Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
E DA CULTURA:
A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE 1
____________________________________________________________
PACHECO FILHO, R. A. “O conhecimento da sociedade e da cultura: a contribuição
da psicanálise” Psicologia & Sociedade; 9 (1/2): 124-138; jan./dez.1997
124
Desde que o Homem de Ciência gestado pela Modernidade lançou o
seu olhar inquiridor sobre os fenômenos sociais, um enigma persistente
insiste em desafiar o engenho dos que se dedicam à investigação nessa
área: qual o limite exato da fronteira que separa os fatos relativos ao
indivíduo, dos acontecimentos que dizem respeito ao social ?
Durkheim acreditou ter encontrado uma resposta, em sua definição de
fato social como compreendendo modos de pensar, agir e sentir suscetíveis
de exercer sobre os indivíduos um poder coercitivo exterior, tendo, ao
mesmo tempo, uma existência própria independente de qualquer das
manifestações encontradas em cada indivíduo em particular. 2 Buscava,
através dessa formulação, um meio de alçar a investigação sociológica ao
status de disciplina científica, com objeto de estudo próprio e separado do
campo da psicologia. E é indubitável que a estratégia teve sucesso na
instauração de um novo domínio, arregimentador de novos pesquisadores
interessados em refletir os modos pelos quais a lógica da ciência poderia
permitir a abordagem dos acontecimentos sociais. Criou-se, porém, uma
zona obscura de fronteira entre essa nova disciplina e a psicologia,
correspondendo exatamente às interrogações sobre a natureza das relações
entre fatos psíquicos individuais e fatos sociais.
Sabemos que a Psicologia Social surgiu com a intenção de responder a
essa demanda, mas não se defrontou com uma tarefa de fácil realização: a
escolha do ponto apropriado de inserção da nova área, entre os universos
dos eventos psicológicos e dos eventos sociais, gerou novas dificuldades. A
melhor evidência disto talvez seja a conhecida cisão da nova área de
estudos em duas perspectivas distintas, disputando a simpatia dos
estudiosos: uma psicologia social de orientação sociológica e uma
psicologia social de orientação psicológica.
Sem questionar a importância da visão macrosocial defendida por
Durkheim e por todos os demais que se dedicaram a estudar os fenômenos
sociais em um enfoque mais abrangente, a verdade é que a ausência de
interesse pelas questões da individualidade trouxe como risco a própria
possibilidade de ênfase acentuada na imobilidade da sociedade e na
perenidade das instituições sociais estabelecidas: ou seja, um conseqüente
conservadorismo social. A sociologia durkheimiana parece ter padecido
desse defeito, assim como diversas de suas correntes herdeiras
subseqüentes.
____________________________________________________________
PACHECO FILHO, R. A. “O conhecimento da sociedade e da cultura: a contribuição
da psicanálise” Psicologia & Sociedade; 9 (1/2): 124-138; jan./dez.1997
125
Mesmo um sistema com uma cosmovisão transformadora e
revolucionária como o marxismo não se mostrou imune à subestimação do
tema do indivíduo, como aponta Paulo Silveira em sua afirmativa de que
"não foi apenas pela sua vasta contribuição ao conhecimento das condições
contraditórias e objetivas do funcionamento do capitalismo. Foi, também, pela
fundação mesma de uma ontologia ancorada em bases de uma dialética
eminentemente histórica, que redimensionou um conjunto de questões concernentes
à relação do homem com a história"4 (ibid., pp. 11-12):
" O caráter social é, pois, o caráter geral de todo o movimento; assim como é a
própria sociedade que produz o homem enquanto homem, assim também ela é
produzida por ele. A atividade e o gozo também são sociais, tanto em seu modo de
existência, como em seu conteúdo; atividade e gozo social. 9 " (Marx, 1844,
Terceiro Manuscrito, p. 15)10
____________________________________________________________________________
PACHECO FILHO, R. A. “O conhecimento da sociedade e da cultura: a contribuição
da psicanálise” Psicologia & Sociedade; 9 (1/2): 124-138; jan./dez.1997
138