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Estudar a Psicologia Social no Brasil é a oportunidade para discutirmos a inserção profissional do psicólogo
num campo distinto daquele onde ele é posto de maneira estereotipada, como profissional liberal, atendendo
em consultório uma demanda quase sempre individual. Isto não significa desqualificar a prática clínica, que
tem sem dúvida importância e lugar garantido nas atividades do psicólogo, além do que deve se considerar
que por muitas vezes o “olhar clínico” treinado nesta prática de atendimento (e investigação) também será
requerido quando se pensa na atuação junto a grupos e comunidades. Significa, justamente indicar um lugar
para a prática da psicologia que escapa aos limites do consultório, de um lado, e que vislumbra uma ação
que pretende desafiar o entendimento de questões psicológicas como ocorrendo nos limites do corpo. A
compreensão dos fenômenos psicológicos irá ser estendida para outros “corpos”, como o “corpo” grupal e o
“corpo” social, reconhecida a importância das relações histórico-sociais construídas nos grupos e na
sociedade como determinantes da existência e das possibilidades de ser coletivamente.
Marxismo
Universal e racional, materialista e determinista, estabelecido a partir de Hegel, o método marxista, também
chamado de materialismo dialético, propõe que a análise aprofundada de um objeto (a vida econômica, por
exemplo), desvela elementos contraditórios, contradição que é entendida como motor da realidade e que,
além de Hegel, não havia sido reconhecida em sua importância por outros importantes filósofos como
Descartes ou Kant, por exemplo. Diferente de outros métodos voltados para o conhecer, o materialismo
dialético inclui a compreensão de que a realidade que é objeto de estudo é uma realidade em movimento, e
este próprio movimento também é sujeito à análise. Nestes termos ele reconhece a singularidade de cada
objeto e a necessidade de alcançar as leis próprias que dirigem esse mesmo objeto.
Ideologia: histórico
O termo ideologia aparece com importância para a Filosofia e as Ciências Sociais há pouco mais de um
século, mas sua história pode ser rastreada nas culturas grega e romana. Seu sentido mais corrente é o que
trata daquilo que afasta os homens e as sociedades da “realidade”, mais especificamente dos determinantes
que nos fazem compreender esta realidade. Esta concepção ainda “bruta” vai precisar ser lapidada e
transformada em campos como o da filosofia, da sociologia, da política e mesmo da psicologia, por autores
que se propuseram a enfrentar as dificuldades de dar suporte teórico a um conceito que articula a
materialidade da vida à sua dimensão “imaterial”, ao campo do conhecimento e das ideias.
De acordo com Chaui (1997), é possível falar de ideologia utilizando uma conceituação fraca e uma outra
que poderia ser nomeada como forte. Neste sentido fraco, ideologia diz respeito ao conjunto de ideias que
utilizamos nós mesmos, nossos grupos e sociedades, e que irá configurar nossa visão do mundo (ou
cosmovisão). Seu valor está no ser o estofo do pensamento e do comportamento humanos construídos
através das relações entre os homens e transmitido através das gerações pela cultura e suas instituições,
isto é, pela linguagem, pela arte, pelas produções artísticas, científicas, religiosas, na escola, no trabalho,
no dia a dia.
Ideologia: definições
A definição forte de ideologia está diretamente associada à crítica construída na perspectiva marxista e que
a apresenta como possuindo um sentido necessariamente negativo. Neste caso, a ideologia é como uma
falsa consciência produzida e sustentada pela classe dominante e que se presta a encobrir os determinantes
da dominação exercida por esta classe. Como efeito da ideologia estará o caráter natural da dominação,
associada não a condições histórico-sociais, mas a circunstâncias que podem ser buscadas em princípios
que são entendidos como universais e imutáveis.
De acordo com Guareschi (2001), a ideologia constitui-se como prática discursiva e material. Isto é, ela se
estabelece no campo das ideias, nos discursos, nas conversas. A ideologia também se faz nas práticas
cotidianas, na repetição dos papéis sociais, na educação escolar, nas práticas familiares e sociais. Numa
sociedade marcada pela extraordinária presença dos meios de comunicação, ela é transmitida não apenas
pelas revistas, jornais, TV, mas também e intensamente pela internet, pelas redes sociais nas quais vivemos
mergulhados no cotidiano. Nestes casos, a ideologia é literalmente apreendida e assim legitimada. Este
processo que pode ser reconhecido como brutal e violento, desde que implica a imposição de ideias, valores
e comportamentos (o hoje) assim como de possibilidades (o futuro), também tem grandes sutilezas. Sua
instituição se faz de tal forma, que os indivíduos não se dão conta deste seu aspecto construído e tutorado,
tomando como sendo “natural” o que foi produzido circunstancialmente, apoiado por interesses de classe,
mas de tal forma a ocultar estes interesses e a contradição na qual estão apoiados. Como resultado deste
processo, a crítica à ideologia é tarefa imensamente complexa que muitas vezes tem se mostrado ineficaz.
Embora necessária, a mera apresentação da contradição não desfaz o “feitiço” ideológico.
Ideologia: exemplos
A ideologia dominante explica como “natural”, por exemplo, a supremacia de determinados grupos, a
incompetência de um determinado grupo étnico, enfim, as diferenças que justificam a exclusão de indivíduos
e grupos do poder de conduzir e controlar, seus corpos, sua riqueza e suas vidas. Neste caso, a ideologia
sustenta a desigualdade e pretende calar aqueles que se veem fora do jogo da sociedade. Ela sustenta
como responsabilidade do indivíduo aquilo sobre o que ele não pode responder e que se encontra em outra
instância, fora de seu controle.
Um exemplo: na escola pública, não é incomum ouvir-se que determinada criança tem problemas, que ela
é incapaz de aprender, que é preguiçosa. Se há alguma concessão, é na transferência da responsabilidade
do insucesso para a família, normalmente caracterizada como “desestruturada”. Ora, não entra neste jogo,
na compreensão deste acontecimento que é a “inadequação da criança” o outro lado da moeda,
confortavelmente escondido pelo viés ideológico. Isto é, que se trata aqui, de fato, da “inadequação da
escola”. Este outro lado pode ser verificado, não muito longe, no contexto das políticas públicas de
educação, das tremendas dificuldades enfrentadas por esta instituição, do entendimento governamental que
tira a educação do lugar privilegiado para a construção da autonomia e da cidadania.
Identidade social
Esta ideia de identidade, que provém do senso comum, contém o princípio da permanência, da essência,
de algo que pretendemos cultivar como próprio de quem somos: sempre os mesmos. Neste caso, a
identidade é um objeto, que podemos “ter”, que pode ser “nosso”. Ora, sob o entendimento proposto por
uma Psicologia Social crítica, esta concepção de permanência associada à existência de um sujeito será
duramente desafiada. Numa perspectiva histórico-social, como vimos antes, os sujeitos não só são resultado
daquilo que os antecedeu, das condições concretas, simbólico-imaginárias, que vieram se constituindo
socialmente, mas é também, ele próprio, sujeito às mudanças e transformações que se realizam a cada
momento. Desta forma, embora pareça assustador, pode-se dizer que ao invés de você e eu sermos
‘alguém’, de fato, nós estamos sendo, isto é, estamos em constante transformação, numa contínua
metamorfose.
Grupos
É importante considerar que a ideia de grupo dá conta de uma variedade importante de conjuntos. Se ela
se presta à caracterização da identidade profissional (o grupo de psicólogos, por exemplo) também estará
presente quando falamos de pequenos grupos, quando os indivíduos estão face à face, envolvidos em uma
prática social determinada, como numa empresa (os funcionários da empresa X), na escola (os alunos ou
os professores), ou em uma ação de saúde (os profissionais de saúde).
Uma forma de tentar classificar os grupos, assim, é tomá-los a partir de alguns elementos básicos. Um grupo
pode ser considerado a partir dos seus objetivos compartilhados, da quantidade de pessoas que o compõe,
da maneira como está organizado, do contato entre seus participantes e do vínculo estabelecido entre eles.
Mais ainda, e aqui o quinto elemento, estará no seu reconhecimento social
Processos grupais
A identidade historicamente construída tem como um de seus elementos mais importantes a ligação a
grupos sociais. Vale aqui indicar o entendimento de Silvia Lane (2006) sobre os grupos, para os quais ela
reivindica a mesma preocupação sobre a importância da história na sua instituição. As concepções
tradicionais sobre os grupos usualmente os caracterizam como um conjunto de pessoas que compartilham
um objetivo comum grupo. Mas numa perspectiva social crítica seria melhor definir o Processo Grupal, em
função da sua inevitável sujeição à passagem do tempo e à inserção social.
Lane insiste em tratar o grupo como processo ao caracterizá-lo como uma unidade que não se faz como
permanente, que se constitui fundamentalmente de pessoas e relações, e que está inserida num
determinado contexto histórico e social. Ora, tudo isto que irá compor a concepção e a materialidade dos
grupos é sujeito da passagem do tempo, isto é, muda, transforma-se, por conta desta passagem. É por isto
que se poderá, assim, falar em processo, porque o grupo só existe, sendo, ele não é coisa que possa ser
abstraída de sua condição histórica.
No início da sua história como atividade profissional a Psicologia esteve associada muito intensamente aos
interesses da elite, nas práticas de controle social e estigmatização da diferença. A crise econômica iniciada
na década de 1970 foi co-responsável pela mudança no perfil do psicólogo graças à falência do modelo
profissional liberal, de consultório, o que, a despeito da falta crônica de profissionais em outros campos
como o da assistência social e da saúde pública, continua dramaticamente alimentando a procura pela
formação. Outros campos se abriram, especialmente no setor de bem-estar, alavancado pela recondução
democrática do país.