realmente
Este foi talvez o principal fenômeno descoberto na pesquisa, já qne o argumento principal que leva à decisão por meio dessa interpreta-
1
com tal dado é possível levantar algumas hipóteses para explicar o nso ção, ou seja, sua ratio decidendi? 10 Um modo de inferir a causalidade ?
da interpretação conforme. e~t.re argumento e conclusão presente no voto poderia ser, frente à •I
"j
Primeiramente, não há como não se referir à tradição de nso da dificuldade ou até mesmo impossibilidade de realização da tarefa
interpretação conforme a Constituição no controle abstrato para tentar descrita, declarar, no mais das vezes, que o argumento detectado para
explicar o fenômeno, até porque já bonve voto abarcando o entendi- o emprego da interpretação conforme é apenas um dentre vários utili-
mento de que ela não pode ser usada no controle difuso? No entanto, zados no voto em questão e que, caso fosse excluído, não necessaria-
uma única referência à tradição não é capaz de explicar inteiramente mente ruiria o uso da interpretação conforme a Constituição. Apesar
a dicotomia existente. de relativizar muitas das conclusões aqui obtidas, essa última posição
facilitaria o desenvolvimento do trabalho.
Uma explicação é a de que o Tribunal se sente menos motivado
a utilizar a interpretação conforme no controle difuso por ela não ter, Na metodologia do trabalho, porém, optei por não seguir estrita-
nesses casos, efeito vinculante e valer tão somente para a ação julgada mente nenhum dos dois caminhos. Se a causalidade fosse, de certa
naquele instante. A predisposição para usar a interpretação conforme maneira, visível, caberia a mim demonstrá-la. Já, quando não fosse
a Constituição no controle concentrado estaria atrelada, assim, ao possível determinar concretamente a relação entre argumento e deci-
ensejo de regular a situação de modo geral e com irrestrita aplicabili- são, ?P~i pela segunda opção acima exposta. Assim, a escolha que
dade da interpretação oferecida. segm fm dupla, conforme as possibilidades de cada acórdão.
Outrossim, também cumpre vislumbrar que no controle concen-
trado o Tribunal analisa a norma de forma abstrata. Assim, as hipóte- 3 .1 Uso para evitar vácuo legislativo ou bloquear retorno
ses de aplicação da norma levadas em conta no julgamento são muito a uma ordem normativa indesejada
mais amplas que aquelas oferecidas no controle concreto. Logo, a in-
terpretação conforme a Constituição serve também como meio de Uma consequência indesejada que pode decorrer da declaração
modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle de inconstitucionalidade é que, uma vez que ela atua retirando normas
9. No julgamento do I-IC 78.168, discrepante do restante da jurisprudência do STF, . 10._Entende-se ra_tio decide~i 001~0 o fundamento que embasa a decisão, a prin-
o Min. Néri da Silveira declara que a interpretação conforme a Constituição é própria do cipal razao que determma o sentido do Julgamento. Em outras palavras, pode-se dizer 1
controle concentrado de constitucionalidade (cf. HC 78.168, pp. 12-13 do acórdão). que a conclusão do julgado não seria a mesma sem a ratio decidendi subjacente.
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO 309
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do ordenamento jurídico, não há a garantia de que em todas as vezes efeito satisfativo, ( ...) submetendo todos os empreendimentos e ativida-
a norma repristinada (a que foi revogada pela lei que está sendo obje- des que já firmaram o 'termo de compromisso', previsto na legislação
to de controle de constitucionalidade) seja desejada ou, mesmo, exis- atacada, mediante ajustamento de suas atividades a um cronograma de
ta. A solução, assim, poderia ser a interpretação conforme a Constitui- adequamento às novas exigências ambientais, a um incalculável trans-
ção, já qne ela não atua estritamente excluindo normas do sistema. torno sob todos os aspectos, sobretudo legais, ambientais, econômicos
AADI/MC 2.083,julgada em 2000, ilustra bem como a interpre- e sociais, cujas consequências são irreparáveis" .13
tação conforme pode servir para bloquear o retorno a uma situação O voto do Ministro-Relator, Moreira Alves, concorda com o argu-
indesejada.'' No julgamento era arguida a inconstitucionalidade da mento apresentado. A solução adotada, então, foi a utilização da inter-
Medida Provisória 1.874/1999, a qual trata, em diversos dispositivos, pretação conforme a Constituição para suspender"( ... ), ex tunc e até
acerca do "termo de compromisso" que poderia ser firmado com ór- o julgamento final desta ação, a eficácia dela fora dos limites de nor-
gãos ambientais visando a adequá-los à legislação ambiental." ma de transição, e, p01tanto, no tocante à sua aplicação aos empreen-
Nas informações prestadas pela Consultoria Jurídica do Ministé- dimentos e atividades que não existiam anteriormente à entrada em vi-
rio do Meio Ambiente, representando o Presidente, começa a tomar gor da Lei n. 9.605/1998". 14
f corpo tal argumentação. A Consultoria traz o seguinte argumento:
Interessante notar que, através do seu uso, impediu-se o retorno a
I' "Por todo o exposto, é imperioso que não haja, em hipótese alguma,
nma situação jurídicâ indesejada, mantendo-se a "ordem social" e
a concessão da medida cautelar pleiteada, suspendendo a eficácia da
,, tendo "como objetivo o bem-estar e a justiça social". Desse modo, de
medida provisória em questão, pelo fato de que, se concedida, gerará
"., uma forma que não poderia ser atingida pela mera declaração de in-
~
constitucionalidade, expressa-se 1mm das variantes desse primeiro con-
'1'
'
,
~ 11. Como representativas deste primeiro tópico também podem ser consultadas
as ADI 2.884 e 3.324 e os RE 220.906, 225.011, 229.696 e 241.292.
junto de motivos.
,," Para demonstrar, por sua vez, o vazio ou vácuo legislativo de-
12. Medida Provisória 1.874/1999: .
"Art. 1-º-. A Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1988, passa a vigorar acrescida corrente da declaração de inconstitucionalidade, um bom exemplo é 1
'"
do seguinte artigo: _ . . . a ADI 2.655. Nesse julgamento era questionado o art. 7º da Lei
'"Art. 79-A. Para cumprimento no disposto nesta Lei, os órgaos am?ientais m-
tegrantes do SISNAMA, responsáve~s pela execuçã~ ~e programas ,e ~roJetos e _pelo
7.603/2001 do Estado do Mato Grosso do Snl, o qual fixou, no res-
controle e fiscalização dos estabelecnnentos e das atividades suscetivei~ de degrnd~- pectivo Estado, o valor das custas, despesas e emolumentos relativos
rem a qualidade ambiental, ficam autorizados a celebrar, ~om forç_a ~e _titulo execut~- aos atos praticados no foro judicial. 15 O artigo foi questionado prin-
vo extrajudicial, termo de compromisso com pessoas físicas ou Jundtcas ~esponsa- cipalmente em relação ao art. 7º, IV, da CP, que veda a vinculação do
veis pela construção, instalação, ampliação e funcionamento d~ estabelecm1:entos e
atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmen- salário-mínimo para qualquer fim.
te poluidores. . . ~ No entanto, apresenta-se um problema: declarada a inconstitucio-
"'§ lll. O termo de compromisso a que se refere este artlg? destinar-se-a, exclu-
sivamente, a permitir que as pessoas físicas ou jurídicas mencionadas no .caput pos- nalidade, não haveria mais critério para definir o valor dos atos pra-
sam promover as necessárias correções de suas atividades, para o aten~unen!o das ticados no foro judicial. Em diálogo entre os ministros tal situação é
exigências impostas pelas autoridades ambientais competentes, sendo obrigatóno que
o respectivo instrumento disponha sobre: ( ...).
"'( .. ). . 13. ADI/MC 2.083, p. 15 do acórdão.
"' § 3u. Da data da protocolização do requerimento previsto no par~grafo ant:- 14. ADI/MC 2.083, p. 24 do acórdão.
rior e enquanto perdurar a vigência do correspondente termo de c~mprom1sso ficara? 15. Lei 7.603/2001, de Mato Grosso do Sul: "Art. 7º. Nas causas de valor supe-
suspensas, em relação aos fatos que deram causa à celebração do 1~strum~nto,_ a apli- dor a 1.000 (mil) vezes o salário-mínimo, as custas relativas à parcela excedente se-
cação e a execução de sanções administl·ativas contra a pessoas física ou Jurídica que rão calculadas_à base de 0,5% (meio por cento), não podendo ultrapassar o valor de
o houver firmado'." R$ 20.000,00 (vinte mil Reais)".
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL !Nl'ERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO 311
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percebida, e a opção é pela interpretação co~rorme a Co_nstituição,' a voga. 19 Independentemente das potenciais ofensas do artigo à Constitui-
qual é acatada pelo Tribunal para fixar que ( ... ) .ª alusao a ,1_.ooo ,s~- ção Federal, é importante ressaltar os problemas levantados que con-
lários-núnimos se refira exclusivamente ao múltiplo do salano-m1m- tribuíram para o emprego da interpretação conforme a Constituição.
mo vigorante no início da vigência da lei". 17 Dessa forma supre-se o Eles já aparecem no relatório, o qual expõe: "Sob o ângulo da
vazio que surgiria com a inconstitucionalidade, detectando-se outro concessão da medida acauteladora, assevera-se a relevância do tema
motivo para sua utilização. e o risco de manter-se com plena eficácia o quadro. O processo sele-
tivo de alunos para as universidades federais já estaria em andamen-
to, podendo vir a ser prejudicado. Alude-se ao exemplo verificado na
3 .2 Uso para regular objeto que necessitava
Universidade de Brasília/UnB, no que suspenso o vestibular para o
urgentemente de normas, do qual surgiriam
curso de Direito e sinalizada a adoção de idêntica medida relativa-
graves riscos se houvesse falta de regulação
mente aos cursos de Administração e Medicina. Afirma-se que no
Primeiramente, antes de apres~ntar o caso em que esta segunda curso de Direito, apenas em 2004, 79 alunos ingressaram por trans-
classificação aparece, entendo ser mais conveniente distingu~-la ~a ferência obrigatória, 50 deles originários de instituições particulares.
primeira. Os casos que necessita_m urgentemente de regu(açao nao Em 2003, o saldo fora de 111 estudantes militares transferidos, con-
surgem somente do vazio normal!vo; eles podem vir tambem de ou- forme notícia do Decanato de Ensino de Graduação da UnB, havendo
tras normas que não estão solucionando adequadamente o problem~. sido oferecidas apenas 50 vagas para cada vestibular, configurando-se,
O que pretendo mostrar neste caso é a existência de uma realidade fa- como regra, o ingresso de estudantes por transferência e, corno ex-
tica subjacente da qual, de alguma forma, emanam diversos problemas ceção, a entrada mediante vestibular; o privilégio tornara-se regra e o
que necessitam urgentemente de regulação. Aqui, a falta de regula- mérito, a exceção" ,20
mentação em uma área não enseja, por si só, graves pro?lemas, que ne- A solução para o problema passa, então, pela interpretação con-
cessitem de uma atuação normativa para serem soluc10nados. O que forme a Constituição, primeiramente proposta pelo Min. Marco Auré"
faz com que ela necessite de regulação são elementos fáticos que per- Jio, e que aparece na ementa com a seguinte forma: "A constitucio-
turbam a ordem. Por esses motivos, preferi separar esta segunda cate- nalidade do art. 1° da Lei n. 9.536/1997, viabilizador da transferência
goria da primeira .18 de alunos, pressupõe a observância da natureza jurídica do estabeleci-
O caso da transferência universitária de civis e militares, da ADI mento educacional de origem, a congeneridade das instituições envol-
3.324, ilustra bem esse tópico. Tal transferência ganhou eficác(a com vidas - de privada para privada, de pública para pública-, mostran- 1
0 art. [º da Lei 9.537/1997, que modificou a legislação anterior em do-se inconstitucional interpretação que resulte na mesclagem - de 1
privada para pública" .2 1 Como é possível notar, toda essa grave situa-
16. "O Sr. Min. Sepúlveda Pertence (pres.) - Acho que para não cri~· o vazio
podemos admitir é que os 1.000 salários-mínimos nela referidos sejam os vigentes na ,[
data da lei. , 19. Lei 9.537/199: "Art. 1º. A transferência ex officio a que se refere o pará-
'·
"O Sr. Min. Cézar Peluso -Aí, sim, não haverá elevação automática. grafo único do art. 49 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, será efetivada,
"O Sr. Min. Carlos Britto - Na data da lei. Aí, seria uma interpretação conforme entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do
a Constituição. . , ano e independente da existência de vaga, quando se tratar de servidor público fe-
"O Sr. Min. Sepúlveda Pertence (pres.) - Seria para não deixar~ vazm, pois se deral civíl ou militar estudante, ou seu dependente estudante, se requerida em razão
ficarmos aqui esse sistema não funciona" (ADI 2.655, p. 23 do acórdao). de comprovada remoção ou transferência de ofício, que acarrete mudança de domi-
17. ADI 2.655, p. 27 do acórdão. , . cílio para o Município onde se situa a instituição recebedora ou para a localidade
18 Darei somente um exemplo neste tópico, mas no sentido descnto também mais próxima deste".
podem ;er consultadas a ADI/MC 1.236, a ADI/MC 1.597, aADI/MC 1.600, a ADI/ 20. ADI 3.324, pp. 5 e 7 do acórdão.
MC 2.596. a ADI/MC 3.395, a ADI 2.925, a ADI 3.685 e a ADI/BD 3.522. 21. ADI 3 .324, p. 1 do acórdão.
312 JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NO BRASIL INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO 313
ção não surgiu do vazio normativo, mas de urna própria regulamen- O resultado de seu voto, assim, é ressalvar, mediante interpreta-
tação, solucionada pela interpretação conforme a Constituição. ção conforme, que o poder requisitório do Ministério Público não
abarca documentos protegidos pelo sigilo bancário e fiscal.
3.3 Uso para preservar o trabalho do legislador 3 .4 Uso para dar eficácia e salvar normas
.quando a norma apresentar hipóteses constitucionais
de aplicação Primeiramente preciso explicar a inclusão deste tópico corno cate-
goria separada das outras mais. Entendo "dar eficácia a normas" e "salvar
Esta justificativa corresponde, em parte, ao argumento tradicio-
normas" corno a correção de imperfeições constantes em determinada
nal apresentado para a utilização da interpretação conforme a Cons- norma, necessária para impedir sua inconstitucionalidade, o que levaria
tituição. Apresento-o aqui sob o enfoque específico de evitar a de- à perda da eficácia da norma. Salvar normas ou lhes dar eficácia não
claração de inconstitucionalidade graças à existência de hipóteses implica necessariamente que elas possuam interpretações ou aplicações
constitucionais de aplicação da norma, razão pela qual ela deve ser constitucionais, o que afasta este uso do elencado em 3.2. Há também
preservada.22 uma diferença em relação ao tópico 3 .2, pois aqui não há uma urgência
OMS 21.729 ilustra bem a situação. No caso, a possibilidade de na regulamentação. Pode-se dar eficácia a uma norma sem que o objeto
usar a técnica adveio durante longas discussões sobre o direito ao si- regulado apresente consequências maléficas caso não fosse regulado.
gilo bancário e fiscal, suscitadas graças ao § 2º do art. 8º da Lei Com-
'
,, Encontrei esse argumento no AI/AgR 427.533. Ao discutir o en-
~ plementar 75/1993.23 tão novo art. 296 do CPC25 e a possibilidade de ele ferir o contraditó-
"' No meio da discussão o argumento é levantado pelo Min. Maurí- rio e a ampla defesa, o Min. Cézar Peluso se manifestou no seguinte
cio Corrêa, e está diretamente ligado à impossibilidade de se optar sentido: "Eu sugeriria que a interpretação fosse a de que não faz pre-
pela declaração de inconstitucionalidade. Um pouco antes de realizar clusão em relação ao réu. Por quê? Com isso salvaríamos a norma,
a interpretação conforme a Constituição, o Min. Corrêa expõe: "A dando-lhe a interpretação de que não produz preclusão em relação ao
declaração de inconstitucionalidade deste § 2º subtrairia do Ministério réu, o qual poderá ressuscitar a discussão". 26
Público importante instrumento para a consecução dos seus objetivos Ou, então, em outro excerto do mesmo Ministro: "Eu sugeriria
precípuos - de defender a sociedade, o Estado de Direito e a Consti- que a interpretação fosse neste sentido: não faz preclusão em relação
tuição - e para que possa cumprir o desígnio de ser o principal fiador ao réu. De outro modo subtrairíamos o caráter pragmático da reforma,
da moralização dos costumes, visto que a disposição possa ser apli- o qual é permitir que, na grande maioria dos casos, as decisões sejam
cada em outras situações sem que haja ofensa à Constituição,ficando confirmadas sem necessidade de incomodar o réu e estabelecer con-
preservada a sua utilidade residuaI" 24 (grifos meus). traditório que só prolongaria as causas" .27
.º.
que emana desses trechos, assim, é que o Tribunal optou por
corngJI eventuais falhas na norma, pois entendeu ser mais benéfico
22. Também são esclarecedoras desta situação as ADI 1.371 e 1.377.
23. Lei Complementar 75/1993: preservá-las que declarar a inconstitucionalidade e remeter o trabalho
"Art. 8º. Para o exercício de suas funções o Ministério Público poderá, nos novamente ao legislador.
procedimento de sua competência: ( ...).
"( ...).
"§ 2º-. Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer 25. CP~, _art. 296: "Art. 296. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar,
pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da in- facultado ao JUIZ, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, reformar sua decisão".
formação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido." 26. AI/AgR 427.533, p. 16 do acórdão.
24. MS 21.729, p. 33 do acórdão. 27. AI/ AgR 427.533, p. 17 do acórdão.
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