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DOS DIREITOS TRABALHISTAS POSSÍVEIS DE SER

AFASTADOS OU LIMITADOS POR NEGOCIAÇÃO COLETIVA:


IMPRESSÕES INICIAIS SOBRE O TEMA Nº 1.046 - ARE 1.121.633,
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

OF LABOR RIGHTS THAT CAN BE REMOVED OR LIMITED BY


COLLECTIVE BARGAINING: INITIAL IMPRESSIONS ON TOPIC
No. 1,046 - ARE 1,121,633, OF THE FEDERAL SUPREME COURT

Hélio Henrique Garcia Romero1


Patricia Rodrigues Heil Romero2

SUMÁRIO: Introdução; 1. Norma e direito fundamental; 2. Garantismo e pacifismo


jurídico de Luigi Ferrajoli; 3. ODSs - Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis; 4.
ARE 1.121.633; 4.1. Quadro comparativo; 4.2. RE 590.415 – SC; 4.3. - Direitos

absolutamente indisponíveis; 5. Cláusulas convencionais anteriores; 6. Prevalência do


acordo sobre a convenção coletiva de trabalho; 7. O curioso artigo 611 da CLT; 8.
Texto do Acórdão - ARE 1.121.633 / GO; 9. Considerações finais; Referências das
fontes citadas.
RESUMO
Trata o presente artigo de situar o profissional da área do Direito do Trabalho acerca de
tema recente e instigante trazido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ARE

1 Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Norte Pioneiro (UENP). Juiz do trabalho titular da
1ª Vara do Trabalho de Brusque (SC). Diretor do Foro do Trabalho de Brusque (SC). Juiz convocado para
atuar no Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) desde março de 2017. Mestrando em Ciência
Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
2 Bacharel em Direito pela Universidade da Fundação Educacional de Brusque (UNIFEBE). Advogada
inscrita na OAB/SC nº 23.863. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade do Vale do Itajaí
(UNIVALI). Professora de Direito do Trabalho pelo Curso de Direito da Universidade da Associação
Educacional Leonardo Da Vinci (UNIASSELVI).
1.121.633 com o Tema Jurídico nº 1.046 acerca da delimitação dos direitos
absolutamente indisponíveis previstos na ordem constitucional e legal trabalhista.
Pretende-se inserir o garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli e seu pacifismo jurídico
como um dos fundamentos para a solução da questão, bem como o alinhamento às
previsões das Nações Unidas para a Agenda 2030, em especial o Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) 8, 10 e 16.
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Direitos Absolutamente Indisponíveis. Tema nº
1.046 do STF. Garantismo e Pacifismo jurídico de Luigi Ferrajoli. ARE 1.121.633.
ABSTRACT
This article deals with placing the professional in the field of Labor Law on a recent and
thought-provoking theme brought by the Federal Supreme Court in the judgment of
ARE 1.121.633 with Legal Issue nº 1.046 about the delimitation of absolutely
unavailable rights provided for in the constitutional order and labor law. It is intended to
insert the legal guarantee of Luigi Ferrajoli and his legal pacifism as one of the
foundations for the solution of the issue, as well as the alignment with the United
Nations forecasts for the 2030 Agenda, in particular the Sustainable Development Goal
(SDG) 8, 10 and 16.

Keywords: Labor Law. Absolutely Unavailable Rights. Theme nº 1.046 of the STF.
Legal Guaranteeism and Pacifism by Luigi Ferrajoli. ARE 1.121.633.

INTRODUÇÃO

O tema acerca dos direitos fundamentais sempre foi marcante e crucial para o
pensamento jurídico desde os tempos imemoriais: faz parte do próprio fundamento da
regulação das relações humanas através de regras e procedimentos que marcam aquilo
que se conhece por Direito e Justiça.
Como todo movimento que envolve ação e reação, vimos com frequência o
pêndulo balançar de lado a outro, marés indo e vindo, não se consegue chegar a um
equilíbrio perfeito. Ora vemos a prevalência de uma força, ora de seu contrapeso. A
prevalência dos direitos fundamentais é expressa na Constituição Federal da República
Federativa do Brasil de 1988 (CF-88), tanto que é chamada de constituição garantista,
em clara referência ao pensamento de Luigi Ferrajoli.
Na Justiça do Trabalho, o Supremo Tribunal Federal (STF) chamou à baila a
discussão de tais direitos de uma forma muito ampla, algo que seguramente irá perdurar
por anos a fio nas lides trabalhistas, com o martelar da jurisprudência, mediante a Tese
Jurídica fixada no Tema 1.046, relativa ao processo ARE 1.121.633:

São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao


considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou
afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação
especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os
direitos absolutamente indisponíveis. (negritos atuais)

Quais são os direitos trabalhistas possíveis de ser afastados ou limitados por


negociação coletiva? Onde localizar esses direitos absolutamente indisponíveis? São
eles os mencionados no art. 7º da CF-88, exclusivamente, ou abrangem desde o art. 5º -
Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulos I e II, até o art. 11, ao
menos, para fins de caracterizar essa normatização? Tais situações estariam previamente
definidas, por lei, nos arts. 511-A e 511-B da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT)? Há liberdade na limitação e afastamento dos direitos trabalhistas? Os direitos
absolutamente indisponíveis divergem dos direitos fundamentais ou com eles se
confundem? Há necessidade dos direitos fundamentais/absolutamente indisponíveis
estarem previstos na lei ou Constituição?
Ao momento da finalização destas linhas o acórdão da ARE 1.121.633 - Tema
1.046, foi recém publicado em 28/04/2023, o que significa que estas foram as
impressões iniciais acerca do tema que se apresenta, impactada pela publicação do texto
final do julgado, o qual não sofreu embargos de declaração (!), e demos destaque à
relevância do pensamento jurídico pacifista de Luigi Ferrajoli para a perfectibilização
do entendimento de tal raciocínio a ser desenvolvido nos próximos estágios da
maturação jurisprudencial.
Outro ponto de inserção para a inteligência da questio é o Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável nº 8 (ODS-8) das Nações Unidas, prevista na sua Agenda
2030, qual seja, “Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e
sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos”, em
análise combinada com o ODS 16, que se intitula em “Promover sociedades pacíficas e
inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para
todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.
Não há como fugir ao direito fundamental à paz. No primeiro parágrafo do
Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos encontramos:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os


membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis
constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo [...].

Utilizam as presentes linhas a aplicabilidade dedutiva como proposta


metodológica, com fundamento em pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, mediante
análise qualitativa, apresentando pontos de discussão dos temas objeto do estudo e a
conclusão conforme a ótica defendida.

1 - Norma e Direito Fundamental

Busca-se a resposta aos questionamentos formulados na parte introdutória de


forma invertida. Portanto, questiona-se sobre a necessidade (ou não) de disposição
textual prévia dos direitos fundamentais / absolutamente indisponíveis.
Rumo ao ponto conceitual nevrálgico sobre norma e direito fundamental:
Entre o conceito de norma de direito fundamental e o conceito de direito
fundamental há estreitas conexões.1 Sempre que alguém tem um direito
fundamental, há uma norma que garante esse direito. Se a recíproca é
verdadeira, isso já é duvidoso. Ela não é verdadeira quando há normas de
direitos fundamentais que não outorgam direitos subjetivos. Seria
possível responder à pergunta acerca da existência desse tipo de normas por
meio da definição segundo a qual são consideradas como normas de
direitos fundamentais somente as normas que outorgam direitos
fundamentais. Direitos fundamentais e normas de direitos fundamentais
seriam, assim, sempre dois lados da mesma moeda. (ALEXY, 1986, p. 50)
Longe de querer se aprofundar na discussão sobre o conceito e validade das
normas de direito fundamental, o que daria impulso a muitas dissertações de mestrado e
teses de doutorado, é de se concentrar numa tarefa bastante disléxica: tratar o complexo
de forma sucinta. Ao afunilar a discussão, contudo, deve-se entender qual o contexto de
onde ela foi dissolvida, posto que, a qualquer momento das argumentações pode-se
voltar ao patamar genérico, amplificado, e concluir por outros silogismos.
Não se perca de vista as ponderações de Zanon Junior (2019, p. 183), de onde
vale-se o autor de F. Müller3: “O referido professor, em uma breve frase, pondera que ‘a

3 MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes. 2.


ed. rev. atual. ampl. São Paulo:RT, 2009, p. 11.
norma jurídica não existe ante casum: o caso da decisão é co-constitutivo’.” De forma
explicativa4:

ele ensina que “a norma não existe, não é ‘aplicável´ ”, ou seja, “ela é
produzida apenas no processo de concretização”, sendo que “o operador do
direito se vê incluído nesse processo de construção da normatividade,
normativa e materialmente vinculada, da mesma maneira como a estrutura
do problema do caso ou do tipo de caso”.

Dessa forma, do texto constitucional e legislação correspondente, o princípio


normativo garantista e protetivo dos direitos e garantias fundamentais fica patente,
cabendo aos operários do Direito - o termo “operadores” guarda um certo recalque
com os profissionais correspondentes da área médica - o trabalho de realizar essa
normatização, colocando-a na prática.
À pergunta formulada resta a seguinte resposta clássica do verbete DIREITOS
FUNDAMENTAIS:
O(s) direitos fundamentais são considerados indispensáveis à pessoa
humana, para que se possa assegurar uma existência livre, igual e digna;
também são designados como direitos humanos e direitos individuais, nesta
expressão compreendendo os direitos coletivos.
Os direitos fundamentais são indivisíveis e interdependentes e podem vir
expressos em normas declaratórias (que imprimem existência legal aos
direitos reconhecidos - Ex.: art. 5°, XV, da CRFB/88) ou em normas
assecuratórias (garantias, que asseguram o exercício desses direitos; em
defesa dos direitos limitam o poder - Ex : art. 5°, LXVIII da CRFB/88).
Embora extensa a relação de direitos previstos no título II da Lei
Maior, esse rol não é taxativo, ou seja, não esgota todos os direitos
fundamentais, os quais são expressos ou decorrentes de normas
situadas em outros títulos da Constituição de 1988. (negrito de agora)
São características dos Direitos fundamentais a inalienabilidade,
imprescritibilidade, irrenunciabilidade, universalidade, limitabilidade (não
são absolutos, podendo, portanto, ser limitados se houver uma hipótese de
colisão entre direitos fundamentais). (SILVA, 2013, p. 487)
Não há, portanto, um rol expresso dessas garantias, o que se faz admitir, ainda
que por hipótese, de direito fundamental não regulado por disposição expressa.
A próxima pergunta está parcialmente respondida, ou seja, os direitos
absolutamente indisponíveis e os direitos fundamentais possuem relação de continência,
não havendo qualquer dúvida, no direito pátrio, de que os direitos trabalhistas sejam
direitos fundamentais, haja vista que o art. 7º da CF-88 estão inseridos dentro Título II
constitucional: Dos Direitos e Garantias Fundamentais. A importância desse
raciocínio é clara no sentido de estabelecer um status adequado e o cuidado necessário

4 ob. cit., p. 102.


para a interpretação de situações que impliquem em redução de patamares mínimos de
proteção estipulados por meio de texto legal e/ou constitucional em disposições
coletivas, via acordo ou convenção.

2 - Garantismo e pacifismo jurídico de Luigi Ferrajoli

Respondendo aos leitores afoitos, sim, há a necessidade de invocar princípios


tão caros ao Direito para o Tema nº 1.046 do STF, dada a importância e dimensão dos
caminhos da discussão, com deslindes que podem afetar drasticamente o Direito do
Trabalho tal como o conhecemos.
Menciona Ferrajoli (2015) que vivenciamos uma crise do paradigma
constitucional, propondo o autor uma solução diferente das praticadas, nominando-a de
"neoconstitucionalismo" como um sistema de garantias, limites e vínculos jurídicos
impostos ao exercício de qualquer poder como condição de sua legitimidade. Estabelece
o “garantismo” como um Estado constitucional de direito, esse modelo baseado na
rígida subordinação do sistema normativo, por todos os Poderes, observando os
vínculos e controles jurídicos idôneos a impedir o exercício arbitrário ou ilegal destes
próprios poderes, com vistas à garantia dos direitos do conjunto dos cidadãos. Esse
paradigma constitucional viria como um reforço – não superação – e complementação
do positivismo jurídico. O primeiro nexo estrutural entre o positivismo jurídico e Estado
de direito é o princípio da legalidade, da mera legalidade e o da legalidade estrita. Na
sequência, explicita o termo “controle jurisdicional de constitucionalidade” que sempre
se referia, ainda que não de forma expressa, mas muito claramente se vislumbrava tal
conceito. Menciona que a posição hierárquica da Constituição acima da lei advinda do
primeiro positivismo jurídico equivalia, de fato, à normatividade da primeira em relação
à segunda.
Não há qualquer dúvida de que a nossa CF-88 adota modelo garantista, e a
proteção das cláusulas sociais de forma expressa, no art. 7º, é um sinal claro para que
não sejam retiradas tais garantias em quaisquer circunstâncias. Dessarte, por mero
controle de constitucionalidade, sem necessidade de invocar controle de
convencionalidade e chamar à luz a paz prevista na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, há que se adotar um entendimento pacífico e uniforme na interpretação das
normas internas.
O mesmo Ferrajoli ao defender um constitucionalismo mundial dentro das
hipóteses para uma democracia cosmopolita (2004):

Cada generación de derechos, se puede decir, equivale a una generación de


movimientos revolucionarios: liberales, socialistas, feministas, ecologistas,
pacifistas.
Y no sólo eso. Los derechos fundamentales - desde el derecho a la vida y
los derechos de libertad hasta los derechos sociales a la salud, al trabajo, a
la educación y a la subsistencia - se han afirmado siempre como leyes del
más débil frente a la ley del más fuerte que regía y regiría en su ausencia.
Del más fuerte físicamente, como en el estado de naturaleza hobbesiana;
del más fuerte económicamente, como en el mercado capitalista; del más
fuerte militarmente, como en la comunidad internacional. Todo el derecho,
en realidad, es ley del más débil, y como tal ha ido avanzando siempre.
Desde el derecho penal, que tutela como parte más débil a la víctima en el
momento del delito, al imputado durante el proceso y al detenido en el
momento de la ejecución penal, hasta el derecho laboral, que tutela a los
trabajadores frente a las razones del beneficio de la empresa.

“A proteção ao protetor”, ou seja, defender o Direito do Trabalho em suas


bases e raízes mais profundas é crucial para a paz, tanto nacional como planetária. Esse
argumento é de todo liberal e capitalista, afastando-se diametralmente da luta de classes
preconizada por Marx, diga-se de passagem, para aqueles que defendem a extinção da
Justiça Especializada trabalhista.

3 - ODSs - Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis

Em setembro de 2015, os líderes mundiais reunidos na Assembleia Geral das


Nações Unidas adotaram 17 ODSs - Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis, que
são um conjunto de objetivos globais para a erradicação da pobreza no planeta e
assegurar a prosperidade para todos, sendo parte de uma agenda de desenvolvimento
sustentável.
Foi dado um prazo para cumprimento dessas metas de 15 anos, ou seja, até o
mês de setembro do ano de 2030. Aludida agenda está pautada em cinco áreas de
importância (ou 5 Ps), a saber: Pessoas, Prosperidade, Paz, Parcerias e Planeta.
Pelo endereço eletrônico das Nações Unidas no Brasil, relativo ao ODS-8 5,
dentre o tópicos pertinentes, é de se ressalvar a descrição detalhada desse Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável para o Brasil, mais alinhado ao “P” (área de importância)
das Pessoas:

5 https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/8 - acesso em 23 de dezembro de 2022


Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e
sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e
todos
[...]
8.3 Promover políticas orientadas para o desenvolvimento que apoiem as
atividades produtivas, geração de emprego decente, empreendedorismo,
criatividade e inovação, e incentivar a formalização e o crescimento das
micro, pequenas e médias empresas, inclusive por meio do acesso a
serviços financeiros
[...]
8.5 Até 2030, alcançar o emprego pleno e produtivo e trabalho decente para
todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com
deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor
8.6 Até 2020, reduzir substancialmente a proporção de jovens sem
emprego, educação ou formação
8.7 Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado,
acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas, e assegurar a
proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, incluindo
recrutamento e utilização de crianças-soldado, e até 2025 acabar com o
trabalho infantil em todas as suas formas
8.8 Proteger os direitos trabalhistas e promover ambientes de trabalho
seguros e protegidos para todos os trabalhadores, incluindo os trabalhadores
migrantes, em particular as mulheres migrantes, e pessoas em empregos
precários.

Impossível pretender que os ODS´s não tenham correlação entre si. O


Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 é relativo à Paz, Justiça e Instituições
Eficazes6. Vejamos o desenvolvimento de suas razões:

Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o


desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e
construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis
16.1 Reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de
mortalidade relacionada em todos os lugares
16.2 Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e
tortura contra crianças
16.3 Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e
garantir a igualdade de acesso à justiça para todos
[...]
16.6 Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em
todos os níveis
[...]
16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades
fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos
internacionais.

A relação das ODS´s mencionadas com o Tema nº 1.046 do STF foi


previamente estabelecida como meta de estudo para o presente artigo; qual não foi a
surpresa de verificar que não há necessidade de muitas linhas para revelar o nexo, uma

6 https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/16 - acesso em 22 de dezembro de 2022.


vez que o próprio endereço eletrônico do Supremo, com relação ao ARE 1.121.633 7, faz
o link tanto das ODS´s 8 e 16 e também inclui a de número 10 8, Redução das
desigualdades:

Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles


10.1 Até 2030, progressivamente alcançar e sustentar o crescimento da
renda dos 40% da população mais pobre a uma taxa maior que a média
nacional
10.2 Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e
política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça,
etnia, origem, religião, condição econômica ou outra
10.3 Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de
resultados, inclusive por meio da eliminação de leis, políticas e práticas
discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a
este respeito
10.4 Adotar políticas, especialmente fiscal, salarial e de proteção social, e
alcançar progressivamente uma maior igualdade
10.5 Melhorar a regulamentação e monitoramento dos mercados e
instituições financeiras globais e fortalecer a implementação de tais
regulamentações
10.6 Assegurar uma representação e voz mais forte dos países em
desenvolvimento em tomadas de decisão nas instituições econômicas e
financeiras internacionais globais, a fim de produzir instituições mais
eficazes, críveis, responsáveis e legítimas
10.7 Facilitar a migração e a mobilidade ordenada, segura, regular e
responsável das pessoas, inclusive por meio da implementação de políticas
de migração planejadas e bem geridas
10.a Implementar o princípio do tratamento especial e diferenciado para
países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos,
em conformidade com os acordos da OMC
10.b Incentivar a assistência oficial ao desenvolvimento e fluxos
financeiros, incluindo o investimento externo direto, para os Estados onde a
necessidade é maior, em particular os países menos desenvolvidos, os
países africanos, os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os
países em desenvolvimento sem litoral, de acordo com seus planos e
programas nacionais
10.c Até 2030, reduzir para menos de 3% os custos de transação de
remessas dos migrantes e eliminar os corredores de remessas com custos
superiores a 5%

A sustentabilidade, diga-se, inclui variadas dimensões de linhas de atuação


(para FREITAS, 2019, p. 58 - social, ética, jurídico-política, econômica e ambiental), de
tal sorte que a negligência de quaisquer delas tornará a vida planetária menos viável
com o decorrer das décadas vindouras. Mediante o pensamento de Freitas (2019, p. 58-
59):

7 https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5415427 - acesso
em 12 de janeiro de 2023.

8 https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/10 - acesso em 12 de janeiro de 2023.


Dimensão social, no sentido de que não se admite o modelo do
desenvolvimento excludente e iníquo. De nada serve cogitar da
sobrevivência enfastiada de poucos, encarcerados no estilo oligárquico,
relapso e indiferente, que nega a conexão de todos os seres vivos, a ligação
de tudo99 e, desse modo, a natureza imaterial do desenvolvimento.
Logo, não pode haver, sob a égide do novo paradigma, espaço para a
simplificação mutiladora,100 assim como não se admite a discriminação
negativa (inclusive de gênero). Válidas são apenas as distinções voltadas a
auxiliar os desfavorecidos, mediante ações positivas 101 e compensações que
permitam fazer frente à pobreza medida por padrões confiáveis, que levem
em conta necessariamente a gravidade das questões ambientais. 102
Nesse ponto, na dimensão social da sustentabilidade, abrigam-se os
direitos fundamentais sociais, que requerem os correspondentes programas
relacionados à universalização, com eficiência e eficácia, sob pena de o
modelo de governança (pública e privada) ser autofágico e, numa palavra,
insustentável.

Que não se perca de vista, portanto, a inserção do Tema nº 1.046 do STF de tal
dimensionamento especial e contundente.

4 - ARE 1.121.633

Fortemente imbuídos dos princípios elencados, cabe-nos agora identificar esses


direitos trabalhistas não aptos à negociação coletiva. Vamos iniciar nossa procura
através da delimitação do objeto da ARE 1.121.633, a qual originou a publicação do
Tema nº 1.046 do STF.
Nesse processo, inicialmente, o Ministro Gilmar Mendes tinha negado
seguimento ao recurso extraordinário por entender que a questão alusiva a horas in
itinere, a qual o Tribunal Superior do Trabalho tinha entendido que não poderia ser
suprimida por negociação coletiva, era de caráter infraconstitucional. Em 03-05-2019,
contudo, o Supremo, em sessão virtual, por unanimidade, reputou constitucional a
questão e, por igual votação, reconheceu a existência de repercussão geral da questão
constitucional suscitada, com fixação posterior da jurisprudência no Plenário físico.
Interessante a manifestação do então Ministro Marco Aurélio, que colaciona o
seguinte resumo do extenso voto do Relator9:

1. O assessor Dr. David Laerte Vieira prestou as seguintes informações:


Eis a síntese do discutido no recurso extraordinário com agravo nº
1.121.633/GO, relator o ministro Gilmar Mendes, inserido no sistema
eletrônico da repercussão geral em 12 de abril, sexta-feira, sendo o último
dia para manifestação 2 de maio, quinta-feira:

9 https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15340227643&ext=.pdf - acessado em 11 de
janeiro de 2023.
Mineração Serra Grande S.A. interpôs recurso extraordinário, com alegada
base na alínea “a” do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal,
contra acórdão no qual o Tribunal Superior do Trabalho manteve o
entendimento do Juízo acerca da invalidade de supressão, por meio de
acordo coletivo, do tempo despendido pelo empregado até o ambiente
laboral no cômputo da jornada, assentando decorrer o direito de lei.
Afirma violados os artigos 5º, incisos II, XXXV e LV, 7º, incisos XIII e
XXVI, e 8º, inciso III, da Carta da República.
Destaca a constitucionalidade dos instrumentos coletivos de trabalho,
dizendo permitida a flexibilização, mediante negociação coletiva, de
direitos trabalhistas relativos a salário e jornada de trabalho. Sublinha
ultrapassados, no pronunciamento recorrido, os limites da intervenção
judicial e inobservados os princípios da prevalência da negociação coletiva
e segurança jurídica.
O extraordinário não foi admitido na origem. Sucedeu-se o agravo, o qual
foi desprovido, ensejando a interposição de agravo interno.
Em pronunciamento enviado ao Plenário Virtual, o Relator reconsidera a
decisão, julgando prejudicado o agravo interno e passando diretamente à
análise do extraordinário.
Manifesta-se pela constitucionalidade e existência de repercussão geral da
controvérsia alusiva à validade de norma coletiva que restringe direito
trabalhista não assegurado constitucionalmente. Assinala a necessidade de
revisão das teses firmadas nos Temas nº 357 e 762 da sistemática da
repercussão geral, no que adotado entendimento no sentido de
circunscrever-se ao âmbito infraconstitucional a discussão atinente a
disposição de direitos trabalhistas por instrumento coletivo de trabalho.
Assevera que a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos
mesmos limites que a individual, ante a inexistência de assimetria de poder.
Antecipa o voto, dando provimento ao recurso extraordinário para reformar
o acórdão recorrido e julgar improcedente o pedido inicial no tocante ao
pagamento do tempo de deslocamento do empregado ao trabalho. Propõe a
seguinte tese: “Os acordos e convenções coletivos devem ser observados,
ainda que afastem ou restrinjam direitos trabalhistas,
independentemente da explicitação de vantagens compensatórias ao
direito flexibilizado na negociação coletiva, resguardados, em qualquer
caso, os direitos absolutamente indisponíveis, constitucionalmente
assegurados”.(destaquei)

Portanto, fica claro, pelo encaminhamento dado pelo Exmº Ministro


Relator, que a hipótese de prevalência do negociado sobre o legislado seria ampla o
suficiente para abranger toda a legislação infraconstitucional, e é justamente esse o nó
górdio que justifica toda uma discussão sobre tal matéria, posto que haveria uma
destruição, na prática, do sistema protetivo trabalhista quando se incluísse, de lege
ferenda, a quebra do sistema de unicidade sindical. Vários sindicatos representativos da
categoria na mesma base territorial onde todos pudessem negociar livremente as bases
salariais e trabalhistas, sem as limitações impostas pela lei, implicaria num cenário cujo
contingente assalariado poderia ser admitido, pelas empresas, através da análise de qual
sindicato aquele trabalhador pertence: as regras convencionais aplicáveis, por óbvio,
seriam sempre as mais favoráveis ao empregador, a filiação sindical vincularia o
empregado às bases negociadas, facilitando - incentivando, vamos ser sinceros - a
criação dos chamado "sindicalismo marrom”, onde os dirigentes sindicais poderiam ser
aliciados em detrimento dos interesses dos trabalhadores.
Temor precipitado e/ou infundado? Um olhar ligeiro sobre a História da
humanidade diria que é melhor não facilitar tais situações, sob pena de esgarçamento
das relações sociais e suas convulsões consectárias.

4.1 Quadro comparativo

Nada melhor que uma tabela comparativa (autoria própria) para facilitar a
visualização das diferenças e semelhanças entre aquilo que foi proposto inicialmente
para a redação da tese e o texto final, dá para entender de forma muito clara a evolução
da discussão.

Texto inicial Texto final

Os acordos e convenções coletivos devem ser São constitucionais os acordos e as convenções


observados, ainda que afastem ou restrinjam direitos coletivos que, ao considerarem a adequação setorial
trabalhistas, independentemente da explicitação de negociada, pactuam limitações ou afastamentos de
vantagens compensatórias ao direito flexibilizado na direitos trabalhistas, independentemente da explicitação
negociação coletiva, resguardados, em qualquer caso, especificada de vantagens compensatórias, desde que
os direitos absolutamente indisponíveis, respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
constitucionalmente assegurados.

Convergências Divergências

Não há necessidade de explicitar as vantagens Há que se considerar se houve prévia negociação


compensatórias na redução / eliminação de direitos setorial adequada para tais alterações trabalhistas.
trabalhistas.

Devem ser protegidos os direitos absolutamente Não há limitação de tais direitos aos previstos na
indisponíveis Constituição.

Tal delimitação deverá ser o foco orientador das razões da futura publicação do
acórdão da ARE 1.121.633, não obstante o que se pretenda pinçar nas linhas e
entrelinhas das dezenas de páginas que virão, e do(s) embargos de declaração que serão
seguramente interpostos e que serão objeto das mais diversas interpretações postuladas
pelos advogados das partes respectivas.
4.2 RE 590.415 - SC

A curiosidade sobre o texto do acórdão da ARE 1.12.633 pairou por mais de


10 (dez) meses, eis que o julgamento foi realizado em 02/06/2022 e a publicação do
inteiro teor do julgado somente em 28/04/2023 com 183 laudas, sem interposição de
embargos de declaração, com trânsito em julgado certificado em 09/05/2023 e
determinação para retorno dos autos ao TST, na mesma data.
Nesse interregno e, pelo cancelamento da suspensão nacional em
05/12/2022, houve necessidade de julgamentos pela redação da própria certidão e
enunciado do Tema nº 1.046. Um ponto de grande referência foi o julgamento anterior
do STF no Recurso Extraordinário 590.415 - SC, onde ficou discutido o famoso Plano
de Demissão Incentivada (PDI) do antigo Banco do Estado de Santa Catarina (BESC),
atualmente sucedido pelo Banco do Brasil S/A. Tal discussão foi muito conhecida em
âmbito nacional dada a repercussão do tema acerca da amplitude da negociação
coletiva, e deu origem ao Tema nº 152 do STF. Vejamos excertos daquele acórdão10,
de lavra do Ministro Barroso, a primeira parte retirada de sua ementa, a segunda do
corpo da fundamentação:

4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia


coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas,
acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos
mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e
na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O
reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os
trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua
própria vida.

[...]25. Por fim, de acordo com o princípio da adequação setorial


negociada, as regras autônomas juscoletivas podem prevalecer sobre o
padrão geral heterônomo, mesmo que sejam restritivas dos direitos dos
trabalhadores, desde que não transacionem setorialmente parcelas
justrabalhistas de indisponibilidade absoluta. Embora, o critério definidor
de quais sejam as parcelas de indisponibilidade absoluta seja vago, afirma-
se que estão protegidos contra a negociação in pejus os direitos que
correspondam a um “patamar civilizatório mínimo”, como a anotação da
CTPS, o pagamento do salário mínimo, o repouso semanal remunerado, as
normas de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios,
a liberdade de trabalho etc.16 Enquanto tal patamar civilizatório mínimo
deveria ser preservado pela legislação heterônoma, os direitos que o
excedem sujeitar-se-iam à negociação coletiva, que, justamente por isso,
constituiria um valioso mecanismo de adequação das normas trabalhistas

10 https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=306937669&ext=.pdf - acesso em
13/01/2023.
aos diferentes setores da economia e a diferenciadas conjunturas
econômicas17. (negrito do texto original, sublinhado atual)
Por oportuno, as notas de rodapé mencionadas são a seguir transcritas:
16 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit.,
p. 1226-1227. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito
Sindical. Op. cit., p. 401 e ss; MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do
Trabalho. Op. cit., p. 812.
17 É importante ressalvar, contudo, que os limites da autonomia coletiva
constituem questão das mais difíceis, ensejando entendimentos díspares. No
âmbito da doutrina trabalhista, consideráveis vozes defendem que só é
possível reduzir direitos mediante negociação coletiva no caso de
autorização normativa explícita (como ocorre em alguns incisos do artigo 7º
da Constituição) ou desde que não tenham sido deferidos por lei, a qual
deve prevalecer sobre eventual acordo coletivo conflitante. Trata-se,
contudo, de concepção que reduz o âmbito da negociação coletiva a um
campo limitadíssimo.

Aqui o cérebro entra em pânico. É de se lembrar do meme que viralizou por


muitos anos na internet, aquele das “árveres”...11 Bom, se a princípio poder-se-ia
imaginar que, da evolução da redação do texto da Tese nº 1.046 do STF não seriam os
direitos absolutamente indisponíveis limitados aos, constitucionalmente assegurados,
com essa nova redação verifica-se que a pactuação de direitos que podem ser limitados
ou excluídos não se restringem àqueles das cláusulas constitucionais abertas constantes
do art. 7º da CF/88.
Valendo-se do entendimento do Ministro Ramos, do TST (2022):

Não tenho dúvida de que as normas constitucionais abertas, ou seja, aquelas


que expressamente autorizam a flexibilização do direito pela negociação
coletiva, não podem ser invocadas como fundamento para invalidar a
negociação coletiva, a exemplo que dispõem os incisos VI, XIII e XIV do
artigo 7º.

Ademais, as cláusulas constitucionais abertas é que que permitem a presente


discussão, fossem elas fechadas não estar-se-ia nessa lida.

4.3 - Direitos absolutamente indisponíveis

Pois bem, a definição de quais serão os “direitos absolutamente indisponíveis”


dos quais se trata o presente Tema º 1.046 será definido caso a caso pela jurisprudência.
Repetindo os argumentos do Ministro Barroso (2015), embora o critério seja ainda
vago, não podem ser negociados para pior “os direitos que correspondam a um ‘patamar

11 https://www.youtube.com/watch?v=fbsjhKwHQNA - acesso em 16 de janeiro de 2023.


civilizatório mínimo’, como a anotação da CTPS, o pagamento do salário mínimo, o
r.s.r., as normas de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios, a
liberdade de trabalho”, dentre outros.
Segundo o entendimento do Ministro Ramos, do TST, (2022):

Devem ser entendidos direitos absolutamente indisponíveis aqueles


previstos em normas constitucionais que expressamente não autorizam, de
forma implícita ou explícita, a sua flexibilização pela negociação coletiva,
como o artigo 7º, VII, que prevê o direito à garantia de salário, nunca
inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável. São
também inválidas as cláusulas da negociação coletiva que desrespeitem as
normas constitucionais proibitivas, como os inciso XXX, XXXI, XXXII e
XXXIII do artigo 7º.
[...]
Nesta primeira dimensão de direitos absolutamente indisponíveis, concluo
que somente as normas constitucionais fechadas e/ou proibitivas podem ser
consideradas como incluídas no patamar mínimo civilizatório e, assim,
proscritas da negociação coletiva. Assim também são consideradas as
normas constitucionais como entendidas pela jurisprudência constitucional
do STF, nos julgamentos em controle concentrado e difuso.

Como havia sido exposto anteriormente, ao se concluir pela inexistência de um


rol específico de direitos e garantias fundamentais, que possuam a característica de ser
absolutamente indisponíveis, tais garantias podem vir de tratados internacionais
incorporados ao direito pátrio (para os dualistas); de qualquer sorte, não se pode lançar,
de forma tresloucada, a limitar ou afastar direitos trabalhistas.

5 - Cláusulas convencionais anteriores

Com relação à supressão e/ou limitação de cláusulas convencionais instituídas


por acordo ou convenção coletiva de trabalho, tais não podem ser consideradas
inconstitucionais, tampouco integram o rol dos direitos absolutamente indisponíveis.
A Súmula nº 277 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é assim enunciada:

Súmula nº 277 do TST - CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO


OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA.
ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno
realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e
27.09.2012
As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas
integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser
modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.

Contudo, o STF, na ADPF 323, em maio de 2022, entendeu por declarar a


inconstitucionalidade da Súmula nº 277 do TST, assim como são inconstitucionais
quaisquer interpretações ou decisões judiciais que entendam que o art. 114, parágrafo
segundo, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº
45/2004, autorizem a aplicação do princípio da ultratividade de normas de acordos e de
convenções coletivas.
O legislador havia dado nova redação ao art. 614 da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), em especial no seu § 3º:

Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo


coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.
(Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

6 - Prevalência do acordo sobre a convenção coletiva de trabalho

Um tema outrora de extrema discussão foi sepultado (teria sido…) pela


Reforma Trabalhista, qual seja, a previsão do art. 620 da CLT acerca de qual disposição
a ser aplicada em caso de divergências entre uma convenção coletiva de trabalho (CCT)
e um acordo coletivo de trabalho (ACT). Pela redação do Decreto-lei nº 229, de
28.2.1967, tinha-se que:

Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção quando mais


favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo (texto revogado).

A doutrina e jurisprudência se fartaram em estipular qual seria a melhor forma


de análise deste artigo, dividindo-se entre aqueles que defendiam o princípio da
atomização (cada cláusula deveria ser analisada separadamente) ou do conglobamento,
onde o conjunto de normas mais favoráveis, sejam estabelecidas em acordo ou
convenção, é que deveria ser aplicado ao obreiro.
Pela novel dicção do artigo em questão, dada pela Lei nº 13.467, de 2017, ficou
estabelecido que:

Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho


sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de
trabalho.

Pela publicação do Tema nº 1.046 do Supremo, contudo, deve ser acrescentada


- sob pena de inconstitucionalidade - a seguinte condicionante: desde que respeitados os
direitos absolutamente indisponíveis.

7 - O curioso artigo 611 da CLT


O que dizer de limitações infraconstitucionais expressas sobre disposições
ilícitas de acordos e convenções coletivas do trabalho? Pelas lentes instaladas em nossas
câmeras de análise, não há negar validade às mesmas. Pela redação do art. 611-B da
CLT, dada pela Lei nº 13.467 de 2017, a chamada Reforma Trabalhista:

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo


coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos
seguintes direitos:
I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira
de Trabalho e Previdência Social;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
IV - salário mínimo;
V - valor nominal do décimo terceiro salário;
VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção
dolosa;
VIII - salário-família;
IX - repouso semanal remunerado;
X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50%
(cinquenta por cento) à do normal;
XI - número de dias de férias devidas ao empregado;
XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais
do que o salário normal;
XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias;
XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei;
XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
específicos, nos termos da lei;
XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de
trinta dias, nos termos da lei;
XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei
ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou
perigosas;
XIX - aposentadoria;
XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;
XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho,
com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e
rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios
de admissão do trabalhador com deficiência;
XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de
dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na
condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;
XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício
permanente e o trabalhador avulso;
XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador,
inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência,
qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção
coletiva ou acordo coletivo de trabalho;
XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a
oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele
defender;
XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e
disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da
comunidade em caso de greve;
XXIX - tributos e outros créditos de terceiros;
XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394,
394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são
consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para
os fins do disposto neste artigo.

Para uma melhor visualização de todas as limitações impostas pela legislação


infraconstitucional, vai a redação dada por diversos dispositivos legais aos artigos da
CLT mencionados pelo inc. XXX supra, os quais, na quase totalidade, garantem normas
de proteção ao trabalho da mulher:

Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as


distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas
especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:
I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao
sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da
atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir
II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão
de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a
natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;
III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável
determinante para fins de remuneração, formação profissional e
oportunidades de ascensão profissional
IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de
esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;
V - impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de
inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de
sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;
VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas
ou funcionárias.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas
temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre
homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as
distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as
condições gerais de trabalho da mulher.
Art. 390 - Ao empregador é vedado empregar a mulher em serviço que
demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o
trabalho contínuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional.
Parágrafo único - Não está compreendida na determinação deste artigo a
remoção de material feita por impulsão ou tração de vagonetes sobre
trilhos, de carros de mão ou quaisquer aparelhos mecânicos.
Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120
(cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.
§ 1º A empregada deve, mediante atestado médico, notificar o seu
empregador da data do início do afastamento do emprego, que poderá
ocorrer entre o 28º (vigésimo oitavo) dia antes do parto e ocorrência deste.
§ 2º Os períodos de repouso, antes e depois do parto, poderão ser
aumentados de 2 (duas) semanas cada um, mediante atestado médico.
§ 3º Em caso de parto antecipado, a mulher terá direito aos 120 (cento e
vinte) dias previstos neste artigo.
§ 4º É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e
demais direitos:
I - transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem,
assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o
retorno ao trabalho;
II - dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização
de, no mínimo, seis consultas médicas e demais exames complementares.
Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins
de adoção de criança ou adolescente será concedida licença-maternidade
nos termos do art. 392 desta Lei.
§ 4º A licença-maternidade só será concedida mediante apresentação do
termo judicial de guarda à adotante ou guardiã.
§ 5º A adoção ou guarda judicial conjunta ensejará a concessão de
licença-maternidade a apenas um dos adotantes ou guardiães empregado ou
empregada.
Art. 394 - Mediante atestado médico, à mulher grávida é facultado romper
o compromisso resultante de qualquer contrato de trabalho, desde que este
seja prejudicial à gestação.
Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do
adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a
gestação;
II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo,
III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau,
§ 2º Cabe à empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à
lactante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da
Constituição Federal, por ocasião do recolhimento das contribuições
incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou
creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço.
§ 3º Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos
termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na
empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a
percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei nº 8.213, de 24 de
julho de 1991, durante todo o período de afastamento.
Art. 395 - Em caso de aborto não criminoso, comprovado por atestado
médico oficial, a mulher terá um repouso remunerado de 2 (duas) semanas,
ficando-lhe assegurado o direito de retornar à função que ocupava antes de
seu afastamento.
Art. 396. Para amamentar seu filho,inclusive se advindo de adoção, até
que este complete 6 (seis) meses de idade, a mulher terá direito, durante a
jornada de trabalho, a 2 (dois) descansos especiais de meia hora cada um.
Art. 400 - Os locais destinados à guarda dos filhos das operárias durante o
período da amamentação deverão possuir, no mínimo, um berçário, uma
saleta de amamentação, uma cozinha dietética e uma instalação sanitária.

Parece-nos bastante inglória a tarefa daqueles que pretenderem a validação de


quaisquer normas convencionais que ofendam ou limitem as disposições legais retro
mencionadas. O que dizer, agora, das hipóteses previstas no art. 611-A da mesma
Consolidação, com a redação dada pela Lei nº 13.467 de 2017? A dicção da Reforma
Trabalhista tem validade absoluta nas validações do negociado sobre o legislado? Ao
texto da lei:

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm


prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites
constitucionais;
II - banco de horas anual;
III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos
para jornadas superiores a seis horas;
IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei n o
13.189, de 19 de novembro de 2015;
V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal
do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como
funções de confiança;
VI - regulamento empresarial;
VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo
empregado, e remuneração por desempenho individual;
X - modalidade de registro de jornada de trabalho;
XI - troca do dia de feriado;
XII - enquadramento do grau de insalubridade;
XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia
das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos
em programas de incentivo;
XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.

De primeira leitura se destacam alguns incisos que podem facilmente ser


questionados, numa negociação coletiva, caso limitem ou excluam direitos trabalhistas,
entendendo que houve ofensa ao patrimônio absolutamente indisponível; exemplos:
- alteração nominal in pejus de parcelas remuneratórias, previstas no inc.
IX, de produtividade, gorjetas e desempenho individual - o próprio texto
menciona serem remuneratórias;
- o enquadramento taxativo do inc. XII - e não mínimo - de uma atividade
num percentual de insalubridade, posto que as condições de trabalho são
extremamente variáveis, e pode haver a definição, por perícia técnica, de
insalubridade em grau superior;
- a aludida prorrogação de trabalho do inc. XIII de ambientes insalubres
sem necessidade de licença ministerial prévia.
O tema nº 1.046 do STF traz um aspecto prático de cunho relevantíssimo na
órbita do controle de constitucionalidade, posto que chamou o Supremo para si a
definição direta de inconstitucionalidade em caso de cláusulas convencionais que
limitem ou afastem direitos trabalhistas absolutamente indisponíveis, e, portanto, não
há necessidade de controle difuso da constitucionalidade pelo primeiro grau de
jurisdição trabalhista ao deixar de aplicar uma disposição legal - tal como a do art. 611-
A da CLT -, tampouco (em fase recursal) os tribunais necessitam de submeter tal
apreciação ao Pleno para controle direto de constitucionalidade, ou seja, não há
violação à Súmula Vinculante nº 10 do STF.

8 - Texto do Acórdão - ARE 1.121.633 / GO

Finalmente, após mais de 10 (dez) meses, houve a publicação do inteiro


teor do julgado do RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.121.633
GOIÁS em 28/04/202312, com 183 laudas, sem interposição de embargos de
declaração, trânsito em julgado certificado em 09/05/2023 e determinação para baixa
dos autos ao TST, na mesma data.
Inicia o Exmº Ministro Relator Gilmar Mendes - o seu voto - em
esclarecer aspectos acerca da abrangência do julgamento, o qual não se restringe às
horas in itinere originárias do RE 1.121.63313.

Na situação posta em exame, o reconhecimento da existência de


repercussão geral do tema 1.046 se deu em virtude da evolução de
interpretações conferidas à temática da validade de acordos e de
convenções coletivas.
Não por outro motivo, o próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST)
filiou-se ao posicionamento de que o tema 1.046 da repercussão geral
ultrapassa a discussão acerca da flexibilização do pagamento de horas in
itinere.

Delimita aspectos particulares que excluiu da demanda, tais como “a validade


de políticas públicas de inclusão da pessoa com deficiência e dos jovens e adolescentes
no mercado de trabalho, que são definidas em legislação específica”, menciona a
questão do sobrestamento do feito, o qual S. Exª determinou em 1º de agosto de 2019,
e depois faz um estudo particular sobre o sindicalismo brasileiro e das negociações
coletivas à luz da Constituição Federal de 198814.

12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário Com Agravo nº 1.121.633 / GO.
Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, DF, 02 de junho de 2022. Brasília, 28 abr. 2023. Disponível
em https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15357610710&ext=.pdf acesso em 12 de
maio de 2023.
13 jurisp. cit. - p. 16.
14 jurisp. cit. - pp. 21 e 22.
Ora, é preciso aceitar que a Constituição de 1988 aconteceu; e, com ela,
uma nova configuração entre público e privado, entre a esfera estatal e a
sociedade. Simplesmente negar a autonomia coletiva para deliberar sobre
condições de trabalho próprias a determinada categoria, promovendo
anulações seletivas daquilo que foi acordado entre forças econômicas e
profissionais autônomas, acaba por representar uma reedição da tutela do
Estado sobre os sindicatos
[...]
Justamente por ser clara a opção do constituinte de privilegiar a força
normativa dos acordos e convenções coletivas de trabalho, a jurisprudência
recente do STF tem reconhecido que o debate sobre a validade de normas
coletivas que afastam ou limitam direitos trabalhistas possui natureza
constitucional.

Em seu extenso voto, o Min. Gilmar Mendes assim preconiza15

A partir da jurisprudência acumulada deste Tribunal em torno do tema,


entendo oportuno fixar 3 (três) balizas ou premissas básicas para a revisão
judicial de normas coletivas. Repiso que essas balizas, a meu ver, apenas
projetam o que já foi decidido por esta Corte em outras oportunidades.
III.A – Princípio da equivalência entre negociantes. Inaplicabilidade do
princípio protetivo ou da primazia da realidade.
[...]
III.B – Teoria do conglobamento na apreciação de normas coletivas.
Impossibilidade de interpretação baseada na dissecação de compensações
individuais.
[...]
III.C – Disponibilidade ampla dos direitos trabalhistas em normas coletivas,
resguardado o patamar mínimo civilizatório.

Vejamos o que consta do V. Acórdão sobre a definição de quais sejam


direitos absolutamente indisponíveis16:

Isso conduz ao principal ponto desse princípio: a definição dos direitos


absolutamente indisponíveis. Em regra, as cláusulas de convenção ou
acordo coletivo não podem ferir um patamar civilizatório mínimo,
composto, em linhas gerais, (i) pelas normas constitucionais, (ii) pelas
normas de tratados e convenções internacionais incorporadas ao Direito
Brasileiro e (iii) pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram
garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores.

Aquilo que, a princípio, poder-se-ia imaginar uma amplitude muito grande na


autonomia do negociado frente ao legislado, vem o texto17:

15 jurisp. cit. - pp. 25 e ss.


16 jurisp. cit. - p. 34.
17 jurisp. cit. - p. 37.
Considerando que, na presente ação, não estamos discutindo a
constitucionalidade dos arts. 611-A e 611-B da CLT, entendo que uma
resposta mais efetiva sobre os limites da negociabilidade coletiva deve ser
buscada na própria jurisprudência consolidada do TST e do STF em torno
do tema.
A jurisprudência do TST tem considerado que, estando determinado
direito plenamente assegurado por norma imperativa estatal
(Constituição, Leis Federais, Tratados e Convenções Internacionais
ratificados), tal norma não poderá ser suprimida ou restringida pela
negociação coletiva trabalhista, a menos que haja autorização legal ou
constitucional expressa.
Portanto, são excepcionais as hipóteses em que acordo ou convenção
coletivos de trabalho podem reduzir garantias previstas no padrão geral
heterônomo justrabalhista. Isso ocorre somente nos casos em que a lei ou
a própria Constituição Federal expressamente autoriza a restrição ou
supressão do direto (rectius direito) do trabalhador.

Na sequência, há menção expressa ao “voto do Ministro Roberto Barroso,


relator do processo-paradigma do tema 152 da repercussão geral” mencionado no item
5.2 deste artigo. Continua o Exmº Relator18:

Assim, ainda que de forma não exaustiva, entendo que a jurisprudência


do próprio TST e do STF considera possível dispor, em acordo ou
convenção coletiva, ainda que de forma contrária a lei sobre aspectos
relacionados a: (i) remuneração (redutibilidade de salários, prêmios,
gratificações, adicionais, férias) e (ii) jornada (compensações de jornadas
de trabalho, turnos ininterruptos de revezamento, horas in itinere e jornadas
superiores ao limite de 10 horas diárias, excepcionalmente nos padrões de
escala doze por trinta e seis ou semana espanhola). (negrito atual)
Por outro lado, é entendimento assente do TST que as regras de intervalos
intrajornadas, bem como as que estabelecem o limite legal de 5 (cinco)
minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho, não podem ser
suprimidas ou alteradas por convenções coletivas.

Em tabela de cunho próprio, estabelece o voto 19, tendo a redação das súmulas e
orientação jurisprudencial sido colacionadas do próprio endereço eletrônico do TST:

1 - Possibilidade de negociação coletiva:


1.1 Súmula nº 358 do TST - erroneamente mencionada, pois se trata, na
verdade, da OJ da SDI-1 de mesmo número:

SALÁRIO MÍNIMO E PISO SALARIAL PROPORCIONAL À


JORNADA REDUZIDA. EMPREGADO. SERVIDOR PÚBLICO.

18 jurisp. cit. - p. 38.


19 jurisp. cit. - pp. 39-40.
I - Havendo contratação para cumprimento de jornada reduzida, inferior à
previsão constitucional de oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais,
é lícito o pagamento do piso salarial ou do salário mínimo proporcional ao
tempo trabalhado.
II Na Administração Pública direta, autárquica e fundacional não é válida
remuneração de empregado público inferior ao salário mínimo, ainda que
cumpra jornada de trabalho reduzida. Precedentes do Supremo Tribunal
Federal.
Observação: (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em
16.02.2016) - Res. 202/2016, DEJT divulgado em 19, 22 e 23/2/2016.

1.2 - Súmula nº 85 do TST em seus itens I e II:

SUM-85 COMPENSAÇÃO DE JORNADA (inserido o item VI) - Res.


209/2016, DEJT divulgado em 01, 02 e 03.06.2016
I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo
individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85
- primeira parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se
houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-I -
inserida em 08.11.2000)

1.3 - Súmula nº 423 do TST:

SUM-423 TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. FIXAÇÃO


DE JORNADA DE TRABALHO MEDIANTE NEGOCIAÇÃO
COLETIVA. VALIDADE (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 169
da SBDI-I) - Res. 139/2006 – DJ 10, 11 e 13.10.2006
Estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio
de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos
ininterruptos de revezamento não tem direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas
como extras.

1.4 - Horas in itinere:

É válida norma coletiva por meio da qual categoria de trabalhadores


transaciona o direito ao cômputo das horas in itinere na jornada diária de
trabalho em troca da concessão de vantagens de natureza pecuniária e de
outras utilidades. (RE-AgR-segundo 895.759, Rel. Min. Teori Zavascki,
Segunda Turma, DJe 23.5.2017

2 - Impossibilidade de negociação coletiva:


2.1 - Súmula 375 do TST:

SUM-375 REAJUSTES SALARIAIS PREVISTOS EM NORMA


COLETIVA. PREVALÊNCIA DA LEGISLAÇÃO DE POLÍTICA
SALARIAL (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 69 da SBDI-I e da
Orientação Jurisprudencial nº 40 da SBDI-II) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e
25.04.2005
Os reajustes salariais previstos em norma coletiva de trabalho não
prevalecem frente à legislação superveniente de política salarial. (ex-OJs
nºs 69 da SBDI-I - inserida em 14.03.1994 - e 40 da SBDI-II - inserida em
20.09.2000)
2.2 - Súmula 85 do TST, item VI, do TST:

VI - Não é válido acordo de compensação de jornada em atividade


insalubre, ainda que estipulado em norma coletiva, sem a necessária
inspeção prévia e permissão da autoridade competente, na forma do art. 60
da CLT.

2.3 - Súmula 437, item II, do TST:

SUM-437 INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E


ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das
Orientações Jurisprudenciais nºs 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-I) -
Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
II - É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho
contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este
constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por
norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988),
infenso à negociação coletiva.

2.4 - Súmula 449 do TST:

SUM-449 MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA


DE TRABALHO. LEI Nº 10.243, DE 19.06.2001. NORMA COLETIVA.
FLEXIBILIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. (conversão da Orientação
Jurisprudencial nº 372 da SBDI-I) – Res. 194/2014, DEJT divulgado em
21, 22 e 23.05.2014
A partir da vigência da Lei nº 10.243, de 19.06.2001, que acrescentou o §
1º ao art. 58 da CLT, não mais prevalece cláusula prevista em convenção
ou acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que antecedem e
sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras.

A partir de então, o texto do Acórdão do Exmº Relator vai para a análise do


caso concreto das horas in itinere.

9 - Considerações Finais

Definir a norma acerca dos direitos trabalhistas possíveis de ser afastados


ou limitados por negociação coletiva não é tarefa simples, como qualquer tema do
Direito do Trabalho. Concluímos pela necessidade de ser observados princípios
garantistas e pacifistas de Luigi Ferrajoli, bem como bem como o alinhamento às
previsões das Nações Unidas para a Agenda 2030, em especial o Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) de números 8, 10 e 16.
Com a definição de controle de constitucionalidade trazida pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) no no julgamento da ARE 1.121.633, com o Tema Jurídico nº
1.046, verifica-se que houve um entendimento ampliativo para abranger a possibilidade
de limitação ou afastamento de direitos trabalhistas previstos na legislação
infraconstitucional, não ficando a negociação coletiva restrita às cláusulas
constitucionais abertas do art. 7º da CF-88. Por outro lado, o cuidado especial que se
deve ter com tema tão delicado - prevalência do negociado sobre o legislado - que pode
interferir e mudar o Direito do Trabalho, tal como o conhecemos, faz com que haja
necessidade de ser respeitados os direitos absolutamente indisponíveis, sejam eles
previstos na ordem constitucional ou legal trabalhista.
Que não se queira, portanto, mergulhar em direitos essenciais previstos
desde o art. 5º da Constituição, tais como o de igualdade entre homens e mulheres,
legalidade, práticas de tortura, liberdade de pensamento, e todos os seus demais incisos,
os direitos sociais amplos do art. 6º, as cláusulas conferidoras de direitos mínimos do
art. 7º, e a liberdade de associação do art. 8º e ss. As proibições expressas no art. 611-B
também são fator impeditivo de reconhecimento de prevalência do negociado sobre o
legislado.
Por fim, e toda e qualquer limitação ou alienação de direitos expressos na
constituição, lei, tratados internacionais ou situações não legisladas que ofendam os
direitos fundamentais e absolutamente indisponíveis são passíveis de ser declarados
inconstitucionais por força do Tema nº 1.046 do STF por parte da jurisprudência, sem
ofensa à Súmula Vinculante nº 10 do mesmo Supremo.
Considerando que o acórdão ARE 1.121.633 / GO, que deu dicção ao
Tema nº 1.046 do STF, está publicado e com trânsito em julgado, agora a jurisprudência
pode estipular, com um pouco mais de clareza, os horizontes a ser delimitados para a
prevalência do negociado sobre o legislado - até que outra reforma legislativa advenha.

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores
Ltda., 1986. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª edição alemã Theorie der
Grundrechte publicada pela Suhrkamp Verlag (2006).

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário Com Agravo nº 1.121.633


/ GO. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, DF, 02 de junho de 2022. Brasília, 28
abr. 2023. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?
id=15357610710&ext=.pdf acesso em 12 de maio de 2023.

FERRAJOLI, Luigi. Razones Jurídicas Del Pacifismo. Madrid: Editorial Trotta, 2004.
Edición de Gerardo Pisarello.

FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo


garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução de Alexander Araújo
de Souza et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade - Direito ao futuro. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum,


2019.
PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 14.ed. rev.
atual. e amp. Florianópolis: EMais, 2018.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: Ideias e ferramentas úteis para o
pesquisador do direito. 8. ed. Florianópolis: Oab Editora, 2003. 243 p.

RAMOS, Alexandre Luiz. Opinião: O conceito de direito absolutamente


indisponível contido no Tema 1.046. 2022. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2022-set-30/alexandre-luiz-ramos-direito-absolutamente-
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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 30. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira Vasques Gomes.

ZANON JUNIOR, Orlando Luiz. Teoria Complexa do Direito. 3 ed. São Paulo: Tirant
lo Blanch, 2019.

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