Você está na página 1de 82

Complementação Pedagógica

Coordenação Pedagógica – IBRA

DISCIPLINA

EDUCAÇÃO EM DIREITOS
HUMANOS

1
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 3

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................................... 5

Teoria dos direitos fundamentais ............................................................................... 5

As declarações universais dos direitos e os tratados internacionais .......................... 8

As dimensões/gerações dos direitos fundamentais .................................................. 13

Direitos a prestações materiais ................................................................................ 18

Direitos fundamentais de participação ..................................................................... 21

Dimensões dos Direitos Fundamentais .................................................................... 21

DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E COLETIVOS E O REGIME JURÍDICO


DOS MILITARES ..................................................................................................... 23

OS MILITARES NA SOCIEDADE – TRATAMENTO DIFERENCIADO .................... 27

O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A SEGURANÇA PÚBLICA................ 38

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS (PNEDH) ............ 44

PRINCÍPIOS NORTEADORES DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS .......... 50

Na Educação Básica ................................................................................................ 51

METODOLOGIAS DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS .............................. 57

EIXOS TEMÁTICOS PARA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA ................................. 60

OS DIREITOS DAS MINORIAS ÉTNICAS E RACIAIS ............................................ 66

POLÍTICAS DE RECONHECIMENTO/AÇÕES AFIRMATIVAS ............................... 69

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 79

2
INTRODUÇÃO

Em 1997, Arendt já ponderava que globalização, políticas neoliberais,


segurança global, eram realidades que estavam acentuando a exclusão, em suas
diferentes formas e manifestações. Evidentemente não afetam, igualmente, a todos
os grupos sociais e culturais, nem a todos os países e, dentro de cada país, às
diferentes regiões e pessoas. São os considerados “diferentes”, aqueles que, por suas
características sociais e/ou étnicas, por serem pessoas com “necessidades
especiais”, por não se adequarem a uma sociedade cada vez mais marcada pela
competitividade e pela lógica do mercado, os “perdedores”, os “descartáveis”, que
vêm, a cada dia, negado o seu “direito a ter direitos”.
Entretanto, bem antes, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos
da Organização das Nações Unidas (ONU) já havia desencadeado um processo de
mudança no comportamento social e a produção de instrumentos e mecanismos
internacionais de direitos humanos que foram incorporados ao ordenamento jurídico
dos países signatários. Esse processo resultou na base dos atuais sistemas global e
regionais de produção dos direitos humanos (PNEDH, 2007).
Concordamos com Candau (2007) ao inferir que a Educação em Direitos
Humanos ainda é um desafio fundamental, principalmente no sentido de avançar em
sintonia com sua paixão fundante: seu compromisso histórico com uma mudança
estrutural que viabilize uma sociedade inclusiva e a centralidade dos setores
populares nesta busca. Estas opções constituíram – e acreditamos que continuam
sendo – a fonte de sua energia ética e política.
Este módulo que busca refletir, discutir, analisar, conhecer os objetivos da
Educação em Direitos Humanos tem suas bases teóricas no Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos (PNEDH) e em três dimensões que são
indispensáveis para o desenvolvimento dessa educação e para a cidadania
democrática, a saber:
• a dimensão intelectual e a informação, pois o início da formação do
cidadão começa por informá-lo e introduzi-lo nas diferentes áreas do conhecimento.
A falta ou insuficiência de informações reforça as desigualdades, fomenta injustiças e
pode levar a uma verdadeira segregação. No Brasil, aqueles que não têm acesso ao
ensino, à informação e às diversas expressões da cultura “lato sensu”, são,
justamente, os mais marginalizados e “excluídos”;

3
• a dimensão ética, vinculada a uma didática dos valores republicanos e
democráticos, que não se aprendem intelectualmente apenas, mas especialmente
através da consciência ética, formada tanto por sentimentos quanto pela razão; fruto
da conquista de corações e mentes;
• a dimensão política, desde a escola de educação infantil e ensino
fundamental, no sentido de enraizar hábitos de tolerância diante do diferente ou
divergente, assim como o aprendizado da cooperação ativa e da subordinação do
interesse pessoal ou de grupo ao interesse geral, ao bem comum.
Pois bem, nosso caminho passa necessariamente por uma introdução aos
direitos fundamentais, a evolução das declarações e dos tratados internacionais, as
dimensões/gerações desses direitos.
Num segundo momento, veremos justamente o PNEDH, seus objetivos, os
princípios norteadores e discorreremos sobre metodologias de Educação em Direitos
Humanos.
Não poderíamos deixar de fora os eixos que sustentam a cidadania, quais
sejam, a ética, a convivência democrática e a própria cidadania; nem mesmo discorrer
sobre os direitos das minorias étnicas e raciais, bem como ressaltar a importância das
políticas de reconhecimento e ações afirmativas.
Não só para aqueles que enveredam pela seara da educação, mas
principalmente eles, é preciso sempre buscar caminhos que afirmem uma cultura de
direitos humanos, que penetre todas as práticas sociais e seja capaz de favorecer
processos de democratização, de articular a afirmação dos direitos fundamentais de
cada pessoa e grupo sociocultural, de modo especial os direitos sociais e econômicos,
com o reconhecimento dos direitos à diferença.
Antes de iniciarmos nossas reflexões vamos a duas observações que se fazem
necessárias:
Em primeiro lugar, sabemos que a escrita acadêmica tem como premissa ser
científica, ou seja, baseada em normas e padrões da academia. Pedimos licença para
fugir um pouco às regras com o objetivo de nos aproximarmos de vocês e para que
os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicas.
Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das
ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se
tratando, portanto, de uma redação original.

4
Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se muitas
outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas e que podem servir para
sanar lacunas que por ventura surgirem ao longo dos estudos.

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Teoria dos direitos fundamentais


Definir conceitos e esclarecer confusões que se fazem entre os direitos
fundamentais e os direitos humanos é o primeiro passo para a construção do nosso
pensamento que pretende chegar à Educação em Direitos Humanos e aos direitos
das minorias étnico-raciais.
Grosso modo, os direitos do homem são os direitos naturais, intrínsecos ao
homem e reconhecidos em documentos internacionais, já os direitos fundamentais
tem a marca da positivação, isto é, é um direito reconhecido pelo sistema.
Bulos (s.d. apud ABREU, 2010) afirma que os direitos humanos além de
fundamentais são inatos, absolutos, invioláveis, intransferíveis, irrenunciáveis e
imprescritíveis, porque participam de um contexto histórico, perfeitamente delimitado.
Não surgiram à margem da história, porém, em decorrência dela, ou melhor, em
decorrência dos reclamos da igualdade, fraternidade e liberdade entre os homens.
Homens não no sentido de sexo masculino, mas no sentido de pessoas humanas. Os
direitos fundamentais do homem, nascem, morrem e extinguem-se. Não são obra da
natureza, mas das necessidades humanas, ampliando-se ou limitando-se a depender
do influxo do fato social cambiante.
A expressão “direitos fundamentais” é empregada principalmente pelos autores
alemães, na esteira da Constituição de Bonn, que dedicava o capítulo inicial aos
Grundrechte, ou seja, exatamente direitos fundamentais (TORRES, 2006).
Até a Emenda Constitucional nº 1/1969, o Brasil adotada a expressão
“direitos individuais”, conforme se infere do seu artigo 153 (Capítulo IV – Dos
Direitos e Garantias Individuais), como sinônimo da moderna denominação de
“direitos fundamentais”. Naquela época vingava a influência dos albores do
liberalismo, e a sua visão eminentemente individualista, que não distinguia as
liberdades coletivas e não conhecia a definição de pessoa.
Lorenzetti (1998, p. 151) afirma que a expressão “direitos fundamentais” é a
mais apropriada porque não exclui outros sujeitos que não sejam o homem e também

5
porque se refere àqueles direitos que são fundantes do ordenamento jurídico e evita
uma generalização prejudicial.
Sarlet (2007, p. 36) apresenta um traço de distinção, ainda que de cunho
predominantemente didático, entre as expressões “direitos do homem”, “direitos
humanos” e “direitos fundamentais”, sendo a primeira de cunho jusnaturalista, ainda
não positivados; a segunda relacionado à positivação no direito internacional; e, a
terceira, como direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito
constitucional interno de cada Estado.
Segundo o doutrinador Pérez-Luño (1998 apud BELLINHO, 2010), os direitos
fundamentais e os direitos humanos não se diferem apenas pelas suas abrangências
geográficas, mas também pelo grau de concretização positiva que possuem, ou seja,
pelo grau de concretização normativa.
Os direitos fundamentais estão duplamente positivados, pois atuam no âmbito
interno e no âmbito externo, possuindo maior grau de concretização positiva,
enquanto que os direitos humanos estão positivados apenas no âmbito externo,
caracterizando um menor grau de concretização positiva.
Minardi (2008) afirma que o direito fundamental decorre de um processo
legislativo interno de um determinado país, que eleva à positivação, sendo então um
direito outorgado e/ou reconhecido. Já os direitos humanos possuem caráter
supralegal, desvinculados a qualquer legislação escrita ou tratado internacional, pois
preexiste a eles.
Guerra (2007, p. 265) explica que a partir da Declaração dos Direitos Humanos,
adotada em 10 de dezembro de 1948, confirmou-se a ideia de que os direitos
humanos extrapolam o domínio reservado dos Estados, invalidando o recurso abusivo
ao conceito de soberania para encobrir violações, ou seja, os direitos humanos não
são mais matéria exclusiva das jurisdições nacionais.
Assim sendo, a positivação dos direitos humanos, dando origem aos direitos
fundamentais, é a nítida amostra da consciência de um determinado povo de que
certos direitos do homem são de tal relevância que o seu desrespeito inviabilizaria a
sua própria existência do Estado. Aliás, ninguém mais nega, hoje, que a vigência de
direitos humanos independe do seu reconhecimento constitucional, ou seja, de sua
consagração no direito positivo estatal como direitos fundamentais (COMPARATO,
2003, p. 136).

6
No Brasil, os direitos fundamentais estão preconizados no Título II da CRFB/88,
sendo que o constituinte considerou ilegítima qualquer proposta tendente a aboli-los,
artigo 60, § 4º, IV da Constituição (as chamadas cláusulas pétreas) (MINARDI, 2008).
Os direitos fundamentais se aplicam tanto às pessoas físicas quanto as
pessoas jurídicas. Na primeira situação são titulares:
a) brasileiros natos;
b) brasileiros naturalizados;
c) estrangeiros residentes no Brasil;
d) estrangeiros em trânsito pelo território nacional;
e) qualquer pessoa que seja alcançada pela lei brasileira (pelo
ordenamento jurídico brasileiro).
É preciso, porém, fazer uma ressalva: existem determinados direitos
fundamentais cuja titularidade é restringida pelo próprio Poder Constituinte. Por
exemplo:
 existem direitos que se direcionam apenas a quem esteja pelo menos
em trânsito pelo território nacional (garantias contra a prisão arbitrária);
 outros direcionam-se apenas aos brasileiros, sejam natos ou
naturalizados (direito à nacionalidade, direitos políticos); e,
 outros são destinados apenas aos brasileiros natos (direito à não
extradição, direito de ocupar determinados cargos públicos).
Pode-se dizer que existe, então, uma verdadeira gradação na ordem
enumerada anteriormente: os brasileiros natos possuem mais direitos que os
brasileiros naturalizados que possuem mais direitos que os estrangeiros residentes,
entre outros. (CAVALCANTE FILHO, 2010).
Os direitos fundamentais também se aplicam às pessoas jurídicas (inclusive as
de Direito Público), desde que sejam compatíveis com a natureza delas. Por exemplo,
pessoas jurídicas têm direito ao devido processo legal, mas não à liberdade de
locomoção, ou à integridade física.
A doutrina reluta em atribuir às pessoas jurídicas (empresas, associações,
entre outras) direito à vida; com razão, prefere-se falar em “direito à existência”.
Todavia, em concursos públicos, o CESPE / UnB (ver STJ / Técnico Judiciário / Área
Administrativa / 2004) já deu como correta questão que afirmava terem as pessoas
jurídicas direito à vida.

7
Por outro lado, é pacífico que pessoas jurídicas não possuem direito à liberdade
de locomoção. Justamente por isso é que em favor delas não se pode impetrar habeas
corpus (pois esse é um remédio constitucional que protege apenas a liberdade de
locomoção: art. 5º, LXVIII) (CAVALCANTE FILHO, 2010).
A jurisprudência considera que as pessoas jurídicas
(empresas, associações, partidos políticos, entre outros) podem pleitear
indenização por danos morais: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral” (STJ,
Súmula nº 227).
Concordamos que as nuances jurídicas fogem um pouco ao propósito do curso,
mas conhecimento sempre é bem vindo, por isso justificamos essa alocação de
questões pertinentes ao ramo do Direito.

As declarações universais dos direitos e os tratados internacionais


Segundo Campos (2008), os direitos humanos nasceram da necessidade dos
cidadãos em serem titulares de certos direitos em relação a seu Estado soberano e,
posteriormente, em relação à sociedade internacional. Desenvolveramse sempre com
as necessidades impostas pelos indivíduos em determinadas épocas com o intuito de
resguarda a dignidade humana, concebida como fundamento dos direitos humanos.
Existe uma gama de autores (como Fábio Konder Comparato, João Baptista
Herkenhoff, dentre outros defensores de que o fato de não existirem freios ao Poder,
não quer dizer que não existiram as ideias) que sustentam que os direitos
fundamentais perfazem um longo caminho histórico, tendo posições que acreditam
ser de meados de 2000 a.C., as primeiras manifestações, no direito da Babilônia,
outras posições os reconhecem na Grécia Antiga e na Roma Republicana. Estas
opiniões carecem de fundamentos históricos.
Sarlet (2007, p. 33) entende como pacífico que os direitos fundamentais não
surgiram na antiguidade, porém é notória a influência do mundo antigo nos direitos
fundamentais por meio da religião e da filosofia, que colaboraram na concepção
jusnaturalista de que o ser humano, pelo simples fato de existir, já é detentor de
direitos fundamentais; esta fase costuma ser denominada pela doutrina como
“préhistória” dos direitos fundamentais.
O Código de Hamurabi, primeiro que se têm notícias, defendia a vida e o direito
de propriedade, e contemplava a honra, a dignidade, a família e a supremacia das leis
em relação aos governantes. Esse código contém dispositivos que continuam aceitos

8
até hoje, tais como a Teoria da Imprevisão, que fundava-se no princípio de talião: olho
por olho, dente por dente. Depois deste primeiro código, instituições sociais (religião
e a democracia) contribuíram para humanizar os sistemas legais (SILVA, 2006).
Loewenstein (s.d apud CAVALCANTE FILHO, 2010) considera que a primeira
Constituição teria surgido ainda na sociedade hebraica, com a instituição da “Lei de
Deus” (Torah). O autor alemão aponta que, já naquele Estado Teocrático, a
“Lei de Deus” limitava o poder dos governantes (chamados, naquela época, de
“Juízes”).
Igual posição é entendida por Tavares (2010, p. 5) ao inferir que “na
antiguidade, os hebreus já possuíam um Estado teocrático limitado pela Torah. Os
Juízes (como eram chamados os governantes) tinham que seguir as disposições da
Torah (Lei de Deus). É nesse sentido que o autor alemão vê, nesse caso, um prelúdio
do Constitucionalismo”.
Na Grécia, já se fazia a distinção entre as normas fundamentais da sociedade
(nomoi) e as meras regras (psefismata). Naquela civilização, a modificação de
psefismata poderia ser feita de forma mais simples do que a alteração das normas
fundamentais (nomos). Guardadas as devidas proporções, seriam institutos parecidos
com a lei ordinária e as emendas constitucionais, atualmente.
Também podemos citar, na Antiguidade, a Lei das XII Tábuas, aprovada em
Roma, assegurando direitos conquistados pelos plebeus, fixados em leis escritas.
Pérez Luño (1995 apud SARLET, 2007) chama de antecedentes dos direitos
fundamentais, os documentos que, de alguma forma, colaboraram para a elaboração
das primeiras ideias dos direitos humanos presentes nas declarações do século XVIII,
talvez o principal documento a ser referenciado seja a Magna Charta Libertatum,
assinada na Inglaterra, em 1215, pelo Rei João Sem-Terra. Cabe ressaltar que esse
pacto não passou de mero referencial para as futuras elaborações dos direitos
humanos, pois, neste pacto, apenas os nobres receberam prerrogativas, deixando a
população em segundo plano, ou seja, na verdade, foi um documento imposto ao Rei
pelos barões feudais ingleses.
Já Carl Schmitt (1928 apud CAVALCANTE FILHO, 2010) defende que a Magna
Charta não pode ser considerada a primeira Constituição, pois não era direcionada
para todos, mas apenas para a elite formada por barões feudais. Dessa forma, a
primeira Constituição propriamente dita seria o Bill of Rights (Inglaterra, 1688/1689),
que previa direitos para todos os cidadãos, e não apenas uma classe deles.

9
Assim, em pleno século XVIII, que se pode encontrar a primeira aparição de
reais direitos fundamentais, apesar do dissídio levantado Sarlet (2007) diante da
“paternidade” dos direitos fundamentais, que seria disputada entre a
Declaração de Direitos do povo da Virgínea, de 1776, a Constituição Americana de
1787 (primeira constituição escrita) e a Declaração Francesa, de 1789, estas
declarações seriam os primeiros documentos a representar os direitos fundamentais.
Já para Bonavides (2007), é neste sentido que a Revolução Francesa, fixando
direitos civis e políticos para que gradativamente fossem alcançados os princípios
universais do lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, fora a grande precursora dos
direitos fundamentais caracterizados através da posição de resistência ou de oposição
frente ao Estado.
Para Nicolao (2010), não tem sustentação defender a existência de direitos
fundamentais antes mesmo da existência de um estado social. Percebe-se que
apenas com a promulgação das declarações, pode-se identificar a presença do que
seria o início dos direitos fundamentais.
Cavalcante Filho (2010) também entende que há várias correntes que
divergem, sobre quando teria se manifestado pela primeira vez a limitação do poder
do Estado por meio de uma Constituição ou de algo a ela assemelhado.
Atualmente, o movimento constitucionalista passou a lutar por vários outros
objetivos (democracia efetiva, desenvolvimento econômico e ambiental, entre outros).
Mas, mesmo assim, não perdeu de vista a defesa dos direitos fundamentais, que
continua sendo uma de suas matérias básicas.
Para refletirmos a respeito da incorporação dos tratados internacionais de
proteção dos direitos humanos no ordenamento brasileiro, à luz da Constituição
Federal de 1988 e após a Emenda Constitucional nº 45/04, vamos entender o
significado de um tratado.
Rezek (1996, p. 14) define tratado como “[...] todo acordo formal concluído entre
sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos
jurídicos”.
Siqueira Júnior (2003, p. 9) diz que há uma variedade de denominações para
os tratados: convenção, ato, protocolo, convênio, ajuste e acordo. Tratados e
Convenções são expressões sinônimas. Acordo, convênio, ajuste, arranjo são atos
internacionais de maior ou menor alcance, tanto de caráter bilateral, como de caráter
multilateral.

10
Os tratados internacionais, na definição de Bastos (1994, p. 216) [...] são
acordos formais, eis que, à moda do que acontece com os contratos no direito interno,
demandam eles uma concordância de vontades, o que os distingue do ato jurídico
unilateral.
O tratado internacional é um instrumento formal, não é admitida a oralidade,
assim consta da Convenção de Havana sobre Tratados, de 1928, em seu artigo 2º,
que “É condição essencial nos tratados a forma escrita”.
A Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados, concluída em maio de
1969, considerada a “Lei dos Tratados”, pois se constitui em importante instrumento
no caminho da codificação do direito internacional público, mas que só entrou em vigor
em 27 de janeiro de 1980, também mantêm a exigência da forma escrita para os
tratados – ao dizer em seu artigo 2º, 1,
a) que: [...] Tratado designa um acordo internacional concluído por escrito entre
Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento
único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua
denominação particular (LEITE, 2005).
Pois bem, vamos então ao alcance do § 2º do art. 5º da nossa Constituição
Federal de 1988, ou seja, vamos discorrer sobre as várias classificações dos direitos
fundamentais inseridos neste artigo.
Siqueira Júnior (2003) classifica os direitos fundamentais em dois grupos
distintos:
a) Direitos imediatos – são os direitos e garantias expressos de forma direta
na Constituição (art. 5º, I a LXXVII); são explícitos na medida em que estão claramente
enumerados no texto constitucional.
b) Direitos mediatos – são os direitos e garantias decorrentes do regime e
dos princípios constitucionais, direitos implícitos, e os expressos em tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Isto é, são
implícitos na medida em que não estão enumerados no texto constitucional; como o
próprio nome designa surgem de forma mediata, pois decorrem do regime e dos
princípios da República Federativa do Brasil, bem como dos direitos expressos nos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Nesse sentido concorda Araújo (2009) ao dizer que existem Direitos
Fundamentais previstos na Constituição Federal, direitos materialmente fundamentais
que estão fora daquele elenco. A fundamentalidade decorre da sua referência a

11
posições jurídicas ligadas ao valor da dignidade humana e, em vista da sua
importância, não podem ser deixadas à disposição discricionária do legislador
ordinário.
É possível, a partir do próprio catálogo dos direitos fundamentais e de seus
princípios elementares constantes do texto constitucional, deduzir a existência de
outros, a exemplo do que ocorreu com a redação do § 36 do art. 153 da Carta de
1969.
Todavia, para Mello (1999), o § 2º do art. 5º da Constituição Federal não apenas
empresta hierarquia constitucional aos tratados de proteção dos direitos humanos,
mas, além disso, faz com que a norma internacional prevaleça sobre a norma
constitucional, mesmo naquele caso em que uma Constituição posterior tente revogar
uma norma internacional constitucionalizada, cuja grande vantagem é a de evitar que
o Supremo Tribunal Federal venha a julgar a constitucionalidade dos tratados
internacionais. Essa é, segundo Leite (2005), uma visão extremamente radical. Os
partidários dessa teoria defendem a supremacia do tratado internacional frente à
Constituição, é a teoria da internacionalização do direito constitucional. Essa não é a
corrente majoritária.
Ferreira Filho (1993), referindo-se ao § 2º, do artigo 5º, da Constituição, afirma
que esse dispositivo significa simplesmente que a Constituição brasileira, ao enumerar
os direitos fundamentais, não pretende ser exaustiva. Por isso, além desses direitos
explicitamente reconhecidos, admite existirem outros, decorrentes dos regimes e dos
princípios que ela adota, os quais implicitamente reconhece.
A técnica da cláusula aberta em relação aos Direitos Fundamentais deriva da
IX Emenda da Carta Norte-americana, que diz que a enumeração de alguns direitos
na Constituição Federal não pode ser interpretada no sentido de excluir ou
enfraquecer outros direitos que o povo tenha. Parte da doutrina inclusive argumenta
que o § 2º do art. 5º da Carta de 1988 confere status constitucional aos tratados sobre
direitos humanos.
Em relação ao § 1º do art. 5º, que estabelece que as normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais são autoaplicáveis, diz-se, obviamente, que elas são
aplicáveis até onde possam, até o limite em que as instituições e os institutos
propiciem condições para o seu atendimento. O judiciário, sendo chamado para
resolver pretensão concreta nelas garantida, não pode deixar simplesmente de aplicá-

12
las ou de levá-las em linha de consideração em sua fundamentação e argumentação,
mas segundo o direito posto existente (ARAÚJO, 2009).
Outra cláusula de suma importância no art. 5º da CF é aquela visível no preceito
do § 2º segundo a qual os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adorados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Tal preceito revela a conhecida “norma de encerramento”, que institui as
liberdades residuais, inominadas, implícitas ou decorrentes, as quais, a despeito de
não enunciadas ou específicas na Carta, resultam do regime e dos princípios que ela
adota. O rol é apenas exemplificativo, não se admitindo no plano dos direitos
fundamentais qualquer exegese que suprima, restrinja ou neutralize outros direitos e
garantias que, embora não especificados, são titularizados pelo ser humano. O
objetivo da cláusula constitucional é inibir ações, atentados ou abusos do Estado
contra as liberdades públicas (ARAÚJO, 2009).
Por fim, a EC nº 45, acrescentou o § 3º ao art. 5º, da CF/88. Esse dispositivo
estabelece a possibilidade de os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos, terem status de emenda constitucional, desde que obedecidos dois
requisitos: o conteúdo do tratado ou convenção ser sobre direitos humanos e a sua
deliberação parlamentar obedeça aos limites formais estabelecidos para a edição das
emendas constitucionais, quais sejam, deliberação em cada casa do Congresso
Nacional, em dois turnos de votação, só sendo aprovado se obtiver três quintos dos
votos dos respectivos membros parlamentares.
Essa Emenda veio por fim à discussão doutrinária interminável sobre a
hierarquia dos tratados de direitos humanos no ordenamento pátrio, pois agora,
efetivamente, poderá os tratados sobre direitos humanos virem a ter status
constitucional, mas somente se preenchidos os requisitos do § 3º, do art. 5º (LEITE,
2005).
As dimensões/gerações dos direitos fundamentais
A multiplicidade de funções dos Direitos Fundamentais leva a que a sua própria
estrutura não seja unívoca e propicie algumas classificações úteis para a
compreensão do conteúdo e da eficácia de cada um deles.
Uma sistematização clássica é a dos quatro status (Jellinek), bem como a que
classifica os Direitos Fundamentais em direitos de defesa e direitos à prestação. Sob

13
outro ângulo, no estudo das funções dos Direitos Fundamentais devem ser analisadas
suas dimensões subjetiva e objetiva.
Souza (2006) e Araújo (2009) são alguns dos estudiosos que trabalharam sobre
a teoria de Jellinek, a qual pressupõe que o indivíduo pode encontrar-se de quatro
modos, diante do Estado, disso derivando direitos e deveres diferenciados.
O status subjectionis ou status passivo revela a posição de subordinação, onde
o indivíduo se obriga em face do Estado, tendo este competência para vincular
comportamentos por meio de mandamentos e proibições (ARAÚJO, 2009).
O status passivo é a posição de subordinação aos poderes públicos,
caracterizando-se como detentor de deveres para com o Estado, tendo competência
para vincular o indivíduo, através de mandamentos e proibições (SOUZA, 2006).
Ocorre o status negativo quando o ter personalidade exige o desfrute de um
espaço de liberdade com relação às ingerências do Poder Público. O homem deve
gozar de algum âmbito de ação desvencilhado do império do Estado, posto que a
autoridade é exercida sobre homens livres (ARAÚJO, 2009).
[...] faz-se necessário que o Estado não se intrometa na autodeterminação do
indivíduo (SOUZA, 2006).
Verifica-se o status civitatis no direito de exigir do Estado uma atuação positiva,
preordenada à realização de uma prestação. Aqui, o indivíduo se vê com a capacidade
de pretender que o Estado atue em seu favor (ARAÚJO, 2009; SOUZA, 2006).
Por fim, no status ativo, o indivíduo desfruta de competência para influir sobre
a formação da vontade do Estado (ex.: voto), como nos direitos políticos.
Tomando como base a teoria dos quatro status, depuram-se os três grupos de
Direitos Fundamentais mais destacados, quais sejam, os direitos de defesa (direitos
de liberdade), os direitos a prestações (direitos cívicos) e os direitos de participação
(observe que o status subjectionis identifica deveres do indivíduo).
Quando a dimensão subjetiva dos Direitos Fundamentais está mais ligada a
suas origens históricas e às suas finalidades mais elementares e corresponde a uma
pretensão a que se adote um dado comportamento ou no poder de produzir efeitos
sobre certas relações jurídicas.
Nessa perspectiva, os Direitos Fundamentais correspondem à exigência de
uma ação negativa (ex.: liberdade do indivíduo) ou positiva de outrem. Do mesmo
modo, correspondem à competência, isto é, ao poder de modificar determinadas
posições jurídicas.

14
A dimensão objetiva resulta do significado dos Direitos Fundamentais como
princípios básicos da ordem constitucional. Os Direitos Fundamentais participam da
essência do Estado democrático de direito, operando como limite do poder, bem como
diretriz para sua ação. As Constituições de feição democrática assumem um sistema
de valores que os Direitos Fundamentais revelam e positivam. Tal fenômeno faz com
que eles influam sobre todo ordenamento jurídico (ARAÚJO, 2009).
Tal dimensão faz com que os direitos fundamentais transcendam à perspectiva
da garantia de posições individuais para atingir a estatura de normas que traduzem
os valores básicos da sociedade política, fazendo sua expansão para todo o direito
positivo.
Constituindo, dessa forma, a base do ordenamento jurídico do Estado
democrático, é possível afirmar que a dimensão objetiva dos Direitos Fundamentais
transporta-os para além da perspectiva individualista, como um valor em si, a ser
preservado e fomentado.
A perspectiva objetiva legitima inclusive restrições aos Direitos Subjetivos
individuais, limitando o conteúdo e o alcance dos Direitos Fundamentais em benefício
de seus próprios titulares ou de outros bens constitucionalmente valiosos.
Mais uma consequência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais está
em atrair um dever de proteção pelo Estado contra agressões dos próprios poderes
públicos, de particulares ou de outros Estados (dever de proteção), cobrando adoção
de providências materiais ou jurídicas, de resguardo dos bens protegidos,
corroborando a assertiva segundo a qual a dimensão objetiva interfere na dimensão
subjetiva, atribuindo-lhe reforço de efetividade.
O propósito de reforço de posições jurídicas fundamentais pode exigir a
elaboração de regulamentações restritivas de liberdades.
Respeita-se a liberdade de conformação do legislador, a quem se reconhece
certo grau de discricionariedade na opção normativa tida como mais oportuna para a
proteção dos direitos fundamentais.
Caberá, então, aos órgãos políticos, indicar qual a medida a ser adotada para
proteger os bens jurídicos abrigados pelas normas definidoras dos direitos
fundamentais.
A dimensão objetiva cria um direito à prestação associado ao direito de defesa
e esse direito à prestação há de se sujeitar à liberdade de conformação dos órgãos
políticos e aos limites da reserva do possível (ARAÚJO, 2009).

15
Parte da doutrina alude à necessidade de o Estado agir em defesa dos Direitos
Fundamentais com um mínimo de eficácia, não se podendo exigir afastamento
absoluto da ameaça que se procura prevenir.
Se é possível visualizar um dever de agir do Estado, não é razoável impor-lhe
o como agir. Uma pretensão individual somente poderá ser acolhida nos casos em
que o espaço de discricionariedade estiver reduzido a zero.
Assim, o aspecto objetivo dos Direitos Fundamentais comunica-lhes uma
eficácia irradiante, o que os converte em uma diretriz para a interpretação e aplicação
das normas dos diversos ramos do Direito. A dimensão objetiva enseja, ainda, a
discussão sobre a eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, eficácia destes
direitos na esfera privada, no âmbito das relações entre particulares (ARAÚJO, 2009).

Guarde...
Os Direitos Fundamentais visam assegurar a todos uma existência digna, livre
e igual, criando condições à plena realização das potencialidades do ser humano
(BIANCO, 2006).
Os Direitos Fundamentais são um conjunto institucionalizado de direitos e
garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade,
por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de
condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana (MORAES,
2002).
Por serem indispensáveis à existência das pessoas, possuem as seguintes
características: são intransferíveis e inegociáveis, portanto inalienáveis; não deixam
de ser exigíveis em razão do não uso, portanto, são imprescritíveis; nenhum ser
humano pode abrir mão da existência desses direitos, ou seja, são irrenunciáveis;
devem ser respeitados e reconhecidos no mundo todo, o que representa a sua
universalidade e, por fim, não são absolutos, podem ser limitados sempre que houver
uma hipótese de colisão de direitos fundamentais que significa a sua limitabilidade.
É importante salientar que esses direitos são variáveis, modificando-se ao
longo da história de acordo com as necessidades e interesses do homem.
Segundo Cavalcante Filho (2010), existe uma classificação que leva em conta
a cronologia em que os direitos foram paulatinamente conquistados pela humanidade
e a natureza de que se revestem. Importante ressaltar que uma geração não substitui

16
a outra, antes se acrescenta a ela, por isso a doutrina prefere a denominação
“dimensões”.
a) Os direitos da primeira geração ou primeira dimensão foram inspirados
nas doutrinas iluministas e jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII (individuais ou
negativos): seriam os Direitos da Liberdade, liberdades estas religiosas, políticas, civis
clássicas como o direito à vida, à segurança, à propriedade, à igualdade formal
(perante a lei), as liberdades de expressão coletiva, entre outros. São os primeiros
direitos a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis
e políticos. Os direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, traduzem-se como
faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais
característico, sendo, portanto, os direitos de resistência ou de oposição perante o
Estado, ou seja, limitam a ação do Estado.
b) Segunda geração ou segunda dimensão: seriam os Direitos da
Igualdade, no qual estão à proteção do trabalho contra o desemprego, direito à
educação contra o analfabetismo, direito à saúde, cultura, entre outros. Essa geração
dominou o século XX, são os direitos sociais, culturais, econômicos e os direitos
coletivos. São direitos objetivos, pois conduzem os indivíduos sem condições de
ascender aos conteúdos dos direitos através de mecanismos e da intervenção do
Estado. Pedem a igualdade material, através da intervenção positiva do Estado, para
sua concretização. Vinculam-se às chamadas “liberdades positivas”, exigindo uma
conduta positiva do Estado, pela busca do bem-estar social (MORAES, 2002;
BONAVIDES, 2007).
c) Terceira geração ou terceira dimensão (difusos e coletivos); foram
desenvolvidos no século XX: seriam os Direitos da Fraternidade, no qual está o direito
a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, progresso, entre
outros. Essa geração é dotada de um alto teor de humanismo e universalidade, pois
não se destinavam somente à proteção dos interesses dos indivíduos, de um grupo
ou de um momento. Refletiam sobre os temas referentes ao desenvolvimento, à paz,
ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade
(BONAVIDES, 2007).
d) Quarta geração ou quarta dimensão, que surgiu dentro da última década,
por causa do avançado grau de desenvolvimento tecnológico: seriam os
Direitos da Responsabilidade, tais como a promoção e manutenção da paz, à
democracia, à informação, à autodeterminação dos povos, promoção da ética da vida

17
defendida pela bioética, direitos difusos, direito ao pluralismo, entre outros. A
globalização política na esfera da normatividade jurídica foi quem introduziu os direitos
desta quarta geração, que correspondem à derradeira fase de institucionalização do
Estado social. Está ligada à pesquisa genética, com a necessidade de impor um
controle na manipulação do genótipo dos seres, especialmente o homem.
As três gerações que exprimem os ideais de Liberdade (direitos individuais e
políticos), Igualdade (direitos sociais, econômicos e culturais) e Fraternidade (direitos
da solidariedade internacional), compõem atualmente os Direitos Fundamentais.

Direitos à prestação jurídica

Existem direitos fundamentais cujo objeto se esgota na satisfação, pelo Estado,


de uma prestação de natureza jurídica. O objeto do direito será a normação
(regulamentação) pelo Estado do bem jurídico protegido como direito fundamental.
Essa prestação jurídica pode consistir na emissão de normas jurídicas penais ou de
normas de organização e de procedimento.
A Constituição, por vezes, estabelece diretamente ao Estado a obrigação de
legislar para coibir práticas atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais (art.
5º, LXLI), o racismo (art. 52, XLII) ou a tortura e o terrorismo (art. 5º, XLIII).
Para além disso, há Direitos Fundamentais que dependem, essencialmente, de
normas infraconstitucionais para ganhar pleno sentido. Há direitos que se
condicionam a outras normas que definirão o modo do seu exercício e até mesmo o
alcance do seu significado.
Existem, portanto, direitos fundamentais que necessitam de criação por via de
lei de estruturas organizacionais (ex.: Defensoria Pública), para que se tornem
efetivos. Tais direitos podem reivindicar a adoção de medidas normativas que
permitam aos indivíduos o desfrute efetivo da organização e a participação nos
procedimentos estabelecidos (ARAÚJO, 2009).

Direitos a prestações materiais

Os direitos à prestação material são tidos como os direitos sociais por


excelência – concebidos para atenuar desigualdades de fato na sociedade e para
ensejar que a libertação das necessidades aproveite ao gozo da liberdade efetiva por

18
um maior número de indivíduos. O seu objeto consiste numa utilidade concreta (bem
ou serviço) (SOUZA, 2006). São exemplos de tais direitos à prestação material
aqueles enumerados no art. 6º da Constituição Federal (direitos sociais) e que são
devidos pelo Estado, embora, nesse caso, os particulares também estejam
vinculados, como ocorre com os descritos no art. 7º da Carta Magna (direitos do
trabalhador).
No que concerne à estrutura dos preceitos que veiculam normas que
consagram os direitos à prestação, podemos destacar algumas peculiaridades:
• possuem alta densidade normativa;
• não carecem de interposição do legislador para a aplicação sobre as
relações jurídicas (direitos originais à prestação);
• exigem, no entanto, legislação para a produção de efeitos plenos, em
sua maior parte.
Como já ressaltado, os direitos à prestação material visam atenuar
desigualdades fáticas de oportunidades, distribuindo riqueza no âmbito da sociedade.
Não é menos certo, porém, que tais direitos têm sua efetivação sujeita às condições
em cada momento da riqueza nacional, sendo satisfeitos segundo as conjunturas
econômicas e orçamentárias. Diz-se que estão submetidos à reserva do possível
(ARAÚJO, 2009).
Nosso texto constitucional não oferece comando indeclinável para as opções
de alocação de recursos, salvo em casos excepcionais (ex.: arts. 198 e 212 da CF/88);
tais decisões devem ficar a cargo de decisão política, com a legitimação da
representação popular competente para delinear as balizas da política financeira,
social e monetária.
Essa legitimação popular é importante porque a realização de direitos sociais
importa em privilegiar um bem jurídico em prejuízo de outro. A efetivação de tais
direitos implica em favorecer determinados segmentos da população e necessitam da
legitimação democrática do Parlamento, como sede natural dessas deliberações e,
em segundo lugar, do Poder Executivo.
Não cabe, assim, ao Judiciário, salvo em casos excepcionalíssimos, extrair
direitos subjetivos das normas constitucionais que tratam de direitos não originários a
prestação. O direito subjetivo pressupõe que as prestações materiais já tenham sido
suficientemente delineadas (ARAÚJO, 2009).

19
É tarefa do órgão legislativo e não do Poder judiciário. Exemplo bastante
esclarecedor é o direito ao trabalho (arts. 6º e 170, VIII, da Constituição Federal), onde
o desempregado não tem direito subjetivo a que o Estado lhe proporcione um posto
de trabalho.
Assim, os direitos sociais fundamentais (identificados com os de prestação
material) não justificam pretensões invocáveis de forma direta. Em princípio não
podem ensejar direitos subjetivos individuais, já que se denominam direitos na medida
da Lei. Esses direitos, como se vê, não podem ser determinados pelos juízes quanto
aos seus pressupostos, bem como à extensão do seu conteúdo. Para que se
determine seu conteúdo é necessária a atuação legislativa que o defina
concretamente, fazendo uma opção dentro de um quadro de possibilidades e
prioridades a que obrigam a escassez de recursos, o caráter limitado da intervenção
do Estado na vida em sociedade e, em geral, o próprio princípio democrático.
Com isso, os direitos à prestação material se aproximam dos direitos à
prestação normativa. Em se tratando de direito à prestação, o dever imediato que toca
o Estado é, em primeiro lugar, o de legislar, já que a elaboração das leis é tarefa
devida (no caso dos direitos a prestações jurídicas) como condição organizativa
necessária (no caso dos direitos a prestações materiais) – caso exemplar do art. 215
da Constituição Federal (cultura).
Nesse diapasão, os direitos à prestação material e à prestação jurídica recaem
na esfera de liberdade de conformação do legislador, tanto a soluções normativas,
quanto ao modelo de organização e ritmo de concretização.
A eficácia constitucional dessas normas é a de servir de parâmetro de controle
de constitucionalidade de medidas restritivas desses direitos e revogam normas
anteriores incompatíveis com os programas de ação que entronizam. Servirão, ainda,
como modelo interpretativo das demais normas do ordenamento jurídico, sob pena de
quebra da harmonia do sistema e de invalidade da norma (ARAÚJO, 2009).
É preciso advertir para o perigo que corre a força normativa da Constituição
quando é tencionada com promessas demagógicas e excessivas que redundam em
frustração de justas expectativas. A teoria do grau mínimo de efetividade dos direitos
à prestação material, procura uma garantia, um mínimo social dos direitos à
prestação, sem o que fica configurada indesejável omissão legislativa.
Em mais de uma oportunidade o Supremo Tribunal Federal adotou a referida
teoria, ao garantir um grau mínimo social do direito à saúde (art. 201, § 5º, da CF/88),

20
no caso de fornecimento de medicamentos para portadores de AlDS, e o acesso à
pré-escola (art, 208, IV da CRFB/88).

Direitos fundamentais de participação

Os direitos de participação constituiriam uma categoria mista, reunindo


elementos dos direitos de defesa e dos direitos a prestações; garantiriam a
participação dos cidadãos na formação da vontade do país, por via dos direitos
políticos.

Dimensões dos Direitos Fundamentais

A dimensão subjetiva dos Direitos Fundamentais está mais ligada a suas


origens históricas e às suas finalidades mais elementares e corresponde a uma
pretensão a que se adote um dado comportamento ou no poder de produzir efeitos
sobre certas relações jurídicas.
Nessa perspectiva, os Direitos Fundamentais correspondem à exigência de
uma ação negativa (ex.: liberdade do indivíduo) ou positiva de outrem. Do mesmo
modo, correspondem à competência, isto é, ao poder de modificar determinadas
posições jurídicas.
A dimensão objetiva resulta do significado dos Direitos Fundamentais como
princípios básicos da ordem constitucional. Os Direitos Fundamentais participam da
essência do Estado democrático de direito, operando como limite do poder, bem como
diretriz para sua ação. As Constituições de feição democrática assumem um sistema
de valores que os Direitos Fundamentais revelam e positivam. Tal fenômeno faz com
que eles influam sobre todo ordenamento jurídico (ARAÚJO, 2009).
Tal dimensão faz com que os direitos fundamentais transcendam à perspectiva
da garantia de posições individuais para atingir a estatura de normas que traduzem
os valores básicos da sociedade política, fazendo sua expansão para todo o direito
positivo.
Constituindo, dessa forma, a base do ordenamento jurídico do Estado
democrático, é possível afirmar que a dimensão objetiva dos Direitos Fundamentais
transporta-os para além da perspectiva individualista, como um valor em si, a ser
preservado e fomentado.

21
A perspectiva objetiva legitima inclusive restrições aos Direitos Subjetivos
individuais, limitando o conteúdo e o alcance dos Direitos Fundamentais em benefício
de seus próprios titulares ou de outros bens constitucionalmente valiosos.
Mais uma consequência da dimensão objetiva dos direitos fundamentais está
em atrair um dever de proteção pelo Estado contra agressões dos próprios poderes
públicos, de particulares ou de outros Estados (dever de proteção), cobrando adoção
de providências materiais ou jurídicas, de resguardo dos bens protegidos,
corroborando a assertiva segundo a qual a dimensão objetiva interfere na dimensão
subjetiva, atribuindo-lhe reforço de efetividade.
O propósito de reforço de posições jurídicas fundamentais pode exigir a
elaboração de regulamentações restritivas de liberdades.
Respeita-se a liberdade de conformação do legislador, a quem se reconhece
certo grau de discricionariedade na opção normativa tida como mais oportuna para a
proteção dos direitos fundamentais.
Caberá, então, aos órgãos políticos, indicar qual a medida a ser adotada para
proteger os bens jurídicos abrigados pelas normas definidoras dos direitos
fundamentais.
A dimensão objetiva cria um direito à prestação associado ao direito de defesa
e esse direito à prestação há de se sujeitar à liberdade de conformação dos órgãos
políticos e aos limites da reserva do possível (ARAÚJO, 2009).
Parte da doutrina alude à necessidade de o Estado agir em defesa dos Direitos
Fundamentais com um mínimo de eficácia, não se podendo exigir afastamento
absoluto da ameaça que se procura prevenir.
Se é possível visualizar um dever de agir do Estado, não é razoável imporlhe o
como agir. Uma pretensão individual somente poderá ser acolhida nos casos em que
o espaço de discricionariedade estiver reduzido a zero.
Assim, o aspecto objetivo dos Direitos Fundamentais comunica-lhes uma
eficácia irradiante, o que os converte em uma diretriz para a interpretação e aplicação
das normas dos diversos ramos do Direito. A dimensão objetiva enseja, ainda, a
discussão sobre a eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, eficácia destes
direitos na esfera privada, no âmbito das relações entre particulares (ARAÚJO, 2009).

22
DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E COLETIVOS E O REGIME
JURÍDICO DOS MILITARES

Direitos e garantias individuais e coletivos dos militares


Os direitos e garantias individuais e coletivos são aquele conjunto de preceitos
jurídicos que, por sua natureza mesma, são inalienáveis ao homem como tal,
fundamentados em seu sentimento de justiça; são manifestações de um resguardar-
se frente à Organização Política e aos quais só se conhece, como limites, os mesmos
direitos pertencentes a outro indivíduo, tal como no imperativo Kantiano: o direito de
um determina onde começa o direito do outro (DANTAS, 2007, p. 94).
PEDRO LENZA (2009) ressalta que estes direitos e garantias, enquanto
direitos fundamentais, caracterizam-se pela universalidade, ou seja, destinam-se, de
modo indiscriminado, a todos os seres humanos.
O art. 5° da Constituição Federal de 1988 assegura aos brasileiros –
inclusive aos militares - e aos estrangeiros direitos e garantias individuais.
Por outro lado, o art. 142 da CRFB/88 dispõe serem as Forças Armadas
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, princípios essenciais e
indispensáveis à própria existência de tais instituições. Logo, os militares,
obrigatoriamente, devem se sujeitar à rigorosa disciplina e ao estrito acatamento à
hierarquia militar, sob pena de responsabilização na esfera disciplinar ou penal, como
preceitua a própria Constituição (art. 5°, LXI).
JORGE LUIZ NOGUEIRA DE ABREU (2010) questiona e ele mesmo dá a
solução sobre como, então, conciliar o exercício de direitos e garantias individuais e
coletivos com a sujeição hierárquico-disciplinar quando, aparentemente, se
conflitarem.
Pois bem, a solução do impasse está na ponderação de valores ou ponderação
de interesses. Como ensina LUÍS ROBERTO BARROSO (2001), tratase de técnica
pela qual se procura estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios
contrapostos. Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um
sobre o outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de
modo a produzir um resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada
um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição. O legislador não pode,
arbitrariamente, escolher um dos interesses em jogo e anular o outro, sob pena de

23
violar o texto constitucional. Seus balizamentos devem ser o princípio da razoabilidade
e a preservação, tanto quanto possível, do núcleo mínimo do valor que esteja cedendo
passo. Não há, aqui, Superioridade formal de nenhum dos princípios em tensão, mas
a simples determinação da solução que melhor atende ao ideário constitucional na
situação apreciada.
Desse modo, os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição
Federal não podem servir de blindagem, de escudo, para a prática de atos que
atentem contra a hierarquia e a disciplina militar. Em contrapartida, estas não podem
servir de pretexto para excluírem aqueles. Consequentemente, o militar, no exercício
de um direito ou garantia individual e coletiva, deve se abster de praticar ato
atentatório à hierarquia e à disciplina castrense, sob pena de ser responsabilizado na
esfera disciplinar ou penal, conforme dispuser a legislação de regência. É o que se
passa, por exemplo, com um militar da ativa que, punido disciplinarmente com pena
privativa de liberdade, por autoridade incompetente, de próprio punho, impetra habeas
corpus, referindo-se à aludida autoridade de forma desrespeitosa. Neste caso, o
militar deverá ser responsabilizado pela ofensa ao dever militar – respeito à hierarquia
e disciplina, ainda que lhe seja concedida a ordem no writ (ABREU, 2010).
Por fim, em razão das peculiaridades da carreira militar, a Carta Política,
expressamente, vedou – ou ao menos limitou em parte – aos militares o gozo de
alguns dos direitos e garantias individuais descritos no aludido art. 5°. Como
exemplos, citamos:
a) o habeas corpus em relação ao mérito das punições disciplinares, por
força do art. 142, § 2°, da CRFB/88;
b) o direito à liberdade de associação para fins lícitos e à criação de
associações, diante da proibição de sindicalização prevista no art. 142, § 3°, IV,
da
CRFB/88;
c) o direito ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, em
razão do caráter compulsório do serviço militar inicial (art. 143 da CRFB/88);
d) o direito à livre manifestação do pensamento, por força dos princípios da
hierarquia e da disciplina (art. 142 da CRFB/88), motivo pelo qual o subordinado
não pode censurar ou criticar ato de superior hierárquico, sob pena de incorrer em
prática de transgressão disciplinar (Art. 10, nº 23, RDAer, por exemplo) ou, até
mesmo, de crime militar (art. 199 do CPM), etc.

24
O regime jurídico dos militares
Os servidores públicos civis da União, excetuando-se os sujeitos ao regime
celetista, e os militares estão submetidos a regime jurídico estatutário, instituído por
lei de iniciativa privativa do Presidente da República. Aqueles têm a base de seu
regime jurídico disciplinado, minuciosamente, pela Constituição Federal, ao passo que
estes não. Isto se dá em razão das inúmeras peculiaridades da carreira militar, o que,
de fato, inviabilizaria um disciplinamento analítico do tema, nos moldes realizados
para os servidores civis.
Ademais, como destaca IVAN BARBOSA RIGOLIN (2006, p. 211), não seria
razoável a Constituição, além de enfeixar um grande universo de institutos civis como
faz, também pretender abarcar o todo particular e diverso mundo dos militares; tal não
é papel para a Constituição, mas efetivamente para a lei e para os regulamentos
infralegais, que de resto existem em volume nada desprezível. Portanto, agiu bem a
Carta Política ao remeter à lei o disciplinamento do regime jurídico dos militares (art.
142, § 3°, X, da CRFB/88).
Cumpre salientar que a atuação do legislador infraconstitucional na elaboração
do regime jurídico dos militares está condicionada à observância das diretrizes
mínimas fixadas no Texto Fundamental, a exemplo das contidas no art. 142, que
confere e impõe, respectivamente, direitos, prerrogativas e deveres aos militares
(ABREU, 2010).
Por estas razões, o regime jurídico dos militares, necessariamente, deverá
contemplar os direitos sociais descritos no inciso VIII, § 3°, do art. 142 da CRFB/88, a
saber:
a) décimo terceiro salário;
b) salário-família;
c) férias anuais remuneradas com pelo menos um terço a mais do que o
salário normal;
d) licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração
de 120 (cento e vinte) dias;
e) licença-paternidade;
F) assistência gratuita aos filhos e dependentes, desde o nascimento até cinco
anos de idade, em creches e pré-escolas.

25
Há de se esclarecer, ainda, que o rol de direitos sociais, definido no inciso VIII,
§ 3°, do art. 142, é taxativo, não cabendo ao intérprete ampliá-lo. Contudo, nada
impede que o legislador infraconstitucional, no exercício da atribuição a ele outorgada
pelo art. 142, § 3°, X, confira aos militares outros direitos sociais não abrangidos pelo
mencionado inciso VIII, como, aliás, o tem feito. A título de exemplo, cita-se o direito
ao salário-mínimo na forma descrita no art. 7°, IV e VII, da CRFB/88. Tem-se
entendido que este direito social não foi estendido aos militares, pois o art. 142, § 3°,
VIII, da Carta Maior, a ele não faz alusão (Ver Súmula Vinculante 6 do STF).
Todavia, o legislador infraconstitucional conferiu-lhes este direito, excluindo,
apenas, as praças prestadoras de serviço militar inicial e as praças especiais, salvo o
guarda-marinha e o aspirante a oficial (art. 18, caput, e parágrafo 2º da MP nº 2.215-
10/01).
Da mesma forma, o art. 142, § 3°, VIII, da CRFB/88 é silencioso em relação ao
adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas, previsto
no art. 7°, XXIII, razão pela qual os militares a ele não fariam jus. Contudo, o legislador
assegurou-Ihes o direito em questão, na forma de adicional de compensação
orgânica, parcela remuneratória mensal devida ao militar para compensação de
desgaste orgânico resultante do desempenho continuado de determinadas atividades
especiais (Art. 1º, II, d, da MP nº 2.215-10/01). O mesmo ocorre nas polícias militares
e corpos de bombeiros militares, que, em regra, instituem, em lei, gratificações de
risco ou de periculosidade.
O regime jurídico dos militares deverá conter, também, as proibições e
garantias descritas no art. 37, XI, XIII, XIV e XV, da CRFB/88, em razão do art. 142, §
3°, VIII. Importante ressaltar que o legislador infraconstitucional não poderá isentar os
militares das vedações nem excluí-los das garantias descritas nos incisos XI, XIII, XIV
e XV do art. 37, sob pena de afronta à Constituição (ABREU, 2010).
Convém destacar, ainda, que, como ensina CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE
MELLO (2006), no liame de função pública, composto sob a égide estatutária, o
Estado, ressalvadas as pertinentes disposições constitucionais impeditivas, deterá o
poder de alterar legislativamente o regime jurídico de seus servidores, inexistindo a
garantia de que continuarão sempre disciplinados pelas disposições vigentes quando
de seu ingresso. Então, benefícios e vantagens, dantes previstos, podem ser
ulteriormente suprimidos. Bem por isto, os direitos que deles derivem não se
incorporam integralmente, de imediato, ao patrimônio jurídico do servidor (firmandose

26
como direitos adquiridos), do mesmo modo que nele se integrariam se a relação fosse
contratual.
Assim, exempli gratia, se o adicional por tempo de serviço a que os servidores
públicos federais faziam jus, de 1% por ano de tempo de serviço, por força do art. 67
da Lei nº 8.112, viesse a ser extinto, como o foi pela inconstitucional Medida Provisória
1.909-15, de 29/06/1999, hoje 2.225-45, de 4/09/2001, os que já houvessem
completado este período continuariam a perceber os acréscimos aos vencimentos que
deles houvessem resultado, por já haver perfazido o necessário à aquisição do direito
quanto às sobreditas parcelas; contudo, a partir da lei extintiva não mais receberiam
novos acréscimos que lhes adviriam dos anuênios sucessivamente completados
(MELLO, 2006, p. 243-4). Em sendo estatutário o liame que une os militares à União,
poderá ser alterado por lei, sempre que necessário, vez que inexiste direito adquirido
a regime jurídico estatutário.
As considerações feitas também são empregáveis aos militares estaduais, já
que a eles se aplica o art. 142, §§ 1º e 2°, da CRFB/88, por força do art. 42, § 1º.

OS MILITARES NA SOCIEDADE – TRATAMENTO DIFERENCIADO

Vimos em outro momento do curso que a nossa última Constituição Federal,


analítica, em vários de seus dispositivos referiu-se aos militares brasileiros, tratandoos
de forma específica e diferenciando-os do cidadão comum. Veremos agora seus
direitos políticos, a questão da nacionalidade, a efetivação dos direitos sociais e
explicaremos a objeção da consciência.

Os direitos políticos – breve comparação


O art. 14 da Constituição da República estabeleceu que a soberania popular
será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para
todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
Dirigindo-se aos militares, seu § 2° impede o alistamento como eleitor tão
somente dos conscritos, durante o período do serviço militar obrigatório. Inicialmente,
segundo JORGE CÉSAR DE ASSIS (2012), chegou-se a pensar que tal norma seria

27
inócua, já que a Constituição Cidadã trouxe, como novidade em termos de direitos
políticos, a faculdade de os adolescentes maiores de 16 e menores de 18 anos
alistarem-se eleitores, se assim o quiserem.
E, graças ao amadurecimento político de nossa juventude, o alistamento
eleitoral nessa faixa de idade é maciço, vale dizer, via de regra, o conscrito já será um
eleitor.
Todavia, a posição do Tribunal Superior Eleitoral- TSE, é pela prevalência da
norma constitucional restritiva. Na Resolução nº 20.165, de 07.04.1998, baixada em
decorrência do Processo Administrativo 16.337 – Classe 19 – Goiás/GO, o TSE
decidiu, com base no voto do relator o Ministro Nilson Naves, o seguinte:
Alistamento eleitoral. Impossibilidade de ser efetivado por aqueles que prestam
o serviço militar obrigatório – Manutenção do impedimento ao exercício do voto pelos
concritos (aluno do órgão de formação de reserva) anteriormente alistados perante a
Justiça eleitoral, durante o período da conscrição.

A bem da verdade, esta amplitude do direito de voto aos militares ocorreu em


1988. Até então, cabos e soldados de uma forma geral, estavam excluídos do
alistamento eleitoral – o que representava, a toda evidência, um capitis diminutio em
sua cidadania.
Situação restritiva ao direito de votar dos militares persiste ainda na República
Dominicana, onde o voto é obrigatório para todos os cidadãos, pessoal, livre e secreto,
mas não podem exercitá-lo os integrantes das Forças Armadas e Corpos de Polícia
(CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOMINICANA, proclamada em 25 de julho de
2002, em Santo Domingo-RD, art.88, nº 2).
ANTONIO MILLÁN GARRIDO (2005) lembra que a Polícia Nacional
dominicana nasceu no seio das Forças Armadas, conservando sua estrutura militar
até a vigência da Lei nº 96/04, de 22.12.2003, que a declarou sendo uma organização
civil, a serviço da cidadania, com competência especializada e âmbito nacional (art.
3°).
Na Guatemala os integrantes do Exército em serviço ativo não podem exercer
o direito de sufrágio (CONSTITUÇÃO DA GUATEMALA, art. 248).
Vale lembrar que o § 2° do art. 142 da Constituição brasileira de 1969 garantia
o alistamento eleitoral apenas aos oficiais, aspirantes a oficial, guardasmarinha,

28
subtenentes ou suboficiais, sargentos ou alunos das escolas militares de ensino
superior para a formação de oficiais.
A Carta Política brasileira de 1969 repetia proibições constitucionais anteriores,
desde a época do Império. Em termos de direito ao exercício do voto, os cabos e
soldados somente tornaram-se cidadãos plenos a partir da CRFB/88.
Quanto ao direito de votar e ser votado, o § 8° do art. 14 asseverou que o militar
alistável é elegível, desde que atendidas as seguintes condições:
I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da
atividade;
II - se contar mais de dez anos, será agregado pela autoridade superior e,
se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.
Em relação ao inc. I do art. 14, começam os primeiros confrontos entre os
interesses do militar que pretende alistar-se candidato e os de sua Corporação, já que
o texto constitucional é vago, não esclarecendo de que forma deverá ocorrer o
afastamento da atividade (ASSIS, 2012).
O Tribunal Superior Eleitoral, apreciando Consulta formulada, concluiu que o
afastamento do militar, de sua atividade, previsto no art. 14, § 8°, inc. I, da CRFB/88,
deverá se processar mediante demissão ou licenciamento ex officio, na forma da
legislação que trata do servidor militar e dos Regulamentos específicos de cada Força
Armada (TSE, Consulta 571/DF, Rel Min. Walter Ramos da Costa Porto, j. em
13.04.2000).
É uma posição que parece, com a devida vênia, contraditória já que, se a
Constituição Federal assegura ao militar alistável o direito de ser elegível, fica difícil
aceitar-se que o exercício desse direito implique em prejuízo funcional traduzindo-se
em perda do emprego.
Em relação ao inc. II - caso do militar da ativa com mais de 10 anos, a norma é
clara, ao alistar-se candidato (efetivação do registro da candidatura pelo Partido
Político) será naturalmente agregado, que é a situação na qual deixa de ocupar vaga
na escala hierárquica de seu Corpo, Quadro, Arma ou Serviço, nela permanecendo
sem número (art. 80 do Estatuto dos Militares).
O Estatuto dos Militares trata da agregação por afastamento temporário, qual
seja, por ter se candidatado a cargo eletivo, desde que conte com 5 (cinco) anos ou
mais de serviço, contada a partir da data do registro como candidato até sua
diplomação ou regresso à Força Armada a que pertence, se não houver sido eleito

29
(art. 82, XIV), estando tal norma legal em sintonia com o art. 98, incs. I, II e III, da Lei
nº 4.737, de 15.07.1965 – Código eleitoral, mas não necessariamente em sintonia com
a atual Constituição, que deu novo tratamento à matéria.
A regra do art. 98 do Código Eleitoral (militar com menos de 05 anos de serviço
será, ao se candidatar a cargo eletivo, excluído do serviço ativo: militar com 05 anos
ou mais, ao se candidatar a cargo eletivo será afastado temporariamente do serviço
ativo; como agregado) remonta à Constituição de 1946 (art. 138, parágrafo único),
repetindo-se na de 1967 (art. 145, parágrafo único) e na de 1969 (art. 150, § 1°).
A regra constitucional, hoje, é outra, mais rígida, prevendo o lapso temporal
anterior de 10 anos, como requisito para o militar que pretender alistar-se candidato
para cargo eleitoral. Desta forma, pode-se afirmar que o dispositivo constitucional do
§ 8° do art. 14, recepcionou o inc. IV do art. 5° do Estatuto dos Militares (que assegura
a estabilidade às praças com 10 anos ou mais) de efetivo serviço e revogou o inc. XIV
do art. 82 do mesmo Estatuto (que previa a agregação do militar candidato que
contasse com 5 ou mais anos de serviço e, na mesma linha de raciocínio, o art. 98 do
Código Eleitoral) (ASSIS, 2012; VIEIRA, 2009).
A questão, todavia, foi superada no Plenário do Supremo Tribunal Federal, em
face do julgamento, em data de 16.03.2011, do Recurso Extraordinário 279.469/RS.
Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande
do Sul, contra acórdão do seu Tribunal de Justiça, que reconhecera a ex-servidor
militar – que fora demitido ex officio, com base no citado artigo, por ter pedido
afastamento para candidatar-se ao cargo de vereador quando contava com menos de
10 anos de serviço – o direito à reintegração no serviço ativo, com ressarcimento das
vantagens devidas.
Após acirrado debate, por maioria, vencido o Ministro Relator, o Tribunal
decidiu que o afastamento dos militares que possuírem menos de 10 (dez) anos de
serviço ao se candidatar é definitivo, ou seja, mediante exclusão ou demissão ex
officio.
A ementa ficou assim vasada:
Servidor Público. Militar alistável. Elegibilidade. Policial da Brigada Militar do
Rio Grande do Sul, com menos de 10 anos de serviço. Candidatura a mandato eletivo.
Demissão oficial por conveniência do serviço. Necessidade de afastamento definitivo,
ou exclusão do serviço ativo. Pretensão de reintegração no posto que foi exonerado.

30
Inadmissibilidade. Situação diversa daquela ostentada por militar com mais de 10
(dez) anos de efetivo exercício. Mandado de segurança indeferido.
Recurso extraordinário provido para esse fim. Interpretação das disposições do
art. 14, § 8°, incs. I e II, da CRFB/88. Voto vencido. Diversamente do que sucede ao
militar com mais de dez anos de serviço, deve afastar-se definitivamente da atividade
o servidor militar que, contando menos de dez anos de serviço, pretenda candidatar-
se a cargo eletivo (STF – Pleno – Rec. Ext. 279.469/RS – Rel. Min. Maurício Correa –
Relator para o acórdão Min. Cezar Peluso – j. em 16.03.2011 – Dje 20.06.2011).
O Chefe do Departamento-Geral do Pessoal do Exército Brasileiro editou a
Portaria 043-DGP, de 16.08.2000, em que estabeleceu orientações para a
Administração do Pessoal quanto à situação do militar candidato a cargo efetivo de
natureza política, estabelecendo procedimentos a serem adotados nos seguintes
casos: militar com menos de 10 anos de serviço; militar com mais de 10 anos de
serviço; militar com mais de 10 anos de serviço, eleito; e, militar com mais de 10 anos
de serviço, não eleito.

Direito à nacionalidade
No Direito Constitucional brasileiro vigente, os termos nacionalidade e
cidadania, ou nacional e cidadão, têm sentido distinto. Nacional é o brasileiro nato ou
naturalizado, ou seja, aquele que se vincula, por nascimento ou naturalização, ao
território brasileiro. Cidadão qualifica o nacional no gozo dos direitos políticos e os
participantes da vida do Estado (arts. 1°, II e, 14) (SILVA, 1998, p. 320).
É de se perceber que o § 2° do art. 12, da Constituição, assegura que a lei não
poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo os casos
em que ela mesma prevê, como, por exemplo, o subsequente § 3°, quando
estabeleceu os cargos que são de preenchimento obrigatório por brasileiros natos e,
dentre eles, no inc. VI, o de Oficial das Forças Armadas.
A garantia nesse caso, é muito mais do dignificante cargo (Oficial das Forças
Armadas) do que de cada brasileiro nato de um modo geral, já que o oficialato
pressupõe o cumprimento de uma série de requisitos estabelecidos pela lei, por parte
dos interessados (ASSIS, 2012).
Advirta-se, entretanto, que, impedido de tornar-se Oficial das Forças Armadas,
o brasileiro naturalizado pode, a toda evidência, tornar-se Oficial das Polícias Militares
e dos Corpos de Bombeiros Militares, sendo claramente inconstitucional, qualquer

31
restrição nesse sentido: onde a Constituição não distingue, não cabe ao intérprete ou
ao legislador infraconstitucional fazê-lo.

Efetivação dos direitos sociais


Os direitos sociais estão previstos entre os arts. 6° e 11, da Constituição
Federal. Para José Afonso da Silva (1998, p. 290) pode-se classificar os direitos
sociais do homem como produtor e como consumidor.
Entram na categoria de direitos sociais do homem produtor, previstos nos arts.
7º ao 11, os seguintes:
 a liberdade de instituição sindical (instrumento de ação coletiva);
 o direito de greve;
 o direito de o trabalhador determinar as condições de seu trabalho
(contrato coletivo de trabalho);
 o direito de cooperar na gestão da empresa (co-gestão ou auto gestão );
e,
 o direito de obter um emprego.
Na categoria dos direitos sociais do homem consumidor entram:
 os direitos à saúde e à segurança social (segurança material);
 os direitos ao desenvolvimento intelectual;
 o direito ao igual acesso das crianças e adultos à instrução, à formação
profissional e à cultura; e,
 garantia ao desenvolvimento da família, que são, como se nota, os
indicados no art. 6° e desenvolvidos a partir do art. 193.
Seguindo sua linha de orientação com relação aos militares brasileiros, a
Constituição Federal resolveu especificar, no art. 142, § 3°, inc. VIII, quais seriam os
direitos sociais assegurados no art. 7°, aplicados aos integrantes das Forças Armadas
e Forças Auxiliares: 13° salário (inc. VII); salário-família (inc. XII); férias anuais
remuneradas com um terço a mais que o salário normal (inc. XVII); licença
maternidade de 120 dias (inc. XVIII); licença paternidade de 05 dias (inc. XIX); e
assistência gratuita aos filhos e dependentes até 06 anos em creches e pré-escola
(inc. XXV).
O rol é taxativo e não admite interpretação extensiva como já visto. Taxativa
também é a proibição, dirigida aos militares brasileiros, de alguns direitos que são
assegurados ao trabalhador brasileiro em geral: o direito à sindicalização, o direito à

32
greve e, o direito de filiação a partidos políticos enquanto no serviço ativo (art. 142, §
30, IV e V).
Esse tipo de proibição é comum aos militares, podendo ser encontrado na
Constituição da República de Cabo Verde, onde os membros das Forças Armadas em
situação de atividade estão proibidos de filiar-se em qualquer sindicato, partido ou
associação política, nem exercer atividades político-partidárias de qualquer natureza
(art. 243, item 3). Disposição semelhante se encontra na Constituição do Peru (art.
42) quando ao reconhecer os direitos de sindicalização e de greve dos funcionários
públicos, ressalva os funcionários do Estado com poder de decisão e os que
desempenham cargos de confiança ou direção, assim como os membros das Forças
Armadas e da Polícia Nacional (ASSIS, 2012).
Adverte LAURENTINO DE ANDRADE FILOCRE (2004, p. 155), referindo-se
ao que denomina de fatores interferentes externos (encravados na Constituição
Federal de 1988) que a plena liberdade de associação, independente de autorização,
vedada a interferência estatal em seu funcionamento, somente dissolúvel por decisão
judicial com trânsito em julgado, favoreceu a criação de associações de oficiais e
praças que, com essas garantias, passaram a ter poder de enfrentamento das
autoridades.
E, em que pesem as vedações expressas na Constituição Federal de
sindicalização e de greve para os militares, as associações passaram a atuar, de fato,
como sindicatos e a usar a greve, ostensiva e armada, como instrumento de imposição
de vontade e de interesses.
Para o autor acima, hoje os comandantes se veem contingenciados a
“administrar” a convivência com essas entidades, uma forma de evitar
confrontos mesmo que com o comprometimento da autoridade, o que, convenhamos,
conforme Assis (2012), é inaceitável no Estado Democrático de Direito, que
pressupõe, antes de qualquer coisa, o respeito à lei e às instituições que formam o
país. A margem da lei, ou contra ela, não existe ordem, nem progresso, muito menos
democracia.
Analisando a disciplina sob o enfoque da busca da harmonia entre direitos e
deveres, pondera JOÃO RODRIGUES ARRUDA (2007, p. 19) que, aproveitando a
normalidade jurídica estabelecida pela Constituição brasileira de 1988, as praças das
Forças Armadas começaram a se organizar em associações para a defesa dos
interesses da categoria e que os movimentos ganharam mais intensidade na Marinha

33
e no Exército. A partir de 2003, por iniciativa individual ou através dessas associações,
as praças passaram a bater às portas do Judiciário com mais frequência para
reivindicar, principalmente, proteção contra as punições disciplinares.
Como não são poucas as liminares e mesmo sentenças de mérito concedidas
nesses casos, conclui o autor que as decisões da Justiça, em grande parte contrárias
aos pontos de vista dos chefes militares, são encaradas por eles como um fator de
desestabilização da hierarquia e da disciplina.
Ainda o autor acima, questiona a quem interessa mais a manutenção da
disciplina, já que esta é uma pergunta que não pode ficar no ar. E conclui dizendo que
ela interessa mais ao Estado, mas poderia interessar mais ao soldado individualmente
considerado, já que a exata observância da disciplina daria ao soldado a certeza de
que, todos cumprindo seus deveres, a justiça e a imparcialidade se farão sentir com
todo seu vigor. Do mesmo modo, exigido o cumprimento dos deveres não será privado
de nenhum dos direitos.
Existe uma desigualdade injustificável de tratamento entre oficiais e praças.
Isso se depreende da afirmação de que “nas relações entre oficiais e praças,
verdade e honra eram propriedade dos oficiais” e, voltando à questão das
associações, conclui que “as ações do Exército e da Marinha na questão das
entidades de militares deixam à mostra o uso de dois pesos e duas medidas”. As
manifestações do Clube Naval, do Clube Militar e do Clube da Aeronáutica são
frequentes – segundo dizem, até estimuladas, em alguns casos – e pelo menos em
passado recente não se tem notícia de que os dirigentes tenham respondido
disciplinarmente. O mesmo não ocorre com as agremiações que congregam praças
(ARRUDA, 2007).
A origem desse estado de divergência insinua que grande parte dos litígios não
resolvidos na instância administrativa pode estar sendo influenciado também pelo
nível de escolaridade alcançado pelos sargentos, aliado ao ambiente acadêmico em
que são formados os dois grupos: os oficiais, sob regime disciplinar rígido durante
praticamente as 24 horas do dia, têm contatos fora dos portões da Academia apenas
nos licenciamentos de fim de semana. Os sargentos, por outro lado, salvo quando
estão de serviço e pernoitam no quartel, mantém contato diário com o mundo dos
paisanos. Ou seja, oficiais têm como foco prioritário o aprendizado e ao seu redor uma
atmosfera permanentemente voltada para a obediência; os sargentos respiram o ar

34
da liberdade que estimula a pesquisa, a controvérsia e o diálogo (ARRUDA, 2007, p.
43).
A visão de Arruda segundo JORGE CÉSAR DE ASSIS (2012) parece relativizar
a noção de disciplina, quer parecer, na sua ótica, que não são os subordinados que
deverão se amoldar ao exercício da disciplina, mas sim os oficiais é que deverão
procurar se adaptar a essa “melhoria de capacidade intelectual dos subordinados” –
os interessados no melhor exercício da disciplina, já que serão eles os fiscais da
atividade do superior. Essa visão parece inverter a relação superior versus
subordinado, mesmo porque, todos os militares, inclusive aqueles que tenham maior
formação de escolaridade, devem adequar-se à disciplina de sua Força.
Contudo, é possível identificar no Brasil, atualmente, que o Poder Judiciário
vem dando novas interpretações às relações entre superior e subordinado,
estabelecendo novos limites para o exercício efetivo da disciplina e da hierarquia.
A discussão não é nova, já advertia CHRYSÓLITO DE GUSMÃO (1915 apud
ASSIS, 2012), quando ao início do século XX destacava a referência feita à indisciplina
do Exército francês no século XVIII, quando Paul Maire deu, entre outras causas
daquele estado de indisciplina, em primeiro lugar a perigosa concessão que havia sido
feita aos soldados para formarem comitês encarregados da defesa dos direitos das
praças, dando como consequência o desenvolvimento e força cada vez maior desses
comitês, que, paulatinamente, começaram a se grupar e filiar.

Objeção de consciência
JORGE CÉSAR DE ASSIS (2012) ressalta um direito constitucional importante,
em estreita relação com as Instituições Militares que trata-se da objeção de
consciência ao serviço militar, pela qual, às Forças Armadas compete, na forma da
lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem
imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa
e de convicção filosófica ou política, para eximirem-se de atividades de caráter
essencialmente militar (art. 143, § 1°).
Esta obrigação imposta às Forças Armadas decorre da garantia inscrita no art.
5°, VIII, da CRFB/88, segundo o qual ninguém será privado de direitos por motivo de
crença religiosa ou de convicção política, salvo se as invocar para eximirse de
obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa fixada
em lei.

35
A perda ou suspensão dos direitos políticos está prevista no art. 15, IV, da
CRFB/88.
A Lei 8.239, de 04.10.1991, regulamenta a Prestação do Serviço Alternativo ao
Serviço Militar Obrigatório, cujo Regulamento foi aprovado pela Portaria 2.681 –
Cosemi, de 28.07.1992.
Contudo, o direito de objeção de consciência no Brasil ainda não adquiriu a
amplitude que possui, por exemplo, na Europa. Dele, nada se discute a respeito,
primeiro porque a demanda pelo serviço militar obrigatório (causada principalmente
pela desigualdade social, ir para o quartel acaba sendo um modo de sobrevivência) é
maior do que a oferta de vagas pelas Forças Armadas: cerca de 10% dos alistados
anualmente são aproveitados e, segundo, porque o Ministério da Defesa não faz a
devida propaganda da existência de tão importante direito de objeção de consciência,
apesar de reconhecido pela Carta Magna (ASSIS, 2012).
Em iniciativa inédita no âmbito do Ministério Público da União foi instaurado um
inquérito civil público conjuntamente pelo Ministério Público Militar e pela Procuradoria
da República do município de Santa Maria/RS (Portaria Conjunta MPF/MPM 01/07,
DOU 83, de 02.05.2007, Seção I, p. 104) com o objetivo de identificar que causas
administrativas estariam contribuindo para o quadro expressivo do número de
deserções ocorridas no biênio 2005-2006.
Uma das medidas decorrentes do referido inquérito civil foi a interposição
conjunta de uma ação civil pública, assinada pelos membros do Ministério Público
Federal e Ministério Público Militar, objetivando a implementação do primado
constitucional que determinou a atribuição de serviço alternativo aos cidadãos que
aleguem imperativo de consciência para se escusarem de prestar o serviço militar
iniciar (TRF4, 4ª Turma. Ap. Civil 2008.71.02.000356-3. Rel. Des. Fed. Marga Inge
Barth Tessler).
À guisa de ilustração, cabe lembrar a Resolução 337, de 26.01.1967, editada
pela Assembleia Consultiva do Conselho da Europa, quando destaca ser necessário
informar às pessoas obrigadas ao serviço militar, dos direitos que têm a este respeito,
imediatamente depois de terem se alistado ou antes de serem chamados à
incorporação.
Destaca igualmente que, quando a decisão relativa ao reconhecimento do
direito à objeção de consciência compete, em primeira instância, a uma autoridade
administrativa, o órgão de decisão competente na matéria deve estar separado da

36
autoridade militar, e garantido em sua composição com o máximo de independência
e imparcialidade (GARRIDO, 2005, p. 43).
Em Portugal, os objetores de consciência ao serviço militar prestarão serviço
cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado, sendo que
nenhum cidadão poderá conservar nem deter emprego do Estado ou de outra
entidade pública se deixar de cumprir seus deveres militares ou do serviço cívico
quando obrigatório (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, de
02.04.1976, revista pelas Leis Constitucionais 1/82, 1/89, 1/92 e 1/97, art. 276
e seus incisos).
A Constituição garante igualmente que nenhum cidadão português pode ser
prejudicado na sua colocação, nos seus benefícios sociais ou no seu emprego
permanente em razão do cumprimento do serviço militar ou do serviço cívico
obrigatório.
A Constituição da República de Cabo Verde, ao dispor que o serviço militar é
obrigatório nos termos da lei, ressalvou que os objetores de consciência ao serviço
militar e os cidadãos sujeitos por lei à prestação do serviço militar que forem
considerados inaptos para o serviço militar armado prestarão serviço militar não
armado ou serviço cívico, adequado à sua situação, nos termos da lei. O serviço cívico
pode ser estabelecido em substituição ou complemento do serviço militar e tornado
obrigatório por lei para os cidadãos caboverdianos não sujeitos a deveres militares
(ASSIS, 2012).
O Decreto Legislativo 7/93, de 14 de junho, regula o exercício do direito à
objeção de consciência perante o serviço militar obrigatório em Cabo Verde (Art. 245,
incs. I, II e III da Constituição da República de Cabo Verde, 1995)
No Equador, o serviço militar será obrigatório nos termos do art. 188 da
Constituição. O cidadão equatoriano que invocar uma objeção de consciência fundada
em razões morais, religiosas ou filosóficas, será designado para um serviço civil em
prol da comunidade, na forma determinada pela lei. Os objetores de consciência do
Paraguai também prestarão serviço em benefício da população civil, através de
centros assistenciais designados pela lei e sob jurisdição civil (Constituição, art. 129).
Interessante anotar que a Constituição paraguaia deixou bem claro que a
regulamentação e o exercício do direito de objeção de consciência não deverão ter
caráter punitivo nem imporão gravames superiores aos estabelecidos para o serviço
militar.

37
A observação é procedente se consideramos que no Brasil, enquanto o tempo
do serviço militar obrigatório é de 12 meses (art. 6° da Lei 4.375/64 - LSM), o tempo
previsto para o serviço alternativo aos objetores de consciência é de 18 meses (art.
7°, caput, da Portaria 2.681/COSEMI, de 28.07.1992), ou seja, é nítido o caráter de
maior gravame imposto àqueles que forem prestar o referido serviço alternativo
(ASSIS, 2012).

O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A SEGURANÇA PÚBLICA

A Constituição brasileira de 1988 diz em seu art. 1°, que a República Federativa
do Brasil é um Estado Democrático de Direito, ou seja, que o Brasil, além de ser um
Estado Democrático, também é um Estado de Direito.
O Estado de Direito está centrado na figura do Estado Moderno, sendo a lei a
principal fonte de padronização das relações de convivência entre as pessoas, onde
o princípio de legitimação da sociedade política se assenta (LEAL, 2001).
Esse Estado de Direito corresponde à luta contra o monarca, seu poder
absoluto e privilégios do clero, da nobreza e das corporações. É inspirado na ideologia
liberal-burguesa, tendo ampliado a liberdade-autonomia, com o reconhecimento do
homem como valor absoluto e centro de todas as coisas, numa concepção um tanto
formalista, pois o homem era visto na dimensão abstrata, distante de sua concretude
histórica (CARVALHO, 2001).
No entendimento de JOSÉ LAURI BUENO DE JESUS (2011), o Direito é o
mecanismo do Estado que passa a adjetivá-lo, servindo como instrumental
conformador sob determinados contornos. Fica claro que o Estado é de Direito não
apenas por constituir-se como uma ordem jurídica qualquer, mas também porque ele
apresenta uma limitação axiológica valorativa.
O Estado de Direito surge, então, vinculado a uma percepção de hierarquia das
regras jurídicas, com o objetivo de enquadrar e limitar o poder do Estado pelo Direito.
Dessa forma, submete-se a um regime de direito, quando a atividade estatal apenas
pode desenvolver-se utilizando um instrumental regulado e autorizado pela ordem
jurídica, enquanto que os cidadãos têm a seu dispor mecanismos jurídicos aptos a
salvaguardá-los contra uma ação abusiva do Estado (MORAES, 1996).
Esses mecanismos que caracterizam um regime democrático são os direitos
humanos e fundamentais, onde um governo ou sociedade democrática é aquele, (...)

38
que conta e mesmo define, a partir das relações de poder estendidas a todos os
indivíduos, com um espaço político permanente de interlocução, demarcado por
regras e procedimentos claros, que efetivamente assegurem o atendimento às
demandas públicas da maior parte da população, elegidas pela própria sociedade (..)
(LEAL, 2001).
Apesar disso, deve-se ter em conta que o Estado de Direito não é o mesmo
que Estado Legal, haja vista que este constitui o Estado do império da lei herdado da
Revolução Francesa, o qual dava preponderância ao Parlamento e aos eleitos pelo
sufrágio universal no sistema político e de elaboração de normas. Posteriormente, a
doutrina submeteu a lei ao Direito e confiou o Estado de Direito ao controle do
Judiciário (DALLARI, 2001).
Uma outra faceta de um Estado de Direito, segundo DALMO DE ABREU
DALLARI (2001, p. 196), é que ele pode existir também em uma ditadura, basta que
haja uma ordem jurídica legítima para todos os cidadãos observarem.
Para Dallari (1989, p. 128), o Estado Democrático constrói-se sobre três pontos
fundamentais: a supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade e a
igualdade de direitos. Logicamente, tais pontos estão intimamente ligados à ideia de
democracia e têm por base os princípios da maioria, da igualdade e da liberdade.
Portanto, o Estado Democrático de Direito preconizado pela Constituição
brasileira, reúne os princípios do Estado Democrático e do Estado de Direito, não
como simples reunião formal dos seus elementos, mas porque releva um conceito
novo que os supera, na medida em que incorpora um componente revolucionário de
transformação de status quo. Esse novo conceito não é mera promessa de organizar
tal Estado, pois o art. 1º já está proclamando e fundando o referido (SILVA, 2001, p.
116).
Assim, com esse Estado Democrático de Direito, a Constituição brasileira de
1988, (...) abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos
sociais que ela inscreve e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e
que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na
dignidade da pessoa humana (SILVA, 2001, p. 124).
No Estado Democrático de Direito, o princípio da legalidade é um princípio
basilar, sendo de sua essência subordinar-se à Constituição, fundando-se na
legalidade democrática. Nesse tipo de Estado, a lei deve ser destacada com
relevância, não apenas em seu aspecto formal, mas, principalmente, em seu aspecto

39
material, pois deve influir na realidade social, exercendo uma função transformadora
da sociedade (JESUS, 2011).
Além deste princípio, há outros que também devem ser observados. São eles:
o princípio da constitucionalidade; o princípio democrático; o sistema de direitos
fundamentais; o princípio da justiça social; o princípio da igualdade; o princípio da
divisão dos poderes; e, o princípio da segurança jurídica. Esses princípios, dispersos
pela Constituição, concretizam a ideia nuclear do Estado de Direito, i. e., de sujeição
do poder a princípios e regras jurídicas que garantem às pessoas e cidadãos liberdade
e igualdade perante a lei, além de segurança.
Diz JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO (1998) que, ao considerar
globalmente os princípios verificados, observa-se que a vertente do Estado de Direito
não pode ser vista senão à luz do princípio democrático, também a vertente do Estado
Democrático não pode ser entendida senão na perspectiva de Estado de Direito. Tal
como só existe um Estado de Direito Democrático, também só existe um Estado
Democrático de Direito, isto é, sujeito a regras jurídicas.
Assim, o Estado Democrático de Direito centra-se em duas ideias básicas, ou
seja, o Estado limitado pelo direito e o poder estatal legitimado pelo povo. Estes
posicionamentos agora nos permitem mostrar a importância de a sociedade participar
mais e assumir a sua parte junto com o Estado que é o primeiro responsável pela
preservação da ordem e segurança pública.

O Estado como responsável pela política de segurança pública


A segurança pública vai muito além de ser uma necessidade referente à
garantia do direito à vida e à integridade física das pessoas. Ela reflete coletivamente,
nos mais diversos setores onde está o homem, onde ele deseja se realizar como, por
exemplo, nas áreas econômica e social.
Na contramão temos a insegurança, como um dos maiores problemas
enfrentados pelo Estado na sociedade moderna. A expectativa de perigo e risco
iminente gerados ao ser humano só tem feito crescer. Dentre as temos o consumo
crescente de drogas que levam o sujeito ao desespero e estado de completa
inconsciência dos seus atos, violência doméstica que extrapola os muros da família,
desigualdades sociais, tráficos os mais variados.
A segurança, segundo JOSÉ LAURI BUENO DE JESUS (2011), sempre
contribuiu para maior aproximação dos homens, visto terem saído do estado de

40
natureza com o intuito de viverem em paz e harmonia, firmando um pacto social tendo
em vista o seu interesse comum.
Assim, Maslow (1980 apud JESUS, 2011) enumera a existência de cinco
objetivos que podem ser chamados de necessidades fundamentais, quais sejam: as
fisiológicas, de segurança, de participação, de estima e de auto realização.
E por isso que, no entender desse autor, esses objetivos fundamentais estão
relacionados entre si e apresentam-se numa hierarquia de importância ou
permanência. Isso significa que o objetivo mais premente monopoliza a consciência e
tende automaticamente a organizar a mobilização das diversas faculdades do
organismo. As necessidades menos prementes ficam reduzidas ao mínimo, sendo
esquecidas ou negadas (Maslow, 1980, p. 365 apud JESUS, 2011, p. 57).
Embora essa hierarquia de necessidades de Maslow seja flexível, a segurança
ocupa uma posição bem básica, daí a seriedade de tomá-la como muito importante,
sendo nesse contexto que entra a Administração Pública como um aspecto da
atividade governamental, visto que esta se desenvolve num complexo político e está
relacionada “com a execução das decisões da política governamental tomadas pelas
pessoas que detêm a autoridade para a tomada de decisão no sistema político”
(HEADY, 1970, p. 14). Dessa forma, toda a atividade desenvolvida pela máquina o
bem comum da sociedade, incluindo-se nisso, a prestação de segurança pública.
É nesse enfoque que o administrador público (todos aqueles que
desempenham atividades no Estado) deve primar pelos interesses da instituição para
a qual trabalha, mas sempre tendo em consideração prioritária, os interesses
daqueles para os quais a organização trabalha, ou seja, a sociedade.
Também, não podemos esquecer que, ao contrário das empresas autônomas,
os órgãos tradicionais de governo carecem de continuidade, em virtude das mudanças
políticas e, que o mais imperioso requisito de qualquer estabelecimento (...), em
confronto com os órgãos governamentais clássicos, é o fato de depender muito de
decisões tomadas no momento certo; numa empresa (...), qualquer decisão errada
que se tome no momento oportuno, geralmente acarretará menos prejuízo do que
uma boa decisão tomada tarde demais (SHERWOOD, 1964 apud JESUS, 2011, p.
58).
As políticas de segurança pública estão inseridas nesse contexto onde,
infelizmente, (...) as autoridades governamentais se orientam pelo desejo de serem
reeleitas. Assim se os avanços tecnológicos conseguidos até agora conduziram a

41
humanidade a um desenvolvimento jamais sonhado, fizeram-na conhecer crises
políticas profundas. E, uma dessas crises é o clima de insegurança generalizada que
precedeu a pretendida abertura política, não como fruto da vontade dos governantes
impostos à Nação, mas porque estes mesmos perceberam que, ante a pressão
política e a falta de legitimidade do poder que exerciam, o único caminho era permitir
o debate político e a participação de toda a sociedade na busca de soluções para o
problema brasileiro (OSBORNE; GAEBLER, 1995 apud JESUS, 2011).
Uma política de segurança pública não deve apenas considerar as causas da
criminalidade e da violência, mas deve também levar em conta os múltiplos fatores de
sua percepção social, onde a saída correta passe, preferencialmente, por uma política
pública pragmática, diferenciada e voltada para o futuro, onde devemse mudar
paradigmas e tentar compreender as verdadeiras dimensões dessa política de
segurança pública, a qual não é o mesmo que somente uma política policial, mas sim,
compreende uma política criminal, a qual, por sua vez, abarca não somente a
efetividade policial, mas também as garantias constitucionais (HASSEMER, 1993).
A política de segurança pública só fará algum sentido desde que haja uma
verdadeira política interna bem definida, sincronizada e coordenada, e que as
discussões sobre ela sejam pragmáticas, pois assim serão considerados não apenas
o êxito e o fracasso dos efeitos desejados, mas também os efeitos colaterais não
desejados, mas necessariamente causados. E, sendo pragmática, a política de
segurança pública deve convencer-se do fato de que a criminalidade, mesmo a médio
prazo, vai continuar existindo. Nessa política, deve estar classificada a forma de
respeito, proteção e promoção dos direitos humanos (HASSEMER, 1993).
Tecnicamente falando, nas políticas sociais, a complexidade da política de
segurança pública envolve diversas instâncias governamentais e os três poderes da
república. Cabe ao:
 Poder Executivo o planejamento e a gestão de políticas de segurança
pública que visem à prevenção e à repressão da criminalidade e da violência e à
execução penal;
 Poder Judiciário cabe assegurar a tramitação processual e a aplicação
da legislação vigente; e compete ao,
 Poder Legislativo estabelecer ordenamentos jurídicos, imprescindíveis
ao funcionamento adequado do sistema de justiça criminal.

42
O sistema de segurança pública brasileiro em vigor, desenvolvido a partir da
CRFB/88, estabeleceu um compromisso legal com a segurança individual e coletiva.
Entretanto, no Brasil, em regra, as políticas de segurança pública têm servido apenas
de paliativo a situações emergenciais, sendo deslocadas da realidade social,
desprovidas de perenidade, consistência e articulação horizontal e setorial
(CARVALHO; SILVA, 2011).
A atuação dos órgãos da segurança pública requer interação, sinergia de ações
combinadas a medidas de participação e inclusão social e comunitária, cabendo ao
Estado o papel de garantir o pleno funcionamento dessas instituições, tendo em vista
que:
A segurança pública é um processo sistêmico e otimizado que envolve um
conjunto de ações públicas e comunitárias, visando assegurar a proteção do indivíduo
e da coletividade e a ampliação da justiça da punição, recuperação e tratamento dos
que violam a lei, garantindo direitos e cidadania a todos. Um processo sistêmico
porque envolve, num mesmo cenário, um conjunto de conhecimentos e ferramentas
de competência dos poderes constituídos e ao alcance da comunidade organizada,
interagindo e compartilhando visão, compromissos e objetivos comuns; e otimizado
porque depende de decisões rápidas e de resultados imediatos (BENGOCHEA et al,
2004, p. 120).

Trata-se de uma questão significativamente complexa que impõe a


necessidade de aproximação entre diversas instituições e sujeitos. Entende-se,
portanto, a segurança pública como um processo articulado e dinâmico que envolve
o ciclo burocrático do sistema de justiça criminal. Sem articulação entre polícias,
prisões e judiciário, inclusive sem o envolvimento da sociedade organizada, não existe
eficácia e eficiência nas ações de controle da criminalidade e da violência e nas de
promoção da pacificação social (CARVALHO; SILVA, 2011).
No Brasil, somente uma década após a promulgação da “Constituição Cidadã”,
que estabeleceu a segurança pública como “dever do Estado e responsabilidade de
todos”, a política de segurança pública passa a ser pensada sob o contexto de uma
sociedade democraticamente organizada, pautada no respeito aos direitos humanos,
em que o enfrentamento da criminalidade não significa a instituição da arbitrariedade,
mas a adoção de procedimentos tático operacionais e político-sociais que considerem
a questão em sua complexidade.

43
Mais adiante, no decorrer do nosso curso, veremos em detalhes questões que
envolvem a política, a defesa nacional e o sistema de segurança pública. No momento
basta lembrar que no ano de 2000 vimos ser criado o Plano Nacional de Segurança
Pública (PNSP) e, em 2007, o Programa Nacional de Segurança Pública com
Cidadania (Pronasci), inovando a forma de abordar dessas questões.
PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS (PNEDH)

Contextualização histórico-política e justificativas ao plano


Vimos na introdução, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, desencadeou um processo de
mudança no comportamento social e a produção de instrumentos e mecanismos
internacionais de direitos humanos que foram incorporados ao ordenamento jurídico
dos países signatários. Esse processo resultou na base dos atuais sistemas global e
regionais de produção dos direitos humanos.
Em contraposição, o quadro contemporâneo apresenta uma série de aspectos
inquietantes no que se refere às violações de direitos humanos, tanto no campo dos
direitos civis e políticos, quanto na esfera dos direitos econômicos, sociais, culturais e
ambientais. Além do recrutamento da violência, tem-se observado o agravamento na
degradação da biosfera, a generalização dos conflitos, o crescimento da intolerância
étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-individual, de gênero, de
orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras, mesmo em
sociedades consideradas historicamente mais tolerantes, como revelam as barreiras
e discriminações e imigrantes, refugiados e asilados em todo o mundo. Há, portanto,
um claro descompasso entre os indiscutíveis avanços no plano jurídico-institucional e
a realidade concreta da efetivação dos direitos (PNEDH, 2007).
O processo de globalização, entendido como novo e complexo momento das
relações entre nações e povos, tem resultado na concentração da riqueza,
beneficiando apenas um terço da humanidade, em prejuízo, especialmente, dos
habitantes dos países do Sul, onde se aprofundam a desigualdade e a exclusão social,
o que compromete a justiça distribuída e a paz.
Paradoxalmente, abriram-se novas oportunidades para o reconhecimento dos
direitos humanos pelos diversos atores políticos. Esse processo inclui os Estados
Nacionais, nas suas várias instâncias governamentais, as organizações internacionais
e as agências transnacionais privadas.

44
Esse traço conjuntural resulta da conjugação de uma série de fatores, entre os
quais cabe destacar: a) o incremento da sensibilidade e da consciência sobre os
assuntos globais por parte de cidadãos(ãs) comuns; b) a institucionalização de um
padrão mínimo de comportamento nacional e internacional dos Estados, com
mecanismos de monitoramento, pressão e sanção; c) a adoção do princípio de
empoderamento em beneficio de categorias historicamente vulneráveis (mulheres,
negros(as), povos indígenas, idosos(as), pessoas com deficiência, grupos raciais e
étnicos, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, entre outros); d) a
reorganização da sociedade civil transnacional, a partir da qual redes de atividades
lançam ações coletivas de defesa dos direitos humanos (campanhas, informações,
alianças, pressões, entre outras), visando acionar Estados, organizações
internacionais, corporações econômicas globais e diferentes grupos responsáveis
pelas violações de direitos (PNEDH, 2007).
Enquanto esse contexto é marcado pelo colapso das experiências do
socialismo real, pelo fim da Guerra Fria e pela ofensiva do processo da retórica da
globalização, os direitos humanos e a educação em direitos humanos consagram-se
como tema global, reforçando a partir da Conferência Mundial de Viena, em 1993.
Como diz a introdução do PNEDH, em tempos difíceis e conturbados por
inúmeros conflitos, nada mais urgente e necessário que educar em direitos humanos,
tarefa indispensável para a defesa, o respeito, a promoção e a valorização desses
direitos.
Esse é um desafio central da humanidade, que tem importância redobrada em
países da América Latina, caracterizados historicamente pelas violações dos direitos
humanos, expressas pela precariedade e fragilidade do Estado de Direito e por graves
e sistemática violações dos contingentes populacionais.
No Brasil, como na maioria dos países latino-americanos, a temática dos
direitos humanos adquiriu elevada significação histórica, como resposta à extensão
das formas de violência social e política vivenciadas nas décadas de 1960 e 1970. No
entanto, persiste no contexto de redemocratização, a grave herança das violações
nas questões sociais, impondo-se, como imperativo, romper com a cultura oligárquica
que preserva os padrões de reprodução da desigualdade e da violência
institucionalizada.
O debate sobre os direitos humanos e a formação para a cidadania vem
alcançando mais espaço e relevância no Brasil, a partir dos anos 1980 e 1990, por

45
meio de proposições da sociedade civil organizada e de ações governamentais no
campo das políticas públicas, visando ao fortalecimento da democracia.
Esse movimento teve como marco expressivo a Constituição Federal de 1988,
que formalmente consagrou o Estado democrático de Direito e reconheceu, entre seus
fundamentos, a dignidade da pessoa humana e os direitos ampliados da cidadania
(civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais). O Brasil passou a
retificar os mais importantes tratados internacionais (globais e regionais) de proteção
dos direitos humanos, além de reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana de
Direitos Humanos e do Estado do Tribunal Penal Internacional.
Novos mecanismos surgiram no cenário nacional como resultante da
mobilização da sociedade civil, impulsionando agendas, programas e projetos que
buscam materializar a defesa e a promoção dos direitos humanos, conformando,
desse modo, um sistema nacional de direitos humanos. As instituições de Estado têm
incorporado esse avanço ao criar e fortalecer órgãos específicos em todos os poderes.
O Estado brasileiro consolidou espaços de participação da sociedade civil
organizada na formulação de propostas e diretrizes de políticas públicas, por meio de
inúmeras conferências temáticas. Um aspecto relevante foi a institucionalização de
mecanismos de controle social da política pública, pela implementação de diversos
conselhos e outras instâncias.
Entretanto, apesar desses avanços no plano normativo, o contexto nacional
tem-se caracterizado por desigualdades e pela exclusão econômica, social,
étnicoracial, cultural e ambiental, decorrente de um modelo de Estado em que muitas
políticas públicas deixam em segundo plano os direitos econômicos, sociais, culturais
e ambientais.
Ainda há muito para ser conquistado em termos de respeito à dignidade da
pessoa humana, sem distinção de raça, nacionalidade, etnia, gênero, classe social,
região, cultura, religião, orientação sexual, identidade de gênero, geração e
deficiência. Da mesma forma, há muito a ser feito para efetivar o direito à qualidade
de vida, à saúde, à educação, à moradia, ao lazer, ao meio ambiente saudável, ao
saneamento básico, à segurança pública, ao trabalho e às diversidades culturais e
religiosas, entre outras.
Uma concepção contemporânea de direitos humanos incorpora os conceitos
de cidadania democrática, cidadania ativa e cidadania planetária, por sua vez
inspiradas em valores humanistas e embasadas nos princípios da liberdade, a

46
igualdade, da equidade e da diversidade, afirmando sua universalidade,
indivisibilidade e interdependência.
O processo de construção da concepção de uma cidadania planetária e do
exercício da cidadania ativa requer, necessariamente, a formação de cidadãos(ãs)
conscientes de seus direitos e deveres, protagonistas da materialidade das normas e
pactos que os(as) protegem, reconhecendo o princípio normativo da dignidade
humana, englobando a solidariedade internacional e o compromisso com outros povos
e nações. Além disso, propõe a formação de cada cidadão(ã) como sujeito de direitos,
capaz de exercitar o controle democrático das ações do Estado (PNEDH, 2007).
A democracia, entendida como regime alicerçando na soberania popular, na
justiça social e no respeito integral aos direitos humanos, é fundamental para o
reconhecimento, a ampliação e a concretização dos direitos. Para o exercício da
cidadania democrática, a educação, como direito de todos e dever do Estado e da
Família, requer a formação dos(as) cidadãos(ãs).
Nossa Constituição e a LDB (Lei nº 9.394/96) afirmam o exercício da cidadania
como uma das finalidades da educação, ao estabelecer uma prática educativa
“inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, com a
finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), que foi lançado
em 2003, está apoiado em documentos internacionais e nacionais, demarcando a
inserção do Estado brasileiro na história do Programa Mundial de Educação em
Direitos Humanos (PMEDH) e seu Plano de Ação (ONU, 1997). São objetivos
balizadores do PMEDH conforme estabelecido no artigo 2ª:
a) fortalecer o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais;
b) promover o pleno desenvolvimento da personalidade e dignidade
humana;
c) fortalecer o entendimento, a tolerância, a igualdade de gênero e a
amizade entre as nações, os povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos,
religiosos e linguísticos;
d) estimular a participação efetiva das pessoas em uma sociedade livre e
democrática governada pelo Estado de Direito;
e) construir, promover e manter a paz.

47
Assim, a mobilização global para a educação em direitos humanos está
imbricada no conceito de educação para uma cultura democrática, na compreensão
dos contextos nacional e internacional, nos valores da tolerância, da solidariedade, da
justiça social e na sustentabilidade, na inclusão e na pluralidade.
Os Planos Nacionais e os Comitês Estaduais de Educação em Direitos
Humanos são dois importantes mecanismos apontados para o processo de
implementação e monitoramento, de modo a efetivar a centralidade da educação em
direitos humanos enquanto política pública.

As dimensões da educação em direitos humanos

A educação em direitos humanos é compreendida como um processo


sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos,
articulando as seguintes dimensões:
a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos
humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local;
b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura
dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade;
c) formação de uma consciência cidadã capaz de fazer presente em níveis
cognitivo, social, étnico e político;
d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de
construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos
contextualizados;
e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e
instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos,
bem como da reparação das violações.
Sendo a educação um meio privilegiado na promoção dos direitos humanos,
cabe priorizar a formação de agentes públicos e sociais para atuar no campo formal e
não-formal, abrangendo os sistemas de educação, saúde, comunicação e informação,
justiça e segurança, mídia, entre outros.
Desse modo, a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um
meio indispensável para o acesso a outros direitos. A educação ganha, portanto, mais
importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas
potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos. Essa

48
concepção de educação busca efetivar a cidadania plena para a construção de
conhecimentos, o desenvolvimento de valores, atitudes e comportamentos, além da
defesa socioambiental e da justiça social.
Nos termos já firmados no Programa Mundial de Educação em Direitos
Humanos, a educação contribui também para:
a) criar uma cultura universal dos direitos humanos;
b) exercitar o respeito, a tolerância, a promoção e a valorização das
diversidades (étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-individual,
de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras)
e a solidariedade entre povos e nações;
c) assegurar a todas as pessoas o acesso à participação efetiva em uma
sociedade livre.
Enfim, a implementação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
visa, sobretudo, difundir a cultura de direitos humanos no país. Essa ação prevê a
disseminação de valores solidários, cooperativos e de justiça social, uma vez que o
processo de democratização requer o fortalecimento da sociedade civil, a fim de que
seja capaz de identificar anseios e demandas, transformando-as em conquistas que
só serão efetivadas, de fato, na medida em que forem incorporadas pelo Estado
brasileiro como políticas públicas universais.

Os objetivos gerais do PNEDH

a) Destacar o papel estratégico da educação em direitos humanos para o


fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
b) Enfatizar o papel dos direitos humanos na construção de uma sociedade
justa, equitativa e democrática.
c) Encorajar o desenvolvimento de ações de educação em direitos
humanos pelo poder público e a sociedade civil por meio de ações conjuntas.
d) Construir para a efetivação dos compromissos internacionais e nacionais
com a educação em direitos humanos.
e) Estimular a cooperação nacional e internacional na implementação de
ações de educação em direitos humanos.
f) Propor a transversalidade de educação em direitos humanos nas
políticas públicas, estimulando o desenvolvimento institucional e interinstitucional das

49
ações previstas no PNEDH nos mais diversos setores (educação, saúde,
comunicação, cultura, segurança e justiça, esporte e lazer, dentre outros).
g) Avançar nas ações e propostas do Programa Nacional de Direitos
Humanos (PNDH) no que se refere às questões da educação em direitos humanos.
h) Orientar políticas educacionais direcionadas para a constituição de uma
cultura de direitos humanos.
i) Estabelecer objetivos, diretrizes e linhas de ações para a educação em
direitos humanos.
j) Estimular a reflexão, o estudo e a pesquisa voltados para a educação
em direitos humanos.
k) Incentivar a criação e o fortalecimento de instituições e organizações
nacionais, estaduais e municipais na perspectiva da educação em direitos humanos.
l) Balizar a elaboração, implementação, monitoramento, avaliação e
atualização dos Planos de Educação em Direitos Humanos dos estados e municípios.
m) Incentivar formas de acesso às ações de educação em direitos humanos
a pessoas com deficiência (PNEDH, 2007).

PRINCÍPIOS NORTEADORES DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

Ao longo do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, encontramos


os compromissos do Estado brasileiro para a educação, ou seja, maior promoção de
uma educação de qualidade para todos, entendida como direito humano essencial.
Assim, a universalização do ensino fundamental, a ampliação da educação
infantil, do ensino médio, da educação superior e a melhoria da qualidade em todos
esses níveis e nas diversas modalidades de ensino são tarefas prioritárias.
Nesta unidade estão alguns dos princípios norteadores da educação em
Direitos Humanos para a educação básica, superior e não-formal. O Plano contempla
também ações para os profissionais dos sistemas de Justiça e Segurança, bem como
o papel da mídia nesse processo.
A construção de políticas públicas nas áreas de justiça, segurança e
administração penitenciária sob a ótica dos direitos humanos exige uma abordagem
integradora, intersetorial e transversal com todas as demais políticas públicas voltadas
para a melhoria da qualidade de vida e de promoção da igualdade, na perspectiva do
fortalecimento do Estado Democrático de Direito, mas foge aos nossos objetivos do

50
módulo, portanto não debruçaremos sobre esta vertente, nem sobre a mídia, também
espaço de intensos debates, embates políticos e ideológicos, pela sua alta capacidade
de atingir corações e mentes, construindo e reproduzindo visões de mundo ou
podendo consolidar um senso comum que frequentemente moldam posturas acríticas.
Mas pode constituir-se também, em um espaço estratégico para a construção de uma
sociedade fundada em uma cultura democrática, solidária, baseada nos direitos
humanos e na justiça social.

Na Educação Básica
A educação em direitos humanos vai além de uma aprendizagem cognitiva,
incluindo o desenvolvimento social e emocional de quem se envolve no processo
ensino-aprendizagem (Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos –
PMEDH/2005). A educação, nesse entendimento, deve ocorrer na comunidade
escolar em interação com a comunidade local.
Assim, a educação em direitos humanos deve abarcar questões concernentes
aos campos da educação formal, à escola, aos procedimentos pedagógicos, às
agendas e instrumentos que possibilitem uma ação pedagógica conscientizadora e
libertadora, voltada para o respeito e valorização da diversidade, aos conceitos de
sustentabilidade e de formação da cidadania ativa.
A universalização da educação básica, com indicadores precisos de qualidade
e de equidade, é condição essencial para a disseminação do conhecimento
socialmente produzido e acumulado e para a democratização da sociedade.
Segundo a PNEDH (2007), não é apenas na escola que se produz e reproduz
o conhecimento, mas é nela que esse saber aparece sistematizado e codificado. Ela
é um espaço social privilegiado onde se definem a ação institucional pedagógica e a
prática e vivência dos direitos humanos. Nas sociedades contemporâneas, a escola é
local de estruturação de concepções de mundo e de consciência social, de circulação
e de consolidação de valores, de promoção da diversidade cultural, da formação para
a cidadania, de constituição de sujeitos sociais e de desenvolvimento de práticas
pedagógicas.
O processo formativo pressupõe o reconhecimento da pluralidade e da
alteridade, condições básicas da liberdade para o exercício da crítica, da criatividade,
do debate de ideias e para o reconhecimento, respeito, promoção e valorização da
diversidade.

51
Para que esse processo ocorra e a escola possa contribuir para a educação
em direitos humanos, é importante garantir dignidade, igualdade de oportunidades,
exercício da participação e da autonomia aos membros da comunidade escolar.
Democratizar as condições de acesso, permanência e conclusão de todos(as)
na educação infantil, ensino fundamental e médio, e fomentar a consciência social
crítica devem ser princípios norteadores da Educação Básica. É necessário
concentrar esforços, desde a infância, na formação de cidadãos(ãs), com atenção
especial às pessoas e segmentos sociais historicamente excluídos e discriminados.
A educação em direitos humanos deve ser promovida em três dimensões:
a) Conhecimentos e habilidades: compreender os direitos humanos e os
mecanismos existentes para a sua proteção, assim como incentivar o exercício de
habilidades na vida cotidiana.
b) Valores, atitudes e comportamentos: desenvolver valores e fortalecer
atitudes e comportamentos que respeitem os direitos humanos.
c) Ações: desencadear atividades para a promoção, defesa e reparação
das
violações aos direitos humanos.
São princípios norteadores da educação em direitos humanos na educação
básica:
a) A educação deve ter a função de desenvolver uma cultura de direitos
humanos em todos os espaços sociais.
b) A escola, como espaço privilegiado para a construção e consolidação da
cultura de direitos humanos, deve assegurar que os objetivos e as práticas a serem
adotados sejam coerentes com os valores e princípios da educação em direitos
humanos.
c) A educação em direitos humanos, por seu caráter coletivo, democrático
e participativo, deve ocorrer em espaços marcados pelo entendimento mútuo, respeito
e responsabilidade.
d) A educação em direitos humanos deve estruturar-se na diversidade
cultural e ambiental, garantindo a cidadania, o acesso ao ensino, permanência e
conclusão, a equidade (étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual,
geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade,
dentre outras) e a qualidade da educação.

52
e) A educação em direitos humanos deve ser um dos eixos fundamentais
da educação básica e permear o currículo, a formação inicial e continuada dos
profissionais da educação, o projeto político-pedagógico da escola, os materiais
didático-pedagógicos, o modelo de gestão e a avaliação.
f) A prática escolar deve ser orientada para a educação em direitos
humanos, assegurando o seu caráter transversal e a relação dialógica entre os
diversos atores sociais.

Na educação Superior
A Constituição Federal de 1988 definiu a autonomia universitária (didática,
científica, administrativa, financeira e patrimonial) como marco fundamental pautado
no princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
O artigo terceiro da LDB (Lei nº 9394/96) propõe, como finalidade para a
educação superior, a participação no processo de desenvolvimento a partir da criação
e difusão cultural, incentivo à pesquisa, colaboração na formação contínua de
profissionais e divulgação dos conhecimentos culturais, científicos e técnicos
produzidos por meio do ensino e das publicações, mantendo uma relação de serviço
e reciprocidade com a sociedade.
A partir desses marcos legais, as universidades brasileiras, especialmente as
públicas, em seu papel de instituições sociais irradiadoras de conhecimentos e
práticas novas, assumiram o compromisso com a formação crítica, a criação de um
pensamento autônomo, a descoberta do novo e a mudança histórica.
A conquista do Estado Democrático delineou, para as Instituições de Ensino
Superior (IES), a urgência em participar da construção de uma cultura de promoção,
proteção, defesa e reparação dos direitos humanos, por meio de ações
interdisciplinares, com formas diferentes de relacionar as múltiplas áreas do
conhecimento humano com seus saberes e práticas. Nesse contexto, inúmeras
iniciativas foram realizadas no Brasil, introduzindo a temática dos direitos humanos
nas atividades do ensino de graduação e pós-graduação, pesquisa e extensão, além
de iniciativas de caráter cultural.
Tal dimensão torna-se ainda mais necessária se considerarmos o atual
contexto de desigualdade e exclusão social, mudanças ambientais e agravamento da
violência, que coloca em risco permanente a vigência dos direitos humanos. As
instituições de ensino superior precisam responder a esse cenário, contribuindo não

53
só com a sua capacidade crítica, mas também com uma postura democratizante e
emancipadora que sirva de parâmetro para toda a sociedade (PNEDH, 2007).
As atribuições constitucionais da universidade nas áreas de ensino, pesquisa e
extensão delineiam sua missão de ordem educacional, social e institucional. A
produção do conhecimento é o motor do desenvolvimento científico e tecnológico e
de um compromisso com o futuro da sociedade brasileira, tendo em vista a promoção
do desenvolvimento, da justiça social, da democracia, da cidadania e da paz.
O Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (ONU, 2005), ao
propor a construção de uma cultura universal de direitos humanos por meio do
conhecimento, de habilidades e atitudes, aponta para as instituições de ensino
superior a nobre tarefa de formação de cidadãos(ãs) hábeis para participar de uma
sociedade livre, democrática e tolerante com as diferenças étnico-racial, religiosa,
cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de
opção política, de nacionalidade, dentre outras.
No ensino, a educação em direitos humanos pode ser incluída por meio de
diferentes modalidades, tais como, disciplinas obrigatórias e optativas, linhas de
pesquisa e áreas de concentração, transversalização no projeto político-pedagógico,
entre outros.
Na pesquisa, as demandas de estudos na área dos direitos humanos requerem
uma política de incentivo que institua esse tema como área de conhecimento de
caráter interdisciplinar e transdisciplinar.
Na extensão universitária, a inclusão dos direitos humanos no Plano Nacional
de Extensão Universitária enfatizou o compromisso das universidades públicas com a
promoção dos direitos humanos (Fórum dos Pró-Reitores de Extensão das
Universidades Públicas Brasileiras. Plano Nacional de Extensão Universitária. Rio de
Janeiro: NAPE/ UERJ, 2001). A inserção desse tema em programas e projetos de
extensão pode envolver atividades de capacitação, assessoria e realização de
eventos, entre outras, articuladas com as áreas de ensino e pesquisa, contemplando
temas diversos.
A contribuição da educação superior na área da educação em direitos humanos
implica a consideração dos seguintes princípios:
a) A universidade, como criadora e disseminadora de conhecimento, é
instituição social com vocação republicana, diferenciada e autônoma,
comprometida com a democracia e a cidadania.

54
b) Os preceitos da igualdade, da liberdade e da justiça devem guiar as
ações universitárias, de modo a garantir a democratização da informação, o acesso
por parte de grupos sociais vulneráveis ou excluídos e o compromisso cívico-ético
com a implementação de políticas públicas voltadas para as necessidades básicas
desses segmentos.
c) O princípio básico norteador da educação em direitos humanos como
prática permanente, contínua e global, deve estar voltado para a transformação
da sociedade, com vistas à difusão de valores democráticos e republicanos, ao
fortalecimento da esfera pública e à construção de projetos coletivos.
d) A educação em direitos humanos deve se constituir em princípio ético-
político orientador da formulação e crítica da prática das instituições de ensino
superior.
e) As atividades acadêmicas devem se voltar para a formação de uma
cultura baseada na universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos
humanos, como tema transversal e transdisciplinar, de modo a inspirar a elaboração
de programas específicos e metodologias adequadas nos cursos de graduação e pós-
graduação, entre outros.
f) A construção da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão
deve ser feita articulando as diferentes áreas do conhecimento, os setores de
pesquisa e extensão, os programas de graduação, de pós-graduação e outros.
g) O compromisso com a construção de uma cultura de respeito aos
direitos humanos na relação com os movimentos e entidades sociais, além de grupos
em situação de exclusão ou discriminação.
h) A participação das IES na formação de agentes sociais de educação em
direitos humanos e na avaliação do processo de implementação do PNEDH.

Na educação não-formal
A educação não-formal em direitos humanos orienta-se pelos princípios da
emancipação e da autonomia. Sua implementação configura um permanente
processo de sensibilização e formação de consciência crítica, direcionada para o
encaminhamento de reivindicações e a formulação de propostas para as políticas
públicas, podendo ser compreendida como:
a) Qualificação para o trabalho.
b) Adoção e exercício de práticas voltadas para a comunidade.

55
c) Aprendizagem política de direitos por meio da participação em grupos
sociais.
d) Educação realizada nos meios de comunicação social.
e) Aprendizagem de conteúdos da escolarização formal em modalidades
diversificadas.
f) Educação para a vida no sentido de garantir o respeito à dignidade do
ser
humano.
Os espaços das atividades de educação não-formal distribuem-se em inúmeras
dimensões, incluindo desde as ações das comunidades, dos movimentos e
organizações sociais, políticas e não-governamentais até as do setor da educação e
da cultura. Essas atividades se desenvolvem em duas vertentes principais: a
construção do conhecimento em educação popular e o processo de participação em
ações coletivas, tendo a cidadania democrática como foco central.
Nesse sentido, movimentos sociais, entidades civis e partidos políticos praticam
educação não-formal quando estimulam os grupos sociais a refletirem sobre as suas
próprias condições de vida, os processos históricos em que estão inseridos e o papel
que desempenham na sociedade contemporânea.
Muitas práticas educativas não-formais enfatizam a reflexão e o conhecimento
das pessoas e grupos sobre os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.
Também estimulam os grupos e as comunidades a se organizarem e proporem
interlocução com as autoridades públicas, principalmente no que se refere ao
encaminhamento das suas principais reivindicações e à formulação de propostas para
as políticas públicas.
A sensibilização e conscientização das pessoas contribuem para que os
conflitos interpessoais e cotidianos não se agravem. Além disso, eleva-se a
capacidade de as pessoas identificarem as violações dos direitos e exigirem sua
apuração e reparação.
As experiências educativas não-formais estão sendo aperfeiçoadas conforme
o contexto histórico e a realidade em que estão inseridas.
Segundo a PNEDH (2007), resultados mais recentes têm sido as alternativas
para o avanço da democracia, a ampliação da participação política e popular e o
processo de qualificação dos grupos sociais e comunidades para intervir na definição
de políticas democráticas e cidadãs. O empoderamento dos grupos sociais exige

56
conhecimento experimentado sobre os mecanismos e instrumentos de promoção,
proteção, defesa e reparação dos direitos humanos.
Cabe assinalar um conjunto de princípios que devem orientar as linhas de ação
nessa área temática. A educação não-formal, nessa perspectiva, deve ser vista como:
a) Mobilização e organização de processos participativos em defesa dos
direitos humanos de grupos em situação de risco e vulnerabilidade social, denúncia
das violações e construção de propostas para sua promoção, proteção e reparação.
b) Instrumento fundamental para a ação formativa das organizações
populares em direitos humanos.
c) Processo formativo de lideranças sociais para o exercício ativo da
cidadania.
d) Promoção do conhecimento sobre direitos humanos.
e) Instrumento de leitura crítica da realidade local e contextual, da vivência
pessoal e social, identificando e analisando aspectos e modos de ação para a
transformação da sociedade.
f) Diálogo entre o saber formal e informal acerca dos direitos humanos,
integrando agentes institucionais e sociais.
g) Articulação de formas educativas diferenciadas, envolvendo o contato e
a participação direta dos agentes sociais e de grupos populares.

METODOLOGIAS DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

Por definição bem simples, Metodologia engloba o conjunto de métodos e


técnicas aplicadas para um determinado fim, ou seja, seria o caminho percorrido para
atingir um determinado objetivo.
Palavra de origem grega, METODOLOGIA advém de methodos, que significa
meta (objetivo, finalidade); hodos (caminho, intermediação) e logia (conhecimento,
estudo).
Se estivermos pensando num plano de aula, a metodologia deve estar
embasada num intenção ampla do professor, quanto às questões filosóficas,
psicológicas e culturais e restrita quanto à aprendizagem dos conteúdos em si.
Mas... como compreender ou incluir o ensino e aprendizagem dos direitos
Humanos no sistema educativo?

57
Olguin (2008) pondera que são várias as respostas e que estas podem ser
agrupadas em duas grandes categorias. De um lado estão todas aquelas que podem
denominar-se de incorporação dos conteúdos. Estas consideram que é suficiente a
inclusão desta temática em alguma das disciplinas existentes, ou, no máximo, o
estudo de uma disciplina específica, para que os educandos logrem os objetivos que,
sobre este aspecto, orientam a ação do sistema educativo.
A outra categoria de resposta a este problema de inclusão pode denominarse
de integração dentro do currículo existente e parte do princípio de que a informação
sobre os Direitos Humanos é pouco significativa no processo de ensinoaprendizagem
nos níveis de educação primária ou secundária. Neles o importante é a prática, a
vivência dos Direitos Humanos, mais que sua fundamentação filosófica, sua
concepção jurídica e sua evolução histórica.
Trata-se em síntese, de um processo de formação de atitudes que requer
elementos cognitivos, afetivos e manifestações comportamentais. A informação
necessária não é relativa aos Direitos Humanos, mas concernente aos objetivos ou
situações em que estes se põem em vigência. Portanto, desta perspectiva não é
necessária somente a inclusão de um conteúdo especial sobre os Direitos Humanos,
mas deve se efetuar uma mudança de enfoque. Em outros termos, com os conteúdos
atuais, é possível lograr-se perfeitamente processos de ensinoaprendizagem que
promovam e fortaleçam o exercício pleno dos Direitos Humanos; somente se requer
uma nova forma de ver ou fazer as coisas. Esta colocação se refere, em particular; ao
ensino primário e secundário (OLGUIN, 2008).
De todo modo, essas metodologias devem ter as seguintes características:
a) Estimulem a participação dos estudantes que apesar de se
apresentar em diferentes níveis podem ser agrupadas em três grandes categorias:
a.1 Uma participação ativa, que é a que têm os sujeitos que participam da
execução de uma atividade, sendo a mais difundida e a que implica em menor
compromisso pessoal; sem ela seria praticamente impossível a vida em sociedade.
a.2 Uma participação consultiva, na qual os indivíduos são tomados em
conta por quem deve assumir as decisões; se realiza alguma forma de consulta, de
pesquisa, entre os que serão afetados pela decisão; se recolhem opiniões, desejos,
aspirações ou necessidades para que a decisão adotada seja menos conflitiva.
a.3 Uma participação decisória, na qual os sujeitos envolvidos tomam
decisões como pessoas comprometidas com as consequências da resolução que se

58
põe em prática. Este último nível é o desejável e o único que possibilita o
desenvolvimento das atividades que interessa promover. Esta característica é a que
pode entrar em conflito com o modo em que operam as instituições educativas, visto
que as decisões que afetam aos estudantes abarcam quase todo o espectro de
decisões que se tomam nela; não há âmbitos alheios aos estudantes numa escola.
b) Possibilitem a contradição, pois o critério da maioria aqui não é válido
nem correto. É imprescindível que, antes de se chegar a uma votação, se possa
discutir amplamente as características das alternativas que se apresentam, se
expressem sem temor os diferentes pontos de vista. Por outro lado, é conveniente que
se aceite, como adequada, mais uma alternativa, de maneira a não criar situações
rígidas.
c) Abram janelas para o mundo, um vez que a urgência em desenvolver
todos os temas propostos pelo currículo, faz com que os mesmos se apresentem
descontextualizados, desarraigados do contexto social e cultural no qual tiverem lugar.
O estudo de qualquer das disciplinas que integram os planos de estudo apresentam
magníficos exemplos do desenvolvimento e da prática dos direitos Humanos. Os
conteúdos literários e artísticos, o material histórico e geográfico, as ciências naturais
proporcionam numerosos testemunhos da luta pela liberdade de pensamento e de
expressão; de cooperação pessoal, institucional e internacional nas investigações, e
na solução de problemas; de respeito pelas distintas idiossincrasias, em síntese, da
essência mesma dos direitos humanos.
d) Procurem sistematicamente o desenvolvimento do pensamento,
porque são poucas as oportunidades que os docentes têm e que refletem sobre as
operações lógicas que põem em jogo as alternativas metodológicas ante as quais
devem optar.
e) Fortaleçam os vínculos do estudante com o grupo de pares; com a
instituição; com a comunidade; com país e mundo: os Direitos Humanos tomam
sentido na relação de um sujeito com outros seres humanos; quer dizer, nas relações
sociais. A metodologia adotada deve permitir a identificação de relações sociais cada
vez mais amplas, a partir do espaço imediato do estudante, conformado por seu grupo
de colegas, até perspectivas cada vez mais abarcadoras da humanidade em conjunto.
f) Devem ser metodologias totalizadoras, já que o ensino-aprendizagem
dos direitos humanos não é o recurso exclusivo de uma disciplina ou um grupo de
matérias. É a totalidade do processo educativo a responsável para alcançar objetivos.

59
Para tanto, a metodologia deverá aplicar-se à totalidade do processo educativo,
pressupondo-se que adequada aos diferentes estágios de desenvolvimento pessoal
que apresentam os alunos durante o ensino primário e secundário. Não é uma
metodologia para empregar na classe, mas um enfoque metodológico que impregnará
toda a impulsão da instituição educativa. (Isto torna necessário que os docentes
analisem sua prática em classe à luz dos direitos humanos e realizem uma profunda
autocrítica de suas convicções) (OLGUIN, 2008).
g) Sejam globalizadoras, uma vez que o ensino aprendizagem dos
direitos humanos constitui um processo de formação e desenvolvimento de atitudes e
que estas têm componentes cognitivos e comportamentais. As metodologias, que se
adotem, deverão atender, simultaneamente, a estes três componentes e não limitarse
a alguns deles. A quantidade de cada um deles variará, seguramente, para estar de
acordo com o conteúdo específico que se estará tratando. Mas é importante que os
três tipos de componentes da atitude estejam presentes para que o
ensinoaprendizagem seja efetivo.
h) Realista, ou seja, o ensino dos direitos humanos deve verificar-se a
partir da realidade em que estejam inseridos os participantes do processo. É a vivência
cotidiana e a prática diária, a referência às relações reais estabelecidas pelo
educando, o que permitirá a formação das atitudes desejadas.

EIXOS TEMÁTICOS PARA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

Segundo Araújo (2007), entender a cidadania a partir da redução do ser


humano às suas relações sociais e políticas não é coerente com a
multidimensionalidade que nos caracteriza e com a complexidade das relações que
cada um e todas as pessoas estabelecem com o mundo à sua volta. Deve-se buscar
compreender a cidadania também sob outras perspectivas, por exemplo,
considerando a importância que o desenvolvimento de condições físicas, psíquicas,
cognitivas, ideológicas, científicas e culturais exerce na conquista de uma vida digna
e saudável para todas as pessoas.
Tal tarefa, complexa por natureza, pressupõe a educação de todos (crianças,
jovens e adultos), a partir de princípios coerentes com esses objetivos, e com a
intenção explícita de promover a cidadania pautada na democracia, na justiça, na
igualdade, na equidade e na participação ativa de todos os membros da sociedade

60
nas decisões sobre seus rumos. Dessa maneira, pensar em uma educação para a
cidadania torna-se um elemento essencial para a construção da democracia social.
Concordamos com Araújo (2007), quando diz que é preciso entender que tal
forma de educação deve visar, também, ao desenvolvimento de competências para
lidar com: a diversidade e o conflito de ideias, as influências da cultura e os
sentimentos e emoções presentes nas relações do sujeito consigo mesmo e com o
mundo à sua volta.
Uma questão a ser apontada é que atualmente as crianças e os adolescentes
vão à escola para aprender as ciências, a língua, a matemática, a história, a física, a
geografia, as artes, e apenas isso. Não existe o objetivo explícito de formação ética e
moral das futuras gerações. A escola, enquanto instituição pública criada pela
sociedade para educar as futuras gerações, deve se preocupar também com a
construção da cidadania, nos moldes que atualmente a entendemos. Se os
pressupostos atuais da cidadania têm como base a garantia de uma vida digna e a
participação na vida política e pública para todos os seres humanos e não apenas
para uma pequena parcela da população, essa escola deve ser democrática, inclusiva
e de qualidade, para todas as crianças e adolescentes. Para isso, deve promover, na
teoria e na prática, as condições mínimas para que tais objetivos sejam alcançados
na sociedade.
Para a autora, citada anteriormente, os valores não são nem ensinados, nem
nascem com as pessoas. Eles são construídos na experiência significativa que as
pessoas estabelecem com o mundo.
Essa construção depende diretamente da ação do sujeito, dos valores
implícitos nos conteúdos com que interage no dia-a-dia e da qualidade das relações
interpessoais estabelecidas entre o sujeito e a fonte dos valores.
Buscando atingir amplos espectros de atuação, devemos entender que o
trabalho de educação em valores que visam à construção da cidadania pode abarcar
quatro grandes eixos temáticos que, de maneira geral, configuram campos principais
de preocupação da ética e da democracia nos dias atuais (ARAUJO, 2007). Dentre
esses eixos temos a ética, a convivência democrática, os direitos humanos, a inclusão
social e a própria cidadania.
Vejamos:
Ética

61
A ética, enquanto parte da Filosofia, é um tipo de saber que se tenta construir
racionalmente, utilizando para tanto o rigor conceitual e os métodos de análise e
explicação da própria filosofia.
Como reflexão sobre as questões morais, a ética pretende desdobrar conceitos
e argumentos que permitam compreender a dimensão moral da pessoa humana
nessa sua condição moral, ou seja, sem reduzi-la a seus componentes psicológicos,
sociológicos, econômicos ou de qualquer outro tipo.
Podemos dizer que a ética, enquanto filosofia moral, consegue explicar o
fenômeno moral, ou seja, consegue dar conta racionalmente da dimensão moral
humana e, com isto, conseguimos alcançar um maior grau de conhecimento de nós
mesmos, por conseguinte, um grau maior de liberdade.
Como dizem Cortina e Martinez (2009, p. 9), nós filosofamos para encontrar
sentido para o que somos e fazemos e buscamos sentido para atender aos nossos
anseios de liberdade, pois consideramos a falta de sentido um tipo de escravidão.
Etimologicamente falando, ética vem do grego ethos, e tem seu correlato no
latim morale, com o mesmo significado: conduta, ou relativo aos costumes.
Etimologicamente, ética e moral são palavras sinônimas.
Em diferentes éticas, desde a Grécia antiga, vários pensadores debruçaramse
e versaram sobre a ética: os pré-socráticos, Aristóteles, os Estóicos, os pensadores
Cristãos (Patrísticos, escolásticos e nominalistas), Kant, Espinoza, Nietzsche, Paul
Tillich, e muitos outros.
Na filosofia, o campo que se ocupa da reflexão sobre a moralidade humana
recebe a denominação de ética. Esses dois termos, ética e moral, têm significados
próximos e, em geral, referem-se ao conjunto de princípios ou padrões de conduta
que regulam as relações dos seres humanos com o mundo em que vivem (ARAÚJO,
2007).
Uma educação ancorada em tais princípios, de acordo com Puig (1998, p.15),
deve converter-se em um âmbito de reflexão individual e coletiva que permita elaborar
racionalmente e autonomamente princípios gerais de valor, princípios que ajudem a
defrontar-se criticamente com realidades como a violência, a tortura ou a guerra. De
forma específica, para esse autor, a educação ética e moral deve ajudar na análise
crítica da realidade cotidiana e das normas sócio-morais vigentes, de modo que
contribua para idealizar formas mais justas e adequadas de convivência.

62
Ainda na linha de compreensão do papel da educação para a formação ética
dos seres humanos, Cortina (2003, p.113) entende que a educação do cidadão e da
cidadã deve levar em conta a dimensão comunitária das pessoas, seu projeto pessoal
e também sua capacidade de universalização, que deve ser exercida dialogicamente,
pois, dessa maneira, elas poderão ajudar na construção do melhor mundo possível,
demonstrando saber que são responsáveis pela realidade social.
De forma específica, lidar com a dimensão comunitária, dialogar com a
realidade cotidiana e as normas sócio-morais vigentes nos remete ao trabalho com a
diversidade humana, à abordagem e ao desenvolvimento de ações que enfrentem as
exclusões, os preconceitos e as discriminações advindos das distintas formas de
deficiência, e pelas diferenças sociais, econômicas, psíquicas, físicas, culturais,
religiosas, raciais, ideológicas e de gênero. Conceber esse trabalho na própria
comunidade onde está localizada a escola, no bairro e no ambiente natural, social e
cultural de seu entorno, é essencial para a construção da cidadania efetiva.

Convivência democrática
Uma escola democrática define-se pela participação do alunado e do
professorado no trabalho, na convivência e nas atividades de integração. Ela deve
possibilitar a participação como um envolvimento baseado no exercício da palavra e
no compromisso da ação. Quer dizer, uma participação baseada simultaneamente no
diálogo e na realização dos acordos e dos projetos coletivos (PUIG, 2000, p. 33).
Uma vez que a participação escolar autêntica une o esforço para intervir, a
escola precisa construir espaços de diálogo e de participação no dia-a-dia de suas
atividades curriculares e não-curriculares, de forma a permitir que estudantes,
docentes e a comunidade se tornem atores e atrizes efetivos, de fato, da construção
da cidadania participativa. Experiências como as das assembleias escolares, dos
grêmios estudantis e dezenas de outros modelos de práticas de cidadania, que vêm
sendo implementados em escolas públicas e privadas de todo o país, fornecem a
matéria-prima para que, de forma democrática, os conflitos cotidianos sejam
enfrentados nas escolas, permitindo a construção de valores de ética e de cidadania
por parte dos membros da comunidade que vivem dentro e no entorno escolar
(ARAÚJO, 2007).

Cidadania

63
Aprender a ser cidadão e a ser cidadã é, entre outras coisas, aprender a agir
com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não-violência, aprender a usar
o diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se com o que acontece na
vida coletiva da comunidade e do país. Esses valores e essas atitudes precisam ser
aprendidos e desenvolvidos pelos estudantes e, portanto, podem e devem ser
ensinados na escola.
Para que os estudantes possam aprender e assumir os princípios éticos, são
necessários pelo menos dois fatores:
1) Que os princípios se expressem em situações reais, nas quais possam
ter experiências e nas quais possam conviver com a sua prática.
2) Que haja um desenvolvimento da sua capacidade de autonomia moral,
isto é, da capacidade de analisar e eleger valores para si, consciente e livremente.
Outro aspecto importante a ser considerado nesse processo é o papel ativo dos
sujeitos da aprendizagem, estudantes e docentes, que interpretam e conferem sentido
aos conteúdos com que convivem na escola, a partir de seus valores previamente
construídos e de seus sentimentos e emoções. Tal premissa está de acordo com a
visão de que os valores e princípios éticos são construídos a partir do diálogo, na
interação estabelecida entre pessoas imbuídas de razão e emoções e um mundo
constituído de pessoas, objetos e relações multiformes, díspares e conflitantes
(ARAÚJO, 2007).
Enfim, a promoção de uma educação em valores deve partir de temáticas
significativas do ponto de vista ético, propiciando condições para que os alunos e as
alunas desenvolvam sua capacidade dialógica, tomem consciência de seus próprios
sentimentos e emoções (e dos sentimentos das demais pessoas) e desenvolvam a
capacidade autônoma de tomada de decisão em situações conflitantes do ponto de
vista ético/moral.
A melhor forma de ensiná-los, portanto, é estimulando reflexões e vivências.
Mais do que os discursos, são a prática, o exemplo, a convivência e a reflexão, em
situações reais, que farão com que os alunos e as alunas desenvolvam atitudes
coerentes em relação aos valores que queremos ensinar. Por isso, o convívio escolar
é um elemento-chave na formação ética dos estudantes. E, ao mesmo tempo, é o
instrumento mais poderoso que a escola tem para cumprir sua tarefa educativa nesse
aspecto. Daí a necessidade de os adultos reverem o ambiente escolar e o convívio

64
social que ali se expressa, a partir das próprias relações que estabelecem entre si e
com os estudantes, buscando a construção de ambientes mais democráticos.
Além disso, é necessário considerar o acolhimento dos estudantes – de suas
diferenças, potencialidades e dificuldades – e o papel reservado a eles e a elas na
instituição. O cuidado e a atenção com suas questões e problemáticas de vida
precisam concretizar o respeito mútuo, o diálogo, a justiça e a solidariedade que
queremos ensinar. Caso contrário, não estaremos dando nenhuma razão plausível
para que os estudantes os aprendam e os pratiquem.
Por fim, é necessário introduzir tais conteúdos e preocupações como temas
transversais, que perpassam o universo dos conteúdos trabalhados nas escolas, de
forma que seus princípios estejam presentes nas ações cotidianas levadas a cabo nas
salas de aula e nos demais espaços e tempos das instituições escolares.
No livro Educação: um tesouro a descobrir, destacam-se algumas ideias que
ajudam a compreender o papel da escola na construção da democracia e da
cidadania, à luz do que foi discutido até aqui. Por exemplo:
 escolas em que são evocados princípios como respeito mútuo,
solidariedade, justiça e diálogo e em que os alunos e as alunas se apropriam de canais
de participação na vida escolar e são incentivados pelos educadores a fazê-lo são
aquelas em que se cria um espaço democrático, do qual emergem as características
de uma cidadania plena;
 os educadores devem sempre estar atentos à coerência entre o discurso
e a ação: respeitar para ser respeitado, assumir e cumprir suas responsabilidades,
como forma de ensinar aos estudantes a importância da responsabilidade;
 a participação dos estudantes na escola e na comunidade ajuda a formar
seu caráter como cidadão e como cidadã. Em particular, a participação dos diferentes
atores da comunidade educativa nas tomadas de decisão é uma prática cívica – uma
atuação no espaço público democrático – que possibilita um conhecimento prático dos
processos que caracterizam a vida cívica e política na comunidade. A participação
nas decisões vai de simples contribuições à manutenção e à organização do espaço,
por exemplo, possível desde a mais tenra idade, até a participação em decisões
gerenciais e acadêmicas, por meio dos Conselhos de Escola e das Assembleias
Escolares.
Enfim, a disposição para a mudança e para a transformação da escola
(incluindo formação de docentes, trabalho com os estudantes, participação dos

65
demais funcionários e articulação com a comunidade) potencializa a capacidade de
atuação e fortalece todo o trabalho educativo escolar. A escola tem mais força para
atingir suas metas educativas com os estudantes, o que reforça a própria instituição e
produz um efeito cumulativo, proporcionando transformações cada vez mais
profundas e duradouras (ARAÚJO, 2007).
OS DIREITOS DAS MINORIAS ÉTNICAS E RACIAIS

Uma das bases fundamentais dos direitos humanos é o princípio que todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Discriminação e
perseguição com base na raça ou etnia são claras violações desse princípio. A
discriminação racial pode tomar muitas formas, desde a mais brutal e institucional
forma de racismo – o genocídio e o apartheid, até as formas mais encobertas por meio
das quais determinados grupos raciais e étnicos são impedidos de se beneficiarem
dos mesmos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais comuns a outros
grupos da sociedade (GOMES, 2011).
A discriminação racial e étnica continua a ser um dos maiores problemas de
direitos humanos no mundo atual, atingindo tanto minorias étnicas quanto, em alguns
casos, populações inteiras. Muito da atenção internacional recaiu sobre o apartheid
na África do Sul, extinto em 1994. Entretanto, a luta contra o ódio étnico e racial
continuou durante a década de 1990, violentamente acometida pelos piores conflitos
étnicos jamais vistos nos Bálcãs e na região dos Grandes Lagos na África.
Enquanto Raça é definida como um grupo de pessoas de comum
ancestralidade, diferenciada dos outros por características físicas, tais como
tipo de cabelo, cor dos olhos e pele, estatura, entre outras; étnico é definido como
relativo ou característico de um grupo humano que tem certos traços raciais,
religiosos, linguísticos, entre outros, em comum (Dicionário Inglês Collins)
(http://www.hrea.org/index.php?doc_id=700)
Nas leis internacionais dos direitos humanos, o termo raça é geralmente
utilizado em um sentido mais amplo e frequentemente se confunde com outras
distinções entre grupos de pessoas baseadas na religião, etnia, grupo social, língua e
cultura. O termo raça, nas leis sobre os direitos humanos, é utilizado por vezes para
designar grupos que não se enquadram em distinções biológicas de grupo como, por
exemplo, os sistemas de castas na Índia e Japão.

66
O artigo primeiro da Convenção Internacional sobre a Eliminação da
Discriminação Racial não define raça, mas define discriminação racial para designar
qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas na raça, cor,
descendência, nacionalidade ou origem étnica com o propósito ou efeito de anular ou
impedir o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em pé de igualdade, dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais nos campos políticos, econômicos, sociais e
culturais ou qualquer outro da vida pública. Etnia é explicitamente entendida sob esta
definição pelo termo raça. Muitos tratados sobre os direitos humanos se referem à
raça e não utilizam a terminologia etnia
(http://www.hrea.org/index.php?doc_id=700).
Mas vamos aos direitos das minorias étnicas e raciais que são protegidos por
leis internacionais de direitos humanos como se segue:
a) O direito de estar protegido contra a discriminação racial, o ódio e a
violência:
A legislação internacional de direitos humanos exige dos Estados que não
perpetrem ações de discriminação racial e que implementem medidas para prevenilas
em instituições públicas, organizações e relações pessoais. A natureza das medidas
pode variar de tratado para tratado, mas devem incluir a obrigação de rever leis e
políticas para assegurar sua posição não-discriminatória, a erradicação da
segregação racial e apartheid, penalizando propagandas que pregam a superioridade
racial e o banimento de organizações que promovam o ódio e a discriminação racial.
b) Direito à igual proteção diante das leis relativas à questão de origem
étnica e racial:
As minorias étnicas e raciais têm direitos iguais e a lei deve ser igualmente
aplicada aos vários grupos civis, políticos, sociais e culturais. A maioria dos tratados
de direitos humanos (mesmo aqueles que não tratam especificamente da questão
racial ou étnica) contém provisões específicas contra a discriminação e exigem dos
Estados que apliquem os princípios da lei dos direitos humanos equanimemente a
todas as pessoas, independentemente de sua raça, religião, origem social, entre
outros.
Tratamento desigual no sistema da justiça criminal tem sido uma área particular
de interesse de inúmeros países com práticas, tais como o perfil racial (parar ou
procurar por suspeitos com base na origem racial) ou mesmo o tratamento desigual
nas prisões, nos processos ou nos sentenciamentos de acusados. Desigualdade na

67
oferta de cuidados médicos, habitação e emprego para minorias étnicas e raciais
também são áreas comuns de atenção.
c) O direito de grupos étnicos e raciais de desfrutar de sua própria
cultura, de praticar sua própria religião e de usar sua própria língua:
Esse direito aparece em muitos tratados internacionais de direitos humanos e
é de consenso que todos os grupos étnicos e raciais são livres para agir de acordo
com suas heranças culturais. Algumas vezes, podem ocorrer conflitos entre as
práticas culturais, religiosas, linguísticas e de valores de um Estado e as práticas de
grupos minoritários. Alguns Estados têm reagido insistindo em um determinado grau
de reconhecimento da cultura e linguagem dominantes.
d) Direito de se beneficiar de medidas afirmativas adotadas pelo
Estado
para promover a harmonia racial e os direitos das minorias raciais:
Os governos são obrigados a tomar medidas especiais que assegurem o
desenvolvimento e a proteção adequados às minorias raciais. Isso inclui programas
de ações afirmativas. Os Estados devem promover o entendimento racial por meio do
sistema educacional.
e) Direito de pedir asilo por razões bem fundamentadas pelo receio de
perseguição com base na raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um
grupo social particular ou opinião política:
Essa provisão dentro das leis de proteção internacional aos refugiados permite
que os indivíduos procurem por asilo em outro Estado se o país de origem é incapaz
para protegê-lo de perseguição por motivos raciais, entre outros. Esse é um dos
poucos casos nos quais a incapacidade do Estado em assegurar leis de proteção aos
direitos humanos concede aos indivíduos a possibilidade de procurarem proteção em
outro país. Além disso, os Estados devem aplicar as provisões das leis de proteção
internacional aos refugiados de modo a não discriminar ninguém com base racial.

f) Direito à assistência:
Os governos devem assegurar serviços de proteção e assistência efetiva por
meio de tribunais nacionais competentes e outras instituições estatais. Os indivíduos
também devem ter o direito de procurar a justa e adequada reparação de danos por
intermédio desses tribunais. Esta disposição pode ser clara com relação a ações

68
individuais, mas é altamente controversa quando aplicada na reparação de danos
causados a grupos inteiros de pessoas.
A questão da assistência foi um dos pontos polêmicos na Conferência Mundial
Contra o Racismo em 2001, com alguns países insistindo no direito à reparação,
financeira, entre outros, e alguns governos ocidentais (antigas potências
colonizadoras e os Estados Unidos) resistindo a qualquer obrigatoriedade de
reparação de abusos cometidos no passado. Esse debate é similar àquele que
envolve questões de reparação aos antigos escravos
(http://www.hrea.org/index.php?doc_id=700).
A verdade é que em pleno século XXI, como iniciamos o módulo, a
globalização, as políticas neoliberais, a segurança global dos povos mais ricos, são
realidades que estão acentuando a exclusão, em suas diferentes formas e
manifestações. No entanto, não afetam igualmente a todos os grupos sociais e
culturais, nem a todos os países e, dentro de cada país, às diferentes regiões e
pessoas. São os considerados “diferentes”, aqueles que por suas características
sociais e/ou étnicas, por serem “portadores de necessidades especiais”, por não se
adequarem a uma sociedade cada vez mais marcada pela competitividade e pela
lógica do mercado, os “perdedores”, os “descartáveis”, que veem cada dia negado o
seu “direito a ter direitos” (ARENDT, 1997).
Com diz Candau (2007), este é nosso momento e nele temos de buscar, no
meio de tensões, contradições e conflitos, caminhos de afirmação de uma cultura dos
direitos humanos que penetre todas as práticas sociais e seja capaz de favorecer
processos de democratização, de articular a afirmação dos direitos fundamentais de
cada pessoa e grupo sociocultural, de modo especial os direitos sociais e econômicos,
com o reconhecimento dos direitos à diferença.

POLÍTICAS DE RECONHECIMENTO/AÇÕES AFIRMATIVAS

Políticas de reconhecimento
A questão do multiculturalismo e das políticas de reconhecimento são temáticas
extremamente importantes para as democracias ocidentais. Entretanto, antes de
trabalhar mais profundamente a conexão entre tais pontos, vamos relembrar o que
venha a ser o multiculturalismo. Tal noção é hoje cada vez mais utilizada não somente

69
nos meios acadêmicos e políticos como no cotidiano por uma gama variada de
pessoas, estando seu significado associado a diversos sentidos, o que faz com que
esta proliferação do termo não contribua para estabilizar ou esclarecer seu significado
(HALL, 2003 apud SILVA, 2006).
Neste sentido, são possíveis diversas leituras do termo já que associado a
contextos específicos e diferenciados de variados Estados Nacionais. Entretanto, via
de regra, a noção de multiculturalismo vem sendo entendida em dois principais
sentidos: como um fato social e como uma teoria (CÁMARA, 2003, p.163 apud SILVA,
2006).
Enquanto fato, o multiculturalismo diz respeito à convivência de grupos distintos
culturalmente num mesmo espaço territorial, o que o torna um fenômeno antigo e que
atinge a quase todas as sociedades contemporâneas em virtude das migrações, tanto
no nível dos Estados nacionais como no nível global (CORTINA, 2002 apud SILVA,
2006).
Já enquanto teoria de caráter normativo, ela se apresenta como proposta de
solução para os problemas provenientes da convivência entre as pessoas e os
diferentes grupos culturais que buscam na coexistência conjunta, manter suas pautas
culturais e sociais num mesmo território (SILVA, 2006).
Relacionado a este segundo sentido, é que o multiculturalismo vem ganhando
espaço, especialmente nas áreas de filosofia, teoria política e nas ciências sociais ao
longo das últimas décadas, pois busca efetivar estratégias de resolução dos inúmeros
conflitos étnico-culturais surgidos que apontam pela necessidade de reconhecimento
público das minorias discriminadas existentes nos limites territoriais dos Estados.
Por este motivo encontramos uma variedade de modelos ou projetos
multiculturais de cunho político-teórico, realizados tanto por setores conservadores
como pelos mais progressistas. Nos interessa a Teoria do reconhecimento com base
em Charles Taylor.
Marques (2008) ao resenhar a obra de Patrícia Mattos: “A sociologia política do
reconhecimento: as contribuições de Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy
Fraser”. São Paulo: Annablume, 2009, explica que o reconhecimento diz
respeito a um fenômeno cujo paradigma maior é o conflito social gerado a partir da
percepção que um sujeito tem do outro no contexto da interação social. Reconhecer-
se e ser reconhecido são, portanto, formas de olhar que se complementam e
constituem o processo de identificação.

70
A constituição do homem pelo fenômeno comunicativo, base do
reconhecimento mútuo, indica que as relações intersubjetivas são essenciais no
construir-se humano. Mattos, afirma que Axel Honneth sugere a ideia de que, somente
por meio das relações intersubjetivas, os sujeitos constituem e consolidam suas
capacidades.
No mundo do trabalho contemporâneo, cujas políticas indicam o caráter
precarizador das atividades laborais, as pessoas excluídas, ou sem chance de
inclusão, são atingidas exatamente em sua autoimagem e, por consequência, se
veem afetadas em sua autoestima, autoconfiança e autorrealização.
A luta por uma construção identitária pode ser compreendida sob o mesmo
enfoque de uma luta pelo reconhecimento, partindo-se da compreensão de que é a
consumação de valores comuns (partilhados) que permite a edificação de uma
concepção de si, como sujeito de dignidade e valor social.
Enfim, é importante entendermos a defesa do contexto multicultural, associado
à necessidade de uma política legítima de reconhecimento público das diferenças, por
parte das instituições públicas, justificando desta forma a defesa da sobrevivência das
comunidades culturais presentes nas sociedades multiculturais por estarem
vinculadas à formação das identidades humanas, bem como à concessão de direitos
especiais aos grupos culturais específicos. Diante disto, subjaz uma noção de
cidadania que prima pelo bem-estar dos diferentes grupos, diante da conjugação dos
direitos fundamentais, que apresentam caráter individual com os direitos de caráter
coletivo que levam em conta as particularidades culturais dos grupos, sendo ambos
exercidos dentro dos limites territoriais e ideológicos do Estado (SILVA, 2006).
Como diz Santos (2008), o debate atual sobre grupos sociais, identidades e
inclusão parece ser atualmente a engrenagem que move as lutas dos movimentos
sociais no Brasil. A dúvida perpassa apenas a forma com que as demandas devem
ser satisfeitas: uns defendem políticas distributivas; outros, políticas de
reconhecimento e representação. Enquanto que os adeptos da primeira baseiam seu
argumento na moral kantiana que, pressupondo neutralidade, seria o discurso que
mais se aproximaria da justiça, os defensores do reconhecimento justificam a
necessidade de observação das identidades dos grupos sociais, conceito próximo à
ética hegeliana.

71
De todo modo, o que vale na realidade é que as estratégias políticas de
visibilidade de grupos historicamente excluídos devem ser compreendidas como uma
reinvindicação que promova a paridade de participação.

Educação étnico-racial reconhecida como política pública


O reconhecimento da política pública para as questões étnico-raciais está
inserido na Constituição Federal (CF/88) em relação à igualdade, com erradicação
das desigualdades, sem discriminação, além da criminalização do racismo e da
valorização especialmente da cultura africana e dos afro-brasileiros, bem como sua
recepção nos diversos tratados internacionais de que o Brasil é signatário, trazem
proteção especial, como bem afirma Barroso (BRASIL, 2013):

Não é outra a orientação acolhida pelos tratados internacionais pertinentes,


pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU e pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Como a cultura integra a personalidade humana e suas múltiplas
manifestações, compõe o patrimônio nacional dos brasileiros (CF/88, Arts. 215 e 216).

Desse modo, a Cultura e a História dos Africanos e dos Afro-brasileiros, no


tocante ao ensino desde 1988, no entender de Costa Neto (2013), é norma
constitucional e política pública, notadamente, como política de Estado. Todavia, o
Ensino da Cultura e História da África dos Afro-brasileiros, apenas em 2003 teve sua
inclusão na LDB, e sua regulamentação foi feita pelo Parecer nº 3/04 e pela Resolução
nº 01/04 do Conselho Nacional de Educação.
Esse documento traz o reconhecimento ao direito subjetivo à Educação Étnico-
Racial e que estabelece a norma como política pública de Estado, que deve observar
alguns requisitos para sua efetivação: a) objetivos; b) elaboração; planejamento e
execução; c) forma de financiamento.
Entretanto, a formação dos profissionais da Educação atuantes na Educação
Básica, além do nível de extensão e pós-graduação (especialização, mestrado,
doutorado, pós-doutorado) é recente na ordem legal (Decretos nº 6.755/09 c/c nº
7.415/10), bem como em toda a estrutura da Educação. Sem embargo de posições
divergentes, merece atualização, de modo a acrescentar a formação inicial e
continuada nas atividades fim (Educação) e meio (Ensino) na estrutura da Educação
(COSTA NETO, 2013), bem como dos profissionais da Saúde, Segurança Pública e

72
os operadores do Direito, ainda que necessária aos demais profissionais das áreas
afins.
O advento do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/10), bem como a
diversidade étnico-racial como novo princípio da LDB, vem reforçar o entendimento
de que o tema deve ser tratado como política pública de Estado no viés de política
pública antirracista e de valorização da cultura, cujo instrumento do ensino tem função
basilar (COSTA NETO, 2013).
Considerando esses aspectos iniciais, verifica-se que a implementação do
Ensino da História e Cultura da África e dos Afro-brasileiros, apesar de previsto como
política pública de Estado, apenas se tornou norma sem eficácia plena, tratando tão
somente de programa de governo, ainda em fase de implementação, não reconhecida
como política de Estado (COSTA NETO, 2013).

Ações afirmativas e a SEPPIR


Ação Afirmativa é um conjunto de políticas que compreendem que, na prática,
as pessoas não são tratadas igualmente e, consequentemente, não possuem as
mesmas oportunidades, o que impede o acesso destas a locais de produção de
conhecimento e de negociação de poder (MAYA, 2014).
Este processo discriminatório atinge de forma negativa, pessoas que são
marcadas por estereótipos que as consolidam socialmente como inferiores,
incapazes, degeneradas, entre outros, alocando-as em situações de subcidadania e
precariedade civil.
Dito de outra forma, o racismo, o machismo, a xenofobia, a homofobia, entre
outras ideologias discriminatórias, vincularam e vinculam determinadas pessoas às
características coletivas e pejorativas que as impedem de receber prestígio, respeito
e valoração social como um indivíduo qualquer, por meio de discriminações, que na
maioria das vezes, são executadas indiretamente, ou seja, “por baixo dos panos”, nos
bastidores, sem testemunhas e alarde.
Imagine, por exemplo, uma executiva competente que não é promovida na
empresa em que trabalha porque o fato de ser mulher atrapalharia o “clima” masculino
já estabelecido entre os diretores. Ou um ótimo professor que é demitido porque
descobriram ou desconfiam que ele tenha um namorado. Ou um jovem negro que não
foi admitido na seleção de emprego porque consideraram que ele não tem a “boa
aparência” desejada.

73
O que estas situações têm em comum? Além de retratarem os processos
discriminatórios citados acima, são ocorrências que dificilmente serão comprovadas e
penalizadas, pois os responsáveis por elas contornarão o machismo, a homofobia, o
racismo que as fundamentam e darão diversas explicações supostamente neutras e
naturalizadas para suas decisões.
Entretanto, todos sabem que estas situações ocorrem diariamente e prejudicam
a vida de inúmeras pessoas que não correspondem ao padrão ‘eurocentrado’
(masculino, branco, cristão, heterossexual, fisicamente capaz, entre outros)
estipulado socialmente como normal e superior. Diante disso, o que fazer para
transformar esta realidade? Foi exatamente com intuito de responder esta pergunta
que a Ação Afirmativa surgiu.
Ações afirmativas são políticas focais que alocam recursos em benefício de
pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão
socioeconômica no passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como
objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de casta,
aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação,
saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento
cultural (GEMAA, 2011).
Consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização
do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da
discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional, de compleição física e
situação socioeconômica (adição nossa). Impostas ou sugeridas pelo Estado, por
seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a
combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a
discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho
pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como
meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes,
inculcando nos atores sociais a utilidade e a necessidade de observância dos
princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio
humano (GOMES, 2001).
A Ação Afirmativa é um conjunto de políticas que tem como objetivo combater
práticas discriminatórias e equacionar suas consequências na medida em que
possibilita que pessoas marcadas por estereótipos coletivos e negativos acessem
posições de poder, que historicamente lhes foram cerceadas. Sendo assim:

74
• são medidas especiais, porque agem focadas nos grupos
marginalizados;
• são temporárias, pois possuem objetivos determinados que quando
alcançados tornam-nas desnecessárias;
• e podem ser elaboradas e executadas pelo Estado e/ou pela iniciativa
privada de maneira compulsória ou espontânea.
Há inúmeras experiências de políticas afirmativas em todo mundo (Índia,
Malásia, África do Sul, Gana, Guiné, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru,
Equador, México, Brasil, entre outros) com critérios variados como, por exemplo,
casta, deficiência física, descendência, etnia, gênero, nacionalidade, raça, entre
outros.
(MAYA, 2014).
O próprio Brasil possui um histórico de políticas de cunho afirmativo:
 a Lei dos Dois Terços (5.452/1943) do governo Getúlio Vargas; onde 2/3
do trabalhadores de uma empresa deveriam ter nacionalidade brasileira;
 a Lei do Boi (5465/1968) que reservou vagas nas instituições de ensino
- médio e superior - agrícolas para agricultores e filhos destes;
 a Lei 8.112/1990 que prescreve cotas para portadores de deficiências
físicas no serviço público civil da União;
 a Lei 9.504/1997 que preconiza cotas para mulheres nas candidaturas
partidárias, entre outras.
Entretanto, a medida mais polemizada é o sistema de cotas para negros e
negras em instituições de ensino superior (IES), que desde 2003 já possibilitou
dezenas de milhares de vagas em mais de cinquenta IES em todo país. Outra medida
afirmativa em vigor em nosso país é a Lei nº 11.639/03, que modificou a LDB nº
9394/96, obrigando o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira em todo
sistema educacional brasileiro, seja público ou privado.
Por fim, ficam as palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim
Benedito Barbosa Gomes, sobre o potencial transformador da Ação Afirmativa. Entre
os objetivos almejados com as políticas afirmativas está o de induzir transformações
de ordem cultural, pedagógica e psicológica aptas a subtrair do imaginário coletivo a
ideia de supremacia e subordinação de uma raça em relação a outra (MAYA, 2014).

75
No debate público e acadêmico, a ação afirmativa com frequência assume um
significado mais restrito, sendo entendida como uma política cujo objetivo é assegurar
o acesso a posições sociais importantes a membros de grupos que, na ausência
dessa medida, permaneceriam excluídos. Nesse sentido, seu principal objetivo seria
combater desigualdades e dessegregar as elites, tornando sua composição mais
representativa do perfil demográfico da sociedade (GEMAA, 2011).
De acordo com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR), do conjunto das metas enunciadas no Plano Plurianual, as ações da
Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas para o período 2012-2015 terão como
centralidade no campo das ações afirmativas as seguintes metas:
 implementar o Programa Nacional de Afirmativas nos Ministérios;
 reduzir as mortes por homicídio na juventude negra;
 estabelecer acordos para a inclusão da população negra no mercado de
trabalho;
 realizar e apoiar campanhas de valorização da pessoa negra e de
enfrentamento ao racismo, divulgando as manifestações da cultura, a memória e as
tradições afro-brasileiras;
 ampliar o número de organizações públicas e privadas que adotam
medidas de prevenção e enfrentamento ao racismo institucional;
 reduzir a morbidade/mortalidade materna entre as mulheres negras;
 construir cadastro de programas de ações afirmativas no âmbito das três
esferas de Governo e da iniciativa privada.
Em relação às ações na área de Educação, a SEPPIR, por meio do sítio na
internet (http://seppir.gov.br/acesso-a-informacao/acoes-e-
programas/acoesafirmativas) informa os seguintes programas:

76
PROGRAMA DEFINIÇÃO

Programa Institucional de Convênio com o CNPq para concessão de 800 (oitocentas) bolsas anuais de
Iniciação Científica nas Ações iniciação científica (sendo 700 do CNPq e 100 da SEPPIR), para estudantes
Afirmativas (PIBIC-AF) de graduação que pertençam ao público-alvo de ações afirmativas de ingresso
na universidade, prioritariamente da população negra.

Programa de Extensão
Universitária – PROEXT
Programa do MEC destinado a potencializar e ampliar os patamares da
qualidade das ações de extensão das universidades como um de seus tripés
fundantes – ensino, pesquisa e extensão. A SEPPIR participa a partir de 2011,
quando ocorreu a seleção das 23 propostas que começarão a serem
executadas a partir de janeiro de 2012, totalizando um montante orçamentário
previsto em 2,2 milhões de reais.

Selo Educação para a


Igualdade Racial
Ação de reconhecimento de boas práticas de escolas e secretarias de
educação na implementação da Lei nº 10.639/03. Primeira edição foi realizada
em 2011. Em 2012 está prevista a realização de uma segunda edição do Selo.

Projeto A Cor da Cultura

Produção e disseminação de material, em consonância com a Lei nº 10639,


valorizando a escola pública como referência na construção de identidades
coletivas e individuais positivas.

Curso Gênero e Diversidade na Originalmente iniciado como uma ação de formação na temática de gênero e
Escola (GDE) feminismo para o corpo docente da rede pública de educação,
desdobrou-se num curso de formação de professoras/es nas
temáticas de gênero, relações étnico-raciais e orientação
sexual

Curso de Gestão
de Políticas .
Públicas em Gênero e Raça Criado a partir da experiência do GDE, tem como
(GPP-GeR) objetivo instrumentalizar as/os participantes para

77
intervenção nos processos de concepção, assegurar a transversalidade e a
elaboração, implementação, monitoramento e intersetorialidade de
avaliação dos programas e ações de forma a
gênero e raça nas políticas públicas. É dirigido Mulher, do Fórum
a servidoras/es dos três níveis da Intergovernamental de Promoção da Igualdade
Administração Pública, preferencialmente, Racial, dos Conselhos de Educação, dirigentes
gestoras/es das áreas de educação, saúde, de organismos não governamentais ligados à
trabalho, segurança e planejamento, temática de gênero e da igualdade étnico-
integrantes dos Conselhos de Direitos da racial.

78
REFERÊNCIAS

BRASIL, Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Comitê


Nacional em Direitos Humanos – Secretaria Especial de Direitos Humanos, Ministério
da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007.
DESLANDES, Keila; LOURENÇO, Érika (orgs.). Por uma cultura dos Direitos
Humanos na Escola: princípios, meios e fins. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011.
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et al (orgs.). Educação em Direitos Humanos:
fundamentos teóricos-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007.
ABREU, Neide Maria Carvalho. Os direitos fundamentais na Constituição Federal de
1988. (2010).
ARAÚJO, Eugênio Rosa de. Resumo de Direitos Humanos Fundamentais: doutrina e
jurisprudência selecionada. Niterói: Impetus, 2009.
ARAÚJO, Ulisses F. A educação e a construção da cidadania: eixos temáticos da ética
e da democracia. In: BRASIL. Ética e cidadania: construindo valores na escola e na
sociedade / Secretaria de Educação Básica, Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Básica, 2007.
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo – Anti-semitismo, imperialismo e
totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
BARREIROS, Guilherme Scodeler de Souza; FARIA, Guilherme Nacif de; SANTOS,
Raíssa Naiady Vasconcelos. Educação em direitos humanos: uma tarefa possível e
necessária. Educação em Perspectiva, Viçosa, v. 2, n. 1, p. 58-77, jan./jun. 2011.
BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de direito constitucional. São Paulo: Saraiva,
1994.
BELLINHO, Lilith Abrantes. Uma evolução histórica dos direitos humanos (2010).
BIANCO, Fernanda Silva. As Gerações de Direitos Fundamentais. Universo Jurídico,
Juiz de Fora, ano XI, 09 de nov. de 2006.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21 ed. São Paulo: Malheiros,
2007.
BRASIL, Lei Federal nº 9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
– LDB.

79
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Mandado de Segurança. 32262. Medida cautelar.
Mariton Benedito de Holanda e presidente da Câmara dos Deputados (2013). Relator
Ministro Roberto Barroso.
CAMPOS, Ingrid Zanella Andrade. A evolução histórica internacional dos Direitos
Humanos e a questão da relativização da soberania estatal (2008). Disponível em:
http://jusvi.com/colunas/34672/3
CANDAU, Vera Maria. Educação em Direitos Humanos: desafios atuais. In:
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy et al (orgs.). Educação em Direitos Humanos:
fundamentos teóricos-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007.
CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e direitos humanos. In: BRASIL.
Construindo a cidadania: desafios para o século XXI – capacitação em rede. Recife:
Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos, 2001.
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais
(2010).
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação dos direitos humanos. 3 ed. rev. e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2003.
CORTINA, Adela, MARTINEZ, Emílio. Ética. Trad. Ilvana Cobucci Leite. São Paulo:
Loyola, 2009.
CORTINA, Adela. O fazer ético: guia para a educação moral. São Paulo: Moderna,
2003.
COSTA NETO, Antônio Gomes da. A diversidade étnico-racial como princípio da LDB:
instrumento filosófico-jurídico da desconstrução do racismo. Revista Educação
Pública (2013).
COSTA NETO, Antônio Gomes da. A educação das relações étnico-raciais
(20032013): racismo, transparência e efetividade (2013). Disponível em:
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0412.html
COSTA NETO, Antônio Gomes da. Os ativistas de direitos humanos e o racismo.
Revista Educação Pública (2013).
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira. 3 ed.
São Paulo: Saraiva, 1983.
Fórum dos Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Plano
Nacional de Extensão Universitária. Rio de Janeiro: NAPE/UERJ, 2001.

80
GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da
Igualdade: o direito como instrumento de transformação social. A experiência dos
EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
GOMES, Nilma Lino. Educação, relações étnico-raciais e a Lei 10.639/03 (2011).
http://arquivo.geledes.org.br/areas-de-atuacao/nossas-lutas/educacao/lei-10-639-
03e-outras/10849-educacao-relacoes-etnico-raciais-e-a-lei-1063903
GRUPO DE ESTUDOS MULTIDISCIPLINARES DA AÇÃO AFIRMATIVA - GEMAA.
“Ações afirmativas” (2011).
HREA. Associação para Educação dos Direitos Humanos. Os direitos de minorias
étnico e raciais.
LEITE, Simírame Pereira. Tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos na Constituição de 1988 após a emenda constitucional N. 45.
Brasília:UNICEUB, 2005.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Tradução de Vera Maria
Jacob de Fradera. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.
MARQUES, Ana Maria Almeida. A sociologia política do reconhecimento. Resenha.
Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 43, n. 1, jan/jun, 2012, p. 136-138 Disponível
em: http://www.rcs.ufc.br/edicoes/v43n1/rcs_v43n1res1.pdf
MAYA, Thais S. NEAB/UFSCA. Ações afirmativas (2014).
MELLO, Celso D. de Albuquerque. “O § 2º do art. 5º da Constituição Federal”. In:
RICARDO LOBO TORRES (org.). Teoria dos Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro:
Renovar, 1999.
MINARDI, Fábio Freitas. Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e a
aplicação da teoria da eficácia horizontal. Revista Direitos Fundamentais e
Democracia. V. 04. 2008.
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: Teoria Geral. 4 ed. São
Paulo: Atlas, 2002.
NICOLAO, Hamilton Pessota. Direitos fundamentais: princípio da dignidade da pessoa
humana frente à autonomia privada nas relações entre particulares (2010).
OLGUIN, Letícia. Enfoques metodológicos no ensino e aprendizagem dos direitos
humanos (2008).
ONU. Diretrizes para a formulação de planos nacionais de ação a educação em
direitos humanos. Quinquagésima Segunda Sessão da Assembleia Geral, 20 de
outubro de 1997.

81
PUIG, J. M. A construção da personalidade moral. São Paulo: Ática, 1998.
PUIG, J. M. Democracia e participação escolar. São Paulo: Moderna, 2000.
REZEK, José Francisco. Direito internacional público. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
SANTOS, Judith Karine Cavalcanti. Vôo sobre abismos: política de reconhecimento
em nancy fraser, movimentos sociais e efetividade normativa. Anais do XVII
Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de
novembro de 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7 ed. rev. atual. e ampl.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
SILVA, Flávia Martins André da. Direitos fundamentais (2006). Disponível em:
http://www.direitonet.com.br
SILVA, Larissa Tenfen. Multiculturalismo e a política de reconhecimento de Charles
Taylor. NEJ - Vol. 11 - n. 2 - p. 313-322 / jul-dez 2006.
SIQUEIRA JÚNIOR, Paulo Hamilton. Tratados internacionais de direitos humanos.
Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, nº 43, p. 7-30, abr./jun.
2003.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010.
TORRES, Ricardo Lobo. Direitos fundamentais. In: BARRETTO, Vicente de Paulo
(Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006.

82

Você também pode gostar