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Comentário
1. Introdução
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Supremo Tribunal Federal
A ADI 4.983/CE tem como objeto a Lei 15.299, de 08 de janeiro de 2013, do Estado do
Ceará, que regulamenta a vaquejada como prática cultural e desportiva. O julgamento
teve como questão principal a colisão de duas normas relativas a direitos fundamentais:
a proteção ao meio ambiente, com destaque para vedação de práticas que submetam os
animais a crueldade (o artigo 225, § 1º, inciso VII in fine CF) e a proteção das
manifestações culturais populares (artigo 215 da Constituição Federal de 1988). Para
solução do conflito, disse o STF se valer da “técnica da ponderação”. Questiona-se,
portanto: (i) o que é a “técnica da ponderação”? (ii) O que o STF entende por
“ponderação” nos conflitos entre direitos fundamentais ao meio ambiente e a
manifestação cultural?
Com efeito, foram levantadas questões de fundo no julgamento da ADI 4.983/CE que
também merecem uma análise mais detida: (i) qual o papel do advogado-geral da União
na ADI? (ii) Com a edição da Lei 13.364/2016 e a EC 96/2017 pode se falar em “efeito
backlash” ou ativismo congressual?
A primeira questão trazida pelo Relator em seu voto é no tocante aos limites da atuação
do advogado-geral da União nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Primeiramente,
afirma o Ministro Marco Aurélio que o AGU está vinculado ao disposto no art. 103, § 3º,
da CF/88, devendo, em todo caso, a defesa do texto ou ato normativo impugnado na
ADIN, e não a simples emissão de parecer sobre a inconstitucionalidade, como ocorreu
no julgamento em tela.
1. Art. 103 Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade: (...) § 3º Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a
inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o
Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.
De fato, é esse entendimento que decorre de uma interpretação gramatical do art. 103,
§ 3º, que dispõe “Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade,
em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da
União, que defenderá o ato ou texto impugnado” (grifo nosso).
No entanto, a questão não é pacífica. Conforme o precedente assentado pelo STF na ADI
1.616/PE de relatoria do Ministro Maurício Corrêa, o advogado-geral da União não está
obrigado a fazer a defesa do ato impugnado, especialmente se o STF já tiver consolidado
entendimento pela inconstitucionalidade em casos semelhantes.
2. Na doutrina, ver: MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de direito constitucional.
São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1.213; BARROSO, Luís Roberto. O controle de
constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 209.
O mesmo tema foi objeto de questão de ordem levantada pelo Ministro Marco Aurélio no
julgamento da ADI 3.916/DF que, naquela ocasião como agora, manifestou-se pela
estrita observância do art. 103, § 3º, da CF/88, pois se trataria de um preceito
imperativo posto pelo constituinte originário. Segundo o eminente Ministro, a
Constituição é clara com relação ao papel do AGU: deve proteção ao ato normativo
atacado.
Porém, esse não foi o entendimento que prevaleceu no pleno. A maioria dos votos na
questão de ordem foi no sentido de se interpretar sistematicamente o disposto no art.
103, § 3º, da CF/88 com o art. 8º da Lei 9.868/99, para entender que a “defesa” deve
ser compreendida como um “direito de manifestação do AGU”. Sendo assim, caberia a
este a defesa do ato ou do texto impugnado somente quando fosse possível. Nos demais
casos, em que a inconstitucionalidade fosse patente e já assentada pela Corte, caberia
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Por sua vez, a divergência aberta pelo Ministro Edson Fachin e acompanhada, entre
outros pares, pelo Ministro Gilmar Mendes, traz o debate para outra seara: cabe o
supremo dizer o que é civilizado ou não? Para o eminente Ministro não é competência do
STF ditar o marco civilizatório da sociedade brasileira que, por ser culturalmente plural,
como enuncia a própria Constituição no Preâmbulo e no art. 3, IV, pode albergar práticas
que fujam do senso comum dos grandes centros, não cabendo, portanto, ao STF uma
interpretação enviesada através de uma visão etnocêntrica dos costumes e culturas de
outras regiões.
Com efeito, ainda seguindo a divergência, o Ministro Gilmar Mendes traz, além da
questão dos limites do STF no tocante ao estabelecimento de parâmetros civilizatórios,
outro ponto interessante: a crueldade não é inerente somente à vaquejada, à farra do
boi e à briga de galo (outros casos julgados pelo STF), mas também ao hipismo (esporte
olímpico), ao polo e as corridas de cavalo. Então, questiona o Ministro, como aplicar um
critério diferente para casos que, sob à ótica do meio ambiente, obrigam animais a
práticas que não condizem com o seu estado natural?
Ao final do voto, traz mais duas questões: uma de caráter econômico e outro de caráter
jurídico. A questão econômica está ligada ao evento da vaquejada em si, que pela
magnitude movimenta uma grande quantidade de dinheiro, aquecendo o comércio local
porque gera emprego e renda na região. Com o fim da vaquejada, morreria a
manifestação cultural e a economia da região sofreria um grande baque. No tocante à
questão jurídica, e nesse ponto é acompanhado pelo Ministro Teori Zavascki, a lei vem
regulamentar a vaquejada, estabelecendo os limites da sua prática, as questões de
segurança do animal, do vaqueiro e do público entre outras. Ou seja, ao se
institucionalizar a vaquejada e passar a sua fiscalização ao Estado, evitar-se-ia o que o
Ministro Teori Zavascki convencionou chamar de: vaquejada cruel.
O fato é que, segundo o Ministro Teori Zavascki, sem lei, ela irá ocorrer na
clandestinidade, vulnerável a todos os problemas inerentes àquelas atividades que se
dão à margem da lei. Portanto, advoga, com base no princípio da legalidade que, na
ADIN em questão, o STF está analisando a constitucionalidade da Lei 15.299/2013, e
não a vaquejada em si. Sob essa ótica, não existiria inconstitucionalidade do preceito em
tela.
Contudo, parece-nos guardar razão a Carlos Ayres Brito, antigo Ministro do STF. A
cultura de que trata a Constituição é diferente daquela conceituada pelos dicionários.
Estas podem abarcar qualquer arraigado hábito coletivo, desde os bons (festejos,
literatura, comidas etc.) até os ruins (cultura da corrupção, do caixa 2, do
patrimonialismo etc.). Já a cultura positivada na Carta Maior não pode ser guarita para
prevalência de hábitos que não guardam mais sincronia com o atual estágio (que se
busca) civilizatório. Nesse sentido, não nos parece haver nicho constitucional para a
prática da vaquejada.
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Primeiramente, cabe esclarecer que, quando o STF usa o termo “ponderação”, ao que
parece, o faz como sinônimo de “sopesamento” e “proporcionalidade em sentido estrito”,
conceitos advindos da teoria de Robert Alexy ao enunciar o mandamento que deve ser
utilizado quando o intérprete depara-se com uma situação de tensão ou colisão entre
princípios.
Para que se responda o que é a ponderação – e posteriormente o que STF tem entendido
por ponderação –, é necessário estabelecer as premissas de que parte Alexy. No
entanto, não pretendemos esgotar nesse breve espaço todas as questões relativas à
doutrina alexyana, mas apresentar alguns conceitos fundamentais para esclarecer
aspectos relativos aos votos dos Ministros na presente ADIN.
As regras, por sua vez, são determinações porque prescrevem algo que deve ser
aplicado ou não. Ao passo que, em uma situação de conflito, a questão deve ser
solucionada de duas maneiras: (i) a previsão de uma cláusula de exceção para aquele
caso concreto; (ii) a exclusão de uma das regras do ordenamento jurídico. É impossível
que duas regras, prevendo um resultado contraditório, possuam vigência em um mesmo
ordenamento jurídico.
Como nota de Willis Guerra Filho, as normas constitucionais, hoje, assumem o caráter
geral de princípios, enquanto as demais normas costumam adotar a estrutura de regras.
Com efeito, a Corte analisou o conflito de duas normas constitucionais – e, portanto,
princípios – que colidem abstratamente: o direito a cultura (art. 215) e a vedação ao
tratamento cruel aos animais (art. 225, VII, § 3º).
10. GUERRA FILHO, Willis S. Teoria da ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 149.
Como vimos, se dois princípios colidem, um terá de ceder. Isso não significa que o outro
será excluído, mas que haverá, naquele caso concreto, a precedência de um princípio
sobre o outro. Em outras condições poder ser que a precedência seja resolvida de forma
oposta. Trazendo para o caso em tela, prevaleceu, para o Ministro Luís Roberto Barroso,
a proteção ao meio ambiente e a vedação ao tratamento cruel aos animais em
detrimento do direito de manifestação cultural.
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Logo, dependendo do caso concreto, os princípios terão pesos diferentes. Para se decidir
qual princípio tem mais peso no caso concreto é que o intérprete deve-se valer do
sopesamento ou da máxima da proporcionalidade nos termos da lei de colisão, utilizada
pelo Ministro Luís Roberto Barroso ao final do voto.
A lei de colisão consiste em fixar as condições sob as quais um princípio tem precedência
em face do outro. Se mudarem as condições, é possível que se mude também a questão
da precedência. Logo, “as condições sob as quais um princípio tem precedência em face
do outro constituem suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica
do princípio que tem precedência”. Essa regra que vai se formar será chama de lei de
colisão.
12. ALEXY, Robert. Op. cit, p. 94-99.
No seu voto, após apresentar os suportes fáticos e jurídicos, o Ministro Barroso dispôs
que a lei de colisão naquele caso concreto deve se dar da seguinte maneira: “(...)
manifestações culturais com características de entretenimento que submetem animais a
crueldade são incompatíveis com o art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, quando
for impossível sua regulamentação de modo suficiente para evitar práticas cruéis, sem
que a própria prática seja descaracterizada.”
Então, sob a condição estabelecida (quando for impossível sua regulamentação de modo
suficiente para evitar práticas cruéis, sem que a própria prática seja descaracterizada), o
princípio da proteção ao meio ambiente e vedação à crueldade deve prevalecer sobre as
manifestações culturais com características de entretenimento que submetem animais a
crueldade.
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A primeira pergunta pode ser respondida de plano: não. O Poder Legislativo não fica
vinculado ao que foi decidido pelo STF em ADIN. Esse entendimento decorre da
interpretação do art. 103, § 2º, da CF/88 e do art. 28 da Lei 9.868/99 que dispõe sobre
a eficácia subjetiva das decisões do STF. A eficácia, portanto, é erga omnes (contra
todos) e abarca os particulares, a Administração Pública federal, estadual e municipal, o
Judiciário e inclusive o STF (porém, somente os julgamentos monocráticos ou das
Turmas do STF estão vinculados. A decisão não vincula, contudo, o Plenário, que poderá
reapreciar a questão em outra oportunidade). Caso haja desrespeito ao que foi decidido
em matéria de ADIN caberá Reclamação Constitucional perante o STF.
16. Art. 103 Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória
de constitucionalidade: § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida
para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a
adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para
fazê-lo em trinta dias.
17. Art. 28 Dentro do prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da decisão, o
Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do
Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão. Parágrafo único. A declaração de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a
Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm
eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à
Administração Pública federal, estadual e municipal. (grifo nosso).
Nota-se da dicção dos artigos em comento que o Poder Legislativo ficou excluído do rol
de pessoas vinculadas à decisão em sede de ADIN. Logo, o legislador futuro não está
impedido de editar norma de conteúdo igual ou análogo ao que foi rejeitado. O mesmo
entendimento se aplica a promulgação de uma emenda constitucional que venha superar
o entendimento do STF sobre determinada matéria. Em regra, o Congresso Nacional no
exercício do Poder Constituinte Derivado ou Reformador dá a última palavra sobre o
direito constitucional positivo no Brasil, desde que respeitando os requisitos do processo
legislativo e as cláusulas pétreas. Assim, em um primeiro momento, não haveria óbice à
promulgação da Lei 13.364/2016 e da EC 96/2017.
18. BARROSO, Luís Roberto. Op. cit, p. 96 e 228.
19. Existe divergência quanto a possibilidade de se rediscutir a constitucionalidade de
uma lei que tenha conteúdo igual ou análogo àquele que foi declarado inconstitucional
pelo STF. Ver: BARROSO, Luís Roberto. Op. cit. p. 96 e 228.
Com efeito, nota-se que ocorreu uma reação do Congresso Nacional à decisão do STF.
Logo após a declaração de inconstitucionalidade, diversos setores se movimentaram
para aprovação de uma lei e de uma emenda constitucional que viesse superar o
entendimento da Corte. Esse fenômeno tem o nome de ativismo congressual ou reação
legislativa.
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Na ADI 5105/DF de Relatoria do Ministro Luiz Fux se discutiu quais os limites das
reações legislativas a decisões proferidas pelo STF. Ficou estabelecido que o ativismo
congressual ou reação legislativa é: a reversão do entendimento da Corte pelo Poder
Legislativo através da promulgação de legislação ordinária ou de emenda constitucional.
Nesses casos, o legislativo buscaria reverter algumas decisões em que o STF teria
atuado de maneira antidemocrática ou com pouco diálogo com os demais poderes da
República.
20. Para maiores informações ver o Informativo 801 do STF.
O julgamento da ADIN 5.105/DF estabeleceu alguns parâmetros importantes com
relação à função dialógica e deliberativa que o STF deve manter com os demais poderes,
de modo a buscar os melhores resultados em termos de apreensão do significado
constitucional. Cita-se:
(i) Nos casos de reversão jurisprudencial via lei ordinária, salvo os casos em que há
flagrante inconstitucionalidade, a Corte tem adotado o entendimento de autorrestrição
em face das opções políticas do legislador. No entanto, se a norma colidir frontalmente
com a jurisprudência do Tribunal, já nascerá com presunção de inconstitucionalidade,
cabendo ao legislador demonstrar argumentativamente que o caso conta com novas
premissas fáticas e jurídicas que autorizariam a superação do posicionamento
jurisprudencial outrora estabelecido. Trata-se, portanto, de um escrutínio de
constitucionalidade mais rigoroso.
Constituição.
Referências bibliográficas
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2009.
BRITTO, Carlos Ayres. Cultura? Qual? Estadão. Opinião. 24 de junho de 2016. Disponível
em: [http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,cultura-qual,10000064608]. Acesso
em: 30.06.2017.
GUERRA FILHO, Willis S. Teoria da ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 2009.
KLARMAN, Michael. Courts, Social Change, and Political Backlash. Hart Lecture at
Georgetown Law Center, March 31, 2011 – Speaker’s Notes. Disponível em:
[http://tinyurl.com/bz4cwqk]. Acesso em: 02.07.2017.
MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
2011.
MOLINARO, Carlos Alberto; DANTAS, Fernando Antonio. Comentário ao art. 215. In:
CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar; SARLET, Ingo W. STRECK, Lenio. (coords.).
Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
VALLE, Vera Regina Lírio. Backlash a decisão do Supremo Tribunal Federal: pela
naturalização do dissenso como possibilidade democrática. Disponível em:
[file:///C:/Users/user/Downloads/Backlash_a_decisao_do_Supremo_Tribunal_F.pdf].
Acesso em: 02.07.2017.
beyruth91@gmail.com
11. Na doutrina brasileira, gostaríamos de mencionar os estudos de Willis Guerra Filho
que utiliza o termo “princípio da proporcionalidade”. Para o autor, o princípio da
proporcionalidade é o “princípio dos princípios”, do qual vai se valer o intérprete na
busca de uma “solução de compromisso” nos casos em que houver conflito entre
princípios constitucionais, de modo a procurar desrespeitar o mínimo o outro, sem
destruir o seu “núcleo essencial”. O princípio da proporcionalidade decorre da própria
fórmula política consagrada na Constituição Federal de 1988: o Estado Democrático de
Direito. Cf. GUERRA FILHO, Willis S. Op. cit. p. 179-180.
DECISÃO:
Considerando este o único caminho viável para assegurar o pagamento dos alvarás
também em Minas Gerais, o Estado requereu fosse autorizado o Banco do Brasil S/A a
recompor e manter o fundo de reserva, até a solução do mérito da ação. Postulou,
complementarmente, pela suspensão da tramitação da Reclamação 26.338/MG, da
Relatoria do Min. CELSO DE MELLO, e da Ação Ordinária nº
5005557-75.2017.8.13.0024, em trâmite na 5ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de
Belo Horizonte/MG.
A OAB/MG esclarece que, desde que tomou conhecimento desses eventos, diligenciou
em várias frentes para normalizar a situação. A empreitada, porém, teria se mostrado
inexequível, tendo em vista a resistência do Banco do Brasil S/A em adimplir obrigações
básicas previstas na Lei estadual 12.720/2015 referentes à gestão do fundo de reserva
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Na sequência, aduz que, embora o pedido da referida ação tivesse sido acolhido em sede
de tutela antecipada, a decisão foi posteriormente suspensa neste Supremo Tribunal
Federal, nos autos da Reclamação 26.338, de relatoria do Min. CELSO DE MELLO, por
aparente atentado ao conteúdo da liminar proferida nesta ADI 5353.
A síntese de todas essas circunstâncias foi clinicada do seguinte modo pela peticionante:
O Governo Estadual, por sua vez, sempre que perquirido ou cobrado a respeito do tema,
responde monocordicamente que a mudança de sistemática contábil do Banco do Brasil,
de separar as contas de depósitos judiciais (antes e depois de 2015), é a causadora do
impasse. Mas nenhuma solução prática tem sido sinalizada pelo Estado. Ao contrário, o
ente público se limita a afirmar, sem demonstrar contabilmente, que não há em seus
cofres recursos para pagamento dos alvarás judiciais, embora tenha sido o Estado de
Minas Gerais diretamente beneficiado pelo levantamento de 4,8 bilhões de reais, em
2015…
Ao final, postula a OAB/MG pela “ necessária integração do ato decisório que deferiu a
cautelar ”, remediando a situação de maneira temporária, já que nenhum outro órgão
jurisdicional poderia prover a respeito da situação, tendo em vista cautelar antes
deferida na presente ação direta de inconstitucionalidade.
“3. Com a suspensão da eficácia da Lei Estadual nº 21.720/2015 pela decisão liminar
deferida nesta ADI, o Banco cessou a transferência de depósitos judiciais de particulares
ao Estado, bem como, após ajustes de sistema, para fim de dar o exato cumprimento à
liminar, desconsiderou do fundo de reserva, em dezembro de 2016, os valores dos
depósitos judiciais de particulares realizados a partir de 29.10.2015 (data da liminar na
ADI nº 5353), retornando às respectivas contas de depósitos judiciais os valores de
depósitos particulares posteriores à liminar na ADI nº 5353/MG e que transitaram pelo
referido fundo. Referida operação é detalhada pelo Ofício 2017/002611 (anexo).
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5. Por outro lado, os processos relativos aos valores repassados ao Estado em data
anterior à liminar concedida em 29.10.2015 foram sendo solucionados e,
consequentemente, os competentes alvarás judiciais para pagamento às partes foram
sendo expedidos.
6. Com isso, o volume de alvarás judiciais recebidos acabou por acarretar o exaurimento
do fundo de reserva no final de 2016 (considerando-se, aqui, o ajuste realizado em
dezembro de 2016 noticiado pela Diretoria de Governo no ofício 2017/002611), razão
pela qual, o Banco depositário promoveu a notificação do Estado de Minas Gerais para
recomposição do fundo de reserva e deu ciência do fato ao Tribunal de Justiça de Minas
Gerais (notificações anexas).
7. Não obstante, o Estado de Minas Gerais, até a presente data, não promoveu a
recomposição do fundo de reserva para pagamento dos alvarás judiciais presentes.”
“20. Assim, como visto, foram transferidos ao Estado de Minas Gerais o montante de R$
2,.87 bilhões de reais – consoante liminar concedida pelo Juiz da Vara da Fazenda
Pública de Belo Horizonte (MG) – e, também, a importância de R$ 2 bilhões que já
haviam sido transferidos anteriormente ao Estado pelo Banco. O restante dos valores
vinculados à sistemática da Lei Estadual, que foram mantidos junto ao Banco do Brasil
nos termos da Lei e das r. Decisões proferidas pelo Ministro Teori Zavascki, compuseram
o fundo de reserva a que alude o art. 1º, § 4º, da Lei 21.720/2015 e, como tal, foram
utilizados para o pagamento dos alvarás regularmente emitidos pelo Poder Judiciário.
21. Por força dessas mesmas r. Decisões judiciais, proferidas no âmbito da ADI
5353/MG, esse fundo de reserva não poderia mais receber o ingresso de novos valores
decorrentes dos depósitos judiciais posteriores, mas tão somente, o saque decorrente
dos alvarás que foram sendo expedidos pelos respectivos juízos. Contudo, o Banco
depositário, por questões de sistema e interpretação das decisões liminares, apesar de
cessar as transferências da parcela dos depósitos ao ente federado, manteve o ingresso
dos novos depósitos na sistemática do artigo 4º da Lei Estadual 21.720/2015 até
dezembro de 2016.
23. Desta forma, em vista da providência adotada, todos os valores dos depósitos
judiciais de particulares efetivados em data posterior à 29.10.2015 mantiveram-se
íntegros em suas respectivas contas de depósito judicial de origem e possibilitam o
regular pagamento dos correspondentes alvarás judiciais sem qualquer problema aos
jurisdicionados.
24. Não obstante, com o cumprimento da liminar nos seus exatos termos, após a
adequação do fundo de reserva, realizada em dezembro de 2016, este ficou abaixo dos
percentuais estabelecidos no art. 4º, §1º, alíneas I (25% primeiro ano) e II (30% –
segundo ano), da Lei 21.720, chegando ao ponto de se exaurir completamente no final
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de 2016.”
Em suma, as informações prestadas pelo BB afiançaram a seguinte versão dos fatos: (a)
durante o curto período de vigência da Lei estadual 21.720/2015, houve transferência de
aproximadamente 4,9 bilhões ao Estado de Minas Gerais, ainda em 2015; (b) essa
transferência não foi desconstituída pela decisão cautelar da Suprema Corte nos autos
desta ação direta, pois ela produziu apenas efeitos para o futuro; (c) entre a data da
decisão monocrática e o referendo pelo Plenário, o Banco do Brasil manteve a destinação
ao fundo de reserva de parcela dos depósitos judiciais entre particulares, nos termos do
art. 1º, § 4º, da Lei 21.720/2015; (d) após o referendo da cautelar pelo Plenário, em
28/9/2016, ficou esclarecido que a Lei 21.720/2015 estava suspensa desde a data do
provimento monocrático do Min. TEORI ZAVASCKI; (e) diante disso, o Banco do Brasil
estornou parcela referente aos depósitos judiciais entre particulares do fundo de reserva
para contas individuais; (f) como consequência direta, o fundo entrou em ponto crítico; e
(g) o Banco do Brasil atribui a responsabilidade pela iliquidez ao Estado de MG, que não
estaria cumprindo suas obrigações de recomposição do fundo (na forma dos incisos do
art. 4º, § 1º, da Lei 21.720/2015).
Decido.
Conforme recapitulado, a legislação mineira sobre o uso dos depósitos (Lei estadual
21.720/2015), aqui impugnada, foi afetada, num primeiro momento, por decisão
monocrática do eminente Min. TEORI ZAVASCKI, proferida em 29/10/2015.
com a observação do Ministro Marco Aurélio, do Ministro Ricardo, de que a lei estadual
está suspensa, porque ela só se tornou exequível por força de uma liminar que foi
suspensa. Então, o que estava implícito eu quero deixar explícito.”
§ 1º – Esta lei aplica-se aos depósitos judiciais existentes na data de sua publicação na
instituição financeira encarregada de custodiá-los, bem como aos respectivos acessórios,
e aos depósitos que vierem a ser realizados após a publicação desta Lei.
(…)
§ 4º – A parcela não transferida dos depósitos judiciais a que se refere o caput será
mantida na instituição financeira custodiante e constituirá fundo de reserva destinado a
garantir a restituição ou os pagamentos referentes aos depósitos, conforme a decisão
proferida no processo judicial correspondente.”
A manifestação juntada aos autos pelo próprio Banco do Brasil confirmou o fato, e ainda
ratificou que o estorno dos valores do fundo de reserva provocou severo esvaziamento
da provisão, inviabilizando a liquidez do sistema de uso dos depósitos pelo Poder Público
local.
23. Desta forma, em vista da providência adotada, todos os valores dos depósitos
judiciais de particulares efetivados em data posterior à 29.10.2015 mantiveram-se
íntegros em suas respectivas contas de depósito judicial de origem e possibilitam o
regular pagamento dos correspondentes alvarás judiciais sem qualquer problema aos
jurisdicionados.
24. Não obstante, com o cumprimento da liminar nos seus exatos termos, após a
adequação do fundo de reserva, realizada em dezembro de 2016, este ficou abaixo dos
percentuais estabelecidos no art. 4º, §1º, alíneas I (25% primeiro ano) e II (30% –
segundo ano), da Lei 21.720, chegando ao ponto de se exaurir completamente no final
de 2016.”
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Dessa maneira, após o referendo da decisão cautelar pelo Plenário, o Banco do Brasil
S/A entendeu que o Estado de Minas Gerais não poderia fazer uso de qualquer parcela
dos depósitos judiciais entre particulares, e que isso decorreria de uma imposição
judicial que remontaria a 29/10/2015. Motivado por essa compreensão, diligenciou,
sponte propria, no sentido de subtrair do fundo de reserva local percentual
correspondente aos depósitos entre particulares vinculados ao TJMG, numa espécie de
“readequação escritural”, formalizada em dezembro de 2016.
Não é admissível que a decisão cautelar proferida nesses autos seja invocada, ora pelo
Estado de Minas Gerais, ora pelo Banco do Brasil, como pretexto para que ambos se
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Tudo o que está vindo à tona agora revela como uma abrupta supressão de valores do
fundo de reserva pela instituição financeira custodiante poderia acarretar graves riscos
para a sustentabilidade sistêmica do modelo de depósitos judiciais aplicado no Estado.
Portanto, de início, é essencial que o Banco do Brasil reverta a sua operação de
“readequação escritural” realizada em dezembro de 2016, aportando de volta ao fundo
de reserva os valores relativos aos depósitos judiciais de particulares realizados entre
29/10/2015 (data da decisão monocrática) e 3/10/2016 (quando publicada a ata de
julgamento da decisão do Plenário que referendou a cautelar do Min. TEORI ZAVASCKI).
art. 1º, § 4º, da Lei 21.720/2015, aportando de volta a essa rubrica os valores relativos
aos depósitos judiciais de particulares realizados entre 29/10/2015 (data da decisão
monocrática) e 3/10/2016 (quando publicada a ata de julgamento da decisão do Plenário
que referendou a cautelar do Min. TEORI ZAVASCKI), até o julgamento final desta ação;
(b) ESCLARECER que, tendo em vista a breve vigência da Lei estadual 21.720/2015, de
Minas Gerais, e as transferências realizadas em benefício do Poder Executivo local ainda
em 2015, a suspensão do diploma não exonerou as instituições envolvidas do
cumprimento das obrigações acessórias necessárias à preservação da liquidez do fundo
de reserva e do sistema de depósitos judiciais; e
(d) OFICIE-SE, com urgência, o Governo do Estado de Minas Gerais, o Banco do Brasil, o
Tribunal de Justiça de Minas Gerais e a OAB/MG.
Publique-se. Int..
Relator
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