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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

Reitoria
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Código: IH-1190-Teoria Política
Disciplina: Teoria Política Turma: 02 /2020.1
Professores: Nelson Rojas de Carvalho
Wladimyr Lombardo Jorge
Aluno: Anderson Ribeiro da Silva

Trabalho Final da disciplina Teoria Política

Pergunta n. 2

O Estado de bem estar social, paradigma consolidado pelas social-democracias no


início do século XX, é reduto de um grande debate acerca do papel do Estado e da ordem
econômica e suas interseções. Segundo já afirmado (BACHUR, p. 103), o cerne deste debate
é a confusão que costumeiramente se segue em conciliar uma crítica ao welfare state com
uma defesa moral do livre mercado. Dada esta inquietação, é relevante refletir sobre algumas
das interpretações mais singulares sobre as bases da ordem social. Uma indispensável
referência da Escola Austríaca, Friedrich Hayek, estimula uma abordagem acerca do estudo
das ordens.

Hayek define a "ordem” como:

“[...] condição em que múltiplos elementos de vários tipos se


encontram de tal maneira relacionados entre si que, a partir de nosso
contato com uma parte espacial ou temporal do todo, podemos
aprender a formar expectativas corretas com relação ao restante ou,
pelo menos, expectativas que tenham probabilidade de se revelarem
corretas.” (HAYEK, p. 113)
De pronto, o autor adverte para a comparação elástica do termo com outros, tais como
“estrutura”, “sistema” ou “configuração”. Embora oriunda de percursos intelectuais os mais
remotos, Hayek lança mão do conceito de “ordem” a despeito de uma pretensa concepção
autoritária atribuída. Para o economista, todo e qualquer estudo das sociedades deve
pressupor investigações sobre ordens inerentes aos processos sociais. E para tal, estes
esforços precisariam considerar que possam haver ordens alheias a qualquer definição
objetiva de organização.

É a partir daí que Hayek promove uma distinção elementar entre o que chama de
“ordem espontânea” e “ordem feita”. A ordem espontânea (kosmos) diz respeito a
ordenamentos sociais com capacidade para alcançar qualquer “grau de complexidade”, o que
dificulta a identificação intuitiva (HAYEK, p. 118). A existência de uma ordem espontânea
não se revela de forma observável em sua totalidade, i.e., não permite que possamos perceber
objetivos específicos, posto que suas premissas estariam calcadas em regramentos prévios,
não previstos em leis produzidas artificialmente.

A “grande sociedade” é considerada por Hayek uma ordem espontânea, talvez a maior
delas. Sua existência independe de qualquer regulação anterior, o que a torna uma ordem
abstrata, e é mantida através de um conjunto relativo de “relações abstratas” entre os
elementos que seguem alguma regularidade (HAYEK, p. 119). A natureza contida nesta
definição está na consideração que Hayek faz sobre sua generalidade. Para ele, como se trata
de um fenômeno tipicamente improvável de se mensurar, seremos incapazes de avaliar todas
as particularidades de uma ordem espontânea.

O caráter abstrato das ordens sociais fica evidente quando da impossibilidade de definir
todas as determinações e interesses mobilizados pelos indivíduos e pelos grupos. A
imprecisão para demarcar tais interesses eleva o grau de complexidade das ordens
espontâneas. É importante notar, antes de tudo, que tal caráter abstrato das ordens
espontâneas não resultam na ausência de normas. Segundo Hayek (1985, p. 126), toda ordem
espontânea depende de alguma “regularidade”, que é o que confere poder de norma às
condutas dos indivíduos.

As leis que regulam as condutas dos sujeitos em uma ordem espontânea não são
atribuídas a nenhum cumprimento de objetivo específico. Isto difere do que Hayek chama de
“ordem feita” ou organização, ou seja, um sistema de normas que visam determinações
objetivas. Das diversas organizações, a mais expressa é a que Hayek chama “governo”. Em
sua avaliação, o governo possuiria duas funções básicas: a de exercer o poder coercitivo com
vistas ao cumprimento das normas e à prestação de serviços (HAYEK, p. 133-34).

A “ordem feita” deriva de uma “teoria da organização”, terreno por onde se estabeleceu
estudos acerca do alcance do pleno desenvolvimento das sociedades a partir da expansão do
intelecto humano (HAYEK, p. 145). Marcadamente influenciada pelo construtivismo, nos
idos do século XVIII, a organização compreenderia um lugar de destaque no que tange os
estudos sociológicos, o que para Hayek incorreu na distorção do real fim de uma sociedade.

Para ele, uma sociedade, embora possa articular ordens feitas ao seu funcionamento, de
forma suplementar, não se pode confundir a natureza destas com a da sociedade, que seria
espontânea. Pela simples incapacidade de mensurar os interesses dos indivíduos é que Hayek
assevera as determinações e objetivos de uma organização como seus limites. Pois ele aponta
que uma organização tende a operar privando “[...] seus membros da possibilidade de usar
seus conhecimentos em função de seus propósitos.” (HAYEK, p. 139).

Este lugar, de onde partem as normas abstratas que regulam a vida social espontânea, é,
provavelmente, de onde se constitui uma “concepção de justiça”, por outro lado. Este
contraponto é sugerido por John Rawls, que compreende a “justiça” como a primazia de toda
e qualquer instituição social. Segundo Rawls (2000, p. 4-5), uma dada sociedade possui uma
contradição inerente entre conflito e identidade de interesses. Os conflitos são oriundos da
singularidade dos indivíduos em perseguirem seus objetivos da melhor maneira que
considerarem, enquanto a identidade de interesses pressupõe a inclinação para a cooperação
social.

A primazia da justiça de Rawls parte de uma generalização que o autor propõe, à guisa
de uma releitura da “teoria do contrato”. Para ele, uma dada concepção de justiça é o real
cume do contrato social, ao invés de um pretenso modelo de governo (RAWLS, p. 12). No
caso específico de sua teoria de “justiça como equidade”, a “posição original” de igualdade
corresponde ao “estado de natureza” da teoria tradicional do contrato social. Tal posição não
é definida histórica, nem culturalmente, mas de forma hipotética, a resultar de uma concepção
coletiva de justiça, posto que, neste momento fundante, os indivíduos desconhecem seu lugar
na sociedade (RAWLS, p. 13).

Uma dada “posição original”, de caráter hipotética, dependeria de um “véu de


ignorância”, ou seja, de um momento inicial onde os indivíduos pouco saberiam sobre suas
condições sociais iniciais. Para Rawls (2000, p. 13-14) mediante uma dada situação original,
seria possível conceber uma noção de justiça como equidade, posto que os indivíduos,
tomados como “pessoas éticas”, vão se reconhecer como semelhantes entre si, portanto,
admitindo um ponto de partida para a persecução de seus objetivos particulares. Uma
concepção de justiça como equidade só é possível caso se reconheça uma situação inicial.

A partir disso, Rawls reflete sobre dois princípios de justiça que, em sua análise,
contribuem para a formação inicial de uma “estrutura básica da sociedade”. Esta estrutura
pressupõe uma “[...] ordenação das principais instituições sociais em um esquema de
cooperação.” (RAWLS, p. 57), ou seja, uma sistematização e publicização das regras que
comandam as instituições, convergindo em uma dinâmica de cooperação social. Tal estrutura
seria um pano de fundo para a conferência de direitos, deveres e vantagens, econômica e
social.

Portanto, para Rawls, existiria um momento inicial onde os indivíduos reificariam o


conjunto das suas instituições sociais entorno de um ordenamento jurídico baseado em uma
concepção de justiça. A partir daí dar-se-ia a forja de condições para garantir tanto as
liberdades mais elementares e necessárias de uma sociedade democrática, quanto o terreno
para a persecução das vantagens por parte dos indivíduos. Trata-se dos dois princípios de
justiça que Rawls tanto assevera para combinar as duas condições básicas da existência de
uma sociedade.

Posto que Rawls considera uma posição original, um ponto de partida para que os
indivíduos possam competir e perseguir seus interesses particulares sem interferir em direitos
básicos garantidos coletivamente, é possível afirmar que o filósofo está, em suma,
considerando condições gerais e universais de justiça. Rawls entende (2000, p. 141) que todo
princípio de justiça de uma estrutura de cooperação social deve ser geral, pois assim, pode
servir como “[...] estatuto público de uma sociedade bem ordenada”.

Por conseguinte, os princípios de justiça também devem ser universais, ou seja, devem
ser aplicadas a todos os indivíduos, exigindo deles que respondam aos estatutos. Trata-se de
um “limite superior” às complexidades e distinções que os indivíduos fazem em relação a si
mesmos e em relação aos demais (RAWLS, p. 142). Rawls recorre à definição que o próprio
propõe, de “pessoas éticas” para qualificar os indivíduos frente à generalidade e
universalidade dos princípios de justiça. Os homens, por manterem uma contradição
elementar – o conflito e a identidade de interesses - são éticos, portanto, capazes de entender
tais exigências dos princípios de justiça (RAWLS, p. 142-143).
Embora Hayek descreva brevemente (1985, p. 29) como interesses coletivos podem ser
convertidos em interesses gerais, mediante “[...] algum princípio de reciprocidade [...]” que
resulte “[...] num ganho maior que o ônus que deverão suportar”, o filósofo da Escola
Austríaca refuta tal possibilidade, reafirmando que os ganhos de uma dada parcela da
sociedade ocorrerão sempre em detrimento do restante, dado que raramente os benefícios
advindos de bens coletivos atenderão todos os indivíduos.

Ambos os filósofos concordam com o raio limítrofe de informações que os indivíduos


dispõem de si e de seus recursos em uma situação inicial. É ponto pacífico que os homens
partem de um momento onde pouco se sabe sobre suas posições em relação aos demais. No
entanto, eles interpretam de maneiras distintas como os homens se organizam para avançar
desta primeira condição. Hayek (1985, p. 35) atribui às “normas abstratas” o ordenador das
ações dos indivíduos, informando-os sobre como se comportar na persecução de seus
interesses, sem afetar a ordem social.

Como se tratam de traços abstratos, de baixa tangibilidade, tais normas só poderiam


surgir a partir de espaços de liberdade de escolha que se mantivessem inertes a qualquer
determinação objetiva. Hayek vincula (1985, p. 37) toda norma abstrata de conduta aos
valores dos indivíduos, que por sua vez, se relacionam com uma concepção compartilhada de
ordem social. Desta forma, o filósofo austro-britânico confere às ordens espontâneas uma
importância tal que impele às organizações um caráter meramente suplementar ao conjunto
dos valores e fins dos indivíduos.

Para Rawls, por outro lado, os princípios de justiça constituem o surgimento de um


aparato artificial, criado pelos homens em consenso e engendrando concepções de justiça que
conciliem tanto os conflitos quanto as identidades de interesse dos mesmos. Os indivíduos,
para Rawls, embora concorde com Hayek em percebê-los como sujeitos incapazes de se
situarem em uma posição inicial, dada a indeterminação das suas condições sociais, estariam
suficientemente habilitados para emitir juízos ponderados de justiça (RAWLS, p. 131).

Os homens são capazes de emitir tais juízos pois dispõem de condições mínimas para
estabelecerem deduções sobre seus valores, crenças e interesses. É partindo de abstrações
sobre si e sobre os demais e se pondo como pessoas éticas, refletidas nas normas sociais, que
eles concebem concepções artificiais de justiça, de modo a combinar direitos mínimos com
condições razoáveis para a busca de vantagens sociais e econômicas.
Pergunta n. 3

Ao tratarmos das democracias contemporâneas, é preponderante que recorramos a um


percurso teórico que parte das teses sobre o Estado Moderno, com grande contributo dos
contratualistas, posteriormente perpassando pelos consequentes esforços de utilitaristas e
federalistas para qualificar o ascendente modelo do governo representativo. Da mesma forma,
somos também impelidos a conferir os ecos advindos de impasses centrais da teoria
democrática. Dentre diversos elementos conceituais contraditórios, ou ao menos
inconclusivos, que, mediante intensos debates, foram adequados às democracias liberais
modernas, uma definição ainda nos rende muitos questionamentos.

Desde seus marcos, na Antiguidade, falar de um governo essencialmente democrático


pressupunha visar o “bem comum”, ou seja, o objetivo coletivo, de interesse de todos os
indivíduos e que pudesse ser usufruído sem prejuízo a nenhuma das partes interessadas. Mas
já nos seus primórdios era difícil, se não temeroso, qualificar qualquer possível noção de bem
coletivo, como já observava Aristóteles (1998, p. 362) ao tratar dos demagogos. Não à toa o
conflito entre interesse e vontade seguiu sendo um grande impasse para a teoria democrática
na Era Moderna.

E este impasse não irá se resumir às disputas entre os estudiosos aderentes à concepção
coletivista e os que inauguraram uma concepção individualista da democracia. Mesmo dentro
da tradição liberal é possível verificar entendimentos diversos sobre a viabilidade de um
“bem comum”. Um notável dissenso dentro desta corrente é a oposição percebida dentre os
adeptos da “teoria da escolha racional” em relação aos utilitaristas, estes que supunham ser
possível reunir todos os interesses individuais entorno de um “interesse geral”. A partir daqui,
vamos analisar como alguns teóricos de referência da public choice concebem o “bem
comum” e os interesses particulares.

Joseph Alois Schumpeter tratou de sublinhar as falhas e limitações que o Utilitarismo


operou na teoria democrática no que concerne a alguma definição possível de “bem comum”.
Segundo o economista austríaco (1961, p. 302), os utilitaristas previam um bem comum a
partir da reunião de todas as vontades individuais, visando essencialmente as satisfações
particulares e a maior felicidade possível. Essa fusão dos interesses individuais, que seriam
organizados por discussões racionais, se convertendo em uma vontade comum, no entanto,
ainda carecerá de definições concretas.
Para Schumpeter (1961, p. 301-302), os utilitaristas pecam por não visualizar tanto a
impossibilidade de definir o bem comum em face da diversidade de valores sobre o próprio
bem comum, quanto da também improvável capacidade de se produzir algum consenso
básico sobre os fins visados pelos indivíduos na perseguição à felicidade. A doutrina clássica
utilitarista resolve o problema da indefinição da vontade individual mediante pacificação
através do debate racional. O economista, no entanto, adverte sobre a existência da
“irracionalidade da ação”, que independe, inclusive, de uma racionalidade do pensamento
(SCHUMPETER, p. 310).

Schumpeter estabelece uma ponte de contato com a vindoura teoria da escolha racional
ao ressaltar a dificuldade em se extrair dos interesses particulares algum juízo racional. O
austríaco aponta para a incapacidade dos indivíduos em contexto democrático de
desenvolverem a “vontade”, que seria o “correspondente psíquico da ação responsável e
intencional” (SCHUMPETER, p. 312). Haveria um “senso de responsabilidade reduzido”,
combinado com “ausência de vontade efetiva” no que tange aos assuntos políticos, ambos
advindos de um “senso de realidade reduzido”, o que contribuiria para a produção de uma
“vontade artificialmente fabricada” (SCHUMPETER, p. 312-314).

Já Robert Dahl (1997, p. 28), que parte da concepção pluralista, compreende que a
opinião política só ganharia espaço para se desenvolver mediante duas das principais
dimensões democráticas, quais sejam a ampliação dos direitos à contestação pública e à
inclusão nos processos decisórios, o que culminariam na expansão da democracia moderna.
Para Dahl (1997, p. 33), a expansão combinada destas duas dimensões conduziu as
democracias modernas europeias a sistemas de “poliarquias plenas” no início do século XX.

O diferencial apontado por Dahl (1997, p. 42) se configura com a participação


ampliada, que, combinada com a competição política, provocaria mudanças na composição
da liderança política. Segundo o cientista político norte-americano, tais ampliações influíram
em maior representatividade parlamentar, embora em um sentido puramente estatístico. No
entanto, irá contribuir também para o surgimento de uma maior variedade de partidos
políticos, que se especializarão em atrair cada vez mais as classes médias (DAHL, p. 43-44).

O impacto da ampliação da participação e da contestação pública de forma combinada


refletem, segundo Dahl (1997, p. 46), no aumento da “[...] variedade de preferências e
interesses passíveis de representação na política.” Para o cientista político norte-americano, a
importância da garantia destas duas dimensões democráticas, que conduzem à poliarquia, se
expressam nos impedimentos aos governos em cogitarem adotar políticas públicas que
dependam de medidas extremas (DAHL, p. 47).

A abordagem pluralista de Robert Dahl, embora corrobore também em uma teoria


minimalista da democracia, se distingue da de Schumpeter, situado na tradição do elitismo. O
economista austríaco pressupõe a impossibilidade da organização das vontades individuais
entorno de uma vontade una. Tal restrição compõe o limite para a viabilidade da democracia,
de onde podemos inferir que o austríaco enxerga que uma maioria de eleitores pode intervir
apenas na escolha de seus líderes e representantes. Ainda assim, Schumpeter fez questão de
advertir-nos, ao afirmar que “[...] a vontade da maioria é apenas a vontade a maioria, e não a
vontade do povo” (SCHUMPETER, p. 325).

Para Robert Dahl, por outro lado, a variedade de preferências políticas constitui o
terreno para que possam ocorrer aproximações com os ideais democráticos. Com a ampliação
dos interesses, em função da diversificação social da participação política, multiplicam-se as
classes sociais envolvidas, o que estimula o surgimento de mais partidos políticos. A
resultante dessa fertilidade de partidos políticos é a “politização do eleitorado”, dado que os
eleitores seriam permanentemente disputados, o que forçaria os votantes a qualificarem suas
escolhas (DAHL, p. 45). Sob a insígnia da estabilidade do regime democrático, a garantia da
participação e da contestação contribuiriam para tal.

Seguindo nosso percurso, partimos do elitismo schumpeteriano, passando pela teoria


pluralista de Robert Dahl, chegando agora na teoria econômica da democracia. Estas
correntes estão inscritas em uma concepção minimalista da democracia e representam a
evolução das análises empíricas dos regimes democráticos. Um diferencial da racional
choice é a estrita dedicação à análise do comportamento do eleitor. Para a teoria econômica, o
indivíduo é um dado de análise concreto para compreender como uma democracia se
conserva.

Anthony Downs é quem descreve o “consumidor racional”, isto é, o homo politicus do


modelo racional da teoria econômica da democracia (DOWNS, p. 29). Este “homem médio”
constitui uma abstração da teoria da escolha racional para qualificar uma conduta
eminentemente objetiva do indivíduo no que tange a fins. Para Downs (2013, p. 32-33), a
racionalidade política depende de uma ordem social estável, de modo que as incertezas sejam
reduzidas. Esta previsibilidade fornece o terreno adequado para que os cidadãos possam
prever o comportamento dos outros cidadãos e do governo.
Desta forma, os indivíduos teriam efetiva liberdade para buscar suas vantagens frente às
garantias mantidas pelo Estado. E isto inclui fugir dos custos, embora eles não vejam
problema em assumir as suas parcelas dos custos mediante a assunção dos demais (DOWNS,
p. 37-38). Para Downs (2013, p. 27), a racionalidade alude a comportamentos que os
indivíduos operam para atingir seus fins. E no que concerne aos governos, o comportamento
racional, em suma, prevê o apoio político, o que, para tanto, suscita que os governos planejem
suas ações “racionalmente”, isto, a despeito de uma pretensa “função de bem-estar social”
(DOWNS, p. 41-42).

Na teoria econômica da democracia de Anthony Downs, o governo é “um agente social


específico” que possui “uma função especializada na divisão do trabalho” (DOWNS, p. 45).
Essa relevância é reconhecida, posto que dentre todas as possíveis organizações sociais que
pudessem administrar a vida política de alguma esfera, a instituição do governo constitui o
locus do poder último em uma sociedade, ou seja, representa o agente apropriado para
conduzir as demais forças sociais no âmbito da resolução das disputas (DOWNS, 44-45).

Neste sentido, os partidos políticos configuram “uma equipe de homens que buscam
controlar o aparato de governo, obtendo cargos numa eleição devidamente constituída”
(DOWNS, p. 47). Esta “equipe” de homens se organizará entorno tanto de “objetivos
formais”, ou seja, da formulação e implementação de políticas públicas quando no poder,
quanto mediante uma “estrutura informal” que compreende todos os possíveis motivos
pessoais daqueles que integram o partido (DOWNS, p. 51-52).

Em função destas duas dimensões que compõem a existência dos partidos políticos,
estes se organizam visando almejar o conjunto dos votos dos cidadãos que lhes permitam
ascender ao governo. Por conseguinte, o voto, na teoria da escolha racional, é a resultante dos
“benefícios” que o cidadão racional consegue identificar, contribuindo para que o mesmo
possa fazer sua avaliação do governo. O eleitor busca a “utilidade” dos benefícios advindos
das atividades parlamentares, para isso, fazendo uso de uma “renda de utilidade”, isto é, de
uma medida de benefícios que ampare o eleitor na avaliação do governo (DOWNS, p. 57-58).

O economista norte-americano definiu (2013, p. 60-61) a “renda de utilidade” como


uma derivação dos cálculos dos eleitores em função de um “diferencial partidário esperado”.
Para que o eleitor chegue a um “diferencial partidário esperado” ele teria, segundo Downs
(2013, p. 61), de determinar um “diferencial partidário atual”, que constitui “[...] a diferença
entre a renda de utilidade que ele realmente recebeu no período t e aquela que teria recebido
se a oposição estivesse estado no poder.”

O cidadão racional, procurando qualificar o diferencial partidário atual, procurará o


“fator tendencial”, “[...] ajuste que todo cidadão faz [...]” para considerar alguma “[...]
tendência relevante nos acontecimentos ocorrida dentro do período eleitoral atual” (DOWNS,
p. 62), e também a “avaliação de desempenho”, caso o eleitor se sinta compelido a avaliar
administrações em tempos diferentes, dado a impossibilidade de se fazer uma comparação
direta de rendas de utilidades (DOWNS, p. 64-65).

As dificuldades impostas a esse formato de cálculo das preferências que os eleitores


empreenderiam se apresentam, conforme afirmado por Downs (2013, p. 66), na “incerteza” e
na “falta de informação”, que inviabilizam um diagnóstico efetivamente racional. Além
destes, soma-se as peculiaridades de um sistema pluripartidário, onde o cidadão terá, não só
se ater às avaliações de desempenhos dos governos, mas terá também de tentar prever a
conduta eleitoral dos demais cidadãos, o que fará com que seu voto eventualmente tenha de
ser conferido a um partido não preferível. Ainda assim, considera-se isto uma conduta
racional, posto que o sentido das eleições democráticas é a escolha de um governo (DOWNS,
p. 68-69).

Ao concluirmos este trajeto das concepções minimalistas que fizemos até chegarmos à
teoria da escolha racional, é possível perceber como os estudos acerca da democracia
ocidental passaram a privilegiar o caráter empírico das análises. Funda-se uma tradição de
investigações sobre o funcionamento dos governos democráticos que buscam como meta
verificar o comportamento de eleitores, partidos, grupos de interesse e aqueles que estão em
postos de poder.

Schumpeter foi quem nos advertiu sobre a problemática acerca de uma pretensa
definição objetiva de um “bem comum” democrático. O economista austríaco, ao acusar a
doutrina clássica da democracia de perverter a compreensão sobre o bem comum, a
atribuindo sua realização à mera soma dos interesses individuais, pavimentou o caminho para
uma compreensão racional da democracia, consistindo na garantia da “estabilidade do regime
político” (GAMA NETO, p. 31). Desse modo, a reunião dos interesses particulares dos
indivíduos se restringe à escolha dos postulantes ao governo.

O pluralismo, corrente minimalista que segue a agenda schumpeteriana dos estudos


sobre a estabilidade do governo democrático, atribuiu à maior variedade de preferências
políticas a condição que permite que um regime se configure competitivo. Dahl concilia
participação política e competição, que operariam para garantir ao regime meios por onde as
oposições terão plenas capacidades para disputar o poder. As lideranças políticas tenderiam a
ter de produzir respostas mais efetivas, dado o vasto eleitorado (GAMA NETO, p. 32).

Portanto, no que tange aos interesses privados e possíveis relações com bens coletivos,
vemos no elitismo schumpeteriano um raio limitado de ação individual, que se resume à
escolha dos governantes e representantes, reconhecendo a franca dependência do eleitor à
atuação dos personagens políticos. Dahl, um “otimista” da corrente pluralista, confere à
diversificação das preferências políticas o lugar onde o eleitorado melhor se situa em relação
às lideranças (GAMA NETO, p. 32).

Ainda assim, o cidadão do pluralismo dahlsiano é aquele que busca se posicionar


coletivamente para contestar e/ou disputar o governo. Em suma, visualizamos tanto em
Schumpeter quanto em Dahl a urgência em garantir a estabilidade e o funcionamento do
governo democrático. Neste sentido, a orientação clássica da democracia acerca do bem
comum ficou também adstrita à estabilidade do regime. Será a partir da teoria econômica da
democracia que veremos um esforço mais dedicado visando qualificar o caráter objetivo da
impossibilidade da ação coletiva (GAMA NETO, p. 33).

O indivíduo posto em questão pela teoria econômica da democracia, da qual Downs é


nossa referência, é aquele que busca essencialmente benefícios econômicos e sociais. Este
“cidadão racional” procura se valer do maior arsenal de informações disponíveis para
qualificar o programa de governo mais afinado com os seus interesses. Posto desta forma, o
cidadão racional de Downs é este que almeja o auto interesse pessoal, buscando o maior lucro
marginal.

Portanto, a ação coletiva na teoria econômica da democracia de Downs, que serve de


base para as consequentes teorias da “escolha racional”, consente com as demais literaturas
minimalistas que percebem o bem-comum como uma categoria de difícil emprego. Aqui, no
entanto, “[...] os interesses individuais são a força motivadora básica da ação política”
(GAMA NETO, p. 34). Portanto, diferindo do elitismo schumpeteriano - onde o governo é o
máximo que os indivíduos podem escolher - e do pluralismo de Dahl – que visualizam o
indivíduo disputando e pressionando o governo a aderir às suas preferências -, o cidadão
racional da teoria econômica de Downs tem como conduta de base seus interesses pessoais,
que vão mobilizá-lo a intervir (ou não) no processo decisório.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. A Política. Belo Horizonte: Editora Vega, Coleção Veja Universidade/


Ciências Sociais e Políticas, 1998.

BACHUR, J. P. O Estado de bem-estar social em Hayek e Luhman. Tempo Social, Revista


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DAHL. R. A. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Editora da Universidade de São


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DOWNS, A. Uma teoria econômica da democracia. 1. reimpressão, São Paulo. Editora da


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GAMA NETO, R. B. Minimalismo schumpeteriano, teoria econômica da democracia e


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HAYEK, F. A. V. Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios


liberais de justiça e economia política. Volume I – Normas e ordem. Tradução de Henry
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________________ Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios


liberais de justiça e economia política. Volume II – A miragem da justiça social. Tradução de
Henry Maksoud. São Paulo: Visão, 1985.

RAWLS, J. Uma teoria de justiça. 2. edição, São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2000.

SCHUMPETER. J. A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de janeiro, Fundo de


Cultura, 1961.

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