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Sendo hoje indiscutível o significado central da pré- compreensão na obtenção e “seleção” dos
resultados colhidos mediante a interpretação-concretização das normas constitucionais, à
Teoria da Constituição incube identificar e ordenar sistematicamente as teorias, as tendências
e os (pre-)juízos que tendem a determinar, consciente ou inconscientemente, os resultados de
aplicação do Direito Constitucional. Pág: 15
A Revolução Francesa de 1789 marca o triunfo, no espaço continental europeu, de uma nova
racionalidade, e abre caminho à possibilidade de concretização de uma nova ordenação social
e à teorização de um novo modelo de Estado- o modelo liberal.
A unidade estatal passa, para HELLER, pela conexão total das condições naturais e culturais da
vida social, sendo que a função da Teoria do Estado consiste em analisar o Estado como um
fenômeno substantivo dentro do conjunto dessas condições. Pág: 38/39
A volta de século, a que atrás nos referimos, significou essencialmente a miscigenação dos
problemas do Estado e da Sociedade. O Estado passou ser visualizado em conexão com as
vicissitudes da sua matriz social, ou seja, com o devir das estruturas sociais e dos valores e dos
fins a ela imanentes. Superado, com efeito, o divórcio entre a Sociedade e o Estado, a partir da
refração do poder numa sociedade plural politicamente ativa, não mais o Estado pode ser
encarado como vontade lógica superpartes, encarnação do ideal histórico ou entidade de
legitimação pressuposta. Pelo contrário, o Estado passa a ser entendido como resultante de
precipitado da vontade dos grupos, mediadores da vontade dos indivíduos que existem na
sociedade. Pág: 40
Como bem acentua VIEIRA DE ANDRADE (Sumários, cit.), o Estado é, enquanto comunidade de
pessoas, uma comunidade organizada segundo um princípio de unidade. Essa unidade não
corresponde, porém, a lago de hipostasiado, a um todo homogêneo baseado numa
uniformidade de interesses e numa unanimidade de opiniões. Pressupõe, poruq se refere a
uma comunidade de homens concretos, a multiplicidade dos interesses e a diferença na
maneira de ver as coisas, o dissenso, o conflito e a oposição. E pressupõe que essa
multiplicidade e diferença se manifestem no campo da atuação política, ou seja, num sistema
aberto capaz de integrar politicamente tal pluralismo. Pág: 41
O Estado é apenas uma dimensão da sociedade, a sua dimensão política. Utilizando aqui uma
linguagem sistémica, o Estado é o sistema político da sociedade a que pertence assumir a alta
complexidade das sociedades de hoje e traduzi-la e regras que, legítima e vinculativamente,
hão de construir a ordem política e jurídica da sociedade. Pág: 42
Esse sentido moderno de Constituição exprime-se na ideia da consagração, por lei, de uma
ordenação sistemática e racional de toda a vida política e manifesta-se historicamente na
conjugação das conceções individualísticas e voluntaristas protestantes com as crenças
racionalistas do humanismo. O ideal moderno de constituição- liga-se, na verdade, a
documentos escritos provenientes de assembleias representativas que se estruturam de forma
segura e duradoura o exercício do poder político, de modo a preservar a liberdade do
indivíduo. Pág: 46
Assim, ao lado das declarações de direitos e das normas organizatórias, surgem os direitos à
ação estadual e os princípios retores da vida social. Este conjunto de normas constitucionais
afasta decisivamente aquele entendimento ideal de Constituição que se revia num mecanismo
racional de organização e limitação do poder, para a tornar, mais do que isso, num sistema de
valores político- jurídicos aceites na comunidade. Daí que esse sistema de valores não seja
nem um dado fixo, nem uma ordem imposta, antes seja algo construído a partir de forças
políticas diversas ou opostas que exprimem a pluralidade social e pontos de vista sobre o bem
comum. Pág: 49
Mas, a ordem política também não pode ser agora a simples resultante das relações de força
estabelecidas entre os grupos sociais. A ordenação da comunidade política não pode ser o
resultado de uma afirmação de força. Daí que os valores a que fizemos referência a propósito
do processo de Constituição do Estado não possam deixar de ser valores jurídicos.
Valores jurídicos porque e na medida em que o Direito é a forma instrumental pela qual se
regula a organização das relações sociais e o processo da integração política- são os princípios
e os preceitos que se reclamam da positividade jurídica que garantem a ordenação dos
comportamentos humanos e a realização das tarefas estaduais numa perspectiva de unidade
(Estado de Direito formal); valores jurídicos, ainda, porque a vinculação da comunidade
política ao Direito se justifica pela necessidade de fundamentar o carácter obrigatório das
decisões políticas em considerações de retitude e justiça (Estado de Direito material).
A ideia hoje comum de Constituição está associada a um texto escrito que, em virtude de um
especial processo de elaboração, contém as disposições que gozam de uma especial
superioridade normativa. Pág: 54
No entanto, não são apenas as diferenças entre o continente europeu e as ilhas britânicas que
relevam teoricamente na distinção entre Constituição escrita e não escrita. Mesmo nos países
em que a Constituição é uma lei constitucional, haverá sempre regras e princípios de cariz
constitucional que não estão expressamente consagrados nas leis constitucionais e toda uma
série de princípios político- jurídicos, não redutíveis a palavras, que formam o ambiente
cultural e suportam a renovação permanente da comunidade política. Por conseguinte, a
existência de uma Constituição escrita não significa a irrelevância do direito constitucional não
escrito, mas unicamente atesta a existência de um documento em que está escrita a
generalidade dos princípios e regras a que se quis, em determinado momento, dar uma
especial forma. Podemos então concluir que a distinção entre Constituição escrita e não
escrita é assim apenas uma distinção formal.
É que o carácter de Constituição rígida não assegura a permanência do texto para além dos
entraves (limites) formais que coloca à revisão. Também não assegura, por outro lado, a
durabilidade (material) da constituição. Na verdade, se a rigidez (formal) de um texto não
obsta a que ele possa ser alterado frequentemente, também será possível que uma
Constituição flexível possa pendurar no tempo sem alterações significativas de conteúdo, se
ele exprimir e estiver em consonância real com os valores culturais e políticos que
fundamentam a vida comunitária (veja-se o caso da Constituição britânica). Este é, porém, um
problema de “rigidez material" diferente do conceito(formal) de Constituição rígida. Pág:
57/58
A opção por um texto rígido, no sentido assinalado, é hoje justificada pela necessidade de se
garantir a identidade da Constituição sem impedir o desenvolvimento constitucional. Rigidez é
sinônimo de garantia contra mudanças constantes, frequentes e imprevistas ao sabor das
maiorias legislativas transitórias. A rigidez não pode ser um entrave ao desenvolvimento
constitucional, pois a Constituição deve poder ser revista sempre que a sua capacidade
reflexiva para captar a realidade constitucional se mostre insuficiente. Pág: 58
Pecaria por defeito quando ficassem fora do documento constitucional normas e princípios
relativos a aspetos essenciais da comunidade política, que, por exemplo, estão contidos em
leis ordinárias. Estaríamos perante o conceito de normas materialmente constitucionais, mas
formalmente não constitucionais. Pág: 59
Já em termos de Teoria da Constituição, esta distinção assume relevância, uma vez que, apesar
do âmbito constitucional ser uma variável em princípio indeterminada, não deve admitir-se
que o legislador constituinte possa incluir legitimamente todas e quaisquer matérias no texto
constitucional. Levada ao extremo, essa liberdade do legislador constituinte poderia
transformar os diplomas constitucionais em programas de governo, ou mesmo em
configurações totalitárias do Estado, destruindo por aí, o deixando sem sentido, o pluralismo e
alternância políticas. Impor-se à assim um princípio de essencialidade ou autocontenção do
poder constituinte, até para que a Constituição consiga ser verdadeiramente uma constituição
normativa, Esta última exigência melhor se compreenderá se o sentido de Constituição
material se desligar de um critério de mera extensão do texto, para se fixar num critério de
conteúdo das normas constitucionais. Pág: 60
Com efeito, as constituições atuais, no âmbito político- cultural em que nos inserimos, são um
composto de normas estatutárias e de normas- programas. Pág: 61
Há constituições neutras e que uma constituição de índole liberal pode ser intrinsecamente
tão ideológica, ou mais, que uma constituição socialista. O que, de facto, separa uma da outra
são fundamentos valorativos em que se assentam.
A constituição simples não consagra princípios que conflituam entre si, havendo unidade
valorativa ( ou se acolhe à liberdade, ou se acolhe à igualdade). Este modelo de constituição
opta por uma escolha valorativa unilateral, não precisando de conciliar valores diferentes, na
medida em que opta por apenas um deles. A constituição liberal pretende, como bem
absoluto, defender a liberdade dos cidadãos, apostando num modelo social baseado na
liberdade. De igual modo, as constituições totalitárias não procuram conciliar igualdade com
liberdade, optando pela igualdade. Ambas são exemplos de constituições simples.
Por seu turno, as constituições compromissórias necessitam de fazer uma harmonização de
princípios, em virtude da pluralidade e complexidade dos princípios que consagram. Torna-se,
assim necessário proceder a compromisso valorativos (v. g., conciliar a medida da liberdade e
da igualdade e, também, da solidariedade). Verifica-se, portanto, uma ordem valorativa plural
e complexa, porque pretende harmonizar diferentes valores e resolver questões ou problemas
na sua real complexidade.
Por seu turno, a Constituição nominal consiste numa Constituição formal que não está a ser
respeitada, já não se adaptando, ou nunca se tendo adaptado, à realidade constitucional à
qual se dirige, havendo um desfasamento entre a realidade constitucional e o texto
constitucional.
E assim, a Constituição, que formalizava a relação de domínio conseguida pelo modelo liberal,
vai pretender eternizar-se na força supralegal. Só que o texto põe e a realidade dispõe.
Começa, na verdade, a desenhar-se uma separação entre a Constituição (texto) e a realidade
constitucional, na medida em que o texto constitucional é estático e nõ acompanha a evolução
da sociedade.
FERDINAND LASSALE parte, com efeito, em reação ao formalismo em que convertera o ideal
de Constituição, de uma conceção sociológica, distinguindo entre a Constituição escrita e a
constituição real.
A Constituição material é, desta feita, a Constituição real.
MORTATI, por seu turno, parte de uma perspetiva institucionalista. Para este Autor, o Estado
não equivale à soma de relações espontaneamente determinadas entre os que pertencem à
sociedade, antes consiste numa consciente vontade de ordem. Assim, a sociedade ordena-se
em torno de forças coletivas (designadamente, os partidos políticos) com os seus fins de
conquista do poder para impor a sua ordem. Estes fins políticos, também designados como
“princípios diretores de ação”, consubstanciam a visão do bem comum assumida e imposta
efetivamente, com relativa estabilidade, por um conjunto de forças coletivas (os partidos
políticos) dominantes. No seu conjunto, formam a Constituição (material) do Estado.
É neste contexto, e após a Europa ter bebido o fel de vários idealismos, que surge uma nova
Teoria da Constituição e a generalidade da doutrina adere à tese da força normativa da
Constituição de acordo com a qual cabe a esta uma tarefa histórica de conformação (material)
da comunidade política concreta. Ponto será o texto constitucional conheça os seus limites.
Pág: 69.
A solução, saída dos escombros das teorias e dos muros da cidade, impôs-se: se não te sentido
hoje negar-se a normatividade do texto, também não tem sentido reduzir a Constituição ao
texto constitucional. Texto que contém agora normas de ação política, social, econômica, e ao
qual se pede os limites dentro dos quais é permitida a intervenção do Estado e assegurada a
liberdade dos cidadãos. A contraposição entre Constituição formal e Constituição material é
por fim ultrapassada, porquanto os valores fundamentais e os factos decisivos na vida da
comunidade têm de caber no texto constitucional e, com base neles, conformar essa mesma
comunidade política.
VIEIRA DE ANDRADE diz-nos que a Constituição é sempre material, dado que mais não é que
uma unidade de sentido cultural. Não é sempre um mero texto, nem se limita simplesmente a
traduzir a realidade ou a cultura, antes é o conjunto ativo desses três elementos. Esta
conceção de tridimensionalidade constitucional engloba os valores (elementos axiológicos) e a
realidade (elementos políticos e sociológicos) que caracterizam o ambiente em que o texto vai
ser interpretado e aplicado.
O que o texto constitucional tem de consagrar é limites a essa intervenção, quando se coloque
em causa valores fundamentais dessa comunidade. Isto fez-se, por exemplo, na subida de
alçada dos direitos fundamentais (da legalidade para a constitucionalidade). Pág: 71
Há uma ordem de valores, mas esta é desde logo, pluralista, devendo recusar-se o apelo
redutor a um certo e determinado valor, em detrimento de outros. As sociedades atuais são
complexas também ao nível dos princípios e preceitos que consagram.
As primeiras não fazem a ligação com a realidade constitucional, pois não atentam no
relacionamento entre as opções fundamentais e a própria comunidade. Com efeito, as
comunidades políticas são muito heterogêneas, as opções fundamentais são diferentes
(podem mesmo não estar no mesmo plano axiológico) e muitas vezes contraditórias. Não
podem, todavia, estar hierarquizadas, precisamente por serem fundamentais. Quanto às teses
positivistas, ou excessivamente revalorizadoras do texto, esquecem que este é o produto da
laboração humana, logo é imperfeito. Na verdade, nem sempre sabemos, ou podemos,
traduzir o nosso pensamento em preceitos. Para além disso, o texto constitucional é, muitas
vezes e conscientemente, ambíguo, pouco claro ou insuficiente, não podendo por conseguinte,
ser a Constituição. Por exemplo, se devem estar aí espelhadas as opções fundamentais, não
pode dizer-se o mesmo quanto às opções políticas (ideológicas), porque os valores de natureza
político- partidária não recolhem a adesão de toda ou da generalidade da comunidade. Assim,
o texto não deve conter opções ideológico- políticas fechadas. O texto deve ser visto como o
ponto de partida e fornecer o limite das soluções constitucionais, mas pode haver Constituição
para além dele, pois a vivencia comunitária pode demonstrar que a comunidade política evolui
mais depressa do que o texto, impondo “mutuações de sentido” ao texto. Por outro lado os
princípios fundamentais acabam por ter validade autônoma, pois podemos encontrar neles
dimensões da Constituição que vão para além do texto. É aqui que entra a “comunidade dos
juristas” e a ação dos tribunais. Não é por acaso que os Tribunais Constitucionais se
generalizam na Europa no após guerra, ou no após guerras. Pág: 72/73
Uma maior ou menor carga ideológica torna a Constituição menos ou mais aberta à evolução
das ideias, das forças políticas e dos interesses sociais. Com efeito, a afirmação da força
normativa da Constituição não é melhor garantida se esta ignorar a realidade. Pelo contrário, a
Constituição só será eficaz se conseguir integrar a vida política concreta, não podendo por isso
enclausurar-se numa linguagem ideológica fechada. Pág: 74
JOHN LOCKE, a que se deve a distinção fundadora do constitucionalismo moderno entre poder
constituinte e poder ordinário.
Segundo EMMANUEL SIEYÉS, é também um poder autônomo, ou seja, livre, pois não depende
de nenhum outro poder.
Por último, a característica mais subtil: o poder constituinte é inesgotável, pois não desaparece
pela nação de uma Constituição, antes continua permanentemente “operacional”,
potencialmente ativo, acima da Constituição.
JOHN LOCKE, por seu turno, já um século antes, na sua obra mais importante (Os dois tratados
de governo, 1680- 1683), em oposição a HOBBES, havia sugerido a distinção entre o poder
constituinte do povo (o poder do povo em alcançar uma nova forma de governo) e o poder
ordinário do parlamento e do governo, encarregues da feitura e aplicação das leis. São
característicos deste modus operandi do poder constituinte o carácter institucional e
consuetudinário da revelação do Direito em que o poder inicial detido pela common- wealth
aparecia já limitado pelos direitos individuais, a property; ou seja, os indivíduos têm um
conjunto de direitos naturais (property) que antecede ou preexiste à formação de qualquer
governo. Pág: 84/85.
Plasmou-se, assim, uma filosofia garantista da Constituição, por oposição à ideia de nela
projetar o futuro, encarando-a como uma forma de garantir direitos e limitar poderes. O poder
constituinte revelou-se como soberania funcional para redefinir a higher law, the fundamental
and Paramount law of the Nation e para estabelecer as regras do jogo entre poderes
constituídos e sociedade. Pág: 85
Quando surgiu, o poder constituinte ligou-se à nação, tal como era visível nas nossas
Constituições de 1822, 1826, 1838, 1911 e, por arrasto, também na Constituição de 1933”. A
fórmula que estas Constituições consagravam não deixava margem para dúvidas: “a soberania
reside em a Nação”. Foi este conceito que acolheu todo o ideário do liberalismo, de tal modo
que a nação se veio a converter num conceito normativo, restringindo o poder a uma grandeza
ideal capaz de converter a vontade nacional em “volonté généralé”.
A Nação somente se deixaria representar por homens livres e instruídos, possidentes (sufrágio
censitário) e esclarecidos (sufrágio capacitário). Pág: 87
JORGE MIRANDA (Manual de Direito Constitucional, Tomo, II) fala a este propósito de limites
imanentes e limites heterônomos, sendo que os primeiros expressam a realidade política,
social e cultural da comunidade que o poder regula e os segundos revelam os
condicionamentos externos dessa mesma comunidade. Pág: 92
Dependendo do processo consagrado pelo poder constituinte como forma de alterar o texto
constitucional, assim se manifestará o grau de rigidez constitucional. O carácter de
Constituição rígida depende, como vimos, da existência de uma diferença formal entre normas
ordinárias e normas constitucionais; ou seja, existem processos autônomos e diferenciados de
criação ou alteração das normas constitucionais e das normas ordinárias que estabelecem
entre elas uma diferenciação formal. Pág: 94
Representantes da posição que reconhece toda a força jurídica aos limites materiais expressos,
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA acentuam a natureza diferente do poder constituinte
originário e do poder constituinte derivado: ao primeiro compete criar a Constituição; ao
segundo cabe alterá-la nos limites impostos pelo primeiro. Ou seja, a função do poder de
revisão não é a de elaborar uma nova Constituição, mas antes fazer o inverso, isto é, guardá-la
e defendê-la.
Por seu turno, para ISABEL MAGALHÃES, entre outros, não existe qualquer diferença entre o
poder constituinte e o poder de revisão, na medida em que ambos configuram expressão da
soberania do Estado e são ambos exercidos por representantes eleitos do povo. O poder
constituinte, de certo modo, não será superior ao poder constituinte que se manifesta na
revisão, em momento posterior. Deverá, pois, aplicar-se a regra geral da revogabilidade das
normas anteriores pelas normas subsequentes.
De acordo com uma terceira tese, os limites materiais expressos terão valor declarativo, ou
seja, valerão se se revelarem essenciais à identidade da Constituição e não pelo facto de
estarem expressos num determinado artigo da Constituição. BARBOS ADE MELO, CARDOSO DA
COSTA, VIEIRA DE ANDRADE, em plena “querela constitucional”, defenderão esta posição,
abrindo caminho à evolução interpretativa do então artigo 290 º da CRP. A tese da dupla
revisão, defendida desde muito cedo por JORGE MIRANDA, também relativiza os
limites na medida em que permitiria a alteração das matérias formalizadas como
limites, se anteriormente se removessem os limites. Ou seja, os limites são suscetíveis
de remoção através de dupla revisão ou, em rigor, através de um duplo processo de
revisão. Pág: 98
Existe, assim, uma primeira distinção a fazer. Há limites materiais implícitos e limites
materiais expressos: os primeiros retiram-se da importância que as matérias têm no
texto constitucional (e na realidade e cultura constitucionais, dado que, para nós, o
texto não é tudo); os segundos estão formalizados, catalogados, no próprio texto.
Todas as constituições têm as suas “cláusulas pétreas”, sem as quais deixam de ser
(elas); a generalidade das constituições escritas articula-as expressamente no texto
constitucional. Pág: 99
JORGE MIRNADA, distingue três categoria de princípios. Princípios axiológicos
transcendentes, que funcionam como limites transcendentes ao poder constituinte:
dignidade de pessoa humana; igualdade; Estado de Direito Democrático. Princípios
político- constitucionais, que funcionam como limites imanentes o poder constituinte e
ainda como limites à revisão constitucional. São “princípios diretamente constitutivos
da particular forma de Estado instituída”, refletindo as grandes opções e princípios de
cada regime. Por exemplo, no âmbito da nossa Constituição, o princípio republicano, o
princípio democrático. Princípios instrumentais (como, por exemplo, in dubio pro reo,
nulla pena sine lege).
GOMES CANOTILHO, por seu turno, identifica também três categorias de princípios.
Princípios jurídicos fundamentais, que aceita na seguinte enunciação: são “princípios
historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica
que encontram uma receção expressa ou implícita no texto constitucional”; pertencem
à ordem jurídica positiva e são um importante fundamento para a interpretação,
integração, conhecimento e aplicação do Direito positivo. Princípios políticos
constitucionalmente conformadores: princípios constitucionais que explicitam as
valorações políticas fundamentais do legislador constituinte. Consistem em opções
políticas nucleares, contendo o ideário inspirador da Constituição (são “o cerne político
de uma constituição política”). Princípios constitucionais impositivas, também
designados como princípios- diretivas fundamentais, ou princípios definadores dos fins
do Estado: consistem em todos os princípios que impõem aos órgãos do Estado,
sobretudo ao legislador, a realização de fins e execução de tarefas. Estamos, desta
feita, perante princípios dinâmicos, prospectivamente orientados e que traçam para o
legislador as linhas diretrizes da sua atividade política e legislativa. A título
exemplificativo, podemos indicar o princípio da correção das desigualdades na
distribuição da riqueza e do desenvolvimento. Princípios –garanti: são princípios que
visam instituir diretamente uma garantia dos cidadãos. Possuem a densidade de um
autêntico preceito e força determinante positiva ou negativa, vinculando
estreitamente o legislador na sua aplicação, v.g., os princípios nullum crimen sine lege,
nulla poena sina lege, e ne bis in idem. Pág:113