I – Situar o contexto teórico em que se insere a discussão marxiana sobre o problema da alienação pela primeira vez. A alienação da consciência constitui-se da principal problemática da Filosofia Clássica Alemã após Kant, uma vez que as elaborações do criticismo kantiano em busca da elaboração de uma Filosofia Transcendental, estabeleceram não só diferenciações entre as teorias especulativas e as teorias da experiência (através do dualismo do conhecimento a priori e a posteriori), mas verdadeiros abismos entre estas duas ordens de conhecimento. Hegel constitui no momento de maior elaboração da busca por uma resolução filosófica deste problema, a partir da elaboração de um sistema ao mesmo tempo lógico e ontológico, onde o negativo dialético fosse o verdadeiramente positivo e a alienação aparecesse como momento de mediação entre a tese e antítese, criando as condições da síntese dialética. Todavia, Feuerbach embaralha novamente as cartas do jogo ao propor a alienação como uma categoria essencialmente negativa, i.e., ao objetivar sua consciência para fora do sujeito, num ente que lhe aparece não só como um ser distinto, mas superior, o agente reflexivo perde sua condição de verdadeiro sujeito e delega-a ao ente por ele criado. Tal fenômeno tem sua origem na formação da consciência religiosa (já que esta, para Feuerbach, é a forma original de manifestação da consciência) e reproduz-se em outras esferas da consciência teórica, como na Filosofia (através da alienação entre a consciência, o sujeito cognoscente e a realidade objetiva) e o Estado (através da alienação entre o Estado e a Sociedade Civil). Assim, Marx apropria-se da concepção de alienação presente em toda a tradição filosófica alemã, mas agora situa-a como um fenômeno que não mais como um problema filosófico. A alienação assim, constitui-se numa característica da realidade objetiva e não uma determinada estrutura da consciência. O primeiro cuidado que a ser observado nesta obra, portanto, é que Marx desloca uma concepção que tem sua origem na discussão filosófica, para um outro campo de investigação: o das relações sociais. Isso faz com que a fundamentação do seu conceito de alienação não tenha mais origem na discussão filosófica, mas na Economia Política Clássica, ou, pelo menos, na sua crítica. O motivo com que Marx “importa” tal conceito de um campo de investigação para o outro não é por acaso, Marx entende que há uma relação de unidade entre o processo de alienação nas relações de trabalho e o processo de alienação da consciência. Desde seus primeiros escritos como comunista (em especial sua Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel), Marx compreende que a essência da sua crítica social está no desenvolvimento de dois níveis de elaboração: a crítica objetiva das relações de produção burguesa e a crítica das formulações teóricas alienadas que obscureciam o conhecimento destas relações, daí a importância da crítica tanto à Filosofia Clássica Alemã (através do diálogo crítico com a filosofia de Hegel) quanto com a Economia Política clássica. A concepção de alienação explicada a partir das descobertas da Economia Política poderia então ser a chave para a elaboração de uma nova perspectiva das relações entre ser e pensamento. II – O segundo cuidado que se deve ter presente é o papel intermediário que os “Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844” representam no desenvolvimento da obra marxiana. Aclamado de forma equívoca por muitos como a obra onde aparece o “verdadeiro Marx”, os Manuscritos também conhecidos como Cadernos de Paris de 1844 , constitui-se, como afirma Mandel, num momento de transição entre a perspectiva antropológica e especulativa que Marx apresenta em seus primeiros escritos originais (Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, A Questão Judaica e Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel) em direção à uma visão materialista, fundada numa perspectiva não só histórica como dialética do desenvolvimento social que se consolidará apenas alguns meses após a redação dos Manuscritos (daí o fato deste nunca ter sido publicado em vida pelo autor) com as Teses de Feuerbach, A Sagrada Família e A Ideologia Alemã (os dois últimos em parceria com Engels) entre os anos de 1845-46. III - A concepção de práxis aqui, portanto, deve ser vista de forma introdutória e transitória, entendendo que vários aspectos da compreensão de práxis e de alienação serão reformulados já nas Teses e em A Ideologia Alemã. Essa teoria só receberá uma versão definitiva em O Capital, em especial no cap. 1 da Seção 1 que trata sobre a mercadoria e a explicação do fenômeno do fetichismo da mercadoria. IV- Nesta elaboração inicial deve-se chamar atenção fundamentalmente para dois aspectos importantes: a) o duplo aspecto do trabalho: entendido ao mesmo tempo como aspecto fundante da sociabilidade humana e como categoria sociohistórica e b) a fundamentação do fenômeno da alienação como uma forma de trabalho transitório e historicamente determinado que se fundamenta, portanto, em elementos objetivos e socialmente determinados: a exploração do trabalho e a propriedade privada. Desta forma, se o fim da alienação não anuncia o fim do trabalho – ou da práxis – por outro lado, ele anuncia o fim das formas alienadas de objetivação seja no nível da produção social, seja no nível da representação política ou na representação das formas de consciência. V – Deve-se, por outro lado, observar que a fundamentação da compreensão de trabalho – no sentido positivo, isto é, ontológico – se dá a partir da ideia de gênero humano. Essa elaboração aparece na segunda parte da explicação da natureza do trabalho. Num primeiro momento, este aparece como atividade concreta situada no âmbito da produção social, onde Marx descreve as condições objetivas que tornam o trabalho na sociedade burguesa uma atividade que aliena o trabalhador do produto do seu trabalho (a partir da alienação não só do produto do trabalho, da alienação do processo de produção e da alienação dos meios de produção) procurando estabelecer uma investigação para os fundamentos desta atividade a partir das condições descritas até então. Todavia, para ressaltar a alienação como negativo absoluto da condição humana em geral e não apenas do operário, o momento seguinte da argumentação sai da investigação das condições reais de vida do operário para uma análise especulativa das objetivações da consciência a partir da ideia de gênero humano. Desta forma, o trabalho criativo é identificado com o processo de objetivação da consciência na medida em que este contribui para o encontro, através das diferentes formas de objetivação da consciência, da mesma ideia de gênero. O trabalho da produção burguesa aparece como negação do trabalho criativo na medida em que o operário, através desta atividade, não chega à condição de gênero, na medida em que o trabalho alienado não permite outra ordem de objetivação além da objetivação estritamente imediata. VI – No momento seguinte, a argumentação retoma o aspecto de investigação objetiva na medida em que procura encontrar as raízes históricas do fenômeno da alienação a partir da exploração do trabalho como relação que dá origem à propriedade privada dos meios de produção e como, posteriormente, esta forma de propriedade aparece como fundamento objetivo das relações de produção fundadas na exploração do trabalho. 2. PRINCIPAIS PROBLEMAS ENCONTRADOS E AVALIAÇÃO I – A compreensão de práxis (desenvolvida no texto a partir da articulação entre trabalho e trabalho alienado/estranhado) desenvolve-se apenas no sentido abstrato, humanista, relacionada à uma essência humana determinada. Por este motivo, este é apresentado ao longo do texto apenas como exteriorização. II – Não consegue situar o duplo caráter do trabalho (como exteriorização e, ao mesmo tempo, como exteriorização condicionada historicamente) III – Ao tratar do trabalho alienado do operário não consegue relacioná-lo às condições da produção material em relação a: a) o produto do seu trabalho; b) ao processo de produção; c) aos meios de produção. IV – Não consegue compreender o caráter especulativo da reflexão marxiana sobre gênero humano e da fundamentação do trabalho (em seu aspecto criador e não-alienado) a partir desta fundamentação. V – Não consegue ser objetivo em uma análise imanente do texto e relaciona conceitos diferentes de outras obras trazendo inadvertidamente para a reflexão do texto em questão, o que impede de compreender que, neste texto em particular, ainda não está presente a diferenciação entre trabalho e força-de- trabalho. VI – Uso de redundâncias, passagens genéricas e repetições que tornam o texto obscuro em várias passagens VII – Não consegue expor a relação que Marx estabelece entre alienação e a propriedade privada e a exploração do trabalho. 3. MUDANÇAS A SEREM REALIZADAS I – Partir da questão sobre o duplo caráter do trabalho e como este permite a compreensão do caráter negativo e, ao mesmo tempo, historicamente transitório da alienação. II – Chamar atenção para os aspectos iniciais da investigação marxiana a respeito da alienação do trabalho como um “fenômeno presente” e, a partir daí, observar os aspectos objetivos que condicionam a atividade alienada do operário. III – Sistematização para o caráter historicamente determinado do fenômeno da alienação e as condicionantes objetivas deste fenômeno. IV – Observar os aspectos especulativos desta compreensão sinalizando em que sentido estes aspectos serão posteriormente superados nas Teses sobre Feuerbach e em A Ideologia Alemã.