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“Paper” apresentado na 33rd Annual Conference of the Association for Moral Education

New York, 15-18/11/2007


EDUCAÇÃO COMUNITÁRIA E A CONSTRUÇÃO DE VALORES DE
DEMOCRACIA E CIDADANIA

Community education and the construction of democracy and citizenship values

Prof. Dr. Ulisses F. Araújo


Universidade de São Paulo (Brazil)

INTRODUÇÃO

Em seu sentido tradicional, a cidadania expressa um conjunto de direitos e de


deveres que permite aos cidadãos e cidadãs o direito de participar da vida política e da
vida pública, podendo votar e ser votado, participando ativamente na elaboração das
leis e do exercício de funções públicas, por exemplo. Hoje em dia, no entanto, o
significado da cidadania assume contornos mais amplos, que extrapolam o sentido de
apenas atender às necessidades políticas e sociais, e assumem como objetivo a busca
por condições que garantam uma vida digna às pessoas.
Entender a cidadania a partir da redução do ser humano às suas relações sociais
e políticas não é coerente com a multidimensionalidade que nos caracteriza e com a
complexidade das relações que cada um e todas as pessoas estabelecem com o
mundo à sua volta. Deve-se buscar compreender a cidadania também sob outras
perspectivas, por exemplo, considerando a importância que o desenvolvimento de
condições físicas, psíquicas, cognitivas, ideológicas, científicas e culturais exerce na
conquista de uma vida digna e saudável para todas as pessoas.
Tal tarefa, complexa por natureza, pressupõe a educação de todos (crianças,
jovens e adultos), a partir de princípios coerentes com esses objetivos, e com a
intenção explícita de promover a cidadania pautada na democracia, na justiça, na
igualdade, na equidade e na participação ativa de todos os membros da sociedade nas
decisões sobre seus rumos. Dessa maneira, pensar em uma educação para a
cidadania torna-se um elemento essencial para a construção da democracia social.
Entendemos que tal forma de educação deve visar, também, o desenvolvimento
de competências para lidar com: a diversidade e o conflito de idéias; as influências da
cultura; e com os sentimentos e emoções presentes nas relações do sujeito consigo

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mesmo e com o mundo à sua volta.
Atualmente, ressaltamos, em geral as crianças e os adolescentes vão à escola
para aprender as ciências, a língua, a matemática, a história, a física, a geografia, as
artes, etc. Não existe o objetivo explícito de formação ética e moral das futuras
gerações. Entendemos que a escola, enquanto instituição pública criada pela sociedade
para educar as futuras gerações, deve se preocupar também com a construção da
cidadania, nos moldes que atualmente a entendemos. Se os pressupostos atuais da
cidadania procuram garantir uma vida digna e a participação na vida política e pública
para todos os seres humanos e não apenas para uma pequena parcela da população,
essa escola deve ser democrática, inclusiva e de qualidade, para todos e para todas as
crianças e adolescentes. Para isso, deve promover, na teoria e na prática, as condições
mínimas para que tais objetivos sejam alcançados na sociedade.
Entendemos que aprender a ser cidadão e a ser cidadã é, entre outras coisas,
aprender a agir com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não-violência;
aprender a usar o diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se com o que
acontece na vida coletiva da comunidade e do País. Por outro lado, para que os
estudantes possam assumir tais princípios éticos, são necessários, pelo menos, dois
fatores:

• Se expressem em situações reais, nas quais os estudantes possam ter


experiências e conviver com a sua prática;

• Haja um desenvolvimento da sua capacidade de autonomia, isto é, da capacidade


de analisar e eleger valores para si, consciente e livremente.

Mas como os valores são apropriados pelos sujeitos? Adotamos a premissa,


neste trabalho, que os valores não são nem ensinados e nem nascem com as pessoas.
Eles são construídos na experiência significativa que as pessoas estabelecem com o
mundo. Essa construção depende diretamente da ação do sujeito, dos valores
implícitos nos conteúdos com que interage no dia a dia, e da qualidade das relações
interpessoais estabelecidas entre o sujeito e a fonte dos valores.
Isso leva-nos a considerar neste processo, também, o papel ativo dos sujeitos da
aprendizagem, estudantes e docentes, que interpretam e conferem sentidos aos
conteúdos com que convivem na escola a partir de seus valores previamente
construídos e de seus sentimentos e emoções. Tal premissa está de acordo com a

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visão de que os valores e os princípios éticos são construídos a partir do diálogo, na
interação estabelecida entre pessoas imbuídas de razão e emoções e um mundo
constituído de pessoas, objetos e relações multiformes, díspares e conflitantes. Enfim,
uma educação que objetiva a construção de valores democráticos deve partir de
temáticas significativas do ponto de vista ético e propiciar condições para que o(a)s
aluno(a)s desenvolvam sua capacidade dialógica, tomem consciência de seus
sentimentos e emoções (e das demais pessoas) e desenvolvam a capacidade
autônoma de tomar decisões em situações conflitantes do ponto de vista ético/moral.
Tal proposta educativa, buscando atingir amplos espectros de atuação, pode
abarcar quatro grandes eixos temáticos que, de maneira geral, configuram campos
principais de preocupação da ética e da democracia nos dias atuais:

Ética
Na filosofia, o campo que se ocupa da reflexão sobre a moralidade humana
recebe a denominação de ética. Esses dois termos, ética e moral, têm significados
próximos e, em geral, referem-se ao conjunto de princípios ou padrões de conduta que
regulam as relações dos seres humanos com o mundo em que vivem.
Uma educação ancorada em tais princípios, de acordo com Puig (1998, p.15),
deve converter-se em um âmbito de reflexão individual e coletiva que permita elaborar
racionalmente e autonomamente princípios gerais de valor, princípios que ajudem a
defrontar-se criticamente com realidades como a violência, a tortura ou a guerra. De
forma específica, para esse autor, a educação ética e moral deve ajudar a analisar
criticamente a realidade cotidiana e as normas sócio-morais vigentes, de modo que
contribua para idealizar formas mais justas e adequadas de convivência.
Em linha complementar de compreensão do papel da educação para a formação
ética dos seres humanos, Cortina (2003, p.113) entende que a educação do cidadão e
da cidadã deve levar em conta a dimensão comunitária das pessoas, seu projeto
pessoal e também sua capacidade de universalização, que deve ser exercida
dialogicamente pois, dessa maneira, poderá ajudar na construção do melhor mundo
possível, demonstrando saber que é responsável pela realidade social.
De forma específica, lidar com a dimensão comunitária e o diálogo com a
realidade cotidiana e as normas sócio-morais vigentes remete-nos ao trabalho com a
diversidade humana e a abordar e desenvolver ações que enfrentem as exclusões, os
preconceitos e as discriminações advindas das distintas formas de deficiência, e pelas

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diferenças sociais, econômicas, psíquicas, físicas, culturais, religiosas, raciais,
ideológicas e de gênero. Conceber esse trabalho na própria comunidade em que se
vive, no bairro e no ambiente natural, social e cultural de seu entorno, é importante para
a construção da cidadania efetiva.

Convivência democrática
O conflito é uma parte natural de nossas vidas. A maioria das teorias
interacionistas em filosofia, psicologia e educação estão alicerçadas no pressuposto de
que nos constituímos e somos constituídos a partir da relação direta ou mediada com o
outro, seja ela de natureza subjetiva ou objetiva. Nesta relação, nos deparamos com as
diferenças e semelhanças que nos obrigam a comparar, descobrir, ressignificar,
compreender, agir, buscar alternativas e refletir sobre nós mesmos e sobre os demais.
O conflito torna-se, portanto, a matéria prima para nossa constituição psíquica,
cognitiva, afetiva, ideológica e social.
Na escola, os distúrbios disciplinares, a violência e o autoritarismo nas relações
interpessoais são alguns dos maiores problemas pedagógicos e sociais da atualidade e
vêm comprometendo a busca por uma educação de qualidade. São fenômenos
complexos, cujo enfrentamento requer disposição e preparo para buscar caminhos não-
autoritários.
Enfrentar esses fenômenos exige dos profissionais da educação uma nova
postura, democrática e dialógica, que entenda os alunos e as alunas não mais como
sujeitos passivos ou adversários que devem ser vencidos e dominados. O caminho está
no reconhecimento dos estudantes como possíveis parceiros de uma caminhada
política e humana que almeja a construção de uma sociedade mais justa, solidária e
feliz.

Direitos Humanos
De acordo com Tugendhat (1999, p.362), o comportamento moral e ético
consiste em reconhecer o outro como sujeito de direitos iguais, o que significa que às
obrigações que temos em relação ao outro correspondem por sua vez direitos.
Complementando, demonstra que todos os seres humanos, independente de suas
peculiaridades e papéis específicos na sociedade, têm determinados direitos
simplesmente enquanto são seres humanos. Benevides (2004), ao tratar do tema dos
direitos humanos, discute sua universalidade e a concepção de que são naturais e, ao

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mesmo tempo, históricos.
Partindo de formas de compreensão como as citadas acima, e como resultado
do esforço da comunidade internacional para estabelecer parâmetros que possam
balizar as ações das diferentes culturas com relação ao que se considera como
razoável quanto ao respeito aos direitos fundamentais dos seres humanos, foi que a
Organização das Nações Unidas promulgou em 1948 a Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Esse documento, em sua base, reconhece três dimensões dos
direitos humanos: 1) As liberdades individuais, ou o direito civil; 2) Os direitos sociais; e
3) Os direitos coletivos da humanidade.
Os princípios presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH (
situam-se na confluência democrática entre os direitos e liberdades individuais e os
deveres para com a comunidade em que se vive. Juntamente à forma coletiva de
acordo com a qual foi elaborada, a DUDH pode ser compreendida como a base para o
que vem sendo chamado de valores universalmente desejáveis
Dessa maneira, a DUDH pode ser um guia de referência para a análise dos conflitos de
valores vivenciados em nosso cotidiano e para a elaboração de programas
educacionais que objetivem uma educação em valores. Se quisermos, portanto,
promover uma educação ética voltada para a cidadania, devemos partir de temáticas
significativas do ponto de vista ético (como é o caso daquelas contidas na DUDH),
propiciando condições para que alunos e alunas desenvolvam sua capacidade
dialógica, tomem consciência de seus próprios sentimentos e emoções, e desenvolvam
a capacidade autônoma de tomada de decisão em situações conflitantes do ponto de
vista ético/moral.

Inclusão social
De acordo com Barth, (1990, p. 514-515), as diferenças representam grandes
oportunidades de aprendizado. Para ele, o que é importante nas pessoas – e nas
escolas – é o que é diferente, não o que é igual.
Para Stainback (1999), a total inclusão de todos os membros da humanidade, de
quaisquer raças, religiões, nacionalidades, classes socioeconômicas, culturas ou
capacidades, em ambientes de aprendizagem e comunidade, pode facilitar o
desenvolvimento do respeito mútuo, do apoio mútuo e do aproveitamento dessas
diferenças para melhorar nossa sociedade. É durante seus anos de formação que as
crianças adquirem o entendimento das diferenças, o respeito e o apoio mútuos em

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ambientes educacionais que promovem e celebram a diversidade humana.
A construção de sociedades e escolas inclusivas, abertas às diferenças e à
igualdade de oportunidades para todas as pessoas, é um objetivo prioritário da
educação nos dias atuais. Nesse sentido, o trabalho com as diversas formas de
deficiências e com as exclusões geradas pelas diferenças social, econômica, psíquica,
física, cultural e ideológica, devem ser foco de ação das escolas. Buscar estratégias
que se traduzam em melhores condições de vida para a população, na igualdade de
oportunidades para todos os seres humanos e na construção de valores éticos
socialmente desejáveis por parte dos membros das comunidades escolares é uma
maneira de enfrentar essa situação e um bom caminho para um trabalho que visa à
democracia e à cidadania.

A educação comunitária

Por fim, consideramos um outro pressuposto como fundamental na organização


de trabalhos que buscam promover a construção de valores de democracia e cidadania
nas sociedades contemporâneas, perpassando todas as discussões anteriores: a
concepção de tornar os recursos da cidade e, prioritariamente, do entorno da escola,
como espaços de aprendizagem, promoção e garantia de direitos.
A Carta das Cidades Educadoras, chamada de Carta de Barcelona (Gadotti,
2004), de 1990, é um documento central para essa concepção. Em tal documento,
afirma-se que a cidade educadora é um sistema complexo, em constante evolução, que
sempre dará prioridade absoluta ao investimento cultural e à formação permanente de
sua população. Ela será educadora quando reconhecer, exercitar e desenvolver, além
de suas funções tradicionais, uma função educadora, quando assumir a intenção e
responsabilidade cujo objetivo seja a formação, promoção e desenvolvimento de todos
os seus habitantes, começando pelas crianças e pelos jovens.
Dentre os princípios ali estabelecidos, por se aproximarem dos objetivos de
nosso trabalho, destacamos aqueles que a cidade educadora deve favorecer: 1) a
liberdade e a diversidade cultural; 2) a organização do espaço físico urbano, colocando
em evidência o reconhecimento das necessidades de jogos e lazer; 3) a garantia da
qualidade de vida a partir de um meio ambiente saudável e de uma paisagem urbana
em equilíbrio com seu meio natural; 4) a consciência dos mecanismos de exclusão e

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marginalidade que as afetam.
A partir de tais idéias, Torres (2005) afirma que a educação deve deixar de ser
vista como função apenas da comunidade escolar para que seja assumida pela
comunidade de aprendizagem, de forma que os diferentes recursos e disciplinas locais
possam ser utilizados no processo educativo. Na educação comunitária proposta por
ela, todos são educadores e todos são aprendizes, e desaparecem as barreiras entre
educação formal e informal, educação escolar e extra-escolar. Esse é o princípio do
bairro-escola, que adota o entorno da escola como espaço de aprendizagem.

Diante do quadro exposto nas páginas anteriores, entendemos que estudar


formas de ampliação dos espaços educativos, rompendo os limites físicos dos muros
escolares, pode ser um bom caminho para uma educação em valores éticos e
democráticos, que visam à cidadania. Reforçar a importância da articulação entre
sujeito e cultura/sociedade na construção da cidadania e de relações mais justas e
solidárias no seio da comunidade onde cada um vive, pode indicar possibilidades para o
desenvolvimento de políticas públicas de educação que levem a uma reorganização da
escola na forma em que está estruturada, tanto do ponto de vista físico quanto
pedagógico.
Desta maneira, embora haja a compreensão de que devamos ampliar os
espaços educativos, incorporando os recursos da cidade e prioritariamente do entorno
da escola no desenvolvimento de projetos que contemplem a comunidade como espaço
de aprendizagem, o centro das ações deve continuar sendo a escola e seu currículo.
Essa instituição, com seu papel social de instrução e formação das novas gerações, é
que possui os educadores capacitados ao exercício profissional da educação. Por isso,
as ações de planejamento e de pesquisa devem incorporar, nos seus pressupostos e
no desenvolvimento, de forma prioritária, os profissionais que ali trabalham e, a partir de
seu trabalho, criar condições para a transformação do currículo e, como conseqüência,
do bairro onde se situa.
É neste marco conceitual que desenvolvemos um trabalho experimental na
cidade de São Paulo (Brasil) entre 2005 e 2007, em duas escolas públicas localizadas
em bairros periféricos da zona norte dessa cidade.

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A PESQUISA

Uma das matrizes para o desenvolvimento da pesquisa foi a constituição do que


chamamos de “Fórum escolar de educação comunitária” em cada uma das escolas
participantes do projeto. O "Fórum escolar de educação comunitária" tem como papel
essencial articular os diversos segmentos da comunidade, escolar e não-escolar, que
se disponham a atuar no desenvolvimento de ações mobilizadoras em torno das
temáticas de ética, democracia e cidadania no convívio escolar, focando de forma
específica os quatro eixos de atuação citados anteriormente: ética, convivência
democrática, direitos humanos e inclusão social.
Embora cada escola tenha liberdade na sua organização, pelas diferenças de
cada escola/comunidade, a composição do fórum é a mais aberta possível. O trabalho é
articulado, inicialmente, por um grupo de professores, chamados de educadores
comunitários, responsáveis por promover a aproximação e o diálogo entre os diversos
atores sociais interessados na sua constituição e participação.
O trabalho desenvolvido com esses educadores comunitários neste projeto
buscou desenvolver ações que, interrelacionadas, possuíam uma dupla direção: para
“fora” e para “dentro” da escola. Para “fora” da escola localizaram-se as ações que
promoviam a articulação entre a escola e os espaços de aprendizagem de seu entorno,
a partir de trilhas e roteiros. Para “dentro” da escola localizaram-se as ações que
objetivavam a implementação da pedagogia de projetos, aliada aos princípios de
transversalidade e interdisciplinaridade. Os conteúdos relacionados aos projetos
desenvolvidos junto à comunidade, como aqueles elaborados a partir de trilhas e
roteiros, foram incorporados nas aulas das disciplinas específicas da escola. Assim, a
partir dos projetos interdisciplinares e transversais desenvolvidos em sala de aula,
articulados com os mapas, trilhas e roteiros construídos, a escola pôde se aproximar da
comunidade externa, utilizando seus equipamentos e espaços como fonte de
aprendizagem.
No caso específico desta pesquisa, contamos com financiamento da FAPESP –
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, e com a participação
permanente de 10 professore(a)s das Escolas Municipais de Ensino Fundamental
“Martim Francisco” e “Esmeralda Salles”, que receberam bolsas de pesquisa da
FAPESP. Outros docentes das escolas foram se incorporando ao projeto, mas os

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professores-bolsistas se dedicaram a: liderar o desenvolvimento de ações e projetos
sobre ética e valores de cidadania no interior de suas escolas; promover “fóruns
restritos” ao cotidiano escolar, com a participação de professore(a)s e aluno(a)s,
quando sistematizavam as “trilhas” no entorno da escola e organizavam os projetos
transversais e interdisciplinares; e organizar reuniões abertas em que a comunidade,
famílias, estudantes e professores se encontravam periodicamente para discutir
temáticas de ética e de cidadania. Esses encontros, com ampla participação da
comunidade interna e externa (alguns contavam com a participação de mais de 200
pessoas), é que era denominado de “Fórum Escolar de Educação Comunitária”.
Como objetivo central da pesquisa, dentre outros, buscou-se investigar “como a
ampliação dos espaços educativos, incorporando os recursos da cidade e
prioritariamente do entorno da escola no desenvolvimento de projetos que contemplem
a comunidade como espaço de aprendizagem, pode levar a uma educação assentada
em valores éticos e democráticos”. De forma específica, buscou-se avaliar se mediante
o desenvolvimento de projetos e ações mediadas pelo "Fórum escolar de educação
comunitária", tendo a ética e a diversidade como pressuposto, estudantes, docentes e
membros da comunidade conseguiam construir relações e valores éticos, e, se tais
valores eram incorporados no currículo da escola.

MÉTODOS

Assumimos o caráter geral de uma investigação qualitativa por ter, dentre outras
características, o ambiente natural como fonte direta de dados e uma preocupação
maior com o processo e menor com o produto (Bogdan e Biklen,1982, apud Ludke e
André,1986). Em outra perspectiva, tanto nas intervenções quanto nos instrumentos de
pesquisa trabalhamos o tempo todo com os conceitos de multimétodo e de articulação
entre instrumentos qualitativos e quantitativos na coleta e análise dos dados, como
sugerem Denzin & Lincoln (apud Valles, 1994, p.99). Empregamos uma grande
variedade de instrumentos na coleta de dados que, quando analisados de forma
complementar e articulada, permitem alcançar resultados mais significativos na
compreensão dos complexos fenômenos sociais e educacionais que estamos
estudando neste trabalho científico.
Na apresentação dos resultados, a seguir, ficarão evidenciados os diversos
instrumentos utilizados na coleta dos dados desta investigação. Com eles, pretendemos

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mostrar como os objetivos enunciados por esta pesquisa foram sendo alcançados, em
um processo contínuo que foi evoluindo cotidianamente nas escolas pesquisadas, em
direção à construção de valores de democracia e de cidadania no seio das instituições
envolvidas.

ALGUNS RESULTADOS

Para este trabalho específico, decidimos apresentar os dados da primeira etapa


da pesquisa, concluída em abril de 2007, que buscou evidenciar o processo de
desenvolvimento das ações e iniciativas de professores e estudantes, na construção de
valores de democracia e de cidadania.
Permeadas o tempo todo por temáticas de ética, direitos humanos, convivência
democrática e inclusão social, apresentaremos dados de um processo que busca
evidenciar como: as ações que levaram as escolas a “romper seus muros” estavam
articuladas com temáticas de cidadania; tais projetos e ações puderam ir se
incorporando no cotidiano do currículo; o protagonismo de estudantes e professores
ajudou a construir novas formas de relações dentro da escola; os fóruns escolares de
educação comunitária exerceram um papel importante na organização e articulação dos
projetos e ações desenvolvidos.

O Fórum Escolar de Educação Comunitária

Como discutido anteriormente, compete ao “Fórum Escolar de Educação


Comunitária” organizar discussões e pautar os projetos curriculares e as ações no
entorno da escola, a partir da definição de temáticas de ética e de cidadania que
professores, estudantes e membros da comunidade entendem como prioritários
naquele momento. Em setembro de 2006 ocorreram os primeiros fóruns, nas duas
escolas que participam do projeto e a primeira temática que escolheram trabalhar foi
“Ética e Diversidade nas relações humanas”. Neste ano de 2007, o tema escolhido para
ser trabalhado foi “A escola e o meio ambiente local”.
No I Fórum Escolar de Educação Comunitária da EMEF Esmeralda Salles, por
exemplo, participaram cerca de 100 pessoas e, além de alunos, professores, direção e
funcionários da escola, estiveram presentes vários pais e mães, e representantes da
Polícia Militar, de ONGs (Gol de Letra e Pólo Norte) e da Universidade de São Paulo.

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Todo o evento foi organizado pelo grupo “Geração Solidária”, constituído por estudantes
da escola sob orientação dos educadores comunitários vinculados ao projeto.
Vejamos algumas imagens dos fóruns realizados:

Educadores comunitários coordenando o “Fórum Escolar de educação Comunitária”.

A realização de Trilhas e Roteiros

Definidas pelo Fórum Escolar de Educação Comunitária as temáticas gerais que


devem pautar as ações e projetos da escola no semestre, os professores encarregam-
se de planejar a realização de trilhas e roteiros no bairro, buscando a sensibilização dos

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estudantes e da comunidade sobre os temas em estudo.
Em 2006 aconteceram as primeiras “trilhas”. De acordo com os professores
envolvidos, apesar do medo com esse tipo de trabalho, pela responsabilidade de sair da
escola com os estudantes para um passeio a pé, eles se surpreenderam com a
sagacidade dos alunos, sua responsabilidade com os equipamentos digitais e com a
oportunidade que tiveram de sair da escola em horário de aula. Em seus relatos, se
surpreenderam com a qualidade do trabalho desenvolvido pelos alunos e com o fato de
não terem tido problemas de indisciplina. Os estudantes adoraram a atividade e, desde
então, cobram regularmente dos professores a realização constante de trilhas.
A seguir, apresentamos algumas imagens das trilhas de 2006, sobre o tema
“Ética e Diversidade nas relações humanas”, realizado pela EMEF Martim Francisco.

A primeira imagem mostra os estudantes em campo, nas ruas do bairro:

Houve trabalhos sobre acessibilidade no transporte público

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E entrevistas com moradores sobre o tema das relações dos moradores com a segurança:

Em 2007, definido o tema - “A escola e o meio ambiente local” -, a EMEF


Esmeralda Salles realizou uma trilha visitando os arredores da escola e o córrego que
passa no fundo da mesma e que, muitas vezes, inunda a escola.
As fotos foram registradas pelos alunos e alunas e o foco foi a questão do lixo e
de como a população contribui para a degradação do ambiente urbano:

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O esgoto residencial despejado diretamente no córrego

Alunas entrevistando lixeiros do bairro

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A inserção das temáticas das trilhas no currículo da escola

Num movimento crescente, os educadores comunitários vinculados ao projeto foram


conseguindo introduzir nas suas aulas, empregando conceitos de interdisciplinaridade e
transversalidade, conteúdos que os alunos observaram durante a realização das trilhas.
Um exemplo é o trabalho desenvolvido pela Profa. Silvana (Língua portuguesa) e pelo
Prof. Renato (Inglês), que trabalharam com seus alunos, após a “trilha” de 2006, a
confecção de um JORNAL MURAL, articulando as duas disciplinas:

O “Newspaper”

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As notícias e reflexões sobre a comunidade.

O protagonismo dos jovens estudantes

Permeando todo esse trabalho está a idéia do protagonismo juvenil e a


importância de que os estudantes assumam um papel mais ativo no dia a dia da escola
e dos processos educativos, tornando a escola mais prazerosa, ao mesmo tempo em
que impregnada por discussões sobre ética, democracia e cidadania. Nesse sentido,
com a participação ativa de estudantes, professores e comunidade, estão criando o que
pode ser chamado de um ambiente escolar ético que perpassa todos os instantes. Para
exemplificar esse movimento, a seguir trazemos algumas imagens de como esse
trabalho vem sendo desenvolvido:
Estudantes protagonistas da “radio Comunitária” da escola, em que, além de música, apresentam
boletins sobre temas de “ética e cidadania”

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Apresentação do grupo de música e dança afro-regae “Uh-Batuk-Erê”, composto por estudantes da


EMEF Esmeralda Salles, que estudam a cultura afro-brasileira

Estudantes do grupo “Geração solidária” ajudando na limpeza dos espaços da escola.

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CONCLUINDO...

Concluindo este trabalho, o objetivo central da pesquisa que estamos


desenvolvendo é o de estudar como a ampliação dos espaços educativos, em que se
incorpora a comunidade como espaço de aprendizagem, pode levar a uma educação
assentada em valores éticos e democráticos. Como anunciado, o que estamos
buscando analisar é a experiência de promover a aproximação entre escola e
comunidade, mediante o desenvolvimento de projetos e ações mediadas por um
"Fórum escolar de educação comunitária", tendo a ética, o convívio democrático, os
direitos humanos e a inclusão social como eixos de sustentação, podemos levar
estudantes, docentes e membros da comunidade a construírem relações e valores
éticos e democráticos. Nosso objetivo é de analisar, também, se os professores
conseguem incorporar tais valores no currículo da escola.
As mudanças na organização do trabalho pedagógico das escolas, nos
conteúdos acadêmicos, nas metodologias empregadas nas aulas e nas relações entre
os membros da comunidade escolar e não-escolar, quando permeadas por temáticas
de ética, de democracia e de cidadania, podem contribuir para a construção de valores
morais e da justiça social.
Os dados apresentados neste artigo estão relacionados à primeira etapa da
pesquisa, e procuraram demonstrar como tais processos foram sendo construídos em
duas escolas públicas de zonas periféricas do município de São Paulo, que não tinham
experiência com esse tipo de organização educativa. Pelas imagens e processos
apresentados, temos dados apontando como tais objetivos vêm sendo atingidos nas
escolas em questão. Eles são altamente positivos e esperamos, a partir deste trabalho,
contribuir para a melhoria da qualidade da educação, diminuindo o fosso existente entre
escola e comunidade, entre o que se estuda na escola e os reais interesses da
população.
A segunda etapa da pesquisa, prevista para ser concluída em dezembro de
2007, pretende identificar, de forma sistemática e científica, se a implantação dos
pressupostos discutidos neste artigo leva, de fato, a que estudantes e professores
construam valores de democracia e de cidadania. Estamos certos de que tais objetivos
serão atingidos, pelos indícios já observados, mas somente o final da investigação
permitirá tirar conclusões assertivas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E BIBLIOGRAFIA BÁSICA

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