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Fundamentos da psicologia social crítica

Estudar a Psicologia Social no Brasil é a oportunidade para discutirmos a inserção profissional do psicólogo
num campo distinto daquele onde ele é posto de maneira estereotipada, como profissional liberal, atendendo
em consultório uma demanda quase sempre individual. Isto não significa desqualificar a prática clínica, que
tem sem dúvida importância e lugar garantido nas atividades do psicólogo, além do que deve se considerar
que por muitas vezes o “olhar clínico” treinado nesta prática de atendimento (e investigação) também será
requerido quando se pensa na atuação junto a grupos e comunidades. Significa, justamente indicar um lugar
para a prática da psicologia que escapa aos limites do consultório, de um lado, e que vislumbra uma ação
que pretende desafiar o entendimento de questões psicológicas como ocorrendo nos limites do corpo. A
compreensão dos fenômenos psicológicos irá ser estendida para outros “corpos”, como o “corpo” grupal e o
“corpo” social, reconhecida a importância das relações histórico-sociais construídas nos grupos e na
sociedade como determinantes da existência e das possibilidades de ser coletivamente.

Marxismo
Universal e racional, materialista e determinista, estabelecido a partir de Hegel, o método marxista, também
chamado de materialismo dialético, propõe que a análise aprofundada de um objeto (a vida econômica, por
exemplo), desvela elementos contraditórios, contradição que é entendida como motor da realidade e que,
além de Hegel, não havia sido reconhecida em sua importância por outros importantes filósofos como
Descartes ou Kant, por exemplo. Diferente de outros métodos voltados para o conhecer, o materialismo
dialético inclui a compreensão de que a realidade que é objeto de estudo é uma realidade em movimento, e
este próprio movimento também é sujeito à análise. Nestes termos ele reconhece a singularidade de cada
objeto e a necessidade de alcançar as leis próprias que dirigem esse mesmo objeto.

Marxismo: fundamento da crítica social


A proposta metodológica de Marx que sustenta sua crítica ao capitalismo veio de encontro aos interesses
das classes trabalhadoras e orientou e inspirou movimentos que se transformaram em revoluções contra “o
capital”, mais especialmente contra a dominação das elites, a opressão dos trabalhadores, a desqualificação
do trabalhador como produtor de riqueza. A sustentação da desigualdade e da opressão não se mostrava,
como Marx indicou, apenas na força. Esta sustentação também estava/está entranhada nas ideias, nas
crenças e nas nossas representações. Para entender este processo de dominação e controle, o marxismo
vai incluir entre suas categorias de análise o conceito de ideologia, oferecendo um sentido bastante singular
a uma concepção que também tinha história.

Ideologia: histórico
O termo ideologia aparece com importância para a Filosofia e as Ciências Sociais há pouco mais de um
século, mas sua história pode ser rastreada nas culturas grega e romana. Seu sentido mais corrente é o que
trata daquilo que afasta os homens e as sociedades da “realidade”, mais especificamente dos determinantes
que nos fazem compreender esta realidade. Esta concepção ainda “bruta” vai precisar ser lapidada e
transformada em campos como o da filosofia, da sociologia, da política e mesmo da psicologia, por autores
que se propuseram a enfrentar as dificuldades de dar suporte teórico a um conceito que articula a
materialidade da vida à sua dimensão “imaterial”, ao campo do conhecimento e das ideias.
De acordo com Chaui (1997), é possível falar de ideologia utilizando uma conceituação fraca e uma outra
que poderia ser nomeada como forte. Neste sentido fraco, ideologia diz respeito ao conjunto de ideias que
utilizamos nós mesmos, nossos grupos e sociedades, e que irá configurar nossa visão do mundo (ou
cosmovisão). Seu valor está no ser o estofo do pensamento e do comportamento humanos construídos
através das relações entre os homens e transmitido através das gerações pela cultura e suas instituições,
isto é, pela linguagem, pela arte, pelas produções artísticas, científicas, religiosas, na escola, no trabalho,
no dia a dia.
Ideologia: definições
A definição forte de ideologia está diretamente associada à crítica construída na perspectiva marxista e que
a apresenta como possuindo um sentido necessariamente negativo. Neste caso, a ideologia é como uma
falsa consciência produzida e sustentada pela classe dominante e que se presta a encobrir os determinantes
da dominação exercida por esta classe. Como efeito da ideologia estará o caráter natural da dominação,
associada não a condições histórico-sociais, mas a circunstâncias que podem ser buscadas em princípios
que são entendidos como universais e imutáveis.
De acordo com Guareschi (2001), a ideologia constitui-se como prática discursiva e material. Isto é, ela se
estabelece no campo das ideias, nos discursos, nas conversas. A ideologia também se faz nas práticas
cotidianas, na repetição dos papéis sociais, na educação escolar, nas práticas familiares e sociais. Numa
sociedade marcada pela extraordinária presença dos meios de comunicação, ela é transmitida não apenas
pelas revistas, jornais, TV, mas também e intensamente pela internet, pelas redes sociais nas quais vivemos
mergulhados no cotidiano. Nestes casos, a ideologia é literalmente apreendida e assim legitimada. Este
processo que pode ser reconhecido como brutal e violento, desde que implica a imposição de ideias, valores
e comportamentos (o hoje) assim como de possibilidades (o futuro), também tem grandes sutilezas. Sua
instituição se faz de tal forma, que os indivíduos não se dão conta deste seu aspecto construído e tutorado,
tomando como sendo “natural” o que foi produzido circunstancialmente, apoiado por interesses de classe,
mas de tal forma a ocultar estes interesses e a contradição na qual estão apoiados. Como resultado deste
processo, a crítica à ideologia é tarefa imensamente complexa que muitas vezes tem se mostrado ineficaz.
Embora necessária, a mera apresentação da contradição não desfaz o “feitiço” ideológico.

Ideologia: exemplos
A ideologia dominante explica como “natural”, por exemplo, a supremacia de determinados grupos, a
incompetência de um determinado grupo étnico, enfim, as diferenças que justificam a exclusão de indivíduos
e grupos do poder de conduzir e controlar, seus corpos, sua riqueza e suas vidas. Neste caso, a ideologia
sustenta a desigualdade e pretende calar aqueles que se veem fora do jogo da sociedade. Ela sustenta
como responsabilidade do indivíduo aquilo sobre o que ele não pode responder e que se encontra em outra
instância, fora de seu controle.
Um exemplo: na escola pública, não é incomum ouvir-se que determinada criança tem problemas, que ela
é incapaz de aprender, que é preguiçosa. Se há alguma concessão, é na transferência da responsabilidade
do insucesso para a família, normalmente caracterizada como “desestruturada”. Ora, não entra neste jogo,
na compreensão deste acontecimento que é a “inadequação da criança” o outro lado da moeda,
confortavelmente escondido pelo viés ideológico. Isto é, que se trata aqui, de fato, da “inadequação da
escola”. Este outro lado pode ser verificado, não muito longe, no contexto das políticas públicas de
educação, das tremendas dificuldades enfrentadas por esta instituição, do entendimento governamental que
tira a educação do lugar privilegiado para a construção da autonomia e da cidadania.

A crise dos paradigmas da Psicologia Social: a história brasileira


Durante muito tempo, a psicologia social pode ser entendida como um espelho das atividades científicas
que se desenvolviam na metrópole, entenda-se aqui os Estados Unidos. Seguindo este modelo colonial,
nossa produção esteve longe de levar em conta a história e as realidades vividas pelos povos latino-
americanos e acadêmicos e as universidades se dedicavam com mais ou menos sucesso em repetir as
preocupações e os programas das universidades americanas, fazendo nossos os alvos produzidos em
outros lugares (SANDOVAL, 2000).
O confronto com a Psicologia tradicional – ou colonial – vai conduzir a um olhar muito mais crítico e
inconformado para a realidade brasileira e latino-americana, e uma posição científica que excluía
definitivamente o decantado princípio da neutralidade científica e o enfrentamento de questões que passam
a ser centrais na agenda da Psicologia Social, como as oposições inclusão-exclusão, igualdade-
desigualdade e autonomia-dominação. A ação de descoberta preconizada pela ação científica neutra de
inspiração positivista vai se opor a uma prática que busca a transformação e que ganha força como objetivo
fundamental do psicólogo social.
A Emergência do Paradigma Latino-Americano: a realidade histórica e social dos países latino-
americanos
Durante as décadas de 1970 e 1980, boa parte da América Latina se encontrava, do ponto de vista político,
sob regimes de exceção. As ditaduras militares eliminaram direitos civis, suprimiram espaço de debate e a
possibilidade de diferenças, eventualmente torturando e produzindo o que, para usar um eufemismo
bastante repetido, se chamou de “desaparecidos”, isto é, indivíduos identificados como opositores e que
foram mortos por estes regimes. Este movimento de opressão política também ocorreu sobre os meios
acadêmicos e científicos (os intelectuais, via de regra, eram dos primeiros a serem perseguidos e exilados)
e, sintomaticamente, abriu portas para a disseminação de conceitos e práticas identificados com o status
quo, isto é, com o poder vigente.
No que diz respeito à Psicologia Social na América Latina, a oposição aos governos totalitários conduziu
inúmeros psicólogos para o confronto, para o desafio dos modelos hegemônicos vigentes e para a proposta
de novas formas de produzir conhecimento que pudessem, “subversivamente”, transformar a sociedade. É
o caso da peruana Gladys Montecinos, das venezuelanas Maritza Monteiro e Maria Auxiliadora Banchs, do
cubano Fernando González Rey e do espanhol radicado em El Salvador, Ignacio Martín-Baró.

Psicologia Sócio-Histórica: História


Formada a partir das principais correntes no embate com os modelos hegemônicos e que defendem a
neutralidade da Psicologia Social, desenvolve-se a Psicologia Sócio-Histórica, representada nos trabalhos
de Silvia Lane e de seu grupo da PUCSP. Fundamentada na crítica marxista e na produção de autores
russos como Vygotsky e Leontiev, esta proposta-ação de Psicologia Social considera como a psicologia
como ciência guarda como princípio, o conflito. Este está presente nas dualidades que podem ser
identificadas nas diferentes escolas psicológicas, que mobilizam a caracterização de distintos objetos de
conhecimento e a escolha de ferramentas metodológicas apropriadas para o exercício do conhecer. Estão
aqui as oposições entre indivíduo-grupo, entre interno-externo, natureza-sociedade, autonomia-liberdade,
entre determinação-controle (BOCK, GONÇALVES e FURTADO, 2001).

Psicologia Sócio-Histórica: Fundamentos


A Psicologia Sócio-Histórica procura superar esta condição dicotômica, fazendo da contradição parte do
fenômeno psicológico. Apoiada no marxismo, adota o materialismo dialético como filosofia, teoria e método.
Como teoria crítica do modelo positivista e racionalista da ciência psicológica, a Psicologia Sócio-Histórica
busca situar a Psicologia numa perspectiva dialética. Orienta esta perspectiva o princípio de que o homem
é ativo, social e histórico e que a sociedade deve ser entendida como uma produção histórica de homens e
mulheres. Sob esta compreensão, as ideias são entendidas como representações da realidade material que
é, por sua vez, fundada em contradições que se expressam nas ideias. Neste sentido, a história deve ser
compreendida como movimento contraditório e constante do fazer humano – e que tem por fundamento sua
base material.
A Psicologia Sócio-Histórica afirma, assim, a indissociabilidade entre a subjetividade e a objetividade do
mundo, marcada pelas relações econômicas, e reconhece a presença da linguagem como mediadora do
processo de internalização. Conhecer o mundo interior, o fenômeno psicológico, nesta direção, é
compreendê-lo como expressão e conversão do mundo objetivo e coletivo e retirar sua caracterização de
algo que deve ser entendido como abstrato e idealista. Muito pelo contrário, o fenômeno psicológico ganha
“materialidade”.

Psicologia Sócio-Histórica: O método de investigação e intervenção


Na crítica à postura positivista e idealista na construção do conhecimento em Psicologia, estas
considerações têm efeitos profundos sobre o posicionamento de acadêmicos e profissionais, requerendo
deles conhecimento e capacitação técnica, mas também um posicionamento ético e político em relação às
suas práticas, crítico desta perspectiva naturalizante e engajado na transformação da realidade. Como
desdobramentos da adesão à perspectiva Sócio-Histórica (sócio-construtivista) na Psicologia Social,
pretende-se superar a neutralidade da prática profissional e assumir que esta trata de escolhas e
engajamentos. Estes irão se materializar na construção de projetos coletivos de classe, por um lado, mas
também na elaboração de uma ação profissional que respeita os interesses e desejos do outro no encontro
da prática profissional (indivíduo, grupo, comunidade).

Representações sociais: histórico e conceito


Quais as relações entre o pensamento científico e o senso comum? Na tentativa de buscar uma resposta
para esta questão num contexto de grande debate sobre a relevância do pensamento científico no pós-
guerra e de como este pensamento era assimilado – e transformado – pelas “pessoas comuns”, o francês
Serge Moscovici propõe o conceito de Representações Sociais, apresentado pela primeira vez no trabalho
“As representações sociais da psicanálise”, em 1961. Tendo como ponto de partida a idéia de
Representações Coletivas, antes proposta pelo sociólogo francês Emile Durkheim, Moscovici subverte a
concepção durkheimiana e indica que a representação dos objetos e teorias sobre os quais as sociedades
humanas têm interesse são (re)construídos por essas sociedades num processo contínuo apoiado,
fundamentalmente, nas relações entre as pessoas e os grupos sociais.

Representações sociais: objetivação e ancoragem


A objetivação é o processo pelo qual se tenta reabsorver um excesso de significações, materializando-as.
A quantidade de significantes e indícios que um determinado grupo utiliza pode se tornar de tal maneira
abundante que os sujeitos, frente a esta situação, procuram combatê-la tentando ligar as palavras a coisas.
Aqui Moscovici entende estar a dimensão imagética da Representação Social e que tem importância direta
na sua disseminação. É possível reconhecer este movimento, por exemplo, ao falar da representação da
psicanálise. Ainda que se trate de campo complexo e que suponha uma difícil assimilação, não podemos
deixar de lembrar de Freud, das práticas terapêuticas e do sofrimento mental cada vez que nos depararmos
como um simples divã.
A ancoragem é o outro lado da moeda em relação à objetivação. A ancoragem ajusta o objeto representado
à realidade da qual ele foi sacado, promovendo a constituição de uma rede de significações em torno do
objeto e orientando as conexões entre ele e o meio social. Assim, o objeto, via representação social, passa
a ser um instrumento auxiliar para a interpretação da realidade. Aqui pode se verificar a dimensão conceitual
e linguageira da Representação Social. Para não irmos muito longe, podemos recorrer novamente à
Psicanálise como exemplo. É possível verificar o processo de ancoragem na associação que podemos fazer
entre a prática religiosa católica da confissão e a psicanálise: ambas ocorrendo num espaço reservado, com
garantia de sigilo, possibilidade de se tratar de questões íntimas que o sujeito não traria para o espaço
público. A prática psicanalítica enquanto conceito viria se ancorar, assim, no conceito já conhecido de
confissão.

Identidade social
Esta ideia de identidade, que provém do senso comum, contém o princípio da permanência, da essência,
de algo que pretendemos cultivar como próprio de quem somos: sempre os mesmos. Neste caso, a
identidade é um objeto, que podemos “ter”, que pode ser “nosso”. Ora, sob o entendimento proposto por
uma Psicologia Social crítica, esta concepção de permanência associada à existência de um sujeito será
duramente desafiada. Numa perspectiva histórico-social, como vimos antes, os sujeitos não só são resultado
daquilo que os antecedeu, das condições concretas, simbólico-imaginárias, que vieram se constituindo
socialmente, mas é também, ele próprio, sujeito às mudanças e transformações que se realizam a cada
momento. Desta forma, embora pareça assustador, pode-se dizer que ao invés de você e eu sermos
‘alguém’, de fato, nós estamos sendo, isto é, estamos em constante transformação, numa contínua
metamorfose.

Grupos
É importante considerar que a ideia de grupo dá conta de uma variedade importante de conjuntos. Se ela
se presta à caracterização da identidade profissional (o grupo de psicólogos, por exemplo) também estará
presente quando falamos de pequenos grupos, quando os indivíduos estão face à face, envolvidos em uma
prática social determinada, como numa empresa (os funcionários da empresa X), na escola (os alunos ou
os professores), ou em uma ação de saúde (os profissionais de saúde).
Uma forma de tentar classificar os grupos, assim, é tomá-los a partir de alguns elementos básicos. Um grupo
pode ser considerado a partir dos seus objetivos compartilhados, da quantidade de pessoas que o compõe,
da maneira como está organizado, do contato entre seus participantes e do vínculo estabelecido entre eles.
Mais ainda, e aqui o quinto elemento, estará no seu reconhecimento social

Processos grupais
A identidade historicamente construída tem como um de seus elementos mais importantes a ligação a
grupos sociais. Vale aqui indicar o entendimento de Silvia Lane (2006) sobre os grupos, para os quais ela
reivindica a mesma preocupação sobre a importância da história na sua instituição. As concepções
tradicionais sobre os grupos usualmente os caracterizam como um conjunto de pessoas que compartilham
um objetivo comum grupo. Mas numa perspectiva social crítica seria melhor definir o Processo Grupal, em
função da sua inevitável sujeição à passagem do tempo e à inserção social.
Lane insiste em tratar o grupo como processo ao caracterizá-lo como uma unidade que não se faz como
permanente, que se constitui fundamentalmente de pessoas e relações, e que está inserida num
determinado contexto histórico e social. Ora, tudo isto que irá compor a concepção e a materialidade dos
grupos é sujeito da passagem do tempo, isto é, muda, transforma-se, por conta desta passagem. É por isto
que se poderá, assim, falar em processo, porque o grupo só existe, sendo, ele não é coisa que possa ser
abstraída de sua condição histórica.

Processos Psicossociais da Desigualdade Social: Exclusão e Sofrimento Social


A noção de exclusão, bastante polissêmica, compreende fenômenos tão variados que nós podemos
nos perguntar até onde s e justifica falar ou t ratar de exclusão em geral, o que suporia juntar
todos os processos qu e ela impli ca ou todas as formas que ela toma em uma mesma alternativa.
Até onde, é legítimo ligar a exclusão ao r acismo, ao desemprego, aos conflitos internacionais ou
ainda a um estado de incap acidade física ou mental, etc.? ”. Há pelo menos um nível onde uma
abordagem única da ex clusão poder fazer sentido: o nível das interações entre pesso as e entre
grupos, qu e del a são agentes ou vítimas. Este nível é próprio da Psicologia Social. (p.53)

Psicologia Social Comunitária: Histórico


De acordo com Sawaia (1999), a idéia de comunidade entra para o campo da ciência como apropriação de
um conceito tão antigo quanto a humanidade. Já sob a ótica da crítica e do compromisso social, a Psicologia
Comunitária é a ciência que tem por objeto a exclusão, numa perspectiva que nega a neutralidade científica
e que pretende não apenas interpretar o mundo teoricamente mas transformá-lo.
Surgida em meio à crise da Psicologia Social em meados dos anos 1970, a Psicologia Social Comunitária
se apresentou como uma abordagem diferenciada para a inserção profissional e política do psicólogo.
Andery (1986), em trabalho que pretendia uma avaliação da instalação desta disciplina no Brasil, indicava a
vocação da Psicologia Social Comunitária para estabelecer um compromisso com os grupos dominados e
excluídos da sociedade, desafiando modelos de ação profissional do psicólogo que cumpria o papel de
atender à elite e estar a serviço do controle social. Esta nova inserção profissional, nova prática do psicólogo,
colocava por chão a possibilidade de uma ação fundada na neutralidade.

Psicologia Social Comunitária: Fundamentos


O uso da palavra comunidade nas práticas profissional e científica refere com muita freqüência aquilo que
está fora do consultório (na área de saúde, p.ex.), e um certo “compromisso com o povo”, o que pode se dar
em termos bastante ingênuos e não necessariamente críticos. Nesta direção, a comunidade é apresentada
como lugar em que se conservam a pureza étnica e cultural, onde está a origem da sociedade. Associada à
vida comum e solidária, a comunidade está em oposição à vida típica do mundo globalizado, individualista
e competitiva, um entendimento que guarda um saudosismo da volta às origens. Por outro lado, deve-se
considerar que na história deste entendimento, a idéia de comunidade também foi combatida quando, desde
o Iluminismo, a comunidade (e a tradição) foram tomadas como inimigas das mudanças sociais e do
progresso. Tais utopias comunitárias seriam reativas ao individualismo e à modernidade. Um uso perverso
deste termo pode ser localizado também quando se fala da conjunção pobreza e criminalidade, numa alusão
mais elegante aos moradores das grandes favelas urbanas.

Psicologia Social Comunitária: Pesquisa e intervenção


As intervenções possíveis junto às comunidades devem ser compreendidas num âmbito que é o
psicossocial, como descrito acima, o que faz menção a estas duas esferas, a individual e a social como
possuindo uma relação dialética e não instituídas como polaridades. Estas intervenções se dão no âmbito
das relações e, dentro de uma perspectiva crítica, devem produzir transformações sobre aquelas relações
que, além de comportar assimetrias e diferenças, são também relações de dominação – econômica, política
ou cultural, visando que as próprias comunidades possam se constituir como autônomas e responsáveis
pela sua gestão (autogestão).
As ações sobre os grupos humanos, no âmbito das comunidades, exigem a disponibilidade para dar conta
das características históricas, políticas e sociais, culturais, de um determinado grupo. O trabalho com estes
grupos acontece no intercruzamento de diferentes campos: o do contexto político e social, e o do imaginário
do grupo onde se realiza a intervenção. Isto tudo em meio a um contexto do qual participa ativamente o
profissional/mediador envolvido nesta intervenção. Não se trata de ação neutra ou distante dos sujeitos, mas
profundamente marcada por relações que se dão também entre os responsáveis pela intervenção – um
conjunto que pode conter alunos, professores e profissionais de diferentes especialidades – e aqueles que
são alvo daquela ação: a comunidade.

Psicologia e Políticas Públicas


A questão social é tratada através de políticas sociais setorizadas (saúde, educação, segurança, etc.) que
procuram tratar das sequelas da questão social, cenário no qual virão atuar as profissões do setor bem-
estar, como a psicologia, para lidar com a importância e os limites desta atuação.
As políticas públicas no Brasil, como entre outros países latino-americanos sofreram um importante revés
da agenda neoliberal, que, entre outros princípios sustentava a instituição de um estado mínimo, com a
desmontagem dos serviços de bem-estar social. No país, seja pela própria precariedade dos serviços, seja
pela barragem oferecida pelo governo federal nos últimos dois mandatos presidenciais, isto não se
concretizou, embora ainda revele um grande conflito vivido na sociedade, hoje na pauta do dia, por exemplo
em relação à saúde, quanto à importância ou não de se possuir um serviço público e universal, que não seja
subfinanciado.
Houve, desde o início dos anos 2000 um movimento importante no sentido de situar e sustentar a psicologia
no âmbito das políticas de proteção social, inclusive no que diz respeito à própria capacitação e adequação
profissional (e política) o que pode ser visto nas discussões anuais do CFP sobre saúde pública e políticas
públicas ou mesmo na instituição do CREPOP (Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas
Públicas).

Psicologia Social e Saúde


Tendo como momento marcante a participação na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, os psicólogos
vem ingressando no campo através de sua participação nas Unidades Básicas de Saúde e nos CAPS
(Centro de Atenção Psicossocial), modelo alternativo ao tratamento manicomial. Se a entrada não parece
assim uma dificuldade, o como este trabalho veio sendo desenvolvido ainda é alvo de muita controvérsia.
Como exemplo, a hegemonia nestes serviços da reprodução dos modelos clínicos tradicionais e da
psicoterapia oferecidos pelos profissionais. A problematização da ação de saúde, o próprio engajamento em
movimentos como a Reforma Sanitária parece distante da prática da maioria destes profissionais. O
resultado é o aumento da oferta dos serviços a uma parcela maior da população, mais de um serviço, no
sentido crítico e comprometido, desqualificado
No contexto da saúde, assim, as ideias de intersubjetividade, identidade, processo grupal, e vínculo vão se
materializar nas relações que se dão entre os diferentes atores que participam desta cena. Nas práticas de
saúde, estes elementos vão transparecer e determinar o como elas podem ser exercidas, suas perspectivas
e limites.
O campo da Psicologia Social, mas especialmente o da Psicologia Social da Saúde tem se mostrado como
área que organiza e se presta ao desenvolvimento de ações de saúde que envolvem as relações entre
profissionais e entre estes e a população alvo destes serviços. Ele é visto como integrado aos mesmos
princípios que têm orientado a implantação de serviços públicos de saúde na direção do atendimento das
necessidades sociais.

Psicologia e Sistema Único de Assistência Social


As políticas do Estado para a pobreza tem sido só recentemente voltadas para dar conta desta situação, e
ainda assim, há muitas dúvidas se a mera distribuição de renda via programas sociais como o Bolsa Família
ou como o BCEP-LOAS são capazes de retirar grandes contingentes da miséria.

No início da sua história como atividade profissional a Psicologia esteve associada muito intensamente aos
interesses da elite, nas práticas de controle social e estigmatização da diferença. A crise econômica iniciada
na década de 1970 foi co-responsável pela mudança no perfil do psicólogo graças à falência do modelo
profissional liberal, de consultório, o que, a despeito da falta crônica de profissionais em outros campos
como o da assistência social e da saúde pública, continua dramaticamente alimentando a procura pela
formação. Outros campos se abriram, especialmente no setor de bem-estar, alavancado pela recondução
democrática do país.

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