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FERRAMENTAS DA FILOSOFIA:

LÓGICAS E ARGUMENTOS

Belo Horizonte
SUMÁRIO

CINCO FERRAMENTAS PARA O ENSINO- APRENDIZAGEM DA FILOSOFIA ................... 3


APRENDENDO A SE COMUNICAR ............................................................................................. 3
APRENDENDO A ARGUMENTAR ..............................................................................................11
APRENDENDO A DIALOGAR ......................................................................................................16
APRENDENDO A NARRAR .........................................................................................................20
APRENDENDO A SER..................................................................................................................23
“A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA PARA EDUCAÇÃO” ...........................................................25
O QUE É FILOSOFIA ....................................................................................................................25
A TRANSFORMAÇÃO DO HOMEM ATRAVÉS DA FILOSOFIA ..............................................28
O SENTIDO DA FILOSOFIA PARA A EDUCAÇÃO ...................................................................32
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................35
REFERENCIAS ..............................................................................................................................38

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CINCO FERRAMENTAS PARA O ENSINO- APRENDIZAGEM DA
FILOSOFIA

APRENDENDO A SE COMUNICAR

Um dos temas mais debatidos nos meios educacionais de hoje é a “inclusão” e


os meios de torná-la uma realidade nas escolas. A justificativa para isso é o pluralismo
e a globalização, na chamada era dos direitos. A impressão que se tem é que os novos
tempos e o novo milênio chegaram para tornar as sociedades “automaticamente” mais
“igualitárias”.
Entretanto, só abrirmos os jornais e atentarmos para a realidade à nossa volta
para descobrirmos que a realidade não é bem assim, principalmente nas escolas. Não
poucos se queixam da crise crescente dos valores e, por coincidência ou não, também
da educação. E isso, não apenas considerando o aspecto salarial e de
reconhecimento social da categoria, tanto dos pensadores da ética, os filósofos e os
educadores, mas também por todo tipo de violência que se tem observado nas
escolas.
Diante da indisciplina geral e da crise da família em assumir o seu papel de
formadora do caráter e dos princípios éticos, o professor sente-se engessado pela
imposição de uma “tolerância compulsória” em relação ao ensino de valores e
princípios morais.
Embora a LDB e os PCNs de filosofia anunciassem a centralidade da mesma
nos currículos escolares, como sonhavam já os pioneiros da Escola Nova, com
destaque a Fernando de Azevedo e Paulo Freire, a filosofia tem sido inclusa e retirada
do rol de disciplinas obrigatórias, quase que à mercê de interesses de grupos ora
favoráveis, ora contrários, e, quando contemplada, tem sido reduzida a mais uma
matéria conteudista, a corroborar com a distância já acentuada entre teoria e prática
na educação brasileira.
Por outro lado, fala-se em “temas transversais”, em que se destaca a ética,
dando a impressão aos desavisados, que esse tópico não pertence à filosofia, com
Parâmetros Curriculares altamente sofisticados e conscientes de alguns problemas
da filosofia da atualidade, como o relativismo moral e cultural:

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Nega-se qualquer perspectiva de “relativismo moral”, entendido como “cada um
é livre para eleger todos os valores que quer”. Por exemplo, na sociedade brasileira
não é permitido agir de forma preconceituosa, presumindo a inferioridade de alguns
(em razão de etnia, raça, sexo ou cor), sustentar e promover a desigualdade, humilhar,
etc. Trata-se de um consenso mínimo, de um conjunto central de valores,
indispensável à sociedade democrática: sem esse conjunto central, cai-se na anomia,
entendida seja como ausência de regras, seja como total relativização delas (cada um
tem as suas, e faz o que bem entender); ou seja, sem ele, destrói-se a democracia,
ou, no caso do Brasil, impede-se a construção e o fortalecimento do país. O segundo
ponto diz respeito justamente ao caráter democrático da sociedade brasileira. A
democracia é um regime político e também um modo de sociabilidade que permite a
expressão das diferenças, a expressão de conflitos, em uma palavra, a pluralidade.
Portanto, para além do que se chama de conjunto central de valores, deve valer a
liberdade, a tolerância, a sabedoria de conviver com o diferente, com a diversidade
(seja do ponto de vista de valores, como de costumes, crenças religiosas, expressões
artísticas, etc.). Tal valorização da liberdade não está em contradição com a presença
de um conjunto central de valores. Pelo contrário, o conjunto garante, justamente, a
possibilidade da liberdade humana, coloca-lhe fronteiras precisas para que todos
possam usufruir dela, para que todos possam preservá-la. (MEC, 2006).
A ética é aqui genericamente entendida como o conjunto de princípios que
norteia a conduta e decisão moral, que podem ser entendidas como a prática daqueles
paradigmas teóricos. Longe de pretendermos entrar no mérito de distinções e
classificações das “éticas” variadas ou esgotarmos os pensadores que têm algo a
contribuir para o assunto neste texto, pautamo-nos simplesmente pela ética clássica
aristotélica, que explicitaremos mais adiante, desenvolvida posteriormente por alguns
pensadores medievais como Tomás de Aquino e modernos, como Kant e Heidegger.
O que é constatável em diversas pesquisas, realizadas em diferentes contextos
escolares, não apenas do Brasil, o estado de angústia e desnorteamento do professor
diante das exigências contraditórias da sociedade, que exige do professor e da escola
o tratamento desses problemas, negando-lhes, ao mesmo tempo as ferramentas
básicas para fazê-lo.
Mas o que se entende, na prática, pelos chamados “temas transversais”? Em
suma, trata-se de assuntos relacionados à pluralidade cultural, ética, saúde, ao meio

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ambiente, trabalho e consumo, e à sexualidade nas escolas públicas, que têm se
traduzido em projetos desarticulados e informais. Com isso, recaem muitas vezes num
discurso ambíguo e contraditório, pautado pelo relativismo cultural, um preconceito
velado ou um paternalismo modernizado.
O que se pretenderá sustentar aqui é que uma das condições para o sucesso
dos projetos relativos a esses temas transversais definidos pelos Parâmetros
Curriculares da Educação Nacional (PCNs) dos terceiro e quarto ciclos do Ensino
Fundamental – temas transversais (online, 2004), sem prejuízos aos conteúdos
elementares, é a filosofia. Mas, antes, é preciso entender melhor o conceito e a
proposta da transversalidade:
Seus objetivos são:
• compreender a cidadania como participação social e política, assim
como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia,
atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e
exigindo para si o mesmo respeito;
• posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas
diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de
tomar decisões coletivas;
• conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,
materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de
identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país;
• conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro,
bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra
qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças,
de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais;
• perceber-se integrante, dependente e agente transformador do
ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativa-
mente para a melhoria do meio ambiente;
• desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de
confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de
interrelação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de
conhecimento e no exercício da cidadania;

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• conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotando hábitos
saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com
responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva;
• utilizar as diferentes linguagens – verbal, musical, matemática, gráfica,
plástica e corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias,
interpretar e usufruir das [sic] produções culturais, em contextos públicos e privados,
atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação;
• saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos
para adquirir e construir conhecimentos;
• questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-
los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade
de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação.
Além disso, os temas transversais fundam-se nos seguintes princípios que
perpassam outros documentos referenciais, como o Estatuto da Criança e do
Adolescente e os Direitos Humanos da Unesco:
• Dignidade da pessoa humana
Implica em [sic] respeito aos direitos humanos, repúdio à discriminação de
qualquer tipo, acesso a condições de vida digna, respeito mútuo nas relações
interpessoais, públicas e privadas.
• Igualdade de direitos
Refere-se à necessidade de garantir a todos a mesma dignidade e
possibilidade de exercício de cidadania. Para tanto há que se considerar o princípio
da equidade, isto é, que existem diferenças (étnicas, culturais, regionais, de gênero,
etárias, religiosas, etc.) e desigualdades (socioeconômicas) que necessitam ser
levadas em conta para que a igualdade seja efetivamente alcançada.
• Participação
Como princípio democrático, traz a noção de cidadania ativa, isto é, da
complementaridade entre a representação política tradicional e a participa- ção
popular no espaço público, compreendendo que não se trata de uma sociedade
homogênea e sim marcada por diferenças de classe, étnicas, religiosas etc. É, nesse
sentido, responsabilidade de todos a construção e a ampliação da democracia no
Brasil.
• Co-responsabilidade pela vida social

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Implica em [sic] partilhar com os poderes públicos e diferentes grupos sociais,
organizados ou não, a responsabilidade pelos destinos da vida coletiva (UNESCO,
online).
Esse documento, que é mais do que uma diretriz e plano curricular desse tipo
de disciplina, explicita ainda os seguintes critérios para se considerar um tema
“transversal”:
• Urgência social
Esse critério indica a preocupação de eleger como Temas Transversais
questões graves, que se apresentam como obstáculos para a concretização da
plenitude da cidadania, afrontando a dignidade das pessoas e deteriorando sua
qualidade de vida.
• Abrangência nacional
Por ser um parâmetro nacional, a eleição dos temas buscou contemplar
questões que, em maior ou menor medida e mesmo de formas diversas, fossem
pertinentes a todo o país. Isso não exclui a possibilidade e a necessidade de que as
redes estaduais e municipais, e mesmo as escolas, crescentem [sic] outros temas
relevantes à sua realidade.
• Possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental
Esse critério norteou a escolha de temas ao alcance da aprendizagem nessa
etapa da escolaridade. A experiência pedagógica brasileira, ainda que de modo não
uniforme, indica essa possibilidade, em especial no que se refere à Educação para a
Saúde, Educação Ambiental e Orientação Sexual, já desenvolvidas em muitas
escolas.
• Favorecer a compreensão da realidade e a participação social
A finalidade última dos Temas Transversais se expressa neste critério: que os
alunos possam desenvolver a capacidade de posicionar-se diante das questões que
interferem na vida coletiva, superar a indiferença e intervir de forma responsável.
Assim os temas eleitos, em seu conjunto, devem possibilitar uma visão ampla e
consistente da realidade brasileira e sua inserção no mundo, além de desenvolver um
trabalho educativo que possibilite uma participação social dos alunos.
É preciso esclarecer que, enquanto a interdisciplinaridade é um conceito teórico
e complexo, que em suma significa fazer uma “reação química” entre diferentes
disciplinas pela interação entre professor/aluno – aluno/professor, a transversalidade

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é prática de ensino que pretende realizar a interdisciplinaridade, levantando os
conceitos comentados, como se procura deixar claro:
Amplos o bastante para traduzir preocupações da sociedade brasileira de hoje,
os Temas Transversais correspondem a questões importantes, urgentes e presentes
sob várias formas na vida cotidiana. O desafio que se apresenta para as escolas é o
de abrirem-se para o seu debate. Isso não significa que tenham sido criadas novas
áreas ou disciplinas. Como você poderá perceber pela leitura deste documento, os
objetivos e conteúdo dos Temas Transversais devem ser incorporados nas áreas já
existentes e no trabalho educativo da escola. É essa forma de organizar o trabalho
didático que recebeu o nome de transversalidade. (UNESCO, online).
Ramos (apud OLIVEIRA; SILVA, 1993, p. 126) destaca dois problemas nos
projetos não-formais e iniciativas “multiculturais” que se proliferam nas escolas para
combater particularmente o preconceito racial: a falta de continuidade e especificidade
desses projetos dentro do calendário escolar e a exclusão dos conteúdos básicos em
detrimento deles. “É preciso pensar na possibilidade de construção de projetos
culturais na área de educação não-formal, numa perspectiva que busque ao mesmo
tempo não ser um risco à educação escolar, nem ser um simples receptor de
estudantes excluídos socialmente.” Ou seja, não se deve descartar os projetos
informais, mas inseri-los no planejamento curricular de forma articulada e harmoniosa.
E essa harmonia baseia-se na linguagem, que é o principal mediador da comunicação
humana, permitindo fazer todas as articulações possíveis, a partir de um campo
comum, como se ressalta também nos já mencionados PCNs de ética.
O que se observa na escola, hoje, no entanto, é um incrível desencontro de
linguagens e, portanto, de interesses e visões-de-mundo, sem que muitas vezes os
seus integrantes se deem conta dessas divergências. A tendência é, assim, que se
estabeleçam “pactos” ou simulações de iniciativas pedagógicas que velam tais
discrepâncias, nos seguintes termos: “Você finge que está falando a minha linguagem,
e eu finjo que entendendo a sua”; “Você me manda um e-mail sobre isso mais tarde e
está tudo resolvido”; ou “Amanhã resolvemos o assunto na reunião pedagógica”.
Assim, os aparentes esforços de fazer frente aos novos tempos, mesmo se
considerarmos algumas iniciativas de inclusão, pluralismo e combate à violência
encobrem um distanciamento real entre os seus integrantes e um acordo tácito e
praticamente imposto, de exclusão de conteúdos e práticas pedagógicas elementares

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e fundamentais ao aprendizado, como os da filosofia clássica e das línguas,
consideradas “ultrapassadas”.
Fábio K. Comparato (2000, online) aponta para uma contradição semelhante,
que ocorre na comunicação e aquisição de informações hoje em dia: Os homens
nunca se viram, tal como hoje, aproximados uns dos outros pelos instrumentos de
informação e comunicação. Essas cifras globais, no entanto, mascaram uma
formidável desigualdade entre os que podem e os que não podem utilizar-se dessas
maravilhas do engenho humano. (2000, p. 32).
Um dos clássicos da educação, Georges Gusdorf (1995a), insiste em dizer que
não há educação sem o encontro real, o contato pessoal entre educando e educador.
Ele certamente colocaria em dúvida os cursos cem por cento a distância, que se
pretendem “educativos” e não meramente instrumentais e técnicos.
Nesse sentido, por seu caráter pessoal ou até existencial, em outro texto do
mesmo autor, veiculado em Tempo Brasileiro, o trabalho pedagógico e a filosofia são
considerados mais do que temas interdisciplinares. De certa forma o tópico se
enquadra no que Gusdorf (1995b) chama “transdisciplinaridade”, que explica da
seguinte forma: Mais nova, mais fascinante, pelo menos na ordem linguística, é a
noção da transdisciplinaridade; ela enuncia a ideia de uma transcendência, de uma
instância científica capaz de impor sua autoridade às disciplinas particulares; ela
talvez designe um foco de convergência, uma perspectiva de mirada que juntaria o
horizonte do saber, segundo uma dimensão horizontal do saber, segundo uma
dimensão horizontal ou vertical, as intenções e preocupações de diversas
epistemologias. Pode-se tratar de uma metalinguagem ou meta-ciência, mas, na
estratégia do saber, a ordem transdisciplinar define uma posição-chave, da qual
sonharam tomar posse todos os que as ambições do imperialismo intelectual
atormentam. (p. 15).
Infelizmente, porém, como o próprio autor constata, essa linguagem é muito
rara de se atingir no mundo contemporâneo, sendo que a maioria dos intelectuais da
atualidade só pode sonhar com ela. Pergunta-se, até que ponto os projetos informais,
realizados na frente do computador, promovem o raciocínio, a criatividade e a reflexão
sobre os temas transversais, como aética, a desigualdade, a violência, as drogas, a
sexualidade, que, em última instância, são filosóficos? Outra pergunta que se coloca
nesse contexto é: em que medida os educadores estão preparados para abordar tais

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assuntos, não como mais uma novidade, mas de maneira reflexiva, inter e até
transdisciplinar? Que tipo de formação filosófica lhes foi oferecida para tanto? Parece
que os articuladores dos PCNs, por mais admirável que fosse o conteúdo do texto
produzido, partem do pressuposto de que os professores, seus leitores estejam em
condições não apenas de digeri-los, mas também de aplicá-los, que dirá de forma
reflexiva e crítica em sala de aula. Daí que não oferecessem praticamente nenhum
ferramental para a realização de tais ideais.
Espera-se que o professor, que hoje carrega o ônus adicional dos ditos temas
transversais, particularmente o de filosofia e ética (quando há), seja capaz de abordar
temas existenciais, ligados ao sentido da vida e à felicidade humana, num mundo
pautado pelo materialismo, desnorteamento ético e individualismo provocados, em
parte, pelo uso indevido da tecnologia, para alimentar um consumismo materialista.
Já na época em que viveu, Erich Fromm (1980) diagnosticava esse problema,
atribuindo-o a uma visão de mundo, ao que chamava “modo ter” de existência, em
detrimento do “modo ser”:
O modo ter de existência, a atitude centrada no móvel da propriedade e do
lucro, necessariamente produz o desejo, e mesmo a necessidade da força. Para
manter o controle da propriedade privada, precisamos empregar força para protegê-
la daqueles que as tirariam de nós, porque eles, como nós, jamais podem ter o
bastante; o desejo de ter propriedade privada produz o desejo de empregar violência
a fim de furtar de outros de maneira aberta ou velada. No modo ter, a felicidade
consiste na superioridade sobre outros, no poder e, em última análise, na capacidade
de conquistar, roubar, matar. No modo ser, essa felicidade consiste em amar,
participar, dar. (p. 91).
Fromm não tem muita esperança para o futuro de uma sociedade que funciona
pelo “modo ter”, reificadora do ser, usando os horrores da Primeira Guerra Mundial
como exemplo. Ficamos nos perguntando o que ele diria do terrorismo do mundo de
hoje. Tudo indica que ficamos insensíveis para o ser no mundo e o substituímos pelo
modo ter, numa espécie de “recalque”. É preciso levar em conta, hoje em dia, que
grande parte dos alunos pensa e age de acordo com o “modo ter”, de olhos fixos no
que se espera que eles aprendam, sem lhes passar pela cabeça que se espera que
eles “criem algo novo”.

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De fato. O indivíduo de tipo ter sente-se até perturbado por novos pensamentos
ou ideias sobre um assunto, porque o que é original põe em questão o acervo fixo de
dados que ele possui. Na realidade, para aquele cuja principal forma de
relacionamento com o mundo é o ter, as ideias que não possam facilmente ser
enfeixadas (ou anotadas) são assustadoras – como tudo o mais que aumenta e se
transforma, e seja dessa maneira incontrolável. (FROMM, 1980, p. 47).
A única esperança que o autor vê para um mundo assim dominado pelo modo
ter é a alimentação de uma religiosidade explícita, consistente e saudável, à
semelhança do que propõe Émile Durkheim: a formação do caráter e da sociabilidade
rumo à solidariedade, liberdade, responsabilidade e cidadania.
Durkheim foi o primeiro popularizador da educação, entendida como “ciência
pedagógica”. Diferente do paradigma positivista, entretanto, ele lhe atribuiu um
estatuto essencialmente sociológico, ou seja, a educação é vista como parte da
formação da sociedade, cuja missão essencial é a formação do caráter para o bom
convívio em sociedade, ou seja, para a solidariedade. Inclusive a religiosidade, ainda
que vista como fenômeno universal, já que o sagrado é elemento essencialmente
humano, é visto como produto e parte da formação das civilizações.
Há controvérsias, se um humanismo radical, como o proposto por Fromm, e
moderado, com traços de empirismo, como o de Durkheim, concordaria com a pro-
posta contemporânea do retorno às discussões metafísicas e relativas à
transcendência. O fato é que enquanto alunos e professores, de todas as gerações e
contextos culturais, não aprenderem a se comunicar e compartilhar efetiva e
conscientemente suas visões de mundo, deixarão de se empenhar nesses campos,
em busca de mudanças reais e tenderão a tratar o mundo e os outros como coisas ou
máquinas que é mister controlar em proveito próprio, o que é o início do fim de
qualquer civilização humana.

APRENDENDO A ARGUMENTAR

Baseando-se em pequeno texto de uma autora britânica de contos policiais,


Dorothy Sayers, intitulado The Lost Tools of Learning [Os Instrumentos Perdidos da
Aprendizagem], Wilson (1991) alerta para a importância de serem recobradas as
ferramentas clássicas da educação, tais como a gramática, a retórica e a lógica, mas

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também outros conhecimentos naturais e matemáticos fundamentais, antes de se
abordar assuntos mais “disciplinares”. Trata-se das chamadas “Artes Liberais”,
divididas em trivium e quadrivium, que formavam a base constante do currículo desde
a educação da Antiguidade até a Contra-Reforma, embora de modo já bastante
desgastado. A autora de contos policiais e pensadora, Dorothy Sayers, num discurso
em Oxford, no ano de 1947, reconhecia a situação “sem saída” do professor moderno,
de quem se cobram coisas, antes atribuídas a outras instituições sociais, ao mesmo
tempo em que lhe tiraram os instrumentos didáticos elementares.
Nesse sentido, Benevides (2001) lembra que a argumentação é uma “ferra-
menta” ou arte fundamental para a formação, particularmente de valores, e que a
literatura tem um papel fundamental para o seu desenvolvimento: A didática dos
valores supõe, como já visto, a lógica da argumentação. Aqui é importante voltar ao
tema de Antonio Candido, quando insiste que “nas nossas sociedades a literatura tem
sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos,
sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a
sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas
manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega,
propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos
dialeticamente os problemas. Por isso é indispensável tanto a literatura sancionada
quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e a que nasce dos movimentos
de negação do estado de coisas predominante”. (p. 27).
No mencionado Dossiê da Educação do Instituto de Estudos Avançados da
USP (BOSI, 2001, p. 487), faz-se homenagem a vários pensadores eminentes na
cultura brasileira, como: João Guimarães Rosa, Machado de Assis e, o que achamos
o mais importante para nossos efeitos, Sérgio Buarque de Holanda, de quem se
observa: “Espírito universal, reputado por sua erudição, nosso autor assimilava a
cultura do mundo para aplicá-la ao país. E não é porque fosse brasileiro e estudasse
seu país que deixaria de escrever obras que se situam no mais alto patamar
cosmopolita: até nisso era democrático e popular.”
Sua maior arte foi articular literatura da mais alta qualidade com historio- grafia
e sociologia, procurando “no passado forças de transformação que permitissem
justamente emancipar-se dele”. (BOSI, 2001, p. 487).

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Sócrates e os filósofos peripatéticos, que estão na raiz de toda cultura e ciência
universal, usavam a argumentação dialógica e o estudo da literatura, através da
retórica, lógica, oratória ou mesmo da gramática, como ferramentas básicas de
construção do conhecimento. Sócrates demonstrava o valor que atribuía a essas
artes, também chamadas “liberais”, e seu domínio completo, através da sua
metodologia que mesclava ironia com maiêutica.
A comunicação entre mestre e aluno era tão intensa e interativa, que os
diálogos que teve com os seus alunos ficaram registrados para a posteridade, graças
ao seu discípulo Platão. Desde então, essa forma de registro e meio de ensino
argumentativo da filosofia foi praticada por diversos filósofos renomados, tais como:
Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, em suas Quaestio disputata, Hume, Paulo
Freire, e outros. E ainda há quem os defenda na atualidade.
1. Expressão muito usada por Paulo Freire para indicar uma educação pautada
pelo diálogo, interação e respeito ao outro como pessoa.
2. A ironia era a primeira fase da metodologia de Sócrates, que se pautava na
convicção de que ninguém aprende o que acha que já sabe e que é preciso fazer os
alunos se conscientizarem do que ignoram, assumindo a postura humilde do “só sei
que nada sei” e dando o exemplo dessa postura, fazendo perguntas. A segunda fase,
da maiêutica, que era o nome dado às parteiras, é o do auxílio e cuidado dado ao
aluno, depois do “choque” da concepção. Essa fase baseia-se na convicção de que a
aprendizagem é um processo insubstituível e de que o professor é um auxiliador nesse
processo.

Inspirada, quem sabe, em Aristóteles, Bowery (1999) associa a argumentação


à capacidade de fazer perguntas, a partir de textos filosóficos. Ela apresenta a
“pedagogia da pergunta” como alternativa não somente à abordagem de textos, mas
à metodologia mais utilizada nos EUA para o ensino da filosofia, que é a temática.
Essa metodologia tem certas vantagens, em termos de praticidade e comodidade para
o professor, mas ela pode vir a banalizar o conhecimento e a fazer os alunos perderem
o interesse e a oportunidade de realmente apreciarem um pensador ou um texto. Ela
explica melhor:
O que é a abordagem interrogativa da filosofia? Interrogar significa colocar
questões a respeito de alguém ou algo. Utilizar o método interrogativo no ensino da

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filosofia significa engajar-se na “arte de fazer perguntas” cruciais para facilitar a
abordagem do texto, tanto para os estudantes, quanto para os professores. O ensino
interrogativo da filosofia associa-se naturalmente com o ensino narrativo da filosofia
pois ambos são facilmente orientados para a questão fundamental: “Como a vida deve
ser vivida? (BOWERY, 1999, p. 45).
Por outro lado, a autora admite que certamente nem sempre a pergunta é o
melhor meio de ensino, e que a maioria dos professores sentirá dificuldades e
resistências internas contra esse recurso didático. É provável que muitos tenham
dificuldades em formulá-las, já que isso requer certa familiaridade com a filosofia e a
literatura. Aristóteles, que considerava mais difícil perguntar do que tentar responder,
dizia que toda boa filosofia começa com uma boa pergunta. Ainda assim, a autora
acredita que esse tipo de abordagem é um dos mais ricos e eficazes para o
aprendizado, particularmente de temas filosóficos.
Quem sabe a falta de capacidade de perguntar da parte de professores e
alunos seja uma das razões pelas quais os cursos de filosofia e certas abordagens
dos temas transversais, sugeridos pelos recentes Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) despertem tão pouco interesse hoje. Sem a argumentação e a
problematização, as aulas tornam-se, em sua maioria, pesadas e insossas; ou então,
por outro extremo, demasiadamente pragmáticas, contando com a apreciação de uma
minoria de alunos.
Quanto aos PCNs, a atual diretora da Faculdade de Educação da USP, My-
riam Krasilchik (apud Bosi, 2001), comenta:
Diretrizes, parâmetros, palavras que disfarçam enquadramentos, de múltiplas
gavetas onde temos de nos encaixar. A quem falta coragem, na verdade, de dizer:
“são programas, são obrigações que vocês têm que seguir?” [...] Há hoje um acervo
de conhecimentos que precisa ser usado para fundamentar a tomada de decisão,
refletindo valores, princípios, concepções teóricas de um governo, mas que não
podem prescindir da realidade que está sendo tratada ou que precisa ser interpretada
à luz dessas concepções. (p. 27).
Quem sabe a mesma insegurança que impede o professor de fazer perguntas
seja a razão da resistência contra a discussão das suas práticas de ensino-
aprendizagem, particularmente de temas filosóficos, que deveriam perpassar todas as
disciplinas. Suspeitamos que esse seja um dos fatores que faça com que cursos

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fundamentais para o bem-estar da humanidade, como o de Administração, Direito e
Medicina, deem tão pouco espaço para a filosofia ou, mais especificamente, para
aética ou a literatura.
Além de aprender a argumentar através da pergunta, Celso F. Favaretto (1993)
frisa que o professor de filosofia deve se desiludir do desejo de transmitir ao aluno um
“corpo fechado de conhecimentos”, aprendendo a posicionar-se a partir do lugar de
onde está falando.
Como se diz nos PCNs de ética:
A própria função da escola – transmissão do saber – levanta questões éticas.
Para que e a quem servem o saber, os diversos conhecimentos científicos, as várias
tecnologias? É necessário refletir sobre essa pergunta. Além do mais, sabe-se que
um conhecimento totalmente neutro não existe. É, portanto, necessário pensar sobre
sua produção e divulgação. O ato de estudar também envolve questões valorativas.
Afinal, para que se estuda? Apenas na perspectiva de se garantir certo nível material
de vida? Tal objetivo realmente existe, porém, estudar também é exercício da
cidadania: é por meio dos diversos saberes que se participa do mundo do trabalho,
das variadas instituições, da vida cotidiana, articulando-se o bem-estar próprio com o
bem-estar de todos. As relações sociais internas à escola são pautadas em valores
morais. Como devo agir com meu aluno, com meu professor, com meu colega? Eis
questões básicas do cotidiano escolar.
Trata-se basicamente, então, de uma questão do relacionamento e da
comunicação, de saber ouvir, que é a expectativa de quem pergunta, como fica claro
também no clássico O Mestre, de Santo Agostinho. A pergunta implica ainda saber
administrar as palavras, o tempo e a profundidade adequados ao interlocutor e a saber
articular a teoria à experiência e ao imaginário do aluno, sem recair no pragmatismo.
Em sua reflexão a respeito desse texto, Favaretto (1993, p. 102) conclui: “O ensino
torna-se, assim, processo de constituição do espaço de encontro dos signos,
possibilitando que o aprender se desenvolva pela exploração do atrito da linguagem
na experiência.”
Acreditamos que isso se aplica ao professor de qualquer disciplina e é
precisamente isso que procuram fazer os grandes mestres da filosofia. Então, a
questão central que se coloca neste texto é: o que podemos e até devemos conservar
das práticas de ensino esquecidas, e tão eficazes tanto para a comunicação, quanto

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para a aprendizagem? O que é mister mudar nelas para darem conta de temas
filosóficos, cujo lugar está hoje em parte transferido para os chamados “Temas
transversais”? Ao que tudo indica, estamos sendo de tal maneira esquecidos das
ferramentas clássicas para a transversalidade e transcendência, que muitas vezes
deixamos de lembrar sequer que exista tal “coisa” chamada filosofia. E
particularmente a ética, que é disciplina essencial da filosofia, está correndo o risco
de ser vitimada pelo espírito do materialismo e pelo relativismo moral predominante.
Combater esse perigo de alienação da reflexão filosófica é um dos objetivos
implícitos em um debate com Paulo Freire, que acabou sendo transformado num livro,
intitulado Por uma pedagogia da pergunta (1985, p. 23). Quando perguntam a Paulo
Freire, o que é “ser ou não ser exilado”, ele que sugere essa pergunta deveria ser
formulada de forma “dialogada” para ser mais eficaz na mediação de importantes
vivências e valores humanos, destacando que “o interessante do diálogo é que ele
está carregado não só de intelectualidade, mas também de emoção da própria vida”.

APRENDENDO A DIALOGAR

Então, não se trata de fazer qualquer pergunta, é preciso que ela seja
“dialogada”. O diálogo é utilizado como método de aprendizagem da filosofia desde
os gregos antigos, consagrado pelas obras de Platão. E a Idade Média não ignorou
esse legado, que foi resgatado através de figuras como Santo Agostinho, São Tomás
de Aquino, Pedro Alfonsus e até, mais para perto da Reforma, por Comênio. Em seu
artigo sobre a “Pedagogia Lúdica”, Luiz Jean Lauand cita um diálogo medieval, bem-
humorado, entre um mestre e seu aluno, em que se afirma que essa metodologia
servia para falar de assuntos dos mais complexos:
No diálogo de Alcuíno e Pepino, a sequência de adivinhas começa quando o
menino pergunta: “O que é a fé?” (fala 165). Ao que o mestre responde: “A certeza
das coisas não sabidas e admiráveis”. Ora, admirável (mirum) é precisamente um
termo para designar adivinha: as adivinhas servem de modelo para a fé. Tanto num,
como noutro caso, temos já uma revelação mas não ainda a luz total, que só vem
quando o enigma é resolvido e, no caso da fé, com a visio beatifica (a ligação dos
enigmas com a fé remonta ao apóstolo Paulo, ao Pseudo-Dionísio Areopagita etc.)
Petrus Alfonsus usa suas anedotas para a formação do clero e tira consequências

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espirituais delas. Assim, a anedota da venda das ovelhas, é utilizada para ilustrar a
máxima religiosa: “As riquezas deste mundo são transitórias como os sonhos de um
homem que dorme e que, ao despertar, perde, irremediavelmente, tudo quanto
tinha...” (2000, p. 23).
E o diálogo tem precisamente essa característica de despertar o leitor para as
riquezas fugidias, os insights da vida humana. Além dessa característica intuitiva e
pessoal, o diálogo apresenta ainda a vantagem do lastro da tradição. Não é por menos
que esse foi um meio didático-pedagógico privilegiado por grandes mestres da história
como Sócrates, Platão, Agostinho, Jesus Cristo, etc., para a aprendizagem do
filosofar.
Em seu Novo dicionário da Língua Portuguesa, Aurélio B. de Holanda Ferreira
(s.d, p. 473) conceitua “dialogar” como sendo, entre outras coisas: “Travar ou manter
entendimento [...] com vistas à solução de problemas comuns; entender-se;
comunicar-se.” “Diálogo”, por sua vez, quer dizer “troca ou discussão de ideias” com
a mesma finalidade. E essa prática não parece estar presente em certas concepções
“críticas” da educação que se encontram impregnadas nos meios filosófico-
pedagógicos, que tendem a atitudes fundamentalmente denunciatórias e
reducionistas, que pouco contribuem para a melhoria do estado atual das coisas na
educação. O diálogo verdadeiro certamente precisa partir do diagnóstico dos
problemas do aqui e agora. É preciso lembrar, por outro lado, que não basta denunciar
e “desmistificar” situações que consideramos distorcidas e injustas: violência na es-
cola, crise de valores, indisciplina, dificuldades materiais e cognitivas.
Já na sua época, Kant reconhecia esses problemas, que são, na realidade,
universais da educação, localizando-os na segunda fase da mesma, que segue à do
cuidado, como tão bem-explicita Oliveira (2006). A disciplina por seu turno prepara o
caminho para a parte positiva da educação que é a formação (Bildung) ou a cultura
(Kultur). Este modo de se referir à disciplina e à cultura como negativa e positiva é
uma distinção que ocorre em todos os lugares nos escritos de Kant. Por exemplo, na
Crítica da razão pura ele afirma:
A compulsão pela qual a tendência constante para desobedecer certas regras
é reprimida e finalmente extirpada é chamada de disciplina. Ela é distinta da cultura,
que deve dar meramente um tipo de habilidade, sem cancelar qualquer outra
habilidade já presente. Para a formação (Bildung) de um talento, o qual já possui em

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si próprio o impulso para se manifestar, a disciplina oferecerá, portanto, uma
contribuição negativa: a cultura e a doutrina (Doktrin) uma contribuição positiva. (A
709/B 737 – A 710/B738).
Analisando a obra do filósofo, Oliveira entende que os dois termos gerais
“Bildung” e “Kultur” são usados como sinônimos por Kant, e incluem dentro deles uma
variedade de processos mais específicos tais como a instrução (Unterweisung) (441),
o ensino (Belehrung) (449) e a orientação (Anführung) (452). É também importante
lembrar que “cultura”, como os outros estágios da educação, é frequentemente
utilizado por Kant num duplo sentido: às vezes esse termo se refere à formação geral
da humanidade para além da animalidade na raça humana como um todo. Às vezes,
esse termo se refere a processos educacionais mais específicos dirigidos a grupos
particulares assim como a indivíduos.
Mais adiante, o autor resume a filosofia educacional de Kant nos seguintes
termos:
A educação prática, no seu sentido amplo, possui três partes: “1) a formação
mecânico-escolástica em relação à habilitação; 2) a formação pragmática concernindo
à prudência; 3) a formação moral que concerne à ética” (455). Essas três partes da
educação prática “mapeiam” os três estágios – cultura, civilização e moralização –
dentro da história humana (Cf. Antropologia 324) assim como “mapeiam” os três tipos
de imperativos – técnico, pragmático e moral – analisados na Fundamentação e em
outros textos. Mas a teleologia interna dessas três partes inter-relacionadas injeta uma
forte dimensão normativa a cada uma. Todas as partes da educação visam
basicamente à moralização, mesmo que os participantes individuais agindo em um
nível pré-moral de cultura e civilização estejam frequentemente desapercebidos deste
objetivo maior. O plano da natureza é “a perfeição do ser humano através da cultura
progressiva” (Antropologia 322) e na maior parte do tempo nós somos participantes
inconscientes desse plano. (OLIVEIRA, 2006, p. 35).
Embora Kant não esmiuçasse uma “didática de ética” específica, sua filosofia
prática incluía a possibilidade de ensino da ética, posta em dúvida por alguns filósofos
modernos e pós-modernos, sugerindo uma metodologia, primeiro, do exemplo, e
segundo, da pergunta dialógica:
O método erotemático é, por sua vez, subdividido no “modo dialógico de
ensino” e no “modo catequético de ensino”. No modo dialógico, o professor questiona

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a razão do estudante, e no modo catequético, o professor meramente questiona a
memória do estudante” (Metafísica dos Costumes 478). Os métodos catequéticos e
dialógicos também são frequentemente discutidos em várias preleções de lógica mas
eles têm um emprego especial em ética. O método catequético envolve mero “trabalho
de memória” no qual o estudante recita pensamentos que não são ainda os seus
próprios, mas com o método dialógico ou o modo Socrático de ensinar, o professor e
o estudante, alternam perguntas e respostas entre si. De um modo alternativo, com o
método socrático “o estudante questiona o professor (que de fato ainda é um
estudante). (OLIVEIRA, 2006, p. 27).
Kant defendia ainda um determinado “catecismo moral”, pelo qual certa- mente
não seria aceito nos meios educacionais contemporâneos.
Mas o que certamente seria aceito e foi reiterado por educadores
contemporâneos como Paulo Freire é que é a necessidade de uma filosofia prática e
dos costumes, que ponha em ação, ou, em sentido filosófico mais técnico, ponha em
ato ou realize o que Paul Ricoeur fazia na sua crítica literária e que denominou
“círculo- hermenêutico”. Depois de uma aproximação aberta, quase ingênua do texto,
é preciso confrontá-lo com a realidade em busca do sentido verdadeiro para além dos
reflexos do desgaste e da corrupção a que estão sujeitas as coisas, para reconstruí-
lo através do que Paulo Freire chamou “práxis libertadora”.
Nesse sentido, ninguém melhor do que Paulo Freire para elucidar o conceito
de diálogo. Para ele, longe de representar algum combate entre titãs intelectuais com
complexo de superioridade acadêmica, “diálogo” nada mais é do que “conversar”,
assumindo todos os riscos envolvidos nessa prática.
E ao fazê-lo, estamos aceitando, responsavelmente, nos expor a uma
experiência significativa: a de um trabalho em comunhão. Isto não significa, porém,
de maneira nenhuma, que um tal empenho negue ou anule o que seja marcadamente
meu e teu, enquanto expressão mais profunda de nós, no produto final e comum. Este
fazer em comunhão, esta experiência dialógica me interessam enormemente. (1985,
p. 10-11).
Em seguida, Paulo Freire sustenta de forma convincente que o que há de tão
rico no diálogo encontra-se precisamente no seu estilo, pautado pela oralidade, que o
torna leve e saboroso, mas ao mesmo tempo, também, aplica rigor à investigação da
realidade:

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É importante, contudo, sublinhar que a vivacidade do discurso, a leveza da
oralidade, a espontaneidade do diálogo, em si mesmos, não sacrificam em nada a
seriedade da obra ou a sua necessária rigorosidade. Há quem pense ingenuamente
que o rigor da análise só existe quando alguém se fecha em quatro paredes, por trás
de uma porta bem segura, fechada com enorme chave. Só aí, na intimidade silenciosa
dos livros ou laboratórios, seria possível a seriedade científica. Não, eu acho que aqui,
fechados, mas ao mesmo tempo abertos para o mundo, inclusive ao da natureza que
circunda o seu escritório, podemos fazer e estamos fazendo algo sério e algo rigoroso.
O estilo é diferente, enquanto oral. É mais leve, mais afetivo, mais livre.(1985, p. 11).
Numa das suas últimas coletâneas, Pedagogia dos sonhos possíveis, Paulo
Freire nos brinda com um diálogo mantido com os alunos de uma escola, a respeito
da importância da literatura. As crianças mostram ter maior consciência do que os
adultos sobre o assunto. Não é para menos que elas gostem tanto de ouvir histórias.
E contá-las é uma arte que também está em extinção no mundo de hoje.

APRENDENDO A NARRAR

Um instrumento pedagógico muito aproveitado pelos professores para tratar de


temas filosóficos é o do imaginário popular dos contos, mitos e lendas. Uma das
vantagens desse tipo de literatura é que, ao mesmo tempo em que ele causa um tipo
de distanciamento e estranhamento, simula o mesmo tipo de dinamismo necessário
para o “filosofar”. A estrutura dos contos clássicos é semelhante:
1. identificação de um problema concreto;
2. análise e observação mais profunda da realidade envolvida;
3. transcendência dessa realidade, com auxílio de um elemento mágico;
4. volta ao mundo do “aqui e agora” com a solução para o problema.
Grandes pensadores como Sartre (1984, p. 127) reconheceram nos contos,
principalmente os fantasiosos, grande potencial, maior quem sabe, do que a reflexão
filosófica, para o ensino da moral, como sugere esse trecho de sua “autobiografia
literária”: “Não é o herói quem quer; nem a coragem, nem o dom bastam, é mister que
haja hidras e dragões.”
Embora normalmente a solução dos problemas filosóficos representasse, na
verdade, um novo problema ou questão filosófica, isso não nos isenta de fazermos

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tentativas de resposta provisória, como as sugeridas por grandes pensadores como
Ricoeur e Paulo Freire (2001, 203) e, a menos que queiramos não passar de meros
“espectadores” da vida. “A educação que se vive na escola não é a chave das
transformações do mundo, mas as transformações implicam educação. É neste
sentido que sempre digo: a força da educação está na fraqueza; não podendo tudo,
pode alguma coisa.” (FREIRE, 2001, p. 203).
Os autores de uma coletânea, dedicada à abordagem e didática dos contos
populares em sala de aula, além das importantes distinções e esclarecimentos sobre
a função social dos contos e sua origem, que é análoga à da própria filosofia, apontam
para uma razão de ser puramente educacional:
Os contos populares fazem parte de uma literatura originalmente oral, viva e
sonora, destinada a um auditório que não sabia ler, mas que determinava a técnica
da exposição da própria narrativa: exposição simples, que segue a sequência lógica,
sem pormenor que demore ou que não seja indispensável. Raramente se abandona
a ação principal pela secundária. O que conta é a ação dramática. Não há descrições
particularizantes. Prende- se ao imaginário ou à memória coletiva, que serve de
repertório comum ao maior número de ouvintes. (BRANDÃO, 2000, p. 85-86).
Assim, os contos funcionam como meio de comunicação entre pessoas de um
mesmo auditório e, possivelmente, de uma mesma cultura. Dessa forma, eles
permitem uma identificação do ouvinte com o conteúdo, concretizando temas
existenciais como a morte, o medo do desconhecido, o amor, e tornando-se
facilitadores da aprendizagem. Isso vale particularmente para a aprendizagem de
valores, fazendo-a tornar-se muito mais vivencial e significativa e menos formal, ainda
mais, se considerarmos a realidade multicultural brasileira:
Deve-se enfatizar o caráter essencialmente oral dessas narrativas em que
predomina o uso do registro informal [...] É fundamental que o professor perceba a
importância de se trabalhar também com esse tipo de texto na sala de aula, pois
vivendo num país de várias etnias e num contexto em que as distâncias e os espaços
que separam os povos encurtaram, a convivência com o multicultural se impõe. E
também porque, nas palavras de Mindlin, as culturas se equivalem. É na diferença e
na pluralidade que se encontra o sentido de humanidade. Sentido que ultrapassa os
limites estreitos e perigosos do etnocentrismo. (BRANDÃO, 2000, p. 82).

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Por outro lado, além de ajudar a superar idiossincrasias e a dinamizar o
conteúdo, esse tipo de literatura permite também apreender o outro lado da filosofia
da mudança e da transformação, que é o da permanência e continuidade. De certa
forma, os contos provocam uma ruptura com o aqui e agora, apontando uma abertura
para o cosmo, o todo, através do vislumbre de “outros mundos”, convidando, ao
mesmo tempo, para uma atuação local: “Os contos conservam, basicamente, os
“motivos” dos relatos tradicionais, modificando-os ou enriquecendo-os com inovações,
provindas das peculiaridades regionais das diferentes comunidades por onde são
transmitidos de geração a geração pelos narradores locais ou estrangeiros.”
(GUIMARÃES apud BRANDÃO, 2000, p. 90).
Por sua estrutura altamente dinâmica, os contos funcionam como uma espécie
de catalisadores extremamente eficientes ou elementos motivadores de debates
profundos sobre questões essenciais da filosofia e da busca de respostas para os
mesmos. Isso se aplica particularmente à literatura de cordel, como destaca Brandão:
Nesse contexto, a narrativa oral, que tem suas origens nos narradores e
narrativas medievais, também sofre suas alterações. Com a imprensa e o romance,
há uma transfiguração dessa arte popular, que passa a ser literatura, passa a ser
impressa. No caso particular do cordel, há praticamente a transposição do oral para o
escrito. Em termos atuais, pode-se dizer que o cordel mantém, enquanto narrativa,
algumas características de origem, como a função social educativa, de ensinamento,
aconselhamento, e não apenas entretenimento ou fruição individual. Tem também um
sentido agregador, na medida em que, no momento de comercialização – integração
à produção industrial –, são contados oralmente trechos de histórias para grupos de
ouvintes [...] Constitui-se em um gênero intermediário entre a oralidade e a escrita.
Faz uma espécie de ponte de passagem entre uma cultura popular e outra, literária.
Por isso, mantém algumas pistas da oralidade ao ser transposto para o texto escrito
e impresso. Em termos de dialogicidade, pode-se dizer que as histórias são contadas
e recontadas e que o sujeito-narrador dialoga com o já produzido na medida em que
reelabora o que ouviu e acrescenta sua contribuição própria – dados da experiência,
“visão-de-mundo” e formação cultural geral. (2000, p. 120).
Graças a esse potencial, os contos, os mitos e as lendas, foram considerados
meios didáticos suficientes, ao lado das mencionadas Artes Liberais, para a formação
global do ser humano, no período áureo do ideal da Paidéia grega, utopia essa que

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se manteve em mira até a Idade Média, ao fim da qual, infelizmente, foi reduzida ao
conceito de educação ou até de pedagogia. A razão para o desgaste desses
conceitos, bem como os da própria filosofia e da ética é a tendência da cultura
moderna industrializada à retificação e ao materialismo, como vimos anteriormente.

APRENDENDO A SER

De acordo com um eminente filósofo e teólogo alemão, Josef Pieper, o máximo


do ser é a virtude. Ser virtuoso, por sua vez, significa, simplesmente, buscar o máximo
de si enquanto pessoa. Nesse contexto, ele resgata os conceitos fundamentais da
ética clássica, “ética das virtudes” ou “ética dos valores”.
Ela se resume a quatro princípios básicos, ou seja, às chamadas “virtudes
cardeais”, que são a sabedoria ou prudência, ou “ver as coisas como elas são”; a
justiça, ou “dar ao outro o que lhe é devido”; a moderação, que é o “resistir à tendência
ao caos e à autodestruição”; e à fortaleza, que é a força do mais fraco, perseverança
ou persistência.
A virtude, lembra Ferreira (s/d., p. 1.478), é a “disposição firme e constante para
a prática do bem; boa qualidade moral; força moral; valor; ato virtuoso; castidade,
pureza; modo austero de vida”. Tudo isso certamente é válido e nos lembra a conduta
moral que também se encontra intimamente associada à ética. Por outro lado, Pieper
(1999) defende um conceito um pouco mais amplo de virtude, que transcende o
âmbito comportamental, resgatando um sentido que mais nos interessa aqui, ainda
que seja o mais remoto e esquecido: “Qualidade própria para que se produzam certos
efeitos, característica, propriedade”. Ou seja, a primeira ordem para quem deseja ser,
já foi formulada por Píndaro na Antiguidade: “Torna-te aquilo que tu és.”
Ninguém melhor do que Pieper (1999) para elucidar esse conceito: “Virtude,
também esta é uma palavra fora de moda. Mas virtude significa o mesmo que ‘estar
certo enquanto homem’, por exemplo: ser justo, forte, administrar na medida certa os
próprios impulsos vitais.”
Luiz Jean Lauand elucida esse conceito de moral, a partir da filosofia do brincar,
nos seguintes termos:
A moral é o ser do homem, doutrina sobre o que o homem é e está chamado a
ser. A moral é um processo de auto-realização do homem; um processo levado a cabo

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livre e responsavelmente e que incide sobre o nível mais fundamental, o do ser-
homem: “Quando, porém, se trata da moral, a ação humana é vista como afetando
não a um aspecto particular, mas à totalidade do ser do homem... ela diz respeito ao
que se é enquanto homem” (I-II, 21, 2 ad 2). A moral, assim entendida, pressupõe
conhecimento sobre a natureza humana (e, em última instância, a Deus, como seu
autor). A forma imperativa dos mandamentos (“Farás x...”, “Não farás y...”), na
verdade, expressa enunciados sobre a natureza humana:“O homem é um ser tal que
sua realização requer x e é incompatível com y.” E numa sentença só à primeira vista
surpreendente: “As virtudes nos aperfeiçoam para que possamos seguir devidamente
nossas inclinações naturais.” (LAUAND, 2000, p. 25).
Essa antropologia filosófica, fundada em São Tomás de Aquino, não está
meramente interessada no bem-estar do ser humano, na medida em que se torna
humano, como Fromm e tantos outros o entenderam, mas numa espécie de “Lei
Natural”, como a formulava o pensador e crítico literário britânico, C. S. Lewis que, à
semelhança de Fromm, mas de uma perspectiva bem diferente da humanista e
autônoma, estabelece dois pontos acerca da moralidade do homem:
Primeiro: que os seres humanos, em todo o mundo, sabem que devem
comportar-se duma certa maneira, e que não podem livrar-se dessa situação.
Segundo: que eles na realidade não se comportam daquela maneira. Conhecem a Lei
da Natureza, e a infringem. Estes dois fatos são a base de toda a reflexão quanto a
nós mesmos e quanto ao universo em que vivemos. (1995, p. 4).
Em seguida ele estabelece uma diferença entre Lei Natural e instintos, que
seriam as teclas de um instrumento, enquanto a primeira seria a pauta, que traz a
harmonia. Também não se trata, necessariamente, de alguma imposição social, já
que aprendemos praticamente tudo o que sabemos dos pais e do meio social, como
a matemática e as ciências, sem que elas necessariamente tenham sido “impostas” à
força. O que toda aprendizagem requer é a confiança na autoridade do educador, que
não quer dizer autoritarismo e não se contradiz com igualdade e liberdade.
Nesse sentido, ser virtuoso é desenvolver as características próprias do bom
caráter, como destacam Fromm e Durkheim, e os valores, como se frisa no próprio
texto dos PCNs de temas transversais. Não se trata absolutamente de adotar um
comportamento que pareça estranho, inédito ou diferente do procedimento normal,
mas, pelo contrário, é agir da forma mais coerente e co-natural ao seu próprio ser

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verdadeiro, é desenvolver o máximo de si, é ceder à atração natural exercida pelo
bem, é buscar a excelência.

“A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA PARA EDUCAÇÃO”

O QUE É FILOSOFIA

A filosofia trata da realidade não a partir de recortes, mas do ponto de vista da


totalidade. A visão da filosofia é de conjunto, de entendimento do problema, não de
modo parcial mas relacionando cada aspecto observado outros do contexto em que
está inserido (CUNHA,1992).
A Filosofia não faz juízos de realidade, como a ciência, mas juízos de valor. Isto
significa que filosofar é ir além do que é, é buscar entender como deveria ser, julgar o
valor da ação, ir em busca do significado Filosofia propriamente surge quando um
pensar torna-se objeto de uma reflexão (CUNHA,1992).
Podemos então conceituar a filosofia como uma reflexão sobre os problemas
que a realidade apresenta.
“a filosofia não é, de modo algum, uma simples abstração independente da
vida. Ao contrário ela é a própria manifestação humana e sua mais alta expressão(...)A
filosofia traduz o sentir, o pensar e o agir do homem. Evidentemente, o homem não
se alimenta da filosofia, mas sem dúvida nenhuma, com a ajuda da filosofia”
(BRANGATTI,1993).
Este ramo do conhecimento que pode ser caracterizado de três modos: seja
pelos conteúdos ou temas tratados, seja pela função que exerce na cultura, seja pela
forma como trata tais temas. Com relação aos conteúdos, contemporaneamente, a
Filosofia trata de conceitos como o bem, beleza, justiça, verdade. Mas, nem sempre
a Filosofia tratou de temas selecionados, como os indicados acima. Inicialmente, na
Grécia, a Filosofia tratava de todos os temas, já que até o séc. XIX não havia uma
separação entre ciência e filosofia, incorporava todo o saber. No entanto, a Filosofia
inaugurou um modo novo de tratamento dos temas a que passa a se dedicar,
determinando uma mudança na forma de conhecimento do mundo até então vigente
(ARANHA, 1996).

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A filosofia em sua trajetória histórica procura resposta as questões percebidas
e a cada época são respondidas a partir de diferentes reflexões que constituem
correntes ou escolas de pensamentos.
Platão (427-347a.C) e Aristóteles (384-322 a.C) deram à filosofia uma de suas
melhores definições. Eles viram a filosofia como um discurso admirado e espantado
com o mundo. A filosofia faz, na concepção tradicional que aparece em Platão e
Aristóteles, ou seja, põe certas perguntas que nos obrigam a olhar o banal como não
mais banal.
A filosofia, então, é o vocabulário com o qual desbanalizamos o banal. Tudo
com o qual estamos acostumados torna-se motivo para uma suspeita, tudo que é
corriqueiro fica sob o crivo de uma sentença indignada, e então deixamos de nos
aceitar como acostumados com as coisas que até então estão estávamos
acostumados.
A maioria das definições de filosofia são razoavelmente controversas, em
particular quando são interessantes ou profundas. Esta situação deve-se em parte ao
fato de a filosofia ter alterado de forma radical o seu âmbito no decurso da história e
de muitas das investigações nela originalmente incluídas terem sido mais tarde
excluídas (ARANHA, 1996).
Uma definição é que a filosofia consiste em pensar sobre o pensamento. Isto
permite-nos sublinhar o caráter de segunda ordem da disciplina e tratá-la como uma
reflexão sobre gêneros particulares de pensamento — formação de crenças e de
conhecimento — sobre o mundo ou porções significativas do mundo (ARANHA,1996).
Uma definição mais pormenorizada, mas ainda assim incontroversa e
abrangente, é que a filosofia consiste em pensar racional e criticamente, de modo
mais ou menos sistemático sobre a natureza do mundo em geral (metafísica ou teoria
da existência), a justificação de crenças (epistemologia ou teoria do conhecimento), e
a conduta de vida a adaptar (ética ou teoria dos valores). Cada um dos três elementos
listados possui uma contraparte não filosófica, da qual se distingue pelo seu modo de
proceder explicitamente racional e crítico e pela sua natureza sistemática. Todos nós
temos uma concepção geral sobre a natureza do mundo em que vivemos e do lugar
que nele ocupamos. A metafísica interroga-se sobre os pressupostos que sustentam
acriticamente estas concepções recorrendo a um conjunto organizado de crenças
(ARANHA, 1996).

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Conforme Chauí (1985) ocasionalmente, duvidamos e questionamos crenças,
não só as nossas como as alheias, e fazemos com mais ou menos sucesso sem
possuirmos uma teoria acerca do que fazemos”. Também orientamos as ações com
vista a objetivos e fins que valorizamos. A ética, ou filosofia moral, no sentido mais
inclusivo, pretende articular, de uma forma racional e sistemática, as regras ou
princípios subjacentes. (Na prática, a ética tem-se restringido aos aspectos morais da
conduta e, em geral, tem tendência para ignorar a maioria das ações que praticamos
em virtude de critérios de eficiência ou prudência, como se fossem demasiado básicos
para justificarem um exame racional).
Os primeiros filósofos reconhecidos, os pré-socráticos, eram sobretudo
metafísicos preocupados em estabelecer as características essenciais da natureza no
seu todo. Platão e Aristóteles escreveram penetrantemente sobre metafísica e ética;
Platão sobre o conhecimento; Aristóteles sobre lógica (dedutiva), a técnica mais
rigorosa para justificar crenças; estabeleceu as suas regras de uma forma sistemática
e manteve intacta a sua autoridade durante mais de 2000 anos. Na Idade Média, ao
serviço do cristianismo, a filosofia apoiou-se primeiramente na metafísica de Platão, e
em seguida na de Aristóteles, com o propósito de defender crenças religiosas. No
Renascimento, a liberdade de especulação metafísica ressurgiu; na sua fase tardia,
com Bacon e, de um modo mais influente com Descartes e Locke, dirigiu-se para a
epistemologia com o objetivo de ratificar e, tanto quanto possível, acomodar a religião
e os novos desenvolvimentos das ciências naturais (CUNHA,1992).
Boa parte da filosofia volta-se mais para o modo pelo qual conhecemos as
coisas do que propriamente para as coisas que conhecemos, sendo essa uma
segunda razão pela qual a filosofia parece carecer de conteúdo. No entanto,
discussões a respeito de um critério definitivo de verdade podem determinar, na
medida em que recomendam a aplicação de um dado critério, quais as proposições
que na prática deliberamos serem verdadeiras. As discussões filosóficas da teoria do
conhecimento têm exercido, ainda que de modo indireto, importante efeito sobre as
ciências (CUNHA,1992).
Diferentes partes da filosofia, e diferentes elementos que compõem nossa visão
de mundo, deveriam integrar-se. Sendo assim, conceitos à primeira vista muito
distanciados podem vir a afetar de modo vital outros conceitos que envolvem mais de
perto a vida diária.

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A filosofia merece ser valorizada por si própria, e não por seus efeitos indiretos
de ordem prática. E a melhor maneira de assegurarmos esses bons efeitos práticos é
nos dedicarmos em encontrar a verdade, buscando-la desinteressadamente.

A TRANSFORMAÇÃO DO HOMEM ATRAVÉS DA FILOSOFIA

O homem é um ser que interroga a vida, e deve interrogá-la continuamente. O


modo de perguntar difere de homem para homem, mas o próprio enigma sempre
permanece. A resposta do homem ocorre dentro de um determinado contexto histórico
(HUSSERL,1965).
Para Aristóteles (384-322 a C.), “todos os homens desejam naturalmente saber.
Muitos, contudo, se perdem nesta tarefa ao longo da vida, talvez por desconhecerem
um caminho”.
É preciso buscar conceituar a filosofia de forma simples e existencial,
compreender o que ela é, e verificar o seu significado para a vida humana. A filosofia
está associada tanto ao saber teórico quanto à sabedoria prática. De fato, o sucesso
da filosofia teórica não nos oferece qualquer garantia de que seremos filósofos no
sentido prático ou de que agiremos e sentiremos de modo correto sempre que nos
envolvermos em determinadas situações práticas. A filosofia se manifesta como uma
forma de entendimento que tanto propicia a compreensão de sua existência, em
termos de significado, como oferece um direcionamento para sua ação. A filosofia é o
campo de entendimento que, quando nos apropriamos dele. O ato de filosofar não é
unicamente um processo individual, mas também um processo que possui uma
contrapartida social.
Ao colocar-se na posição de que o homem, ser da natureza, constitui entre
muitos outros cósmicos, físicos, biológicos, um agente da transformação do universo,
a filosofia situou na experiência de campo e processo dessas contínuas
metamorfoses.
Não agimos por agir. Agimos por certa finalidade, que pode ser mais ampla ou
restrita; as finalidades mais amplas são aquelas que se referem ao sentido da
existência, busca o bem da sociedade, lutar pela emancipação dos oprimidos, e assim
por diante. Isso porque e certo que a vida só tem sentido se vivido em função de
valores dignos e dignificantes (HUSSERL,1965).

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Todos têm uma forma de compreender o mundo, ninguém age no escuro, sem
saber onde vai ou porque vai. Só se pode agir a partir de um esclarecimento do mundo
e de uma realidade. Todos vivem de uma concepção do mundo, agem e se comportam
de acordo com uma significação inconsciente que emprestam a vida. E neste sentido
que podemos dizer que todo homem e filósofo.
Todos temos uma filosofia de vida, ou seja, nos orientamos por valores
implícitos (inconsciente) ou explícitos (conscientes). De acordo com Husserl (1965)
”quando falamos em filosofia de vida queremos dizer que esse direcionamento diário
inconsciente pode ocorrer da massificação, do senso comum, que adquirimos e
acumulamos espontaneamente”.
Não é possível viver sem pensar, uma das características do homem e a
necessidade, de não só conhecer a natureza a fim de poder transformá-la pelo
trabalho, mas a necessidade de compreender-se a si mesmo.
Não há, portanto, vida humana consciente de si mesma sem reflexão filosófica,
sem reflexão crítica sobre o real, considerado em sua totalidade.
A filosofia vai coincidir com que se chama de processo de consciência ou
conscientização, tanto no sentido do tempo como no julgamento (Reflexão Crítica).
Não existe um modelo de homem, é impossível existir um homem padrão, um
modelo que todos deveriam seguir à risca. O que existe é uma condição humana que
resulta do conjunto das relações humana, de sua vocação como homem.
Este último ponto é importante, pois afasta qualquer tentativa de estabelecer a
existência de uma natureza humana fixa e imutável, ou de estabelecer distinções entre
os homens com base em qualquer aspecto extrínseco, como a raça, a cor, ou religião
(HUSSERL,1965).
O homem, como os outros seres vivos, também se esforça para se preservar,
numa das coisas que difere dos outros organismos é que produz os meios para sua
existência, reorganizando e modificando os recursos naturais disponíveis. Age dirigido
por finalidades conscientes, para responder aos desafios da natureza e para luar pela
sobrevivência.
O homem, ao colocar-se no mundo, estabelece uma ligação entre o sujeito que
quer conhecer e o objeto a ser conhecido. O sujeito se transforma mediante o novo
saber e o objeto também se transforma, pois, o conhecimento lhe dá sentido (COTRIN,
1993).

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O homem é um agente transformador da natureza, e a natureza é o resultado
dessa transformação. Ao atuar através de sua atividade produtiva sob a natureza, pelo
trabalho cuidando de prover sua existência mediante a apropriação e incorporação
dos recursos naturais transformados, o homem não estabelece apenas relações
individuais com a natureza. Ao mesmo tempo em que estabelece relações técnicas
de produção, vai instaurando relações inter- individuais, relações com os outros
homens. Cria a estrutura social segundo Cotrin (1993).
O homem se descobre e se afirma no mundo, não como um mero objeto
integrante da realidade total, mas como sujeito no qual essa realidade se transfigura.
Ao interpretar e transformar a realidade, o homem se encontra com outros seres
humanos envolvidos na mesma tarefa, é o que chamamos de confronto com outros
sujeitos.
Na medida em que alguém fala e acolhe a palavra do outro realiza o
reconhecimento mais profundo outro como sujeito. No instante em que o homem
reconhece o outro e com ele dialoga em busca de um sentido para o mundo para a
existência, nasce à história.
Dar um sentido ao mundo no diálogo das consciências, é existir plenamente
como homem e, portanto, existir plenamente como sujeito do processo histórico
(HUSSERL,1965).
Na medida de nossas forças, construímos, uma filosofia e a ela nos
acomodamos, tão bem como tão mal, em nossa ânsia e inquietação de compreender
e de pacificar o espírito. Quando a ciência vai refazendo o mundo e a onda de
transformação alcança as peças mais delicadas da existência humana, só quem vive
à margem da vida, sem interesse e sem paixões, sem amores e sem ódios, pode julgar
que dispensa uma filosofia. Só com uma vida profundamente superficial podemos não
sentir as solicitações diversas e antagônicas das diferentes fases do conhecimento
humano, e os conflitos e perplexidades atordoantes da hora presente.
Aprender concepções e verdades que engessam o processo de ação e reflexão
diante do mundo e de sua própria existência, é desta que filosofia transforma o
homem.
Contudo, boa parte da filosofia volta-se mais para o modo pelo qual
conhecemos as coisas do que propriamente para as coisas que conhecemos, sendo
essa uma segunda razão pela qual a filosofia parece carecer de conteúdo. No entanto,

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discussões a respeito de um critério definitivo de verdade podem determinar, na
medida em que recomendam a aplicação de um dado critério, quais as proposições
que na prática deliberamos serem verdadeiras.
Não é tarefa da filosofia investigar intenções ocultas e preexistentes da
realidade, mas interpretar uma realidade carente de intenções, mediante a capacidade
de construção de figuras, de imagens a partir dos elementos isolados da realidade;
ela levanta as questões, cuja investigação exaustiva é tarefa das ciências; uma tarefa
à qual a filosofia permanece continuamente vinculada, porque sua intensa
luminosidade não conseguiria inflamar-se em outro lugar a não ser contra essas duras
questões.
A filosofia tem exercido, por mais que ignoremos isso, uma admirável influência
indireta até mesmo sobre a vida de gente que nunca ouviu falar nela. Indiretamente,
tem sido destilada através de sermões, da literatura, dos jornais e da tradição oral,
afetando assim toda a perspectiva geral do mundo. Em grande parte, foi através de
sua influência que se fez da religião cristã o que ela é hoje. Devemos originalmente a
filósofos ideias que desempenharam papel fundamental para o pensamento em geral,
mesmo em seu aspecto popular, como, por exemplo, a concepção de que nenhum
homem pode ser tratado apenas como um meio ou a de que o estabelecimento de um
governo depende do consentimento dos governado.
No âmbito da política, a influência das concepções filosóficas tem sido
expressiva. É inegável que a influência da filosofia sobre a política pode às vezes ser
nefasta: os filósofos alemães do século X1X podem ser parcialmente
responsabilizados pelo desenvolvimento de um nacionalismo exacerbado que
posteriormente veio a assumir formas bastante deturpadas. Todavia, não resta dúvida
de que essa responsabilidade tem sido frequentemente muito exagerada, sendo difícil
determiná-la exatamente, o que se deve ao fato de aqueles filósofos terem sido
obscuros. Contudo, se uma filosofia de má qualidade pode exercer influência nefasta
sobre a política, com as filosofias de boa qualidade pode ocorrer o contrário. Não há
meios de impedir tais influências sendo, portanto extremamente oportuno que
dediquemos especial atenção à filosofia com o intuito de constatar se concepções que
exerceram alguma influência foram mais positivas do que nefastas. Uma boa filosofia,
ao influenciar favoravelmente a política, pode gerar uma prosperidade incapaz de ser
alcançada sob a égide de uma filosofia inferior (HUSSERL,1965).

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O SENTIDO DA FILOSOFIA PARA A EDUCAÇÃO

As experiências vitais da maioria dos Homens, aquelas que tecem a estrutura


de suas personalidades e determinam o curso de suas vidas, são amplamente
ignoradas na pesquisa mental e social. À medida que nos aproximamos da
experiência interior do Homem, dos métodos necessários à compreensão dessa
experiência, vai-se ingressando em um novo universo, de mitos e significados, de
valores pessoais, de imagens mentais e simbolismos criativos. As questões
decorrentes desse universo interno de experiência, quando traduzidas e reificadas
pelo indivíduo, representam as amplitude e profundidade da personalidade humana.
Surgem polaridades vitais: amor e ódio, vida e morte, alegria e pena, crime e castigo,
estabilidade e mudança, criatividade e conformismo, responsabilidade e dependência,
e tudo isso adota relações de tensão que devem ficar abertas à conscientização.
As concepções e teorias filosóficas limitadas do homem são aquelas que
preferem vê-lo, ou como vítima predestinada por uma programação genética,
construída ao longo de milênios, ou de uma complexa história de reforço de
comportamento; ou somente como joguete em um duelo de forças psíquicas
inconscientes e pressões sociais externas, na busca da satisfação de seus instintos e
pulsões. O homem perde virtualmente o controle de sua própria direção vital, vítima
de uma "psicopatologicização existencial", seguindo uma trajetória conhecida, que
passa pela angústia, depressão, apatia, tédio, podendo chegar até ao suicídio, todos,
sintomas existenciais
A educação se vê diante desses desafios, cruciais para o estabelecimento de
seus objetivos e suas práticas. Educar para cidadania requer, reflexões acerca da
condição humana (GADOTTI,1979 ) .
A partir das relações que estabelecem entre si, os homens criam padrões
comportamentos, instituições e saberes, cujo aperfeiçoamento é feito pelas gerações
sucessivas, o que lhes permite assimilar e modificar os modelos valorizados em uma
determinada cultura. É a educação, portanto, que mantém vida a memória de um povo
e dá condições para sua sobrevivência. Por isso dizemos que a educação é um
instancia mediadora que torna possível a reciprocidade entre indivíduo e sociedade.
(ARANHA, 1996, p.15).

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Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) incorporam essa tendência e a
incluem no currículo de forma a compor um conjunto articulado e aberto a novos temas
buscando um tratamento didático que contemple sua complexidade e sua dinâmica,
dando-lhes a mesma importância das áreas convencionais.
Uma tomada de posição implica necessariamente eleger valores, aceitar ou
questionar normas, adotar uma ou outra atitude essas capacidades podem ser
desenvolvidas por meio da aprendizagem. Portanto, análise crítica das diferentes
situações possibilita a contextualização histórica e cultural,
favorecendo o desenvolvimento da capacidade de analisar criticamente, assim as
escolhas pessoais serão conscientes e respeitam os valores que expressam a vida
do indivíduo. As diferentes visões e até conflitos entre as normas respondem de
maneira diversa às diferentes visões e interpretações do mundo.
Nesse contexto, a Filosofia ganha importância e se confronta com esses novos
desafios, analisando, interpretando, entendendo como se processa a ação docente e
discente. A filosofia pode causar espanto a muita gente, mas para muitos é assunto
de especialistas e, por isso, desinteressante. Porém, na escola, é preciso abrir
perspectivas que despertem o gosto pela Filosofia sem gerar no aluno uma aversão à
tarefa de pensar (GADOTTI,1979).
Dar um lugar para a Filosofia dentro do processo educacional significa levar a
sério a necessidade que todos os jovens têm de pensar e de questionar, de voltar-se
sobre seu pensamento e refinar suas respostas, para que tenham uma chance real
de explorar assuntos de importância (GADOTTI,1979).
“Enquanto a educação trabalha com o desenvolvimento dos jovens e das novas
gerações de uma sociedade, a filosofia é a reflexão sobre o que e como devem ser
ou desenvolver estes jovens e esta sociedade.(...)O educando, que é, o que deve ser,
qual o seu papel no mundo; o educador , quem é, qual o seu papel no mundo; a
sociedade, o que é, o que pretende; qual deve ser a finalidade da ação pedagógica.
Estes são alguns problemas que emergem da ação pedagógica dos povos para a
reflexão filosófica, no sentido de que esta estabeleça pressupostos para aquela
(LUCKESI,1994,p.31-32)”.
O ensino filosóficos, com as crianças, adolescentes e jovens, portanto, na
educação infantil, no ensino fundamental e médio, deve contribuir para a formação de
uma consciência crítica, abrir o entendimento para as formas atuais de dominação e

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opressão que estão presentes em todas as relações sociais da vida, manifestadas por
ideologias e convenções. Deve-se aprender a pensar, através da Filosofia, fazendo-
se uma crítica constante a cultura dominante e as manifestações que nos levam a um
pragmatismo reducionista da vida. A premissa reside em reconhecer que todos os
homens são filósofos, enquanto pensam e agem racionalmente, como dizia Gramsci.
É papel essencial da escola, oferecer uma formação que leve ao
aprimoramento constante da racionalidade.
Ao se trabalhar a filosofia com as crianças, percebe-se facilmente que elas têm
inclinação natural para a curiosidade, admiração, indagação, discussão e reflexão.
Esses são traços cognitivos do empenho que a criança faz para descobrir como as
coisas funcionam no mundo.
“Uma filosofia para crianças e jovens não estaria preocupada em formar
discípulos para perpetuar um certa corrente filosófica, uma certa visão de mundo, mas
para ajudar a pensar e a transformar o mundo. Conceber a filosofia como uma
especialidade é derrotá-la antes mesmo de iniciar a batalha por ela. ” (GADOTTI,
2000,p.28)
É preciso levar os jovens, por meio de questionamentos, a trabalharem os
conceitos e os problemas filosóficos que surgem no cotidiano e se aproximam da vida.
É preciso a reflexão crítica e autônoma do pensar. É preciso aprimorar a reflexão
filosófica nos alunos, os valores que orientam a sociedade, o que é ser justo, como é
um bom político, o que é moral, o que dá sentido à vida, para que servem as armas,
entre outros (GADOTTI,1979).
Por isso, experiência filosófica para os jovens é extremadamente apaixonante,
pois leva a busca da verdade e das respostas preenchendo seu espírito inquieto.

“Serão as crianças que construirão suas filosofias e seus modos de produzi-


las. Não é mostrando que as crianças podem pensar como adultos que vamos revogar
o desterro de sua voz. Pelo contrário, nesse caso haveremos cooptado, o que constitui
uma outra forma de silenciá-las. Seria mais adequado preparar-nos para escutar uma
voz diferente como expressão de uma filosofia diferente, uma razão diferente, uma
teoria do conhecimento diferente, uma ética diferente e uma política diferente: aquela
voz historicamente silenciada pelo simples fato do emanar de pessoas estigmatizadas
na categoria de não adultos” (KOHAN, 1999,p.70).

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A filosofia é interdisciplinar, por seu pensamento crítico funde com as demais
disciplinas através do questionamento, espírito de auto-correção, logicidade e a
racionalidade. Pode ser trabalhada a partir de temas reais e atuais com diversos tipos
de textos orais ou escritos: literários-prosa e verso, jornalismo, musicais pinturas, mas
acima de tudo trabalhar os textos filosóficos. Os textos filosóficos são meio de
conhecimento, uma vez que devemos passar por eles para conhecer os filósofos, para
que entrem em contato com suas ideias, ampliando sua compreensão de mundo, e
para que descubram novos significados para sua existência, auxiliando-os em suas
escolhas, ações no convívio humano e com a natureza. Conhecer os problemas que
foram colocados e as soluções propostas, também conhecer os conceitos e o
vocabulário da Filosofia.
É preciso evitar que as aulas de filosofia se transforme apenas em discussões
sobre assuntos polêmicos, para isso é necessária uma seleção de textos para servir
a uma proposta objetivos claros e bem definidos. O caminho para conduzir o aluno
deverá ser feito desde a tomada de consciência de sua ingenuidade sobre os fatos
até a compreensão da trajetória de sua vida (GADOTTI,1979 ) .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos autores e de suas visões de mundo, do ser humano e de sua


formação, pode-se afirmar que há muito o que dizer e aprender nesse campo, através
do resgate dos clássicos mestres da filosofia, e daqueles que “subiram em suas
costas”, buscando uma visão mais abrangente. Não se trata de mera nostalgia ou
conservadorismo, mas de valorização dos tesouros já colhidos pela humanidade e
que podem ser aplicados ao tempo presente. Nesse sentido, muitos outros autores
poderiam ainda ter sido citados.

Limitamo-nos, neste texto, a apresentar cinco ferramentas clássicas para o


ensino-aprendizagem. Nesse sentido, o maior mestre é a própria vida, na medida em
que seja desfrutada de forma reta, saudável e bela. E isso certamente se aplica, em
primeiro lugar, ao próprio educador.
Essa é precisamente a conclusão a que tantos educadores de diferentes
épocas chegaram e que Lauand ressalta no artigo citado: não importa a partir de que

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tipo de narrativa se adquiram os valores: deles nos fala toda a criação divina, para
além do seu estado decaído. A natureza, portanto, nada mais é do que uma grande
narrativa do Criador. E ela nos fala de forma misteriosa, lúdica e criativa.
Para encerrar essas reflexões acerca da proposta dos temas transversais e do
resgate do que a filosofia e a literatura clássica têm a nos dizer a esse respeito,
lembramos de autores nacionais, que, embora nem sempre tivessem sistematizado a
sua prática de ensino como Monteiro Lobato e Guimarães Rosa, estão igualmente
carentes de resgate, especialmente no que diz respeito à sua metodologia e
pedagogia. Autores como Cecília Meireles, Ana Maria Machado e Malba Tahan,
procuraram – além de nos fornece ferramentas ótimas para o ensino da filosofia,
particularmente da ética – colocar a sua filosofia de ensino em ação, numa práxis
transformadora. E, considerando a particularidade de cada um desses autores e o
estatuto epistemológico de todas as áreas educacionais aqui envolvidas, esse diálogo
inter e transdisciplinar promete ser rico de soluções criativas para as dificuldades do
educador de encontrar e defender o lugar da filosofia nos currículos escolares.
Assim, acreditamos estar fornecendo saídas criativas, ainda que não
particularmente “inovadoras”, para o tratamento de temas filosóficos essenciais no
contexto atual de reificação, violência e solidão, implícitos nos chamados “temas
transversais”, de maneira não apenas interdisciplinar, entendida como a reação
química que acontece quando professores de diferentes áreas resolvem trocar ideias
e planejar suas aulas juntos, gerando resultados totalmente novos e inesperados, mas
transdisciplinar, no sentido de abertura para a transcendência, conforme conceituado
por Gusdorf, logo de início.
E para realizar isso, é certamente preciso, para além das mencionadas
ferramentas, algo ainda mais importante, que é fé, esperança e amor, virtudes
teologais acrescentadas por São Tomás de Aquino, conhecido por ter “batizado” as
virtudes cardeais de Aristóteles.
A filosofia possibilita um salto para uma vida mais plena e, junta outras
manifestações do espírito humano, como a arte, a literatura, a religião, é um convite à
transcendência (KOHAN, 1999).
A filosofia deve ter um lugar privilegiado na vida humana, pois além de
possibilitar a racionalidade, sempre esteve na origem das mudanças decisivas na
história da humanidade, por isso não é inútil como pensam. Tem como objetivo a

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totalidade das coisas, desde as raízes, as causas primeiras até as últimas. Tudo o que
diz respeito a vida refere-se à Filosofia e torna-se ponto de partida de sua reflexão.
Ajuda a desvendar os horizontes obscuro e incompreensível para o homem comum,
que pouco questiona sobre os sentidos das coisas.
A Filosofia é uma atividade humana indispensável. Pode nos livrar do conceito
de juízos antecipados, de uma abordagem superficial da realidade, fruto da limitação
da compreensão humana, sustentada por aparências, às quais o homem se apega
facilmente.
Se a filosofia está começando a encontrar novamente um lugar no ensino é
porque educadores descobriram que os jovens podem se encantar com ela e que ela
contribui significativamente para seu desenvolvimento educacional. Talvez em
nenhum outro lugar a Filosofia seja mais bem-vinda do que na sala de aula. Toda
disciplina parece ser mais fácil de aprender quando seu ensino é inspirado pelo
princípio aberto, crítico e de rigor lógico característico da Filosofia, ajudando os alunos
a refletirem efetivamente sobre os valores que constantemente são importantes para
eles.
É preciso que se crie um espaço para a Filosofia, desde as séries iniciais, pois
quanto mais cedo colocarmos nossas crianças em contato com a reflexão filosófica,
mais críticos se tornarão. Poderão aprender a reinterpretar a vida, abrindo novas
perspectiva para um futuro mais justo e generoso de nossa sociedade.
É necessário enfrentar o desafio da Filosofia, para percebemos sua sedução,
seu mistério, adquirindo a responsabilidade de passar da opinião e das simples
crenças ao conhecimento, acreditamos ainda, que passa pelo ensino da filosofia a
melhor ou senão oportunidade de melhoria do ensino nas escolas. Podemos
compreender agora o motivo pelo qual a filosofia não precisa recear a questão de ter
ou não valor prático.
Encerrando foi buscando uma prática docente comprometida com a
transformação da sociedade e com um ensino de qualidade, é que a proposta deste
texto é mostrar a necessidade de se fazer uma reflexão sobre a importância e o papel
do ensino de Filosofia nas escolas.

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