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Supremo Tribunal Federal

Supremo Tribunal Federal


Diário de Justiça | Maio / 2017
Revista dos Tribunais | vol. 983 | p. 399 | | JRP\2017\229175

STF - MC na ADIn 5.353 - j. 22/5/2017 - v.u - julgado por Alexandre de Moraes - DJ


24/5/2017 - Área do Direito: Constitucional; Administrativo
MEDIDA CAUTELAR – Restabelecimento das condições normativas de composição e
controle do fundo de reserva dos depósitos judiciais do Tribunal de Justiça –
Admissibilidade – Calamidade judiciária em que ordens judiciais estão sendo frustradas,
ofendendo o direito de propriedade dos depositantes e a subsistência dos jurisdicionados
– Uso do dinheiro pelo Estado que se mostra contrário aos interesses da população.
Ementa Oficial:
REFERENTE ÀS PETS./STF: 10.372/2017 (EDOC - 125), 16.076/2017 (EDOC - 129) E
23.487/2017 (EDOC - 144) .

MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.353 MINAS


GERAIS

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES

REQTE.(S): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

INTDO.(A/S): GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ADV.(A/S): SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

INTDO.(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ADV.(A/S): SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

AM. CURIAE.: CONSELHO FEDERAL DA OAB – CFOAB

ADV.(A/S): MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO

AM. CURIAE.: DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO SOCIAL DA DEMOCRACIA


BRASILEIRA – PSDB

ADV.(A/S): THIAGO ESTEVES BARBOSA

ADV.(A/S): BÁRBARA MENDES LÔBO

AM. CURIAE.: BANCO CENTRAL DO BRASIL – BACEN

ADV.(A/S): MURILO SANTOS RAMOS

AM. CURIAE.: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO DO ESTADO DE MINAS


GERAIS

ADV.(A/S): ANTONIO FABRICIO DE MATOS GONÇALVES E OUTRO(A/S)

AM. CURIAE.: ABRASF – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS SECRETARIAS DE FINANÇAS


DAS CAPITAIS

ADV.(A/S): RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA

Comentário

1. Introdução
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A ADI 4.983/CE tem como objeto a Lei 15.299, de 08 de janeiro de 2013, do Estado do
Ceará, que regulamenta a vaquejada como prática cultural e desportiva. O julgamento
teve como questão principal a colisão de duas normas relativas a direitos fundamentais:
a proteção ao meio ambiente, com destaque para vedação de práticas que submetam os
animais a crueldade (o artigo 225, § 1º, inciso VII in fine CF) e a proteção das
manifestações culturais populares (artigo 215 da Constituição Federal de 1988). Para
solução do conflito, disse o STF se valer da “técnica da ponderação”. Questiona-se,
portanto: (i) o que é a “técnica da ponderação”? (ii) O que o STF entende por
“ponderação” nos conflitos entre direitos fundamentais ao meio ambiente e a
manifestação cultural?

Com efeito, foram levantadas questões de fundo no julgamento da ADI 4.983/CE que
também merecem uma análise mais detida: (i) qual o papel do advogado-geral da União
na ADI? (ii) Com a edição da Lei 13.364/2016 e a EC 96/2017 pode se falar em “efeito
backlash” ou ativismo congressual?

1.1. O papel do advogado-geral da União na ADI

A primeira questão trazida pelo Relator em seu voto é no tocante aos limites da atuação
do advogado-geral da União nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Primeiramente,
afirma o Ministro Marco Aurélio que o AGU está vinculado ao disposto no art. 103, § 3º,
da CF/88, devendo, em todo caso, a defesa do texto ou ato normativo impugnado na
ADIN, e não a simples emissão de parecer sobre a inconstitucionalidade, como ocorreu
no julgamento em tela.
1. Art. 103 Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade: (...) § 3º Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a
inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o
Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.
De fato, é esse entendimento que decorre de uma interpretação gramatical do art. 103,
§ 3º, que dispõe “Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade,
em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da
União, que defenderá o ato ou texto impugnado” (grifo nosso).

No entanto, a questão não é pacífica. Conforme o precedente assentado pelo STF na ADI
1.616/PE de relatoria do Ministro Maurício Corrêa, o advogado-geral da União não está
obrigado a fazer a defesa do ato impugnado, especialmente se o STF já tiver consolidado
entendimento pela inconstitucionalidade em casos semelhantes.
2. Na doutrina, ver: MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1.213; BARROSO, Luís Roberto. O controle de
constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 209.
O mesmo tema foi objeto de questão de ordem levantada pelo Ministro Marco Aurélio no
julgamento da ADI 3.916/DF que, naquela ocasião como agora, manifestou-se pela
estrita observância do art. 103, § 3º, da CF/88, pois se trataria de um preceito
imperativo posto pelo constituinte originário. Segundo o eminente Ministro, a
Constituição é clara com relação ao papel do AGU: deve proteção ao ato normativo
atacado.

Porém, esse não foi o entendimento que prevaleceu no pleno. A maioria dos votos na
questão de ordem foi no sentido de se interpretar sistematicamente o disposto no art.
103, § 3º, da CF/88 com o art. 8º da Lei 9.868/99, para entender que a “defesa” deve
ser compreendida como um “direito de manifestação do AGU”. Sendo assim, caberia a
este a defesa do ato ou do texto impugnado somente quando fosse possível. Nos demais
casos, em que a inconstitucionalidade fosse patente e já assentada pela Corte, caberia
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somente a manifestação do AGU.


3. Art. 8º Decorrido o prazo das informações, serão ouvidos, sucessivamente, o
Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, que deverão manifestar-se,
cada qual, no prazo de 15 (quinze dias). (Grifo nosso)
1.2. Debates e confrontações sobre o conceito de “manifestação cultural” e “meio
ambiente” na ADIN 4983/CE

A dificuldade em abordar o disposto no art. 215 da CF/88 é definir o conceito de


“cultura”, elemento basilar do direito cultural, do qual fazem parte a cultura nacional e
as manifestações culturais.
4. Art. 215 O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.
Não caberá a nós, nos estreitos limites desse estudo, uma abordagem completa sobre o
que as diferentes ciências – sociologia, antropologia, biologia, filosofia e outras –
entendem por “cultura”. Pretendemos, no entanto, trazer um conceito geral de “cultura”
e, por conseguinte, “manifestação cultural” nos termos da Constituição Federal de 1988.

Em termos gerais, entende-se por cultura “o conjunto de características humanas que


não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da comunicação e
cooperação entre indivíduos e sociedade”. No âmbito da Filosofia, há que se mencionar o
conceito dado por Miguel Reale para quem “a cultura é o conjunto de tudo aquilo que,
nos planos material e espiritual, o homem constrói sobre a base da natureza, quer para
modificá-la, quer para modificar a si mesmo”. A partir desse conceito geral tem-se que o
próprio Direito é o produto da cultura, visto que foi criado pelo homem na busca de
determinados fins, como a organização da vida em sociedade.
5. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da língua portuguesa.
Curitiba: Editora Positivo, 2010, p. 623.
6. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 25.
No presente julgado, a cultura entra como elemento principal das manifestações
culturais populares, um direito fundamental, individual e social protegido pela Carta
Maior no art. 215, § 1º, no qual estaria inserida a prática da vaquejada, merecendo,
portanto, que o Estado assegurasse o seu pleno exercício. Trata-se de tutelar a
denominada “ cultura etnográfica onde estão contidas as memórias exemplares que
potencializaram as crenças, os conhecimentos, os costumes e as expressões artísticas de
determinados grupos nacionais (...)”.
7. É importante mencionar o posicionamento de Carlos Ayres Britto sobre o tema. Em
artigo que aborda o tema da cultura na Constituição Federal de 1988 ele lembra que “Os
dicionários tem como expressão da cultura todo e qualquer arraigado hábito coletivo.
Não a Constituição brasileira (...) Para ela, somente é considerado como bem jurídico o
costume socialmente benfazejo. Que não é senão a cultura intrinsecamente meritória,
porquanto civilizada (...) Cultura em suma que possa descansar nos regaços dos
‘Princípios’ e ‘Direitos’ pela Constituição mesmo chamado de ‘Fundamentais’ (Título I e
II), pois constitutivos de bens da personalidade”. Ver: BRITTO, Carlos Ayres. Cultura?
Qual? Estadão. Opinião. 24 de junho de 2016. Disponível em: [
http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,cultura-qual,10000064608]. Acesso em:
30.06.2017.
8. MOLINARO, Carlos Alberto; DANTAS, Fernando Antonio. Comentário ao art. 215. In:
CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar; SARLET, Ingo W. STRECK, Lenio. (coords.).
Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 1.982.
O reconhecimento da vaquejada como manifestação cultural foi unânime em todos os
votos. A vasta literatura nacional citada não deixa margem para que se negue a
importância e a magnitude do evento na região do nordeste, em especial no Ceará.
Porém, um elemento ínsito à vaquejada – a crueldade – faz com que essa manifestação
cultural seja colida com outro direito fundamental: o meio ambiente e a vedação à
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crueldade com os animais. E esse é um dos pontos sensíveis de discussão no pleno.

Os votos vencedores, em especial do Ministro Marco Aurélio e do Ministro Luís Roberto


Barroso, trazem pesquisas na área da medicina veterinária que comprovam lesões físicas
e psicológicas nos animais que participam desses grandes eventos. A conclusão que
chegam é de que a crueldade é inerente a própria prática da vaquejada, violando o
disposto no art. 225, VII da CF/88. Como se trata do conflito entre princípios relativos a
direitos fundamentais, a Corte recorreu a ponderação que, no entendimento do Ministro
Marco Aurélio com base em outros casos semelhantes, deve ser interpretada de maneira
mais favorável à proteção ao meio ambiente.

Por sua vez, a divergência aberta pelo Ministro Edson Fachin e acompanhada, entre
outros pares, pelo Ministro Gilmar Mendes, traz o debate para outra seara: cabe o
supremo dizer o que é civilizado ou não? Para o eminente Ministro não é competência do
STF ditar o marco civilizatório da sociedade brasileira que, por ser culturalmente plural,
como enuncia a própria Constituição no Preâmbulo e no art. 3, IV, pode albergar práticas
que fujam do senso comum dos grandes centros, não cabendo, portanto, ao STF uma
interpretação enviesada através de uma visão etnocêntrica dos costumes e culturas de
outras regiões.

Com efeito, ainda seguindo a divergência, o Ministro Gilmar Mendes traz, além da
questão dos limites do STF no tocante ao estabelecimento de parâmetros civilizatórios,
outro ponto interessante: a crueldade não é inerente somente à vaquejada, à farra do
boi e à briga de galo (outros casos julgados pelo STF), mas também ao hipismo (esporte
olímpico), ao polo e as corridas de cavalo. Então, questiona o Ministro, como aplicar um
critério diferente para casos que, sob à ótica do meio ambiente, obrigam animais a
práticas que não condizem com o seu estado natural?

Ao final do voto, traz mais duas questões: uma de caráter econômico e outro de caráter
jurídico. A questão econômica está ligada ao evento da vaquejada em si, que pela
magnitude movimenta uma grande quantidade de dinheiro, aquecendo o comércio local
porque gera emprego e renda na região. Com o fim da vaquejada, morreria a
manifestação cultural e a economia da região sofreria um grande baque. No tocante à
questão jurídica, e nesse ponto é acompanhado pelo Ministro Teori Zavascki, a lei vem
regulamentar a vaquejada, estabelecendo os limites da sua prática, as questões de
segurança do animal, do vaqueiro e do público entre outras. Ou seja, ao se
institucionalizar a vaquejada e passar a sua fiscalização ao Estado, evitar-se-ia o que o
Ministro Teori Zavascki convencionou chamar de: vaquejada cruel.

O fato é que, segundo o Ministro Teori Zavascki, sem lei, ela irá ocorrer na
clandestinidade, vulnerável a todos os problemas inerentes àquelas atividades que se
dão à margem da lei. Portanto, advoga, com base no princípio da legalidade que, na
ADIN em questão, o STF está analisando a constitucionalidade da Lei 15.299/2013, e
não a vaquejada em si. Sob essa ótica, não existiria inconstitucionalidade do preceito em
tela.

Contudo, parece-nos guardar razão a Carlos Ayres Brito, antigo Ministro do STF. A
cultura de que trata a Constituição é diferente daquela conceituada pelos dicionários.
Estas podem abarcar qualquer arraigado hábito coletivo, desde os bons (festejos,
literatura, comidas etc.) até os ruins (cultura da corrupção, do caixa 2, do
patrimonialismo etc.). Já a cultura positivada na Carta Maior não pode ser guarita para
prevalência de hábitos que não guardam mais sincronia com o atual estágio (que se
busca) civilizatório. Nesse sentido, não nos parece haver nicho constitucional para a
prática da vaquejada.

1.3. Sobre o uso da “ponderação” (sopesamento ou proporcionalidade em sentido


estrito) para decidir o conflito entre direitos fundamentais

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Isto posto, estabelecida as premissas gerais de caráter fático e jurídico inerentes a


ADIN, foi constatado pelos Ministros o conflito entre direitos fundamentais. Nesses
casos, como assentou o Ministro Marco Aurélio no Relatório, o Supremo decide se
valendo da “técnica da ponderação” com objetivo de composição dos direitos
fundamentais em conflito. Tanto os votos vencedores, como os vencidos também
fizeram menção a ponderação para justificar o posicionamento. Cabe, portanto,
questionar: o que é a técnica da ponderação? O que o STF tem entendido por
“ponderação” nos casos em que existe conflito entre direitos fundamentais?

Primeiramente, cabe esclarecer que, quando o STF usa o termo “ponderação”, ao que
parece, o faz como sinônimo de “sopesamento” e “proporcionalidade em sentido estrito”,
conceitos advindos da teoria de Robert Alexy ao enunciar o mandamento que deve ser
utilizado quando o intérprete depara-se com uma situação de tensão ou colisão entre
princípios.

Para que se responda o que é a ponderação – e posteriormente o que STF tem entendido
por ponderação –, é necessário estabelecer as premissas de que parte Alexy. No
entanto, não pretendemos esgotar nesse breve espaço todas as questões relativas à
doutrina alexyana, mas apresentar alguns conceitos fundamentais para esclarecer
aspectos relativos aos votos dos Ministros na presente ADIN.

O ponto de partida para se compreender a nova metodologia de interpretação


constitucional passa pela diferença estabelecida entra regras e princípios, que são, na
concepção de Alexy, duas espécies do gênero norma.
9. “Aqui, regras e princípios serão reunidos sob o conceito de norma. Tanto regras
quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser
formulados por meio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da
proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de
dever-ser, ainda que de espécie muito diferente.” Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos
fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 87
Os princípios são mandamentos de otimização ao passo devem ser aplicados na medida
do possível dentro de uma moldura jurídica e fática. Ou seja, na colisão entre dois
princípios relativos a direitos fundamentais, um não irá excluir o outro de modo a
extirpá-lo do ordenamento jurídico, mas haverá uma precedência desse princípio sob o
outro. Nessa hipótese de conflito é preservado o “núcleo fundamental” do princípio que é
momentaneamente afastado. Essa precedência decorre porque os princípios se
encontram na dimensão do peso e não da vigência, como ocorre com as regras.

As regras, por sua vez, são determinações porque prescrevem algo que deve ser
aplicado ou não. Ao passo que, em uma situação de conflito, a questão deve ser
solucionada de duas maneiras: (i) a previsão de uma cláusula de exceção para aquele
caso concreto; (ii) a exclusão de uma das regras do ordenamento jurídico. É impossível
que duas regras, prevendo um resultado contraditório, possuam vigência em um mesmo
ordenamento jurídico.

Como nota de Willis Guerra Filho, as normas constitucionais, hoje, assumem o caráter
geral de princípios, enquanto as demais normas costumam adotar a estrutura de regras.
Com efeito, a Corte analisou o conflito de duas normas constitucionais – e, portanto,
princípios – que colidem abstratamente: o direito a cultura (art. 215) e a vedação ao
tratamento cruel aos animais (art. 225, VII, § 3º).
10. GUERRA FILHO, Willis S. Teoria da ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 149.
Como vimos, se dois princípios colidem, um terá de ceder. Isso não significa que o outro
será excluído, mas que haverá, naquele caso concreto, a precedência de um princípio
sobre o outro. Em outras condições poder ser que a precedência seja resolvida de forma
oposta. Trazendo para o caso em tela, prevaleceu, para o Ministro Luís Roberto Barroso,
a proteção ao meio ambiente e a vedação ao tratamento cruel aos animais em
detrimento do direito de manifestação cultural.
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Logo, dependendo do caso concreto, os princípios terão pesos diferentes. Para se decidir
qual princípio tem mais peso no caso concreto é que o intérprete deve-se valer do
sopesamento ou da máxima da proporcionalidade nos termos da lei de colisão, utilizada
pelo Ministro Luís Roberto Barroso ao final do voto.

A lei de colisão consiste em fixar as condições sob as quais um princípio tem precedência
em face do outro. Se mudarem as condições, é possível que se mude também a questão
da precedência. Logo, “as condições sob as quais um princípio tem precedência em face
do outro constituem suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica
do princípio que tem precedência”. Essa regra que vai se formar será chama de lei de
colisão.
12. ALEXY, Robert. Op. cit, p. 94-99.
No seu voto, após apresentar os suportes fáticos e jurídicos, o Ministro Barroso dispôs
que a lei de colisão naquele caso concreto deve se dar da seguinte maneira: “(...)
manifestações culturais com características de entretenimento que submetem animais a
crueldade são incompatíveis com o art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, quando
for impossível sua regulamentação de modo suficiente para evitar práticas cruéis, sem
que a própria prática seja descaracterizada.”

Então, sob a condição estabelecida (quando for impossível sua regulamentação de modo
suficiente para evitar práticas cruéis, sem que a própria prática seja descaracterizada), o
princípio da proteção ao meio ambiente e vedação à crueldade deve prevalecer sobre as
manifestações culturais com características de entretenimento que submetem animais a
crueldade.

No entanto, o sopesamento ou proporcionalidade em sentido estrito é o último momento


da aplicação da máxima da proporcionalidade que se divide em três máximas parciais:
(i) adequação (o meio escolhido deve ser adequado para se alcançar o fim almejado);
(ii) exigibilidade ou necessidade (o meio deve ser o menos gravoso aos bens e valores
constitucionalmente protegidos); (iii) proporcionalidade em sentido estrito ou
sopesamento (o meio a ser empregado é o mais vantajoso no sentido de que promove
certos bens e valores sem ferir o núcleo essencial do princípio que o contrapõe). O
sopesamento, portanto, decorre de uma relativização em face das possibilidades
jurídicas. Logo, quando o direito ao meio ambiente e a vedação à crueldade com animais
colide com o direito de manifestação cultural, a possibilidade jurídica de realização do
primeiro depende diretamente do segundo. A decisão vai se dar, portanto, através do
sopesamento nos termos da lei de colisão.
13. GUERRA FILHO, Willis S. Op. cit, p. 180.
14. ALEXY, Robert. Op. cit. p. 117.
Isto posto, apenas o Ministro Luís Roberto Barroso utilizou, em certa medida, alguns
critérios necessários para a aplicação do sopesamento na ADIN em comento. O que
levanta dúvidas sobre como se dá aplicação desse método pelo STF. Não são poucas as
críticas sobre a maneira como o STF vem se utilizando do sopesamento, ao passo que a
mais contundente é de que, na verdade, o método serviria apenas para disfarçar o
decisionismo dos Ministros em diversas oportunidades, ao conferir-lhe uma áurea de
racionalidade.
15. Sobre as críticas de como a ponderação, sopesamento ou proporcionalidade em
sentido estrito vem sendo aplicada pelo STF ver: STRECK, Lenio. Lições de crítica
hermenêutica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. p. 134-141; SANTOS
DE MORAIS, Fausto. Hermenêutica e pretensão de correção: uma revisão crítica da
aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. São
Leopoldo, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2013. Disponível em:
[www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp134129.pdf].
1.4. Efeito backlash ou ativismo congressual (?): apontamentos sobre a edição da Lei
13.364/ 2016 e a EC 96/2017

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Por fim, mormente o STF tenha declarado a Lei 15.299/2013 inconstitucional,


reconhecendo a vaquejada como prática cruel e, por conseguinte, incompatível com a
proteção ao meio ambiente, foi promulgada a Lei 13.364/2016 que “eleva o Rodeio, a
Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de
manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial”. Bem como, a Emenda
Constitucional 96/2017, que acrescenta o § 7º no art. 225 da Constituição Federal,
dispondo “(...) Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não
se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam
manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal,
registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro,
devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais
envolvidos.”

Dessa forma, surge o debate em torno da eficácia subjetiva da sentença: o Poder


Legislativo fica vinculado ao que foi decidido pelo STF? Pode-se considerar esse caso
como um ativismo congressual ou uma hipótese de backlash?

A primeira pergunta pode ser respondida de plano: não. O Poder Legislativo não fica
vinculado ao que foi decidido pelo STF em ADIN. Esse entendimento decorre da
interpretação do art. 103, § 2º, da CF/88 e do art. 28 da Lei 9.868/99 que dispõe sobre
a eficácia subjetiva das decisões do STF. A eficácia, portanto, é erga omnes (contra
todos) e abarca os particulares, a Administração Pública federal, estadual e municipal, o
Judiciário e inclusive o STF (porém, somente os julgamentos monocráticos ou das
Turmas do STF estão vinculados. A decisão não vincula, contudo, o Plenário, que poderá
reapreciar a questão em outra oportunidade). Caso haja desrespeito ao que foi decidido
em matéria de ADIN caberá Reclamação Constitucional perante o STF.
16. Art. 103 Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória
de constitucionalidade: § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida
para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a
adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para
fazê-lo em trinta dias.
17. Art. 28 Dentro do prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da decisão, o
Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do
Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão. Parágrafo único. A declaração de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a
Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm
eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à
Administração Pública federal, estadual e municipal. (grifo nosso).
Nota-se da dicção dos artigos em comento que o Poder Legislativo ficou excluído do rol
de pessoas vinculadas à decisão em sede de ADIN. Logo, o legislador futuro não está
impedido de editar norma de conteúdo igual ou análogo ao que foi rejeitado. O mesmo
entendimento se aplica a promulgação de uma emenda constitucional que venha superar
o entendimento do STF sobre determinada matéria. Em regra, o Congresso Nacional no
exercício do Poder Constituinte Derivado ou Reformador dá a última palavra sobre o
direito constitucional positivo no Brasil, desde que respeitando os requisitos do processo
legislativo e as cláusulas pétreas. Assim, em um primeiro momento, não haveria óbice à
promulgação da Lei 13.364/2016 e da EC 96/2017.
18. BARROSO, Luís Roberto. Op. cit, p. 96 e 228.
19. Existe divergência quanto a possibilidade de se rediscutir a constitucionalidade de
uma lei que tenha conteúdo igual ou análogo àquele que foi declarado inconstitucional
pelo STF. Ver: BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 96 e 228.
Com efeito, nota-se que ocorreu uma reação do Congresso Nacional à decisão do STF.
Logo após a declaração de inconstitucionalidade, diversos setores se movimentaram
para aprovação de uma lei e de uma emenda constitucional que viesse superar o
entendimento da Corte. Esse fenômeno tem o nome de ativismo congressual ou reação
legislativa.
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Na ADI 5105/DF de Relatoria do Ministro Luiz Fux se discutiu quais os limites das
reações legislativas a decisões proferidas pelo STF. Ficou estabelecido que o ativismo
congressual ou reação legislativa é: a reversão do entendimento da Corte pelo Poder
Legislativo através da promulgação de legislação ordinária ou de emenda constitucional.
Nesses casos, o legislativo buscaria reverter algumas decisões em que o STF teria
atuado de maneira antidemocrática ou com pouco diálogo com os demais poderes da
República.
20. Para maiores informações ver o Informativo 801 do STF.
O julgamento da ADIN 5.105/DF estabeleceu alguns parâmetros importantes com
relação à função dialógica e deliberativa que o STF deve manter com os demais poderes,
de modo a buscar os melhores resultados em termos de apreensão do significado
constitucional. Cita-se:

(i) Nos casos de reversão jurisprudencial via lei ordinária, salvo os casos em que há
flagrante inconstitucionalidade, a Corte tem adotado o entendimento de autorrestrição
em face das opções políticas do legislador. No entanto, se a norma colidir frontalmente
com a jurisprudência do Tribunal, já nascerá com presunção de inconstitucionalidade,
cabendo ao legislador demonstrar argumentativamente que o caso conta com novas
premissas fáticas e jurídicas que autorizariam a superação do posicionamento
jurisprudencial outrora estabelecido. Trata-se, portanto, de um escrutínio de
constitucionalidade mais rigoroso.

(ii) Nos casos de reversão jurisprudencial via emenda constitucional, a invalidação


somente ocorrerá caso haja flagrante violação aos limites do art. 60 da CF/88. Nesses
casos, a alteração via emenda altera o próprio parâmetro amparador da jurisprudência
da Corte.

No entanto, o mais importante é que, nesse caso em específico, o Poder Legislativo


atuou em duas frentes: (i) primeiro, promulgou a Lei 13.364/2016 que ainda poderia ser
objeto de uma ADIN perante o STF, passando por um escrutínio mais rigoroso, pois
nasceu com presunção de inconstitucionalidade. (ii) Porém, aprovou a EC 96/2017
alterando o próprio parâmetro amparador da jurisprudência da Corte, abrindo uma
margem de manobra maior para que, se questionada a constitucionalidade da Lei
13.364/2016, existam argumentos mais contundentes – e constitucionais – para
assegurar a sua permanência no ordenamento jurídico pátrio.

Posto isso, o ativismo congressual ou reação legislativa se aproxima do fenômeno


chamado backlash. Com origem na doutrina americana, o backlash se caracteriza por ser
uma reação em sentido contrário – não necessariamente retrograda ou conservadora –
da sociedade, ou dos poderes institucionalizados a uma decisão em jurisdição
constitucional que tenha um caráter mais liberal no tocante aos direitos fundamentais,
como, por exemplo: descriminalização das drogas, pesquisas com células-tronco,
casamento entre pessoas do mesmo sexo etc.
21. Para um estudo mais aprofundado do fenômeno do backlash ver: VALLE, Vera
Regina Lírio. Backlash a decisão do Supremo Tribunal Federal: pela naturalização do
dissenso como possibilidade democrática. Disponível em:
[file:///C:/Users/user/Downloads/Backlash_a_decisao_do_Supremo_Tribunal_F.pdf].
Acesso em: 02.07.2017. Ver também: KLARMAN, Michael. Courts, Social Change, and
Political Backlash.Hart Lecture at Georgetown Law Center, March 31, 2011 – Speaker’s
Notes. Disponível em: [http://tinyurl.com/bz4cwqk]. Acesso em: 02.07.2017.
Diante do exposto, as reações à decisão do STF na ADIN 4983/CE nos parecem um claro
exemplo desses dois fenômenos que, cada vez mais, surgem no bojo do Estado
Democrático de Direito em que há um protagonismo do Poder Judiciário. É imperioso
ressaltar que o dissenso é um dos elementos caracterizadores da democracia e,
portanto, não há que se tomar o backlash e o ativismo congressual como termos
pejorativos, mas pensar alternativas de diálogo entre a cidadania, o STF e os poderes
constituídos para que se tenha um mínimo de consentimento sobre o sentido da
Página 8
Supremo Tribunal Federal

Constituição.

Referências bibliográficas

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2009.

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro. São


Paulo: Saraiva, 2011.

BRITTO, Carlos Ayres. Cultura? Qual? Estadão. Opinião. 24 de junho de 2016. Disponível
em: [http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,cultura-qual,10000064608]. Acesso
em: 30.06.2017.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário aurélio da língua portuguesa.


Curitiba: Editora Positivo, 2010.

GUERRA FILHO, Willis S. Teoria da ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 2009.

KLARMAN, Michael. Courts, Social Change, and Political Backlash. Hart Lecture at
Georgetown Law Center, March 31, 2011 – Speaker’s Notes. Disponível em:
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MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
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MOLINARO, Carlos Alberto; DANTAS, Fernando Antonio. Comentário ao art. 215. In:
CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar; SARLET, Ingo W. STRECK, Lenio. (coords.).
Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2016.

SANTOS DE MORAIS, Fausto. Hermenêutica e pretensão de correção: uma revisão crítica


da aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. São
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STRECK, Lenio. Lições de crítica hermenêutica do direito. Porto Alegre: Livraria do


Advogado, 2016.

VALLE, Vera Regina Lírio. Backlash a decisão do Supremo Tribunal Federal: pela
naturalização do dissenso como possibilidade democrática. Disponível em:
[file:///C:/Users/user/Downloads/Backlash_a_decisao_do_Supremo_Tribunal_F.pdf].
Acesso em: 02.07.2017.

Erick Beyruth de Carvalho

Mestrando em Direito Constitucional pela PUC/SP. Pesquisador-bolsista CNPq. Advogado.

beyruth91@gmail.com
11. Na doutrina brasileira, gostaríamos de mencionar os estudos de Willis Guerra Filho
que utiliza o termo “princípio da proporcionalidade”. Para o autor, o princípio da
proporcionalidade é o “princípio dos princípios”, do qual vai se valer o intérprete na
busca de uma “solução de compromisso” nos casos em que houver conflito entre
princípios constitucionais, de modo a procurar desrespeitar o mínimo o outro, sem
destruir o seu “núcleo essencial”. O princípio da proporcionalidade decorre da própria
fórmula política consagrada na Constituição Federal de 1988: o Estado Democrático de
Direito. Cf. GUERRA FILHO, Willis S. Op. cit. p. 179-180.
DECISÃO:

Em petições veiculadas, respectivamente, em 9/3/2017 (pet. 10.372/17) e 4/4/2017


(pet. 16.076/17), o Estado de Minas Gerais e a Seção local da Ordem dos Advogados do
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Supremo Tribunal Federal

Brasil descrevem quadro fático que se instalou naquela unidade da Federação em


decorrência da acidentada realidade normativa que vem a ser objeto desta ação direta
de inconstitucionalidade, referente à possibilidade de uso dos depósitos judiciais pelo
Poder Público local com fundamento na Lei Estadual 21.720/15, de Minas Gerais.

Historiando os eventos do processo, o Estado de Minas Gerais pontua que em


29/10/2015, o eminente Min. TEORI ZAVASCKI, então oficiando como Relator desta
causa, determinou “a suspensão do andamento de todos os processo em que se discutia
a constitucionalidade da Lei Estadual 21.720/15 do Estado de Minas Gerais, assim como
os efeitos de decisões neles proferidas, até o julgamento definitivo desta ação direta ”,
decisão que veio a receber o beneplácito do Plenário em 28/9/2016, quando o Tribunal “
referendou a medida liminar deferida para suspender a eficácia da Lei estadual nº
21.720/2015, do Estado de Minas Gerais”.

Narra que, interpretando unilateralmente as consequências desta decisão, o Banco do


Brasil S/A “realizou, em dezembro de 2016, operação contábil, desvinculando do fundo
de reserva previsto no art. 1º, § 4º, da Lei Estadual nº 21.720/2015 os recursos
provenientes dos depósitos judiciais efetivados até 29/10/2015 ” e que, como resultado
destas providências, o fundo então constituído para dar cobertura aos depósitos judiciais
teria sido desfalcado da quantia de R$ 1.505.812.591,25 (um bilhão, quinhentos e cinco
milhões, oitocentos e doze mil, quinhentos e noventa e um reais e vinte e cinco
centavos), que passou a ser escriturada em outras rubricas.

Averbou, na sequência, que a partir da adoção dessa nova modalidade de escrituração, o


fundo, até então superavitário, passou a apresentar contínuos problemas de liquidez, se
revelando insuficiente para honrar alvarás judiciais. Conflagrou-se, assim, estado de
extrema gravidade, que chegou a atingir, segundo informado, universo de mais de 4.000
alvarás judiciais, cuja falta de lastro financeiro remontaria a R$ 130.000.000,00 (cento e
trinta milhões de reais), frustrando créditos da mais variada natureza, incluindo os de
perfil alimentício.

O cenário ainda seria agravado pelo momento de incapacidade financeira e econômica


atravessado pelo Estado de Minas Gerais, formalizado no Decreto nº 47.101, de 2016,
cuja declaração de calamidade teria sido endossada inclusiva pela Assembleia Legislativa
local. Os requerentes apontam que a situação seria semelhante à experimentada no
âmbito do Estado do Rio de Janeiro, que também repercutiu em processo objetivo de
mesmo tema, a ADI 5072, levando o seu Relator, Min. GILMAR MENDES, a implementar
medida cautelar com a finalidade de obrigar o Banco do Brasil a continuar efetuando os
depósitos no fundo de reserva local, para satisfação dos alvarás.

Considerando este o único caminho viável para assegurar o pagamento dos alvarás
também em Minas Gerais, o Estado requereu fosse autorizado o Banco do Brasil S/A a
recompor e manter o fundo de reserva, até a solução do mérito da ação. Postulou,
complementarmente, pela suspensão da tramitação da Reclamação 26.338/MG, da
Relatoria do Min. CELSO DE MELLO, e da Ação Ordinária nº
5005557-75.2017.8.13.0024, em trâmite na 5ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de
Belo Horizonte/MG.

A segunda peticionante, a Seção de Minas Gerais da Ordem dos Advogados do Brasil,


descreveu conjuntura que corrobora as afirmações do Estado. Acrescentou que a partir
dos últimos meses de 2016, a unidade da OAB começou a receber diversos relatos, na
sua maioria originados do interior do Estado, noticiando a frustração de alvarás da
Justiça local com ordens de levantamento de valores depositados, tendo em vista o
esgotamento do fundo previsto na Lei estadual 21.720/2015.

A OAB/MG esclarece que, desde que tomou conhecimento desses eventos, diligenciou
em várias frentes para normalizar a situação. A empreitada, porém, teria se mostrado
inexequível, tendo em vista a resistência do Banco do Brasil S/A em adimplir obrigações
básicas previstas na Lei estadual 12.720/2015 referentes à gestão do fundo de reserva
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Supremo Tribunal Federal

local, como a de divulgar a variação diária de saques, depósitos e rendimentos.


Menciona que, no intuito de exigir a demonstração desses dados, e também a retomada
do pagamento dos alvarás judiciais, a Advocacia-Geral do Estado ajuizou inclusive ação
de prestação de contas (processo nº 5000555-75.2017.8.13.0024, distribuída à 5ª Vara
de Fazenda Pública Estadual e Autarquias de Belo Horizonte).

Na sequência, aduz que, embora o pedido da referida ação tivesse sido acolhido em sede
de tutela antecipada, a decisão foi posteriormente suspensa neste Supremo Tribunal
Federal, nos autos da Reclamação 26.338, de relatoria do Min. CELSO DE MELLO, por
aparente atentado ao conteúdo da liminar proferida nesta ADI 5353.

A síntese de todas essas circunstâncias foi clinicada do seguinte modo pela peticionante:

“Desde janeiro de 2017, milhares de alvarás da Justiça Estadual vão se acumulando em


agências do Banco do Brasil pelo Estado de Minas Gerais, todos sem pagamento.

O Governo Estadual, por sua vez, sempre que perquirido ou cobrado a respeito do tema,
responde monocordicamente que a mudança de sistemática contábil do Banco do Brasil,
de separar as contas de depósitos judiciais (antes e depois de 2015), é a causadora do
impasse. Mas nenhuma solução prática tem sido sinalizada pelo Estado. Ao contrário, o
ente público se limita a afirmar, sem demonstrar contabilmente, que não há em seus
cofres recursos para pagamento dos alvarás judiciais, embora tenha sido o Estado de
Minas Gerais diretamente beneficiado pelo levantamento de 4,8 bilhões de reais, em
2015…

Em fevereiro de 2017, diante da gravidade da situação, a OAB/MG criou a OUVIDORIA


DO ALVARÁ JUDICIAL, com a finalidade de receber reclamações de advogados sobre o
inadimplemento das ordens judiciais de levantamentos de depósitos judiciais. Desde
então, há relatos de aproximadamente 1000 advogados que tiveram seus alvarás
devolvidos sem fundos, perfazendo uma dívida que se aproxima de 15 milhões de reais.”

Enfatizando a gravidade a que chegou a situação, a OAB/MG acrescenta que há casos


em que os depósitos judiciais correspondem a créditos de alimentos provisórios ou
definitivos, que terminam sonegados, tudo isso já há mais de 100 (cem) dias. A petição
foi instruída com centenas de mensagens eletrônicas remetidas à ouvidoria local, com
registro das mais diversas situações de inadimplemento de alvarás.

Ao final, postula a OAB/MG pela “ necessária integração do ato decisório que deferiu a
cautelar ”, remediando a situação de maneira temporária, já que nenhum outro órgão
jurisdicional poderia prover a respeito da situação, tendo em vista cautelar antes
deferida na presente ação direta de inconstitucionalidade.

Diante do problemático contexto noticiado pelos peticionantes, atribuído, pelo menos em


parte, a uma alteração na metodologia de escrituração do fundo de reserva da Lei
estadual 12.720/2015 implementada pelo Banco do Brasil S/A, determinei fosse a
instituição financeira intimada sobre a situação.

Na manifestação encaminhada aos autos a título de resposta, o Banco do Brasil


asseverou que apenas cumpriu as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal a
propósito da Lei estadual 21.720/2015, acrescentando o seguinte:

“3. Com a suspensão da eficácia da Lei Estadual nº 21.720/2015 pela decisão liminar
deferida nesta ADI, o Banco cessou a transferência de depósitos judiciais de particulares
ao Estado, bem como, após ajustes de sistema, para fim de dar o exato cumprimento à
liminar, desconsiderou do fundo de reserva, em dezembro de 2016, os valores dos
depósitos judiciais de particulares realizados a partir de 29.10.2015 (data da liminar na
ADI nº 5353), retornando às respectivas contas de depósitos judiciais os valores de
depósitos particulares posteriores à liminar na ADI nº 5353/MG e que transitaram pelo
referido fundo. Referida operação é detalhada pelo Ofício 2017/002611 (anexo).

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Supremo Tribunal Federal

4. Desta forma, em razão da suspensão da eficácia da Lei Estadual nº 21.720/2015, o


fundo de reserva passou a não possibilitar o enquadramento dos novos valores
provenientes de depósitos judiciais de particulares efetivados posteriormente à
29.10.2015.

5. Por outro lado, os processos relativos aos valores repassados ao Estado em data
anterior à liminar concedida em 29.10.2015 foram sendo solucionados e,
consequentemente, os competentes alvarás judiciais para pagamento às partes foram
sendo expedidos.

6. Com isso, o volume de alvarás judiciais recebidos acabou por acarretar o exaurimento
do fundo de reserva no final de 2016 (considerando-se, aqui, o ajuste realizado em
dezembro de 2016 noticiado pela Diretoria de Governo no ofício 2017/002611), razão
pela qual, o Banco depositário promoveu a notificação do Estado de Minas Gerais para
recomposição do fundo de reserva e deu ciência do fato ao Tribunal de Justiça de Minas
Gerais (notificações anexas).

7. Não obstante, o Estado de Minas Gerais, até a presente data, não promoveu a
recomposição do fundo de reserva para pagamento dos alvarás judiciais presentes.”

No referido documento da Diretoria de Governo do Banco do Brasil (Ofício


2017/002611), é declinado o seguinte detalhamento:

“20. Assim, como visto, foram transferidos ao Estado de Minas Gerais o montante de R$
2,.87 bilhões de reais – consoante liminar concedida pelo Juiz da Vara da Fazenda
Pública de Belo Horizonte (MG) – e, também, a importância de R$ 2 bilhões que já
haviam sido transferidos anteriormente ao Estado pelo Banco. O restante dos valores
vinculados à sistemática da Lei Estadual, que foram mantidos junto ao Banco do Brasil
nos termos da Lei e das r. Decisões proferidas pelo Ministro Teori Zavascki, compuseram
o fundo de reserva a que alude o art. 1º, § 4º, da Lei 21.720/2015 e, como tal, foram
utilizados para o pagamento dos alvarás regularmente emitidos pelo Poder Judiciário.

21. Por força dessas mesmas r. Decisões judiciais, proferidas no âmbito da ADI
5353/MG, esse fundo de reserva não poderia mais receber o ingresso de novos valores
decorrentes dos depósitos judiciais posteriores, mas tão somente, o saque decorrente
dos alvarás que foram sendo expedidos pelos respectivos juízos. Contudo, o Banco
depositário, por questões de sistema e interpretação das decisões liminares, apesar de
cessar as transferências da parcela dos depósitos ao ente federado, manteve o ingresso
dos novos depósitos na sistemática do artigo 4º da Lei Estadual 21.720/2015 até
dezembro de 2016.

22. Posteriormente, após o referendo pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal da


decisão liminar na ADI nº 5353, que confirmou a suspensão integral da eficácia da Lei
Estadual nº 21.720/2015, o Banco, compreendendo a exata extensão das decisões
liminares anteriores, bem como, visando dar plena execução aos seus comandos, em
dezembro de 2016, passou a desconsiderar do fundo de reserva os valores relativos aos
depósitos judiciais novos de particulares realizados após 29.10.2015 (data da liminar da
ADI nº 5353), devolvendo-os às respectivas contas de depósito judicial.

23. Desta forma, em vista da providência adotada, todos os valores dos depósitos
judiciais de particulares efetivados em data posterior à 29.10.2015 mantiveram-se
íntegros em suas respectivas contas de depósito judicial de origem e possibilitam o
regular pagamento dos correspondentes alvarás judiciais sem qualquer problema aos
jurisdicionados.

24. Não obstante, com o cumprimento da liminar nos seus exatos termos, após a
adequação do fundo de reserva, realizada em dezembro de 2016, este ficou abaixo dos
percentuais estabelecidos no art. 4º, §1º, alíneas I (25% primeiro ano) e II (30% –
segundo ano), da Lei 21.720, chegando ao ponto de se exaurir completamente no final
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Supremo Tribunal Federal

de 2016.”

Em suma, as informações prestadas pelo BB afiançaram a seguinte versão dos fatos: (a)
durante o curto período de vigência da Lei estadual 21.720/2015, houve transferência de
aproximadamente 4,9 bilhões ao Estado de Minas Gerais, ainda em 2015; (b) essa
transferência não foi desconstituída pela decisão cautelar da Suprema Corte nos autos
desta ação direta, pois ela produziu apenas efeitos para o futuro; (c) entre a data da
decisão monocrática e o referendo pelo Plenário, o Banco do Brasil manteve a destinação
ao fundo de reserva de parcela dos depósitos judiciais entre particulares, nos termos do
art. 1º, § 4º, da Lei 21.720/2015; (d) após o referendo da cautelar pelo Plenário, em
28/9/2016, ficou esclarecido que a Lei 21.720/2015 estava suspensa desde a data do
provimento monocrático do Min. TEORI ZAVASCKI; (e) diante disso, o Banco do Brasil
estornou parcela referente aos depósitos judiciais entre particulares do fundo de reserva
para contas individuais; (f) como consequência direta, o fundo entrou em ponto crítico; e
(g) o Banco do Brasil atribui a responsabilidade pela iliquidez ao Estado de MG, que não
estaria cumprindo suas obrigações de recomposição do fundo (na forma dos incisos do
art. 4º, § 1º, da Lei 21.720/2015).

É, no essencial, o relato das manifestações aportadas aos autos.

Decido.

A ação em exame é ilustrativa de uma série de impugnações que foram endereçadas a


essa Suprema Corte nos últimos anos, relativas à utilização, pelo Poder Público, de
recursos vinculados a depósitos judiciais. A conjuntura explicitada pelos peticionantes é
reveladora das disfuncionalidades que poderão advir da vigência de um marco jurídico
excessivamente permissivo e não detalhadamente fiscalizado no uso desses depósitos
pelo Estado.

Conforme recapitulado, a legislação mineira sobre o uso dos depósitos (Lei estadual
21.720/2015), aqui impugnada, foi afetada, num primeiro momento, por decisão
monocrática do eminente Min. TEORI ZAVASCKI, proferida em 29/10/2015.

Sensibilizado pelas graves repercussões judiciais dos impasses estabelecidos entre o


Estado de Minas Gerais e o Banco do Brasil a respeito da exigibilidade da legislação local
sobre os depósitos judiciais, Sua Excelência neutralizou o problema mediante “ a
suspensão do andamento de todos os processos em que se discuta a constitucionalidade
da Lei Estadual 21.720/15 do Estado de Minas Gerais, assim como os efeitos de decisões
neles proferidos, até o julgamento definitivo desta ação direta ”, provimento que,
conforme esclarecido posteriormente, teve efeitos apenas para o futuro, isto é, a partir
da data de sua prolação, não interferindo de qualquer modo em atos que houvessem
sido praticados com fundamento na lei local anteriormente.

Na sessão de referendo desta decisão, ocorrida em 28/9/2016, o Min. TEORI ZAVASCKI


observou que, apesar do formato aparentemente parcial da decisão liminar, ela na
verdade teve o propósito de suspender a eficácia de toda a Lei estadual 21.720/2015,
desde quando proferida.

É o que se colhe do seguinte trechos dos debates:

“O SENHOR MINISTRO TEORI ZAVASCKI – Senhora Presidente, eu gostaria de prestar


um esclarecimento. É que, conforme eu fiz ver no relatório e na minha decisão, a
questão da necessidade da liminar se agudizou justamente em função da superveniência
da lei federal, por conta da qual o Banco do Brasil deixou de cumprir a lei estadual.
Então, houve uma ação judicial no Estado de Minas Gerais para que o Banco do Brasil
cumprisse a lei estadual. Eu suspendi os efeitos das liminares tomadas nessa ação, pelo
menos implicitamente, mas eu quero dizer agora que, se não está implícito, fica
expresso, que a partir da minha decisão, a lei estadual estava suspensa, não podia ser
cumprida. Quero deixar isso expresso no meu voto. Portanto, eu concordo plenamente
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Supremo Tribunal Federal

com a observação do Ministro Marco Aurélio, do Ministro Ricardo, de que a lei estadual
está suspensa, porque ela só se tornou exequível por força de uma liminar que foi
suspensa. Então, o que estava implícito eu quero deixar explícito.”

Este esclarecimento, porém, suscitou novos desencontros interpretativos a respeito da


eficácia da Lei estadual 21.720/2015, colocando em lados opostos o Estado de Minas
Gerais e o Banco do Brasil. Como o pronunciamento do colegiado implicou a suspensão
do teor integral da lei estadual, e não apenas dos processos que debatiam sua
inconstitucionalidade, com efeitos retroativos à data da decisão monocrática do Min.
TEORI ZAVASCKI, o Banco do Brasil deliberou por desconstituir parte do fundo de
reserva preconizado pela Lei estadual 21.720/2015, nos seguintes termos:

“Art. 1º – Os depósitos judiciais em dinheiro, tributários e não tributários, realizados em


processos vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJMG – poderão
ser transferidos para conta específica do Poder Executivo, para o custeio da previdência
social, o pagamento de precatórios e assistência judiciária e a amortização da dívida com
a União.

§ 1º – Esta lei aplica-se aos depósitos judiciais existentes na data de sua publicação na
instituição financeira encarregada de custodiá-los, bem como aos respectivos acessórios,
e aos depósitos que vierem a ser realizados após a publicação desta Lei.

(…)

§ 3º – O montante total transferido nos termos desta Lei corresponderá ao percentual de


75% (setenta e cinco por cento) do valor total dos depósitos judiciais, apurado na forma
do art. 4º, durante o primeiro ano de vigência desta Lei, e de 70% (setenta por cento)
desse valor total, no período subsequente.

§ 4º – A parcela não transferida dos depósitos judiciais a que se refere o caput será
mantida na instituição financeira custodiante e constituirá fundo de reserva destinado a
garantir a restituição ou os pagamentos referentes aos depósitos, conforme a decisão
proferida no processo judicial correspondente.”

A manifestação juntada aos autos pelo próprio Banco do Brasil confirmou o fato, e ainda
ratificou que o estorno dos valores do fundo de reserva provocou severo esvaziamento
da provisão, inviabilizando a liquidez do sistema de uso dos depósitos pelo Poder Público
local.

Eis trecho relevante da manifestação:

22. Posteriormente, após o referendo pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal da


decisão liminar na ADI nº 5353, que confirmou a suspensão integral da eficácia da Lei
Estadual nº 21.720/2015, o Banco, compreendendo a exata extensão das decisões
liminares anteriores, bem como, visando dar plena execução aos seus comandos, em
dezembro de 2016, passou a desconsiderar do fundo de reserva os valores relativos aos
depósitos judiciais novos de particulares realizados após 29.10.2015 (data da liminar da
ADI nº 5353), devolvendo-os às respectivas contas de depósito judicial.

23. Desta forma, em vista da providência adotada, todos os valores dos depósitos
judiciais de particulares efetivados em data posterior à 29.10.2015 mantiveram-se
íntegros em suas respectivas contas de depósito judicial de origem e possibilitam o
regular pagamento dos correspondentes alvarás judiciais sem qualquer problema aos
jurisdicionados.

24. Não obstante, com o cumprimento da liminar nos seus exatos termos, após a
adequação do fundo de reserva, realizada em dezembro de 2016, este ficou abaixo dos
percentuais estabelecidos no art. 4º, §1º, alíneas I (25% primeiro ano) e II (30% –
segundo ano), da Lei 21.720, chegando ao ponto de se exaurir completamente no final
de 2016.”
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Supremo Tribunal Federal

Dessa maneira, após o referendo da decisão cautelar pelo Plenário, o Banco do Brasil
S/A entendeu que o Estado de Minas Gerais não poderia fazer uso de qualquer parcela
dos depósitos judiciais entre particulares, e que isso decorreria de uma imposição
judicial que remontaria a 29/10/2015. Motivado por essa compreensão, diligenciou,
sponte propria, no sentido de subtrair do fundo de reserva local percentual
correspondente aos depósitos entre particulares vinculados ao TJMG, numa espécie de
“readequação escritural”, formalizada em dezembro de 2016.

A operação provocou desabastecimento crítico das provisões do fundo, colocando a


descoberto milhares de ordens de saque vertidas em alvarás judiciais, e gerou um novo
contencioso neste Supremo Tribunal Federal, formalizado agora em reclamações
ajuizadas pelo Banco do Brasil (RCLs 26.338 e 26.617, Rel. Min. CELSO DE MELLO) e
pelo Estado de Minas Gerais (RCL 26.106, Rel. Min. ROBERTO BARROSO). Nesta última,
distribuída durante o recesso do início de 2017, a Presidente do Supremo Tribunal
Federal indeferiu os pedidos manifestados pelo Estado, entre os quais o de obrigar o
Banco do Brasil a “ liberar os depósitos realizados por terceiros, em garantia dos
respectivos Juízos, em cumprimento dos alvarás regularmente constituídos, à
consideração da existência dos recursos disponíveis na instituição financeira custodiante”
(decisão publicada no Dje de 1º/2/2017).

A situação de grave desarrumação econômico-financeira, que vem assolando a


administração pública do Estado de Minas Gerais nos últimos anos, ganhou um requinte
ainda mais lamentável: após uma série de desentendimentos entre instituições
financeiras e Estado, ela foi transferida para a realidade da Justiça local, conflagrando
uma espécie de estado de calamidade judiciária, absolutamente inaceitável dentro de
uma ordem constitucional que tem como um de seus princípios mais sensíveis a garantia
“do livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação” (art. 34, IV, da
CF (LGL\1988\3)).

Diante do estado de coisas mais do que alarmante, em que ordens judiciais em


depósitos envolvendo terceiros estão sendo frustradas aos milhares, e sem qualquer
previsão de uma solução por outras vias, não há dúvidas sobre a configuração da
plausibilidade da tese de ofensa ao direito de propriedade dos depositantes (art. 5º,
caput, da CF (LGL\1988\3)).

Infelizmente, o problema não é exclusividade do Estado de Minas Gerais, tendo atingido


também a higidez do funcionamento do sistema judiciário do Estado do Rio de Janeiro,
em dissídio que está sob a alçada do Supremo Tribunal Federal, com a relatoria do Min.
GILMAR MENDES, na forma da ADI 5072. Em hipótese igualmente grave de perturbação
da ordem estatal, com episódios de crise de liquidez nos depósitos judiciais, o eminente
Min. Relator descreveu os problemas de interlocução havidos entre Banco do Brasil e
Estado, a respeito da alimentação do fundo de reserva local após a promulgação da Lei
Complementar Federal 151/15, bem como os graves prejuízos causados a prestação
jurisdicional, tendo concedido parcialmente a medida cautelar, ad referendum do
Plenário e determinado que ao Banco do Brasil e ao Estado do Rio de Janeiro a
manutenção da “composição do fundo de reserva nos termos previstos na legislação
impugnada, inclusive com os depósitos judiciais entre privados efetuados depois de
agosto de 2015, até julgamento final desta ação.”

Exatamente como sucedeu no Estado do Rio de Janeiro, a circunstância experimentada


em Minas Gerais é desoladora, e reclama atuação célere deste Supremo Tribunal
Federal, pois, conforme consignado pela OAB/MG, o problema já perdura por tempo
considerável, dando causa à frustração de milhares de ordens judiciais, muitas delas
essenciais à subsistência dos jurisdicionados. Tudo a demonstrar que, ao lado da
relevância do direito afirmado, está suficientemente comprovada a circunstância de
periculum in mora.

Não é admissível que a decisão cautelar proferida nesses autos seja invocada, ora pelo
Estado de Minas Gerais, ora pelo Banco do Brasil, como pretexto para que ambos se
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Supremo Tribunal Federal

recusem a colaborar para a manutenção do fundo de reserva local.

Dois equívocos foram fundamentais para a instauração de todo o problema. O primeiro


deles, repetidamente descrito pelas instituições peticionantes, decorreu da “readequação
escritural” dos depósitos entre particulares promovida pelo Banco do Brasil em dezembro
de 2016. Embora, de fato, a decisão de referendo da cautelar pelo Plenário tenha
acrescido algum conteúdo ao provimento monocrático deferido pelo Min. TEORI
ZAVASCKI, isso jamais seria suficiente para autorizar o Banco do Brasil a proceder à
autotutela de seus interesses, promovendo, por vontade própria, a administração de
efeitos retroativos, com evidentes prejuízos para o fundo de reserva.

Ora, se a implementação concreta dessas consequências sequer foi objeto de


deliberação pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal – tendo sido apenas inferida
pelo Bando do Brasil –, qualquer iniciativa nesse sentido deveria, no mínimo, ter sido
noticiada à relatoria deste processo, uma vez que a questão estava sob a tutela da
jurisdição desta Suprema Corte.

Tudo o que está vindo à tona agora revela como uma abrupta supressão de valores do
fundo de reserva pela instituição financeira custodiante poderia acarretar graves riscos
para a sustentabilidade sistêmica do modelo de depósitos judiciais aplicado no Estado.
Portanto, de início, é essencial que o Banco do Brasil reverta a sua operação de
“readequação escritural” realizada em dezembro de 2016, aportando de volta ao fundo
de reserva os valores relativos aos depósitos judiciais de particulares realizados entre
29/10/2015 (data da decisão monocrática) e 3/10/2016 (quando publicada a ata de
julgamento da decisão do Plenário que referendou a cautelar do Min. TEORI ZAVASCKI).

O segundo equívoco tem relação com a significativa apropriação de depósitos judiciais


para uso do Estado de Minas Gerais, viabilizada durante um curto intervalo de tempo de
vigência da lei no exercício de 2015, e que deu origem a transferências não estornadas
no valor aproximado de 4,9 bilhões de reais, segundo informações do Banco do Brasil.
Entendo que, se a Lei Estadual 21.720/2015 produziu efeitos financeiros relevantes –
ainda que temporalmente breves – é indispensável garantir alguma ultratividade a todo
o regime jurídico nela previsto, inclusive quanto às suas normas acessórias, pois elas
são essenciais para a sustentação da liquidez dos sistema de depósitos judiciais. Sem
isso, as consequências serão as que estão a se verificar nesse momento, que acabam
por frustrar os próprios objetivos da decisão liminar tomada pelo Plenário.

Não apenas o Estado deverá adimplir as obrigações de remuneração (arts. 2º e 3º) e


recomposição eventualmente surgidas com as oscilações negativas do fundo de reserva
(previstas nos incisos do art. 4º da Lei mineira), como também a instituição financeira
custodiante deverá observar os deveres que lhe cabem na operação do sistema,
sobretudo aqueles de informação e de escrituração (arts. 7º e 8º). Também deve ser
restabelecido provisoriamente o modelo de controle judicial do saldo do fundo de
reserva, na forma como estabelecido pelo art. 6º da Lei 21.720/15, viabilizando-se
inclusive o bloqueio de verbas do Poder Executivo por ordem do TJMG (art. 6º, § único).

O restabelecimento, em caráter precário, das condições normativas de composição e


controle do fundo de reserva é a medida mais adequada no momento, pois, a um só
tempo, ela preserva o conteúdo da cautelar proferida pelo Plenário, impede que
eventuais controvérsias a respeito das normas contábeis aplicáveis durante a vigência da
lei resultem em déficits de liquidez e assegura meios proporcionais para a recomposição
das reservas financeiras. Esclareço, por último, que, com essa medida, a fiscalização das
provisões do fundo ficará sob a competência do E. TJMG.

Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE AS MEDIDAS CAUTELARES PLEITEADAS, AD


REFERENDUM DO PLENÁRIO (art. 21, V, do RISTF (LGL\1980\17)), para:

(a) DETERMINAR que o Banco do Brasil S/A reverta, imediatamente, a operação de


“readequação escritural” que provocou a situação de iliquidez no fundo de reserva do
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Supremo Tribunal Federal

art. 1º, § 4º, da Lei 21.720/2015, aportando de volta a essa rubrica os valores relativos
aos depósitos judiciais de particulares realizados entre 29/10/2015 (data da decisão
monocrática) e 3/10/2016 (quando publicada a ata de julgamento da decisão do Plenário
que referendou a cautelar do Min. TEORI ZAVASCKI), até o julgamento final desta ação;

(b) ESCLARECER que, tendo em vista a breve vigência da Lei estadual 21.720/2015, de
Minas Gerais, e as transferências realizadas em benefício do Poder Executivo local ainda
em 2015, a suspensão do diploma não exonerou as instituições envolvidas do
cumprimento das obrigações acessórias necessárias à preservação da liquidez do fundo
de reserva e do sistema de depósitos judiciais; e

(c) DETERMINAR que, em função das transferências de valores ocorridas no período de


eficácia da Lei 21.720/2015, cabe ao Estado de Minas Gerais e às instituições financeiras
custodiantes dos depósitos judiciais observar os deveres acessórios previstos na
legislação impugnada, sob fiscalização do Tribunal de Justiça local, até o julgamento final
desta ação.

(d) OFICIE-SE, com urgência, o Governo do Estado de Minas Gerais, o Banco do Brasil, o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais e a OAB/MG.

Publique-se. Int..

Brasília, 22 de maio de 2017.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator

Documento assinado digitalmente

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