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Direitos Humanos

Surgimento, Reconhecimento
e Evolução Histórica dos
Direitos Humanos
DIREITOS HUMANOS
Surgimento, Reconhecimento
e Evolução Histórica dos Direitos Humanos
PROF. HENRY ATIQUE

Guia referente à disciplina de Direitos Humanos do


Centro Universitário de Rio Preto, elaborado pelo
Prof. Dr. Henry Atique.

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – SÃO PAULO – BRASIL


CENTRO UNIVERSITÁRIO DE RIO PRETO - UNIRP

Halim Atique Junior


Reitor

Manuela Kruchewsky Bastos Atique


Vice-Reitora

Anete Maria Lucas Veltroni Schiavinatto


Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação

Agdamar Affini Suffredini


Pró-Reitora Acadêmica

Sérgio Luís Conti


Pró-Reitor Administrativo e Financeiro

Ricardo Costa
Pró-Reitor de Educação à Distância
APRESENTAÇÃO ............................................................................... 6

1. Questões terminológicas, o conceito e as


características principais dos direitos humanos .......... 7

2. Âmbito de proteção, restrições e as colisões entre


13
direitos humanos ..............................................................

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................ 18

REFERÊNCIAS .................................................................. 19
Direitos Humanos

APRESENTAÇÃO

Bem-vindo ao guia de estudos da disciplina de Direitos Humanos!


Neste guia, estudaremos as questões terminológicas, o conceito e as características
principais dos direitos humanos, bem como o seu âmbito de proteção, restrições
e as colisões entre estes direitos.

Para que este guia fosse produzido, utilizamos a mais celebrada


doutrina no assunto, no sentido de encorpar o quanto exposto, mas, ao mesmo
tempo, buscando trazer a questão de forma que todos – sejam ou não da área
jurídica – possam refletir sobre o assunto.

A partir deste estudo, poderemos ter, em linhas gerais, um panorama


preliminar sobre o que trata a mencionada disciplina.

Leia atentamente o guia. Esperamos que este texto o ajude em


uma melhor compreensão. Bons estudos!

6
1
1 Questões terminológicas, o conceito e as características principais
dos direitos humanos

Para uma melhor análise sobre o assunto, é preciso delimitar


conceitual e terminologicamente o termo “direitos humanos”, bem como justificar
a opção por ele, em detrimento de outros possíveis, sem, contudo, ter a pretensão
de chegar a qualquer consenso definitivo sobre a questão.

Tanto na doutrina, quanto no direito positivo, seja constitucional


ou internacional, são amplamente utilizadas outras expressões para designar
essa mesma categoria de direitos, tais como “direitos fundamentais”, “direitos do
homem”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”, “direitos subjetivos públicos”,
“liberdades fundamentais” e “direitos humanos fundamentais”, apenas para
referirmos as de maior ocorrência.

A doutrina, em razão disso, tem alertado para a heterogeneidade,


ambiguidade e falta de consenso no campo conceitual e terminológico quanto
a esses direitos, mesmo no que diz respeito ao significado e conteúdo de cada
termo utilizado. A exemplo do que ocorre em outras Constituições, a brasileira
de 1988 se caracteriza por uma diversidade semântica em vários pontos de seu
texto, utilizando termos variados quando se refere também a eles.

A Constituição brasileira emprega expressões variadas, como por


exemplo “direitos humanos” (art. 4º, inc. II), “direitos e garantias fundamentais”
(Título II), “direitos e liberdades constitucionais” (art. 5º, LXXI) e direitos e garantias
individuais (art. 60, § 4º, inc. IV).

A definição do conteúdo de cada expressão, bem como de qual é a


melhor opção, não é debate meramente acadêmico, que se restringe aos planos
teóricos, mas possui efeitos concretos e importantes em uma série de questões de
ordem prática, especialmente no que toca à interpretação e aplicação das normas
de direitos humanos. É, por exemplo, imprescindível conhecer o que o constituinte
brasileiro quis dizer ao utilizar “direitos e garantias individuais”, para se determinar
qual a extensão da proibição de se fazer emendas (alterações) à Constituição,
constante do art. 60, § 4º, inc. IV.

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Direitos Humanos

A busca do tratamento adequado tem por finalidade a verificação


de como o conteúdo dos direitos humanos e garantias fundamentais – que
reúnem os direitos de defesa do indivíduo perante o Estado, os direitos políticos,
os relativos à nacionalidade, os direitos sociais e os direitos coletivos e difusos –
foi tratado pela Constituição da República de 1988, o que é fundamental para que
possamos, no plano científico, determinar a terminologia adequada à designação
dessa realidade.

Num primeiro momento, pelo fato de serem direitos inatos, inerentes


à natureza do homem, eles foram considerados direitos naturais. Entretanto, essa
tese não é mais aceita em sua totalidade, por se tratarem de direitos positivados,
escritos, que encontram seu conteúdo e fundamento nas relações sociais e na
historicidade.

Por seu turno, a expressão direitos individuais é cada vez mais


desprezada pela doutrina, pois dá a impressão de que os direitos aqui tratados
seriam destinados apenas ao indivíduo isolado já que tal expressão se originou no
individualismo que deu fundamento às declarações do século XVIII.

Denominá-los direitos públicos subjetivos remonta ao Estado


liberal, sendo conceito técnico-jurídico deste e também vinculado à concepção
individualista do homem, ou seja, insuficiente para caracterizar os direitos humanos
fundamentais como um todo. Tal categorização acha-se superada pela dinâmica
econômico-social dos tempos atuais, onde o desfrute de qualquer destes direitos
exige atuação ativa dos poderes públicos1.

No mesmo sentido, o termo liberdades públicas é pouco abrangente


para designar aquilo que se espera, já que pensar em liberdades leva à correlação
imediata com os direitos de defesa do indivíduo perante o Estado, deixando de
designar, assim, outros direitos humanos fundamentais, como, por exemplo, os
direitos econômicos e sociais.

Mesmo as expressões direitos humanos e direitos do homem,


constantes dos documentos internacionais, têm contra si a afirmação de que
não há direito que não tenha como titular o homem ou o ser humano, ainda
que representados por entes coletivos, além do fato de que estes documentos
tampouco são textos de direito positivo, constantes de uma Constituição.

Por sua abrangência ao referir-se a princípios que congregam


a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento
jurídico, e seguindo o entendimento predominante da doutrina, entende-se que
a expressão “direitos humanos fundamentais” é a mais precisa quando se fala
na previsão destes para o objetivo que temos aqui, sendo neste caso a melhor e
mais exata. O vocábulo “direito” indica a situação em que se pretende a defesa

1 Antonio Enrique Pérez Luño. Ob. cit., p. 27/28.


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Direitos Humanos

do cidadão perante o Estado e, ao mesmo tempo, os interesses jurídicos de


caráter social, político ou difuso, protegidos pela Constituição. De outro lado, no
qualificativo “fundamentais”, destaca-se a imprescindibilidade desses direitos à
condição humana, tratando de situações jurídicas sem as quais o ser humano
não se realiza, não convive e, algumas vezes, nem sequer sobrevive. “Humanos”,
no sentido de que igualmente a todos devem ser formalmente reconhecidos e
concreta e materialmente efetivados.2

Entretanto, veja-se que há uma proximidade enorme entre as


expressões “direitos fundamentais”, “direitos humanos”, “direitos fundamentais
do homem” e “direitos humanos fundamentais”, querendo parecer-nos que não
haveria qualquer prejuízo em se empregar uma ou outra, indistintamente, quase
que como sinônimas, pois estaríamos nos referindo, no final das contas, à proteção
dos mesmos bens jurídicos. Aqui agiremos desta forma.

Outra questão é a que, ao formarem uma categoria jurídica, os


direitos humanos possuem características comuns entre si, o que os torna uma
classe de direitos. Assim, podemos dizer que são marcados de peculiaridades
individualizadoras que os diferenciam das demais categorias jurídicas.

Segundo Konrad Hesse3, numa acepção ampla, os direitos


humanos fundamentais almejam criar e manter na liberdade e na dignidade
humana os pressupostos elementares de uma vida. Ao lado dessa ideia, o mesmo
autor desenvolve outra acepção mais específica, mais restrita e mais normativa,
considerando os direitos humanos fundamentais como aqueles assim qualificados
pelo direito vigente.

Também Carl Schmitt4 lançou o olhar sobre o tema e estabeleceu


dois critérios formais e um critério material de caracterização destes direitos. Do
ponto de vista formal, pelo primeiro critério, todos os direitos ou garantias nomeados
e especificados no instrumento constitucional podem ser designados por direitos
fundamentais. Pelo segundo, os direitos fundamentais são os que receberam da
Constituição um grau mais elevado de segurança e de garantia, assim sendo
imutáveis ou de mudança apenas por emenda à Constituição, procedimento
mais complexo e difícil em comparação com o procedimento comum de produção

2 Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Junior. Curso de Direito
Constitucional, p. 58. José Afonso da Silva. Ob. cit., p. 182.
3 Konrad Hesse. Grundrechte. In: Staatslexikon, Herausgegeben von
Goeresgesellschaft. Apud., Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional.
p. 514.
4 Verfassungslehre, Unveraenderter Neudruck. Berlim, 1954, p. 163-173. Apud.
Paulo Bonavides. Ob. cit., p. 515.

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Direitos Humanos

legislativa. Já do enfoque material, cada Estado tem seus direitos humanos


fundamentais específicos, variando conforme a modalidade estatal adotada, a
ideologia e as espécies de valores e princípios constitucionalmente consagrados.

Com base em seus característicos comuns, podemos apresentar


algumas – e, portanto, nem de longe esgotando todo o conteúdo singular dessa
gama de construções jurídico-legais – dessas peculiaridades categorizadoras e
individualizadoras dos direitos humanos fundamentais. Quer dizer, passaremos a
apresentar características destes direitos.

Num primeiro momento, fala-se na historicidade. Como quaisquer


direitos, nascem, modificam-se e desaparecem. Se verificados seus antecedentes,
encontraremos, como já vimos anteriormente, uma cadeia evolutiva que culminará
neles. Nasceram com o cristianismo e com a revolução burguesa. Esse processo
não teve propriamente um final, porque a lista desses direitos vem aumentando.
Essa característica rechaça toda fundamentação baseada no direito natural, na
essência do homem ou na natureza das coisas.

Depois, podemos falar em inalienabilidade, no sentido de que são


intransferíveis e inegociáveis, não possuindo conteúdo econômico-patrimonial.

Fala-se também em sua universalidade, pois são, por natureza,


destinados a todos os seres humanos, constituindo uma preocupação
generalizadora da raça humana, o que torna impensável a existência de direitos
dessa natureza circunscritos apenas a uma parcela de pessoas.

Outra característica é a da limitabilidade. Por não serem absolutos,


pode acontecer que dois ou mais direitos fundamentais se choquem, hipótese
em que o exercício de um implicará a invasão do âmbito de proteção do outro,
tema que falaremos um pouco mais a seguir. Nesse caso, há necessidade de
aplicação do chamado princípio da “cedência recíproca”. Algumas dessas colisões
foram previstas com antecedência pelo constituinte que estabeleceu formas de
compatibilização, contemplando regras de harmonização dos conflitos dentro do
texto constitucional. Por outro lado, demandam maior atenção as que não foram
percebidas anteriormente, por serem contradições que emergem do exercício real
e concreto de dois ou mais direitos, por titulares distintos, e que, em determinada
medida, passam a se contrariar. São essas colisões que deixam transparecer que
esses direitos não são absolutos, mas sim limitáveis.

A imprescritibilidade quer dizer que, só pelo fato de existirem


reconhecidos no ordenamento jurídico, os direitos humanos fundamentais já estão
sendo exercidos, ou seja, não há que ser cogitar da passagem do tempo resultar
a perda da possibilidade de exigi-los, especialmente em juízo.

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Direitos Humanos

Quanto à característica da concorrência, significa dizer que esses


direitos podem ser acumulados, de modo que podem ser exercidos vários deles ao
mesmo tempo, o que acarreta que uma única situação possa ser regulamentada
por mais de um preceito constitucional, devendo todas as normas de regência
ser identificadas, pois só assim será possível a definição do regramento e das
consequências jurídicas específicas.

Para apontar mais uma característica, temos a irrenunciabilidade.


Os direitos humanos fundamentais não admitem disposição, isto é, não se
pode abrir mão deles. Eles podem até não ser exercidos temporariamente, mas
não se admite que sejam renunciados. A interpretação deve sempre caminhar
nesse sentido, entendendo-se que a cessão do direito era restrita e por tempo
determinado, não importando na renúncia ao bem jurídico tutelado.

Feitas essas considerações, prosseguiremos nesta superficial, mas


necessária, análise dos direitos humanos, apresentando agora, também de modo
despretensioso, a questão da força dessa categoria singular de conquistas para
desempenhar, na prática, suas tão importantes funções.

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2
2 Âmbito de proteção, restrições e as colisões entre direitos humanos

Para o desenvolvimento de um direito humano fundamental, é


primordial delimitar seu âmbito de proteção. Muitas vezes o exercício desses
direitos pode ensejar conflitos com outros direitos constitucionalmente previstos,
como dissemos anteriormente, exigindo-se, por consequência, a definição desse
âmbito de proteção e, se for o caso, a fixação das restrições ou limitações a esses
direitos.

Esse âmbito de proteção é a parcela da realidade a qual o


constituinte entendeu que deveria definir como objeto de proteção especial,
abrangendo os diferentes pressupostos fáticos contemplados na norma jurídica e
a proteção fundamental.5

A atuação do legislador ordinário, responsável por fazer as leis


comuns, nessas situações, não está limitada apenas ao estabelecimento de
restrições a um direito, cabendo-lhe definir, em determinada medida, a amplitude
e a conformação desses direitos humanos. Ressalte-se, contudo, que este poder
não é o mesmo que uma faculdade de disposição ilimitada.

Em relação ao âmbito de proteção de um determinado direito


humano fundamental, é indispensável que se proceda à identificação do que é
efetivamente protegido, e também contra que tipo de restrição ou agressão essa
proteção é outorgada, sendo que essas assertivas, que dizem com a possibilidade
de limitação ou restrição a determinado direito, não integram este âmbito de
proteção. Quando se fala em âmbito de proteção de um determinado direito
fundamental, não se deve confundir com proteção efetiva e definitiva. O que se
garante é a possibilidade de aferição da legitimidade de uma determinada situação
em face de um dado parâmetro constitucional.6

5 Gilmar Ferreira Mendes. Os direitos fundamentais e suas limitações:


breves reflexões. In: Gilmar Ferreira Mendes; Inocêncio Mártires Coelho; e Paulo
Gustavo Gonet Branco. Ob. cit., p. 211.
6 Ibid., p. 212.

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Direitos Humanos

Para examinarmos, portanto, as possíveis restrições a um direito


humano fundamental, é necessário identificar, primeiramente, o âmbito de sua
proteção. Este procedimento varia para cada caso concreto. Muitas vezes, depende
da realização de uma interpretação sistemática da Constituição, abrangente de
outros direitos e disposições constitucionais. Outras vezes, essa definição só se
obtém em confronto com uma eventual restrição ao direito. Assim, não é possível
a fixação de regras gerais sobre essas limitações.

Não obstante, como ensina Gilmar Ferreira Mendes7, para alcançar


uma sistematização, podemos afirmar que:

“(...) a definição do âmbito de proteção exige a análise da


norma constitucional garantidora de direitos, tendo em vista:
(a) a identificação dos bens jurídicos protegidos e a amplitude
dessa proteção (âmbito de proteção da norma); (b) a verificação
das possíveis restrições contempladas, expressamente, na
Constituição (expressa restrição constitucional) e identificação das
reservas legais de índole restritiva. (...) Tudo isto demonstra que a
identificação precisa do âmbito de proteção de determinado direito
fundamental exige um renovado e constante esforço hermenêutico.”

A ideia de restrição dos direitos fundamentais no texto constitucional


vem tanto do princípio geral de reserva legal (na Constituição do Brasil, a
disposição do art. 5º, inc. II), quanto em referências expressas à possibilidade de
se estabelecerem restrições pela lei, utilizando-se o constituinte, para tanto, de
expressões como na forma da lei, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer,
nos termos da lei, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer,
e assim por diante. Para além dessas, algumas vezes a norma fundamental (que
é a Constituição) faz menção a conceitos jurídicos indeterminados, que devem
disciplinar a harmonização de um dado direito, como, por exemplo, função social,
idoneidade moral, e outros.

Por outro lado, algumas normas legais têm o propósito de completar,


densificar e concretizar um direito humano fundamental, ao invés de serem
destinadas a restringir ou limitar poderes ou faculdades. Assim, a supressão de
normas ordinárias integradoras referentes a certos institutos fundamentais pode
acarretar lesão contra garantia institucional objetiva e também a direito subjetivo
constitucionalmente tutelado.8

7 Ibid., p. 212-213.
8 Robert Alexy. Teoria de los derechos fundamentales, p. 321-325.

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Direitos Humanos

Os direitos fundamentais, portanto, enquanto direitos de hierarquia


constitucional, somente poderão encontrar limites em disposição constitucional
expressa (restrição imediata) ou em face de lei ordinária que tenha fundamento
direto na própria Constituição (restrição mediata).9

Devemos ter cautela, entretanto, com o significado que o conteúdo


da autorização para intervenção legislativa e sua formulação podem assumir para
a efetividade dos direitos e garantias fundamentais. Uma formulação imprecisa e a
outorga ao legislador da responsabilidade pela sua concretização podem acarretar
esvaziamento, redução e até mesmo nulificação do direito humano fundamental
garantido pela ordem constitucional.

Assim, ao passo que o estabelecimento de reservas legais contribui


para a não proliferação de conflitos entre direitos humanos fundamentais, por
outro lado, a técnica que exige expressa autorização constitucional para essa
intervenção legislativa traduz legítima preocupação com a segurança jurídica que
barra restrições arbitrárias ou aleatórias.

Essa reserva legal envolve aspectos tanto formais, quanto materiais,


muito bem expressos na seguinte lição de Gilmar Ferreira Mendes:

“A questão de reserva legal envolve aspectos formais, relacionados


com a competência para o estabelecimento de restrição, o processo
e a forma de realização, e com aspectos materiais, referentes ao
exercício dessa competência, principalmente no que concerne às
condições das reservas qualificadas, aos limites estabelecidos pelo
princípio da proteção do núcleo essencial, à aplicação do princípio
da proporcionalidade e, com ele, do princípio de ponderação.”

Mesmo nos casos de direitos humanos sem expressa previsão de


reserva legal, ou seja, para aqueles que a Constituição não previu explicitamente
a possibilidade de intervenção legislativa, vislumbramos o perigo de conflitos
decorrentes de eventuais abusos cometidos por seus titulares. Entretanto, nessa
hipótese, não pode o legislador ordinário, ao menos em princípio, ir além dos
limites definidos no próprio âmbito de proteção.

Todavia, nessas situações, permanece possível a ocorrência de


colisão de direitos humanos fundamentais, o que legitimaria o estabelecimento de

9 Cf., sobre o assunto, Robert Alexy. Ob. cit., p. 276 e seguintes; Também José
Joaquim Gomes Canotilho. Direito Constitucional, p. 616; José Carlos Vieira
de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976,
p. 285-291.

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Direitos Humanos

restrição a um direito mesmo que não submetido a cláusula expressa de reserva


legal. Esta ação limitadora, de índole legislativa, judicial ou administrativa, deve
ser cingida de cautela ainda maior.

Em conclusão, podemos afirmar, portanto, que os direitos humanos


fundamentais são passíveis de limitações e restrições. Entretanto, é preciso não
perder de vista que isso não se dá de forma geral e sem parâmetros. Ao contrário,
tais restrições são limitadas, cogitando-se aqui dos chamados “limites imanentes”
ou “limites dos limites”10. Esses limites, que decorrem da própria interpretação
constitucional, referem-se à necessidade de proteção do núcleo essencial de
cada direito humano fundamental e à clareza, determinação, generalidade e
proporcionalidade das restrições impostas.

Deve-se proteger o núcleo essencial ou mínimo de um direito


humano fundamental, sob pena de a ação do legislador, que promova restrições
descabidas ou desproporcionais, acarretar no seu esvaziamento.

O vício de inconstitucionalidade substancial, decorrente do excesso


praticado pelo Poder Legislativo, verifica-se da aferição de compatibilidade da
lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatação da observância
do princípio da proporcionalidade, isto é, de se proceder à censura sobre a
adequação e a necessidade do ato legislativo. Veda-se, então, o excesso de poder
legislativo, em qualquer de suas formas11, identificado na violação ao princípio da
proporcionalidade.

Assim, uma lei será inconstitucional, por infringente ao princípio da


proporcionalidade, diz o Tribunal Constitucional alemão, “se se puder constatar,
inequivocamente, a existência de outras medidas menos lesivas”.12 É neste
mesmo sentido que o Supremo Tribunal Federal brasileiro vem se referindo, há
tempos, ao significado do princípio da proporcionalidade13.

Outra limitação à restrição legislativa dos direitos humanos que


10 Robert Alexy. Ob. cit., p. 286 e ss.
11 Veja-se que o poder discricionário para legislar contempla o dever de
legislar, equiparando a omissão legislativa ao excesso de poder legislativo (Gilmar
Ferreira Mendes. Ob. cit., p. 247.).
12 BVerfGE, 39:210(230-1); SCHNEIDER, Hans. Zur Verhältnismässigkeits-
Kontrolle insbesondere bei Gesetzen, in STARCK, Christian,
Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz, p. 398, Apud, Gilmar Ferreira
MENDES. Ob. cit., p. 249.
13 RE n. 18.331, Relator Ministro Orozimbo Nonato, RE n. 86.297, Relator
Ministro Thompson Flores, Rp. n. 1.077, Relator Ministro Moreira Alves, ADIn
n. 855, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, HC n. 76.060-4, Relator Ministro
Sepúlveda Pertence, entre outros. Disponível em www.stf.jus.br .

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Direitos Humanos

merece ser observada toca à proibição implícita de leis restritivas de conteúdo


casuístico ou discriminatório. É dizer: as restrições aos direitos humanos devem
ser estabelecidas por leis que atendam aos requisitos da generalidade e abstração,
nunca voltadas a grupos específicos e menos ainda a uma pessoa individualmente
considerada, sob pena de violação ao princípio da igualdade material e de se
possibilitar que o legislador, por meio de leis individuais e concretas, acabe por
editar autênticos atos administrativos.14

Por fim, não podemos deixar de tecer mais alguns breves


comentários quanto ao vasto e complexo assunto da colisão de direitos humanos.
Trata-se de um conflito de princípios, que entram em choque – tal como é quando,
segundo um princípio, algo está proibido e, segundo outro, a mesma coisa está
permitida – devendo um deles ceder no caso concreto.

Entretanto, isso não significa declarar inválido o princípio


desprezado no caso. O que ocorreu foi uma exceção de um princípio em face do
outro, mas ambos são válidos. Fique claro que só entram em colisão princípios
válidos. O importante é perceber que essa prevalência somente é possível de ser
determinada em função das peculiaridades do caso concreto, não existindo um
critério definitivo de solução desses conflitos válido em termos abstratos. O juízo
de ponderação assenta-se no princípio da proporcionalidade. O ônus imposto ao
que teve seu direito sacrificado não deve sobrelevar o benefício que se pretende
obter com a solução. Os atores, neste juízo de ponderação, serão o juiz ou o
legislador.15

14 Cf. José Joaquim Gomes Canotilho. Ob. cit., p. 614.


15 Cf. HC n. 71.373/RS; HC n. 76.060/SC. Disponível em www.stf.jus.br .

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse guia, estudamos as questões terminológicas, o conceito e


as características principais dos direitos humanos. Paralelamente, abordamos
também, mesmo que de forma sucinta, a questão relativa ao âmbito de proteção,
restrições e as colisões entre direitos humanos.

Em um próximo estudo faremos uma abordagem mais


especificamente relacionada à eficácia dos direitos humanos e a Constituição
brasileira, em busca de continuar a desenvolver a temática da presente disciplina.

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Direitos Humanos

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios


Constitucionales, 2001.

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição


portuguesa de 1976. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 2004.

ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito
constitucional. São Paulo: Saraiva, 2003.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição.


7º ed. Coimbra: Almedina, 2003.

LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. Derechos humanos, Estado de derecho y


Constitución. 5ª ed. Madrid: Tecnos, 1995.

MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo


Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília
Jurídica, 2000.

MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo


Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros,
2004.

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