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SAÚDE COLETIVA E

PSICOLOGIA
Profa. Ludmila Carvalho
profaludmilapsico@gmail.com
@ludmilapsicologa
Aula 6

HumanizaSUS:
Vol 5. Saúde Mental

Pte. 1
Bibliografia
BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde Mental. Ministério da
Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de
Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da
Saúde, 2015. 548 p. (Cadernos HumanizaSUS; v.5)
Disponível em:
https://redehumanizasus.net/acervo/cadernos-
humanizasus-volume-5-saude-mental/
SOBRE O EDITAL:
II. Conhecimentos em saúde coletiva e em Psicologia:
[...]
- Políticas públicas de saúde/saúde mental: reforma sanitária e psiquiátrica, SUS e política de saúde
mental
- A estratégia da atenção psicossocial: vínculo, território, intersetorialidade e redes
- A atenção psicossocial entre muitos: equipes, interprofissionalidade, matriciamento e apoio institucional
- Violência, direitos humanos e saúde mental
- Dispositivos de Grupo e atendimento clínico em saúde mental.
APRESENTAÇÃO
Humanização e saúde mental – Cuidado humanizado é cuidado em liberdade

◦ A melhoria no acesso e na qualidade na atenção em saúde mental em uma Rede de Atenção Psicossocial encontra-se entre os
maiores desafios para cumprir a finalidade de garantir serviços de saúde com qualidade, atendimento integral e inclusivo a todo
cidadão brasileiro.

◦ Reforma Sanitária e Reforma Psiquiátrica


◦ Mutuamente potencializadoras e eticamente equivalentes
◦ Convergência acerca de posições éticas, estéticas e políticas
◦ Visam um projeto de uma sociedade mais justa,
◦ Resultados, ainda que lentos, começam a ser percebidos.

◦ A luta por um atendimento em saúde resolutivo, integral e humanizado para a população que padece de sofrimento psíquico
passa pelo reconhecimento desses sujeitos como cidadãos que gozam do direito de buscar ajuda quando avaliarem necessário:
◦ Dispondo de uma rede de atenção com diferentes serviços a serem acessados em diferentes circunstâncias de suas vidas.
◦ Que não tenham seus destinos selados por um diagnóstico que os atrele indelevelmente a um modo de “tratar” pautado no isolamento manicomial
e no cuidado tutelar.

◦ Só faz sentido falarmos em humanização do cuidado em saúde mental se estivermos tratando de sujeitos livres, pelo menos na
forma como a PNH compreende e define a humanização – como efeito concreto de relações entre sujeitos e coletivos, cujos
encontros, diferenças, paixões e desavenças os tornam mais potentes, mais sensíveis às necessidades uns dos outros e mais
dispostos a novos encontros.
APRESENTAÇÃO
◦ Volume dedicado à sistematização das experiências e dos debates que a Reforma Psiquiátrica (RP) vem produzindo
no Brasil.
◦ Publicação marca os 10 anos de percurso da Política Nacional de Humanização
◦ São reflexões retiradas do campo da saúde mental - defendem na radicalidade o cuidado com a vida.
◦ Textos agrupados em 4 diferentes sessões:
◦ 13 artigos,
◦ 5 relatos de pesquisas,
◦ 10 experiências em debate e
◦ 4 reportagens.
◦ Apesar da diversidade regional, pluralidade de lócus institucionais e de perspectivas teóricas, há uma mesma diretriz:
◦ a afirmação de que humanização, no campo da saúde mental, significa fazer avançar princípios e estratégias da Reforma
Psiquiátrica brasileira.
◦ O que não impede de reconhecer os impasses que o SUS tem a superar, ou a distância que pode existir entre o tipo de atenção
preconizado pela política nacional de saúde mental e o efetivamente encontrado pelos usuários nos serviços de saúde.
◦ Ao contrário, é justamente no reconhecimento da magnitude desses desafios que se busca subsídios, no âmbito da saúde coletiva,
para qualificar o cuidado em saúde mental.
◦ Comprometimento com a busca de soluções e alternativas. Pensar em que sentido os aportes da PNH oferecem
contribuições às atuais especificidades do campo da saúde mental.
◦ Ainda que tenhamos muito a aprender sobre o que nos humaniza, os textos nos revelam o quanto já temos para
contar acerca de outras formas de lidar com esta experiência demasiada humana que é a loucura.
Parte 1 – Artigos
1-Entre o cárcere e a liberdade: Apostas na Produção Cotidiana de Modos Diferentes de
Cuidar
Silvio Yasui

Resumo
Reflexões sobre o desafio da Reforma Psiquiátrica (RP) e da Política Nacional de
Humanização (PNH) em mudar os modos de cuidar e de produzir saúde no cotidiano
dos serviços.
Partindo de observações e de inquietações sobre o atual cenário de ambas
políticas, marcado por uma tendência conservadora como, por exemplo, pelas
ações para o recolhimento e a internação compulsória que autoridades municipais e
estaduais estão implementando, o autor busca explicitar que o cuidado tem a
liberdade como princípio e exigência ética e que tais medidas afrontam este princípio
representando um preocupante retrocesso na política pública de saúde mental.
Destaca, ao final, que ambas as políticas (PNH e Saúde Mental) são apostas que se
constroem nas bordas e nas fissuras deste mesmo cotidiano conservador, o que
representa um imenso desafio.
◦ Quatro cenas em diferentes momentos históricos, extraídas da experiência pessoal do autor (1976;
1983; 1997; 2012) e uma frase que se repete:
◦ “– Me tira daqui!”

◦ 2012 - Reportagem - denúncia sobre um hospital psiquiátrico.


◦ Meses antes, na mesma região, foi criado o Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas) que
denunciava o alto índice de mortes nos hospitais psiquiátricos.

◦ Entre a primeira e a última cena passaram-se 36 anos.


◦ A Reforma Psiquiátrica transformou-se em uma ampla política pública, ampliando a rede de serviços e
as ações da saúde mental, reduzindo leitos psiquiátricos, aumentando o investimento na rede extra-
hospitalar.
◦ Ao assistir à reportagem, é inevitável não sentir certo desassossego, quase desânimo, em constatar
que, apesar de avançarmos em muitos aspectos, o manicômio ainda exibe a sua face mais cruel e
violenta, nos encarando de modo desafiador.
◦ Quantos pedidos de “– Me tira daqui!” ainda são necessários?
◦ “Os processos de ‘anestesiamento’ de nossa escuta, de produção de indiferença diante do outro, têm nos
produzido a enganosa sensação de salvaguarda, de proteção do sofrimento”
◦ Basaglia em suas reflexões (sobre a experiência como diretor do Hospital Psiquiátrico, onde, ao se deparar
com a violência do manicômio e a destruição das pessoas internadas, inicia um radical processo de crítica e de
transformação da instituição) problematiza a condição da pessoa internada e os significados do manicômio,
questionando a Psiquiatria, seus instrumentos e sua finalidade como ciência.
◦ Destacava que a transformação da condição do paciente internado exigia a criação de propostas que tivessem
por princípio a sua liberdade.
◦ Uma de suas mais famosas expressões, inspirada na fenomenologia de Husserl e como profunda crítica à
objetivação do homem pela Psiquiatria positiva, é a de colocar a doença entre parênteses, o que se
traduzia no cotidiano em um intenso trabalho de produzir ações plurais, responsabilizar-se pelo cuidado do
paciente, identificar sua necessidade, escutar seu sofrimento, iniciando a “produção de uma diversa e
complexa prática terapêutica pautada na compreensão da pessoa, na transformação de suas possibilidades
concretas de vida, a partir da construção cotidiana do encontro e da intransigente afirmação da liberdade”
Na perspectiva basagliana, liberdade não é resultado e sim base da prática terapêutica.
◦ Pensar o cuidado em liberdade provoca inovações na prática terapêutica, inscreve novas
profissionalidades e representa nova projetualidade nos processos de coproduzir com as
pessoas com a experiência do sofrimento psíquico projetos de vida nos territórios.
◦ Deslocar-se do Manicômio como o lugar zero de trocas sociais e da doença como objeto
simples, para o território, plano do cotidiano no qual o sofrimento psíquico, tomado como objeto
complexo, implica a vida em suas múltiplas dimensões e cuja perspectiva de cuidado, portanto,
significa atuar na transformação da subjetividade e dos modos de viver.

◦ É um projeto ético-estético-político:
◦ [...] ético no que se refere ao compromisso com o reconhecimento do outro, na atitude de acolhê-
lo em suas diferenças, suas dores, suas alegrias, seus modos de viver, sentir e estar na vida;
estético porque traz para as relações e os encontros do dia-a-dia a invenção de estratégias que
contribuem para a dignificação da vida e do viver e, assim, para a construção de nossa própria
humanidade; político porque implica o compromisso coletivo de envolver-se neste “estar com”,
potencializando protagonismos e vida nos diferentes encontros (BRASIL, 2010, p. 6).
◦ Para a PNH, o SUS humanizado é aquele que reconhece o outro como legítimo cidadão de direitos,
valorizando os diferentes sujeitos implicados no processo de produção da saúde.

◦ A Humanização do SUS é entendida como:


[...] – Fomento da autonomia e do protagonismo desses sujeitos e dos coletivos;
– Aumento do grau de co-responsabilidade na produção de saúde e de sujeitos;

– Estabelecimento de vínculos solidários e de participação coletiva no processo de gestão;

– Mapeamento e interação com as demandas sociais, coletivas e subjetivas de saúde;


– Defesa de um SUS que reconhece a diversidade do povo brasileiro e a todos oferece a mesma atenção à
saúde, sem distinção de idade, raça/ cor, origem, gênero e orientação sexual [...] (BRASIL, 2008, p. 18-19).

◦ Podemos afirmar que, tanto a PNH quanto a RP, buscam se impor como força de resistência ao atual projeto
hegemônico de sociedade que menospreza a capacidade inventiva e a autônoma dos sujeitos.
◦ É uma aposta na potência que emerge no reposicionamento dos sujeitos, ou seja, no seu protagonismo, na
potência do coletivo, na importância da construção de redes de cuidados compartilhados: uma aposta política
(PASCHE; PASSOS, 2008)
◦ São evidências que demonstram que o cuidado é produção de vida, criação de mundos.
◦ Temos um imenso desafio: reativar nos encontros nossa capacidade de cuidar
◦ Alguns princípios que devem nos nortear:
◦ o coletivo como plano de produção da vida; o cotidiano como plano ao mesmo tempo de reprodução, de experimentação e
invenção de modos de vida; e a indissociabilidade entre o modo de nos produzirmos como sujeitos e os modos de se estar nos
verbos da vida (trabalhar, viver, amar, sentir, produzir saúde...) (BRASIL, 2010, p. 8-9)

◦ Aposta que aponta para outro mundo possível, que se constrói nas bordas, nas fissuras, na contramaré,
nadando contra a corrente.
◦ Se o cotidiano reproduz sujeitamentos, heteronomias, subjetividades servis e tristes, é preciso abrir
brechas e fissuras neste cenário densamente conservador, alheio e surdo aos pedidos de “– Me tira daqui!”,
que ainda ecoam.
◦ No cotidiano e no coletivo precisamos apostar na potência da criação e da invenção que se dá em
liberdade e no bom encontro.
◦ “Pois a vida não é o que se passa apenas em cada um dos sujeitos, mas principalmente o que se passa
entre os sujeitos, nos vínculos que constroem e que os constroem como potência de afetar e ser afetado”
(BRASIL, 2010, p. 8).
Nada é natural, nada é impossível de ser mudado.
2-A Psiquiatrização da Vida: Arranjos da Loucura, Hoje
Tania Mara Galli Fonseca, Regina Longaray Jaege

Resumo
◦A Política de Humanização da Atenção e da Gestão (PNH) tem como objetivo a qualificação das
práticas de gestão e de atenção em saúde.
◦O diferencial a que se propõe é a construção de plano transversalizando conceitos, funções,
sensações, saberes, poderes, conectando produção de saúde ao campo da gestão.
◦Plano que necessita ser permeado de novos sentidos para a saúde/adoecimento mental.
◦A Reforma Psiquiátrica (RP) introduziu outros modos de tratar a doença mental, mas percebe-se,
mesmo assim, a naturalização e a perseveração dos diagnósticos e dos modos mais tradicionais
de lidar com as condutas díspares.
◦Indaga-se: como o que se denomina saúde mental é tratada na rede HumanizaSUS?
◦O artigo propõe discutir a necessidade de uma formação que problematize os novos modos de
gestão da vida, o controle normatizante das disparidades e os novos arranjos da loucura
◦ Como a PNH vem tratando das configurações relacionadas à loucura?
◦ A Política Nacional de Humanização tem o grande desafio de construção de um SUS orientado
para o protagonismo, a autonomia e a corresponsabilidade de todos os atores envolvidos.
◦ Formação que envolve a construção de novas práticas de saúde e que seja capaz de acionar
novos modos de ser, de sentir, de agir, intervindo nos modos de gestão de saúde, capazes de
produzir “novos sujeitos”, ou seja, corresponsáveis e partícipes na afirmação das políticas do
SUS.
◦ Como acolhemos os díspares em instituições de saúde? Como acolher usuários e
trabalhadores em situações de sofrimento mental, físico, moral, sem naturalmente selecioná-los,
classificá-los e generalizá-los a determinadas categorias de doenças?
◦ Seremos capazes de propor novas práticas políticas quando estamos imersos em um mundo onde
instrumentos panópticos generalizados arregimentam cada vez mais novas materialidades,
onde a vigilância absolutamente faz parte desta trama mais comum de nossas vidas?
◦ Quais são as escolhas que determinam as necessidades de cuidados destinados à população?
Quais são os critérios avaliativos sobre os corpos que determinam as orientações dos
mecanismos institucionais de atendimento? Quais as condições de entrada e de saída do
usuário na rede de atenção à saúde?
◦ A partir de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari, traçamos novos planos de imanência, de referência e de
composição para analisar os campos de saberes da saúde, que nos convidam a novas apreensões do mundo.
◦ Enfatizamos estes autores apenas por medidas de precaução. São autores que concebem arranjos coletivos e maquínicos que
rompem com formações discursivas subjetivantes, organizadas em torno do conceito de sujeito (humano, falante,
trabalhador, consumidor).

O gesto incessantemente repetido


◦ Desordens neurológicas, desordens econômicas, desordens sociais. A vida produz sofrimentos que, a
qualquer sinal, tendem a receber alguma categoria.
◦ E é deste ponto que a Psiquiatria, a Psicologia, o Serviço Social amplificam seu poder na gestão de
nossas vidas.
◦ A população psiquiátrica, com a Reforma Psiquiátrica não perdeu este nome. Cada vez mais
descobrem-se novos doentes nas fábricas, nas escolas, nos hospitais gerais. Incessantemente
recolhemos estas demandas, exercemos nossa razão científica, estabelecemos as devidas marcas
institucionalizantes que potencializam novas produções maquínicas.
◦ Quando pensávamos em diminuir os loucos do hospício, constituíamos, por meio dos procedimentos
desterritorializados da ciência psiquiátrica e da psicológica, novos objetos doentes.
◦ Para reabilitar, curar, integrar a loucura tornou-se um grande negócio. Novos procedimentos, novos
espaços, novas linguagens constatam a divisão já estabelecida. Resta algo indiferenciado?
◦ A condição da Psiquiatria é da patologização permanente.
◦ Procedimento psiquiátrico que sai dos territórios bem demarcados dos
manicômios e alonga-se por meio de mecanismos heterogêneos, cada vez mais
fortes, mais ampliados, mais estendidos, intervindo na vida mais comum.
◦ Em nome da segurança e da proteção social, a Psiquiatria toma para si, o poder
sobre a vida, determinando o direito soberano de vida e de morte: se não se
tratar, se não seguir a prescrição exata, se não tomar a medicação... morrerá...
◦ Mas qual é a experiência da loucura na atualidade? De quais matérias e
acontecimentos é constituída?
◦ A loucura, na sua versão doença mental, desamarra-se das camisas de força dos
hospitais psiquiátricos para novos dispositivos terapêuticos:
◦ Procedimentos manicomiais de tratamento e de cura ampliam-se em inúmeros serviços
públicos.
◦ No ambiente privado, reservam-se o direito ao sigilo silencioso.
◦ No ambiente público, restam os direitos sociais adquiridos.
Desconstituindo discursos, amplificando sutis acontecimentos
◦Apesar de contribuições acadêmicas vastíssimas, por que contribuímos com tão pouco nos
modos como lidamos com a diferença, permanecendo, por exemplo, no campo jurídico dos
direitos em relação à saúde mental?
◦Insistimos em garantir direitos às necessidades da população. E quem precisa de quê?
◦O Estado entra para conceder aquilo que falta.
◦Falta sustentada por aquilo que é considerado a partir do desvio, das incapacidades biológicas
diversas, dos efeitos do meio e sobretudo o que “a biopolítica vai extrair seu saber e definir o
campo de intervenção de seu poder” (FOUCAULT, 2010, p. 206).
◦Mas o que é que falta para potencializar de modo alegre nossas vidas?
◦ A possibilidade de, sob a forma de acolhimento, aproveitar-se da “intimidade
das pessoas, sua ansiedade quanto ao presente e ao futuro” e sua
vulnerabilidade social, tão naturalizada e ininterruptamente recolocada e
disfarçada dentro do estado anormal, hereditário, incurável e subjetivo.
◦ E para isto, consolidar o “fascismo da insegurança” (SANTOS, 2010, p. 2).
◦ Estamos dispostos a abrir mão das dicotomias entre saúde e doença?
Estamos dispostos a abrir a Psicologia para as “Políticas do viver”?
◦ Tentar rupturas das dicotomias que constituem razão e desrazão e todo o
maquinismo produzido e produtor de novas realidades a respeito do
estranho, da diferença?
◦ E mais, suportamos questionar nossos especialismos e trazer a Psicologia
para abertura de novos mundos, desconectar discursos sobrecodificantes,
atos e significações redutores da vida à institucionalização psiquiátrica?

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