Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Apesar de terem sido produzidos em diferentes momentos e com objetivos diversos, é possível
identificar nos vários textos algumas premissas básicas, que se complementam: a relevância da
clínica, tantas vezes relegada a um segundo plano na Saúde Coletiva; a dificuldade ou até a
impossibilidade de levar em conta a dimensão subjetiva do usuário e do profissional de saúde
sem recorrer a alguns conceitos da Psicanálise; a urgência de introduzir esses conceitos,
visando a complementar a formação dos profissionais de saúde; a relevância de introduzir, de
forma sistemática, a supervisão clínico-institucional nas equipes de saúde, dadas as
dificuldades enfrentadas no cotidiano da atenção ao cuidado, não apenas prestado ao portador
de transtorno mental, mas também àquele que busca outras formas de atendimento; a
necessidade de articular a Psicanálise com a análise da ideologia, para evitar cair num
subjetivismo individualista e limitante; e a contextualização de tais aportes no âmbito da
política de saúde brasileira, que instituiu o Sistema Único de Saúde, o SUS, cuja implementação
e cujo aperfeiçoamento têm sido umas das principais “bandeiras” da Saúde Coletiva,
sobretudo mediante a atuação da Associação Brasileira de Saúde Coletiva/ABRASCO, criada no
final da década de 1970.
Rosana Onocko Campos realiza essa tarefa tendo como ponto de partida a constatação de que
– embora, em anos recentes, autores do campo da Saúde Coletiva reconheçam a relevância de
se considerar o sujeito e não apenas as estruturas sociais – ainda há poucas referências à
constituição subjetiva do sujeito.
Se a ideologia interroga o sujeito, como pensar o SUS como política pública universal se muitos
dos valores que informam e conformam a sociedade brasileira são valores individualistas e com
base na meritocracia, como na sociedade norteamericana, questiona a autora? É Zizek que,
segundo a autora, encaminha a resposta a essa questão, com sua análise da ideologia em-si,
quando, sob a forma de doutrina, a ideologia procura nos convencer “de sua veracidade, mas
sempre servindo a algum interesse de poder”, e para-si, quando a ideologia, mediante os AIEs,
analisados por Althusser, ganha materialidade “nas práticas, rituais e instituições”. E em-si-e-
para-si, quando, ao se externalizar, “a ideologia reflete sobre si mesma, produzindo a
desintegração, a autolimitação e autodispersão da noção de ideologia”
Privação e delinquência
tendência antissocial (Winnicott, 1956, pp. 499-511) é fruto da falta de apego, de desvios nos
investimentos afetivos, carências que castigam a alma precocemente. Crianças, adolescentes e
a população em geral necessitam de pais morais que ofereçam acolhimento e direcionamentos
que criem vínculos afetivos e espaços mentais criativos. Processos complexos que contribuem
para o desenvolvimento das potencialidades criativas, que resultam em múltiplas linguagens
inconscientes como formas de expressão das representações simbólicas e funcionais do
psiquismo em busca de realizações e prazeres pessoais e coletivos. A tendência antissocial é
um grito de socorro, mas, também, de esperança diante de um histórico de falência familiar e
da sociedade, ao ferir o processo de estruturação da personalidade quando deixa de oferecer
condições de dignidade a partir de valores culturais. Percepção que se estende ao nível da
identidade nacional em seus diferentes níveis de subjetivação cujo saldo será uma geração
desorientada e vazia
Visto dessa forma, Winnicott introduz uma visão ético-política às questões do sofrimento
humano. Quando falha a mente democrática e madura, os atos de delinquência emergem,
inicialmente na forma de protesto, mas, se nada é feito, eles se cristalizam como elementos
defensivos ou estruturais do ser. No âmbito individual tornam-se traços de caráter; no âmbito
coletivo transformam-se em elementos da cultura. A perplexidade crônica ou nos revolta ou
nos torna passivos, anestesiados e indiferentes. Diante do silêncio e do comodismo somos
todos corresponsáveis.
O indivíduo maduro tem dúvidas, diferentemente daqueles que propagam a certeza com fins
eleitoreiros. Ela é fruto de uma conquista. Para conquistá-la é preciso de um bom lar nacional,
que ofereça funções maternas (continência) e funções paternas (ordem e direcionamento),
espaços criativos e diálogos estruturantes. Família e nação se equiparam nesse sentido, com a
diferença de que pais não escolhemos, enquanto nossos dirigentes podemos e devemos
escolher. Reitero, a delinquência ao nível da família e da nação é fruto de uma democracia
interna frágil e ineficiente que afeta o potencial criativo, empobrece o sujeito e nossa cultura.
Desse caos pode surgir a esperança. A rebelião, como sinalizadora das necessidades urgentes
de mudanças.
Art. 1º Fica instituída a Rede de Atenção Psicossocial, cuja finalidade é a criação, ampliação e
articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e
com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema
Único de Saúde (SUS).
I - CAPS I: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e também com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas de todas as faixas etárias;
indicado para Municípios com população acima de vinte mil habitantes;
II - CAPS II: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, podendo também
atender pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas,
conforme a organização da rede de saúde local, indicado para Municípios com população
acima de setenta mil habitantes;
III - CAPS III: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes. Proporciona
serviços de atenção contínua, com funcionamento vinte e quatro horas, incluindo feriados e
finais de semana, ofertando retaguarda clínica e acolhimento noturno a outros serviços de
saúde mental, inclusive CAPS Ad, indicado para Municípios ou regiões com população acima de
duzentos mil habitantes;
§ 2º O hospital psiquiátrico pode ser acionado para o cuidado das pessoas com transtorno
mental nas regiões de saúde enquanto o processo de implantação e expansão da Rede de
Atenção Psicossocial ainda não se apresenta suficiente, devendo estas regiões de saúde
priorizar a expansão e qualificação dos pontos de atenção da Rede de Atenção Psicossocial
para dar continuidade ao processo de substituição dos leitos em hospitais psiquiátricos.
§ 3º O Programa de Volta para Casa, enquanto estratégia de desinstitucionalização, é uma
política pública de inclusão social que visa contribuir e fortalecer o processo de
desinstitucionalização, instituída pela Lei nº 10.708, de 31 de julho de 2003, que provê auxílio
reabilitação para pessoas com transtorno mental egressas de internação de longa
permanência.
Direitos na loucura: o que dizem usuários e gestores dos Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS)
Consideramos que cuidar do sujeito em seu território, com direito à circulação por diferentes
espaços (físicos e simbólicos), qualifica o tratamento. O hospital psiquiátrico tira o que nos
torna humanos: a singularidade e a liberdade. A mudança na lógica de cuidados traz consigo
novos riscos e aprisionamentos a serem continuamente analisados. Em formas de tratamentos
“não manicomiais”, a prática do controle pode se mascarar: a medicação pode tornar-se um
meio de vigilância e tamponamento de sintomas, sendo pouco discutida e negociada com o
usuário; as visitas domiciliares podem tornar-se monitoramento. Ou seja, práticas e encontros
que teriam potência para fortalecer a autonomia dos usuários podem ser tentáculos que
promovem sua captura. O circuito, denunciado por Goffman3 , deixa de circunscrever-se a
instituições totais, passando a operar no que chamamos de Práticas Totais, conforme veremos
mais adiante
Rupturas e Encontros
Costa-Rosa (2000) nomeia o conjunto das práticas promovidas pela Reforma Psiquiátrica como
“modo psicossocial”, em um movimento dialético de contradição ao modelo psiquiátrico
tradicional, o qual chama de “modo asilar” predominante. Para o autor, a fim de caracterizar a
mudança de paradigma de atenção capaz de superar o modelo asilar, é imprescindível que a
prática preencha algumas condições relativas a transformações radicais em quatro âmbitos:
4) Concepção dos efeitos típicos em termos terapêuticos e éticos: enquanto no modo asilar se
observa uma hipertrofia nos ‘defeitos de tratamento’, como a cronificação asilar, decorrente de
um entendimento do tratamento centrado na supressão ou no tamponamento dos sintomas, o
modo psicossocial objetivo o reposicionamento subjetivo, levando-se em conta a dimensão
coletiva e sociocultural. Deverá ser pensado na perspectiva de uma ética que se abra para a
‘singularização’. Assim, implicação subjetiva e sociocultural, além da singularização, são as
metas radicais quanto à ética das práticas no modo psicossocial.
Tenho como eixo central deste trabalho as quatro dimensões fundamentais do processo da
Reforma Psiquiátrica apresentadas por Amarante (2003). Descreverei a seguir as características
de cada uma delas, acrescentando minhas contribuições pessoais.
PTS
O Projeto Terapêutico Singular (PTS) pode ser realizado conforme os passos a seguir(1,2):
Para o sucesso do PTS é importante que a equipe interdisciplinar construa um vínculo com o
sujeito do projeto, além de envolvê-la nas decisões sobre as ações a serem realizadas (princípio
da clínica ampliada).