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O senso comum, neste sentido, não é sinônimo de senso comum passivo de alguma
concepção, mas uma perspectiva que se expandiu, adquirindo ou não reducionismos ou
simplificações superficiais que atuam sobre determinado corpo social ou grupo
dominante.
A religião, neste contexto, é uma concepção que penetra mais facilmente na mente do
povo, isto por apresentar ''explicações'' metafísicas e ''filosóficas'' sobre o homem e a vida,
na qual as pessoas imediatamente podem abraçar. Serve assim, como um recurso de
condução moral e filosófica na vida pessoal e social.
Por isso, Erasmo vai ter como foco o destaque do aspecto psicológico do indivíduo
tanto na exploração como na libertação que está implícito na filosofia política gramsciana.
Neste sentido, quando Erasmo realça o caráter da análise de Gramsci do senso comum
e filosófico, ele direciona o fundamento da concepção de si e do mundo do homem, a
partir do reconhecimento deste como ser histórico, como ''conformista'' de uma época,
consciente ou inconscientemente.
Por essa razão, na filosofia da práxis, Gramsci afirma que o ponto de partida para a
transformação social é ''conhecer a si mesmo'', isto é, conhecer a si mesmo a partir de sua
formação social e cultural. Mas tendo a religião, o ''folclore'' e as superstições como
contraste entre ideais científicas e concepção materialistas, o homem pensa de modo
difuso e age de modo ''conservador'', pois o exercício de sua vida profissional, social e
política, ainda que inconscientemente, tende a não transformação, ainda que o queira, mas
não o faz pelo fato de não compreender puramente o que pensa e o que faz dada a confusão
e o sincretismo de sua formação cultural. Vejamos os apontamentos de Erasmo para o
esclarecimento:
Para Gramsci, haveria um choque entre ter a vida guiada pela influência de
aspectos da modernidade e ter determinadas ações norteadas por concepções
de mundo mais arcaicas, desnecessárias ao homem moderno e importantes
obstáculos para a conquista de uma concepção de mundo coerente. É este o
sentido bizarro atribuído à personalidade, é como se os indivíduos em seu
cotidiano construíssem sua organização cognitiva, que constitui coerências
comportamentais, a partir de partes esquizofrenizadas e contrastantes.
(MIESSA, 1998, p. 11)
(...) É só quando adquiro consciência do que determina minhas ações que posso
ser um agente consciente destas. Significa então dizer que só consigo me
transformar quando transformo a minha realidade. Se o homem não for
portador de uma concepção de mundo que seja um efetivo instrumento
intelectual para transformar a realidade, ele se estagna, age de uma forma não
coerente com as necessidades impostas pela realidade, fossiliza-se (...).
(MIESSA, 1998, p. 12)
Sua concepção de mundo, por não ser original, não produz um efeito transformador, e
por não se reconhecer enquanto sujeito histórico e assediado por ideologias
patologicamente nocivas à mente e ao corpo, não conhece a si mesmo também enquanto
indivíduo, enquanto ser humano, mas como mercadoria, como máquina, destinada pelos
‘’céus’’ ou pelo poder político-econômico da classe dominante a ser limitada ao que é.
Entretanto, é preciso destacar que isso não significa que a sociedade, mais
especificamente os indivíduos alheios a uma concepção original ou providos desse
sincretismo difuso de concepções, seja um mero objeto passivo e receptor de todo o
conteúdo exterior, como se não tivesse autonomia alguma em sua forma de pensar e agir.
Absolutamente não.
O que ocorre é uma recepção de conteúdos, mas sua ação pressupõe já uma visão de
mundo, ou uma visão em processo, uma tendência, dada a sua formação, suas condições
materiais e culturais ao conceber e se utilizar de uma determinada concepção de mundo
apresentada entre várias. Nas palavras de Erasmo:
Esta citação simplifica a explicação que Gramsci apresenta sobre o trabalho não apenas
político que o corpo social recebe e apresenta, mas como ocorre psicologicamente a
internalização e externalização de suas ideias, de sua formação humana e em que medida,
são filosóficas e científicas, supersticiosas, orgânicas, hegemônicas, conservadoras ou
revolucionárias.
Ora, como Gramsci aponta, a sociedade se depara com diversas noções em que o
''certo'' é apresentado como o ''verdadeiro'', em outras palavras, uma concepção moral leva
uma ação determinada que confirma um dado heroísmo exemplar em prol da efetivação
desta como autêntica, isto é, como ''a verdade''.
Um grande exemplo e clássico, diz respeito a própria religião, ao catolicismo para ser
mais específico. Um seguidor fiel dessa religião, suponha-se que ao se deparar com uma
jovem que fora violentada e em seguida descobre o estado de gravidez, para o fiel, a
jovem deve dá à luz a criança, pois, caso contrário estaria praticando um ''erro'', e este
''erro'' seria contra a verdade divina, que em seu juízo, a condenaria por suposto
''assassinato''.
Este exemplo, com efeito, estampa o quanto uma concepção de mundo pode interferir
na vida pessoal e social, e o quanto determinadas concepções, especialmente, em termos
gramscianos, ''mágicas'' do mundo, podem ser prejudiciais e retrógradas perante a
realidade. Além do fato, como já foi explicado, de tal concepção ser um fruto da Idade
Média, portanto, atrasada por séculos, portanto fossilizada, portanto, incoerente com a
realidade, contudo confusa, anacrônica e nociva.
Nota-se que a jovem não possui escolha sobre sua própria saúde e na dá criança, pois,
dependendo da idade, o nascimento prematuro leva a complicações ou até mesmo a morte,
se não de um, mas de ambos, ademais, seu trauma psicológico, sem mencionar o da
criança futuramente, por ter sido violentado é desconsiderado, em prol de um valor
''correto'' que é exercido em prol de uma ''verdade'' de um ser invisível.
É possível perceber que o que Erasmo está identificado em Gramsci não é apenas a
questão psicológica do indivíduo e a relação desta com as condições materiais e os modos
de relações sociais, mas como esses modos e condições influem numa questão existencial.
Por isso, ser hoje, significa ser dentro de um contexto, a partir de um grupo, uma
ideologia, um trabalho. Não se trata de um determinismo absoluto das condições sobre o
sujeito, mas de uma interferência ou uma impulsão constante da sociedade sobre as
decisões individuais.
É bastante curioso que Gramsci tenha contribuído para uma análise psicológica a partir
de tão poucas afirmações sobre o tema. E mais importante, é o nexo que o autor laça entre
o psíquico e o social de uma maneira ainda não desenvolvida, associando as patologias
sociais, embora não de maneira clara e exatamente nestes termos, com o mundo do
trabalho.
Era necessário portanto, um novo tipo de homem. Por isso, Erasmo afirma que o
fordismo também agia sob um processo educacional, isto é, de formação de um homem
produtivo e ''puro'' que atenda as exigências das novas organizações da alta produtividade
moderna.
Por isso, o homem que se embriagasse em excesso, que cedesse a voluptuosidade e nos
demais excessos, não teria disciplina e nem dignidade para manter-se saudável e
produtivo no trabalho.
Para construir o homem de novo tipo, não bastava apenas a coerção unilateral;
era necessário que a coerção fosse transformada em persuasão, era preciso que
os indivíduos percebessem o significado intrínseco nos gestos que realizavam
e não apenas '‘obedecessem a ordens’' (ERASMO, P. 38)
Gramsci trabalha a noção de instinto como uma categoria histórica, isto é, não apenas
como aspectos biológicos da genética humana, mas de aspectos associados a
representações ilusórias da realidade.
Esta ilusão seria uma forma de trabalho mental de interpretação de mundo, originado
pelo sentimento religioso que o senso comum se refugia para suas ausências de
concepções concretas da realidade. Neste sentido, a religião serviria como um guia para
a filosofia de vida e a prática de determinadas atividades associadas a determinados
valores que se originam no ''instinto'', isto é, da carência psicológica e filosófica de
orientação para a vida.
Com efeito, não é permitido questionar a Deus, na mesma medida que a subversão ou
ao menos a crítica das leis dominantes, da jurisdição burguesa conduz o trabalhador para
o ''submundo'' da sociedade.
Adendo
O fascismo é um mau não porque se alastra sorrateiramente, mas acima de tudo, porque
mesmo quando é explícito, convence até os mais vulneráveis a se manter na
vulnerabilidade, pelo fato de alcançar o âmago do subalterno e o consenso pela persuasão
ideológica e dissimulada, ou pela coerção através da ameaça.