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FREUD NO ''DIVÃ'' DO CÁRCERE

GRAMSCI ANALISA A PSICANÁLISE


POLÊMICAS DO NOSSO TEMPO

CAPÍTULO 1 - A CONCEPÇÃO DE INDIVÍDUO EM GRAMSCI: ALGUMAS


IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS

A ideologia é um tema muito caro na concepção gramsciana pela expansão que o


filósofo dera ao termo além das paredes acadêmicas, a saber: a ideologia como fruto
apenas de ideias científicas, ou seu sentido comum, como ideias que se movem em grupos
que atuam conforme uma concepção de mundo. Gramsci adota as duas afirmações e
direciona-as para a mesma causa que também é sua fonte de compreensão: a história.

As ideias de uma época, são a expressão da ideologia da classe dominante, na qual se


insere uma religião, um partido ou uma determinada forma de organização, como
apontava Marx, condicionada pelo contexto histórico.

Todavia, Gramsci expande essa compreensão ao declarar a ideologia como não


necessariamente uma falsa consciência, como concebia Marx, e sim como uma visão de
mundo científica que se tornou comum a um determinado grupo ou período.

O senso comum, neste sentido, não é sinônimo de senso comum passivo de alguma
concepção, mas uma perspectiva que se expandiu, adquirindo ou não reducionismos ou
simplificações superficiais que atuam sobre determinado corpo social ou grupo
dominante.

A religião, neste contexto, é uma concepção que penetra mais facilmente na mente do
povo, isto por apresentar ''explicações'' metafísicas e ''filosóficas'' sobre o homem e a vida,
na qual as pessoas imediatamente podem abraçar. Serve assim, como um recurso de
condução moral e filosófica na vida pessoal e social.

É a partir desta propagação de uma concepção que se torna comum, da religião


especificamente, que Erasmo Miessa apresenta a concepção gramsciana acerca da
organicidade de determinadas concepções e na internalização que alguns indivíduos
fazem das mesmas, atribuindo-lhes papeis importantes que desenvolveremos
paulatinamente:
(...) Além de explicar as relações sociais, ao produzir 'modos de vida', as
concepções de mundo teriam também papel auto-explicativo para indivíduos
concretos, criando condições para que auto-justifiquem suas ações. Uma das
características de sua organicidade consistiria justamente na maior capacidade
de tornar algo 'externo' ao indivíduo (a realidade, a natureza, o conjunto das
relações sociais) em algo passível de ser subjetivado e compreendido.
(MIESSA, 1998, p. 07)

Essa definição da organicidade de determinadas concepções também se associa a sua


compreensão de ideologia, como aquela que o é, enquanto se apodera das massas, na qual,
na medida em que se torna orgânica ao adentrar o lado subjetivo do ser humano, se
objetiva nessa apoderação e em sua externalização prática. Erasmo completa o raciocínio
ao afirmar que para Gramsci, não se trata apenas da verdade, mas da sua efetividade
prática de alteração/transformação da realidade:

(...) O teste de uma concepção de mundo é o seu caráter de resolubilidade


frente às necessidades objetivas engendradas em cada momento histórico.
Esta resolubilidade não pode ser avaliada apenas por critérios de verdade
ou falsidade. O problema da verdade subordina-se à questão do quanto
uma concepção é capaz de converter-se em força material, ao 'entender' e
dar substância à prática efetiva do homem sobre a realidade material,
aglutinando classes e grupos para ações políticas que transformam
qualitativamente esta realidade. (...) (MIESSA, 1998, p. 07-08)

Além do aspecto que segue o mesmo sentido da afirmação conhecida de Marx na


miséria da filosofia: ''os filósofos apenas interpretaram o mundo, trata-se de transformá-
lo'' Isto é, da crítica ao caráter especulativo de determinadas filosofias, Gramsci aponta
que o poder de ação está submetido a consciência de si enquanto sujeito histórico, e a
partir dessa consciência possibilitaria reconhecer sua própria personalidade em estado de
reprodução de concepções de um dado contexto, isto é, sua personalidade ainda não está
autenticamente formada, mas exteriormente influenciada de modo sincrético e muitas
vezes alheio por uma concepção e uma cultura de uma época, submetida a ideologia
dominante.

Tais concepções foram desenvolvidas em A Ideologia Alemã de Marx e Engels, mas


o aspecto subjetivo de exploração ideológica, e além disso, psíquica, é uma característica
da crítica gramsciana.

Por isso, Erasmo vai ter como foco o destaque do aspecto psicológico do indivíduo
tanto na exploração como na libertação que está implícito na filosofia política gramsciana.

Na declaração de Gramsci de que somos ''conformistas de um conformismo'' está


destacado exatamente o fato massivo e aglutinador da ideologia na formação não somente
da prática coletiva, mas da formação de uma concepção de mundo subjetiva, na formação
da personalidade do indivíduo e em sua noção existencial.

Neste sentido, quando Erasmo realça o caráter da análise de Gramsci do senso comum
e filosófico, ele direciona o fundamento da concepção de si e do mundo do homem, a
partir do reconhecimento deste como ser histórico, como ''conformista'' de uma época,
consciente ou inconscientemente.

Por essa razão, na filosofia da práxis, Gramsci afirma que o ponto de partida para a
transformação social é ''conhecer a si mesmo'', isto é, conhecer a si mesmo a partir de sua
formação social e cultural. Mas tendo a religião, o ''folclore'' e as superstições como
contraste entre ideais científicas e concepção materialistas, o homem pensa de modo
difuso e age de modo ''conservador'', pois o exercício de sua vida profissional, social e
política, ainda que inconscientemente, tende a não transformação, ainda que o queira, mas
não o faz pelo fato de não compreender puramente o que pensa e o que faz dada a confusão
e o sincretismo de sua formação cultural. Vejamos os apontamentos de Erasmo para o
esclarecimento:

Para Gramsci, haveria um choque entre ter a vida guiada pela influência de
aspectos da modernidade e ter determinadas ações norteadas por concepções
de mundo mais arcaicas, desnecessárias ao homem moderno e importantes
obstáculos para a conquista de uma concepção de mundo coerente. É este o
sentido bizarro atribuído à personalidade, é como se os indivíduos em seu
cotidiano construíssem sua organização cognitiva, que constitui coerências
comportamentais, a partir de partes esquizofrenizadas e contrastantes.
(MIESSA, 1998, p. 11)

Por conseguinte, Erasmo se apoia na afirmação de Gramsci de que este sincretismo,


ou melhor, as concepções de tempos históricos remotos que resistem na mente de
indivíduos modernos, são interferências para uma consciência filosófica da realidade,
uma concepção crítica, e a filosofia da práxis, tornando-se assim, meros fósseis inativos
e conformistas, confusos e anacrônicos teórica e praticamente.

O ''remédio'' para este impasse, materialmente seria a filosofia da práxis, isto é,


a concepção dialética da história e a organização prática social dos trabalhadores
revolucionários, mas antes, para que seja assim possível sem riscos anacrônicos,
vulgares ou reformistas, é preciso que haja uma ''escolarização'' unitária, isto é, uma
hegemonia política da classe subalterna, em suma, uma propagação de uma nova
cultura, de modo que subverta os fósseis que como vírus, adentra a mente e engessa
a prática transformadora da sociedade.
Contudo, é preciso que haja dialeticamente uma ação recíproca entre a prática
política e a autotransformação. Para a eficácia da práxis, é necessário, portanto, a
autoanálise, como aponta Erasmo, a consciência de si, como já foi demonstrado, que
se percebe as composições bizarras de ideologias vulgares e estéreis da mente,
especialmente da classe subalterna, pois, assim o sendo, não apenas torna-se confusa
teoricamente, mas, ao ser reificada materialmente, ainda que produtiva, torna-se
inócua diante de sua intervenção no real.

(...) É só quando adquiro consciência do que determina minhas ações que posso
ser um agente consciente destas. Significa então dizer que só consigo me
transformar quando transformo a minha realidade. Se o homem não for
portador de uma concepção de mundo que seja um efetivo instrumento
intelectual para transformar a realidade, ele se estagna, age de uma forma não
coerente com as necessidades impostas pela realidade, fossiliza-se (...).
(MIESSA, 1998, p. 12)

Sua concepção de mundo, por não ser original, não produz um efeito transformador, e
por não se reconhecer enquanto sujeito histórico e assediado por ideologias
patologicamente nocivas à mente e ao corpo, não conhece a si mesmo também enquanto
indivíduo, enquanto ser humano, mas como mercadoria, como máquina, destinada pelos
‘’céus’’ ou pelo poder político-econômico da classe dominante a ser limitada ao que é.

Entretanto, é preciso destacar que isso não significa que a sociedade, mais
especificamente os indivíduos alheios a uma concepção original ou providos desse
sincretismo difuso de concepções, seja um mero objeto passivo e receptor de todo o
conteúdo exterior, como se não tivesse autonomia alguma em sua forma de pensar e agir.
Absolutamente não.

O que ocorre é uma recepção de conteúdos, mas sua ação pressupõe já uma visão de
mundo, ou uma visão em processo, uma tendência, dada a sua formação, suas condições
materiais e culturais ao conceber e se utilizar de uma determinada concepção de mundo
apresentada entre várias. Nas palavras de Erasmo:

(...) O 'receber' pressupõe a ação dos indivíduos que avaliam a 'utilidade'


ou 'inutilidade' das formas de pensar frente ao proposto pelo cotidiano. A
luta pela hegemonia política não é uma categoria restrita à luta por poder
nas instituições e na organização social. Seu campo de batalha estende-se
também à subjetivação dos indivíduos. (...). (MIESSA, 1998, p. 14)

Esta citação simplifica a explicação que Gramsci apresenta sobre o trabalho não apenas
político que o corpo social recebe e apresenta, mas como ocorre psicologicamente a
internalização e externalização de suas ideias, de sua formação humana e em que medida,
são filosóficas e científicas, supersticiosas, orgânicas, hegemônicas, conservadoras ou
revolucionárias.

Voltando a discussão sobre a imersão do conservador pacífico e ''inventivo'' ao


fascismo, esta compreensão psicológica do trabalho cognitivo, se relaciona diretamente
de como o fascismo consegue penetrar e convencer, isto é, adquire o consenso de ações
drasticamente violentas até de indivíduos aparentemente pacíficos e de profundos laços
afetivos e familiares.

Ora, como Gramsci aponta, a sociedade se depara com diversas noções em que o
''certo'' é apresentado como o ''verdadeiro'', em outras palavras, uma concepção moral leva
uma ação determinada que confirma um dado heroísmo exemplar em prol da efetivação
desta como autêntica, isto é, como ''a verdade''.

Um grande exemplo e clássico, diz respeito a própria religião, ao catolicismo para ser
mais específico. Um seguidor fiel dessa religião, suponha-se que ao se deparar com uma
jovem que fora violentada e em seguida descobre o estado de gravidez, para o fiel, a
jovem deve dá à luz a criança, pois, caso contrário estaria praticando um ''erro'', e este
''erro'' seria contra a verdade divina, que em seu juízo, a condenaria por suposto
''assassinato''.

Este exemplo, com efeito, estampa o quanto uma concepção de mundo pode interferir
na vida pessoal e social, e o quanto determinadas concepções, especialmente, em termos
gramscianos, ''mágicas'' do mundo, podem ser prejudiciais e retrógradas perante a
realidade. Além do fato, como já foi explicado, de tal concepção ser um fruto da Idade
Média, portanto, atrasada por séculos, portanto fossilizada, portanto, incoerente com a
realidade, contudo confusa, anacrônica e nociva.

Nota-se que a jovem não possui escolha sobre sua própria saúde e na dá criança, pois,
dependendo da idade, o nascimento prematuro leva a complicações ou até mesmo a morte,
se não de um, mas de ambos, ademais, seu trauma psicológico, sem mencionar o da
criança futuramente, por ter sido violentado é desconsiderado, em prol de um valor
''correto'' que é exercido em prol de uma ''verdade'' de um ser invisível.

Uma questão bastante interessante é a que trabalha profundamente a compreensão do


homem. Gramsci chama a atenção para a pergunta ''O que é o homem?'' e responde
contrariando as noções imanentistas, afirmando que o homem é um constante estar sendo
alguma coisa, como um processo, tendo em vista que é um ser histórico, sendo assim,
determinado pelas transformações sociais ao mesmo tempo que transforma a si mesmo e
a sociedade.

Associando ao ''ser ou não ser'' de Hamlet, Erasmo comenta sobre a perspectiva


gramsciana do homem como processo histórico, e demonstra como esta reflexão
subjetiva é uma busca pela liberdade, isto é, o pensamento que nasce da necessidade
de transformação ou inserção em determinadas relações:

(...) o 'ser ou não ser' nasce da reflexão pessoal e expressaria o anseio a


liberdade que é imposto pela sensação da absoluta necessidade construída
a partir das relações sociais em que estão inseridos os indivíduos. Mas
como Gramsci define esse anseio? Ele é sempre contextualizado nas
condições propostas pelo hoje, são elas que determinam as formas como
interferimos e transformamos o real. (MIESSA, 1998, p.17)

É possível perceber que o que Erasmo está identificado em Gramsci não é apenas a
questão psicológica do indivíduo e a relação desta com as condições materiais e os modos
de relações sociais, mas como esses modos e condições influem numa questão existencial.

Se o ser humano é aquilo que apresenta a realidade, também o é no que a realidade


social o torna. Esta dinâmica gera novas formas de relações que levantam novas
questões existenciais ao indivíduo, levando-o a se perguntar se possui autonomia em
suas decisões e objetivos.

Por isso, ser hoje, significa ser dentro de um contexto, a partir de um grupo, uma
ideologia, um trabalho. Não se trata de um determinismo absoluto das condições sobre o
sujeito, mas de uma interferência ou uma impulsão constante da sociedade sobre as
decisões individuais.

Por isso, Erasmo enfatiza que Gramsci procura compreender a formação da


individualidade e como esta se autonomiza e revoluciona seus preceitos não escolhidos,
e sim determinados pelo exterior. Mas acrescenta que considerando que o exterior
influencia na sua formação, essa também influi sobre esse complexo conjunto de relações
exteriores:

''Se a própria individualidade é o conjunto destas relações, conquistar


uma personalidade significa adquirir consciência destas relações,
modificar a própria personalidade significa modificar o conjunto destas
relações.'' (GRAMSCI, apud ERASMO, p. 21)
CAPÍTULOS 2 - A UNIDADE ORGÂNICA ENTRA AÇÃO E PENSAMENTO: A
QUESTÃO DO NEXO PSICOFÍSICO

É bastante curioso que Gramsci tenha contribuído para uma análise psicológica a partir
de tão poucas afirmações sobre o tema. E mais importante, é o nexo que o autor laça entre
o psíquico e o social de uma maneira ainda não desenvolvida, associando as patologias
sociais, embora não de maneira clara e exatamente nestes termos, com o mundo do
trabalho.

Para o esboço desta investigação, cabe conhecer sua compreensão de americanismo e


fordismo, e como o aprimoramento da produção transformou os modos de vida, de relação
e de percepção de mundo dos trabalhadores.

Gramsci analisa as transformações trazidas pelas novas relações industriais a partir


dos EUA e da situação italiana. O ''Americanismo e Fordismo'' e processo de taylorização
são termos que Gramsci se utiliza para denominar as contradições dos modos modernos
de produção e exploração industrial. Nas palavras de Erasmo, tais denominações
classificariam a transição ''do capitalismo concorrencial para o capitalismo
monopolista.'' como a síntese de suas contradições estruturais e superestruturais. p 32

Estes aprimorados modos de produção intensificaram o trabalho e sua jornada e com


isso, uma nova forma de imposição moral que afetaria o comportamento e a vida privada
dos trabalhadores, na qual Erasmo aponta que a fordização, regularia e reprimiria os
instintos sexuais e a conduta moral do homem moderno. É neste cenário que entra o
''puritanismo'' criticado por Gramsci:

É de revelar como os industriais (especialmente Ford) se interessaram pelas


relações sexuais dos seus dependentes e em geral pela sistematização geral das
suas famílias; a aparência de ''puritanismo'' que assumiu este interesse (como
o proibicionismo) não os deve induzir em erro; a verdade é que não se pode
desenvolver o novo tipo de homem requerido pela racionalização da produção
e do trabalho, enquanto o instinto sexual não for regulado em conformidade,
não for também ele racionalizado. (GRAMSCI apud ERASMO, p. 36 )

Era necessário portanto, um novo tipo de homem. Por isso, Erasmo afirma que o
fordismo também agia sob um processo educacional, isto é, de formação de um homem
produtivo e ''puro'' que atenda as exigências das novas organizações da alta produtividade
moderna.
Por isso, o homem que se embriagasse em excesso, que cedesse a voluptuosidade e nos
demais excessos, não teria disciplina e nem dignidade para manter-se saudável e
produtivo no trabalho.

Por conseguinte, havia o trabalho ideológico do ‘’puritanismo’’, sua função moral de


coerção e consenso dos trabalhadores em moldarem sua conduta para que garanta a
produtividade nas fábricas.

Para construir o homem de novo tipo, não bastava apenas a coerção unilateral;
era necessário que a coerção fosse transformada em persuasão, era preciso que
os indivíduos percebessem o significado intrínseco nos gestos que realizavam
e não apenas '‘obedecessem a ordens’' (ERASMO, P. 38)

Destarte, o operário era ''convencido'' na fábrica e na vida, pois deveria se adaptar a


novos hábitos e para isso, era induzido a modificar seu próprio pensamento, do que
concebe para si mesmo e sua família.

(...) a transformação do mundo material, subsidiada e racionalizada pelas


formas de pensar, desdobra transformações nas formas de pensamento.
Qualquer transformação da organização econômica, ou no caso do
americanismo, qualquer implantação de nova lógica de produção terá de ser
acompanhada necessariamente pela transformação ''interior'' dos homens. (...)
qualquer processo de transformação (...) da sociedade pressupõe
necessariamente que os homens acreditem naquilo que estejam fazendo,
construindo o nexo psicofísico, relacionando o pensamento com a ação. É esta
a validade psicológica que a ideologia intenta construir. (ERASMO, p. 40)

CAPÍTULO 3 - O ''INSTINTO'' COMO CATEGORIA HISTÓRICA

Gramsci trabalha a noção de instinto como uma categoria histórica, isto é, não apenas
como aspectos biológicos da genética humana, mas de aspectos associados a
representações ilusórias da realidade.

Esta ilusão seria uma forma de trabalho mental de interpretação de mundo, originado
pelo sentimento religioso que o senso comum se refugia para suas ausências de
concepções concretas da realidade. Neste sentido, a religião serviria como um guia para
a filosofia de vida e a prática de determinadas atividades associadas a determinados
valores que se originam no ''instinto'', isto é, da carência psicológica e filosófica de
orientação para a vida.

Por isso, o ‘’puritanismo’’ se associa aos modos de produção capitalista, pois,


associado a valores religiosos que condizem com a jornada de alta produtividade do
trabalho, facilitam o consenso dos operários pelo fato de possuírem ''dignidade'' como
seres humanos e como trabalhadores, pois agora não são meros produtores, mas
produtores providos de uma concepção de mundo, de valores sociais que justificam sua
desumana rotina de produção, pois, ''quem cedo madruga, deus ajuda''.

Na explicação de Gramsci, é possível esclarecer porque a coerção e o consenso da


classe burguesa sobre a proletária é mais ágil e eficaz quando associada a alienação não
apenas da força de trabalho, mas da consciência crítica do trabalhador de sua real
condição de classe explorada. Por isso, aponta que a não conscientização da classe
explorada enquanto classe revolucionária, e do trabalhador como sujeito histórico,
permite a estabilidade do domínio da burguesia.

Contudo, sobre as concepções religiosas como instrumentos de conservação e consenso


da classe subalterna, não é possível conhecê-las sem criticá-las, e não é possível criticá-
las sem superá-las:

(...) Explicá-las que dizer superá-las. Torná-las um objeto da história quer


dizer reconhecer sua vacuidade. E então se retorna à vida ativa, sente-se
mais plasticamente a realidade da história. Reconduzindo para esta não
só o fato, mas também o sentimento, acaba por reconhecer-se que só nela
está a explicação da nossa existência. Tudo o que é suscetível de história
não pode ser sobrenatural, não pode ser resíduo de uma revelação divina.
(GRAMSCI, apud ERASMO, p. 46)

Gramsci demonstra que a ideologia ‘’puritana’’, a ideologia burguesa, em outras


palavras, a concepção conservadora religiosa associada a ideologia da classe dominante
reduzem o espaço para a consciência autônoma do real, da consciência crítica e de classe,
e consequentemente, interferem no fruto que gera a filosofia da práxis.

Com efeito, não é permitido questionar a Deus, na mesma medida que a subversão ou
ao menos a crítica das leis dominantes, da jurisdição burguesa conduz o trabalhador para
o ''submundo'' da sociedade.

A desobediência/crítica causa desordem e retrocesso dos modos de produção capitalista


e da propagação da ideologia burguesa/conservadora.

Adendo

Toda necessidade não satisfeita leva a doença ou a morte. Destarte, o materialismo


histórico dialético vê o que a humanidade necessita: a abolição da luta de classes, que
apequena a mente, reduz as capacidades humanas e gera patologias com novos ‘’vírus’’
mentais e ideológicos que podem ser irremediáveis.

O fascismo é um mau não porque se alastra sorrateiramente, mas acima de tudo, porque
mesmo quando é explícito, convence até os mais vulneráveis a se manter na
vulnerabilidade, pelo fato de alcançar o âmago do subalterno e o consenso pela persuasão
ideológica e dissimulada, ou pela coerção através da ameaça.

A produtividade do proletário é árdua, assim como a velocidade do cavalo sobre o


chicote; sua consciência política grita em agonia, mas em silêncio, pois um mero ruído
ameaça a retirada dos seus meios de subsistência.

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