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PESQUISA E PRÁTICA

EM EDUCAÇÃO II

autoras
ANDRÉA REGINA ROSIN PINOLA
VIVIANE LOPES

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2015
Conselho editorial  luis claudio dallier ; roberto paes; gladis linhares; karen bortoloti;
marília gomes godinho

Autoras do original  andrea regina rosin pinola e viviane da costa lopes

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Coordenação de produção EaD  karen fernanda bortoloti

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  ulisses vittori

Revisão linguística  roseli cantalogo couto

Imagem de capa  grungemaster | dreamstime.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

R821p Rosin, Andrea


Pesquisa e prática em educação II / Andrea Rosin ; Viviane Lopes.
Rio de Janeiro : SESES, 2015.
112 p. : il.

isbn: 978-85-60923-66-3

1. Ciência. 2. Pesquisa. 3. Conhecimento. 4. Pedagogia. I. SESES. II. Estácio.

cdd 370.7

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

Prefácio 5

1. A Problemática do Conhecimento 7
Objetivos 8
1.1  O surgimento do pensamento filosófico-científico 9
1.2  Tipos de conhecimento 11
1.3  Senso comum versus Ciência 19
1.4  Um breve histórico da Ciência 21
Atividades 26
Reflexão 26
Referências bibliográficas 27

2. A Ciência: da Antiguidade à
Revolução Científica pós Idade Média 29

Objetivos 30
2.1  Filosofia e Ciência na Antiguidade 31
2.2  Ciência na Idade Média 41
2.3  A Revolução Científica nos séculos XVI e XVII 43
Atividades 47
Reflexão 47
Referências bibliográficas 47

3. O Desenvolvimento da Ciência Moderna 49

Objetivos 50
3.1  O desenvolvimento da Ciência moderna 51
3.2  Racionalismo e empirismo 56
3.3  O iluminismo e a contribuição de Immanuel Kant 61
3.4  A filosofia da Ciência no século XX 64
Atividades 66
Reflexão 66
Referências bibliográficas 66

4. A Cientificidade das Ciências Humanas 69


Objetivos 70
4.1  A História do pensamento científico: as ciências
naturais e as ciências sociais 71
Atividades 89
Reflexão 89
Referências bibliográficas 90

5. A Pesquisa na Formação do Educador 91

Objetivos 92
5.1  O contexto que emerge a Pedagogia
enquanto curso de graduação 93
Atividades 103
Reflexão 104
Referências bibliográficas 104

Gabarito 105
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),

A disciplina Pesquisa e Prática em Educação II visa oferecer os elementos teó-


ricos e metodológicos necessários para orientar uma investigação rigorosa sobre
a prática pedagógica e educativa na sociedade brasileira. Iniciaremos nossos es-
tudos abordando o nascimento da ciência e sua relação com a filosofia. Depois
discutiremos sobre o desenvolvimento da ciência em períodos mais específicos,
como na Antiguidade, Idade Média e na modernidade. Destacaremos as diversas
correntes das ciências e os critérios do conhecimento científico.
Além de analisarmos o desenvolvimento histórico da ciência, situaremos
a Pedagogia como ciência da educação, destacando sua produção científica e
abordagens teórico-metodológicas.
Ao final esperamos que você compreenda as etapas e fundamentos da cons-
trução do Projeto de Pesquisa (etapas do projeto de pesquisa, tema/problema,
referencial teórico-metodológico); A elaboração do Trabalho de Conclusão de
Curso - TCC (pesquisa científica articulada à prática pedagógica).

Bons estudos!

5
1
A Problemática do
Conhecimento
Neste capítulo estudaremos a problemática do conhecimento. Mais precisa-
mente, veremos como a ciência, desde a Antiguidade, foi se desenvolvendo
no decorrer da busca do homem em encontrar explicações racionais para os
fenômenos da realidade. Analisaremos todos os tipos de conhecimento des-
tacando as características específicas do conhecimento científico.

OBJETIVOS
•  Analisar os aspectos do pensamento filosófico-científico na Antiguidade;
•  Analisar criticamente a problemática do conhecimento;
•  Conhecer os diferentes tipos de conhecimento;
•  Caracterizar o senso comum e a ciência.

8• capítulo 1
1.1  O surgimento do pensamento filosófico-
-científico

Desde a Antiguidade os povos têm desenvolvido um conjunto de saberes para


explicar a natureza. Na história dos egípcios, por exemplo, encontramos a trigo-
nometria; entre os romanos, a hidráulica; entre os gregos, a geometria, a lógica,
a mecânica e etc. Em comum todos esses povos buscaram desenvolver formas
de saber para resolver as necessidades práticas da existência humana. Mas fo-
ram os gregos que de modo sistemático e filosófico que fomentaram as con-
dições para a formação do conhecimento, especialmente na medida em que
buscaram compreender a natureza mediante um saber racional e não mítico,
também denominado episteme1. A partir de então fenômenos da natureza,
por exemplo, até então explicados a partir da alusão a deuses, passaram a ser
analisados e investigados de modo mais sistemático e criterioso, resultando no
surgimento do pensamento científico.
Considera-se que o pensamento filosófico-científico surgiu na Grécia Antiga
por volta do século VI a.C. quando os primeiros filósofos passaram a explicar ra-
cionalmente a natureza a partir dos fenômenos naturais. As viagens marítimas
propiciaram a desmistificação do mundo, que passou a exigir, então, uma ex-
plicação da realidade que o mito já não era capaz de oferecer. O tempo passou a
ser organizado segundo as estações do ano e as horas do dia, sendo concebido
como algo natural, e não mais como um poder divino fora da compreensão dos
homens. O surgimento da moeda, a invenção da escrita alfabética e o apareci-
mento de uma classe forte de comerciantes também são aspectos que favorece-
ram a origem da filosofia na Grécia Antiga.
Os chamados pré-socráticos2 foram os primeiros pensadores por volta do
séc. VI a.C que buscaram desenvolver formas de explicação do real sem recorrer
à forças sobrenaturais ou místicas, isto é, fundamentando a explicação do real
a partir da própria natureza e com bases em causas naturais. No período clás-
sico da filosofia grega, ampliaram-se os temas de discussão, não mais apenas
cosmológicos, como antes, para assuntos de ética, política, estética, teoria do
conhecimento. “O filósofo grego também era de certa forma um “cientista”,
um sábio que refletia sobre todos os setores da indagação humana” (ARANHA,
2006, p. 22).

1  Termo que em grego significa ciência (MARCONDES, 2002) .


2  A denominação “pré-socráticos” designa os primeiros filósofos que viveram antes de Sócrates (470-399 aC.)
(MARCONDES, 2002).
capítulo 1 •9
A filosofia nascente formulou um conjunto de noções para explicar racio-
nalmente a origem e a ordem do universo. Aqui, iremos destacar os seguintes
termos: princípio ou arqué; natureza ou physis; ordem universal ou kosmos
(cosmos); e o termo logos, que pode significar razão, pensamento ou discurso.
O termo arqué surgiu na tentativa de os primeiros filósofos postularem, a
partir da observação dos fenômenos naturais, a existência de um elemento pri-
mordial e gerador de tudo que existe. Arqué significa origem ou princípio, o
fundamento de toda a existência natural das coisas. O primeiro filósofo-cientis-
ta que formulou essa noção foi Tales de Mileto, afirmando ser a água o elemen-
to primordial de toda a existência.
Outra palavra essencial na constituição do pensamento filosófico é physis,
traduzida para o português como natureza. Segundo Chaui (2002, p. 59), phy-
sis “é o ilimitado, indefinido e indeterminado, o que não sendo nenhuma das
coisas dá origem a todas elas”. O termo surge para designar a manifestação de
uma força que cresce, se desenvolve e se renova incessantemente; é a realidade
primeira e última porque abarca a totalidade de tudo o que é. Por isso, os pri-
meiros filósofos são chamado de physiologos, ou seja, estudiosos ou teóricos
da natureza.
A palavra kosmos é traduzida como a ordem da natureza ou do mundo, o
oposto de caos. O cosmo é o mundo natural, uma realidade ordenada de acordo
com certos princípios racionais; está relacionado às ideias de ordem, harmonia
e beleza. A cosmologia é “a explicação da ordem do mundo, do universo, pela
determinação de um princípio originário e racional que é origem e causa das
coisas e de sua ordenação” (CHAUI, 2002, p. 37).
Na linguagem grega clássica, logos denota “palavra”, “discurso”, “argumen-
tação”, “pensamento” e “razão”. É o discurso racional e argumentativo que ob-
jetiva explicar o real por meio de causas justificadas, diferente do mythos, que
recorre aos deuses na descrição do real. Logos é um conceito que possui diver-
sas acepções em diferentes correntes da filosofia, como veremos na sequência
de nossos estudos.
Como bem destaca Marcondes (2002, p. 27), um dos aspectos fundamentais
que se fortalece com os filósofos pré-socráticos é o caráter crítico, isto é, a ideia
de que as teorias formuladas não são dogmáticas e nem podem ser verdades ab-
solutas e definitivas, mas “passíveis de serem discutidas, de suscitarem diver-
gências e discordâncias e permitirem formulações e propostas alternativas”.

10 • capítulo 1
Entre os principais aspectos da atitude filosófico-científica nascente, destacam-se:
– Tendência à racionalidade: a razão é tomada como critério de verdade, acima das
limitações das experiências imediatas e da explicação mítica. A razão ou pensamento
(logos) vê o visível e compreende o invisível, que é seu princípio imutável e verdadeiro;
– Busca de respostas concludentes: colocado um problema, sua solução é sempre
submetida à discussão e à análise crítica, em vez de ser sumária e dogmaticamente
aceita; o discurso deve ser capaz de provar, demonstrar e garantir aquilo que é dito;
– Acatamento às imposições de um pensamento organizado de acordo com certos
princípios universais que precisam ser respeitados para que pensamento e discurso
sejam aceitos como verdadeiros; são princípios lógicos;
– Ausência de explicações preestabelecidas e, portanto, exigência de investigação
para responder os problemas postos pela natureza;
– Tendência à generalização, isto é, a oferecer explicações de alcance geral (e mesmo
universal).
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia. 1. v. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 39.

1.2  Tipos de conhecimento


O homem, na sua busca pelo conhecimento e domínio da natureza, desen-
volveu diferentes formas para compreender a realidade. Vimos, por exemplo,
como se deu a construção do conhecimento filosófico-científico na antigui-
dade, resultado da busca dos pré-socráticos em compreender a realidade sem
buscar explicação fora da realidade. De lá pra cá muita coisa mudou. A história
da filosofia é o espelho das diversas discussões e correntes que buscaram com-
preender a realidade através de um método racional e real, como veremos no
decorrer dos capítulos.
De fato, a ciência se fortaleceu, proporcionando a estruturação de diversas
áreas do conhecimento. Mas além da ciência e da filosofia, o homem dispõe
de outros tipos de conhecimentos, como o mito, o senso comum e a arte. Essas
diferentes abordagens não se excluem necessariamente, podendo coexistir no
nosso cotidiano:

capítulo 1 • 11
Um cientista, com elaborado conhecimento numa área específica (por exemplo, a física),
não deixa de usar o senso comum na vida cotidiana quando, empiricamente, educa seu
filho ou, ainda, ao recorrer à filosofia para analisar os fundamentos de sua ciência; uma
pessoa religiosa aproxima-se de Deus pela fé, mas também busca na filosofia a justifica-
ção racional da existência de Deus; o mesmo acontece com o artista, cuja concepção sen-
sível do mundo coexiste com as demais maneiras de conhecer. (ARANHA, 2006, p. 18).

O mito

O mito é um tipo de conhecimento ou interpretação da realidade que não requer


fundamentações ou fatores racionais por se basear apenas a intuição ou no pen-
samento imediato. O mito pode ser caracterizado como uma narração “fabulo-
sa, de origem popular e não refletida, na qual agentes impessoais, a maior parte
das vezes forças da natureza, são representados sob forma de seres pessoais,
cujas ações ou aventuras tem um sentido simbólico” (LALANDE, 1999, p.688).
©© KOMPOSTERBLINT | DREAMSTIME.COM

O mito é essencialmente uma narrativa mágica ou maravilhosa, que não se define ape-
nas pelo tema ou objeto da narrativa, mas pelo modo (mágico) de narra, isto é, por
analogias, metáforas e parábolas. Sua função é resolver, num plano imaginativo, ten-
sões, conflitos e antagonismos sociais que não tem como ser resolvidos no plano da
realidade. (CHAUI, 2002, p, 36).

12 • capítulo 1
Nessa perspectiva, as crenças são suficientes para explicar a realidade e o
mundo que nos cerca, “sem que se exija daquele que crê a compreensão plena
dos mistérios”, aceitos, por sua vez, “sem discussão e transmitidos cultural-
mente às novas gerações” (ARANHA, 2006, p. 18). Em outras palavras, no pen-
samento mítico, não há provas que fundamentam as explicações da realidade;
apenas as crenças são suficientes para a sua compreensão.
Um dos elementos centrais do pensamento mítico é a referência ao sobre-
natural, ao mistério e ao divino. O próprio termo grego mythos denota um dis-
curso fictício. Trata-se de uma narrativa imaginária, de linguagem poética, que
invoca uma série de deuses e heróis para explicar a existência. Os povos tribais
tem como estrutura dominante a referência aos deuses. Isso fica evidente nos
poemas épicos fundadores da cultura grega que chegaram até nós. A Ilíada e a
Odisseia de Homero (séc. IX a.C.), por exemplo, captam a sensibilidade mitoló-
gica3 da Grécia Antiga, cujos eventos da existência humana eram concebidos
como consequências das ações dos deuses.

Por acreditar na atuação constante dos deuses, o mito primitivo ritualiza todas as ati-
vidades: os instrumentos úteis e as manifestações artísticas tem características mági-
cas; o mesmo ocorre com o plantio e a colheita, a caça, a guerra, as relações entre os
indivíduos (nascer, tornar-se adulto, casar, morrer), a explicação da origem do universo,
os valores aceitos. Em suma, no mundo primitivo tudo é mito e tudo se faz por magia.
(ARANHA, 2006, p. 18).

Contudo, devemos observar que o desenvolvimento do pensamento refle-


xivo ou científico não implica o final da consciência mítica, uma vez que ainda
ocupa lugar de destaque entre alguns povos.

Senso comum

Entendemos por senso comum o conhecimento que é aceito e compartilha-


do por grupo, independente de ser provado ou não, “cujas experiências fe-
cundas continuam sendo levadas a efeito pelos indivíduos da comunidade”
(ARANHA, 2006, p. 19). É um “conjunto de opiniões e valores característicos
daquilo que é correntemente aceito num meio social determinado” (JAPIASSU;
MARCONDES, 2008, p. 250).
3  Conjunto de mitos característicos de uma determinada cultura ou tradição (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008,
p. 189).

capítulo 1 • 13
Trata-se de um conhecimento fragmentário, difuso, assistemático, razão
pela qual ele não é produzido com base em procedimentos metodológicos, fei-
tos para conduzir a relação sujeito-objeto. O que resulta dessa relação com o
mundo é um saber que muitos chamam saber empírico, vulgar ou, ainda, senso
comum.
O quadro abaixo sintetiza as principais características do senso comum de
acordo com Chaui (2000, p. 315-316):

Exprimem sentimentos e opiniões individuais e de


grupos, variando de uma pessoa para outra, ou de um
SUBJETIVOS grupo para outro, dependendo das condições em que
vivemos.

As coisas são julgadas por nós como grandes ou pe-


quenas, doces ou azedas, pesadas ou leves, novas ou
QUALITATIVOS velhas, belas ou feias, quentes ou frias, úteis ou inú-
teis, desejáveis ou indesejáveis, coloridas ou sem cor,
com sabor, odor, próximas ou distantes, etc.;

Referem-se a fatos que julgamos diferentes, porque


os percebemos como diversos entre si. Por exemplo,
HETEROGÊNEOS um corpo que cai e uma pena que flutua no ar são
acontecimentos diferentes; sonhar com água é dife-
rente de sonhar com uma escada, etc.;

Por serem qualitativos e heterogêneos, isto é, cada


NDIVIDUALIZADORES coisa ou cada fato nos aparece como um indivíduo ou
como um ser autônomo.

Tendem a reunir numa só opinião ou numa só ideia


GENERALIZADORES coisas e fatos julgados semelhantes.

14 • capítulo 1
A Arte
©© CATALIN GRIGORIU | DREAMSTIME.COM

O conhecimento artístico ou o saber das artes tem como característica princi-


pal a valorização dos sentimentos, das emoções e das intuições dos homens.
Desde a filosofia antiga, o saber das artes se fundamenta nas experiências es-
téticas do homem. É um conhecimento que se baseia na intuição para deci-
frar a realidade; tem a imaginação como mediadora entre o ser a e existência,
o que possibilita outras formas de compreensão da realidade.
Segundo explica Aranha (2006, p. 19), a arte é um tipo de conhecimento
também intuitivo por não recorrer a conceitos “logicamente organizados,
mas por usar recursos que ‘falam’ ao sentimento e à imaginação”. O artista,
por meio de objetos concretos, “intui a realidade de modo original, provocan-
do também naquele que frui a obra de arte uma nova interpretação da expe-
riência vivida”.

capítulo 1 • 15
Filosofia
©© PETR VODICKA | DREAMSTIME.COM

A palavra filosofia é composta por dois termos gregos: philo e sophia. O pri-
meiro termo significa amizade, amor; o segundo, sabedoria. Filosofia significa,
portanto, amizade pela sabedoria, a busca do saber.
A filosofia, ao contrário do mito e do senso comum, é o pensamento sis-
tematizado e fundamentado que busca o verdadeiro significado das coisas, a
verdade sobre a existência do homem e de todas as coisas do mundo. Os estu-
diosos da filosofia afirmam que o que caracteriza a reflexão filosófica é o mo-
vimento de indagar, de questionar as coisas que “já conhecemos” e as quais,
ainda, iremos conhecer. É o pensar crítico a respeito das diversas concepções
(ideais) que podemos construir acerca do mundo e das ações que efetivamos
no mundo. A filosofia também analisa os valores éticos e os juízos morais; mas,
diferentemente do senso comum, que apenas formula opiniões simplistas, a
filosofia almeja a compreensão dos nossos atos e valores.
O ato de filosofia implica em não aceitar como óbvias e evidentes as
coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa
existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e com-
preendido. De acordo com Marilena Chauí (2000, p.13), o conhecimento filo-
sófico trabalha com enunciados precisos e rigorosos; opera com conceitos ou

16 • capítulo 1
ideias obtidos por procedimentos de demonstração e prova, o que exige a fun-
damentação racional do que é enunciado e pensado.
Trata-se de um trabalho intelectual sistemático porque não se contenta em
obter respostas para as questões colocadas, mas exige que as próprias questões
sejam válidas e, em segundo lugar, que as respostas sejam verdadeiras, estejam
relacionadas entre si, esclareçam umas às outras, formem conjuntos coerentes
de ideias e significações, sejam provadas e demonstradas racionalmente.
Chaui (2000, p. 11-12) destaca como principais características da Filosofia:

Perguntar o que a coisa, ou o valor, ou a ideia, é. A Filosofia pergunta qual é a realidade


ou natureza e qual é a significação de alguma coisa, não importa qual;

Perguntar como a coisa, a ideia ou o valor, é. A Filosofia indaga qual é a estrutura e


quais são as relações que constituem uma coisa, uma ideia ou um valor;

Perguntar por que a coisa, a ideia ou o valor, existe e é como é. A Filosofia pergunta
pela origem ou pela causa de uma coisa, de uma ideia, de um valor.

Ainda segundo Chaui (2000, p. 12), a reflexão filosófica organiza-se em tor-


no de três grandes conjuntos de perguntas ou questões:

1. Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que faze-
mos. Isto é, quais os motivos, as razões e as causas para pensarmos o que pensamos,
dizermos o que dizemos, fazermos o que fazemos?

2. O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer quando falamos,
o que queremos fazer quando agimos? Isto é, qual é o conteúdo ou o sentido do que
pensamos, dizemos ou fazemos?

3. Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que faze-
mos? Isto é, qual é a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e fazemos?

capítulo 1 • 17
De acordo com Marilena Chauí (2000. p. 9) a atitude filosófica é, ao mesmo
tempo, negativa e positiva. A primeira característica da atitude filosófica é ne-
gativa, por contrariar e rejeitar as formulações simplistas e com base no senso
comum. A segunda característica da atitude filosófica é positiva, por implicar
num questionamento sobre como as coisas são, “as ideias, os fatos, as situa-
ções, os comportamentos, os valores, nós mesmos”, assim como uma “interro-
gação sobre o porquê disso tudo e de nós, e uma interrogação sobre como tudo
isso é assim e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como é? Essas são
as indagações fundamentais da atitude filosófica” Mas tanto a atitude negativa
quanto a atitude positiva da filosofia resulta numa atitude crítica e no pensa-
mento crítico.

Atividade filosófica capta a Filosofia como análise (das condições da ciência, da reli-
gião, da arte, da moral), como reflexão (isto é, volta da consciência para si mesma para
conhecer-se enquanto capacidade para o conhecimento, o sentimento e a ação) e
como crítica (das ilusões e dos preconceitos individuais e coletivos, das teorias e prá-
ticas científicas, políticas e artísticas), essas três atividades (análise, reflexão e crítica)
estando orientadas pela elaboração filosófica de significações gerais sobre a realidade
e os seres humanos. Além de análise, reflexão e crítica, a Filosofia é a busca do funda-
mento e do sentido da realidade em suas múltiplas formas indagando o que são, qual
sua permanência e qual a necessidade interna que as transforma em outras. O que é o
ser e o aparecer-desaparecer dos seres? (CHAUI, 2000, p. 16)

Ciência

Ciência significa saber, conhecimento. Em sentido amplo, podemos dizer que


compreende um conjunto de conhecimentos que são adquiridos e sistematiza-
dos metodicamente. Mais precisamente, é a forma de conhecimento que além
de buscar “apropriar-se do real para explicá-lo de modo racional e objetivo”,
também “procura estabelecer entre fenômenos observados relações universais
e necessárias, o que autoriza a previsão de resultados cujas causas podem ser
detectadas mediante procedimentos de controle experimental” (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2008, p. 44).
O conhecimento científico não resulta de simples convenções, como no caso
do senso comum, mas de “relações objetivas que se descobrem gradualmente

18 • capítulo 1
e que se confirmam através de métodos de verificação definidos” (LALANDE,
1999, p. 155). Trata-se de um conhecimento que é sistemático, metódico e que
não é realizado de maneira espontânea, intuitiva, baseada na fé ou simples-
mente na lógica racional. Ele prevê, ainda, experimentação, validação e com-
provação daquilo a que chega a título de representação do real. Mediante as
leis que formula, o conhecimento científico possibilita ao ser humano elaborar
instrumentos os quais são utilizados para intervir na realidade e transformá-la
para melhor ou para pior.
Uma teoria científica, por sua vez, consiste num “sistema ordenado e co-
erente de proposições ou enunciados baseados em um pequeno número de
princípios, cuja finalidade é descrever, explicar e prever do modo mais com-
pleto possível um conjunto de fenômenos, oferecendo suas leis necessárias”.
Ocorre assim que a “teoria científica permite que uma multiplicidade empírica
de fatos aparentemente muito diferentes sejam compreendidos como seme-
lhantes e submetidos às mesmas leis; e, vice-versa, permite compreender por
que fatos aparentemente semelhantes são diferentes e submetidos a leis dife-
rentes” (CHAUI, 2000, p. 320).

1.3  Senso comum versus Ciência


Rubem Alves (1986, p.13), ao explicar os conceitos de ciência e senso comum,
faz a seguinte observação:

A aprendizagem da ciência é um processo de desenvolvimento progressivo do senso


comum. Que é senso comum? Antes, devo informar ao leitor que a expressão senso
comum não foi criada pelas pessoas de senso comum, mas por aqueles que se julgam
acima do senso comum. Portanto senso comum é o conhecimento que não é cientí-
fico e as pessoas de senso comum são intelectualmente inferiores, ou, como muitos
chamam, “leigos”. O que os cientistas talvez não saibam — ou melhor, eles sabem, mas
fingem que não sabem —, é que a ciência é uma metamorfose do senso comum. Sem
o senso comum, a ciência não pode existir.

Para Alves (1986, p.21), o senso comum e a ciência são expressões da mes-
ma necessidade básica, a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver

capítulo 1 • 19
melhor e sobreviver. De fato, na diferenciação entre os diferentes tipos de co-
nhecimentos que foram produzidos ao longo da história da humanidade, o
senso comum aparece como a primeira forma de compreensão do mundo re-
sultante de experiências de um grupo, que foram acumuladas e transmitidas
de gerações à gerações.
Cotrin (2002, p.46), afirma que os conceitos “nascem no cotidiano (senso
comum) são apropriados pelo meio científico e tornam-se científicos o rompe-
rem com esse cotidiano, com esse senso comum”; contudo, “vasto conjunto de
concepções geralmente aceitas como verdadeiras em determinado meio social
recebe o nome de senso comum”. Para Santos, (2002, p. 56), a ciência moderna
“construiu-se contra o senso comum”, considerando-o “superficial, ilusório e
falso” e a ciência pós-moderna vem para reconhecer os valores (“virtualidades”)
do senso comum que enriquecem a “nossa relação com o mundo”, ou seja, o
senso comum também produz conhecimento, mesmo que ele seja um “conhe-
cimento mistificado e mistificador”.
O senso comum se faz presente até mesmo na concepção que temos sobre
o cientista. Quando pensamos no cientista ligeiramente vem em nossas men-
tes a figura de uma pessoa de branco, descabelada e meio confusa, em amplos
laboratórios e etc., não é mesmo? Por que será que temos essa impressão dos
cientistas? Contudo, não há como negar que relacionamos a figura do cientista
ao conhecimento. Mas até que ponto a ciência é superior ao senso comum?
Para Alves (1986, p.21), o “senso comum e a ciência são expressões da mesma
necessidade básica, a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver me-
lhor e sobreviver”. Não importam as diferenças que separam o senso comum
da ciência: ambos estão em busca de ordem. Não se pode negar, por outro lado,
que o senso comum e a ciência nos apresentam visões de ordem muito diferen-
tes uma da outra.
Tratando-se especificamente do senso comum, podemos considerar como
uma de suas características o fato de ser um conhecimento resultante das expe-
riências vividas no cotidiano, que abrangem diferentes aspectos da vida, como
os costumes, tradições, éticas, normas e etc., e que visam oferecer aos homens
elementos que possam dar alguma garantia para o viver bem na comunidade a
qual pertencem.
Outra característica essencial do senso comum é que esse tipo de conhe-
cimento, por ser decorrente da tradição de um povo ou de uma cultura, não
é datado e não tem autoria. Sua transmissão ocorre no cotidiano, de modo

20 • capítulo 1
espontâneo. O senso comum também pode ser visto em ditos populares como
“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”; “Onde há fumaça há fogo”;
“A pressa é inimiga da perfeição”; “A união faz a força” e etc.

1.4  Um breve histórico da Ciência


©© © IGOR SOKALSKI | DREAMSTIME.COM

Como temos discutido, o conhecimento humano, nas suas diferentes formas,


é fruto das condições materiais do homem num determinado tempo histórico.
Segundo Andery (2007, p. 13), assim como os demais tipos de conhecimento
produzidos pelo homem, a ciência também é determinada pelas necessidades
materiais dos homens.
A produção do conhecimento científico não é, pois, prerrogativa do homem
contemporâneo. Quer nas primeiras formas de organização social, quer nas
sociedades atuais, é possível identificar a constante tentativa do homem para
compreender o mundo e a si mesmo; é possível identificar, também, como

capítulo 1 • 21
marca comum aos diferentes momentos do processo de construção do conhe-
cimento científico, a inter-relação entre as necessidades humanas e o conheci-
mento produzido; ao mesmo tempo em que atuam como geradoras de ideias
e explicações, as necessidades humanas vão se transformando a partir, entre
outros fatores, do conhecimento produzido.
Considerando assim que a humanidade construiu diferentes sentidos às
coisas a fim de explicar sua existência, é certo que o conhecimento científico
apresenta uma historicidade. Desta forma, faremos a seguir uma breve apre-
sentação da história da ciência, que certamente também perpassa na história
da filosofia, uma vez que :

1. À medida em que diversas correntes da filosofia se propuseram a entender e a expli-


car a realidade, os sistemas de saber foram se renovando, chamando atenção para as
ciências técnicas, para a natureza e à experiência vivida.

2. As ciências, por sua vez, tem sido um recurso dos filósofos para poder abalar os
sistemas filosóficos estabelecidos (DUTRA, 2005).

Vimos no começo do capítulo que a ciência iniciou seus trabalhos por vol-
ta do século V a.C., quando os filósofos pré-socráticos almejaram explicar ra-
cionalmente a natureza a partir dela própria, a partir da relação entre physis
(natureza), arqué (elemento primordial), kosmos (ordem da natureza) e logos
(pensamento).
O modelo naturalista dos filósofos pré-socráticos entra em crise com o sur-
gimento da sofística4, que passou a defender uma visão relativa do mundo. A so-
fística também despertou dúvidas quanto à pretensão da filosofia de conhecer
a verdade absoluta, favorecendo o surgimento do relativismo e do humanismo.
Contra o movimento sofista, Sócrates contrapunha-se a todo tipo de relativis-
mo e acreditava em valores e verdades permanentes. A visão dos sofistas sobre
a possibilidade do conhecimento, assim como a visão de Sócrates sobre a ver-
dade, será retomada com mais profundidade no capítulo 2 do nosso material.

4  GLOSSÁRIO: Sofística: “Denominação genérica do conjunto de doutrinas de filósofos contemporâneos de


Sócrates e Platão, conhecidos como sofistas”. Se caracteriza sobretudo pelo “relativismo em relação à moral e ao
conhecimento” (JAPIASSU; MARCONDES, 2008, p. 257)

22 • capítulo 1
O fragmento mais importante que conhecemos do sofista Protágoras (490-421 a.C.
aproximadamente) afirma que “o homem é a medida de todas as coisas, das que são e
das que não são”. Protágoras valorizava as explicações do real a partir dos fenômenos
e das circunstâncias, aproximado-se dos mobilistas e afastando-se dos monistas. O
sofista Górgias (485-380 a.C. aproximadamente), por sua vez, defendeu a impossibili-
dade do conhecimento definitivo a partir das seguintes formulações: nada é; se é, não
pode ser conhecido; e se é e é cognoscível, não pode ser comunicado, ou seja, tornado
significativo para outra pessoa. De acordo com Kerferd (2003, p. 12), os seguintes
temas prevaleceram nos ensinamentos dos sofistas: a necessidade de aceitar o relati-
vismo nos valores e noutras coisas, sem reduzir tudo ao subjetivismo; e a crença de que
não há área da vida humana, ou do mundo como um todo, que seja imune à compreen-
são alcançada por meio de debate racional.

Já na Idade Média encontramos um cenário no qual a fé prevalece como


verdade e fundamento de todo conhecimento. Pensadores cristãos como Santo
Agostinho e São Tomás de Aquino se aproximaram das obras clássicas da filo-
sofia grega e selecionaram aspectos que diziam ser compatíveis com a religião
cristã para explicar racionalmente a fé. Santo Agostinho privilegiou a metafísi-
ca platônica, especialmente seu dualismo entre mundo espiritual e material;
São Tomás de Aquino, a lógica aristotélica e seus recursos demonstrativos e
sistemáticos.
Já no período da Modernidade ocorre a revolução científica que ficou co-
nhecida como “Revolução Copérnica”, resultante dos estudos de Nicolau
Copérnico sobre a revolução dos corpos celestes em 1543. A tese central de
Copérnico refutava a tese da Terra ser imóvel e ocupar lugar central no univer-
so. Baseando-se em cálculos matemáticos, Copérnico criou o modelo heliocên-
trico, em que defende a tese do Sol ser o centro e a Terra como um astro que gira
ao redor do mesmo.
De acordo com Marcondes (2002, p. 150), a ciência moderna surge “quando
se torna mais importante salvar os fenômenos e quando a observação, a experi-
mentação e a verificação de hipóteses tornam-se critérios decisivos, suplantan-
do o aspecto metafísico”.
Ainda segundo o autor, a revolução científica que marca o surgimento da
ciência moderna foi resultado de duas grandes transformações:

capítulo 1 • 23
1) Do ponto de vista da cosmologia, a demonstração da validade do modelo helio-
cêntrico, empreendida por Galileu; a formulação da noção de um universo infinito, que
se inicia com Nicolau de Cusa e Giordano Bruno; e a concepção dos corpos celestes,
principalmente da Terra, em decorrência do modelo heliocêntrico; 2) do ponto de vis-
ta da ideia de ciência, a valorização da observação e do método experimental, isto é,
uma ciência ativa que se opõe à ciência contemplativa dos antigos; e a utilização da
matemática como linguagem da física, proposta por Galileu sob inspiração platônica e
pitagórica e contrária à concepção aristotélica. (MARCONDES, 2002, p. 151)

Características do conhecimento científico

Como temos estudado neste capítulo, a ciência, assim como os demais tipos de
conhecimentos, é resultado da relação do homem com sua existência material.
E como a história da humanidade é marcada por diferentes transformações, o
mesmo se deu com a ciência propriamente.
A Ciência, segundo Bachelard (1996, p. 18), deve-se opor absolutamente à
opinião, por esta traduzir necessidades em conhecimentos e designar os obje-
tos pela utilidade. Se o que se busca é o conhecimento científico, nada deve ser
baseado na opinião; antes de tudo é preciso destruí-la, superá-la. Em todas as
formas de racionalizações imprudentes, a resposta está muito mais presente e
nítida do que a pergunta. Em primeiro lugar é preciso saber formular proble-
mas. Se não há perguntas não há conhecimento científico.
O conhecimento científico pode ser definido assim como o “aperfeiçoa-
mento do conhecimento comum e ordinário obtido por meio de um procedi-
mento metódico, o qual mobiliza explicações rigorosas e ou plausíveis sobre o
que se afirma sobre um objeto da realidade” (GALLIANO, 1979, p. 21).

CONEXÃO
Para saber mais sobre as técnicas de metodologia científica, leia:
MORAES, João Francisco Régis. Ciência e perspectivas antropológicas hoje. In: CARVALHO,
Maria Cecilia. Construindo o saber: técnicas de metologia científica. 2ed. Campinas: Papirus,
1998, p. 9596.

24 • capítulo 1
De acordo com Araújo (1998, p. 15), três fatores devem ser levados em consi-
deração na conceituação da ciência:

a) toda ciência se compõe de um conjunto de hipóteses e teorias resolvidas e a resolver;


b) possui um objeto próprio de investigação que é um determinado setor da realidade
recortado para fins de descrição e explicação;
c) possui um método, sem o qual as tarefas acima seriam impraticáveis.

Entre as características do conhecimento científico, Barros e Lehfeld (2007,


p. 47), destacam os seguintes aspectos:

1) O surgimento do conhecimento científico coincide com a preocupação do homem


em compreender e exercer algum tipo de domínio e controle sobre a natureza e ou as
condições de sua existência;

2) É um tipo de conhecimento que exige o emprego de métodos, processos, técnicas


de análise que fazem desse tipo de conhecimento ser analítico, comunicável, verificável,
organizado e sistemático.

No quadro abaixo destacamos as características principais do conhecimen-


to científico de acordo com Chaui (2000, p. 317-318):

Isto é, procura as estruturas universais e necessárias das


OBJETIVO coisas investigadas;

Isto é, busca medidas, padrões, critérios de comparação


e avaliação para coisas que parecem ser diferentes. As-
sim, por exemplo, as diferenças de cor são explicadas por
diferenças de um mesmo padrão ou critériode medida,
QUANTITATIVO o comprimento das ondas luminosas; as diferenças de
intensidade dos sons, pelo comprimento das ondas sono-
ras; as diferenças de tamanho, pelas diferenças de pers-
pectiva e de ângulos de visão, etc.

capítulo 1 • 25
Isto é, busca as leis gerais de funcionamento dos fenô-
menos, que são as mesmas para fatos que nos parecem
diferentes. Por exemplo, a lei universal da gravitação de-
HOMOGÊNEO monstra que a queda de uma pedra e a flutuação de uma
pluma obedecem à mesma lei de atração e repulsão no
interior do campo gravitacional.

Pois não reúnem nem generalizam por semelhanças apa-


DIFERENCIADORES rentes, mas distinguem os que parecem iguais, desde que
obedeçam a estruturas diferentes.

ATIVIDADES
01. Com base na leitura do capítulo 1, defina o conceito de ciência.

02. O que é senso comum?

03. Por que é correto afirmar que a ciência nasce nas discussões filosóficas dos pré-
socráticos?

REFLEXÃO
Neste capítulo, iniciamos uma análise sobre os primórdios da ciência mediante uma leitura de
alguns aspectos da Filosofia Antiga. Vimos o quanto a ciência, assim como os demais tipos
de conhecimento, é resultado das condições materiais humanas. Analisamos os diferentes
tipos de conhecimento e refletimos sobre a relação da ciência com o senso comum.

LEITURA
Para se aprofundar na discussão sobre a construção da ciência recomendamos a leitura:
TARNAS, Richard. A epopeia do pensamento ocidental: para compreender as ideias que
moldaram nossa visão do mundo. Tradução de Beatriz Sidou. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2005.

26 • capítulo 1
Para entender mais sobre o pensamento filosófico e sua busca pela verdade leia:
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Rubem. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e suas regras. São Paulo: ED. Brasiliense,
1986.
ANDERY, Maria Amalia P. A. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro:
Garamond, 2007.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. São Paulo: Moderna, 2006.
ARAÚJO, Inês Lacerda. Introdução à filosofia da ciência. 2ed. Curitiba: Ed. Da UFPRA, 1998.
BARROS, A. J. S.; LEHFELD, N. A. S. Fundamentos da metodologia científica. São Paulo: Prentice
Hall, 2007.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Atica, 2000.
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia. 1. v. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
COTRIM. Gilberto. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 15. ed. São Paulo Saraiva,
2002.
GALLIANO, A. G. (org). O método científico: teoria e prática. São Paulo: Harper e Row, 1979.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 5. edição. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2008.
KERFERD, G. B. O movimento sofista. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2003.
LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. Tradução Fátima S. Correia, M. Emília V.
Aguiar, J. Eduardo Torres e M. Gorete de Souza. 3. edição. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 13. ed. Porto : Afrontamento, 2002.

capítulo 1 • 27
28 • capítulo 1
2
A Ciência: da
Antiguidade à
Revolução Científica
pós Idade Média
Nesse capítulo discutiremos as principais questões da ciência na Antiguida-
de mediante os questionamentos levantados pelos filósofos da época. Depois
passaremos para o período da Idade Media, destacando as mudanças e os
conflitos daquele período que suscitaram a transição do modelo feudal para o
capitalismo, por exemplo, e os fatores que desencadearam a Revolução cien-
tífica nos séculos XVI e XVII.

OBJETIVOS
•  Conhecer o pensamento filosófico - científico na Grécia Antiga;
•  Compreender o desenvolvimento da ciência na Idade Média e transição do feudalismo para
o capitalismo;
•  Identificar os fatores que possibilitaram a Revolução Científica nos séculos XVI e XVII.

30 • capítulo 2
2.1  Filosofia e Ciência na Antiguidade
Sobre o surgimento da ciência, sabemos que os filósofos da antiguidade foram
os primeiros a se interessarem pelo propósito da ciência, ou melhor, pela natu-
reza do conhecimento científico e o que determina sua verdade ou erro.
Entre as condições que favoreceram o surgimento do pensamento filosófi-
co-científico na Grécia Antiga, Chaui (2002) destaca, sobretudo, o aspecto da
filosofia como uma visão ordenada do mundo. Os gregos instituíram a política
e passaram a organizar as cidades a partir de leis e instituições públicas, cujas
decisões eram tomadas por meio de debates, votos em assembleias que preser-
vavam a ideia de justiça, de coletividade e de cidadão. Esse momento é marcado
na história do pensamento como sendo a passagem do pensamento mítico-re-
ligioso para um pensamento que se estrutura a partir da razão.
O pensamento filosófico foi despertado pela busca de uma explicação racio-
nal dos fenômenos naturais: a relação entre physis (natureza), arqué (elemento
primordial), kosmos (ordem da natureza) e logos (pensamento). Os primeiros
filósofos que se empenharam nessa busca foram os pré-socráticos, que viam na
natureza a explicação da realidade.
Os historiadores da filosofia grega costumam distinguir quatro grandes
tendências ou escolas no período pré-socrático:

cujos principais representantes são Tales de Mileto, Ana-


ESCOLA JÔNICA ximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto e Heráclito de
(ÁSIA MENOR) Éfeso;

ESCOLA que tem como um de seus principais representantes Pitá-


PITAGÓRICA OU goras de Samos;
ITÁLICA

cujos representantes são Xenófanes, Parmênides e Zenão


ESCOLA ELEATA de Eléia;

ESCOLA que tem como representantes Leucipo e Demócrito de Abdera.


ATOMISTA

capítulo 2 • 31
Apresentaremos a seguir um quadro geral dos filósofos pré-socráticos – os
estudiosos da natureza – e de suas principais ideias, procurando destacar a im-
portância desse movimento para o desenvolvimento da filosofia antiga.

PRÉ-SOCRÁTICO PRINCIPAL TESE

Tales fez algumas descobertas astronômicas,


como a previsão do eclipse solar e a identifica-
TALES DE MILETO ção da constelação da Ursa Menor. Em busca
(623-543 A.C. da arqué, Tales afirmou ser a água o princípio de
APROXIMADAMENTE) todo o universo, por considerá-la um elemento
natural diretamente vinculado à vida.

Defendeu o pensamento como principal meio


de explicação do mundo e apresentou o ápeiron
como o elemento primordial da natureza: o que
ANAXIMANDRO DE MILETO é sem fim, imenso, ilimitado, infinito e indetermi-
(610-547 A.C.) nado. Nesse aspecto, a physis não poderia ser
nenhum dos elementos materiais percebidos e
definidos na natureza.

Considerou o ar o elemento essencial da natu-


ANAXÍMENES DE MILETO reza, uma vez que é incorpóreo e se encontra
(588-524 A.C.) em toda parte do mundo.

Afirmou que o princípio de tudo é o número, por


PITÁGORAS DE SAMOS considerar que as coisas são ritmos, proporções,
(570-490 A.C.) relações, somas, subtrações, combinações e
dissociações ordenadas e reguladas

32 • capítulo 2
PRÉ-SOCRÁTICO PRINCIPAL TESE

É considerado o principal representante do mo-


bilismo, concepção segundo a qual a realidade
natural se caracteriza pelo movimento. O caráter
dinâmico da realidade é simbolizado pelo fogo,
concebido por Heráclito como o elemento pri-
HERÁCLITO DE ÉFESO mordial da natureza. O fragmento mais conhe-
(500 A.C. cido de Heráclito é o que diz que “não podemos
APROXIMADAMENTE) entrar duas vezes no mesmo rio, porque suas
águas não são nunca as mesmas e nós não
somos nunca os mesmos”. Esse fragmento ex-
pressa a ideia defendida por Heráclito de que a
principal característica do mundo é a mudança
contínua de todas as coisas.

Sustentou que a realidade consiste em átomos


DEMÓCRITO DE ABDERA e no vazio: os átomos se atraem e se repelem,
(490-430 A.C.) gerando com isso os fenômenos naturais e o
movimento.

DEMÓCRITO DE ABDERA
(490-430 A.C.) Afirmou que a realidade consiste no ser imóvel,
imutável, uno, indivisível e pleno.
PARMÊNIDES
(570-470 A.C.)

CONEXÃO
Para saber mais sobre as oposições entre os pré-socráticos, leia:
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2002. p. 38.

capítulo 2 • 33
E para saber mais sobre as proposições dos principais pré-socráticos, leia o item “Herá-
clito, Parmênides e Demócrito” do capítulo 4 do livro: CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia.
São Paulo: Atica, 2000.

Entre os principais conflitos do período pré-socrático, os estudiosos destacam a con-


trovérsia entre dois representantes da Escola Jônica: Heráclito e Parmênides; o primei-
ro defensor do mobilismo e o segundo do monismo. Enquanto Parmênides defendia a
doutrina de uma realidade única, Heráclito e os mobilistas afirmavam ser o movimento a
característica da realidade natural. Entre os fragmentos mais conhecidos de Heráclito é
o qual o filósofo afirma que não podemos “banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque
o rio não é mais o mesmo” (MARCONDES, 2002, p. 35).

Com o desenvolvimento das cidades estados (polis) no século V a.C., o mo-


delo explicativo dos pré-socráticos dá espaço para o surgimento do movimento
sofista. Os sofistas surgiram num período em que a filosofia deixou de se ocu-
par unicamente com explicações da natureza e passou a analisar temas da po-
lítica, da ética e da teoria do conhecimento. Muito do que sabemos dos sofistas
foi relatado por Platão, que os definiu como falsificadores da filosofia. De um
modo geral, as acusações de Platão dirigidas aos sofistas reduziam-se a duas:
que não eram pensadores sérios e não tinham papel nenhum na história da
filosofia, e que seus ensinamentos eram profundamente imorais.
O profissionalismo dos sofistas, na segunda metade do século V a.C. distin-
guia-os de seus predecessores. O que mais desagradava seus opositores espe-
cialmente Platão,

[...] não era o fato de cobrarem honorários, mas por venderem instrução em sabedoria
e virtude. Essas não eram da espécie de coisas a ser vendidas por dinheiro; amizade e
gratidão deveriam ser recompensa suficiente. O que realmente incomodava nos sofis-
tas, sob esse aspecto, é que eles vendiam sabedoria a todos os que se apresentassem,
sem discriminação, e por cobrarem honorários, destituíam-se do direito de escolher
seus alunos. (KERFERD, 2003, p. 46)

34 • capítulo 2
Desde o final do século XIX, segundo observa Chaui (2002), os historiadores
da filosofia antiga passaram a considerar os sofistas os fundadores da pedago-
gia democrática, mestres da arte da educação do cidadão. A natureza e a finali-
dade da educação, o papel do professor na sociedade, o que e como ensinar já
eram problemas formulados e discutidos pelos sofistas, cuja reflexão incluía
discussões sobre a teoria do conhecimento e da percepção e sobre a natureza
da verdade, criando uma sociologia do conhecimento dirigida a problemas teó-
ricos e práticos da vida em sociedade. Entre os principais sofistas encontramos:
Hípias, Pródico, Eutidemo, Protágoras e Górgias.
O movimento sofista surgiu no momento de transição da tirania e da oli-
garquia para a democracia, forma de governo que evocava a igualdade de leis
para todos e a extinção dos privilégios aristocráticos. Mestres da oratória, os
sofistas ensinavam a arte de argumentar e persuadir pelo discurso, ou seja, téc-
nicas para argumentar e tornar efetivo um discurso diante de opiniões contra-
ditórias, habilidades necessárias para a participação na vida política. Também
investigavam temas relativos à ação do homem em sociedade (moral e ética),
ensinando o caminho da areté, palavra que, na filosofia antiga, indica um con-
junto de valores (físicos, morais, éticos, políticos) que expressa um ideal de ex-
celência e de valor humano para os membros da sociedade.

De fato, o que ensinavam os sofistas? A arte de argumentar e persuadir, decisiva para


quem exerce a cidadania numa democracia direta, em que as discussões e decisões
são feitas em público e nas quais vence quem melhor souber persuadir os demais,
sendo hábil, jeitoso, astuto na argumentação em favor de sua opinião e contra a do ad-
versário. Se a nova areté é a cidadania e se a educação visa à formação do cidadão vir-
tuoso ou excelente, os sofistas de apresentavam como professores de areté ou, como
ficaram conhecidos na tradição, como professores da virtude. (CHAUI, 2002, p. 162)

De acordo com Kerferd (2003, p. 12), os seguintes temas prevaleceram nos


ensinamentos dos sofistas:

•  a necessidade de aceitar o relativismo nos valores e noutras coisas, sem


reduzir tudo ao subjetivismo;
•  a crença de que não há área da vida humana, ou do mundo como um todo,
que seja imune à compreensão alcançada por meio de debate racional.

capítulo 2 • 35
Kerferd (2003, p. 10) também retrata alguns problemas formulados e discu-
tidos pelos sofistas no seu ensino:

•  problemas filosóficos na teoria do conhecimento e da percepção- em que


grau as percepções sensíveis devem ser consideradas infalíveis e incorrigíveis,
e os problemas decorrentes neste caso;
•  a natureza da verdade, a relação entre o que parece e o que é real ou
verdadeiro;
•  a relação entre linguagem, pensamento e realidade;
•  sociologia do conhecimento, que reclama por investigação-história da
cultura humana;
•  problemas teóricos e práticos da vida em sociedade-justiça, atitude e ética;
•  natureza e finalidade da educação e o papel do professor na sociedade- o
quê e como ensinar?

Como consequência de todos estes aspectos, destaca Kerferd (2003, p. 12)


temos dois temas dominantes: "a necessidade de aceitar o relativismo nos valo-
res e noutras coisas, sem reduzir tudo ao subjetivismo, e a crença de que não há
área da vida humana, ou do mundo como um todo, que seja imune à compre-
ensão alcançada por meio de debate racional".
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36 • capítulo 2
O pensamento de Sócrates (469-399 a.C.) marca o nascimento da filosofia
clássica, desenvolvida por Platão e Aristóteles. Tudo que sabemos a seu respei-
to foi divulgado por Platão, seu principal discípulo, especialmente a partir dos
diálogos socráticos, nos quais Sócrates é o personagem central e defensor de
suas próprias ideias.
Para Sócrates, os homens precisavam reconhecer que tinham conheci-
mentos errôneos, inclusive de si mesmos. Acreditava que essa era uma tarefa
difícil, mas fundamental. Mostrar-lhes tal ignorância também era sua tarefa.
A partir desse passo, o conhecimento de si (e daquilo que importava os uni-
versais) era possível e indispensável porque os homens, possuidores de uma
alma indissociável de seu corpo, aspiravam ao Bem, e só não eram capazes de
conhecê-lo e praticá-lo por causa de sua ignorância. O homem-suas virtudes,
seu comportamento e seu conhecimento- era o centro, portanto, das preocu-
pações de Sócrates. (ANDERY; MICHILETTO, 2007, p. 61-62)
Sócrates contraria a visão dos sofistas por defender a necessidade do “co-
nhecimento de uma verdade única sobre a natureza das coisas, afastando-se
das opiniões e buscando a definição das coisas” (MARCONDES, 2002, p.49).
Mais especificamente, a crítica de Sócrates aos sofistas consiste em mostrar
que o ensinamento sofístico limita-se a uma mera técnica ou habilidade argu-
mentativa que visa convencer o oponente daquilo que diz, mas que não leva ao
verdadeiro conhecimento.

A consequência disso era que, devido à influência dos sofistas, as decisões polí-
ticas na Assembleia estavam sendo tomadas não com base em um saber, ou na
posição dos mais sábios, mas na dos mais hábeis em retórica, que poderiam não ser
os mais sábios ou virtuosos. Os sofistas não ensinavam portanto o caminho para o
conhecimento, para a verdade única que resultaria desse conhecimento, mas para
a obtenção de uma verdade consensual, resultado da persuasão. É essa oposição
que marca, segundo Sócrates, a diferença entre a filosofia e a sofistica, e que
permite com que Platão e Aristóteles considerem os sofistas como não-filósofos”.
(MARCONDES, 2002, p. 48)

capítulo 2 • 37
O quadro a seguir mostra as principais características dos ensinamentos
dos sofistas e de Sócrates:

ENSINAMENTOS SOFISTAS ENSINAMENTOS SOCRÁTICOS

• Professores de técnicas que preten- • Ensina o diálogo, o questionamento,


dem ensinar estratégias de argumenta- como forma de buscar a verdade;
ção e conhecimentos que julgam neces- • O método educativo e filosófico de Só-
sário ao convívio social da polis; crates tem como fundamento a maiêuti-
• Ensinavam que cada homem tem um ca, um procedimento dialético que envol-
modo próprio de ver e de conhecer as ve um questionamento de senso comum
coisas, do que resultava a tese de que e que objetiva revelar a fragilidade do
não pode existir uma verdadeira ciência entendimento humano sobre as coisas,
objetiva e universalmente válida.” mas sem deixar de apontar a possibili-
• Valorizavam o ensino da retórica e a dade de se aperfeiçoarem as ideias me-
arte de argumentar, por considerarem diante a reflexão.
conhecimentos indispensáveis à for-
mação dos indivíduos. Acreditavam que
o sucesso de um homem era devido à
sua capacidade de convencer o outro de
seus argumentos.

Resumindo, de acordo com Chaui (2000, p. 46), a diferença entre os sofistas,


de um lado, e Sócrates e Platão, de outro,

[...] é dada pelo fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percep-
ções sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquan-
to Sócrates e Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens
das coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimen-
to que nunca alcançam a verdade plena da realidade.

38 • capítulo 2
Platão, discípulo de Sócrates, foi um filósofo do período clássico da
Grécia Antiga e fundador da Academia em Atenas. Juntamente com Sócrates
e Aristóteles, construiu as bases da Filosofia Ocidental, procurando en-
frentar temas no campo da ética, da política, da metafisica e da teoria do
conhecimento.
A teoria platônica sobre a natureza dos conceitos envolve, ao mesmo tem-
po, o “abandono” do mundo sensível e a busca do mundo das ideias: Platão
supôs que temos um conhecimento prévio que a alma traz consigo desde o
seu nascimento e que resulta da contemplação das formas, as essências das
coisas, às quais contemplou no mundo das ideias antes de encarnar no corpo
material. No mundo sensível, a alma tem uma visão obscurecida das formas,
e o papel do filósofo é fazer despertar esse conhecimento esquecido. É impor-
tante observar que, em Platão, a tarefa da filosofia é essencialmente teórica,
contemplativa e dirigida para uma realidade abstrata e ideal.
No mundo sensível, o homem conheceria as imagens emanadas os obje-
tos pelas sombras, pelos reflexos na água e pela suferfície, nessa ordem, gra-
ças a sua capacidade visual e ao sol que incide sobre eles, permitindo que
sejam representados. O segundo nível do conhecimento, no mundo sensível,
estaria relacionado aos objetos que circundam o homem, sendo percebidos
por ele à medida que se apresentam aos sentidos e podendo ser representa-
dos na forma de crenças, isto é, pela confiança depositada nas sensações e
na percepção. “No mundo inteligível, os osbjetos do conhecimento científico
seriam de outra natureza. Eles não seriam vistos pelos olhos nem percebidos
pelos sentidos, mas seriam apreendidos pelo pensamento como coisas em
si mesmas, independentes das sensaçoes e percepções humanas” (PAGNI;
SILVA, 2007, p. 48).

A teoria de dois mundos é defendia por Platão no texto que ficou conhecido como mito
da caverna. Vejamos agora a explicação de Chaui (2000, p. 47-48) sobre a teoria da
caverna de Platão:
Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração,
seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados
de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas
para frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada

capítulo 2 • 39
da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na se-
mi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior. A luz que ali entra provém de uma
imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros - no exterior, portanto - há
um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a
parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens
transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas
as coisas. Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros
enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas,
mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam.
Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são
as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que
são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da
caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no
exterior e imaginam que toda luminosidade possível é a que reina na caverna.

Aristóteles desenvolveu seu sistema filosófico a partir de uma crítica à teo-


ria das ideias de Platão. Ao contrário de Platão, o processo do conhecimento,
segundo Aristóteles, se inicia com os sentidos ou sensações. “Enquanto Platão
considerava os sentidos pouco confiáveis, proporcionando apenas uma ‘visão
de sobras’, Aristóteles os vê como ponto de partida do processo de conheci-
mento e indispensáveis para esse processo” (MARCONDES, 2002, p, 80). A me-
mória é necessária para retermos os dados sensíveis e para que o processo de
conhecimento prossiga. Com os dados que recebemos dos sentidos, os quais
guardamos na memória, constituímos a experiência. A experiência é quem
proporciona os elementos de que precisamos para adquirir a arte e a ciência.
O objetivo próprio da tékhne é descobrir o porquê das coisas, isto é, as suas
causas; é o nível em que temos a possibilidade de ensinar, explica Marcondes
(2002, p. 81), “já que o ensinamento envolve a determinação de regras e de
relações causais, que transmitimos quando ensinamos”. Ciência é o conheci-
mento sistematizado dos conceitos e princípios que regulam as leis da nature-
za. A última etapa do conhecimento é a sabedoria, o conhecimento das causas
primeiras e universais: a metafísica1.

1  Metafísica é definida como a “filosofia primeira”, que examina os princípios e as causas primeiras das coisas
(JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008, p. 185).

40 • capítulo 2
O esquema abaixo representa o processo de conhecimento segundo

Sensação Memória Experiência Arte Teoria/Ciência

Aristóteles:
De acordo com Berti (2002, p.4), sãos duas as características da ciência que
resultam da definição aristotélica: 1) o conhecimento da causa, que deve ser
entendida como a explicação de um fato, de um comportamento ou de uma
propriedade (para Aristóteles há quatro tipos de causa-material, formal, moto-
ra e final-, todas suscetíveis de ser objeto de ciência); 2) a necessidade de suas
conclusões, isto é, a impossibilidade de que, quando se tem ciência de um certo
estado de coisas, as coisas sejam diversamente de como se sabe que são. Na
visão de Aristóteles, “ter ciência, isto é, saber, significa, em suma, conhecer não
somente o ‘quê’, mas também o ‘porquê’ de certo estado de coisas, e saber que
não é um simples estado de fato, mas uma verdadeira necessidade”.

2.2  Ciência na Idade Média


A filosofia medieval corresponde ao período que vai do final do helenismo (séc.
VII) até o Renascimento (final do séc. XIV). Com a queda do Império Romano
(séc.V), já então cristão, e as invasões dos bárbaros pagãos, a Igreja viu na con-
ciliação do conhecimento greco-romano com as doutrinas cristãs um caminho
oportuno para combater as diversas formas de ceticismo.
A crise do império romano foi acompanhada pelo crescimento e força da
igreja. O cristianismo surgiu com questionamentos às ideias e valores da so-
ciedade escravista e divulgação das bases cristãs, implantando uma sensação
de segurança e proteção que a população necessitava, especialmente para os
adeptos que davam terras e pregavam tributos para adquiri-la.
O período da Idade Média pode ser dividido em dois períodos. O primeiro
deles, conhecido como Alta Idade Média, se inicia depois das invasões bárbara
e se encerra por volta do Ano Mil; recebe esse nome por se agregar “em torno do
modelo da sociedade feudal, marcada por uma atitude defensiva, por proble-
mas de sobrevivência”. O outro período, conhecido como Baixa Idade Média, se

capítulo 2 • 41
iniciou a partir do Ano Mil e ficou conhecido pelo “despertar das cidades e do
comércio, das ciências e das artes, pelas lutas sociais e religiosas, pela consti-
tuição de Estados nacionais e etc” (CAMBI, 1999, p.149). Especialmente na
Baixa Idade Média, ocorre o nascimento da burguesia, implicando uma “re-
volução” cultural e econômica que despertou o fortalecimento da nova clas-
se social “fortemente individualista e autônoma, atenta à produção de bens e
ao incremento da riqueza que é reinvestida-capitalisticamente- na produção”
(CAMBI, 1999, p.151).
No sistema feudalista, a terra é “governada por um senhor que age dentro
dele como fonte de direito, que se empenha na sua defesa militar, que impõe
aos habitantes do feudo a obrigação à fidelidade e à submissão, em troca de
proteção”. A economia do feudo é, em geral, “de subsistência, produzindo e
consumindo as mercadorias de que tem necessidade, reduzindo ao mínimo o
intercâmbio e apresentando-se predominantemente agrícola” (CAMBI, 1999,
p. 155). O nascimento do feudalismo resultou assim de um processo de “despo-
voamento das idades e o deslocamento do centro as vida social para o campo”
Com o renascimento urbano do século XI, as condições da sociedade feudal
passam por algumas mudanças, como a intensificação do comércio, o cresci-
mento das cidades e da população. Um ponto chave dessa transformação ocor-
re justamente com a mudança do valor de uso para o chamado valor de troca,
resultando sobretudo no desenvolvimento do comércio e a divisão entre pro-
dutores-mercadores. Tal revolução econômica, “acaba com o modelo feudal”-
ligado a um sistema econômico fechado, baseado na agricultura, desencadean-
do “uma economia de intercâmbio, baseada na mercadoria e no dinheiro, na
capitalização, no investimento, na produtividade”. Esse modelo, no entanto,
implicava

[...] uma racionalização dos recursos (financeiros e humanos) e um cálculo do lucro


como regra do crescimento econômico. Nasce o sistema capitalista, e nasce indepen-
dente de princípios éticos, de justiça e de solidariedade, para caracterizar-se, ao contrá-
rio, pelo puro cálculo econômico e pela exploração de todo recurso (natural, humano,
técnico). (CAMBI, 1999, p, 197)

42 • capítulo 2
A formação e a consolidação da classe burguesa promoveu “o novo processo
econômico (capitalista)”, delineando uma “nova concepção do mundo (laica e
racionalista) e novas relações de poder (opondo-se à aristocracia feudal e alian-
do-se à coroa, depois entrando em conflito aberto com seu modelo de Estado-
patrimonial e de exercício absoluto do poder)” (CAMBI, 1999, p.197).
O processo de transição do sistema feudal para o sistema capitalista (séc.
XV ao XVII), ocorreu mediante diversos conflitos e mudanças, como a forma-
ção dos Estados Nacionais unificados pelo regime da monarquia absolutista; o
desenvolvimento das grandes navegações e a implantação do sistema colonial
e escravocrata nas colônias portuguesas e espanholas e etc.

2.3  A Revolução Científica nos


séculos XVI e XVII

É nos séculos XVI e XVII que ocorre a chamada Revolução científica, que tornou
“mais importante salvar os fenômenos” mediante a “observação, a experimen-
tação e a verificação de hipóteses” (MARCONDES, 2002, p. 150). No entanto,
dois movimentos nesse mesmo período influenciaram decisivamente a manei-
ra do homem em se posicionar em relação ao conhecimento: o Renascimento
e a Reforma Protestante.
©© RIDO | DREAMSTIME.COM

capítulo 2 • 43
O período do humanismo inicia-se no século XV com a ideia “renascentista
da dignidade do homem como centro do Universo”, prosseguindo nos séculos
XVI e XVII com o “estudo do homem como agente moral, político e técnico-ar-
tístico, destinado a dominar e controlar a Natureza e a sociedade, chegando ao
século XVIII, quando surge a ideia de civilização, isto é, do homem como razão
que se aperfeiçoa e progride temporalmente através das instituições sociais e
políticas e do desenvolvimento das artes, das técnicas e dos ofícios” (CHAUI,
2000, p. 347).
O humanismo renascentista foi um movimento que valorizava as artes plás-
ticas com base numa retomada do ideal clássico greco-romano, em oposição à
escolástica medieval. Entre as principais características desse movimento te-
mos a valorização do homem como um indivíduo e sua livre iniciativa e criativi-
dade. “O humanismo não separa homem e Natureza, mas considera o homem
um ser natural diferente dos demais, manifestando essa diferença como ser
racional e livre, agente ético, político, técnico e artístico” (CHAUI, 2000, p. 347).
O séc. XVI é marcado pela Reforma Protestante, movimento que criticava
a autoridade da Igreja sob a justificativa de todos homens seriam capazes in-
terpretarem as Escrituras Sagradas. Liderada por Martinho Lutero (1483-­1546),
teólogo e reformador alemão, a Reforma foi um movimento que contestou a au-
toridade exercida pela Igreja Católica desde os últimos séculos da Idade Média.
Contra a autoridade da Igreja, Lutero foi um defensor da ideia de que qualquer
indivíduo, mediante sua fé, era capaz de compreender as mensagens dos textos
bíblicos, não necessitando da intermediação da Igreja. Para os reformadores, a
verdadeira cristandade advinha unicamente da fé nas Escrituras.

A ruptura provocada pela Reforma é um dos fatores propulsores da modernidade. A


defesa da ideia de que a fé é suficiente para que o indivíduo compreenda a mensagem
divina nos textos sagrados, a assim chamada ‘regra da fé’- não necessitando da inter-
mediação da Igreja, dos teólogos, da doutrina dos concílios-, representa na verdade a
defesa do individualismo contra a autoridade externa, contra o saber adquirido, contra as
instituições tradicionais, todos colocados sob suspeita” (MARCONDES, 2002, p. 147).

Do ponto de vista filosófico, a Reforma se apresentava como representan-


te da defesa da liberdade individual e da “consciência como lugar da certeza,
sendo o indivíduo capaz pela sua luz natural de chegar à verdade (em questões

44 • capítulo 2
religiosas) e contestar a autoridade institucional e o saber tradicional, posições
que se generalizarão além do campo religioso e serão fundamentais no desen-
volvimento do pensamento moderno” (MARCONDES, 2002, p. 148).
A Revolução Científica tornou o conhecimento mais estruturado e mais prá-
tico, absorvendo o empirismo como mecanismo para se consolidar as consta-
tações. Esse período marcou uma ruptura com as práticas ditas científicas da
Idade Média, fase em que a Igreja Católica ditava o conhecimento de acordo
com os preceitos religiosos.

O humanismo renascentista havia colocado o homem no centro de suas preocupações


éticas, estéticas, políticas. A Reforma protestante valorizara o individualismo e o espírito
crítico, bem como a discussão de questões éticas e religiosas. A revolução científica
pode ser considerada uma grande realização do espírito crítico humano, com sua for-
mulação de hipóteses ousadas e inovadoras e com sua busca de alternativas para a
explicação científica; porém, ao tirar a Terra do centro do universo e ao trazer para o
primeiro plano a ciência da natureza, se fasta dos temas centrais do humanismo e da
Reforma, sofrendo em muitos casos a condenação tanto de protestantes quanto de ca-
tólicos. O homem deixa de ser o microcosmo que reflete em si a grandeza e a harmonia
do macrocosmo, as novas teorias dissociando radicalmente a natureza do universo da
natureza humana. (MARCONDES, 2002, p. 153).

Como veremos na sequência de nossos estudos, a revolução científica mo-


derna teve seu ponto de partida na obra de Nicolau Copérnico, Sobre a revolução
dos orbes celestes (1543). O sistema heliocêntrico2 defendido por Copérnico
consiste num dos fatores de ruptura mais marcantes no início as modernidade,
“uma vez que ia contra uma teoria estabelecida há praticamente vinte séculos,
constitutiva da própria maneira pela qual o homem antigo e medieval via a si
mesmo e ao mundo a que pertencia” (MARCONDES, 2001, p. 149). Os estudos
de Copérnico foram demonstrados fisicamente no século XVII, quando Galileu
Galilei (1564-1642), com seu telescópio, comprovou a teoria heliocêntrica e a
mutabilidade dos corpos celestes.

2  Heliocêntrico: modelo de cosmo em que o Sol é o centro (sistema heliocêntrico) e a Terra apenas mais um astro
girando em torno do Sol” (MARCONDES, 2002, p 149).

capítulo 2 • 45
De acordo com Chaui (2000, p. 95-96), a revolução copernicana demonstrou
que o sistema geocêntrico era falso e que:
1. O mundo não é finito, mas é um Universo infinito;
2. Os astros não estão presos em esferas, mas fazem um movimento
(como demonstrará Kepler, depois de Copérnico), cuja forma é a de uma elipse;
3. O centro do Universo não é a Terra;
4. O Sol (como já fora demonstrado por outros astrônomos) não é um pla-
neta, mas uma estrela, e a Terra, como os outros planetas, gira ao redor dele;
5. O próprio Sol também se move, mas não em volta da Terra.

Fique atento aos apontamentos de Marcondes (2002) sobre as transformações que


possibilitaram o surgimento da ciência moderna, tema que discutiremos com mais pro-
fundidade no próximo capítulo:
Quadro sinótico
Conceito de modernidade: ruptura com a tradição, oposição entre o antigo e o novo,
valorização do novo, ideal de progresso, ênfase na individualidade, rejeição da autori-
dade institucional.
Principais causas: Grandes transformações no mundo europeu dos séculos XV-XVI
como a descoberta do Novo Mundo (Américas); surgimento de importantes núcleos
urbanos em algumas regiões, principalmente na Itália (Florença); desenvolvimento de
atividade econômica, sobretudo mercantil e industrial.
Humanismo renascentista: importância das artes plásticas, retomada do ideal greco
-romano em oposição à escolástica medieval, valorização do homem enquanto indiví-
duo, de sua livre iniciativa e de sua criatividade.
Reforma protestante: crítica à autoridade institucional da Igreja, valorização da interpre
tação da mensagem divina nas Escrituras pelo indivíduo, ênfase na fé como experiência
individual.
Revolução científica: rejeição do modelo geocêntrico do cosmo e sua substituição
pelo modelo heliocêntrico, noção de espaço infinito, visão da natureza como possuindo
uma ‘linguagem matemática’, ciência ativa x ciência contemplativa antiga.
Redescoberta do ceticismo: a oposição entre o antigo e o moderno suscita a proble-
mática cética do conflito das teorias e a ausência do critério conclusivo para a decisão
sobre a validade destas teorias.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002

46 • capítulo 2
ATIVIDADES
01. O que desencadeou o processo de transição do sistema feudal para o capitalismo no
decorrer da Idade média?

02. Por que a descoberta de Copérnico sobre o movimento da Terra é vista como um marco
na Revolução Científica?

REFLEXÃO
Nessa aula analisamos o nascimento da ciência na Grécia Antiga e sua relação com os
filósofos da época. Também analisamos o desenvolvimento da Ciência na Idade Média e
no período de transição do feudalismo para o capitalismo e analisamos alguns fatores que
possibilitaram o nascimento da ciência moderna.

LEITURA
Para saber mais sobre as principais formulações filosóficas na Idade média, leia:
RUBANO, Denize. MOROZ, Melania. A fé como limite da razão: Europa Medieval. IN: In:
ANDERY, Maria Amália. Para compreender a Ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Ja-
neiro: Garamond, 2007, p. 61-62.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERY, Maria Amália; MICHELETTO, Nilza; SÈRIO, Tereza Maria P. O mundo tem uma
racionalidade, o conhecimento depende dele. In: ANDERY, Maria Amália. Para compreender a
Ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles. Tradução Dion Davi Macedo. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Fundação Editora da
UNESP (FEU), 1999.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia. 1. v. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 5. edição. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2008.

capítulo 2 • 47
KERFERD, G. B. O movimento sofista. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 2003.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
PAGNI, Pedro Angelo; SILVA, Divino José. O desejo de sabedoria e a paideia justa em Platão.
In: PAGNI, Pedro Angelo; SILVA, Divino José (Org.). Introdução à filosofia da educação: temas
contemporâneos e história. São Paulo: Avercamp, 2007.

48 • capítulo 2
3
O Desenvolvimento
da Ciência Moderna
Neste capítulo, aprofundaremos nossa análise sobre o nascimento e o desen-
volvimento da ciência moderna, destacando seus principais expoentes e re-
presentantes de diferentes vertentes epistemológicas.

OBJETIVOS
•  Conhecer o nascimento da ciência moderna (séc. XVII), destacando as contribuições de
Nicolau Copérnico e Galileu Galilei para o desenvolvimento da Ciência Moderna;
•  Conhecer o desenvolvimento do conhecimento científico (séc. XVII ao séc. XX), diferen-
ciando o racionalismo cartesiano do empirismo inglês;
•  Entender o movimento do iluminismo e a contribuição de Imannuel Kant no século XVIII e
filosofia da ciência de Popper no século XX.

50 • capítulo 3
3.1  O desenvolvimento da Ciência moderna
A história da ciência é resultado de uma série de fatores históricos e sociais,
assim como de rupturas epistemológicas decorrentes das necessidades identi-
ficadas pelo sujeito do conhecimento acerca do objeto a ser conhecido. Entre
esses fatores destaca-se a recuperação de “textos matemáticos da Grécia Anti-
ga por eruditos humanistas que forneceram novos meios para a formulação de
exigências quanto à unidade da matemática, sua utilidade e sua certeza como
meio de estabelecer a verdade” (HENRY, 1998, p. 23).
Outros fatores contribuíram para a formação do pensamento moderno,
como a descoberta do Novo Mundo (1492), o desenvolvimento do mercantilis-
mo como novo modelo econômico que supera progressivamente a economia
feudal, e o surgimento e a consolidação dos Estados nacionais (Espanha e
Portugal, Países Baixos, Inglaterra e França), que substituem o modelo político
do feudalismo (MARCONDES, 2002). A revolução científica gerou um conjunto
de discussões no campo da filosofia e da ciência em torno da validade e con-
quista do conhecimento. As seguintes questões expressam o ideal da filosofia
moderna em todo seu período (séc. XVII-séc. XIX):

•  Como chegar ao conhecimento?


•  Como chegar à verdade?
•  Como é possível o conhecimento: por meio da razão ou da experiência?
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capítulo 3 • 51
Antes de aprofundarmos nossa análise sobre o desenvolvimento da ciên-
cia moderna, é necessário compreender que, no decorrer de seu desenvolvi-
mento, três concepções de ciência ou de ideais de cientificidade estiveram
presentes: “o racionalista, cujo modelo de objetividade é a matemática; o
empirista, que toma o modelo de objetividade da medicina grega e da his-
tória natural do século XVII; e o construtivista, cujo modelo de objetividade
advém da ideia de razão como conhecimento aproximativo” (CHAUI, 2000,
p. 321).
De acordo com Chaui, (2000, p. 321), a concepção racionalista – que se
inicia com os regos e segure até o final do século XVII, considera a ciência
um “conhecimento racional dedutivo e demonstrativo como a matemática”,
sendo capaz de “provar a verdade necessária e universal de seus enunciados
e resultados, sem deixar qualquer dúvida possível”. Nessa perspectiva, o ob-
jeto científico é uma “representação intelectual universal, necessária e ver-
dadeira das coisas representadas e corresponde à própria realidade, porque
esta é racional e inteligível em si mesma”, de modo que as experiências cien-
tíficas são realizadas com a finalidade de “verificar e confirmar as demons-
trações teóricas e não para produzir o conhecimento do objeto, pois este é
conhecido exclusivamente pelo pensamento”.
A concepção empirista compreende a ciência como uma “interpretação
dos fatos baseada em observações e experimentos que permitem estabelecer
induções e que, ao serem completadas, oferecem a definição do objeto, suas
propriedades e suas leis de funcionamento”. Diferentemente do racionalis-
mo, aqui a “teoria científica resulta das observações e dos experimentos, de
modo que a experiência não tem simplesmente o papel de verificar e confir-
mar conceitos, mas tem a função de produzi-los” (CHAUI, 2000, p. 321).
A concepção construtivista, por sua vez, considera a ciência uma “cons-
trução de modelos explicativos para a realidade e não uma representação da
própria realidade”, de modo que o “cientista combina dois procedimentos –
um, vindo do racionalismo, e outro, vindo do empirismo – e a eles acrescenta
um terceiro, vindo da ideia de conhecimento aproximativo e corrigível”. São
três as exigências de seu ideal de cientificidade (CHAUI, 2000, p. 321):

52 • capítulo 3
1. que haja coerência (isto é, que não haja contradições) entre os princípios que orien-
tam a teoria;

2. que os modelos dos objetos (ou estruturas dos fenômenos) sejam construídos com
base na observação e na experimentação;

3. que os resultados obtidos possam não só alterar os modelos construídos, mas tam-
bém alterar os próprios princípios da teoria, corrigindo-a.

Para Marcondes (2002, p. 149), a revolução científica moderna tem seu pon-
to de partida na obra de Nicolau Copérnico, Sobre a revolução dos orbes celestes
(1543), “em que este defende matematicamente (através de cálculos dos movi-
mentos dos corpos celestes) um modelo de cosmo em que o Sol é o centro (sis-
tema heliocêntrico) e a Terra apenas mais um astro girando em torno do Sol” .

Na verdade, o modelo heliocêntrico copernicano rompe com o sistema aristotélico-


ptolomaico em um aspecto fundamental que é a adoção do Sol, e não da Terra, como
centro, porém conserva ainda a concepção de um cosmo fechado, tendo como limite
a esfera das estrelas fixas, típico da visão antiga. Será apenas progressivamente que
a ideia de um universo infinito será incorporada à ciência moderna. (MARCONDES,
2002, p. 151)

Copérnico afirmou que o Sol é o centro do nosso sistema e a Terra, assim


como os demais planetas, gira em torno dele. “Essa ideia, que recuperava an-
tiquíssimas hipóteses gregas, recebeu acolhida hostil em muitos círculos de
opinião, porque contradizia todas as representações habituais”. Na Espanha,
o sistema copernicano foi aceito e ensinado rapidamente. Desde então, “a
atividade do pensamento matemático aplicado à física tornou-se muito in-
tensa” (MARÍAS, 2004, p. 217). “Copérnico acreditava que seu sistema devia
ser considerado fisicamente verdadeiro”. Além de colocar a Terra em mo-
vimento “contra todos os ensinamentos da física aristotélica, as Sagradas
Escrituras e o senso comum”, o fez com base em fundamentos que a maioria
de seus contemporâneos teria julgado ilegítimos. “Por mais contrário que o

capítulo 3 • 53
movimento da Terra possa parecer à filosofia natural, Copérnico insistiu, ele
deve ser verdadeiro ‘porque a matemática o exige’. Isso foi revolucionário”
(HENRY, 1998, p. 23).
Os avanços e progressos e na física e na astronomia tiveram a colaboração
dos estudos de Kepler, que, em Astronomia nova, “revelou que os planetas se-
guiam trajetórias elípticas em torno do Sol e que a velocidade do planeta varia-
va continuamente, aumentando à medida que ele se aproximava do Sol, dimi-
nuindo quando se afastava” (HENRY, 1998, p. 25)

Kepler elaborou três famosas leis das órbitas planetárias: Estabelecia “que a órbitas
são elípticas (não circulares, como se considerava mais perfeito), que a linha reta que
une os planetas ao Sol varre áreas iguais em intervalos de tempo iguais, e que os qua-
drados dos tempos de translação dos planetas são proporcionais aos cubos de suas
distancias ao Sol. Kepler afirmado modo mais enfático o matematismo na ciência: ‘O
homem não pode conhecer perfeitamente nada além de magnitudes ou por meio de
magnitudes’”. (MARÍAS, 2004, p. 218

A demonstração empírica do modelo copernicano ocorre somente no sé-


culo XVII com Galileu, em especial, pelo uso do telescópio. Marcondes (2002,
p. 153) considera Galileu de certa forma “o ponto de chegada de um processo
de transformação da antiga visão de mundo e de ciência inaugurada dois sé-
culos antes no início do Renascimento”. Galileu “sintetiza, sistematiza, ela-
bora e desenvolve a contribuição desses diferentes pensadores em uma obra
genial- que terá grande influência em seu tempo e no desenvolvimento da fí-
sica a partir daí-, mas está longe de ser o criador original e solitário da nova
ciência”.
Galileu Galilei (1564-1642) rompeu com o método aristotélico de ciência
ao defender um método empírico fundamentado na observação e na expe-
rimentação. Descobriu a lei dos corpos celestes e anunciou o princípio da
inércia e o conceito de referência inercial. Provou a validade da teoria helio-
cêntrica de Nicolau Copérnico e estabeleceu a matemática como sendo a lin-
guagem do universo, o que foi fundamental para o desenvolvimento da física
moderna.

54 • capítulo 3
Em seus escritos, Galileu ensina repetidamente por meio de exemplos,
“mostrando como a prática matemática pode nos ajudar a compreender a na-
tureza do mundo, mesmo naqueles casos em que a adequação entre a análi-
se matemática e a realidade física é apenas aproximada, sendo a matemática
baseada numa circunstância idealizada, irrealizável” (HENRY, 1998, p. 31).

Galileu, portanto, mostrava não só uma alteração na concepção aristotélica de um uni-


verso que já vinha sendo questionada, como também, uma consequente alteração na
forma de abordar os fenômenos, demonstrando na prática a não-validade do postulado
aristotélico da impossibilidade de o mundo físico ser estudado quantitativamente. (...)
a solução do problema astronômico implicava a construção de uma nova física e essa
construção, por sua vez, demandava a definição do papel da matemática nela envolvida.
(GOIA, 2007, p. 188-89).

Nos séculos XVI e XVII, uma série de instrumentos matemáticos foi colocado em uso
para facilitar a resolução dos problemas em todos os ramos da matemática. Mas outros
instrumentos foram desenvolvidos nesse período e destinados a descobrir novas ver-
dades sobre a natureza , como telescópio, microscópio, barômetro, termômetro e etc.
Entre os fundadores da chamada nova ciência da natureza, os historiadores destacam:
Nicolau Copérnico, Johannes Kepler, Galileu Galilei, Isaac Newton.
HENRY, John. A revolução científica e as origens da ciência moderna.
Trad. Maria Luiza A Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

Newton (1643-1727) formulou a lei da gravitação e interpretou a totalida-


de da mecânica em função das atrações de massas, expressáveis matematica-
mente. “Com ele a física moderna atinge a sua pureza, baseando-se num prin-
cípio unitário de máxima generalidade” (MARÍAS, 2004, p. 219). Em sua obra
Filosofia Natural (1687), descreve a lei da gravitação universal e as três leis de
Newton que fundamentaram a mecânica clássica:

capítulo 3 • 55
Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movi-
1ª LEI DE mento uniforme em uma linha reta, ao menos que seja força-
NEWTON do a mudar aquele estado por forças submetidas sobre ele;

A mudança de movimento é proporcional à força motora


2ª LEI DE submetida, e é produzida na direção da linha reta na qual
NEWTON aquela força é submetida;

A toda ação há sempre oposta uma reação igual ou, as


3ª LEI DE ações, mútuas de dois corpos sobre o outro são sempre
NEWTON iguais e dirigidas a partes opostas.

Entre as características da Ciência moderna, Chaui (2000, p. 57) aponta a


concepção de realidade como um “sistema de causalidades racionais rigorosas
que podem ser conhecidas e transformadas pelo homem”. Predomina a ideia
de “experimentação e de tecnologia (conhecimento teórico que orienta as in-
tervenções práticas); o ideal de que o homem poderá dominar tecnicamente
a Natureza e a sociedade; e a ideia de “conquista científica e técnica de toda a
realidade, a partir da explicação mecânica e matemática do Universo e da in-
venção das máquinas, graças às experiências físicas e químicas”. A autora com-
plementa essas características dizendo que existe também a “convicção de que
a razão humana é capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões
e das emoções e, pela vontade orientada pelo intelecto, é capaz de governá-las e
dominá-las, de sorte que a vida ética pode ser plenamente racional”

3.2  Racionalismo e empirismo


Mesmo que os filósofos da Antiguidade e os pensadores da Idade Média te-
nham discutido sobre o problema do conhecimento, só a partir do século XVII
que a teoria do conhecimento tornou-se uma disciplina independente. Embora
os antigos “reconhecessem que podemos nos enganar, em nenhum momento
colocaram em questão a realidade do mundo nem a capacidade de conhecê-la”.
Foram os modernos, a começar por Descartes, que “passaram a ver a realidade

56 • capítulo 3
do mundo como um problema, na medida em que, antes de tudo, investigaram
a respeito da origem do conhecimento (qual é a fonte do conhecimento?) bem
como sobre o critério de verdade (o que permite reconhecer o verdadeiro?)”
(ARANHA, 2006, p. 160).
Nesse cenário, duas grandes tendências marcam o campo da filosofia e da
ciência moderna: o racionalismo e o empirismo.
A filosofia racionalista surgiu no século XVII defendendo o papel da razão
humana no processo de conhecimento, apresentando-a como “como funda-
mento de todo conhecimento possível” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008, p. 233).
Em suma, a tese central defendida pelos racionalistas é a de que podemos alcan-
çar o conhecimento sobre o real por meio da mente. A “fonte do conhecimento
verdadeiro é a razão operando por si mesma, sem o auxílio da experiência sensí-
vel e controlando a própria experiência sensível” (CHAUI, 2000, p. 146).
Um dos principais representantes dessa corrente de pensamento é René
Descartes (1596-1650). Depois de ter vivenciado as controvérsias sobre a pos-
sibilidade do conhecimento tão presentes no período renascentista, princi-
palmente em decorrência da Reforma protestante e das revoluções científicas,
Descartes objetivou encontrar um método seguro para conhecer a realidade
que fosse capaz de demonstrar de forma conclusiva a capacidade humana de
conhecer o real de modo verdadeiro e definitivo. As obras publicadas pelo filó-
sofo abrangem dois temas centrais do racionalismo: a proposta metodológica
do uso correto da razão para se chegar à verdade e a valorização da noção de
sujeito do conhecimento.
Descartes afirma que todos os nossos conhecimentos só podem ser aceitos
se forem provados racionalmente. Para isso, “submete todos os conhecimentos
existentes em sua época e os seus próprios a um exame crítico conhecido como
dúvida metódica, declarando que só aceitará um conhecimento, uma ideia, um
fato ou uma opinião se, passados pelo crivo da dúvida, revelarem-se indubitáveis
para o pensamento puro”. Nesse processo de colocar tudo em dúvida, Descartes
conclui que “até o momento, há uma única verdade indubitável” se encontra na
expressão “Penso, logo existo”, pois, “se eu duvidar de que estou pensando, ain-
da estou pensando, visto que duvidar é uma maneira de pensar. A consciência
do pensamento aparece, assim, como a primeira verdade indubitável que será o
alicerce para todos os conhecimentos futuros” (CHAUI, 2000, p. 115).
Descartes também contribuiu para o desenvolvimento do pensamento
científico moderno a partir da elaboração das regras do método de investigação

capítulo 3 • 57
crítica. De acordo com o filósofo, em toda investigação não podemos conside-
rar nada como verdadeiro precipitadamente, a não ser as coisas que se apre-
sentam indubitáveis. Devemos buscar resolver os problemas mediante a orde-
nação do pensamento, começando nossa análise pelos objetos mais simples e
mais fáceis de conhecer até o conhecimento mais complexo.
As regras do método propostas por Descartes são as seguintes
(MARCONDES, 2002):

REGRA DA Deve garantir a validade de nossos pontos de partida no pro-


EVIDÊNCIA cesso de investigação científica.

REGRA DA Indica que um problema a ser resolvido deve ser decomposto


ANÁLISE em suas partes constituintes mais simples.

Sustenta que uma vez realizada a análise devemos ser capazes


REGRA DA de reconstituir aquilo que dividimos, revelando um real conhe-
SÍNTESE cimento do objeto investigado.

REGRA DA Deve alertar para a necessidade de termos certezas de que


VERIFICAÇÃO efetivamente realizamos todos os procedimentos possíveis.

A grande novidade introduzida por Descartes foi iniciar sua filosofia pela teoria do co-
nhecimento, na busca de uma verdade primeira que não pudesse ser posta em dúvida.
Converte então a dúvida em método e começa duvidando de tudo, das afirmações do
senso comum, dos argumentos de autoridade, do testemunho dos sentidos, das ver-
dades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e até de seu próprio
corpo. Chega então a uma verdade indubitável, uma intuição primeira, a qual seja exis-
tência de um ser que duvida e que, se duvida, pensa: ‘penso, logo existo’”. (ARANHA,
2006, p. 160-161)

58 • capítulo 3
Nessa busca por fundamentos seguros e indubitáveis, Descartes afirma a
existência de ideias inatas, ou seja, aquelas que já nascem com o sujeito. “O
inatismo1 afirma que nascemos trazendo em nossa inteligência não só os prin-
cípios racionais, mas também algumas ideias verdadeiras, que, por isso, são
ideias inatas”(CHAUI, 2000, p. 85). A tese central dos inatistas é a seguinte: “se
não possuirmos em nosso espírito a razão e a verdade, nunca teremos como
saber se um conhecimento é verdadeiro ou falso, isto é, nunca saberemos se
uma ideia corresponde ou não à realidade a que ela se refere. Não teremos um
critério seguro para avaliar nossos conhecimentos” (CHAUI, 2000, p. 88).
Enquanto o racionalismo privilegiava a razão como principal instrumento
do conhecimento, o empirismo – outra forte corrente filosófica da modernida-
de – considerou a experiência o fundamento de todo o conhecimento. Nessa
vertente filosófica, todo conhecimento advém da experiência, e não de especu-
lações metafísicas. Contrariamente aos defensores do inatismo, os defensores
do empirismo afirmam que a razão, a verdade e as ideias racionais são “adqui-
ridos por nós através da experiência”. Antes da experiência, dizem eles, nossa
razão é como uma “folha em branco”, onde nada foi escrito; uma “tábula rasa”,
onde nada foi gravado. “Somos como uma cera sem forma e sem nada impresso
nela, até que a experiência venha escrever na folha, gravar na tábula, dar forma
à cera” (CHAUI, 2000, p. 88).

Nossos conhecimentos começam com a experiência dos sentidos, isto é, com as sen-
sações. Os objetos exteriores excitam nossos órgãos dos sentidos e vemos cores, sen-
timos sabores e odores, ouvimos sons, sentimos a diferença entre o áspero e o liso,
o quente e o frio, etc. As sensações se reúnem e formam uma percepção; ou seja,
percebemos uma única coisa ou um único objeto que nos chegou por meio de várias e
diferentes sensações. Assim, vejo uma cor vermelha e uma forma arredondada, aspiro
um perfume adocicado, sinto a maciez e digo: “Percebo uma rosa”. A “rosa” é o resul-
tado da reunião de várias sensações diferentes num único objeto de percepção. As
percepções, por sua vez, se combinam ou se associam. A associação pode dar-se por
três motivos: por semelhança, por proximidade ou contiguidade espacial e por suces-
são temporal. A causa da associação das percepções é a repetição. Ou seja, de tanto
algumas sensações se repetirem por semelhança, ou de tanto se repetirem no mesmo

1  Inatismo: “Concepção segundo a qual certas ideias, princípios ou estruturas do pensamento são inatas em virtude
de pertencerem à natureza humana- isto é, à mente ou ao espírito- sendo, portanto, nesse sentido, universais”
(JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008, p. 145).

capítulo 3 • 59
espaço ou próximas umas das outras, ou, enfim, de tanto se repetirem sucessivamente
no tempo, criamos o hábito de associá-las. Essas associações são as ideias. As ideias,
trazidas pela experiência, isto é, pela sensação, pela percepção e pelo hábito, são leva-
das à memória e, de lá, a razão as apanha para formar os pensamentos.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000, p.88.

O filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) é um dos principais represen-


tantes do empirismo do pensamento moderno2. No intuito de formular um
método correto de investigação, o filósofo empírico, por sua vez, defendeu um
método experimental contra as ciências teóricas e contemplativas com base na
observação da natureza e na experimentação. Em sua obra Novum organum,
de 1620, apresenta uma crítica à concepção dedutiva de ciência defendida por
Aristóteles, defendendo um método indutivo no conhecimento científico, ou
seja, uma forma de raciocínio que parte dos casos particulares para o geral.
No novo modelo de ciência defendido por Bacon, o homem deveria liber-
tar-se de falsas noções – por ele denominadas de ídolos– resultantes da pró-
pria natureza humana, do meio, das relações comunicativas e discursivas entre
os homens e das doutrinas filosóficas e científicas antigas. Bacon propõe um
novo método científico- a indução- “que, com base em observações, permite
o conhecimento do funcionamento da natureza e, observando a regularidade
entre os fenômenos e estabelecendo relações entre eles, permite formular leis
científicas que são generalizações indutivas. É desse modo que a ciência pode
progredir, e o conhecimento crescer de forma controlada e, portanto, segura”
(MARCONDES, 2002, p. 179).
De acordo com Bacon, existem quatro tipos de ídolos ou de imagens que
formam opiniões cristalizadas e preconceitos, que impedem o conhecimento
da verdade (CHAUI, 2000, p. 144):

As opiniões que se formam em nós por erros e defeitos de


ÍDOLOS DA nossos órgãos dos sentidos. São os mais fáceis de corrigir
CAVERNA por nosso intelecto

2  Também são representantes dessa vertente: Thomas Hobbes, John Locke, David Hume.

60 • capítulo 3
São as opiniões que se formam em nós como consequên-
ÍDOLOS DO cia da linguagem e de nossas relações com os outros. São
FÓRUM difíceis de vencer, mas o intelecto tem poder sobre eles;

São as opiniões formadas em nós em decorrência dos po-


deres das autoridades que nos impõem seus pontos de
ÍDOLOS DO vista e os transformam em decretos e leis inquestionáveis.
TEATRO Só podem ser refeitos se houver uma mudança social e
política;

São as opiniões que se formam em nós em decorrência


ÍDOLOS DA de nossa natureza humana; esses ídolos são próprios da
TRIBO espécie humana e só podem ser vencidos se houver uma
reforma da própria natureza humana.

Fique atento às principais características do racionalismo e do empirismo (CHAUI,


2000, p. 146):
Para o racionalismo, a fonte do conhecimento verdadeiro é a razão operando por
si mesma, sem o auxílio da experiência sensível e controlando a própria experiência
sensível.
Para o empirismo, a fonte de todo e qualquer conhecimento é a experiência sensível,
responsável pelas ideias da razão e controlando o trabalho da própria razão.

3.3  O iluminismo e a contribuição de


Immanuel Kant

O Iluminismo, ou Século das Luzes, foi um movimento do pensamento eu-


ropeu característico basicamente da segunda metade do séc. XVIII. Abrange
não só o pensamento filosófico. Mas também as artes, sobretudo a literatura,
as ciências, a teoria política e a doutrina jurídica. Os pensadores iluministas

capítulo 3 • 61
almejavam o desenvolvimento do conhecimento crítico em todos os campos do
saber humano, principalmente para a melhoria do estado e da sociedade. Des-
sa formam acreditavam na superação da tirania e das superstições decorrentes
da Idade Média.
O pressuposto básico do iluminismo afirma, portanto, que todos os ho-
mens são dotados de uma espécie de luz natural, de uma racionalidade, uma
capacidade natural de aprender, capaz de permitir que conheçam o real e ajam
livre e adequadamente para a realização de seus fins. A tarefa da filosofia, da ci-
ência e da educação é permitir que essa luz natural possa ser posta em prática,
removendo os obstáculos que a impedem e promovendo o seu desenvolvimen-
to. O Iluminismo possui assim um caráter pedagógico enquanto projeto de for-
mação do indivíduo, podendo ser visto também como herdeiro do humanismo
iniciado no Renascimento. (MARCONDES, 2002, p. 202).
Immanuel Kant (1724-1804) é um dos principais representantes do
Iluminismo e autor de uma filosofia que caracterizou como racionalismo crí-
tico, a fim de superar a dicotomia entre racionalismo e empirismo. De acordo
com Marcondes (2002, p. 207), quatro questões são fundamentais no raciona-
lismo crítico de Kant:

Questão que diz respeito à metafísica, no sentido


O QUE POSSO SABER? kantiano de investigação sobre a possibilidade e
legitimidade do conhecimento.

O QUE DEVO FAZER? Cuja resposta é dada pela moral.

O QUE POSSO ESPERAR? O problema da esperança, de que trata a religião.

Objeto da antropologia , à qual em última análise


O QUE É O HOMEM? se reduzem as outras três e que é na verdade a
mais importante das quatro.

Kant elaborou uma concepção de filosofia que chamou de racionalismo crí-


tico. Na sua obra mais influente, a Crítica da razão pura, publicada em 1781, o

62 • capítulo 3
filósofo apresenta um modelo de investigação que se fundamenta no exame
crítico das possibilidades da experiência humana em conhecer a realidade.
Investiga as “condições de possibilidade de conhecimento, ou seja, o modo
pelo qual, na experiência de conhecimento, sujeito e objeto se relacionam e
em que condições esta relação pode ser considerada legítima. ‘Sujeito’ e ‘ob-
jeto’ são, portanto, para Kant, termos relacionais, que só podem ser conside-
rados como parte da relação de conhecimento, e não autonomamente. Só há
objeto para o sujeito, só há sujeito se este se dirige ao objeto, visa apreendê-lo”
(MARCONDES, 2002, p. 209).
Em discussão com os inatistas e os empiristas, Kant negou que estivessem
certos; negou que “pudéssemos conhecer a realidade em si das coisas, negou
que a razão possuísse conteúdos inatos, mostrando que os conteúdos depen-
dem da experiência; mas negou também que a experiência fosse a causa da
razão, ou que esta fosse adquirida, pois possui formas e estruturas inatas”. A
proposta de Kant “deu prioridade ao sujeito do conhecimento, enquanto empi-
ristas e inatistas davam prioridade ao objeto do conhecimento” (CHAUI, 2000,
p. 100)
Um elemento essencial na filosofia de Kant é a noção de princípios a priori,
termo empregado pelo filósofo para qualificar os princípios universais e neces-
sários anteriores à experiência. Em discussão com os empiristas, Kant defen-
deu a ideia de que o significado da experiência depende das formas a priori,
cujos conteúdos deveriam ser preenchidos pela experiência. As formas a priori
defendidas por Kant apresentam as seguintes características:

UNIVERSAIS Por estarem em todos os seres humanos;

TRANSCENDENTAIS Por não dependerem da experiência individual;

NECESSÁRIAS Por fornecerem as regras para o pensamento.

Kant demonstrou a “existência e validade dos juízos sintéticos a priori nas


ciências, demonstrando que o conhecimento da realidade nada mais é do que
a maneira como a razão, através de sua estrutura universal, organiza de modo

capítulo 3 • 63
universal e necessário os dados da experiência”. Para Kant, “graças às formas
a priori da sensibilidade (espaço e tempo) e dos conceitos a priori do enten-
dimento (as categorias de substância, causalidade, relação, quantidade, qua-
lidade, etc.)”, possuímos uma “capacidade de conhecimento inata, universal e
necessária que não depende da experiência, mas se realiza por ocasião da expe-
riência sobre os objetos que esta nos oferece” (CHAUI, 2000, p. 295).

3.4  A filosofia da Ciência no século XX


Karl Popper é considerado por muitos como o filósofo mais influente do século
XX a tematizar a ciência. Foi também um filósofo social e político de estatura
considerável, um grande defensor da democracia liberal e um oponente impla-
cável do totalitarismo. Popper cunhou o termo “racionalismo crítico" para des-
crever a sua filosofia. Para Popper a verdade é inalcançável, todavia devemos
nos aproximar dela por tentativas. O estado atual da ciência é sempre provisó-
rio. Ao encontrarmos uma teoria ainda não refutada pelos fatos e pelas obser-
vações, devemos nos perguntar, será que é mesmo assim ? Ou será que posso
demonstrar que ela é falsa?
Para Popper, todo conhecimento é falível e suscetível à correções. Dessa for-
ma, o conhecimento científico é construído e a atitude de colocar sob crítica
toda teoria permite o aprimoramento do conhecimento científico.
As teorias científicas são construções que envolvem aspectos não completa-
mente racionais, como a imaginação, criatividade e intuições, isto é, tentativas
humanas de descrever e entender a realidade. Para Popper (1985, p. 32), a tare-
fa da epistemologia ou da filosofia da ciência é reconstruir racionalmente “as
provas posteriores pelas quais se descobriu que a inspiração era uma descober-
ta ou veio a ser reconhecida como conhecimento”.
Outra característica do conhecimento científico apontado por Popper
(1975, p. 75), é a de que não existem dados puros, já que “todo o nosso conheci-
mento é impregnado de teoria, inclusive nossas observações”.
Podemos pontuar os seguintes aspectos principais da teoria de Karl Popper:

1. O conhecimento científico é criado, inventado com o objetivo de com-


preender a realidade;

64 • capítulo 3
2. Não existe observação neutra, livre de pressupostos; todo o conheci-
mento está impregnado de teoria;
3. As teorias científicas são conjecturas, provisórias e sujeitas à
reformulações;
4. Todo conhecimento é a modificação de algum conhecimento anterior.

Popper afirma que as mudanças científicas são uma consequência da concepção da


verdade como coerência teórica. E propõe que uma teoria científica seja avaliada pela
possibilidade de ser falsa ou falsificada. Uma teoria científica é boa, diz Popper, quanto
mais estiver aberta a fatos novos que possam tornar falsos os princípios e os conceitos
em que se baseava. Assim, o valor de uma teoria não se mede por sua verdade, mas
pela possibilidade de ser falsa. A falseabilidade seria o critério de avaliação das teorias
científicas e garantiria a ideia de progresso científico, pois é a mesma teoria que vai
sendo corrigida por fatos novos que a falsificam. (CHAUI, 2000, p. 329).

CONEXÃO
Para saber mais sobre a filosofia da ciência de Karl Popper acesse:
http:.brasilescola.com/filosofia/a-concepcao-ciencia-karl-popper.htm

Para Thomas Khun, uma nova concepção científica emerge, levando tan-
to a incorporar nela os conhecimentos anteriores, quanto a afastá-los inteira-
mente. Para o filósofo da ciência, “esses momentos de ruptura epistemológica
e de criação de novas teorias com a expressão revolução científica, como, por
exemplo, a revolução copernicana, que substituiu a explicação geocêntrica pela
heliocêntrica” (CHAUI, 2000, p. 328).
Segundo Khun, “um campo científico é criado quando métodos, tecnolo-
gias, formas de observação e experimentação, conceitos e demonstrações for-
mam um todo sistemático, uma teoria que permite o conhecimento de inúme-
ros fenômenos”. Nesse processo, a teoria se torna um modelo de conhecimento
ou um paradigma científico (CHAUI, 2000, p. 328).

capítulo 3 • 65
Uma revolução científica acontece quando o cientista descobre que os paradigmas
disponíveis não conseguem explicar um fenômeno ou um fato novo, sendo necessário
produzir um outro paradigma, até então inexistente e cuja necessidade não era sentida
pelos investigadores. (CHAUI, 2000, p. 328).

ATIVIDADES
01. Descreva as principais características do racionalismo e do empirismo.

02. Qual a concepção de ciência e verdade defendia por Popper?

REFLEXÃO
Neste capítulo pudemos acompanhar os fatores que suscitaram o nascimento e o desenvol-
vimento da ciência moderna, destacando diferentes perspectivas sobre a possibilidade do
conhecimento e as características do conhecimento científico.

LEITURA
Para saber mais sobre o movimento iluminista, leia:
FORTES, Luiz Roberto. O Iluminismo e os reis filósofos. 2. ed. São Paulo: Brasiliense,
1982.
Você pode aprofundar seus estudos sobre o racionalismo cartesiano lendo:
STRATHERM, Paul. Descartes em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. São Paulo: Moderna, 2006.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Atica, 2000.
GOIA, Silvia Catarina. A razão, a experiência e a construção de um universo geométrico: Galileu
Galilei. In: ANDERY, Maria Amália P. A. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio
de Janeiro: Garamond, 2007, p. 188-189.

66 • capítulo 3
HENRY, John. A revolução científica e as origens da ciência moderna. Trad. Maria Luiza A Borges.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 5. edição. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2008.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
MARÍAS, Julian. História da Filosofia. Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
POPPER, Karl R. Conhecimento objetivo. São Paulo: EDUSP, 1975.
POPPER, Karl R. Lógica da pesquisa científica. São Paulo: EDUSP, 1985.

capítulo 3 • 67
68 • capítulo 3
4
A Cientificidade das
Ciências Humanas
Nesse capítulo você irá adentrar ao debate sobre a constituição das ciências
naturais e das ciências sociais a fim de compreender suas origens e diferen-
ças. Também iremos entender que as ideias marxistas impactaram sobre a
nova compreensão das ciências humanas, e especialmente, nas ideias sobre
a educação

OBJETIVOS
•  Diferenciar e caracterizar as ciências naturais das ciências sociais;
•  Compreender as diferenças entre o positivismo e o marxismo no século XX quanto à for-
ma de compreensão do fenômeno a ser investigado e a relação sujeito/objeto nas ciências
humanas.

70 • capítulo 4
4.1  A História do pensamento científico: as
ciências naturais e as ciências sociais

A compreensão da ciência e do conhecimento em seus vários níveis para o


mundo contemporâneo ultrapassa as possíveis afinidades que cada pesquisa-
dor possa ter com a sua própria história. Os séculos XX e XXI que enfrentam
questões que foram muito pouco avaliadas, e que segundo Diel e Tatim (2004)
merecem ainda a reflexão e são elas:

•  o futuro da ciência no mundo não é mais movido pelo espírito científico, mas pela
técnica instrumental;
•  A possibilidade de compreendermos a ciência no mundo atual, em que confundimos
o papel dela com a conquista de parâmetros democráticos e com a realidade histórica,
é cada vez mais difícil;
•  Existe a tendência de nos voltarmos para a ciência e para a tecnologia com a espe-
rança de que a liberdade sobreviva aos labirintos da organização e da racionalização;
•  Existe a tentação de respondermos à modernidade, à crise do conhecimento, à crise
de autoridade, especificadamente ao choque da dúvida e da descrença, que levam ao
relativismo e à perda da inocência, com a crença de que um país pode retornar aos va-
lores do passado, numa espécie de encantamento das tradições e do próprio passado;
•  Existe a suposição antiga de que a ciência é algo singular e excepcional, es-
capando, assim, aos males da patologia do velho mundo, ou seja, do pessimismo
cultural” (p.15).

Para Diel e Tatim (2004) essas cinco questões nos trazem a consideração de
que a ciência poderia ser uma espécie de cultura política quase de ironia e de
tragédia. Para eles, a suposição de que a democracia, a moral, a ética e a própria
ciência são harmoniosa e se reforçam reciprocamente e é um grande equívoco
que merece reflexão.
Ao iniciar a reflexão podemos compreender que a ciência, muitas vezes, é
compreendida como racional e lógica, no entanto, o que é preciso considerar
que em se tratando de um processo produzido pelo homem e em busca de valo-
res universais, não há como desconsiderar ou exorcizar os demônios e extirpar
todo e qualquer irracionalismo do mundo. Para tanto, vale-se a retrospectiva da

capítulo 4 • 71
constituição da ciência e a distinção entre as ciências naturais e sociais.
Para mergulharmos na busca de compreender as ciências naturais e poste-
riormente as ciências sociais, vamos nos apropriar das ideias de Boaventura de
Sousa Santos (1988) na obra “Um discurso sobre as ciências na transição para
uma ciência pós-moderna”.
Para Santos (1988) foi a partir da revolução científica do século XVI que o
modelo de racionalidade assume à ciência moderna e domina as ciências
naturais.

“A concepção racionalista do conhecimento, segundo a qual só a razão conhece ver-


dadeiramente, considera que as informações fornecidas pelos nossos cinco sentidos
não são confiáveis. Elas são, na maioria das vezes, enganosas e superficiais. Podemos
considerar como certas apenas as verdades demonstradas pelo raciocínio ou as que
se impõem com clareza e evidência à nossa razão. Para o filósofo grego Platão como
para René Descartes, um dos maiores expoentes da filosofia moderna do séc. XVII, a
despeito da suas diferenças de doutrina e de época, o que vemos, escutamos, tocamos
é menos certo do que nos julgamos pela ação de nossa inteligência ou razão. Para se-
parar essas duas formas tão distintas de conhecimento – uma que tem como fonte os
sentidos e a outra, a inteligência - Platão nomeia a primeira de conhecimento sensível
e a segunda de conhecimento inteligível. O conhecimento sensível pertence para ele ao
domínio da opinião (em grego, doxa), que na escala dos saberes ocupa o degrau mais
inferior. Ela marca o assentimento a um juízo não fundado racionalmente. A opinião é
uma crença que pode até ser verdadeira, porém não temos qualquer garantia ou cer-
teza da sua veracidade. Por sua vez, o conhecimento inteligível constitui propriamente
o campo do saber científico (episteme), cuja verdade pode ser demonstrada pela ra-
zão. Platão, na antiguidade, e Descartes, na idade moderna, defendem a existência
de determinados conhecimentos cuja origem provém não dos sentidos, mas da razão.
Existiriam em nós, segundo esses filósofos, “ideias inatas”, isto é, ideias presentes em
nossa mente desde o nosso nascimento e que, por isso, não seriam adquiridas pela
experiência. Segundo Descartes, as idéias inatas pertenceriam a uma espécie de patri-
mônio a priori da razão. Elas são princípios universais que independem da contingência
e aleatoriedade experiência e, por isso, constituem os alicerces seguros do edifício do
conhecimento. As ideias inatas se distinguem das outras adquiridas pela experiência

72 • capítulo 4
pela sua evidência, clareza e distinção. Elasse apresentam de forma tão clara e evi-
dente à mente, que é impossível não serem verdadeiras. Por esse motivo, argumenta
Descartes, é a razão, e não a experiência, o fundamento seguro de todo conhecimento
universalmente válido”.
Trecho retirado http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/banco_objetos_
crv/%7B45A47A13-C366-4405-A3BB-112DD0F6DA89%7D_A%20racionalidade%20cien-
t%C3%ADfica%20-%20teoria%20e%20experi%C3%AAncia.pdf, acessado em: 10 fev. 2015.

Mas foi somente no século XIX que este modelo de racionalidade se estende
às ciências sociais emergentes. A partir de então pode-se falar de um modelo
global de racionalidade científica que admite variedade interna mas que se dis-
tingue e defende, por via de fronteiras ostensivamente policiadas, de duas for-
mas de conhecimento não-científico (e, portanto, irracional) potencialmente
perturbadoras e intrusas: o senso comum e as chamadas humanidades ou es-
tudos humanísticos (em que se incluíram, entre outros, os estudos históricos,
filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos).
Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um mo-
delo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas
de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos
e pelas suas regras metodológicas. É esta a sua característica fundamental e a
que melhor simboliza a ruptura do novo paradigma científico com os que o pre-
cedem. Está consubstanciada, com crescente definição, na teoria heliocêntrica
do movimento dos planetas de Copérnico, nas leis de Kepler sobre as órbitas
dos planetas, nas leis de Galileu sobre a queda dos corpos, na grande síntese
da ordem cósmica de Newton e finalmente na consciência filosófica que lhe
conferem Bacon e, sobretudo, Descartes. Esta preocupação em testemunhar
uma ruptura fundante que possibilita uma e só uma forma de conhecimento
verdadeiro está bem patente na atitude mental dos protagonistas, no seu es-
panto perante as próprias descobertas e a extrema e, ao mesmo tempo, serena
arrogância com que se medem com os seus contemporâneos.

Para citar apenas dois exemplos, Kepler escreve no seu livro sobre a Harmonia do
Mundo publicado em 1619, a propósito das harmonias naturais que descobrira nos
movimentos celestiais: "Perdoai-me mas estou feliz; se vos zangardes eu perseverarei;

capítulo 4 • 73
(...) O meu livro pode esperar muitos séculos pelo seu leitor. Mas mesmo Deus teve de
esperar seis mil anos por aqueles que pudessem contemplar o seu trabalho". Por outro
lado, Descartes, nessa maravilhosa autobiografia espiritual que é o Discurso do Méto-
do e a que voltarei mais tarde, diz, referindo-se ao método por si encontrado: "Porque
já colhi dele tais frutos que embora no juízo que faço de mim próprio procure sempre
inclinar-me mais para o lado da desconfiança do que para o da presunção, e embora,
olhando com olhar de filósofo as diversas ações e empreendimentos de todos os ho-
mens, não haja quase nenhuma que não me pareça vã e inútil, não deixo de receber
uma extrema satisfação com o progresso que julgo ter feito em busca da verdade e
de conceber tais esperanças para o futuro que, se entre as ocupações dos homens,
puramente homens, alguma há que seja solidamente boa e importante, ouso crer que é
aquela que escolhi". (SANTOS, 1988, p.49).

Santos (1988) afirma que para compreender esta confiança epistemológi-


ca seria necessário descrever, ainda que sucintamente, os principais traços do
novo paradigma científico. A busca de romper com o saber aristotélico e me-
dieval (ainda dominante) não é apenas nem tanto uma melhor a observação
dos fatos como sobretudo uma nova visão do mundo e da vida, os protagonistas
do novo paradigma conduzem uma luta apaixonada contra todas as formas de
dogmatismo e de autoridade.
Para Santos (1998), uma nova visão do mundo e da vida reconduz-se a duas
distinções fundamentais, entre conhecimento científico e conhecimento do
senso comum, por um lado, e entre natureza e pessoa humana, por outro. Ao
contrário do que propunha Aristóteles, a ciência moderna desconfia sistemati-
camente das evidências da nossa experiência imediata, para ela tais evidências,
que estão na base do conhecimento vulgar, são ilusórias.

Como bem salienta Einstein no prefácio ao Diálogo sobre os Grandes Sistemas do


Mundo, Galileu esforça-se denodadamente por demonstrar que a hipótese dos mo-
vimentos de rotação e de translação da terra não é refutada pelo fato de não obser-
varmos quaisquer efeitos mecânicos desses movimentos, ou seja, pelo fato de a terra
nos parecer parada e quieta. Por outro lado, é total a separação entre a natureza e o
ser humano. A natureza é tão só extensão e movimento; é passiva, eterna e reversível,
mecanismos cujos elementos se podem desmontar e depois relacionar sob a forma de
leis; não tem qualquer outra qualidade ou dignidade que nos impeça de desvendar os

74 • capítulo 4
seus mistérios, desvendamento que não é contemplativo, mas antes ativo, já que visa
conhecer a natureza para a dominar e controlar. Como diz Bacon, a ciência fará da pes-
soa humana" o senhor e o possuidor da natureza".(SANTOS, 1988, p.49).

Santos (1988) chama a atenção que com base nestes pressupostos o conhe-
cimento científico avança pela observação descomprometida e livre, sistemáti-
ca e tanto quanto possível rigorosa dos fenômenos naturais. As ideias que pre-
sidem à observação e à experimentação são as ideias claras e simples a partir
das quais se pode ascender a um conhecimento mais profundo e rigoroso da
natureza, como por exemplo, as ideias das matemáticas. A matemática fornece
à ciência moderna, não só o instrumento privilegiado de análise, como tam-
bém a lógica da investigação, como ainda o modelo de representação da pró-
pria estrutura da matéria.

Para Galileu, o livro da natureza está inscrito em caracteres geométricos e Einstein


não pensa de modo diferente. Deste lugar central da matemática na ciência moderna
derivam duas consequências principais. Em primeiro lugar, conhecer significa quanti-
ficar e o rigor científico afere-se pelo rigor das medições. As qualidades intrínsecas
do objeto são, por assim dizer, desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as
quantidades em que eventualmente se podem traduzir. O que não é quantificável é
cientificamente irrelevante. Em segundo lugar, o método científico assenta na redução
da complexidade. O mundo é complicado e a mente humana não o pode compreender
completamente. Conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar
relações sistemáticas entre o que se separou. Já em Descartes uma das regras do
Método consiste precisamente em "dividir cada uma das dificuldades em tantas par-
celas quanto for possível e requerido para melhor as resolver". A divisão primordial é a
que distingue entre "condições iniciais" e "leis da natureza". As condições iniciais são o
reino da complicação, do acidente e onde é necessário selecionar as que estabelecem
as condições relevantes dos fatos a observar; as leis da natureza são o reino da sim-
plicidade e da regularidade onde é possível observar e medir com rigor. Esta distinção
entre condições iniciais e leis da natureza nada tem de "natural". Como bem observa
Eugene Wigner, é mesmo completamente arbitrária. No entanto, é nela que assenta
toda a ciência moderna. (SANTOS, 1988, p.49).

capítulo 4 • 75
Pode-se perceber com esse trecho que o conhecimento científico tem uma
qualificação muito associada as ciências naturais, cujos princípios de quanti-
ficação, divisão e rigor são as principais marcas. Santos (1988) destaca que a
natureza teórica do conhecimento científico decorre dos pressupostos epis-
temológicos e das regras metodológicas já referidas. É a definição de relações
causais que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas, com
vista a prever o comportamento futuro dos fenômenos. A descoberta das leis da
natureza assenta, por um lado, e como já se referiu, no isolamento das condi-
ções iniciais relevantes (por exemplo, no caso da queda dos corpos, a posição
inicial e a velocidade do corpo em queda) e, por outro lado, no pressuposto de
que o resultado se produzirá independentemente do lugar e do tempo em que
se realizarem as condições iniciais. Por outras palavras, a descoberta das leis
da natureza assenta no princípio de que a posição absoluta e o tempo absoluto
nunca são condições iniciais relevantes.
As leis repousam num conceito de causalidade escolhido, não arbitraria-
mente, entre os oferecidos pela física aristotélica e, segundo Santos (1988),
Aristóteles distingue quatro tipos de causa: a causa material, a causa formal, a
causa eficiente e a causa final. As leis da ciência moderna são um tipo de cau-
sa formal que privilegia o como funciona das coisas em detrimento de qual o
agente ou qual o fim das coisas, para esse autor, essa é a principal diferença
entre o conhecimento científico e o conhecimento do senso comum.
Aristóteles (apud SANTOS, 1988) compreender que o senso comum, produz
o conhecimento prático cuja causa e a intenção convivem sem problemas, na
ciência a determinação da causa formal obtém-se com a expulsão da intenção.
É este tipo de causa formal que permite prever e, portanto, intervir no real e
que, em última instância, permite à ciência moderna responder à pergunta so-
bre os fundamentos do seu rigor e da sua verdade com o elenco dos seus êxitos
na manipulação e na transformação do real.
Para compreensão da racionalidade científica, todo conhecimento é ba-
seado na formulação de leis e tem como pressuposto metateórico a ideia de
ordem e de estabilidade do mundo, a ideia de que o passado se repete no fu-
turo. Santos (1988) para a mecânica newtoniana, o mundo da matéria é uma
máquina cujas operações se podem determinar exatamente por meio de leis
físicas e matemáticas, um mundo estático e eterno a flutuar num espaço vazio,
um mundo que o racionalismo cartesiano toma cognoscível por via da sua de-
composição nos elementos que o constituem. Esta ideia do mundo-máquina é

76 • capítulo 4
de tal modo poderosa que se vai transformar na grande hipótese universal da
época moderna, o mecanicismo.
A partir do século XVIII, com a ascensão intelectual da burguesia , o deter-
minismo mecanicista torna-se o horizonte certo de uma forma de conhecimen-
to que se pretende utilitário e funcional, reconhecido menos pela capacidade
de compreender profundamente o real do que pela capacidade de o dominar e
transformar. Segundo Santos (1988) no plano social, é esse também o horizon-
te cognitivo mais adequado aos interesses da burguesia ascendente que via na
sociedade em que começava a dominar o estádio final da evolução da humani-
dade (o estado positivo de Comte; a sociedade industrial de Spencer; a solida-
riedade orgânica de Durkheim).
O prestígio de Newton e das leis simples a que reduzia toda a complexidade
do mundo convertido a ciência moderna no modelo de racionalidade hegemô-
nica pouco e pouco transbordou do estudo da natureza para o estudo da socie-
dade, para os pesquisadores assim como foi possível descobrir as leis da natu-
reza, seria igualmente possível descobrir as leis da sociedade (SANTOS, 1988).

Bacon, Vico e Montesquieu são os grandes precursores. Bacon afirma a plasticidade da


natureza humana e, portanto, a sua perfectibilidade, dadas as condições sociais, jurídi-
cas e políticas adequadas, condições que é possível determinar com rigor. Viço sugere
a existência de leis que governam deterministicamente a evolução das sociedades e
tornam possível prever os resultados das ações coletivas. Com extraordinária premo-
nição Vico identifica e resolve a contradição entre a liberdade e a imprevisibilidade da
ação humana individual e a determinação e previsibilidade da ação coletiva. Montes-
quieu pode ser considerado um precursor da sociologia do direito ao estabelecer a
relação entre as leis do sistema jurídico, feitas pelo homem, e as leis inescapáveis da
natureza (SANTOS, 1988, p.20).

Para Santos (1988) no século XVIII, essas ideias são ampliadas e aprofunda-
das e o fermento intelectual que daí resulta, vai criar as condições para a emer-
gência das ciências sociais no século XIX. A consciência filosófica da ciência
moderna, que tivera no racionalismo cartesiano e no empirismo baconiano as
suas primeiras formulações, veio a condensar-se no positivismo oitocentista.
Dado que, segundo este, só há duas formas de conhecimento científico — as
disciplinas formais da lógica e da matemática e as ciências empíricas segundo

capítulo 4 • 77
o modelo mecanicista das ciências naturais — as ciências sociais nasceram
para ser empíricas (SANTOS, 1988).
O modo como o modelo mecanicista foi assumido foi muito variado. Santos
(1988) apresenta duas vertentes principais: a primeira, sem dúvida dominante,
consistiu em aplicar, na medida do possível, ao estudo da sociedade todos os
princípios epistemológicos e metodológicos que presidiam ao estudo da natu-
reza desde o século XVI; a segunda, durante muito tempo marginal, mas hoje
cada vez mais seguida, consistiu em reivindicar para as ciências sociais um es-
tatuto epistemológico e metodológico próprio, com base na especificidade do
ser humano e sua distinção polar em relação à natureza. Estas duas concepções
têm sido consideradas antagônicas, a primeira, sujeita ao jugo positivista, a se-
gunda, liberta dele, e qualquer delas reivindicando o monopólio do conheci-
mento científico-social (SANTOS, 1988).
Nesse caso, Santos (1988) esclarece que na primeira variante — cujo com-
promisso epistemológico está bem simbolizado no nome de "física social" com
que inicialmente se designaram os estudos científicos da sociedade — parte
do pressuposto que as ciências naturais são uma aplicação ou concretização
de um modelo de conhecimento universalmente válido e, de resto, o único váli-
do. Portanto, por maiores que sejam as diferenças entre os fenômenos naturais
e os fenômenos sociais é sempre possível estudar os últimos como se fossem
os primeiros. Reconhece-se que essas diferenças atuam contra os fenômenos
sociais, isto é, tornam mais difícil o cumprimento metodológico e menos rigo-
roso do conhecimento a que se chega, mas não há diferenças qualitativas entre
o processo científico neste domínio e o que preside ao estudo dos fenômenos
naturais.
Para estudar os fenômenos sociais como se fossem fenômenos naturais, ou
seja, para conceber os fatos sociais, como coisas, como pretendia Durkheim, o
fundador da sociologia acadêmica, é necessário reduzir os fatos sociais às suas
dimensões externas, observáveis e mensuráveis. As causas do aumento da taxa
de suicídio na Europa do virar do século não são procuradas nos motivos invo-
cados pelos suicidas e deixados em cartas, como é costume, mas antes a partir
da verificação de regularidades em função de condições tais como o sexo, o es-
tado civil, a existência ou não de filhos, a religião dos suicidas (SANTOS, 1988).
Assim, as ciências sociais assumem um longo caminho a percorrer no sen-
tido de se compatibilizarem com os critérios de cientificidade das ciências na-
turais, os obstáculos foram enormes, dentre eles:

78 • capítulo 4
•  as ciências sociais não dispõem de teorias explicativas que lhes permitam
abstrair do real para depois buscar nele, de modo metodologicamente contro-
lado, a prova adequada;
•  as ciências sociais não podem estabelecer leis universais porque os
fenômenos sociais são historicamente condicionados e culturalmente
determinados;
•  as ciências sociais não podem produzir previsões fiáveis porque os seres
humanos modificam o seu comportamento em função do conhecimento que
sobre ele se adquire;
•  os fenômenos sociais são de natureza subjetiva e como tal não se deixam
captar pela objetividade do comportamento;
•  as ciências sociais não são objetivas porque o cientista social não pode
libertar-se, no ato de observação, dos valores que informam a sua prática em
geral e, portanto, também a sua prática de cientista (SANTOS, 1988, p. 24).

Em relação a cada um destes obstáculos, Nagel (apud SANTOS, 1988),tenta


demonstrar que a oposição entre as ciências sociais e as ciências naturais não
é tão linear quanto se julga e que, na medida em que há diferenças, elas são su-
peráveis ou negligenciáveis. Para esse autor, no entanto, a superação dos obs-
táculos nem sempre é fácil e que essa é a razão principal do atraso das ciências
sociais em relação às ciências naturais. A ideia do atraso das ciências sociais é
a ideia central da argumentação metodológica, e, com ela, a ideia de que esse
atraso, com tempo e dinheiro, poderá vir a ser reduzido ou mesmo eliminado o
investimento em pesquisas sociais.
Thomas Kuhn (apud SANTOS, 1988) na teoria das revoluções científicas
afirma que o atraso das ciências sociais é dado pelo caráter pré-paradigmático,
pois se nas ciências naturais o desenvolvimento do conhecimento tornou-se
possível a partir da formulação de um conjunto de princípios e de teorias so-
bre a estrutura da matéria que são aceitas sem discussão por toda a comuni-
dade científica. Nas ciências sociais não há consenso paradigmático, pelo que
o debate tende a atravessar verticalmente toda a espessura do conhecimento
adquirido.
Para segunda vertente citada por Santos (1988) há um esforço enorme de
dar as ciências sociais um estatuto metodológico próprio, para esse proposta os
obstáculos acima anunciados são intransponíveis, e há uma forte defesa de que
a ciência da sociedade requer uma outra lógica enquanto ciência. O argumento
fundamental é que a ação humana é radicalmente subjetiva.

capítulo 4 • 79
Para alguns autores dessa segunda vertente, o comportamento humano, ao
contrário dos fenômenos naturais, não pode ser explicado com base nas suas
características exteriores e objetiváveis, uma vez que o mesmo ato externo pode
corresponder a sentidos de ação muito diferentes. Segundo Santos (1988) para
esses autores (por ex. Max Weber, Peter Winch e Gramsci) a ciência social será
sempre uma ciência subjetiva e não objetiva como as ciências naturais e, para
tanto, os fenômenos sociais devem ser compreendidos a partir das atitudes
mentais e do sentido que os agentes conferem às suas ações, para o que é ne-
cessário utilizar métodos de investigação e mesmo critérios epistemológicos
diferentes dos correntes nas ciências naturais, métodos qualitativos em vez
de quantitativos, afim de obter um conhecimento intersubjetivo, descritivo e
compreensivo.
Esta concepção de ciência social reconhece-se numa postura antipositivista
e assenta na tradição filosófica da fenomenologia e nela convergem diferentes
variantes. Santos(1988) afirma que aanálise desse modelo evidencia a distinção
natureza/ser humano e tal como ele tem da natureza uma visão mecanicista à
qual contrapõe, com evidência esperada, a especificidade do ser humano.
A esta distinção, primordial na revolução científica do século XVI, vão-se so-
brepor nos séculos seguintes outras, tal como a distinção natureza/ cultura e a
distinção ser humano/ animal, para no século XVIII se poder celebrar o caráter
único de ser humano. A fronteira que então se estabelece entre o estudo do ser
humano e o estudo da natureza não deixa de ser prisioneira do reconhecimento
da prioridade cognitiva das ciências naturais, pois, se, por um lado, se recusam
os condicionantes biológicos do comportamento humano, pelo outro usam-se
argumentos biológicos para fixar a especificidade do ser humano. Pode, pois,
concluir-se que ambas as concepções de ciência social a que aludi pertencem
ao paradigma da ciência moderna, ainda que a concepção mencionada em
segundo lugar represente, dentro deste paradigma, um sinal de crise e conte-
nha alguns dos componentes da transição para um outro paradigma científico
(SANTOS, 1988, p.24).

O marxismo como uma corrente filosófica que rompe radicalmente


com a lógica da racionalidade cientifica positivista

A ideias marxistas surgem na Europa, com Marx e Engels, na busca de romper


com estado capitalista e instalar um novo mundo socialista. Nesse momento,
iremos nos ater a tentativa de apresentar as contribuições do pensamento mar-

80 • capítulo 4
xista especialmente para as ciências sociais, e particularmente, para a educa-
ção. Para isso, é preciso compreender que o marxismo, enquanto, ciência das
leis da sociedade, ou ciência da revolução das massas oprimidas, orienta-se en-
quanto ciência revolucionária, para estabelecer os caminhos a percorrer na luta
dos trabalhadores pela libertação do jugo dos latifundiários e dos capitalistas e
levar os operários e os camponeses à vitória sobre os exploradores que condu-
ziu o povo soviético pela estrada ampla e clara do comunismo (ARAUJO, 1955).
Segundo Araújo (1955), no trabalho a criação, por Marx e Engels, do mate-
rialismo dialético foi um grande feito científico. Marx e Engels generalizaram
e reelaboraram criticamente as conquistas do pensamento filosófico, generali-
zaram e reinterpretaram criadoramente as conquistas das ciências naturais e
sociais, bem como toda a experiência da luta das massas trabalhadoras contra
a exploração e a opressão.

“Utilizando tudo aquilo que de melhor havia sido acumulado pela humanidade durante
os milênios anteriores, Marx e Engels realizaram uma reviravolta revolucionária na filo-
sofia, criaram uma filosofia qualitativamente nova.” (ARAUJO, 1955).

Para Araújo (1955) as descobertas feitas por Marx e Engels assinalaram o


fim da antiga filosofia, que ainda não se podia chamar de científica, e o começo
do período novo, científico, da história da filosofia. E o materialismo dialético
se consolida enquanto instrumento de pesquisa, um método que penetra to-
das as ciências da natureza e da sociedade e, por sua vez, constantemente se
enriquece com as novas conquistas das ciências e da atividade prática de cons-
trução do socialismo e do comunismo.
Vale destacar que o marxismo marca também uma etapa qualitativamente
nova na evolução do pensamento filosófico, no sentido de que somente com o
marxismo a filosofia se tornou uma bandeira das massas.

A primeira referência ao pensamento de Marx no Brasil ocorreu quando o autor de O


Capital ainda estava vivo, e foi publicada em forma de artigo no jornal republicano de
Recife Os Seis de Março, em 25 de março de 18721. Conforme salientou Chacon:
“Trata-se de tradução dum longo artigo publicado antes na revista Ilustração Espanho-
la, sob o cerimonioso título ‘O Dr. Carlos Marx’. Nele se procura resumir a sua vida e a
sua obra até então” (OS SEIS DE MARÇO, apud. CHACON, 1981). O nome de Marx

capítulo 4 • 81
também acabou virando notícia na ocasião de sua morte, ocorrida em 14 de março
de 1883. Em fragmento publicado na coluna “D’aqui d’colá” na Gazeta de Notícias, do
Rio de Janeiro, trazia para seus leitores algumas breves informações de caráter bio-
gráficos acerca da vida do filósofo alemão: “Karl Marx, fundador da Internacional e há
pouco falecido em Londres, contava 69 annos de idade. Chefe do movimento socialista
moderno, o illustre finado merece uma biografia” (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1883 apud
AZEVEDO, 2013, p.199).

Saviani e Duarte (2010), ao apresentar e discutir as contribuições do mar-


xismo para educação, analisa a definição de Marx sobre a formação humana
por meio do texto intitulado Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 (Marx,
1985). Para os autores, nos Manuscritos, a formação humana é analisada na
relação entre o processo histórico de objetivação do gênero humano e a vida do
indivíduo como um ser social. O que faz do indivíduo um ser genérico, isto é,
um representante do gênero humano, é a atividade vital, a qual é definida por
Marx como aquela que assegura a vida de uma espécie.
A relação entre formação humana nas obras de Marx, segundo Saviani e
Duarte (2010) esta estreitamente relacionada ao trabalho, que para Marx dis-
tingue o homem das outras espécies vivas por ser uma atividade consciente que
se objetiva em produtos que passam a ter funções definidas pela prática social.

Por meio do trabalho o ser humano incorpora, de forma historicamente universalizadora,


a natureza ao campo dos fenômenos sociais. Nesse processo, as necessidades huma-
nas ampliam-se, ultrapassando o nível das necessidades de sobrevivência e surgindo
necessidades propriamente sociais. (SAVIANI E DUARTE, 2010, p. 428)

Esses autores esclarecem que o processo de objetivação do ser humano


ocorre na atividade, e a primeira atividade humana é a de transformação da na-
tureza. Vale destacar que o produto do trabalho é, ao mesmo tempo, a realiza-
ção de um objetivo previamente existente na mente humana e a transformação
da atividade dos sujeitos em propriedades dos objetos:

82 • capítulo 4
Por isso precisamente é somente na elaboração do mundo objetivo que o homem se
afirma realmente como um ser genérico. Essa produção é sua vida genérica ativa. Me-
diante ela aparece a natureza como sua objetivação da vida genérica do homem, pois
este se desdobra não só intelectualmente, como na consciência, mas ativa e realmente,
e se contempla a si mesmo num mundo criado por ele. (Marx, 1985, p. 112 apud SA-
VIANI E DUARTE, 2010, p.428).

Na obra de Marx, a compreensão da divisão das sociedades em classes an-


tagônicas por meio as relações de produção existentes entre as classes funda-
mentais definem a divisão social do trabalho, o que acarreta a objetivação do
ser humano e a apropriação dos resultados dessa objetivação ocorresse sob for-
mas que impediram que a totalidade da riqueza material e não material fosse
posta a serviço da realização e do desenvolvimento da totalidade dos seres hu-
manos (SAVIANI E DUARTE, 2010).
Analisando a obra de Marx, Saviani e Duarte (2010) afirmam que para esse
autor na sociedade capitalista, uma parcela considerável dos produtos da ativi-
dade de trabalho é incorporada ao capital, ou seja, a apropriação dos produtos
da atividade humana dá-se sob uma forma social que aliena esses produtos da
classe que os produz, sendo assim, os resultados da produção material realiza-
da pelas classes dominadas beneficiam as classes dominantes:

A tal ponto aparece a realização do trabalho como desrealização do trabalhador, que


este é desrealizado até chegar a morrer de fome. A objetivação aparece a tal ponto
como perda do objeto que o trabalhador se vê privado dos objetos mais necessários
não somente para a vida, mas inclusive para o trabalho. Mais do que isso, o próprio tra-
balho converte-se num objeto do qual o trabalhador só pode se apoderar com o maior
esforço e com as mais extraordinárias interrupções. A apropriação do objeto aparece
em tal medida como alienação, que quanto mais objetos produz o trabalhador, tanto
menos consegue possuir e tanto mais submetido fica à dominação de seu produto,
quer dizer, do capital. (Marx, 1985, p. 112 apud SAVIANI E DUARTE, 2010, p.428).

Para que então o indivíduo humano se forme e se desenvolva como ser genéri-
co ele precisa passar por esse processo dialético entre a apropriação da atividade
humana objetivada no mundo da cultura (aqui entendida como tudo aquilo que

capítulo 4 • 83
o ser humano produz em termos materiais e não materiais) e a objetivação da
individualidade por meio da atividade vital, isto é, do trabalho. Para esses auto-
res, na sociedade capitalista, o trabalho produz riqueza objetiva e subjetiva, mas
nenhuma delas podem ser plenamente apropriadas por aqueles que trabalham:

A alienação do trabalhador em seu objeto se expressa, segundo as leis econômicas,


da seguinte forma: quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem para consumir;
quanto mais valores cria, tanto mais sem valor, tanto mais indigno ele é; quanto mais
elaborado é seu produto, tanto mais disforme é o trabalhador; quanto mais civilizado
é seu objeto, tanto mais bárbaro é o trabalhador; quanto mais rico espiritualmente se
faz o trabalho, tanto mais desespiritualizado e ligado à natureza fica o trabalhador. [...]
Certamente o trabalho produz maravilhas para os ricos, porém produz privações para o
trabalhador. Produz palácios, porém para o trabalhador produz choupanas. Produz be-
leza, porém deformidades para o trabalhador. Substitui o trabalho por máquinas, porém
lança uma parte dos trabalhadores a um trabalho bárbaro, e converte em máquinas a
outra parte. Produz espírito, porém gera estupidez e cretinice para o trabalhador. (Marx,
1985, p. 117-118 apud SAVIANI E DUARTE, 2010, p.428).

Vale a pena destacar que para Marx (apud SAVIANI E DUARTE, 2010) a su-
peração positiva da propriedade privada, isto é, a superação da sociedade capi-
talista, não significaria a abolição do trabalho, nem mesmo o abandono da ri-
queza material e espiritual produzida pelo trabalho alienado, mas a superação
dessa forma histórica da atividade humana que é o trabalho alienado pela sua
transformação em autoatividade. Isso significa uma mudança de quatro aspec-
tos da atividade humana:

1. a relação do sujeito com os resultados da atividade humana,


2. a relação do sujeito com sua própria atividade,
3. a relação do sujeito consigo mesmo como ser genérico, isto é, represen-
tante do gênero humano,
4. e a relação do sujeito com os outros sujeitos.

E Marx acrescenta, o produto do trabalho contém a atividade humana nele


fixada, ele é a objetivação do trabalho, é a atividade transformada em objeto: "a
realização efetiva do trabalho é a sua objetivação" (idem, p. 105). Nesse sentido,

84 • capítulo 4
o produto do trabalho é a realização efetiva do sujeito, é a transformação da
atividade do sujeito em um objeto social. Mas, nas condições em que o traba-
lho ocorre na sociedade capitalista, o produto do trabalho é uma mercadoria
que pertence ao capital, ou seja, "esta realização do trabalho aparece no estádio
da Economia Política como desrealização do trabalhador, a objetivação como
perda do objeto e servidão a ele, a apropriação como alienação, como exteriori-
zação" (idem, p. 105-106 apud SAVIANI E DUARTE, 2010, p.428).
Saviani e Duarte (2010) esclarecendo as ideias de Marx afirma que para esse
autor, a palavra "exteriorização" não deve ser confundida com objetivação, pois
o mesmo compreende a exteriorização, nesse contexto, que o produto do traba-
lho, ao ser apropriado pelo capital, se torna algo que não expressa a individuali-
dade do trabalhador, mas sim, ao contrário, que se defronta com o trabalhador
como um ser hostil e estranho, como um ser alheio ao ser do indivíduo que
o produziu. E a objetivação, como a única forma de o ser humano se efetivar,
se desenvolver, torna-se uma objetivação alienante. Mas isso não significa, de
forma alguma, que necessariamente a objetivação produza alienação e exte-
riorização. As relações sociais capitalistas é que transformam aquilo que seria
humanização em seu oposto, ou seja, em alienação: transformam, conforme
anteriormente citado, a realização efetiva do trabalho em desefetivação do tra-
balhador, transformam a objetivação em perda do objeto e servidão ao mesmo,
posto que o objeto assume a forma de capital.
Marx é enfático em afirmar que o homem só será capaz de se apropriar de sua
essência universal, isto é, como homem total, podendo explorar suas relações
humanas com o mundo (ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, observar,
perceber, desejar, agir, amar) somente em uma sociedade comunista. Para ele,
todos os órgãos da individualidade humana, como os órgãos que são imediata-
mente comunitários em sua forma são tão polifacéticos quanto múltiplas são as
determinações essenciais e as atividades do homem, pois o sofrimento, huma-
namente entendido, é um gozo próprio do homem. (SAVIANI E DUARTE, 2010).
Marx defende a superação das relações sociais alienadas por meio das
mudanças que radicalmente as relações dos seres humanos com os produtos
como com a cultura (produtos gerados pela atividade do indivíduo). Somo afir-
ma Saviani e Duarte (2010) para Marx a apropriação dos objetos sociais já exis-
tentes na cultura forma o indivíduo como um ser humano:

capítulo 4 • 85
Somente por meio da riqueza objetivamente desenvolvida do ser humano é, em parte
cultivada, em parte criada, a riqueza da sensibilidade humana subjetiva, um ouvido musi-
cal, um olho para a beleza da forma. Em resumo, somente assim se cultivam ou se criam
sentidos capazes de gozos humanos, sentidos que se afirmam como forças essenciais
humanas. Pois não apenas os cinco sentidos, mas também os chamados sentidos espiri-
tuais, os sentidos práticos (vontade, amor etc.), em uma palavra, o sentido humano, a hu-
manidade dos sentidos, se constituem unicamente mediante a existência de seu objeto,
mediante a natureza humanizada. A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda a
história universal até nossos dias. (idem, p. 150 apud SAVIANI E DUARTE, 2010, p.428).

Será então por meio da transformação da relação entre o sujeito e sua


própria atividade que a relação dos indivíduos com os produtos da atividade
humana poderão se transformar radicalmente, paratanto, romper com o tra-
balho alienado que assume a forma de um objeto alheio, estranho, externo
e hostil ao trabalhador, vai permitir a emancipação do sujeito e a educação
começa então a ter um papel importante nesse processo, quando provoca a
reflexão junto ao trabalhador sobre o sentido do trabalho enquanto atividade.
E para Marx (apud SAVIANI E DUARTE, 2010, p.429) que significa para o tra-
balhador a atividade de trabalho?

Primeiramente, que o trabalho é externo ao trabalhador, quer dizer, não pertence a seu
ser; que em seu trabalho não se afirma, mas se nega; não se sente feliz, mas infeliz; não
desenvolve uma livre energia física e espiritual, mas mortifica seu corpo e arruína seu
espírito. Por isso o trabalhador só se sente em si fora do trabalho, e no trabalho se sente
fora de si. Está em sua casa quando não trabalha e quando trabalha não está em sua
casa. Seu trabalho não é, assim, voluntário, mas forçado, trabalho forçado. Por isso não
é a satisfação de uma necessidade, mas somente um meio para satisfazer as neces-
sidades fora do trabalho. (idem p. 108-109 apud SAVIANI E DUARTE, 2010, p.428).

Marx esclarece que para que a relação do ser humano com seu trabalho
mude radicalmente numa sociedade comunista, é necessário que a ati-
vidade deixe de ser um meio para a satisfação de necessidades externas a
ela e passe a ser ela mesma um processo no qual o sujeito se desenvolve e
se realiza como um ser humano. O trabalhador aliena-se de seu trabalho

86 • capítulo 4
porque é obrigado a vender sua atividade em troca de um salário que lhe
assegure a sobrevivência. Isso quer dizer que, para poder continuar a viver,
o trabalhador deve vender uma parte de sua vida e, mais do que isso, vender
a parte mais importante de sua vida, que é a atividade por meio da qual ele
poderia formar-se, fazendo da essência humana, isto é, das potências essen-
ciais humanas formadas historicamente, a essência de sua individualidade
(SAVIANI E DUARTE, 2010, p.429).
Mas essa relação de exterioridade não é intrínseca à atividade de traba-
lho, ela acontece nas condições de alienação. Superar essas condições sig-
nifica transformar a atividade em autoatividade, ou seja, em atividade au-
torrealizadora. A atividade vital como atividade autorrealizadora é a única
forma de o indivíduo se efetivar como um ser genérico, isto é, um ser cons-
cientemente representativo do desenvolvimento alcançado pelo gênero hu-
mano (SAVIANI E DUARTE, 2010). A superação do trabalho alienado não se
dá pela negação do trabalho ou pela busca de uma suposta essência repri-
mida no interior do indivíduo, mas sim pela transformação da atividade em
relação consciente com o mundo resultante da objetivação histórica e social
do gênero humano:

Por isso precisamente é somente na elaboração do mundo objetivo que o homem se


afirma realmente como um ser genérico. Essa produção é sua vida genérica ativa. Por
ela aparece a natureza como sua objetivação da vida genérica do homem, pois este
se desdobra não só intelectualmente, na consciência, mas também ativa e realmente,
e se contempla a si mesmo num mundo criado por ele. (idem, p. 112 apud SAVIANI E
DUARTE, 2010, p.428).

Marx (apud SAVIANI E DUARTE, 2010) esclarece que se o trabalho é a ativi-


dade vital humana, isto é, é a atividade pela qual a essência historicamente for-
mada do gênero humano pode transformar-se em riqueza da individualidade,
a venda dessa atividade em troca da sobrevivência produz uma cruel inversão:

Na forma da atividade vital reside o caráter dado de uma espécie, seu caráter genérico,
e a atividade livre, consciente, é o caráter genérico do homem. A vida mesma aparece
somente como meio de vida. [...] A atividade vital consciente distingue imediatamente o

capítulo 4 • 87
homem da atividade vital animal. Justamente, e só por isso, é ele um ser genérico. Ou,
dito de outra forma, somente é ser consciente, quer dizer, somente é sua própria vida
objeto para ele, porque é um ser genérico. Só por isso sua atividade é livre. O trabalho
alienado inverte a relação, de maneira que o homem, precisamente por ser um ser
consciente, faz de sua atividade vital, de sua essência, um simples meio para sua exis-
tência. (idem, p. 111-112 apud SAVIANI E DUARTE, 2010, p.428).

Para então emancipar-se é necessário superar as relações sociais de produ-


ção que tornam o trabalho uma atividade alienada, dessa forma supera-se tam-
bém a relação alienada que obriga o indivíduo a fazer da vida genérica apenas
um meio para a sobrevivência. E com fim maior a superação permite a compre-
ensão da contradição entre a individualidade e a condição de ser genérico.
Para Saviani e Duarte (2010) ao buscar a superação do capitalismo a relação
do ser humano com o outro ser humano, deixa de ser a relação entre o traba-
lhador que no ato da venda de sua força de trabalho se aliena da atividade que
o formaria plenamente como ser humano e por meio da qual ele participaria
conscientemente da formação de um mundo plenamente humano e o capita-
lista. Na sociedade capitalista, a relação do trabalhador com o outro, isto é, o
capitalista, não é uma relação que satisfaça uma necessidade do trabalhador
como indivíduo, como pessoa, mas um meio para sua sobrevivência. (SAVIANI
E DUARTE, 2010, p.428).
Os aspectos históricos e ontológicos da formação humana unem-se no pen-
samento de Marx numa perspectiva dialética de criação das condições de hu-
manização a partir da compreensão das relações sociais alienadas. E como a
filosofia pode contribuir para que a educação se insira nesse processo de cons-
trução dessa nova sociedade a partir das condições atuais, marcadas por rela-
ções sociais alienadas? Os autores Saviani e Duarte (2010) acreditam ser possí-
vel sintetizar as contribuições da filosofia recorrendo ao conceito de "clássico"
que se reporta ao patrimônio cultural da humanidade que deve ser assimila-
do pelas novas gerações como elemento de sua plena humanização, e a edu-
cação então assume seu papel que é de permitir a apropriação dos elementos
culturais historicamente produzidos e buscar as melhores formas de que esse
conhecimento seja disseminado e apropriado por todos aqueles que estão em
processo de escolarização.

88 • capítulo 4
CONEXÃO
Dessa forma, convido você ao aprofundamento do estudo sobre as contribuições do marxis-
mo para educação, lendo o texto abaixo na íntegra:
A formação humana na perspectiva histórico-ontológica Dermeval Saviani; Newton Duarte
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S1413-24782010000300002&
lng=pt&nrm=isso.

ATIVIDADES
01. Quais as características da racionalidade científica?

02. O que diferencia o conhecimento científico do conhecimento do senso comum?

03. Qual a relação entre formação humana, trabalho e educação?

REFLEXÃO
O processo de construção do conhecimento científico requer a compreensão da história das
ideias filosóficas e do debate entre os pensadores que historicamente contribuíram para
essa discussão. Fica claro nesse debate que a influência do pensamento positivista na cons-
tituição das ciências humanas enquanto área científica foi abalada pelo pensamento marxis-
ta e por outros sociólogos que entendem a natureza desse objeto tendo características bem
diferentes das ciências naturais. Por isso, seu processo de formação não pode acabar aqui,
é preciso ir tecendo outras leituras e buscando aprofundar na compreensão desse complexo
e constante debate.
Para ampliar seu conhecimento acesse o vídeo http://www.fe.unicamp.br/ead/anda
mento.html

capítulo 4 • 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAUJO, Fernando A. S. "Materialismo Dialético", Moscou, edição da Academia de Ciências da
URSS, Instituto de Filosofia, 1954. Editorial Vitória Ltda., Rio, 1955. págs: 7-46. A presente edição foi
traduzida do original russo.
https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/materialismo/01.htm.
GRAMSCI, Antonio (1968) Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1968.
SAVIANI, D; DUARTE, N. (2010). A formação humana na perspectiva histórico-ontológica.
Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 45 set./dez. 2010.

90 • capítulo 4
5
A Pesquisa na
Formação do
Educador
Nesse capítulo iremos debater um pouco o papel da pesquisa na formação
do pedagogo, considerando esse um profissional que está em constante pro-
cesso de formação e que requer o domínio das discussões tanto da própria
formação do pedagogo como dos achados de pesquisa em educação. Sendo
assim, iremos compreender que a graduação em Pedagogia transformou o
pedagogo em um profissional que precisa pensar, pesquisar e produzir co-
nhecimento sobre seu principal objeto de estudo, que são as relações que pro-
duzem aprendizagem.

OBJETIVOS
•  Refletir sobre a importância da formação do Pedagogo em nível de graduação e suas
especificidades;
•  Compreender que a pesquisa deve ocupar lugar central na formação do Pedagogo.

92 • capítul0 5
5.1  O contexto que emerge a Pedagogia
enquanto curso de graduação

A história da formação de professores no Brasil tem sido debatida por inúme-


ros autores, como Selma Garrido Pimenta, José Carlos Libâneo, Demerval Sa-
viani, Marli André, entre outros, e esse debate nem sempre é consensual. Mas,
alguns aspectos têm estado no foco dessas discussões como o próprio campo
de atuação profissional do Pedagogo que para eles precisa se destinar-se à pre-
paração de pesquisadores, planejadores, especialistas em avaliação, gestores
do sistema e da escola, coordenadores pedagógicos ou de ensino, comunica-
dores especializados para atividades escolares e extraescolares, animadores
culturais, de especialistas em educação a distância, de educadores de adultos
no campo da formação continuada, entre outras demandas atuais da profissão.
Libâneo e Pimenta (1999) argumentam sobre a ideia de que a atividade pe-
dagógica perpassa, hoje, toda a sociedade, extrapolando o âmbito escolar for-
mal, abrangendo esferas mais amplas de educação informal e não-formal. Para
eles, não faz sentido, pois, o reducionismo da ação pedagógica à docência, ain-
da que esta seja também uma genuína prática pedagógica.
Esses autores dizem que em praticamente todos os países do mundo, o cur-
so de pedagogia proposto tem correlatos embora em alguns lugares, especial-
mente na Europa, receba a designação de “ciências da educação”. Poder-se-ia
perguntar: por que não chamar esse curso de ciências da educação e não de
pedagogia? Libâneo defende, em publicação recente (1998), quatro posições a
respeito desse assunto e sobre a denominação “ciências da educação” escreve:

(...) tal denominação (...) é criticada por provocar dispersão no estudo da problemática
educativa, levando a uma postura pluridisciplinar ao invés de interdisciplinar. Ou seja, a
autonomia dada a cada uma das ciências da educação levaria a enfoques parciais da re-
alidade educativa, comprometendo a unidade temática e abrindo espaço para os vários
reducionismos (sociológico, psicológico, econômico...), como aliás a experiência brasi-
leira tem confirmado. Em concordância com vários autores (entre outros, Sarramona e
Marques 1985, Vilsaberghi 1983, Estrela 1992), Libâneo assume que a pedagogia se
apoia nas ciências da educação, mas não perde com isso sua autonomia epistemológica
e não se reduz ao campo conceitual de uma ou outra, nem ao conjunto dessas ciências.

capítulo 5 • 93
A pluridimensionalidade do fenômeno educativo não elimina sua unicidade, que permite
“estabelecer um corpo cientifico que tem o fenômeno educativo em seu conjunto como
objeto de estudo, com a finalidade expressa de dar coerência à multiplicidade de ações
parcializadas” (Sarramona e Marques 1985 apud LIBANEO e PIMENTA, 1999, p.255).

Para esses autores, a pedagogia promove integra os diferentes processos


analíticos que correspondem a cada uma das ciências da educação em seu ob-
jeto específico de estudo. Para Pimenta (1996) a questão esta na necessidade
de a pedagogia postular sua especificidade epistemológica, de modo a não se
conformar com uma mera posição de campo aplicado de outras ciências que
também estudam a educação. Com base nisso, firma sua posição de que a pe-
dagogia tem sua significação epistemológica assumindo-se como ciência da
prática social da educação (LIBANEO e PIMENTA, 1999, p.255 ).
Para Libâneo e Pimenta (1999) a pedagogia é ciência da prática, e não se
constrói como discurso sobre a educação, mas a partir da prática dos educado-
res tomada como referência para a construção de saberes, no confronto com
os saberes teóricos. Seu principal objeto é a educação enquanto prática social,
desse modo seu caráter específico a diferencia das demais (ciências da educa-
ção), que é o de uma ciência prática – parte da prática e a ela se dirige. Nesse
sentido, a problemática educativa e sua superação constituem o ponto central
de referência para a investigação.
Pimenta (apud LIBANEO e PIMENTA, 1999) recorre a Jean Houssaye que
nega que a pedagogia possa ter sua origem nas ciências da educação, “porque
estas não podem fornecer a prática, indispensável à elaboração pedagógica.
(...) Frequentando o curso de ciências da educação, os futuros práticos pode-
rão adquirir saberes sobre a educação e sobre a pedagogia, mas não estarão
aptos a falarem sobre saberes pedagógicos” (Houssaye 1995 apud LIBANEO e
PIMENTA, 1999).
Os autores defendem,

a criação do curso de pedagogia, um curso que ofereça formação teórica, científica e


técnica para interessados no aprofundamento da teoria e da pesquisa pedagógica e

94 • capítul0 5
no exercício de atividades pedagógicas específicas (planejamento de políticas educa-
cionais, gestão do sistema de ensino e das escolas, assistência pedagógico-didática a
professores e alunos, avaliação educacional, pedagogia empresarial, animação cultural,
produção e comunicação nas mídias etc.) (LIBANEO e PIMENTA, 1999, p.257).

Para eles a existência desse curso tem como suporte algumas premissas:

O fenômeno educativo sujeita-se à pluralidade de abordagens, à medida que a educa-


ção é objeto de várias ciências que o abordam de seu enfoque específico. O estudo
da educação tem um caráter de multirreferencialidade – abarca tanto modalidades
educativas escolares quanto extra-escolares, como os movimentos sociais, a educação
ambiental, educação comunitária, educação de grupos sociais marginalizados e de mi-
norias sociais. Não é que se descarte o fato de que a educação escolar seja, ainda hoje,
a forma histórica predominante de prática educativa. Mas, mesmo em benefício de uma
educação escolar mais aberta e mais articulada com outras instâncias educativas fora
de seu marco próprio, a ideia é a de que o educativo não se restrinja ao escolar, uma vez
que abrange as relações mais amplas entre o indivíduo e o meio humano, social, físico,
ecológico, cultural, econômico.
– Se, por um lado, a compreensão ampliada da educação fortalece as ciências da
educação pelo fato de a pedagogia não ser a única área científica que tem a educação
como objeto de estudo, por outro, não descaracteriza a especificidade da pedagogia
como uma das ciências da educação. Com efeito, cada uma das chamadas ciências
da educação (sociologia da educação, psicologia da educação, linguística aplicada à
educação, economia da educação etc.) aborda o fenômeno educativo da perspectiva
de seus próprios conceitos e métodos de investigação, ao passo que a pedagogia se
distingue por estudar o fenômeno educativo em sua totalidade, inclusive para integrar
os enfoques parciais daquelas ciências em função de uma aproximação global e inten-
cionalmente dirigida aos problemas educativos.
– Um currículo de pedagogia, além de contemplar como objeto de investigação a plu-
ralidade das práticas educativas, concentra sua temática investigativa nos saberes pe-
dagógicos, com a contribuição das ciências da educação, na forma de inter-relação
entre os saberes científicos. Ou seja, assume-se o entendimento de pedagogia como
ciência da prática social da educação para daí se definirem saberes pedagógicos (cf.
Pimenta 1997).

capítulo 5 • 95
A integração desconhecimentos pela inter-relação entre saberes decorre não apenas
da pluralidade que caracteriza o fenômeno educativo, mas também de uma tendência
irrefreável das ciências no mundo contemporâneo buscarem a integração entre os sa-
beres, sem perder de vista a especificidade disciplinar.
- O currículo terá uma forte orientação para a pesquisa, seja como prática acadêmica,
seja como atitude. Ressaltem-se, aí, os vínculos entre o ensino e a pesquisa, a pesquisa
como forma básica de construção do saber, em confronto, em questionamento, com os
saberes já estabelecidos e como instrumento para desenvolvimento das competências
do pensar.
– Tal concepção de pedagogia deveria transpassar toda a formação pedagógica nos
cursos de formação de professores, da educação infantil ao Ensino Médio. (LIBANEO
e PIMENTA, 1999, p.257-258).

Dessa forma,

“ser professor pressupõe ‘mais do que o domínio dos conhecimentos específicos em


torno dos quais deverá agir’. O que se exige é a compreensão plena das questões
envolvidas em seu trabalho, isto é, a capacidade de identificá-las e resolvê-las au-
tonomamente, responsabilizando-se pelas decisões tomadas. Significa, portanto, uma
capacidade e atitude críticas que lhe permita avaliar seu trabalho, suas opções, suas
decisões. Mas, como ser professor é também um ‘ser com outros’, um exercer conjun-
tamente a prática social de educar, é necessário interagir ‘cooperativamente com a
comunidade profissional a que pertence e com a sociedade’ que o reconhece e dele
espera o exercício profissional docente”.(Lobo Neto, 2002 apud Araújo, 2004).

O foco da formação do Pedagogo deve estar sustentado na


pesquisa

A formação do professor pedagogo tem estado em profundas transformações


desde a década de 90, no Brasil. Marli André (2007) afirma que essa forma-
ção precisa estar alicerçada na proposta de professor pesquisador, que vem
sendo defendida por vários educadores, gestores e formuladores de políticas
educacionais.

96 • capítul0 5
Para André (2006):

[...] a pesquisa pode tornar o sujeito-professor capaz de refletir sobre sua própria prática
profissional e de buscar formas (conhecimentos, habilidades, atitudes e relações) que
o ajudem a aperfeiçoar cadê vez mais seu trabalho docente, de modo que possa parti-
cipar efetivamente do processo de emancipação das pessoas (123).

A compreensão de que a pesquisa pode ser um componente importante na


transformação da formação dos professores traz consigo alguns princípios tais
como:

•  O professor é um sujeito que pensa;


•  O professor pode produzir conhecimento;
•  O professor que sabe fazer pesquisa e produzir conhecimento é capaz de
ensinar seus alunos a fazer o mesmo;
•  O professor pode transformar sua realidade, ao tratar as dificuldades
como desafios a serem superados pela pesquisa e experimentação.

Demo (2009) defende que a pesquisa ao ser encarada como educativa faz
com que o professor entenda o educar como um processo de motivação para a
criatividade do educando, que vai em busca de superar os problemas buscando
novas e criativas formas de solução. Para esse autor, o processo de pesquisa tem
contornos muito próprio e desafiador, a começar pelo reconhecimento de que o
melhor saber é aquele que sabe superar-se. Portanto, a pesquisa como princípio
educativo é a base para qualquer proposta emancipatória (DEMO, 2009, p.16).
Mas, para que a pesquisa se torne um processo de produção do conheci-
mento é preciso desmistificá-la, primeiro porque muitos professores acredi-
tam que há uma distinção entre que ensina e quem pesquisa, essa é a primeira
desmitificação necessária. Pois, quem ensina também pesquisa para ensinar.
Mas Demo (2009) é enfático ao defender que:

Desmitificar a pesquisa há de significar, então, a superação de condições atuais da


reprodução do discípulo, comandadas por um professor que nunca ultrapassou a

capítulo 5 • 97
condição de aluno. O novo mestre não é apenas o magnata da ciência, o gênio incom-
parável, o metodólogo virtuoso, nas todo cidadão que souber manejar sua emancipa-
ção, para não permanecer na condição de objeto das pressões alheias (p.17).

O processo de produção do conhecimento que se dá por meio da pesquisa


científica e educativa é também um processo de ensino e aprendizagem, se o
professor não lê, não pesquisa e não estuda ele não será capaz de ensinar seus
alunos a fazer o mesmo. Por isso, Demo defende que o professor, antes de mais
nada, precisa ser um sujeito que estuda, pesquisa e produz suas aulas a par-
tir da sua compreensão da literatura. Se o professor é um mero reprodutor de
ideias de outros autores, ele jamais conseguirá ensinar seus alunos a produzir
conhecimento.
Demo (2009) ainda afirma que a produção de conhecimento se dá por meio
da criação, mas a criação não surge do nada, por mais que ela seja claramente
inspirada e inovadora ela precisa ser construída por meio da história de vida,
de estudo, de construção de ideias do professor, do pesquisador, é um processo
infindável de conquista. Para esse autor, é necessário rever o conceito de apren-
dizagem, pois esse historicamente esteve relacionado a características recep-
tivas e domesticadoras, a educação como instrução, informação e reprodução
precisa ser superação pelos professores e estudantes, que precisam conseguir
aprender a criar, e um dos instrumentos essenciais da criação é a pesquisa
(DEMO, 2009).
André (2007) propõe que para que a pesquisa se torne instrumento de eman-
cipação entre professores e alunos, no processo de ensino e aprendizagem, é
necessário que ela seja concebida por meio da apropriação ativa do conheci-
mento. Nessa concepção, o sujeito que aprende quando se envolve ativamente
no processo de produção do conhecimento, desenvolve suas funções superio-
res e a atividade mental, que envolve a linguagem, a articulação de ideias e a
comunicação.
Para André (2007) ensinar a pesquisar envolve:

[...] criar situações e atividades que propiciem aos alunos aprender e observar, a formu-
lar uma questão de pesquisa, a encontrar dados e instrumentais que lhes permitam elu-
cidar tal questão e os tornem capazes de expressar os achados e suas novas dúvidas.
Isso supõe uma mudança no ensinar e no aprender: é na problematização da realidade

98 • capítul0 5
que se originam as questões a serem perseguidas e é com base nelas que são escolhi-
dos métodos de trabalho e técnicas de coleta de dados- o que requer um aprendizado
de observação e análise da realidade, com apoio em conceitos e em referenciais- e um
conhecimento de métodos e instrumentais para sua compreensão (p.123).

Nesse processo de ensinar a pesquisar, primeiro que o professor precisa sa-


ber pesquisar, supervisionar, discutir e orientar os alunos, segundo que os es-
tudantes precisam envolver-se ativamente no processo. Será o professor que irá
coordenar todo o processo, é ele que irá disparar os estímulos iniciais, orientar
os alunos na busca de fontes, na escolha de métodos, na seleção de informa-
ções relevantes, será que ele que irá ajudar a sistematizar os dados e avaliar os
resultados (ANDRÉ, 2007).
Ao estudante também será necessário um envolvimento ativo, e por meio do
diálogo e das interações sociais que irão partilhar seus saberes e experiências,
irão aperfeiçoar na definição da escolha do tema, problemas de interesse co-
mum ao grupo, busca de alternativas possíveis para os problemas levantados,
entre outras questões. Dessa forma, essa relação que se constrói por meio da
pesquisa como estratégia de ensino, muda as relações tradicionais de ensino e
aprendizagem, e vai possibilitar o desenvolvimento social de todos os envolvi-
dos (ANDRÉ, 2007).
Se existem razões para defender a importância da pesquisa na formação do
pedagogo, algumas delas são essas acima apresentadas e que podemos sinte-
tizar abaixo:

•  Requer outra postura do professor, tanto no domínio das estratégias de


pesquisa, como nas relações interpessoais junto aos alunos;
•  O estudante também precisa assumir a responsabilidade pela construção
do conhecimento e por suas aprendizagens;
•  Há um pressuposto de que dessa forma se assuma uma educação emanci-
padora, em que professor e estudante são produtores de ideias, desenvolvem a
criatividade, são livres para pensar, criticar e propor alternativas de solução de
problemas teóricos ou da realidade.

André (2007) acrescenta que o uso de metodologias de investigação cientí-


fica, implica em primeiro lugar, a existência de um problema a ser resolvido,

capítulo 5 • 99
a autora esclarece que a primeira questão é como irão surgir os problemas ou
questões de projetos de pesquisa. É preciso que os estudantes compreendam
que esses problemas podem surgir da leitura e problematização de teorias ou
de situações do cotidiano que estejam incomodando a alguém, que pode ser os
próprios alunos, as queixas dos professores, ou dos pais ou dos gestores, entre
outros. O importante nesse processo de formação é que, em qualquer uma das
situações, ocorra um envolvimento efetivo dos participantes seja na definição
do tema ou problema a ser pesquisador, seja no planejamento dos passos a se-
rem seguidos diante da elucidação.
O trabalho em conjunto, compartilhado, que propicie pontos de interlocu-
ção e que faça sentido a todos os envolvidos é outro aspecto extremamente im-
portante, por mais que não seja fácil de se fazer e que requeira o envolvimento
ativo de todos (ANDRÉ, 2007). Para André (2007) essa metodologia requer uma
mudança radical nas formas de trabalho convencional do professor em sala de
aula, e o envolvimento de todos dependerá das condições que os motivaram à
mudança e do convencimento de assumir essa nova postura diante do ensinar
e do aprender será melhor para todos.
Afim de ilustrar um trabalho de pesquisa que teve como objetivo foi conhe-
cer as concepções e práticas em pesquisa de professores mestres, apresentou
um trecho do artigo abaixo. Vamos a leitura !!

LEITURA
Um Estudo de Caso
Professor-pesquisador: concepções e práticas de mestres que atuam na educação básica, autora
Rita Buzzi Rausch, trecho obtido http://www2.pucpr.br/reol/index.php/dialogo?dd99=pdf&dd1=7198,
acessado em: 02 fev. 2015.
Introdução
É comum ouvirmos falar e ler acerca da necessidade de o professor ser reflexivo e pes-
quisador na contemporaneidade. Essa perspectiva prioriza a reflexão e a pesquisa como
elementos necessários à formação docente e desloca parte importante dessa formação para
o contexto da escola, da docência. Conforme destaca Silva (2008), tal proposta reforça a
reflexão docente sobre a prática e os sentidos que essa reflexão possa provocar na ressig-
nificação da experiência docente e, consequentemente, da prática educativa. O professor, a
partir da reflexão sobre sua própria prática, estabelece novas possibilidades de ação sobre
sua docência, surgindo a partir de tal premissa, a epistemologia da prática, que subjazem as
teorias do professor-reflexivo-pesquisador.

100 • capítul0 5
Portanto, a ideia da importância da pesquisa e da reflexividade no trabalho do professor não
é recente. Lüdke (2010), no programa de pesquisa que coordena, vem investigando, junto ao
seu grupo de pesquisadores o lugar da pesquisa na formação e no trabalho do professor da edu-
cação básica. Diante dos estudos já realizados, o programa constatou que alguns professores
estão realizando pesquisas em escolas de educação básica da rede pública, o que confirma a
possibilidade de sua realização neste contexto. Destacam que o tipo de atividades consideradas
como pesquisa “[...] vão da simples organização de uma feira de ciências, ou o aprofundamento
de um tema de estudo por um grupo de professores, até o desenvolvimento de trabalhos bastan-
te sofisticados, com publicação em revistas internacionais” (LÜDKE, 2010, p. 264).
A disparidade de exemplos emitidos como pesquisa fez os pesquisadores do programa
anteriormente mencionado se indagarem acerca do conceito de pesquisa dos professores
investigados. E na busca de respostas para tal indagação, obtiveram como resposta uma
definição acadêmica de pesquisa, entretanto seguida do argumento de que não era essa
modalidade de pesquisa de que necessitavam na escola. Isso denota certo distanciamento
entre a pesquisa realizada na academia e aquela aplicada pelos professores nas escolas de
educação básica. Nessa direção, Zeichner (2009) também se questiona acerca dos tipos de
pesquisa que são mais próximos da realidade dos professores, porém sem perder de vista
certos requisitos básicos na sua caracterização.
Esse autor aponta a formação como fundamental na busca da credibilidade da pesquisa.
Entretanto Lüdke (2010) destaca que os professores, de maneira geral, declaram-se muito
insatisfeitos em relação à formação para a pesquisa recebida em seus cursos de licenciatura.
No Brasil, infelizmente, a maioria dos professores tem contato com a pesquisa em sua
completude somente em cursos de pós-graduação, mais especificamente em nível stricto
sensu. É a partir do mestrado que os professores necessitam realizar uma pesquisa de au-
toria própria e geralmente se formam como pesquisadores. Nesse sentido, realizamos uma
pesquisa que investigou: quais as concepções e práticas de pesquisa dos professores que
possuem mestrado e atuam como docentes na educação básica?
Na busca de respostas à questão-problema formulada, definimos como objetivo geral
conhecer as concepções e práticas em pesquisa de professores mestres que atuam na do-
cência na educação básica da Rede Municipal de Ensino de Blumenau. Como objetivos es-
pecíficos elencamos:

•  identificar as concepções de professores mestres acerca do conceito “professor-pesquisador”;


•  identificar se os professores mestres se consideram professores-pesquisadores desta-
cando, em sua prática docente, indicadores que permitam caracterizá-los como tal e analisar
a influência do mestrado ao desenvolvimento de uma postura investigativa na docência da
educação básica.

capítulo 5 • 101
O presente artigo está estruturado em quatro partes, iniciando com esta introdução em
que trazemos a abordagem e a justificativa do problema, a questão de pesquisa e seus obje-
tivos. A segunda parte trata dos aspectos metodológicos da pesquisa, baseados na literatura
específica, em que explicamos os procedimentos adotados na investigação. A terceira parte
apresenta a descrição dos dados obtidos nas entrevistas, que, precedida da análise de con-
teúdo, apresenta os resultados. Por fim, na quarta e última parte fazemos algumas conside-
rações e recomendações ao estudo realizado.

Procedimentos metodológicos
Este estudo possui uma abordagem qualitativa. Os sujeitos envolvidos nesta pesquisa
foram os professores mestres que atuavam na educação básica da rede municipal de Blu-
menau no segundo semestre de 2010. A partir de um diagnóstico junto à Secretaria Muni-
cipal de Educação do município, constatamos a quantidade de professores com titulação
de mestrado atuando nos níveis de educação infantil e ensino fundamental em diferentes
instituições de ensino.
Quanto aos procedimentos, após levantamento dos nomes e escolas em que os profes-
sores mestres atuavam, ligamos para cada um deles, solicitando espaço para um encontro,
estipulado por eles dentro de suas disponibilidades, para realizar uma entrevista. De dez
professores com mestrado atuando em sala no momento da recolha de dados, conforme in-
formações recebidas pela Secretaria Municipal de Educação, oito concordaram em participar
como sujeitos da pesquisa. A entrevista ocorreu dentro das instituições de ensino municipais
ou nas dependências da FURB, nos casos em que o professor tinha algum vínculo com a
instituição ou assim preferisse.
Para registrar os dados obtidos na entrevista, utilizamos a gravação direta, por meio de
um aparelho de MP4, para posterior transcrição e análise. A pesquisadora entrevistou cada
professor pessoalmente e individualmente, de forma clara e objetiva, a partir de um tópico
guia envolvendo as seguintes temáticas: a) Concepção de professor-pesquisador; b) Se os
professores se consideram professores-pesquisadores; c) Indicadores de sua atuação do-
cente que os caracterizam como professores pesquisadores; d) O mestrado como propulsor
de uma postura investigativa da docência. O tópico guia foi elaborado com a finalidade de
nortear e focar a entrevista para as questões centrais da pesquisa.
Após transcrição dos dados, procedemos à análise de conteúdo, respeitando as suas
diferentes fases cronológicas conforme destaca Bardin (1977): primeiro a pré-análise; se-
gundo a exploração do material; terceiro o tratamento dos resultados, a interferência e a in-
terpretação. Da primeira fase, são fundamentais a leitura, a escolha dos documentos e a for-
mulação de hipóteses e dos objetivos. A segunda é a fase da “administração sistemática das

102 • capítul0 5
decisões tomadas. [...] Essa fase, longa e fastidiosa, consiste essencialmente de operações
de codificação, desconto ou enumeração, em função de regras previamente formuladas”
(BARDIN, 1977, p. 101). Com ênfase para a última, a autora destaca que é uma afirmação
provisória, a qual se proporá verificar, recorrendo aos procedimentos de análise.
Neste processo de análise, o fundamental foi relacionar os dados à teoria em estudo.
Foram entrevistados oito professores, individualmente, cujas identidades permanecem em
sigilo, doravante denominadas apenas como Professor 1, Professor 2, e assim por diante.

CONEXÃO
Para conhecer os achados dessa pesquisa, acesse http://www2.pucpr.br/reol/index.php/
dialogo?dd99=pdf&dd1=7198, e leia o texto na íntegra.

CONEXÃO
Para ampliar o conhecimento
Assista ao filme Um amor quase perfeito e busque compreender algumas dimensões do
processo de pesquisar?

ATIVIDADES
01. Quais os argumentos de Libâneo e Pimenta para a compreensão da pedagogia enquan-
to ciência da prática social da educação?

02. Quais as premissas defendidas por Libâneo e Pimenta para compreender as raízes cien-
tíficas da Pedagogia?

03. Apresente as razões para a defesa da importância da pesquisa na formação do Pedagogo.

capítulo 5 • 103
REFLEXÃO
Ao encerramos essa disciplina, é importante destacar as contribuições significativas e his-
tóricas no estudo da formação do Pedagogo, desde a Antiguidade até os dias atuais, na
busca do homem em encontrar explicações racionais para os fenômenos da realidade. Com
certeza, você tem agora condições de compreender tanto os determinantes históricos da
profissão de professor, quanto os desafios que estão se apresentando nesse momento e
num futuro próximo, com certeza um deles é formar professores pesquisadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRÉ, Marli. Ensinar a pesquisar: como e para quê?. IN VEIGA(Orgs.). Lições de Didática. 2ª Ed.
Editora Papirus, 2007.
ARAÚJO, Hilda Mara. Pesquisa, formação e prática docente. http://www.ufpi.br/subsiteFiles/
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DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 13ª Ed. São Paulo: Ed. Cortez, 2009.
LIBANEO, José Carlos; PIMENTA, Selma Garrido. Formação de profissional da educação: visão
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MARLI, André (Org). Papel da Pesquisa na Formação e na Prática dos Professores (o). 8ª. Ed.
Campinas: editora Papirus, 2004.

104 • capítul0 5
GABARITO
Capítulo 1

01. Ciência é um conjunto de conhecimentos que são adquiridos e sistematizados metodi-


camente, ou seja, que não é construído de modo espontâneo ou intuitivamente. É um tipo de
conhecimento que permite a construção de instrumentos e métodos para intervir na realidade.

02. Senso comum é um tipo de conhecimento que é aceito e compartilhado por um grupo
independente de ser provado ou não. É um conhecimento fragmentário, difuso, assistemáti-
co, não produzido com base em procedimentos metodológicos.

03. Os filósofos pré-socráticos foram os primeiros pensadores que buscaram desenvolver


formas de explicação do real sem recorrer à forças sobrenaturais ou místicas, isto é, funda-
mentando a explicação do real a partir da própria natureza e com bases em causas naturais.

Capítulo 2

01. O processo de transição do sistema feudal para o sistema capitalista (séc. XV ao XVII),
ocorreu mediante diversos conflitos e mudanças, como a formação dos Estados Nacionais
unificados pelo regime da monarquia absolutista; o desenvolvimento das grandes navega-
ções, a implantação do sistema colonial e escravocrata nas colônias portuguesas e espanho-
las, e a formação e a consolidação da classe burguesa.

02. O sistema heliocêntrico defendido por Copérnico consiste num dos fatores de ruptura
mais marcantes no início da modernidade, indo contra uma teoria estabelecida há pratica-
mente vinte séculos. A instauração de uma nova teoria sobre o movimento da Terra também
levantou discussões sobre a veracidade dos conhecimentos religiosos até então vigentes.

Capítulo 3

01. Para os racionalistas, o conhecimento só pode ser alcançado por meio da mente. A
fonte do conhecimento verdadeiro é a razão operando por si mesma, sem o auxílio da expe-
riência sensível e controlando a própria experiência sensível.
Para o empirismo, a fonte de todo e qualquer conhecimento é a experiência sensível, res-
ponsável pelas ideias da razão e controlando o trabalho da própria razão. Todo conhecimento
advém da experiência, e não de especulações metafísicas.

capítulo 5 • 105
02. Para Popper a verdade é inalcançável, todavia devemos nos aproximar dela por tentati-
vas. O estado atual da ciência é sempre provisório. Para Popper, todo conhecimento é falível
e suscetível à correções. Dessa forma, o conhecimento científico é construído e a atitude de
colocar sob crítica toda teoria permite o aprimoramento do conhecimento científico.

Capítulo 4

01. A concepção racionalista do conhecimento, segundo a qual só a razão conhece verda-


deiramente, considera que as informações fornecidas pelos nossos cinco sentidos não são
confiáveis. Elas são, na maioria das vezes, enganosas e superficiais. Podemos considerar
como certas apenas as verdades demonstradas pelo raciocínio ou as que se impõem com
clareza e evidência à nossa razão. Para o filósofo grego Platão como para René Descartes,
um dos maiores expoentes da filosofia moderna do séc. XVII, a despeito da suas diferenças
de doutrina e de época, o que vemos, escutamos, tocamos é menos certo do que nos julga-
mos pela ação de nossa inteligência ou razão. Para separar essas duas formas tão distintas
de conhecimento – uma que tem como fonte os sentidos e a outra, a inteligência - Platão no-
meia a primeira de conhecimento sensível e a segunda de conhecimento inteligível. O conhe-
cimento sensível pertence para ele ao domínio da opinião (em grego, doxa), que na escala
dos saberes ocupa o degrau mais inferior. Ela marca o assentimento a um juízo não fundado
racionalmente. A opinião é uma crença que pode até ser verdadeira, porém não temos qual-
quer garantia ou certeza da sua veracidade. Por sua vez, o conhecimento inteligível constitui
propriamente o campo do saber científico (episteme), cuja verdade pode ser demonstrada
pela razão. Platão, na antiguidade, e Descartes, na idade moderna, defendem a existência de
determinados conhecimentos cuja origem provém não dos sentidos, mas da razão. Existiriam
em nós, segundo esses filósofos, “ideias inatas”, isto é, ideias presentes em nossa mente
desde o nosso nascimento e que, por isso, não seriam adquiridas pela experiência. Segundo
Descartes, as ideias inatas pertenceriam a uma espécie de patrimônio a priori da razão. Elas
são princípios universais que independem da contingência e aleatoriedade experiência e, por
isso, constituem os alicerces seguros do edifício do conhecimento. As ideias inatas se distin-
guem das outras adquiridas pela experiência pela sua evidência, clareza e distinção. Elas se
apresentam de forma tão clara e evidente à mente, que é impossível não serem verdadeiras.
Por esse motivo, argumenta Descartes, é a razão, e não a experiência, o fundamento seguro
de todo conhecimento universalmente válido.

106 • capítul0 5
02. O conhecimento científico tem uma qualificação muito associada as ciências naturais,
cujos princípios de quantificação, divisão e rigor são as principais marcas É a definição de re-
lações causais que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas, com vista
a prever o comportamento futuro dos fenômenos. A descoberta das leis da natureza assenta,
por um lado, e como já se referiu, no isolamento das condições iniciais relevantes (por exem-
plo, no caso da queda dos corpos, a posição inicial e a velocidade do corpo em queda) e, por
outro lado, no pressuposto de que o resultado se produzirá independentemente do lugar e
do tempo em que se realizarem as condições iniciais. Por outras palavras, a descoberta das
leis da natureza assenta no princípio de que a posição absoluta e o tempo absoluto nunca
são condições iniciais relevantes.

03. A formação humana é analisada na relação entre o processo histórico de objetivação


do gênero humano e a vida do indivíduo como um ser social. O que faz do indivíduo um ser
genérico, isto é, um representante do gênero humano, é a atividade vital, a qual é definida por
Marx como aquela que assegura a vida de uma espécie. A relação entre formação humana
nas obras de Marx, segundo Saviani e Duarte (2010) esta estreitamente relacionada ao
trabalho, que para Marx distingue o homem das outras espécies vivas por ser uma atividade
consciente que se objetiva em produtos que passam a ter funções definidas pela prática
social. E sendo assim, a educação tem uma tarefa que é problematizar as condições de alie-
nação que os sujeitos vivem na sociedade capitalista.

Capítulo 5

01. Para Libâneo e Pimenta (1999) argumentam sobre a ideia de que a atividade pedagó-
gica perpassa, hoje, toda a sociedade, extrapolando o âmbito escolar formal, abrangendo es-
feras mais amplas de educação informal e não-formal. Além disso, a pluridimensionalidade do
fenômeno educativo permite “estabelecer um corpo cientifico que tem o fenômeno educativo
em seu conjunto como objeto de estudo, com a finalidade expressa de dar coerência à mul-
tiplicidade de ações parcializadas. Para Pimenta (1996) a questão esta na necessidade de a
pedagogia postular sua especificidade epistemológica, de modo a não se conformar com uma
mera posição de campo aplicado de outras ciências que também estudam a educação. Com
base nisso, firma sua posição de que a pedagogia tem sua significação epistemológica assu-
mindo-se como ciência da prática social da educação (LIBANEO e PIMENTA, 1999, p.255 ).

capítulo 5 • 107
02. Os autores defendem,

A criação do curso de pedagogia, um curso que ofereça formação teórica, científica e


técnica para interessados no aprofundamento da teoria e da pesquisa pedagógica e
no exercício de atividades pedagógicas específicas (planejamento de políticas educa-
cionais, gestão do sistema de ensino e das escolas, assistência pedagógico-didática a
professores e alunos, avaliação educacional, pedagogia empresarial, animação cultural,
produção e comunicação nas mídias etc.) (LIBANEO e PIMENTA, 1999, p.257)

Para eles a existência desse curso tem como suporte algumas premissas:

– O fenômeno educativo sujeita-se à pluralidade de abordagens, à medida que


a educação é objeto de várias ciências que o abordam de seu enfoque específico. O
estudo da educação tem um caráter de multirreferencialidade – abarca tanto modalida-
des educativas escolares quanto extra-escolares, como os movimentos sociais, a edu-
cação ambiental, educação comunitária, educação de grupos sociais marginalizados e
de minorias sociais. Não é que se descarte o fato de que a educação escolar seja, ainda
hoje, a forma histórica predominante de prática educativa. Mas, mesmo em benefício de
uma educação escolar mais aberta e mais articulada com outras instâncias educativas
fora de seu marco próprio, a ideia é a de que o educativo não se restrinja ao escolar,
uma vez que abrange as relações mais amplas entre o indivíduo e o meio humano, so-
cial, físico, ecológico, cultural, econômico.
– Se, por um lado, a compreensão ampliada da educação fortalece as ciências da
educação pelo fato de a pedagogia não ser a única área científica que tem a educação
como objeto de estudo, por outro, não descaracteriza a especificidade da pedagogia
como uma das ciências da educação. Com efeito, cada uma das chamadas ciências
da educação (sociologia da educação, psicologia da educação, linguística aplicada à
educação, economia da educação etc.) aborda o fenômeno educativo da perspectiva
de seus próprios conceitos e métodos de investigação, ao passo que a pedagogia se
distingue por estudar o fenômeno educativo em sua totalidade, inclusive para integrar
os enfoques parciais daquelas ciências em função de uma aproximação global e inten-
cionalmente dirigida aos problemas educativos.

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– Um currículo de pedagogia, além de contemplar como objeto de investigação a
pluralidade das práticas educativas, concentra sua temática investigativa nos saberes
pedagógicos, com a contribuição das ciências da educação, na forma de inter-relação
entre os saberes científicos. Ou seja, assume-se o entendimento de pedagogia como
ciência da prática social da educação para daí se definirem saberes pedagógicos (cf.
Pimenta 1997). A integração desconhecimentos pela inter-relação entre saberes de-
corre não apenas da pluralidade que caracteriza o fenômeno educativo, mas também
de uma tendência irrefreável das ciências no mundo contemporâneo buscarem a inte-
gração entre os saberes, sem perder de vista a especificidade disciplinar.
- O currículo terá uma forte orientação para a pesquisa, seja como prática acadê-
mica, seja como atitude. Ressaltem-se, aí, os vínculos entre o ensino e a pesquisa, a
pesquisa como forma básica de construção do saber, em confronto, em questionamen-
to, com os saberes já estabelecidos e como instrumento para desenvolvimento das
competências do pensar.
– Tal concepção de pedagogia deveria transpassar toda a formação pedagógica
nos cursos de formação de professores, da educação infantil ao Ensino Médio. (LIBA-
NEO e PIMENTA, 1999, p.257-258).

03.
•  O professor é um sujeito que pensa;
•  O professor pode produzir conhecimento;
•  O professor que sabe fazer pesquisa e produzir conhecimento é capaz de ensinar seus
alunos a fazer o mesmo;
•  O professor pode transformar sua realidade, ao tratar as dificuldades como desafios a
serem superados pela pesquisa e experimentação.

Demo (2009) defende que a pesquisa ao ser encarada como educativa faz com que o
professor entenda o educar como um processo de motivação para a criatividade do educan-
do, que vai em busca de superar os problemas buscando novas e criativas formas de solução.
Para esse autor, o processo de pesquisa tem contornos muito próprio e desafiador, a come-
çar pelo reconhecimento de que o melhor saber é aquele que sabe superar-se. Portanto, a
pesquisa como princípio educativo é a base para qualquer proposta emancipatória (DEMO,
2009, p.16).

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