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Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Código: IH-1190-Teoria Política
Disciplina: Teoria Política Turma: 02 /2020.1
Professores: Nelson Rojas de Carvalho
Wladimyr Lombardo Jorge
Aluno: Anderson Ribeiro da Silva
Pergunta n. 2
É a partir daí que Hayek promove uma distinção elementar entre o que chama de
“ordem espontânea” e “ordem feita”. A ordem espontânea (kosmos) diz respeito a
ordenamentos sociais com capacidade para alcançar qualquer “grau de complexidade”, o que
dificulta a identificação intuitiva (HAYEK, p. 118). A existência de uma ordem espontânea
não se revela de forma observável em sua totalidade, i.e., não permite que possamos perceber
objetivos específicos, posto que suas premissas estariam calcadas em regramentos prévios,
não previstos em leis produzidas artificialmente.
A “grande sociedade” é considerada por Hayek uma ordem espontânea, talvez a maior
delas. Sua existência independe de qualquer regulação anterior, o que a torna uma ordem
abstrata, e é mantida através de um conjunto relativo de “relações abstratas” entre os
elementos que seguem alguma regularidade (HAYEK, p. 119). A natureza contida nesta
definição está na consideração que Hayek faz sobre sua generalidade. Para ele, como se trata
de um fenômeno tipicamente improvável de se mensurar, seremos incapazes de avaliar todas
as particularidades de uma ordem espontânea.
O caráter abstrato das ordens sociais fica evidente quando da impossibilidade de definir
todas as determinações e interesses mobilizados pelos indivíduos e pelos grupos. A
imprecisão para demarcar tais interesses eleva o grau de complexidade das ordens
espontâneas. É importante notar, antes de tudo, que tal caráter abstrato das ordens
espontâneas não resultam na ausência de normas. Segundo Hayek (1985, p. 126), toda ordem
espontânea depende de alguma “regularidade”, que é o que confere poder de norma às
condutas dos indivíduos.
As leis que regulam as condutas dos sujeitos em uma ordem espontânea não são
atribuídas a nenhum cumprimento de objetivo específico. Isto difere do que Hayek chama de
“ordem feita” ou organização, ou seja, um sistema de normas que visam determinações
objetivas. Das diversas organizações, a mais expressa é a que Hayek chama “governo”. Em
sua avaliação, o governo possuiria duas funções básicas: a de exercer o poder coercitivo com
vistas ao cumprimento das normas e à prestação de serviços (HAYEK, p. 133-34).
A “ordem feita” deriva de uma “teoria da organização”, terreno por onde se estabeleceu
estudos acerca do alcance do pleno desenvolvimento das sociedades a partir da expansão do
intelecto humano (HAYEK, p. 145). Marcadamente influenciada pelo construtivismo, nos
idos do século XVIII, a organização compreenderia um lugar de destaque no que tange os
estudos sociológicos, o que para Hayek incorreu na distorção do real fim de uma sociedade.
Para ele, uma sociedade, embora possa articular ordens feitas ao seu funcionamento, de
forma suplementar, não se pode confundir a natureza destas com a da sociedade, que seria
espontânea. Pela simples incapacidade de mensurar os interesses dos indivíduos é que Hayek
assevera as determinações e objetivos de uma organização como seus limites. Pois ele aponta
que uma organização tende a operar privando “[...] seus membros da possibilidade de usar
seus conhecimentos em função de seus propósitos.” (HAYEK, p. 139).
Este lugar, de onde partem as normas abstratas que regulam a vida social espontânea, é,
provavelmente, de onde se constitui uma “concepção de justiça”, por outro lado. Este
contraponto é sugerido por John Rawls, que compreende a “justiça” como a primazia de toda
e qualquer instituição social. Segundo Rawls (2000, p. 4-5), uma dada sociedade possui uma
contradição inerente entre conflito e identidade de interesses. Os conflitos são oriundos da
singularidade dos indivíduos em perseguirem seus objetivos da melhor maneira que
considerarem, enquanto a identidade de interesses pressupõe a inclinação para a cooperação
social.
A primazia da justiça de Rawls parte de uma generalização que o autor propõe, à guisa
de uma releitura da “teoria do contrato”. Para ele, uma dada concepção de justiça é o real
cume do contrato social, ao invés de um pretenso modelo de governo (RAWLS, p. 12). No
caso específico de sua teoria de “justiça como equidade”, a “posição original” de igualdade
corresponde ao “estado de natureza” da teoria tradicional do contrato social. Tal posição não
é definida histórica, nem culturalmente, mas de forma hipotética, a resultar de uma concepção
coletiva de justiça, posto que, neste momento fundante, os indivíduos desconhecem seu lugar
na sociedade (RAWLS, p. 13).
A partir disso, Rawls reflete sobre dois princípios de justiça que, em sua análise,
contribuem para a formação inicial de uma “estrutura básica da sociedade”. Esta estrutura
pressupõe uma “[...] ordenação das principais instituições sociais em um esquema de
cooperação.” (RAWLS, p. 57), ou seja, uma sistematização e publicização das regras que
comandam as instituições, convergindo em uma dinâmica de cooperação social. Tal estrutura
seria um pano de fundo para a conferência de direitos, deveres e vantagens, econômica e
social.
Posto que Rawls considera uma posição original, um ponto de partida para que os
indivíduos possam competir e perseguir seus interesses particulares sem interferir em direitos
básicos garantidos coletivamente, é possível afirmar que o filósofo está, em suma,
considerando condições gerais e universais de justiça. Rawls entende (2000, p. 141) que todo
princípio de justiça de uma estrutura de cooperação social deve ser geral, pois assim, pode
servir como “[...] estatuto público de uma sociedade bem ordenada”.
Por conseguinte, os princípios de justiça também devem ser universais, ou seja, devem
ser aplicadas a todos os indivíduos, exigindo deles que respondam aos estatutos. Trata-se de
um “limite superior” às complexidades e distinções que os indivíduos fazem em relação a si
mesmos e em relação aos demais (RAWLS, p. 142). Rawls recorre à definição que o próprio
propõe, de “pessoas éticas” para qualificar os indivíduos frente à generalidade e
universalidade dos princípios de justiça. Os homens, por manterem uma contradição
elementar – o conflito e a identidade de interesses - são éticos, portanto, capazes de entender
tais exigências dos princípios de justiça (RAWLS, p. 142-143).
Embora Hayek descreva brevemente (1985, p. 29) como interesses coletivos podem ser
convertidos em interesses gerais, mediante “[...] algum princípio de reciprocidade [...]” que
resulte “[...] num ganho maior que o ônus que deverão suportar”, o filósofo da Escola
Austríaca refuta tal possibilidade, reafirmando que os ganhos de uma dada parcela da
sociedade ocorrerão sempre em detrimento do restante, dado que raramente os benefícios
advindos de bens coletivos atenderão todos os indivíduos.
Os homens são capazes de emitir tais juízos pois dispõem de condições mínimas para
estabelecerem deduções sobre seus valores, crenças e interesses. É partindo de abstrações
sobre si e sobre os demais e se pondo como pessoas éticas, refletidas nas normas sociais, que
eles concebem concepções artificiais de justiça, de modo a combinar direitos mínimos com
condições razoáveis para a busca de vantagens sociais e econômicas.
Pergunta n. 3
E este impasse não irá se resumir às disputas entre os estudiosos aderentes à concepção
coletivista e os que inauguraram uma concepção individualista da democracia. Mesmo dentro
da tradição liberal é possível verificar entendimentos diversos sobre a viabilidade de um
“bem comum”. Um notável dissenso dentro desta corrente é a oposição percebida dentre os
adeptos da “teoria da escolha racional” em relação aos utilitaristas, estes que supunham ser
possível reunir todos os interesses individuais entorno de um “interesse geral”. A partir daqui,
vamos analisar como alguns teóricos de referência da public choice concebem o “bem
comum” e os interesses particulares.
Schumpeter estabelece uma ponte de contato com a vindoura teoria da escolha racional
ao ressaltar a dificuldade em se extrair dos interesses particulares algum juízo racional. O
austríaco aponta para a incapacidade dos indivíduos em contexto democrático de
desenvolverem a “vontade”, que seria o “correspondente psíquico da ação responsável e
intencional” (SCHUMPETER, p. 312). Haveria um “senso de responsabilidade reduzido”,
combinado com “ausência de vontade efetiva” no que tange aos assuntos políticos, ambos
advindos de um “senso de realidade reduzido”, o que contribuiria para a produção de uma
“vontade artificialmente fabricada” (SCHUMPETER, p. 312-314).
Já Robert Dahl (1997, p. 28), que parte da concepção pluralista, compreende que a
opinião política só ganharia espaço para se desenvolver mediante duas das principais
dimensões democráticas, quais sejam a ampliação dos direitos à contestação pública e à
inclusão nos processos decisórios, o que culminariam na expansão da democracia moderna.
Para Dahl (1997, p. 33), a expansão combinada destas duas dimensões conduziu as
democracias modernas europeias a sistemas de “poliarquias plenas” no início do século XX.
Para Robert Dahl, por outro lado, a variedade de preferências políticas constitui o
terreno para que possam ocorrer aproximações com os ideais democráticos. Com a ampliação
dos interesses, em função da diversificação social da participação política, multiplicam-se as
classes sociais envolvidas, o que estimula o surgimento de mais partidos políticos. A
resultante dessa fertilidade de partidos políticos é a “politização do eleitorado”, dado que os
eleitores seriam permanentemente disputados, o que forçaria os votantes a qualificarem suas
escolhas (DAHL, p. 45). Sob a insígnia da estabilidade do regime democrático, a garantia da
participação e da contestação contribuiriam para tal.
Neste sentido, os partidos políticos configuram “uma equipe de homens que buscam
controlar o aparato de governo, obtendo cargos numa eleição devidamente constituída”
(DOWNS, p. 47). Esta “equipe” de homens se organizará entorno tanto de “objetivos
formais”, ou seja, da formulação e implementação de políticas públicas quando no poder,
quanto mediante uma “estrutura informal” que compreende todos os possíveis motivos
pessoais daqueles que integram o partido (DOWNS, p. 51-52).
Em função destas duas dimensões que compõem a existência dos partidos políticos,
estes se organizam visando almejar o conjunto dos votos dos cidadãos que lhes permitam
ascender ao governo. Por conseguinte, o voto, na teoria da escolha racional, é a resultante dos
“benefícios” que o cidadão racional consegue identificar, contribuindo para que o mesmo
possa fazer sua avaliação do governo. O eleitor busca a “utilidade” dos benefícios advindos
das atividades parlamentares, para isso, fazendo uso de uma “renda de utilidade”, isto é, de
uma medida de benefícios que ampare o eleitor na avaliação do governo (DOWNS, p. 57-58).
Ao concluirmos este trajeto das concepções minimalistas que fizemos até chegarmos à
teoria da escolha racional, é possível perceber como os estudos acerca da democracia
ocidental passaram a privilegiar o caráter empírico das análises. Funda-se uma tradição de
investigações sobre o funcionamento dos governos democráticos que buscam como meta
verificar o comportamento de eleitores, partidos, grupos de interesse e aqueles que estão em
postos de poder.
Schumpeter foi quem nos advertiu sobre a problemática acerca de uma pretensa
definição objetiva de um “bem comum” democrático. O economista austríaco, ao acusar a
doutrina clássica da democracia de perverter a compreensão sobre o bem comum, a
atribuindo sua realização à mera soma dos interesses individuais, pavimentou o caminho para
uma compreensão racional da democracia, consistindo na garantia da “estabilidade do regime
político” (GAMA NETO, p. 31). Desse modo, a reunião dos interesses particulares dos
indivíduos se restringe à escolha dos postulantes ao governo.
Portanto, no que tange aos interesses privados e possíveis relações com bens coletivos,
vemos no elitismo schumpeteriano um raio limitado de ação individual, que se resume à
escolha dos governantes e representantes, reconhecendo a franca dependência do eleitor à
atuação dos personagens políticos. Dahl, um “otimista” da corrente pluralista, confere à
diversificação das preferências políticas o lugar onde o eleitorado melhor se situa em relação
às lideranças (GAMA NETO, p. 32).
RAWLS, J. Uma teoria de justiça. 2. edição, São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2000.