Você está na página 1de 4

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas


Curso de Ciências Sociais
Tópicos Especiais em Sociologia XV
Professor: Carlos Eduardo
Aluno: Anderson Ribeiro da Silva

Defina a partir dos textos apresentados e/ou dê exemplos à noção do


"outro" no pós-moderno.

- Valendo-me das contribuições de Michel Foucault e Gilles Deleuze em A Microfísica do


Poder, é possível afirmar que em uma sociedade pós-moderna a crise de identidade seja
sintomática. As esferas de representação, típicas em uma democracia, parecem tender a um
sucateamento da relação pessoa-indivíduo. O poder é uma instância de difícil definição,
podendo ser alternado entre os 'postulantes'. E é essa disputa que torna o diálogo mais
crítico.

A formação de um caráter identitário perpassa pela possibilidade de se estabelecer um


nivelamento. Um parâmetro. Essa possibilidade de tratar as coisas por meio de definições
esclarecidas só pode ser possível quando dominamos a devida matéria. Esse nivelamento
depende de compreensões. De 'verdades'. A sentença que determina o que deve ser feito
costuma conter em seus delineamentos, limitações. Essas limitações podem representar
problemas quando se identifica outra forma de consciência. O entrave que é gerado com a
imposição de um paradigma é o que é discutido pelos dois filósofos.

"M.F.: O intelectual dizia a verdade àqueles que ainda não a

viam e em nome daqueles que não podiam dizê-la: consciência e eloquência. Ora, o que
os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam deles para
saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem
muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e
esse saber. Poder que não se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas
que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade. Os
próprios intelectuais fazem parte deste sistema de poder, a ideia de que eles são agentes
da "consciência" e do discurso também faz parte desse sistema. O papel do intelectual
não é mais o de se colocar "um pouco na frente ou um pouco de lado" para dizer a muda
verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao
mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na ordem do saber, da "verdade", da
"consciência", do discurso. " (FOUCAULT, 1972)

O intelectual 'se põe' em um dilema na transição para a pós-modernidade. No período


pós-Guerras, as nações passam a questionar a série de ordenamentos que os cercavam e,
por necessidade, as assimilavam. Em um momento de repaginar das instituições e das
relações sociais, o que se acumulava no campo simbólico, como também no aspecto teórico
foi revisto provocando sérias cisões entre as dimensões representativas e as classes
interessadas. O esquema categórico até então, possuía um caráter 'totalizante', repleto de
determinações e deliberações que tolhiam a consciência coletiva de boa parte das arenas de
discussão pertinentes. Com o crescente questionamento de certas ordens, esse aspecto
dominante passa a ser ignorado, sendo revista dentro de um novo cenário relacional.
Estamos a nos pôr como dominantes do nosso espírito crítico e, portanto, de nossa
consciência. O intelectual, nessa conjuntura, é, como descrito por Foucault, como o que
"Luta contra o poder, luta para fazê-lo aparecer e feri-lo onde ele é mais invisível e mais
insidioso." Deixa de ser o agente que define o âmbito do saber para ser o que acumula
formas de saberes particulares e, intrinsecamente complementares.

A identidade, nesse sentido, parece ganhar outra condição de formulação na


contemporaneidade. Inicialmente, diante de estruturas que lhe impunham determinadas
matizes de reflexão, a consciência coletiva ganha enorme liberdade frente às suas
pretensões em ser dona de seu estado de espírito. A formação identitária passa a ter um
forte componente particular. A fragilidade da composição de uma persona, que independe
de norteamentos centralizadores, é a possível tônica de um momento histórico que
submete as sociedades à uma intra-reflexão das suas potências e seus resíduos intelegíveis.
Zygmunt Bauman bem acentua a combinação que formula a caracterização das identidades
contemporâneas ao afirmar que "o mundo em nossa volta está repartido em fragmentos
mal coordenados, enquanto as nossas existências individuais são fatiadas numa sessão de
episódios fragilmente conectados” (BAUMAN, 2005, p. 18).

O autor aponta para uma condição identitária flúida. Que prescinde à noção de base
ontológica do indivíduo, de assento das formulações da conjunção simbólica da
pessoalidade.

Se você fica instigando a declarar a minha identidade (ou seja, o meu


“eu postulo”, o horizonte em direção ao qual eu me empenho e pelo
qual eu avalio, censuro e corrijo os meus movimentos), esse é o máximo
a que me pode levar. Só consigo ir até aí... (BAUMAN, 2005)

A pessoalidade do indivíduo esbarra nas restrições que sua própria existência lhe
impõe. O perigo em se auto sugerir uma premissa que possua a capacidade de delinear o
caráter e seus contornos, assim como já se pensava com relação ao poder, explicitado por
Foucault, pode limitar a abstração daquilo que se pode perceber para além do horizonte ao
qual se estabelece como foco para a formulação da identidade prioritária.

Bauman faz uso de um exemplo que representa de maneira singular a intenção de se


entender a problemática da composição da identidade na pós-modernidade. O quebra-
cabeça. O esquema que se supõe a partir dessa dinâmica é bastante compatível para
exemplificar do que se forma um paradigma: de recortes. E ele faz duas considerações.
Inicialmente nota o problema que não se encontra em um jogo convencional, que é o
resultado, que sempre tende a ser a figura que se compõe das junções das peças.
Logicamente, não é o resultado que se apresenta das formações das identidades. Outra
questão que surge com o exemplo do quebra-cabeça é que, a priori, o quebra-cabeça não
sofre com a falta de peças. O 'jogo' das identidades, por se tratar de um sistema
imensamente indefinido e desconhecido, produz essa indefinição com relação às
combinações que se estabelecem através das relações e das assimilações de códigos.
Em síntese, a identidade pode ser entendida como o dilema atual por conta da sua
extrema indefinição, diante da exposição do indivíduo às impressões diversamente
difundidas no seio das sociedades globalizadas. Se na história das civilizações o problema
por séculos foram o adestramento de identidade à símbolos de poder e de virtuosidade, e
mais recentemente, à palidez da instrumentalidade intelectual, hoje podemos definir a atual
crise de identidade como proveniente de uma dificuldade no descortinar das variadas
percepções da realidade apresentada.

Referências bibliográficas:

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Editor, 2005.

FOUCAULT, Michel. "Os Intelectuais e o poder" in Microfísica do Poder. Ed. Graal, 2008.

Você também pode gostar